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C O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A LC O N S E L H O E D I T O R I A L

Ainhoa Larrañaga Elorza (Espanha)

Aldacy Rachid Coutinho (Brasil)

Boaventura de Sousa Santos (Portugal)

Carlos Frederico Marés de Souza Filho (Brasil)

Celso Luiz Ludwig (Brasil)

Claus Magmo Germer (Brasil)

Gonçalo Dias Guimarães (Brasil)

Jacques Chonchol Chait (Chile)

José Antônio Peres Gediel (Brasil)

Jose Cademartori Invernizzi (Chile)

José Juliano de Carvalho Filho (Brasil)

Liana Frota Carleial (Brasil)

Márcio Pochmann (Brasil)

Paul Israel Singer (Brasil)

Plínio de Arruda Sampaio (Brasil)

Rui Namorado (Portugal)

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José Antônio Peres Gediel

(Organizador)

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Estudos de direito cooperativo e cidadania / Organizador

José Antônio Peres Gediel. – Curitiba : Programa de

Pós-Graduação em Direito da UFPR, n. 1 (2007).

244 p.

1. Direito Cooperativo. 2. Cidadania. 3. Cooperativismo.

I. Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR.

II. Universidade Federal do Paraná.

CDU 334:331(81)

EQUIPE TÉCNICA

Eduardo Faria Silva (Doutorando - UFPR)

Felipe Drehmer (Acadêmico - UFPR)

Giovana Bonilha Milano (Acadêmica - UFPR)

Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel (Organizador)

© Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito – UFPR 2007

COORDENAÇÃO EDITORIALAntônia Schwinden

CAPAGlauce Midori Nakamura

EDITORAÇÃO ELETRÔNICAIvonete Chula dos Santos

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A P R E S E N T A Ç Ã OA P R E S E N T A Ç Ã OA P R E S E N T A Ç Ã OA P R E S E N T A Ç Ã OA P R E S E N T A Ç Ã O

José Antônio Peres Gediel*

É com grande satisfação que apresentamos este segundovolume do “Direito Cooperativo e Cidadania” produzida graçasao apoio material do FINEP e intelectual de pesquisadores daUFPR e de outras universidades nacionais e estrangeiras.

Os temas deste volume são variados e profundos, comovariada e complexa é a discussão sobre o lugar do cooperativismoe de suas vertentes atuais, nas sociedades contemporâneas.

Por essas razões, é sempre necessário articular a históriado cooperativismo com suas potencialidades, bem como permitiro diálogo de seus críticos mais contundentes com os teóricosda sua permanente reconstrução.

O direito também comparece para apontar formas deorganização autogestionárias e cooperativas que promovemreconhecimento desses espaços coletivos de trabalho eprodução, pelo Estado de Direito, e facilitam sua inserção naspolíticas públicas de diminuição da pobreza e da marginalização.

A diversidade de experiências e propostas emerge doconjunto dos textos e possibilitam diversas leituras, interpretaçõese usos. O nosso propósito com esta publicação é o debatee a pesquisa nas universidades e em outros espaços dasociedade brasileira.

* Doutor em Direito das Relações Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Direito daUniversidade Federal do Paraná, professor de Direito Civil da mesma Universidade e coordenadordo Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania.

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S U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I O

APRESENTAÇÃO ................................................................... 5José Antônio Peres Gediel

COOPERATIVISMO – HISTÓRIA E HORIZONTES ..................... 9Rui Namorado

LEGISLACIÓN Y COOPERATIVISMO:EXPERIENCIA COOPERATIVA DE MONDRAGÓN ...................... 37Ainhoa Larrañaga

A ‘ECONOMIA SOLIDÁRIA’: UMA CRÍTICA MARXISTA ............ 51Claus Germer

A LEGITIMIDADE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: OS EIXOSPRINCIPIOLÓGICOS DOS GRUPOS POPULARES PARA ALEGALIDADE NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITOBRASILEIRO – PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA ............. 75Eloíza Mara da Silva, Fernanda de Oliveira Santos

CONFIGURAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DO COOPERATIVISMOBRASILEIRO .......................................................................... 89Daniele Regina Pontes

A EVOLUÇÃO RECENTE DA QUESTÃO AGRÁRIA E OSLIMITES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO GOVERNO LULAPARA O MEIO RURAL ........................................................... 113Pedro Ivan Christoffoli

UM PANORAMA DO COOPERATIVISMO NO MOVIMENTODOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA E O CASODA COOPROSERP .................................................................. 155Adilson Korchak, José Augusto Guterres

PARECER: PROJETO DE LEI N.º 7.009/06 ............................... 187Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania do Programa de Pós-graduação em

Direito da Universidade Federal do Paraná – NDCC/UFPR

PARECER: TRANSFERÊNCIA DE COTA PARTE DE COOPERATIVA ... 205Eduardo Faria Silva, José Antônio Peres Gediel

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RESENHA ............................................................................. 211Felipe Drehmer, Ricardo Prestes Pazello

INDICAÇÃO DE LEITURAS ....................................................... 233

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA –UFPRMESTRES .............................................................................. 237MESTRANDOS ....................................................................... 240

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* Este texto teve por base uma conferência proferida, em 29 de Agosto de 2006, emCuritiba, no 1º Seminário de Direito Cooperativo, Políticas Públicas e Cidadania, realizado naUniversidade Federal do Paraná.

** Doutor em Economia (1994), na área do Direito Econômico, pela Faculdade deEconomia da Universidade de Coimbra. Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidadede Coimbra; coordenador do Centro de Estudos Cooperativos da Faculdade de Economia daUniversidade de Coimbra. Dentre suas recentes publicações, citam-se: “La sociedad cooperativaeuropea. Problemas y perspectivas”, in Rafael Chaves, Gemma Fajardo y Rui Namorado(coordinadores), Integración Empresarial Cooperativa, Valencia, CIRIEC-ESPAÑA, 2003; “ASociedade Cooperativa Europeia – problemas e perspectivas”, Coimbra, Oficina do CES n.º 189,2003; “Cooperativismo e Economia Social – valorização de um espaço problemático (a propósitodo II Colóquio Ibérico de Cooperativismo e Economia Social)”, Cooperativas e Desenvolvimento, n.º24, Lisboa, 2003; Horizonte Cooperativo – político e projecto”, Coimbra, Almedina, 2001.

COOPERAT IV ISMO – H ISTÓR IAE HOR I ZONTES *****

Rui Namorado**

RESUMO: Este texto reflete sobre o futuroesperado para o cooperativismo,considerando o seu código genético, bemcomo os aspectos marcantes de suatrajetória histórica. Como realidadessocialmente significativas, as práticascooperativas firmaram-se nas primeirasdécadas do século XIX, assumindoparticular relevância na Inglaterra, França,Alemanha, Itália, Bélgica, em especial nosdois primeiros países. Entendido ocooperativismo como uma síntese e umatensão entre pragmatismo e utopia, entrea utilidade imediata e a alternativaprospectiva, a idéia de um horizontecooperativo implica uma permanenteabertura aos desafios concretos de cadasociedade e uma ambição utópicasustentada quanto ao futuro.

PALAVRAS-CHAVE: cooperativismo;trajetória histórica; horizonte cooperativo.

RESUMEN: Este texto reflexiona sobre elfuturo esperado para el cooperativismo,considerando su código genético, biencomo los aspectos marcantes de sutrayectoria histórica. Con realidadessociales significativas, las prácticascooperativas ocurren en las primerasdécadas del siglo XIX, asumiendoparticular relevancia en Inglaterra,Francia, Alemania, Italia, Bélgica, enespecial en los dos primeros países.Entendido el cooperativismo cómo unasíntesis y una tensión entre pragmatismoy utopía, entre la utilidad inmediata y laalternativa prospectiva, la idea de unhorizonte cooperativo implica unapermanente abertura a los desafíosconcretos de cada sociedad y una ambiciónutópica sustentable cuanto al futuro.

PALABRAS-CLAVE: cooperativismo;trayectoria histórica.

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1 INTRODUÇÃO

1.1. A distorção mediática, espelho da ideologiadominante, tende a reduzir o cooperativismo a uma difusasombra de si próprio, sugerindo-o como um resíduo utópicode uma época passada. Um simples olhar para os dadosestatísticos fornecidos pela Aliança Cooperativa Internacionalpermitirá, no entanto, mostrar como essa imagem mediáticanos afasta da realidade.

De facto, um movimento social que envolve hoje, emtodo mundo, mais de setecentos milhões de cooperadores1

não pode ser confinado à marginalidade. É preciso, por isso,fazer regressar o cooperativismo ao seu lugar, dando-lhe umaimportância que realmente o reflicta.

Vou usar neste texto a palavra cooperativismo comose ela significasse o mesmo que a expressão fenómenocooperativo, embora seja possível reconhecer facilmente algumasdiferenças. A primeira tem, na verdade, desde logo, umaconotação doutrinária e normativa mais nítida, reflectindo talvezmelhor a ideia de movimento e de dinâmica. A segunda pareceter uma vocação descritiva mais acentuada. Mas a fungibilidadeentre ambas, quanto ao essencial, não me parece que possaser posta em causa.

1.2. Na história do cooperativismo vou valorizarparticularmente a sua génese, as suas raízes estruturantes,procurando nos segmentos iniciais da sua trajectória históricaos aspectos mais sintomáticos da sua evolução.

Quanto à procura do que há de mais esperançoso noshorizontes que se oferecem como possíveis à evolução do

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

1 A consulta dos dados estatísticos fornecidos pela Aliança CooperativaInternacional (ACI), por meio do seu site ou das suas publicações oficiais,permitirá confirmar facilmente esses números.

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fenómeno cooperativo, darei o devido relevo à ambição utópicainscrita na cooperatividade. Uma ambição utópica feita de umanatural intimidade com o futuro e que não se deixa confinar aotipo de sociedade actualmente dominante.

Numa palavra, vou tentar compreender que futuro esperao cooperativismo, dando toda a importância ao seu códigogenético, bem como aos aspectos mais marcantes da suatrajectória histórica até ao que podemos considerar a suamaturidade. Mas não vou esquecer que verdadeiramente nãohá um futuro de esperança para colher sem esforço, nem umhorizonte de pesadelo de que se não possa escapar. Entre osfuturos possíveis, acontecerá aquele que formos capazes deconstruir, aquele de que o movimento cooperativo for capaz,em sinergia com o esforço e a inteligência dos cooperativistase dos cidadãos.

1.3. Nesta introdução pode ser útil incluir como pontoprévio, uma breve memória dos aspectos mais relevantes dofenómeno cooperativo na actualidade.

1.3.1. Ele corresponde a uma vasta rede de organizaçõesempresariais, da mais variada dimensão, com incidência emtodos os sectores da actividade económica, envolvendo, comojá se disse, mais se 700 milhões de cooperadores, distribuídospor todos os continentes.

1.3.2. Está repartido por mais de uma dezena de ramoscooperativos, entre os quais podem ser destacados: o do consumo,o de crédito, o agrícola, o da habitação, o da comercialização,o da produção operária, o da cultura e o da educação.

1.3.3. Assume, como identidade distintiva universalmentereconhecida, um conjunto de princípios, um leque de valores euma noção.

1.3.4. A sua energia propulsora advém de uma dasprincipais forças congregadoras das sociedades humanas – a

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cooperação. Ou seja, estamos perante uma congregação depráticas sociais centrada na cooperação.

1.3.5. O fenómeno cooperativo emergiu historicamentecomo parcela do movimento operário, tendo-se diferenciadono seu interior sem deixar de ser um dos seus pilares, o que oligou umbilicalmente ao capitalismo.

1.3.6. Tem uma relação complexa com o capitalismo,pois pode rever-se nele, quer como uma compensação do queno capitalismo seja mais insuportavelmente predatório, quercomo um foco de resistência à lógica dominante, quer comoum verdadeiro alfobre de alternatividade.

1.3.7. A sua diferenciação, autonomizando-o, consumoue robusteceu a natureza empresarial das actividades porele implicadas.

1.3.8. É um fenómeno social multifacetado ou, sequisermos, pode encarar-se: ou como um movimento social;ou como um sector de propriedade dos meios de produção.

1.3.9. Por último, para o compreender em toda a suadinâmica, o fenómeno cooperativo pode ser visto como parcelaque se integra simultaneamente em várias constelações. Essasconstelações, tendo em comum o fenómeno cooperativo,instituem-no como um campo de forças onde se conjugamimpulsos diversos. Impulsos de cooperação, pela naturezacooperativa das práticas sociais em jogo; impulsos próprios domovimento operário, por estarmos perante um dos seus pilares;impulsos pela inserção na economia social, por estarmos peranteentidades que, claramente, a integram.

1.4. Como segundo ponto prévio, vamos propor umanoção de cooperativa que esgote toda a sua amplitude,valorizando o facto de estarmos perante uma entidade que:

• é uma síntese de associação e de empresa;• baseia-se na cooperação e na entreajuda dos seus

membros;

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• assume como determinantes a democracia interna e

a participação;

• não tem fins lucrativos;

• procura responder a necessidades e aspirações, quer

económicas, quer sociais, quer culturais;

• é autónoma e independente, em face de quaisquer

focos de poder que se lhe queiram impor de fora;

• tem capital e composições variáveis;

• é dotada de personalidade jurídica.

2 A COOPERAÇÃO, COMO RAIZ DO FENÓMENO COOPERATIVO

2.1. Destacar a raiz do fenómeno cooperativo está

longe de ser um simples ornamento conceptual, destinado a

dar cor a uma narrativa histórica. De facto, só assim poderemos

compreender a sua lógica mais funda. Só assim poderemos

valorizar adequadamente o seu princípio activo. Só assim

poderemos ancorar devidamente a sua especificidade

incontornável. Mas, fundamentalmente, só assim tornaremos

evidente que as práticas cooperativas não são uma prótese

doutrinária recente, introduzida circunstancialmente na história

pela imaginação de uns poucos e pela força das circunstâncias,

destinada a regressar rapidamente ao território perdido

das memórias.

De facto, na raiz do fenómeno cooperativo está a

cooperação,2 esse tecido conjuntivo das acções colectivas,

desde sempre presente nas sociedades humanas.

Como é sabido, houve um tempo em que as sociedades

humanas sobreviviam na medida em que os seus membros

2 Veja-se, no mesmo sentido, PINHO, 1962: 65 e ss.; e também 2004.116 e ss.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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cooperassem entre si. A cooperação era então uma verdadeiracondição de sobrevivência. Era a época de uma cooperaçãolivre entre iguais, como expressão directa de uma necessidadecolectiva de sobrevivência e progresso, que assim se revelavacomo um elemento nuclear do tecido social.

Vieram depois as sociedades de exploração,hierarquicamente diferenciadas, em que a colaboração produtiva,necessária à sobrevivência da sociedade, se projectava tambémcomo factor de enriquecimento de uma parte das sociedades àcusta da outra. A cooperação é agora funcional, decorrendoem termos socialmente construídos, marcados pela distribuiçãodesigual do sobreproduto social, bem como por uma hierarquiaimposta que exprime e cristaliza essa desigualdade,juridicamente legitimada e politicamente protegida.

Mas a cooperação livre, conquanto subalternizada, nãodesapareceu por completo. Permaneceu latente, manifestando-seao longo dos séculos através dos mais diversos rostos e nosmais dispersos lugares. Foram, de facto, muitos, os fenómenossociais localmente enraizados, que subsistiram como experiênciasresiduais e como expressões de uma energia cooperativa latente,ao longo da história. Recordem-se as diversas formas deorganização comunitária da actividade agrícola, as múltiplas uniõesprofissionais radicadas na solidariedade, os inúmeros fenómenosassociativos, tantas vezes religiosamente marcados.3

A título de exemplos, podemos recordar algumas dessasentidades, tais como: as unidades colectivas agrícolas daBabilónia; as associações artesanais do antigo Egipto, da Gréciaantiga e de Roma; as sociedades de crédito na antiga China;as “guildes” medievais; o socorro mútuo comunal islandês,

3 Para um panorama sugestivo dessa problemática, pode consultar-se aantologia organizada por Ugo BELLOCCHI, Il Pensiero Cooperativo dalla Bibiaalla Fine dell’ Ottocento.

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anterior ao ano mil; o “mir” russo; a “ zadruga” da região balcânica;as “fruitières” do Jura; os celeiros colectivos japoneses; os“ejidos” mexicanos.4

É como se a cooperação livre tivesse sobrevivido aolongo da história como uma energia latente, enquanto associedades se estruturavam, com base nos grandes vectoresda colaboração forçada, da hierarquia e do conflito.

Como iremos ver, o movimento cooperativo modernorompeu com esse estado de latência do fenómeno cooperativo,mas não conseguiu ainda arrancá-lo de uma subalternidadeque o coloca perante a pressão permanente da lógica e dosvalores dominantes.

3 A EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO COOPERATIVA MODERNO

3.1. DIFERENCIAÇÃO DAS PRÁTICAS COOPERATIVAS

A emergência do movimento cooperativo modernotraduziu-se na diferenciação das práticas cooperativas, atravésde organizações específicas. Pode dizer-se que, como realidadesocialmente significativa, se afirmou nas primeiras décadas doséculo XIX, assumindo particular relevância num pequenoconjunto de países europeus – Inglaterra, França, Alemanha,Itália, Bélgica – com destaque para os dois primeiros.

A cooperação instituiu-se como eixo deste novo conjuntode organizações que intervieram na actividade económica,gerando um tipo particular de empresa. Estruturadas com basena cooperação entre os seus membros, deram-lhe centralidadecomo o elemento que decisivamente as impulsionou.Mutualizaram uma parte dos interesses dos seus membros,pelo modo como aprenderam a prossegui-los.

4 Para aprofundar essa temática, podem ver-se: VERDIER (1974:3 e ss.),MLADENATZ (1969:11 e ss.) e A.e B. DRIMER (1975:198 e ss.).

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Mas esta mutualização do prosseguimento de interessescomuns não se manifestou como dinâmica isolada. Pelocontrário, emergiu no quadro do movimento operário comoum dos seus elementos constitutivos. Afirmou-se como umdos aspectos diferenciados da nebulosa associativa, atravésda qual o movimento operário de início se materializou. Defacto, a forma associativa começou por incorporar todas asmanifestações do activismo operário, para posteriormenteamadurecer, diversificando-se em entidades claramente distintasentre si.

Foi assim que surgiram o que alguns designaram comoos “três pilares do movimento operário”5: partidos políticosoperários, sindicatos e cooperativas.6 A centralidade destestrês pilares não impediu o associativismo de continuar comoum espaço aberto, onde cabiam todas as actividades culturais,sociais e económicas, que não tivessem gerado tipos específicosde organizações. Nalguns casos, ocorreu o que se pode considerarter sido uma diversificação interna do associativismo, comoaconteceu, por exemplo, com as associações mutualistas, comas associações de instrução, com as associações recreativas,com as associações culturais; por vezes, circunscritas a umdestes tipos de actividades, por vezes, assumindo várias, massempre sem darem origem a um tipo de organização diferenteda associação.

3.2. A EXPERIÊNCIA DE ROCHDALE

Ponto fulcral da plena autonomização do fenómenocooperativo e consequente emergência de uma identidade

5 Veja-se DESROCHE (1976:89 e ss.), que salienta o papel de JAURÉSna difusão desta perspectiva.

6 Para uma clarificação do sentido da intervenção do movimento operárionesses três planos, pode ver-se Edwin MORLEY-FLETCHER, 1986: XXXIII e ss.

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cooperativa específica, tal como hoje a conhecemos, foi afundação, em Rochdale, pequena cidade inglesa dos arredoresde Manchester, da Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale.7

Se tomarmos como referência a Inglaterra, verificamosque algumas cooperativas surgiram, ainda no século XVIII eque muitas nasceram e morreram nas primeiras décadas doséculo XIX.8 Assim, quando, em 1844, um grupo de operáriostecelões de Rochdale se reuniu para constituir a Cooperativados Pioneiros de Rochdale, tinha atrás de si um longo períodode dinamismo social que, no campo cooperativo, se manifestouatravés de uma impetuosa natalidade e de uma não menosforte mortalidade cooperativa.9

Foi dessa experiência, mas também do modo como ospioneiros sentiam as sequelas do capitalismo emergente, danecessidade de lhes resistirem, da ambição irreprimível desonharem para além dele, que resultaram as regras que identificama sua invenção cooperativa.

Não foi, portanto, a imaginação privilegiada de um pequenogrupo que gerou, como artefacto de génio, um conjuntopragmático de regras que viria a revelar-se fecundo e futurante.Sem retirar mérito à reflexão dos pioneiros, ela alimentou-sede um abundante leque de experiências, a partir de um pontode vista bem determinado, o ponto de vista dos operários deRochdale, um ponto de vista inserido no movimento operário.

O êxito da Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale validoua experiência e consagrou os princípios e as regras assumidos,

7 The Rochdale Society of Equitable Pioneers foi fundada em 1844.Para se saber um pouco mais sobre ela, pode consultar-se a História dos Pioneirosde Rochdale de G.J. HOLYOAKE; e ainda BEDARIDA (1972:321 e ss.), THORNES(1988:27 e ss.) e HORNSBY (1988:61 e ss.).

8 Veja-se VERDIER, 1974:7.

9 Para enquadramento dessa problemática, pode ver-se BEDARIDA,1972:257 e ss.

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instituindo um paradigma cooperativo hoje, mais de 160 anosdepois, dominante à escala mundial. E isso só foi possível,porque esse paradigma se revelou suficientemente flexível eaberto, para incorporar ajustamentos, alterações e novidades;mas também suficientemente consistente, para se renovar semse descaracterizar.

De facto, os princípios cooperativos oriundos de Rochdale,viriam a ser meio século depois, em 1895, o eixo identificadorda cooperatividade, que, na fundação da Aliança CooperativaInternacional (ACI),10 permitiu fixar em concreto o âmbito danova organização. E seria a ACI que assumiria a tarefa de manterviva a força e a eficácia desses princípios, textualizando-osespecifica e formalmente pela primeira vez em 1936,reformulando-os em 1966 e dando-lhes, no quadro de umaidentidade cooperativa integralmente explicitada, o perfil actualem 1995, quando celebrou o seu primeiro centenário.11

3.3. AS COOPERATIVAS E AS INTERNACIONAIS

Este início do trajecto do movimento cooperativo ocorreuno âmbito da implantação do capitalismo como sistemadominante, constituindo um dos aspectos do desabrochar domovimento operário como resistência ao seu predomínio e àssuas mais agressivas pulsões predatórias.

As dinâmicas nacionais deste movimento, presentesnos principais países europeus, foram gerando as condiçõesnecessárias para a sua internacionalização. Assim, em 1864foi criada a Associação Internacional dos Trabalhadores, que

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

10 Para se saber mais sobre a vida dessa organização, até 1970, podever-se, entre outros, WATKINS, 1971:passim.

11 Para um estudo mais aprofundado da identidade cooperativa, podemver-se: MACPHERSON (1996: passim) e NAMORADO (1995:passim) e (2005:9e ss.).

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viria a ficar conhecida por 1ª Internacional, na qual foi clara aproeminência dos franceses e dos ingleses, bem como ainfluência ideológica de MARX.

Na 1ª Internacional, o fenómeno cooperativo correspondea um espaço sócio-organizativo demarcado, mas está longe deser o seu elemento propulsor. Nela se defrontam os seguidoresde MARX, os seguidores de PROUDHON e os anarquistas.12

A agudização das lutas sociais acentua a hegemonia dosprimeiros. Não ocupando as cooperativas o centro das clivagensentre as correntes referidas, não deixavam contudo de serencaradas em termos diferentes, por cada uma delas. Sem asrejeitarem como elementos coadjuvantes, os marxistas nãodeixavam de lhes apontar limitações. Mas nas resoluções doCongresso de Genebra, realizado em 1866, pode ler-se:“reconhecemos o movimento cooperativo como uma das forçastransformadoras da sociedade actual, baseada no antagonismode classes”.13

A agudização do combate político e das lutas sindicais,que teriam pouco depois uma expressão extrema e dramáticana Comuna de Paris (1870), secundarizaram indirectamenteas cooperativas, em virtude da natural proeminência doscombates frontais nas situações de conflito agudo.

Entretanto, a 1ª Internacional entra em crise e acaba pordesaparecer em 1876, na Conferência de Filadélfia.14 Foi precisoque passassem mais de doze anos, para que o movimentooperário readquirisse uma expressão política internacionalmenteorganizada. De facto, a 2ª Internacional foi fundada em Paris,apenas em 1889.

12 Cf. KRIEGEL,1972:616 e ss.

13 Cf. MARX,1973:21-22.

14 Cf. KRIEGEL,1968:30 e ss.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

Enquanto a primeira foi, no essencial, uma organização

de associações de diversos tipos, fundamentalmente encaradas

em pé de igualdade, a segunda assume-se, predominantemente,

como uma internacional de partidos políticos. De uma certa

paridade simbólica entre os vários tipos de estruturas do

movimento operário, passou-se para uma clara supremacia dos

partidos políticos.15

O partido político passa, portanto, a ser a forma dominante

do combate operário. Dominante, mas não exclusiva. JAURÉS

recorreria à sugestiva metáfora dos três pilares, para tornar

ostensivo o carácter multifacetado do movimento operário.

E para o socialista francês os pilares eram precisamente: os

partidos políticos operários, os sindicatos e as cooperativas.16

Mas não era pacífica esta visão abrangente do movimento

operário. Muitos se deixaram absorver pela actualidade urgente

da luta política, pelo imediatismo dos combates sindicais,

menosprezando a energia transformadora das cooperativas,

menos ostensiva e, por isso, claramente, menos evidente.17

Esta secundarização das cooperativas encorajou a atitude

simétrica que se manifestou dentro do movimento cooperativo.

Alguns sectores foram pugnando com intensidade crescente

pela completa independência das cooperativas, perante as outras

componentes do movimento operário, em especial e naturalmente,

em face da componente dominante, os partidos políticos.

A esta dialéctica perversa da repulsão que estimula a

vontade de independência, que por sua vez encoraja a repulsão,

somou-se, como expressão vizinha do mesmo problema, a

15 Cf. KRIEGEL,1974:564.

16 Vejam-se a propósito da teoria dos três pilares: DESROCHE (1976:89)e HENRY (1987:227).

17 Cf. DESROCHE, 1976:87.

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contraposição entre o cooperativismo e o socialismo. Na verdade,sendo os partidos políticos operários, na sua quase totalidade,organizações que tinham como objectivo o socialismo; e sendoas cooperativas a expressão nuclear do cooperativismo – eranatural que assim acontecesse.

3.4. O CASO DA FRANÇA

Em França, o movimento operário foi particularmentefustigado pelas pulsões fragmentárias acima referidas, porvezes, aliás assinaladas por episódios explícitos que fizeramdata.18 De facto, em 1879, no Congresso Operário de Marselhaconsuma-se a ruptura com o cooperativismo. E desde entãoseria absolutamente nítida a diferenciação, mesmo organizativa,de duas grandes correntes cooperativas: de um lado, ossocialistas, do outro, os autonomistas.19

Em 1885, viria a ser criada a União Cooperativa dasSociedades Francesas de Consumo, sob a égide doutrinária deCharles GIDE, cristão social, destacado economista e grandepaladino da República Cooperativa. Em 1895, constituir-se-iaa Bolsa Socialista das Sociedades Cooperativas, ligada aomovimento socialista, que viria a aderir á Aliança CooperativaInternacional, em 1902.20

Nos dois campos, foram-se afirmando posições favoráveisà reunificação. Do lado socialista, revelaram-se como protagonistasparticularmente destacados desta corrente de opinião, JeanJaurés21 e Marcel Mauss.22 Do lado oposto, Charles Gide foi

18 Cf. HENRY, 1987:147.

19 Cf. REBÉRIOUX, 1974:148 e ss.

20 Veja-se MAUSS, 1977:187 e ss.

21 Cf. HENRY, 1987:198.

22 Cf. MAUSS, 1977:187 e ss.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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particularmente tenaz a pugnar pela reunificação.23 Em 1912,o Congresso de Tours foi o da reunificação. Como então afirmouum dos dirigentes mais destacados, Eugène Fournière: “Todosos socialistas devem ser cooperadores, não para servirem oseu partido, mas para realizarem todo o socialismo que acooperação contém”.24

3.5. AINDA A INGLATERRA

Voltemos, entretanto, à Inglaterra para dar relevo a maisdois ou três tópicos. Em primeiro lugar, merece destaque aemergência da proposta de uma Comunidade Cooperativa(Cooperative Commonwealth). Surgiu impregnada por umaalternatividade contraposta ao capitalismo. Baseava-se emtrês vectores estruturantes: difundir os princípios e ideaiscooperativos; organizar o trabalho cooperativo em todos ossectores; promover a educação.25

Em segundo lugar, não pode deixar de se assinalar arealização do Congresso Cooperativo de Newport (1908),cujo principal objectivo foi o de instituir a representaçãocooperativa na Câmara dos Comuns. A proposta acabou porser recusada, mas o debate havido deixou importantessementes para o futuro.

Em terceiro lugar, há que recordar a fundação do PartidoCooperativo, em 1919, o qual viria a estabelecer um acordocom o Partido Trabalhista, em 1927, com base no qual temtido desde então deputados seus, eleitos para a Câmara dosComuns, sob a égide do Partido Trabalhista.26

23 Veja-se GIDE, 1974:100-101.

24 Cf. FOURNIÈRE, 1910:77.

25 Veja-se HORNSBY, 1988:77.

26 Cf. COSTA,1956:56 e ss. e ainda HORNSBY, 1988:77 e ss.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Ilustram bem a atmosfera ideológica, que envolvia entãoo cooperativismo britânico, as afirmações do destacado dirigentecooperativo, J.Tweddell, quando disse: “a cooperação, osindicalismo e o socialismo são três movimentos sociaisguiados por um mesmo ideal de melhoria da sociedade”, jáque “enquanto o objectivo perseguido pelo sindicalismo é o decombater o capitalismo, o da cooperação é o de o substituir”,sublinhando que havia, cada vez mais, quem olhasse “de factoo socialismo como a cooperação triunfante, o Estado socializadocomo coroamento do edifício cooperativo”.27

3.6. O CASO DA BÉLGICA

Quanto à Bélgica, importa chamar a atenção para acentralidade do Partido Operário Belga como constelação deorganizações, no âmbito da qual a componente cooperativacomeçou por ser a mais forte, até que, nos anos vinte doséculo passado, a proeminência se deslocou para a componentesindical.28

Daí resultaram dois tipos de consequências. Em primeirolugar, a estruturação do movimento cooperativo viria a obedecera eixos politico-ideológicos. Ao lado da cooperação socialista,radicada no Partido Operário Belga, emergiu um movimentocooperativo de raiz católica.

Em segundo lugar, não se colocou como problema práticoo risco de uma instrumentalização das cooperativas por focosde poder exterior, embora integrados no movimento operário,uma vez que pela sua força eram elas que podiam aspirar auma posição hegemónica, e não o contrário.29

27 Cf. TWEDDELL,1909:19.

28 Vejam-se DROZ, 1972:541; REBÉRIOX, 1974:322; PUISSANT,1988:323.

29 Cf. PUISSANT, 1988:315.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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3.7. O CASO DA ITÁLIA

No caso italiano, há que salientar o facto de o movimento

cooperativo se ter estruturado a partir de eixos político-

ideológicos ainda mais marcados.30

A componente socialista teve a sua expressão mais

relevante na Lega Nazionalle delle Cooperative, que foi uma

das organizações fundadoras da Aliança Cooperativa

Internacional.31 A inserção das cooperativas no movimento

operário foi bem ilustrada pelo facto de as cooperativas poderem

aderir enquanto colectivos, quer ao Partido Operário Italiano

(1885), quer ao Partido Socialista Italiano (1892).32

Também no fim do século XIX, surgiu como movimento

autónomo o cooperativismo católico,33 ainda hoje predominante-

mente expresso na Confecooperative.

3.8. O CASO DA ALEMANHA

Para concluir este brevíssimo percurso, através dos

principais lugares de origem do movimento cooperativo

moderno, é importante falar da Alemanha. Com um forte

movimento sindical, com o partido socialista que hegemonizou

a 2ª Internacional, o Partido Social-democrata Alemão (SPD),

a componente cooperativa foi claramente a menos relevante

da constelação operária.34

30 Surgiram assim quatro organizações cooperativas de âmbito nacional:Lega Nazionalle delle Cooperative e Mutue, a AGCI (Associação geral dascooperativas italianas), a Confecooperative (Confederação das CooperativasItalianas) e a UNCI (União nacional das Cooperativas Italianas).

31 Veja-se BRIGANTI,1988:200 e ss.

32 Cf. TREZZI, 1982:166; ZANGERI, 1987:166.

33 Cf. GUICHONET, 1974:269; ANCARANI, 1984:35.

34 Veja-se DROZ, 1972:408.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Em contrapartida, fora do movimento operário, o

cooperativismo agrário e camponês teve na Alemanha uma

especial pujança. Tendencialmente mais imediatista, procurou

prosseguir os interesses económicos dos respectivos membros,

conformando-se implicitamente com a perenidade do capitalismo.

Nele se destacaram, como figuras tutelares e pioneiras,

mas de tendências diferentes, Schulze-Delitzch e Raiffeisen.35

O primeiro, de orientação liberal, centrou-se particularmente

na cooperação de crédito, envolvendo artesãos e pequenos

comerciantes. O segundo, conservador de inspiração cristã,

apostou especialmente na intervenção nos meios rurais, também

com destaque para a cooperação de crédito.36

3.9. CONCLUSÃO

3.9.1. Com esta selecção de relances sobre o trajecto

inicial do movimento cooperativo, procurou tornar-se nítida a

pertença do movimento cooperativo ao movimento operário,

evidenciar-se como nele se enraizaram as experiências

cooperativas. Procurou mostrar-se como se entrelaçaram

tensões e problemas, como se teceu a autonomia da

cooperatividade sem a separar das suas raízes; ou seja, de

como a autonomia das cooperativas não suscitou a sua exclusão

da constelação que foi o movimento operário.

3.9.2. Neste contexto, vale a pena recordar o simbólico

ano de 1910, que merece uma particular referência por nele

terem decorrido dois importantes congressos internacionais,

cujas decisões têm a ver com o que estivemos a tratar.

Em Copenhague, decorreu o Congresso da 2ª Internacional,

onde foi reconhecida a autonomia do movimento cooperativo

35 Cf. EISENBERG, 1986:148 e ss.

36 Vejam-se ainda: DRIMER (1975:245) e DOWE (1988:27).

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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e a conveniência da unidade das forças cooperativas dentro decada país.

Em Hamburgo, decorreu o Congresso da AliançaCooperativa Internacional, que saudou expressamente aresolução do Congresso Socialista, assumindo a oposição entreo ideal cooperativo e o capitalismo.37

3.9.3. De tudo o que se acaba de dizer, resulta que apertença do movimento cooperativo ao movimento operário,no sentido de ter tido nele a sua génese, de ter o seu códigogenético por ele marcado, conduziu o cooperativismo a umaconexão íntima com o socialismo.

A importância, quer dessa génese, quer dessa conexão,não devem fazer esquecer que houve e há experiênciascooperativas socialmente muito distantes do movimento operárioe alheadas da luta pelo socialismo, mas que, no entanto, nãorenegaram a matriz cooperativa consubstanciada nos princípiosde Rochdale.

A inserção das cooperativas no movimento operário e asua conexão com o socialismo estão longe de implicar umaharmonia permanente e de conduzir a uma relação linear entreelas e os outros tipos de organização oriundos desse movimento.

A matriz “rochdaleana” da identidade cooperativa reflectebem essa génese, não chocando com a conexão mencionada.

4 CONTRIBUTOS PARA A PROCURA DE UM HORIZONTE

COOPERATIVO

4.1. INTRODUÇÃO

4.1.1. O primeiro contributo que pode ser dado na buscadesse horizonte é o de nos interrogarmos sobre o sentido

37 Vejam-se: HENRY (1987:270) e WATKINS (1971:93).

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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que pode ter procurar atingir um horizonte cooperativo, ouseja, procurar pensar o cooperativismo, valorizando o conceitode horizonte.38

Olhar para o futuro das cooperativas, para o futuro domovimento cooperativo, encarando-o como um horizonte derenovação e de esperança, significa que se subalterniza a noçãode projecto cooperativo, por se considerar que é demasiadofechada e redutora, e até excessivamente homogeneizante.Nesse sentido, pode dizer-se que o conceito de projecto temuma vocação menos pluralista e de menor abertura do que o dehorizonte, estando mais sujeito a um excesso de voluntarismo,que sucumba à facilidade de se esquecer do real.

Mas esse olhar significa também que o capitalismo não éo fim da história, pelo que há muito se vem gerando dentro desi próprio um pós-capitalismo.

E significa ainda que o fenómeno cooperativo se inscreveno futuro como uma probabilidade ou, pelo menos, como umaforte possibilidade, vocacionado para qualificar, apressar e atéantecipar esse futuro.

4.1.2. Se o cooperativismo realizar o essencial das suaspotencialidades históricas, incorporar-se-á decerto no pós-capitalismo, como uma das suas partes integrantes. Em quetermos e em que medida, é o que poderemos imaginar, a partirda realidade presente, do trajecto histórico que nos trouxe atéaqui e da ambição utópica a que não queremos renunciar.

Deve salientar-se que as potencialidades futurantes domovimento cooperativo são naturalmente condicionadas peloseu código genético, pelo que não podem ser o resultado deuma imaginação aleatória. Por isso, compreender-lhe a génese

38 Em 2001, saiu um livro de minha autoria, cujo título foi, precisamente:Horizonte Cooperativo – política e projecto. Aí, nas páginas 5 e ss., podeencontrar-se uma síntese dessa perspectiva.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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e o sentido histórico, tal como se procurou fazer, é um elemento

decisivo para a qualificação da perspectiva futurante de umhorizonte cooperativo. Neste sentido, pode afirmar-se que é aimportância da imaginação cooperativa que valoriza o seu códigogenético, o qual, reciprocamente, acaba por ser uma das maisrelevantes condições da eficácia dessa imaginação.

4.1.3. Para se situar e compreender a razão de ser da

ideia actual de um horizonte cooperativo, vale a pena recordartrês aspectos da história do século passado.

O fenómeno cooperativo foi instrumentalizado esecundarizado, no quadro do modelo soviético.

A social-democracia e o socialismo democrático europeusdesconsideraram, na prática, a componente cooperativa.

O papel das cooperativas no processo de descolonizaçãoe do desenvolvimento pós-colonial foi exíguo.

É certo que não se gerou, em nenhum dos três casos,uma atitude anti-cooperativa, ostensiva e generalizada, tendoaté, pelo contrário, existido uma atmosfera de razoável simpatia.Mas, na prática, foi recusado ao movimento cooperativo qualquerpapel estruturante e estratégico.

É certo que emergiu na doutrina cooperativa o conceitode sector cooperativo como elemento necessário a umaeconomia mista.39 Mas, sem menorizar a sua importância, atécomo elemento mediador na emergência do conceito dehorizonte cooperativo, não se está perante algo de relevocomparável ao dos três tópicos acabados de referir.

4.2. SENTIDO DE UM HORIZONTE COOPERATIVO

4.2.1. Para compreender melhor o sentido de um

horizonte cooperativo, deve valorizar-se o que há de específico

39 Veja-se FAUQUET, 1979:passim.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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nas cooperativas. Anima-as um princípio activo que não é olucro, sendo por isso movidas por uma lógica própria.

Representam, em si mesmas, um enriquecimento cultural,quer dos cooperadores enquanto indivíduos, quer delas própriasenquanto experiências organizativas de um tipo particular. Defacto, a cooperatividade, embora valha pelos resultados a queconduz, ou pelas externalidades solidárias que suscite, valetambém como experiência vivida, como reflexo e elemento depropulsão endógena da mudança. Liga-a uma sinergia naturalàs dinâmicas de natureza solidária. Qualifica a solidariedade,afastando-a do assistencialismo.

4.2.2. Por isso, na actual fase da globalização capitalista,as cooperativas vivem para um horizonte de resistência, estandovocacionadas para uma globalização contra-hegemónica,solidária, não predatória, emancipatória.40

A esta luz, é central a relação entre cooperativismo ecapitalismo. Pode dizer-se que o cooperativismo não poderádar todos os seus frutos, não poderá impregnar a sociedadeplenamente com a sua lógica, na vigência do sistema capitalista.Nessa medida, o pleno desabrochar do cooperativismo implicaum pós-capitalismo. Por outras palavras, para se alcançarplenamente um horizonte cooperativo é necessário ter-sechegado a um pós-capitalismo.41

Naturalmente, não é esta uma posição pacífica no quadroda doutrina cooperativa. Opõe-se-lhe a ideia de que o verdadeirosentido do cooperativismo é o de ser uma componente interna

40 Uma excelente ajuda para uma plena compreensão e enquadramentoda problemática da globalização, pode encontrar-se em Boaventura de SousaSANTOS, Os processos de globalização (p. 31-106), 1º Capítulo do livroGlobalização – fatalidade ou utopia?, (2001) por si organizado, que é o primeirovolume da série A Sociedade Portuguesa perante os Desafios da Globalização.

41 Valorizando um outro ângulo de abordagem desta problemática, veja-sePINHO, 1966:passim.

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do próprio capitalismo, um factor de equilíbrio, pela funçãocompensatória que desempenha.

A sua génese, a sua lógica e a sua energia alternativatornam esta hipótese pouco sustentável, se for encarada comohipótese exclusiva. No entanto, nada impede que se veja nocooperativismo um elemento de compensação imediata dealgumas das consequências mais penalizadoras do capitalismoe simultaneamente um alfobre de um futuro diferente. Aliás, acooperatividade é, em grande medida, uma combinação subtilentre pragmatismo imediato e ambição utópica.

Neste sentido, o cooperativismo é uma síntese e umatensão entre pragmatismo e utopia, entre a utilidade imediata ea alternatividade prospectiva. Ao propô-lo como horizonte pós-capitalista, está a valorizar-se esta última vertente, tal comoao sustentar-se a sua inserção completa no capitalismo se estáa valorizar a sua vertente pragmática e imediatista (ou, talvez,a tentar reduzi-lo ao imediatismo, para o separar do futuro).

4.2.3. Também não parece convincente olhar para ohorizonte cooperativo como alternativa global ao capitalismo,que disputa ao socialismo o preenchimento completo do pós-capitalismo. Toda a sua história o afasta desta hipótese, jáque as vias que poderiam conduzir até aqui deixaram há muitode ter quem as percorresse.42

Mais sentido parece ter, encará-lo como um dos aspectose um dos vectores de um horizonte socialista,43 principalmentese assumirmos a procura deste último como um processocomplexo de permanente democratização da sociedade, distanteda exclusividade do protagonismo do Estado como seu

42 A propósito da conexão entre socialismo e cooperativismo, podever-se SÉRGIO, 1947 e 1948: passim; e ainda NAMORADO, 2001:7 e ss.

43 Em 28 de janeiro de 1992, foi publicado no Jornal de Letras (Lisboa),um texto meu, cujo título foi: Horizonte Socialista – valores, princípios, estratégia.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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propulsor. Ou seja, se virmos no trajecto para um horizonte

socialista um processo de transformação endógena da sociedade

em que as práticas cooperativas assumem a dupla face de

procura do futuro e de uma das suas vivências antecipadas.

Se o vivermos como um processo de permanente irradiação

da igualdade, bem como da criatividade dos indivíduos e das

organizações; como um processo de permanente humanização

da sociedade, como o culminar de uma ecologia política.

4.2.4. Se o horizonte socialista for o rosto historicamente

afirmado do pós-capitalismo, do qual nos separa um processo

de amadurecimento democrático prolongado, isso implica

necessariamente o recurso ao reformismo como método de

transformação social.

Ora, o cooperativismo harmoniza-se bem com o reformismo.

O movimento cooperativo é um elemento aproveitável por qualquer

estratégia reformista, por implicar uma lenta sedimentação de

realizações sociais e económicas.

E assim se encontra mais um elemento de convergência

entre o cooperativismo e o socialismo, reforçando-se a ideia

de que o horizonte cooperativo é um elemento insubstituível

de um horizonte socialista.44

4.2.5. Num balanço final podemos pois afirmar que, se

o caminho para este horizonte não é apenas uma tarefa do

Estado, é natural que um protagonismo particular seja assumido

pelas entidades e pelas práticas que, não sendo públicas,

traduzem uma resistência à lógica capitalista dominante.

Se esse caminho for percorrido com base numa estratégia

reformista, a componente cooperativa insere-se nesse tipo de

estratégia com naturalidade.

44 Como exemplo de uma perspectiva diferente quanto à relação entrecooperativismo e socialismo, pode ver-se LAVERGNE, 1971:passim.

COOPERATIVISMO – HISTÓRIAS E HORIZONTES

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Se o horizonte socialista implica uma democracia nospróprios processos produtivos, no próprio protagonismoempresarial, então as cooperativas são um exemplo práticodesse tipo de funcionamento democrático.

Se esse horizonte reflecte também uma economiasocial amadurecida e uma economia solidária em expansão,as cooperativas integram esses conjuntos e participamnessas dinâmicas.

Assim, conceber o horizonte cooperativo como aspectodo horizonte socialista, inscreve-se adequadamente nodesenvolvimento histórico, não contraria as lógicas em jogo,nem embaraça as dinâmicas em causa.

5 CONCLUSÃO

Procurei apresentar uma perspectiva a partir da qual sepode valorizar o horizonte cooperativo como meta histórica ecomo referência estratégica, ciente de que estive longe deesgotar os temas abordados e de que podem ter escapadotópicos relevantes. Nesta circunstância, espero ter conseguido,pelo menos, agitar ideias e aventar hipóteses que valha a penaexplorar.

Entretanto, como conclusão de tudo o que disse, julgoútil salientar que a ideia de um horizonte cooperativo implicauma permanente abertura aos desafios concretos de cadasociedade e uma ambição utópica sustentada quanto ao futuro.Mas esta ousada ambição só ficará protegida de pulsões eimpulsos dissipatórios, se funcionar em completa consonânciacom a identidade cooperativa, consubstanciada nos valores eprincípios assumidos pela Aliança Cooperativa Internacional.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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* Investigadora de Lanki, Mondragón Unibertsitatea.

LEGISLACIÓN Y COOPERATIVISMO:EXPERIENCIA COOPERATIVA DE MONDRAGÓN

Ainhoa Larrañaga*

RESUMO: O presente texto tem porobjetivo apresentar brevemente a origemda Experiência Cooperativa de Mondragón(ECM) e quais são os desafios atuais domovimento cooperativo. Depois, exporáos elementos mais estacáveis da legislaçãocooperativa vasca, destacando que o ditoinstrumento legal oferece elementos quetornaram mais fácil criar uma rede fortede cooperativas que, sem ferir a autonomiade cada uma, soube unir forças eaproveitar as potencialidades de cadaempreendimento, embora tenha criadoum cooperativismo criticável em certosaspectos.

PALAVRAS-CHAVE: cooperativa; MovimentoCooperativo de Mondragón.

RESUMEN: El presente texto tiene porobjetivo presentar brevemente cual hasido el origen de la Experiencia Cooperativade Mondragón (ECM) y cuales son losretos actuales del movimiento cooperativo.Después, expondrá los aspectos másrelevantes de la legislación cooperativabasca, destacando que el dicho instrumentolegal ofrece elementos que han hecho másfácil crear una red fuerte de cooperativasque, sin herir la autonomía de cada una, hasabido aunar fuerzas y aprovechar laspotencialidades de cada emprendimiento,aunque ha creado un tipo de cooperativismocom aspectos criticables en ciertos aspectos.

PALABRAS-CLAVE: cooperativa; MovimientoCooperativo de Mondragón.

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‘No hemos de seguir pensando que los trabajadores hande ser siempre ciudadanos de segunda categoría, (…)sino que hay que darles acceso a la propiedad de losbienes económicos, de los capaces de reproducirse, alobjeto de que disfruten de los resultados de su propiaausteridad y sacrificio’.

Don Jose Maria Arizmendiarreta (DJMA)

INTRODUCCIÓN

La presentación de hoy tiene como objetivo exponerbrevemente cual ha sido el origen de la Experiencia Cooperativade Mondragón (ECM) y principalmente, me detendré en losretos actuales del movimiento cooperativo. Por otro ladoexpondré cuales son los elementos más destacables de lalegislación cooperativa vasca; ley que viene a dar respuesta,entre otras, a las necesidades del grupo Mondragón CorporaciónCooperativa (MCC).

La ley 4/93 de Cooperativas de Euskadi (modificada porla le 1/2000 de modificación de la Ley de Cooperativas deEuskadi) se puede considerar la mejor ley de cooperativas detodo el estado español. Pienso, que es una ley que está acaballo entre las legislaciones cooperativas tradicionales(latinoamericanas principalmente) y el Estatuto de la SociedadCooperativas Europea.

Para finalizar esta breve introducción, me gustaría recalcar,que la ley ha ofrecido instrumentos a la ECM, para poderdesarrollar mejor su proyecto empresarial; el grupo cooperativoencuentra en la LCE elementos que han hecho más fácil crearuna red fuerte de cooperativas , que manteniendo su autonomíahan sabido aunar fuerzas y aprovechar las potencialidades decada cooperativa. Por otro lado, se ha creado un tipo de

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cooperativa que aunque tiene aspectos criticables, puede facilitarla creación de cooperativas fuera del País Vasco. Los diferentestipos de socios que contempla la ley también han ayudado alcooperativismo vasco, ya que han posibilitado la participaciónde otros protagonistas en el proyecto.

1 HISTORIA Y RETOS ACTUALES DE LA ECM

Actualmente Mondragón Corporación Cooperativa (MCC)es el primer grupo industrial en la Comunidad Autónoma Vasca(CAV), tanto por sus ventas como por el número de trabajadores,y el séptimo en el Estado español, en base a la variable de lacifra de ventas, así como una de las realidades cooperativasmás importantes y estudiadas en el ámbito internacional.

Se trata de una realidad socio-económica configuradapor más de 150 empresas que desarrollan actividades muydiversas. La corporación agrupa una cooperativa de crédito,una mutua de previsión social, un grupo de empresasindustriales y de distribución con negocios de diversa naturaleza,así como otras entidades dedicadas a la formación einvestigación. Por otra parte, la mayor parte de las sociedadesque la integran son cooperativas, pero también existen otrotipo de sociedades como pueden ser fundaciones, sociedadesanónimas o sociedades limitadas.

El alma mater de la Experiencia Cooperativa de Mondragónfue Don Jose Maria Arizmendiarreta (1915-1976). Sus últimosaños después de una larga e interesante trayectoria de vida,los pasó en Mondragón, compaginando las labores parroquialesy sociales con la colaboración en iniciativas empresariales. Supensamiento bebió de diferentes movimientos y corrientes comopueden ser la religión, la filosofía, la sociología, la economía ola política.

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Cuando Don Jose María llega a Mondragón, la localidadsufría las consecuencias de una guerra civil en la que la situacióndescribía un panorama desolador: muertos, exiliados, heridosy mutilados, hambre…

Don José María no se limitó a criticar y denunciar, sinoque hizo propuestas y las puso en marcha (prueba de ello es laExperiencia Cooperativa de Mondragón); fue pensador y actoral mismo tiempo.

Los conceptos clave del pensamiento de DJMA, lospodríamos enumerar de la siguiente manera:

• Persona y comunidad.• Auto-emancipación, auto-organización y autogestión.• Equilibrio entre la racionalidad tecno-económica y la

racionalidad ético-social.

Su estrategia era la de transformar la conciencia y, a partirde ahí, transformar las estructuras, a través de la formación, eltrabajo, la solidaridad, la cooperación y la participación. Todosellos conceptos interrelacionados e interdependientes.

La primera cooperativa del movimiento, fue la escuelaprofesional que se inauguró en octubre de 1943, y más tardevendría la primera cooperativa industrial ULGOR (hoy en díaFagor Electrodomésticos).

Entre los años 1955 a 1963 se crearon seis cooperativasindustriales Ulgor, Funcor, Arrasate, Lana, Urssa y Vicon; unaentidad financiera, Caja Laboral Popular / Lankide Aurrezki Kutxay una entidad de cobertura social, Lagun Aro.

Posteriormente vinieron años de gran creación ypromoción cooperativa, para luego tener que pasar años defuerte crisis económica.

RETOS A FUTURO

Vamos a señalar los cambios acaecidos desde los orígenesde la experiencia y las consecuencias que han tenido en laidentidad cooperativa del grupo.

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En los primeros años del cooperativismo de Mondragón,podemos decir que en el contexto político reinante, laexperiencia era un islote democrático; hoy en día, al contrarioes un espacio más. El fortalecimiento de lo público haconllevado, un estado del bienestar que cubre nuestrasnecesidades, en aquel entonces, eran necesarias las redes deautoayuda. Por otro lado, de un contexto de autarquía hemospasado a una situación en la que la globalización nos imponeretos a veces difíciles de gestionar. En relación a darle respuestaa las necesidades que existían, era muy eficaz el sistemacooperativo (estaba todo por hacer: responsabilidad social,participación de los trabajadores…); hoy resulta más difícil dejustificar (las necesidades están cubiertas). Hemos pasado deuna cultura de fuerte militancia ideológica, ha una sociedaddonde reina el individualismo.

En cuanto a los cambios ocurridos en las tendenciasestructurales, podemos citar las siguientes: debilitamiento dela pedagogía cooperativa, debilitamiento de los asiderosideológicos, fortalecimiento de la lógica económico-empresarialy de la tecnocracia, y además debemos señalar que se estádando una indiferenciación con el resto del mundo empresarial.

Procesos concretos identificados como retos en lascooperativas son: apertura del abanico salarial, ralentizaciónde la promoción cooperativa, el aumento de los trabajadoreseventuales y no socios, el proceso de internacionalización y elenfriamiento democrático.

Para finalizar quisiera volver a repetir que en general,vivimos un proceso de indiferenciación entre la empresacapitalista y la cooperativa. Las empresas de capital estánimpulsando políticas participativas en la gestión y en lapropiedad: le están dando una gran importancia al tema de laresponsabilidad social. Si a eso le sumamos los retos de lascooperativas que acabamos de citar, vemos que cada vez es

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más urgente una reflexión a cerca de lo que somos, lo que no

somos, a donde vamos…

A modo de conclusión podemos decir que las asignaturas

pendientes de la ECM, son las siguientes:

• Crecer económicamente pero aplicando criterios

democráticos; en la era de la globalización es cada

vez mayor la brecha que separa economía y la

política-democracia

• Crecer aplicando criterios sociales; es decir, teniendo

en cuenta el bienestar de los cooperativistas, el respeto

a su vida privada y al tiempo libre, la no explotación

de los trabajadores asalariados…

2 ELEMENTOS DESTACABLES DE LA LEY 4/1993, COOPERATIVAS

DE EUSKADI

Antes de nada me gustaría señalar que la LCE ha sido un

referente claro para otras legislaciones cooperativas del estado

español. La ley satisface básicamente el en ocasiones difícil

equilibrio entre mantener la identidad cooperativa y abordar

los retos empresariales con una cobertura legal sin la cual

hubieran tenido dificultades de encaje y desarrollo para el

desempeño de su actividad de forma eficiente. La ley objeto de

análisis fue modificada por la Ley 1/2000, de 29 de junio, de

modificación de la ley de cooperativas. Está última, entre otras

modificaciones introdujo la figura de socio de duración

determinada, que más tarde analizaremos.

La competencia en materia cooperativa corresponde a la

Comunidad Autónoma del País Vasco. La competencia

legislativa, nos ha ofrecido la oportunidad de hacer una ley

que responde de manera óptima a las necesidades del grupo

cooperativo de Mondragón. Puede haber quién diga que es

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una ley que ha querido contentar a MCC, dejando al margen,

necesidades de cooperativas pequeñas (agrícolas) u otras

cooperativas que no pertenecen al grupo.

Junto a la capacidad de legislar contamos con un Registro

de Cooperativas situado en el Departamento de Trabajo y

Seguridad Social del Gobierno Vasco. El hecho de que el

órgano rector (protectorado) se encuentre en el País Vasco, ha

posibilitado que la relación y el funcionamiento sean más fluidas

y cercanas. E incluso, un tema que consideramos de gran

importancia, ha hecho que las relaciones tanto verbales como

escritas se hayan podido materializar en euskera (lengua vasca).

Por todo lo anteriormente expuesto, pensamos que en la

historia de la legislación cooperativa vasca ha sido y es de vital

importancia el haber tenido la competencia en materia

cooperativa en la CAV.

En la elaboración de la ley, la influencia del grupo

cooperativo de Mondragón ha sido cuantitativa y cualitativamente

muy importante. La ley ha venido dando respuesta a los retos

que se le planteaban al grupo y esa ha sido la manera en la ley

ha madurado.

Sería interesante analizar, cual es la vía que últimamente

esta tomando la LCE, e incluso valorar cuales están siendo las

aportaciones que desde MCC, se le están haciendo al Estatuto

de Sociedades Cooperativas Europeas. Cuestiones ambas que

considero de vital importancia, a la hora de mantener el antes

citado equilibrio entre la identidad cooperativa y los retos

empresariales que plantean.

En las páginas que siguen a continuación, voy a destacar

los puntos de la ley, que creo interesantes. Y dejaremos para

más adelante, el estudio de otros aspectos que no se han tratado

pero que son de vital importancia a la hora de ofrecer instrumentos

legales, con el objetivo de vitalizar el cooperativismo.

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REQUISITOS PARA LA CONSTITUCIÓN DE COOPERATIVAS

Si observamos la evolución de la ley en cuanto a losrequisitos necesarios para la constitución de la cooperativa,debemos constatar que las iniciativas últimas han venidoencaminadas a flexibilizar y sobre todo, a facilitar la constituciónde cooperativas.

La Ley 1/2000 ha introducido entre otras dos modificacionesmuy importantes en cuanto a la constitución. Ha reducido elnúmero mínimo de socios de cinco a tres; este requisito veníasiendo durante años un inconveniente que dificultaba laconstitución de la cooperativa, puesto que se daban casos enlos que no se conseguía reunir el mínimo de cinco y noprosperaba el intento de creación de la cooperativa.

En el caso de las cooperativas de segundo grado, seexige, que entre los socios fundadores dos sean cooperativa.

Como consecuencia de esta reducción, vino otra relativaal capital social mínimo, que pasó de seis mil euros a tres mil.Estas dos modificaciones han hecho que sea mucho más fácilla creación de las cooperativas en la CAV.

Las demás modificaciones introducidas por la ley, en lasque no nos vamos a extender también han venido ha facilitarel camino de las cooperativas, tanto al inicio de la andaduracomo en su posterior funcionamiento.

SOCIOS

En el grupo cooperativo de Mondragón nos encontramoscon cooperativas que cuentan con diferentes clases de socios,y cada uno de estos socios colabora en el proyecto de maneradiferente, siendo la aportación de cada uno de ellosimprescindible para el éxito de cada una de las cooperativas.

El socio que aporta su trabajo es el ‘socio de trabajo’. Esla aportación de su trabajo la condición que le hace ser partícipe

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de la empresa, y es en la mayoría de los casos quien mayorpeso y responsabilidad adquiere.

Dice la ley:

‘en las cooperativas de primer grado que no sean de trabajoasociado, y en las de segundo o ulterior grado, los Estatutospodrán prever los requisitos por los cuales los trabajadorespodrán adquirir la cualidad de socios de trabajo, consistiendosu actividad en la prestación de su trabajo personal enla cooperativa’.

Existe en la ley un limite relacionado con el número máximo

de trabajadores asalariados que puede haber en una cooperativa.

Este límite ha sido modificado con la introducción de la figura

del socio de duración determinada. Debemos señalar que a

veces las cooperativas tienen serias dificultades para respetar

el límite impuesto por la ley.

En cuanto al la cobertura social de los socios de trabajo,

debemos decir que la ley ofrece la posibilidad de que los socios

de trabajo estén o en el Régimen General de la Seguridad

Social o en el Régimen Especial de Autónomos. La opción

tanto por un tipo de cobertura o por el otro, la debe de hacer

toda la empresa, es decir no son opciones individuales. Pero

en la gran mayoría de las cooperativas del grupo, además de

estas opciones existe la cobertura de Lagun Aro (entidad de

previsión social), aunque en la actualidad este atravesando un

periodo de transición un tanto especial.

El ‘socio usuario’ es quien utiliza los servicios o bien

consume los productos que ofrece la cooperativa. La

participación del usuario es importante en la medida en la que

suele ser el mejor cliente de la empresa, por lo que interesa

tenerle en los órganos de decisión de la cooperativa. Esta

clase de socio adquiere verdadero protagonismo en las

cooperativas de enseñanza. En la actualidad existen cooperativas

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de enseñanza que bien pueden ser ‘de trabajo asociado, ‘deconsumo’ o ‘integrales’, y en este tipo de centros el papel delos usuarios (padres o alumnos), es primordial. Incluso se dancasos en el que el peso del centro lo llevan ellos.

Aunque con menor nivel de compromiso está la figuradel ‘socio colaborador’. En este caso hablamos de aquellaspersonas, públicas o privadas, que, sin poder realizar plenamenteel objeto social cooperativo, pueden colaborar en la consecucióndel mismo. El conjunto de estos socios, salvo que seansociedades cooperativas, no podrá ser titular de más de untercio de los votos, ni en la Asamblea General ni en el ConsejoRector. A veces puede resultar interesante la figura delcolaborador cuando la cooperativa no es muy fuerte pero hayinstituciones cercanas que interesa que colaboren.

Existe además la figura del ‘socio inactivo’. Cuandoalguien por cualquier causa justificada, y con la antigüedadmínima que los estatutos establezcan, dejen de utilizar losservicios prestados por ó a la cooperativa, podrán serautorizados para mantener su condición de socios. A parte delos casos de jubilación suele ocurrir cuando alguien con unvínculo afectivo con la cooperativa suele querer mantener sucondición de socio.

Por último, cabe hablar de la última tipología introducidapor la Ley 1/2000, es decir del ‘socio de duración determinada’.

La Ley 1/2000 da la siguiente redacción al artículo 4,que habla de esta figura:

‘La pertenencia del socio a la cooperativa tendrá carácterindefinido.No obstante, si lo prevén los Estatutos y se acuerda en elmomento de la admisión, podrán establecerse vínculos socialesde duración determinada. Los derechos y obligaciones propiosde tales vínculos serán equivalentes a los de los demás sociosy serán regulados en los Estatutos (….)

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Esta nueva clase de socio fue aplaudida por el movimientocooperativo, en cuanto que ofrecía la posibilidad de hacer socioa un trabajador por cuneta ajena, pero con carácter temporal.Por lo que ofrecía la oportunidad, de una vez transcurrido unperíodo como máximo de cinco años, romper el vínculo societario.

Fue criticado a su vez por autoridades administrativas,alegando que con esta figura lo único que se conseguía eraalargar la temporalidad de los trabajadores. Además, una veztranscurrido el período estipulado en los estatutos de cadacooperativa, no hacía falta alegar ninguna causa para rescindirel vínculo societario con la cooperativa. La situación del sociotemporal era bastante precaria, en el sentido que en el períodotranscurrido en la cooperativa no se había cotizado para poderobtener la prestación de desempleo. Por lo que una vez fuerade la cooperativa no tenía posibilidades de cobrar el paro.

Para concluir con el comentario de esta figura, podemosdecir que la valoración que hacemos a día de hoy es distintasegún la utilización que se haya hecho de los socios de duracióndeterminada. Ha habido cooperativas que han hecho un buenuso de la figura y la han utilizado como verdadero período deprueba. Pero también es verdad, que ha habido quien haabusando de la temporalidad que ofrecía la figura.

TIPOS DE COOPERATIVAS

En cuanto a las diferentes tipos de cooperativas, señalarque son muchas las clases de cooperativas que existen enEuskadi pero únicamente nos detendremos en el análisis de la‘cooperativa mixta’, por ser una de las grandes singularidadesque ofrece la ley.

El artículo 136 de la LCE dice así:

1. ‘Son cooperaivas mixtas aquellas en las que existen sociosminoritarios cuyo derecho de voto en la Asamblea General sepodrá determinar, de modo exclusivo o preferente, en función

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el capital aportado, que estará representado por medio detítulos ó anotaciones en cuenta, sometidos a la legislaciónreguladora del mercado de valores’.

2. En estas cooperativas el derecho de voto en la AsambleaGeneral respetará la siguiente distribución:a. Al menos el cincuenta y uno por ciento de los votos se

atribuirá, en la proporción que definan los Estatutos, asocios cooperadores.

b. Una cuota máxima, a determinar estatutariamente, delcuarenta y nueve por ciento de los votos se distribuirá enpartes sociales con voto, que, si los Estatutos lo prevén,podrán ser libremente negociables en el mercado.

3. En el caso de las partes sociales con voto, tanto los derechosy obligaciones de sus titulares como el régimen de lasaportaciones se regularán por los Estatutos y, supletoriamentepor lo dispuesto en la legislación de sociedades anónimas paralas acciones.

Si nos remitimos a lo dispuesto en el artículo de la LCE,vemos que la cooperativa mixta posee una parte cooperativa,que siempre tiene que ser mayoritaria, junto a otra parte, quesegún dice el artículo, se regula en base a la legislación desociedades anónimas. La cooperativa mixta ha venido a cubrirla necesidad que las cooperativas tenían para inyectar capitalen la empresa. Aunque el recorrido de esta figura es brevetodavía, podemos valorar como aspecto positivo la posibilidadque ofrece para mantener el poder de decisión en manos de laparte inversora.

En los casos en los que una cooperativa crea una empresacon un alto esfuerzo económico es normal, que en los primerosaños de andadura no se quiera perder el poder de decisión enla empresa. Por lo tanto, suele interesar mantener una mayoríaen manos de quien ha realizado la inversión. Esta figura haposibilitado que aunque en un futuro pase la cooperativa a

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manos del trabajador, los primeros años, manteniendo la formade cooperativa (sin tener que adquirir una forma societaria decapitales), quede la capacidad de decisión mayoritaria en manosde la cooperativa matriz.

Desde mi punto de vista aún reconociendo que es unaforma híbrida de cooperativa, puede facilitar la creación decooperativas. Habría que valorar que aunque parte de la empresase rige por medio de la legislación capitalista siempre impera laparte cooperativa, y puede ser una buena opción para crearcooperativas en las empresas filiales de MCC, que siempreencuentran impedimentos en las legislaciones extranjeras.

Han quedado muchos puntos de la ley por analizar. Temaspendientes cara a futuro podrían ser: el régimen económico yfiscal, todo lo relativo a la relación de trabajo de los socios, losórganos sociales de la cooperativa, la regulación de la ley encuanto a grupos cooperativos, empresas participadas,…

Para acabar y en cuanto al régimen fiscal de cooperativasse refiere, cabe decir que existe un régimen privilegiado paralas cooperativas, en cuanto entidades sin ánimo de lucro.Incluso hace cinco años se regulo una nueva figura, lacooperativa de ‘utilidad pública’ para la que el régimen viene aser el mismo que para las fundaciones, es decir el régimenfiscal que mejor protege las figuras no capitalistas, y entidadessin ánimo de lucro.

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A ‘ E C O N O M I A S O L I D Á R I A ’ :U M A C R Í T I C A M A R X I S T A

Claus Germer*

* Professor do Programa de Pós-Graduação em DesenvolvimentoEconômico da UFPR – Universidade Federal do Paraná. Curitiba (PR), Brasil.

RESUMO: Este artigo constitui uma críticaàs concepções de economia solidáriade Paul Singer, concentrando-se emdois aspectos, considerados essenciais,tanto do ponto de vista teórico quantohistórico: o primeiro diz respeito àconcepção fantasiosa da história das lutasdos trabalhadores pelo socialismo comouma história do desenvolvimento de umaeconomia solidária; o segundo estávoltado ao confronto da concepção dacooperativa de produção como formatípica do modo de produção solidáriocom as concepções dos autoresclássicos do marxismo sobre o papeldo cooperativismo.

PALAVRAS-CHAVE: economia solidária;marxismo; papel do cooperativismo.

RESUMEN: Este artículo constituye unacrítica a las concepciones de economíasolidaria de Paul Singer, concentrándoseen dos aspectos, considerados esenciales,tanto del punto de vista teórico cuantohistórico: el primero dice respecto a laconcepción fantasiosa de la historia delas luchas de los trabajadores por elsocialismo como una historia deldesarrollo de una economía solidaria; elsegundo se vuelve al confronto de laconcepción de la cooperativa de produccióncomo forma típica del modo de producciónsolidario con las concepciones de losautores clásicos del marxismo acerca delpapel del cooperativismo.

PALABRAS-CLAVE: economía solidaria;marxismo; papel del cooperativismo.

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INTRODUÇÃO

A crise mundial iniciada nos anos 1970 e a inflexãoneoliberal que se seguiu, a partir do início da década seguinte,produziram taxas elevadas e persistentes de desemprego e índicescrescentes de pobreza na maioria dos países capitalistasdesenvolvidos, mas principalmente nos países da periferia. Nocampo dos movimentos sociais, com o refluxo momentâneodos projetos socialistas a partir da desagregação da UniãoSoviética, difundiram-se propostas de reforma social com basena solidariedade mútua e no associativismo dos pobres,configurando um certo retorno às concepções limitadas da faseinicial das lutas operárias surgidas nas primeiras décadas doséculo 19. Ao mesmo tempo, partidos de diversos matizes decentro-esquerda cresceram eleitoralmente como oposição aosgovernos neoliberais, mas, ao serem eleitos como reação popularaos problemas sociais causados pelo neoliberalismo,demonstraram não possuir projetos alternativos concretos eprocuraram encobrir esta deficiência com a instituição de políticasemergenciais de atendimento a desempregados e pequenosprodutores autônomos e informais. Essas políticas emergenciaisoficiais somaram-se e (ou) fundiram-se, em alguma medida, comas iniciativas associativas espontâneas surgidas no movimentosocial, constituindo uma corrente heterogênea de propostas einiciativas concretas sob o título genérico de ‘economia solidária’.

No interior desta corrente surgem tentativas de teorizara ‘economia solidária’ não apenas como um conjunto deiniciativas emergenciais destinadas a amenizar os efeitos deproblemas sociais, mas como embriões de uma forma deorganização social alternativa ao capitalismo, ignorando a críticamarxista. No Brasil as iniciativas capituláveis como integrantesda ‘economia solidária’ têm se expandido significativamente,tanto na forma de iniciativas sociais espontâneas como de

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políticas oficiais. Entre os autores que se destacam como

intérpretes deste heterogêneo campo, Paul Singer diferencia-se

pela tentativa de teorizar a economia solidária com base em

alguns elementos da teoria social marxista, concebendo-a

como uma forma social alternativa ao capitalismo sob o título

especificamente marxista de novo ‘modo de produção’.

Este artigo constitui uma crítica às concepções de Singer,

concentrando-se em dois aspectos, considerados essenciais,

tanto do ponto de vista teórico quanto histórico: em primeiro

lugar, à concepção fantasiosa da história das lutas dos

trabalhadores pelo socialismo como uma história do

desenvolvimento da economia solidária; em segundo, confronta-

se a concepção da cooperativa de produção como forma típica

do ‘modo de produção solidário’, com as concepções dos

autores clássicos do marxismo sobre o papel do cooperativismo.

É preciso alertar para o fato de que os escritos de Singer

sobre a ‘economia solidária’ possuem características que tornam

difícil a crítica. Por um lado, o autor não se esforça em precisar

os fundamentos teóricos das suas teses e propostas e dos

conceitos que utiliza. O autor faz uso de conceitos marxistas

sem se ater ao seu sentido original e sem chamar a atenção do

leitor para o sentido alterado que lhes dá. Por outro lado,

Singer muda de opinião sobre pontos específicos do tema, de

um escrito a outro, sem aparentemente preocupar-se em evitar

afirmações contraditórias e, quando incorre nelas, não adverte

para a mudança de opinião nem explica os seus motivos.

O ASPECTO HISTÓRICO

Singer parece empenhado em reescrever a história das

lutas dos trabalhadores pelo socialismo, nos últimos 200 anos,

como se ela constituísse uma história do desenvolvimento

A ‘ E C O N O M I A S O L I D Á R I A ’ : U M AC R Í T I C A M A R X I S T A

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progressivo da ‘economia solidária’, em especial da cooperativade produção, sua forma típica, segundo o autor.1 O elementohistórico verdadeiro desta versão é que as lutas anticapitalistasdos trabalhadores tiveram início há quase 200 anos, isto é,nas primeiras décadas do século 19. Mas não é verdade que aformação das cooperativas tenha sido a forma de luta únicaou predominante, ou que a luta pela formação de cooperativasde produção tenha constituído o eixo central das lutas doproletariado contra o capitalismo a partir desta época até osdias de hoje. A fim de dar destaque ao equívoco históricono qual Singer incorre, é necessário expor, mesmo quesumariamente, as grandes fases que podem ser identificadasna história da luta do proletariado mundial contra o capitalismo.

A primeira fase estende-se aproximadamente do iníciodo século 19 até 1848. Abstraindo a resistência espontâneamilenar dos explorados de todos os tempos contra os seusopressores, as lutas dos trabalhadores contra o caráterespecificamente capitalista da exploração sofrida iniciaram-sena primeira metade do século 19. Como todo início, tiveramuma base estreita e imediatista. Os trabalhadores ainda nãohaviam tomado consciência da sua identidade como classesocial distinta das demais e de cujas condições objetivas deexistência emergia um projeto próprio de sociedade, opostoao capitalismo. Neste início os trabalhadores não se dedicaramapenas a formar cooperativas. Entre os fatos detacados doperíodo a história registra a sua reação instintiva destruindo

1 SINGER, Paul. “Economia solidária: um modo de produção edistribuição”. In: SINGER, Paul e SOUZA, André Ricardo. A economia solidáriano Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto,2003, p.13. “A ‘economia solidária’ é o projeto que, em inúmeros países hádois séculos, trabalhadores vêm ensaiando na prática e pensadores socialistasvêm estudando, sistematizando e propagando” (Ibidem, p. 14). A história realcontradiz claramente esta fantasiosa opinião.

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máquinas, que consideravam culpadas pelo infortúnio do

desemprego, e as primeiras tentativas de formação de

sindicatos. O fenômeno cooperativista, nesse período,

apresenta-se sob duas formas. Por um lado, era o subproduto

das lutas práticas dos trabalhadores, que ocupavam fábricas

falidas e tentavam convertê-las em cooperativas, como reação

defensiva diante do desemprego causado pelas crises

industriais, enquanto, por outro lado, constituía a base de

utopias sociais elaboradas por intelectuais brilhantes (como

Fourier e Saint-Simon) e mesmo por industriais de prestígio

(caso de Owen). Essa primeira fase da luta pelo socialismo é

a fase do socialismo utópico, expressão com a qual Marx e

Engels caracterizaram as propostas de reforma social então

surgidas e que expressavam as aspirações pessoais de

indivíduos bem intencionados, ao invés de constituírem

expressões teóricas das tendências de mudança surgidas

espontaneamente no desenvolvimento real da sociedade.

Singer, parecendo querer antecipar-se à crítica baseada nessa

caracterização de Marx e Engels, afirma que ‘a economia

solidária não é a criação intelectual de alguém...’, mas é, ao

contrário, ‘uma criação em processo contínuo de trabalhadores

em luta contra o capitalismo’.2

Segundo Singer, esse período constituiria a “fase inicial”

da história da ‘economia solidária’, que denomina

“cooperativismo revolucionário”,3 que “já se arvorava como

modo de produção alternativo ao capitalismo”.4 Singer parece

não distinguir as iniciativas práticas dos trabalhadores das

2 Idem, p. 13.

3 SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: FundaçãoPerseu Abramo, 2002, p.35.

4 Idem, p. 33.

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propostas teóricas de intelectuais preocupados com oagravamento da questão social. Esta opinião causa estranheza,uma vez que o cooperativismo desse período foi antes utópicodo que revolucionário, como o demonstram as concepçõesdos seus mais destacados pregadores na época, Fourier eOwen.5 Seria um equívoco deduzir o suposto caráterrevolucionário dessas cooperativas do fato de uma parte delasser constituída em fábricas ocupadas pelos trabalhadores.Apesar de importantes, esses processos consistiam antes emreações defensivas dos trabalhadores em situações críticas doque em desdobramentos de projetos conscientes de socializaçãode meios de produção. Nessa primeira fase, com efeito, a lutacontra o capitalismo era concebida como uma luta travada nocampo estritamente econômico, o que se pode atribuir, porum lado, ao desconhecimento, por parte dos trabalhadores,da conexão entre a esfera econômica e a da ideologia, dapolítica, da cultura e, no ápice do estrutura social, do podersocial concentrado no Estado e monopolizado pela classeproprietária dos meios de produção. Por outro lado, isto podeser atribuído, em certa medida, à separação ainda existenteentre as lutas práticas dos trabalhadores e as elaborações decaráter utópico, por parte de intelectuais.6

A segunda fase, que se inicia em 1848, caracteriza-sepelo fato de que o proletariado intervém no processo socialcomo classe consciente da sua própria identidade social epolítica. Nessa fase o proletariado, como classe, supera aslimitações iniciais, graças à fusão das lutas práticas dos

5 MACKENZIE, N. Breve historia del socialismo. Barcelona: EditorialLabor, 1969, p.26-7, 32-35.

6 A relevância desse aspecto da questão foi desenvolvida por Lênin emVladimir Ilitch Lênin. Que fazer? In: LÊNIN, Vladimir Ilitch. Obras Escolhidas,vol. 1. São Paulo: Alfa-Omega, 1980.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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trabalhadores com as lutas teóricas de intelectuais socialistas,dando origem ao socialismo moderno, baseado na ciência dahistória e na estrutura e movimento reais da sociedade. Sobreessa nova base as manifestações dos trabalhadores puderamultrapassar os limites estreitos das reivindicações econômicasimediatas. Passou o proletariado, passo a passo, a ocupar espaçopróprio na arena propriamente política de luta pela redefiniçãodo caráter e dos destinos da sociedade como um todo.O proletariado fez sua primeira aparição na cena histórica, comoclasse independente, nas revoluções burguesas de 1848.7

É significativo observar que, a partir desse momento,alterou-se o papel desempenhado no processo da luta de classespelos projetos de emancipação dos trabalhadores, elaboradosno início do século e restritos ao âmbito da produção, ignorandoo papel determinante do poder social da classe proprietáriaconcentrado no Estado. As propostas utópicas, baseadas nocooperativismo como eixo central converteram-se, a partir deentão, objetivamente, em obstáculos ao avanço da lutapelo socialismo, uma vez que desviavam os esforços dostrabalhadores da esfera significativa da luta pelo poder deEstado, fator decisivo para a transformação social real.A importância desse aspecto da questão evidencia-se no fatode que a classe proprietária e o Estado, que na fase anterior seopuseram violentamente às propostas cooperativistas dossocialistas utópicos, mudaram de posição ao perceber o seucaráter limitado em relação à nova dimensão adquirida pelaluta de classes na fase socialista, e passaram a adotar algumaspropostas cooperativistas da fase anterior.8 Abriu-se então

7 MARX, Karl. As lutas de classes na França de 1848 a 1850. In: MARX,Karl e ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas, vol. 1. São Paulo: Alfa-Omega, s/d.

8 “Quando Robert Owen, logo depois do primeiro decênio deste século,não só defendeu teoricamente a necessidade de uma limitação da jornada de

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uma fase de disputa, no interior da classe trabalhadora, entreo caminho das lutas meramente econômicas, concentradas nocooperativismo e autolimitadas pela ampla superioridadecompetitiva do grande capital, e as lutas na esfera superior daideologia, da cultura e da política, visando à conquista dopoder de Estado. O primeiro caminho, representado peloanarquismo (Proudhon, Bakunin e Kropotkin), pelo oportunismolassalliano caudatário do Estado, e finalmente pelo reformismono campo marxista (Bernstein e Kautsky), foi contundentementecriticado por Marx e Engels, e por Rosa Luxemburgo e Lênin,que cunhou o termo ‘economicismo’ para caracterizar a correntemarxista russa do final do século 19, que postulava que ostrabalhadores deveriam limitar-se às lutas econômicas, deixandoas lutas políticas aos profissionais.9

A inauguração da fase moderna de luta pelo socialismo,a partir de 1848, deu origem a mais de um século de conquistaspolíticas dos trabalhadores, em nível mundial, a partir doprimeiro episódio significativo, que foi a Comuna de Paris, em1871, primeira experiência histórica de governo dostrabalhadores. Seguiu-se a expressiva expansão eleitoral dospartidos social-democratas europeus, com destaque para oalemão, no fim do século 19 até a Primeira Guerra Mundial,

trabalho, mas também introduziu realmente a jornada de 10 horas em suafábrica em New-Lanarck, isso foi ridicularizado como utopia comunista, assimcomo sua ‘união de trabalho produtivo com a educação das crianças’, comotambém as empresas cooperativas dos trabalhadores, fundadas por ele. Hojeem dia [década de 1860 – CMG], a primeira utopia é lei fabril, a segundafigura como frase oficial em todas as Factory Acts [Leis Fabris – CMG] e aterceira [as cooperativas de trabalhadores – CMG] já serve até como camuflagempara farsas reacionárias” (MARX, Karl. O Capital. v. I, t. 1. São Paulo: AbrilCultural, 1983, p. 236, nota de rodapé 191, confrontado com Karl Marx.Das Kapital, Band I. Frankfurt/M: Ullstein Materialien, 1981, p. 263-4, itálicosacrescentados).

9 LÊNIN, Vladimir Ilitch. Que fazer? In: LÊNIN, Vladimir Ilitch. ObrasEscolhidas, vol. 1. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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incluindo-se nesse período a revolução russa de 1905. O fimda Primeira Guerra Mundial, com as revoluções russa, alemã ehúngara e a vitória da revolução russa, marcou o início daterceira fase histórica do socialismo moderno, a fase da suarealização prática, concebendo-se o socialismo, nuclearmente,como conquista do poder de Estado pelo proletariado, no planopolítico, e no plano econômico como abolição da propriedadeprivada dos meios de produção e instituição da propriedadesocial, e como substituição do mercado pelo planejamentointegrado da produção e da distribuição. Além disso, osocialismo ultrapassou as fronteiras nacionais e converteu-seem um movimento mundial que incendiou as esperanças dosexplorados em todo o mundo e revelou as possibilidades delibertação real do explorados contidas no projeto do socialismomoderno resultante da fusão das lutas téoricas e práticas dostrabalhadores a partir da segunda metade do século 19.

Em contraste com isso o cooperativismo, núcleo estratégicodo projeto de ‘economia solidária’, segundo Singer, a despeitoda sua relevância como sintoma do nascimento do embrião danova sociedade, em nenhum momento foi capaz de catalisarum processo significativo de mudança social dirigido pela classetrabalhadora. Ao contrário de representar a continuidade deum processo crescente de lutas dos trabalhadores (‘é umacriação em processo contínuo de trabalhadores em luta contrao capitalismo’), a tentativa de restabelecer o cooperativismocomo centro da luta dos trabalhadores pelo socialismo, nosdias de hoje, constitui um retrocesso às limitadas ações anti-capitalistas dos trabalhadores na sua infância como classesocial.10 Acima de tudo induz a classe trabalhadora a lutar por

10 Singer reconhece este caráter da sua proposta, mas obviamente aencara como vantagem: “A economia solidária [deve-se supor que o autor serefere ao cooperativismo – CMG] foi concebida pelos ‘utópicos’ como uma

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soluções fantasiosas, conduzindo-a a uma forma de luta queuma longa e trágica história revelou ineficaz.11 O surto depropostas utópicas nos moldes da ‘economia solidária’, assimcomo a proliferação de seitas salvacionistas, reflete o momentode crise e desesperança pelo qual passa a classe trabalhadoramundial atualmente, e nesse sentido repete o ocorrido em todosos períodos de crise prolongada do capitalismo, caracterizadospor grande desemprego e desespero dos trabalhadores, cujacapacidade de resistência nestes momentos é significativamentediminuída, proporcionando terreno fértil para a difusão desoluções milagrosas e oportunistas. O momento atual é aindamais dramático devido à inferioridade momentânea do socialismorevolucionário, decorrente do fim da primeira fase históricadas lutas do proletariado pelo socialismo, iniciada em 1848 econcluída dramaticamente com a derrota, por fatores internose externos, do socialismo soviético.

nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organizaçãocomunitária da vida social. (...) Trata-se duma concepção de socialismo quedominou a infância e a adolescência do movimento operário europeu e quenunca desapareceu inteiramente, mas foi ofuscada pela perspectiva da ‘tomadado poder’ seja pelo voto, após a conquista do sufrágio universal, seja pelaforça, após a longa série de revoluções armadas vitoriosas, inaugurada peloOutubro soviético” (SINGER, Paul, 2002, p. 115-6). A vitória das revoluçõessocialistas parece não comover o autor.

11 É a seguinte a avaliação de Lenin sobre o papel das cooperativas naluta pelo socialismo: “Por que eram fantasiosos os planos dos antigoscooperativistas, desde Robert Owen? Porque eles sonhavam em converterpacificamente a sociedade contemporânea em socialismo sem levar emconsideração problemas tão fundamentais como a luta de classes, a conquistado poder político pela classe trabalhadora, a abolição das leis da classe exploradora.É por este motivo que temos razão ao encarar como inteiramente fantasioso estesocialismo ‘cooperativista’, e como romântico e mesmo banal o sonho detransformar inimigos de classe em colaboradores de classe e a guerra de classesem paz de classes... por intermédio da mera organização da população emsociedades cooperativas” (LÊNIN, Vladimir Ilitch, 1923. On cooperation. LeninCollected Works, Volume 33, s/d., p. 467-75. http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1923/jan/06.htm, extraído em 20/4/05, tradução livre).

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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A difusão da ‘economia solidária’ pode ser interpretadacomo um sintoma do recesso momentâneo da consciência declasse do proletariado, cujo espaço é ocupado pela propagaçãode ideologias pequeno-burguesas, apoiadas nos mecanismosde difusão do sistema dominante. Não se pode descartar ahipótese de que a adoção de iniciativas de ‘economia solidária’como política oficial, em diversos países e inclusive pororganismos internacionais, corresponda ao interesse deneutralizar o ímpeto revolucionário revelado pelo proletariadomundial durante mais de um século a partir de 1848. A adoçãoda ‘economia solidária’, em lugar da disputa pelo poder deEstado, como estratégia de transição para o socialismo,consistiria no abandono do terreno em que as condições deluta são relativamente mais favoráveis aos trabalhadores, porum terreno no qual são amplamente desfavoráveis. Ostrabalhadores deixariam de concentrar a sua ação na amplaarena da política, em que, como classe social, avultamnumericamente em relação à diminuta expressão da classecapitalista,12 restrita a menos de 5% da população em todosos países capitalistas significativos,13 para atuar em estreitafaixa na arena da luta econômica, em que os trabalhadoresseriam em primeiro lugar pulverizados em pequenos grupos,nas cooperativas, tanto regionalmente quanto em termos desegmentos de mercados, e em segundo lugar seriam lançados

12 “A única força social dos trabalhadores é o seu número. Mas a forçado número é quebrada pela desunião. A desunião dos trabalhadores é gerada eperpetuada pela sua inevitável concorrência entre eles mesmos” (MARX, Karl.1866. Instruktionen für die Delegierten des Provisorischen Zentralrats zu den einzelnenFragen [Instruções aos delegados do Conselho Geral Provisório da AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores]. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Werke,Band 16. Dietz Verlag: Berlin, 1975, p.190-199. (http://www.mlwerke.de/me/me16/me16_190.htm, extraído em 21/5/05, tradução livre).

13 LABINI, Paolo Sylos. Ensaio sobre as Classes Sociais. Rio de Janeiro:Zahar, 1983.

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a um terreno – o da concorrência econômica –, em que seencontram em esmagadora inferioridade em relação à classecapitalista, pois neste terreno o que conta não é a expressãodemográfica ou populacional, mas a escala e a qualidadedo capital e dos meios de produção, ao lado dos vínculostecnológicos e financeiros, monopolizados pela classe capitalista.

Na medida que o socialismo é um projeto do proletariadocomo classe e em oposição ao capitalismo como projeto daclasse capitalista, o socialismo só pode ser concebido comoum sistema não-capitalista. Com efeito, na formulação marxistao socialismo baseia-se na propriedade social, ou coletiva, oucomum dos meios de produção, como o oposto da propriedadeprivada, e no planejamento integrado da economia como ooposto do mercado. Na medida que a concepção de ‘economiasolidária’, formulada por Singer, se opõe explicitamente a estesdois pilares do socialismo,14 deve-se forçosamente concluirque a ‘economia solidária’ não é um projeto socialista e nãoreflete, portanto, os interesses do proletariado como classe.

A COOPERATIVA DE PRODUÇÃO E O MARXISMO

Como já exposto, Singer afirma que a “cooperativa deprodução” é a “unidade típica da economia solidária”15 e que aluta pelo cooperativismo constituiu a linha de continuidadehistórica das “lutas anticapitalistas” dos trabalhadores desdeentão. À parte o infundado desta última afirmação, como seprocurou demonstrar na primeira seção deste artigo, Singernão forneceu qualquer definição da “cooperativa de produção”,apesar de constituir o centro da sua concepção de ‘economia

14 SINGER, 2003, p. 18; 2002, p. 111.

15 SINGER, 2003, p. 13; 2002, p. 9; 90.

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solidária’, nem do conceito mais amplo de “cooperativismo” edo seu desenvolvimento histórico. Levando em conta o que sepode considerar o conjunto das vagas idéias que compõem asua concepção de ‘economia solidária’, é-se induzido a concluirque esta omissão conceitual não é casual, mas impõe-se comocondição para conferir um mínimo de plausibilidade àquelaconcepção. A fim de colocar isto em evidência, é precisorevisitar, embora sumariamente, o processo histórico dedesenvolvimento do cooperativismo, por um lado, e a suasubdivisão em segmentos diferenciados, por outro.

O cooperativismo surgiu desde cedo no capitalismo mas,como é habitual, desenvolveu-se, ao longo do tempo, dasformas simples iniciais à forma de um setor complexo eheterogêneo atualmente, e isso ocorreu sob o impacto da lutade classes.16 O cooperativismo formou-se a partir de duasdiferentes origens: por um lado, a partir da formação deassociações de pequenos capitalistas, que evoluíram para aforma de cooperativas empresariais. Estas nunca foramorganizadas na esfera da produção, mas apenas para a realizaçãode operações complementares à produção, principalmente nacomercialização e no processamento final de algumas matérias-primas, principalmente agrícolas. A motivação da formaçãodessas cooperativas é puramente comercial, com o objetivo dereduzir custos individuais nas operações complementaresrealizadas em grande escala.

A segunda origem do cooperativismo foi a reação detrabalhadores assalariados, principalmente operários industriais,à piora contínua das suas condições de vida, em contextos deconflito político explícito com a classe capitalista, o que conferiu

16 O cooperativismo tem também um papel importante nos países que,após a Revolução Socialista Russa, iniciaram a construção do socialismo. Esteaspecto do tema não será, porém, abordado neste artigo.

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a essas cooperativas nítido caráter militante. Também nestecaso há duas variantes que diferem qualitativamente. Por umlado, as cooperativas de consumo, nas quais a cooperaçãonão se dá na produção, e os associados, na sua maioria,beneficiam-se da cooperativa apenas como consumidores.Quando bem-sucedidas, estas cooperativas expandiram-se,em diversos casos, a ponto de adquirir empresas capitalistasconvencionais fornecedoras dos principais meios de consumo,sem no entanto convertê-las em cooperativas.

A segunda variante de cooperativas formadas portrabalhadores assalariados são as fábricas-cooperativas, nasquais os cooperados são os próprios trabalhadores da empresa.As fábricas-cooperativas surgiram a partir do início do século19, geralmente resultantes da tomada, pelos trabalhadores,do controle de fábricas falidas em períodos de crise industrial.As fábricas-cooperativas, como cooperativas de produção,distinguem-se radicalmente, no que diz respeito ao seusignificado histórico, de outras cooperativas, também deprodução, mas que reúnem pequenos produtores autônomosem decadência, de que são exemplos as cooperativas deartesãos. A diferença fundamental é que as primeiras ilustramum processo de tomada, pelos trabalhadores, de unidades deprodução tecnicamente avançadas, que constituem o resultadodo desenvolvimento capitalista e o ponto de partida dosocialismo, ao passo que as últimas nada mais são do queesquemas paliativos destinados a prolongar a agonia dos seusinfelizes integrantes. É impossível dissertar sobre o papelhistórico do cooperativismo de produção sem levar emconsideração esta distinção essencial.

As fábricas-cooperativas foram o tipo de cooperativaque menos se desenvolveu, pela razão óbvia de que nela ospróprios trabalhadores assumem o controle pleno da empresae da produção, no estágio mais avançado da produção

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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capitalista, o que torna evidente e público que os capitalistasnão são indispensáveis para a realização da produção, e explicaa hostilidade que sempre mereceu na sociedade burguesa.Foi este tipo de cooperativa que mereceu a atenção dos autoresclássicos do marxismo. Isto permite compreender o motivopelo qual a cooperativa-símbolo do chamado ‘movimentocooperativista’ moderno, exaltado por Singer, não seja afábrica-cooperativa mas a cooperativa de consumo oude comercialização.

Esta introdução é necessária a fim de localizar comprecisão a interpretação dos autores clássicos do marxismosobre a natureza do cooperativismo. A omissão das distinçõesexpostas é uma deficiência grave da abordagem de Singer,mas é o que lhe permite falar em cooperativismo de modogenérico e renunciar a qualquer tratamento teórico do fenômenocooperativista, colocando em pé de igualdade cooperativas dediferentes tipos e juntando a elas os pequenos produtoresautônomos e pequenos capitalistas falidos, ao lado deiniciativas meramente assistenciais destinados a trabalhadoresdesempregados.17 Com isso perde-se completamente o sentidohistórico do fenômeno. O fato de que considera a cooperativade produção a forma típica da ‘economia solidária’ não corrigeesta deficiência, uma vez que não a define e lhe falta todofundamento teórico.

Marx e Engels interessaram-se pelo fenômenocooperativista na medida que representava a emergênciade elementos de uma nova estrutura social em gestação,apoiando-se coerentemente na sua interpretação teórica docapitalismo como modo de produção em processo histórico dedesenvolvimento na direção da sua superação. Por essa razão

17 SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas.São Paulo: Contexto, 1998, p. 122-5; 131-9.

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o seu interesse concentrou-se nas fábricas-cooperativas, eapenas secundariamente nas cooperativas de consumo.18 O queMarx considerou a característica mais relevante das fábricas-cooperativas foi o fato de que elas demonstraram, pela primeiravez, que os próprios trabalhadores podiam assumir o controleda produção, e isto não com base nas formas de produção empequena escala e tecnicamente ultrapassadas, mas nos padrõesmais avançados de escala e técnica, como se pode observarna passagem seguinte:

as “fábricas-cooperativas (...) demonstraram que a produçãoem grande escala e em consonância com o avanço da ciênciamoderna [itálicos acrescentados – CMG] pode ser realizadasem a existência de uma classe de patrões (masters) queutiliza o trabalho de uma classe de ‘mãos’ (hands) [mãos,operários – NT]; [demonstraram também – CMG] que, paraproduzir frutos, os meios do trabalho não precisam sermonopolizados como meio de dominação e de exploraçãocontra o próprio operário; e que (...) o trabalho assalariado éapenas uma forma social transitória e inferior, destinada adesaparecer diante do trabalho associado (...).19

18 Marx afirma que “Falamos do movimento cooperativista,especificamente das fábricas-cooperativas” (MARC, Karl, 1864a. Inauguraladresseder Internationalen Arbeiter-Assoziation [Manifesto de lançamento da AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores]. In: MARX, Karl e ENGELS Friedrich. Werke,Band 16. Dietz Verlag: Berlin, 1975, p. 5-13. (http://www.mlwerke.de/me/me16/me16_005.htm, extraído em 5/2/05, tradução livre), acrescentandoposteriormente: “recomendamos aos trabalhadores dedicarem-se de preferênciaa associações produtivas do que a associações de consumo. Estas últimas afetamapenas a superfície do sistema econômico atual, as primeiras o atacam nos seusfundamentos” (MARX, 1866).

19 MARX, 1864a, (confrontado com Karl Marx (1864b). Manifesto delançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores. In: MARX e ENGELS,s/d, p. 319). Em escrito posterior Marx pronunciou-se de modo idêntico:“Reconhecemos o movimento cooperativista como uma das forças motrizespara a transformação da presente sociedade, que repousa sobre contradiçõesde classe. O seu grande mérito reside em mostrar, na prática, que o sistema

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Mas essa avaliação positiva não levou Marx a ignorar oquadro global em que as fábricas-cooperativas estão imersas,caracterizado pela subjugação dos trabalhadores aoscapitalistas, como classes sociais, e as contradiçõesque disto resultam e os seus efeitos tanto interna quantoexternamente. Ao contrário de Singer, não as erige emrepresentantes imediatos de um novo modo de produção, umavez que não concebe este como um corpo estranho que seexpande gradualmente ao lado do modo de produção dominante,como parece ocorrer na confusa exposição de Singer. O novomodo de produção se manifesta na própria estrutura do modode produção vigente, na forma de mudanças qualitativas emaspectos essenciais deste, transfigurando-o crescentemente,até o momento da ruptura. Não há dois corpos sociais ladoa lado, mas um mesmo corpo social em processo detransfiguração, que não é mais inteiramente o antigo mas aindanão é o novo. Como todo modo de produção novo nasce nointerior do antigo, a fase de transição entre o capitalismo e osocialismo deve necessariamente caracterizar-se pelo surgimentode formas contraditórias, das quais as fábricas-cooperativassão exemplos.20 A concepção de Marx sobre o cooperativismo

vigente de subjugação do trabalho ao capital, despótico e causador de miséria,pode ser substituído pelo sistema republicano e enriquecedor da associação deprodutores livres e iguais” (MARX, 1866, itálicos no original). Deve-se notarque por ‘movimento cooperativista’ Marx entende o movimento das fábricas-cooperativas, conforme citação de nota de rodapé anterior.

20 “As próprias fábricas-cooperativas dos trabalhadores são, no interiorda antiga forma, a primeira ruptura da antiga forma, embora naturalmente portoda parte, em sua organização real reproduzam e tenham que reproduzir todosos defeitos do sistema existente” (MARX, Karl. Das Kapital, Band III. Frankfurt/M: Ullstein Materialien, 1980, p. 419, confrontado com Karl Marx. O Capital,v. III, t. 1. São Paulo: Abril Cultural, 1984 p. 334). Isto significa que ascooperativas, embora representem um rompimento com a ‘antiga forma’dominante, não constituem ainda uma ‘nova forma’, mas apenas uma formahíbrida ou contraditória, aspecto inteiramente ignorado na análise de Singer.

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como forma contraditória, no entanto, aplica-se plenamenteapenas às fábricas-cooperativas, pois é nelas que ostrabalhadores assumem o controle das forças produtivasdesenvolvidas pelo capital como pressupostos de um novomodo de produção.21

Assim, para Marx, apesar do caráter coletivo dapropriedade dos meios de produção, nas fábricas-cooperativas,implicar que “(...) a antítese entre capital e trabalho dentro dasmesmas está abolida”, isto ocorre sob uma forma capitalista,portanto contraditória, isto é, “inicialmente apenas na formaem que os trabalhadores, como associação, sejam seus próprioscapitalistas, isto é, apliquem os meios de produção para valorizarseu próprio trabalho”.22

Por outro lado, Marx também não ignorou as reaçõesexternas ao surgimento das fábricas-cooperativas:

“(...) a experiência do período decorrido entre 1848 e 1864provou acima de qualquer dúvida que, por melhor que seja emprincípio, e por mais útil que seja na prática, o trabalhocooperativo, se mantido, dentro do estreito círculo dos esforçoscasuais de operários isolados, jamais conseguirá deter odesenvolvimento em progressão geométrica do monopólio,libertar as massas, ou sequer aliviar de maneira perceptível opeso de sua miséria. É talvez por essa mesma razão que

21 Corallo assinala que “a cooperativa aparece, no texto de Marx, comouma forma essencialmente contraditória”, prisioneira da lógica do capital, porum lado, mas abolindo internamente a relação de exploração da força detrabalho, por outro (CORALLO, Jean-François. Coopérative. In: LABICA, Georgeset BENSUSSAN, Gérard. Dictionnaire critique du marxisme. Paris: Quadrigne /PUF, 1999, p. 244-5). O autor amplia o horizonte da análise ao notar que ocaráter contraditório da cooperativa mantém-se no socialismo, mas em sentidoinverso: “a cooperativa não seria mais elemento de socialismo em um ambientecapitalista, mas elemento de capitalismo em um ambiente socialista”. Enfoquesemelhante encontra-se na análise de Lênin (LÊNIN, 1923).

22 MARX, 1984, p. 334.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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aristocratas bem intencionados, porta-vozes filantrópicos daburguesia e até economistas penetrantes passaram de repentea elogiar ad nauseam o mesmo sistema cooperativista detrabalho que tinham tentado em vão cortar no nascedouro,cognominando-o de utopia de sonhadores, ou denunciando-ocomo sacrilégio e socialistas. (...) Conquistar o poder políticotornou-se, portanto, a tarefa principal da classe operária”.23

Por outro lado, as fábricas-cooperativas não podem seranalisadas isoladamente, mas como um elemento de umatotalidade, de modo que os mudanças que se manifestam nelasrefletem mudanças no modo de produção e não apenas nelas.Nesse sentido, Marx coloca as cooperativas em pé de igualdadecom as sociedades anônimas como formas contraditórias,sintomas de uma nova realidade emergindo no interior docapitalismo.24 O que as identifica é que em ambas a gestão daprodução separa-se da propriedade privada dos meios deprodução: as fábricas-cooperativas e as sociedades anônimassão administradas por gerentes indicados por proprietárioscoletivos e não individuais, mas ambas permanecem prisioneirasda lógica do capital, como capitalistas coletivos que são. Istosignifica que a expropriação da classe capitalista, traço essencialdo socialismo, inicia-se de modo espontâneo no interior docapitalismo, ao invés de representar uma aberração que ameaçaa continuidade normal da produção, convertendo-se ao contrárioem condição desta continuidade.

Esta passagem ilustra à perfeição a concepção damudança social, por Marx, como um fenômeno que emerge

23 MARX, 1864b, p. 319-20. Singer opina em sentido contrário (SINGER,2002, p. 93; 112).

24 “As empresas capitalistas por ações tanto quanto as fábricas-cooperativas devem ser consideradas formas de transição do modo de produçãocapitalista ao modo associado, só que, num caso, a antítese é abolidanegativamente, e no outro, positivamente” (MARX, 1984, p. 335).

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espontaneamente, e das leis jurídicas como expressões dessas

mudanças e não como suas causas.25 No presente caso, Marxindica que a conversão da propriedade privada em propriedadecoletiva é gerada pelo desenvolvimento do próprio capitalismoe não pela vontade arbitrária da classe trabalhadora. Com efeito,segundo Marx, o socialismo caracteriza-se pela abolição dapropriedade privada não devido à sua preferência subjetiva

pela propriedade social, mas porque o próprio desenvolvimentodo capitalismo promove, gradualmente, a expropriação de todapropriedade privada, que finalmente subsiste apenas comosuporte jurídico ultrapassado de uma classe privilegiada edestituída de função social objetiva. Numa primeira fase aexpansão do capital implica a expropriação dos produtores

diretos e a expansão absoluta do trabalho assalariado nasociedade; na fase seguinte a difusão da sociedade anônimaimplica a expropriação dos capitalistas individuais e a instituiçãoda propriedade coletiva dos meios de produção, embora restritaà classe capitalista. Isto significa que aos poucos a propriedadeprivada individual dos meios de produção desaparece, substituídapela propriedade coletiva da classe capitalista. Nesta altura, a

propriedade privada individual sobrevive apenas, ironicamente,entre pequenos produtores decadentes, como ruínas de umaera socialmente ultrapassada. E é sobre estas ruínas que Singerpretende que esteja sendo erigido um novo e mais avançadomodo de produção.

No entanto, na medida que a forma jurídica capitalista da

propriedade subordina de modo determinante todas as formasdivergentes dela, as formas coletivas só podem desenvolver

25 As fábricas-cooperativas “mostram como, em certo nível dedesenvolvimento das forças produtivas materiais e das suas correspondentesformas sociais de produção, de um modo de produção desenvolve-se e irrompede maneira natural um novo modo de produção” (Idem, p. 335).

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as suas potencialidades depois que a forma privada individualtenha sido abolida, o que só pode ocorrer, no entanto, nocontexto de uma mudança social global do modo de produção.O cerne do modo de produção reside no caráter de classe dopoder de Estado, cujo componente essencial é a forma jurídicada propriedade. A defesa e garantia desta é a função centraldo Estado nas sociedades divididas em classes. Como se expôsacima, a forma jurídica da propriedade apenas expressa, naesfera jurídica, as relações de produção objetivamente geradaspela configuração geral das forças produtivas. Como estas,porém, se desenvolvem gradualmente, geram ao desenvolver-se novas formas de apropriação, que aos poucos entram emconflito com a forma jurídica vigente da apropriação, de modoque a vigência desta passa a funcionar como obstáculo aodesenvolvimento das novas relações de produção econseqüentemente das forças produtivas que lhe dão origem.O domínio da propriedade privada como forma jurídica geral dapropriedade no capitalismo exerce precisamente este efeito debloqueio sobre as novas formas que, no interior do capitalismo,são sintomas das mudanças mais profundas em curso.Conseqüentemente, para que estas se materializem, é necessárioque a forma jurídica vigente da propriedade privada seja abolida,mas como ela é assegurada pelos instrumentos de força socialconcentrados no Estado, é a natureza do poder de Estado queé decisivo e necessita ser alterado como pre-condição dainstituição do novo modo de produção. Marx manifesta issoclaramente, sem por isso menosprezar o papel representadopelas fábricas-cooperativas como sintomas da emergência denovas realidades na base da estrutura social:

“Mas o sistema cooperativista, limitado às formas elementares[no original zwerghaften: nanicas – CMG] que os escravosassalariados podem desenvolver através dos seus esforçosprivados, jamais transformará a sociedade capitalista. Para

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converter a produção social em um sistema abrangente eharmonioso de trabalho livre e cooperativo, são necessáriasmudanças sociais gerais, mudanças nas condições gerais dasociedade, que só poderão ser realizadas através datransferência do poder organizado da sociedade, isto é, dopoder de Estado, das mãos dos capitalistas e proprietários deterras aos próprios produtores”.26

CONCLUSÕES

As principais conclusões que este artigo permite enunciarsão as seguintes:

1) A ‘economia solidária’ não é, ao contrário da pretensãode Singer, uma “criação em processo contínuo de trabalhadoresem luta contra o capitalismo”. Em seus textos sobre o tema, oautor foi incapaz de identificar o processo real dedesenvolvimento das lutas dos trabalhadores contra ocapitalismo, a partir das incipientes formas iniciais até a suaforma mais desenvolvida do socialismo moderno. O que ostrabalhadores em luta contra o capitalismo criaram, em quaseduzentos anos de uma história riquíssima, foi em primeirolugar o conceito rigoroso do socialismo como objetivo, cujaessência é a abolição da propriedade privada dos meios deprodução e a instituição da propriedade coletiva, e, em segundolugar, a necessidade da conquista do poder de Estado comoprecondição essencial. E não somente criaram os conceitos,como os levaram à prática, a partir da vitória da Revolução de1917, em diversos países do mundo, demonstrando aviabilidade histórica da conquista do poder de Estado pelostrabalhadores e a instituição da propriedade social dos meiosde produção.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

26 MARX, 1866.

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2) A cooperativa de produção, tida por Singer comoprotótipo da ‘economia solidária’, embora tenha surgido, aolado da sociedade anônima, como sintoma de uma nova realidadeemergente no interior do capitalismo, é incapaz, como a própriasociedade anônima, de constituir uma via de superação docapitalismo. Os clássicos do marxismo elaboraram uma análisedetalhada e precisa do significado, das possibilidades e doslimites destas cooperativas no capitalismo, com a qual aabordagem de Singer conflita em todos os aspectos.

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* Bolsista formadora da Intecoop/UFJF. e-mail: [email protected]

** Coordenação de Assuntos Jurídicos Intecoop/UFJF. e-mail:[email protected]

A LEGITIMIDADE DA ECONOMIASOLIDÁRIA: OS EIXOS PRINCIPIOLÓGICOS DOS GRUPOS POPULARESPARA A LEGALIDADE NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITOBRASILEIRO – PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

Eloíza Mara da Silva*

Fernanda de Oliveira Santos**

RESUMO: Este artigo pretende estudaras implicações das bases principiológicasda Economia Solidária (Ecosol) ante alegalidade, a qual estão submetidos osempreendimentos autogestionários esolidários debtro do Estado Democráticode Direito Brasileiro. Com isso, visamossobrelevar as imbricações entre legalidadee legitimidade, ou seja, o intercruzamentoentre Direito e Economia Solidária.Para tanto, ressaltaremos a relevânciados padrões normativos: os princípiosjurídicos, assim como dos eixos centraisdo ideário da Ecosol: os princípiosideológicos. Destacaremos, também, alegitimidade dos movimentos popularesenvolvidos na Ecosol para que os mesmosdespontem como agentes legítimos àparticipação dos momentos do Direito,tanto legislativo quanto jurisdicional.

PALAVRAS-CHAVE: Legitimidade; Legalidadee princípios da Economia Solidária.

RESUMEN: Este artículo pretende estudiarlas implicaciones de los fundamentos dela Economía Solidaria (Ecosol) ante lalegalidad, la cual están sometidos losemprendimientos autogestionarios ysolidarios dentro del Estado Democráticode Derecho brasileño. Con esto, visamosdestacar las imbricaciones entre legalidady legitimidad, o sea, el entrecruzamientode Derecho y Economía Solidaria. Paratanto, resaltaremos la relevancia de lospadrones normativos: los principiosjurídicos, así como de los ejes centralesdel ideario de la Ecosol: los principiosideológicos. Destacaremos también lalegitimidad de los movimientos popularesenvueltos en la Ecosol para que losmismos despunten como agenteslegítimos a la participación de losmovimientos de Derecho, tanto legislativocuanto jurisdiccional.

PALABRAS-CLAVE: Legitimidad; Legalidady principios de Economía Solidaria.

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1 ABORDAGEM PRELIMINAR

A temática da Economia Solidária (Ecosol) encontraterreno inóspito quando tratada pela Dogmática Jurídica, umavez que, se a razão da constituição desse movimento é, doponto de vista da inclusão social, encarada como fontealternativa de geração de trabalho e renda; por isso, urge que oordenamento jurídico e, principalmente, os órgãos legislativosdêem à Ecosol disciplina adequada.1

Acreditamos que as bases ideológicas e principiológicasda caminhada do movimento da Economia Solidária, comoforça legitimadora em prol da sociedade, têm como conduçãoo vértice da legalidade responsável, dentro do ordenamentojurídico posto, pela justa condução desse instrumento no EstadoDemocrático de Direito Brasileiro. Colocamos, então, à tona aviabilidade e a efetividade dos princípios da Ecosol ante o Direito,seja na esfera legislativa, seja na jurisdicional.

Nesse diapasão, focalizaremos no presente artigo o binômio:Direito e Economia Solidária sob a análise dos princípios norteadoresdesta e da legalidade e jurisdicionalização daquele, sobretudo,apontando o filtro da legalidade pelo qual os movimentossociais passam frente aos padrões normativos vigentes.

Nosso horizonte teórico escolhido para o presenteestudo é o pensador alemão Jürgen Habermas, em especialseu estudo sobre direito e moral, texto em oposição a MaxWeber, por meio da seguinte pergunta: ¿Como es posible lalegimitadad a través de la legalidad?.2 Segundo essa ótica,

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

1 Ressaltamos a máxima da igualdade enunciada por Alexy, qual seja,“tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual” não daforma de uma exigência dirigida a uma forma lógica das normas, mas, comoexigência relacionada com o seu conteúdo, ou seja, não no sentido de umaigualdade simplesmente formal, mas, de fato, uma igualdade material.” Cfr.In. Teoria de los derechos fundamentales. p.387

2 In: Facticidade y Validez: complementos y estudos previos.

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será proposta e estudada a posição dos princípios da Ecosolem conexão os princípios jurídicos, desse modo, legitimando,portanto, as reivindicações por uma justiça social na atuaçãodos empreendimentos autogestionários.

2 O FILTRO DA LEGALIDADE: É EFICAZ A ORDEM NORMATIVA

PARA OS EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS?

O avanço do movimento da Economia Solidária torna-seuma realidade indiscutível dentro das relações sociais hodiernas,seja pela latente necessidade de novas relações de trabalho,pela possibilidade alternativa de geração de trabalho e renda,pela dinâmica cultural posta e principalmente pela necessidadede defesa dos grupos sociais e pelo interesse econômico queos informa. Nesse diapasão, impõem-se ao estudioso do Direitoalgumas reflexões no que concerne ao fenômeno associativo e àsformas ou tipos socialmente desenhados perante o comandolegal vigente que, possivelmente, regra essas formas associativas.

A política de Economia Solidária, projeto de desenvolvimentointegral que visa à sustentabilidade, à justiça econômica,social, cultural e ambiental e à democracia participativa,3 surgecomo alternativa de equacionar, no que tange ao trabalho, aprecarização das relações de trabalho e combater o desemprego,que, nas palavras de Singer,4 este é “apenas a manifestaçãomais visível de uma transformação profunda da conjunturado emprego.”

Assim, sinalizamos que a Economia Solidária, em meadosda década de 1990, surge em um contexto de crescentedesemprego e precarização das relações de trabalho. Como fonte

A LEGIT IMIDADE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: OSE I X O S P R I N C I P I O L Ó G I C O S D O S G R U P O S P O P U L A R E S P A R A A L E G A L I D A D E N O E S T A D ODEMOCRATICO DE DIREITO BRASILE IRO – PRINCÍP IOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

3 In: http://www.mte.gov.br/Empregador/Economia Solidária

4 In: Em defesa dos direitos dos trabalhadores. Site idem.

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alternativa de equacionar esse fenômeno, surge a possibilidade

de geração de renda e trabalhado pelo cooperativismo, malgrado

ser a Lei das Cooperativas5 datada de 1971, cenário totalmente

diverso da década quando surge a movimento da Ecosol.

Há, nesse sentido, um hiato e uma flagrante

descontextualização, em face do caráter temporal, entre o texto

normativo do cooperativismo e a luta travada pelo movimento

de Ecosol. Indaga-se, a legalidade que regra a Política Nacional

do Cooperativismo tem tratado adequadamente as chamadas

cooperativas populares, legitimadas pelo movimento de

Economia Solidária? Eis o entrave: esses grupos não se amoldam

aos dispositivos legais vigentes, tal como a Lei Nacional do

Cooperatismo. Tem-se, assim, o fenômeno do cooperativismo

popular6 a forma associativa mais razoável para as instituições

sociais, desenhadas para atender aos interesses da Economia

Solidária. Ocorre que os princípios da Ecosol e, sobretudo, os

interesses desses grupos populares não se limita aos ditames

da Lei n.º 5.764/71,7 instituidora do Estatuto das Sociedades

Cooperativas, ainda que alguns de seus dispositivos se

assemelhem na prática aos delineadores dos empreendimentos

de economia solidária, como, por exemplo, a autogestão.

Ressaltamos, ainda, que mesmo com o advento do Código

Civil, instituído pela Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002,

tão situação não foi equacionada, nem dirimida.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

5 Lei n.º 5.764 de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacionalde Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dáoutras providências.

6 Não podemos deixar de mencionar outras formas jurídicas presentesnos empreendimentos da Ecosol, como, por exemplo, as associações; emborao modelo de cooperativas represente a organização para o trabalho preponderanteno movimento.

7 In: Facticidade y Validez: complementos y estudos prévios, p. 536.

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Numa visão racionalista e formal, Max Weber assinalaque o Direito pode ser visto com aquilo que o legislador políticoestabelece como direito conforme procedimento institucionalizado.Ocorre que o filtro da legalidade, através do qual os empreendimentosde economia solidária passam, deve ser eficaz de tal formaque a força legitimadora dos anseios desta fonte alternativade relações de trabalho vá ao encontro da legalidade, a qualestão invariavelmente submetidos. De fato, surge o pontopara verificação e questionamento: Os preceitos normativosinstituídos pelo legislador ordinário têm dado disciplina adequadaa esses empreendimentos?

Tal com enuncia Habermas,8 a função regulativa deuma sociedade torna-se cada vez mais complexa, vez que anecessidade de um aparato estatal ativo que concomitantementeregula e controla cresce a cada dia. Ocorre que para as chamadascooperativas populares o Estatuto Nacional das Cooperativas –Lei n.º 5.764/71 representa um entrave na estruturação e nofuncionamento destes grupos. Inclusive, podemos afirmar quepara os empreendimentos de economia solidária torna-se urgenteuma alternativa eficaz de arsenal legislativo atento às reaisnecessidades desse movimento.

Devemos buscar uma igualdade de tratamento material enão meramente formal. Na perspectiva de Robert Alexy,9 amáxima da igualdade não significa nem que o legislador tenhaque colocar todos na mesma posição jurídica, nem que setenha em mente que todos possuem as mesmas propriedadesnaturais e se encontram na mesma posição, constituindo, assim,a vertente da igualdade de resultados. Nas palavras de Kelsen10

8 In: HABERMAS, p. 536.

9 In: Teoria de los derechos fundamentales p. 385.

10 Apud MELLO. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. p.11.

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o tema se reveste da mesma maneira quando em suas

considerações diz: “que a igualdade dos sujeitos na ordenação

jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes

devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em

particular nas leis expedidas com base na Constituição.”

Numa reinterpretação dessas assertivas, à luz do filtro

legal pelo qual submetem-se os empreendimentos solidários,

pode-se afirmar que por meio das leis públicas, abstratas e

gerais, deve-se assegurar, por exemplo, os direitos sociais

instituídos na Magna Carta aos trabalhadores inseridos nesses

empreendimentos. Esse filtro da legalidade para os grupos da

Ecosol passa por um obstáculo criado pela incapacidade do

formalismo jurídico perante a riqueza dos casos concretos, tal

como as propostas da Economia Solidária, em especial do

Cooperativismo Popular.

Na verdade, quando invocada para dirimir essas novas

demandas sociais do cooperativismo popular, a legislação em

vigor mostra-se insuficiente, por não comportar as demandas

e por sua ineficiência em acompanhar a diversidade de novas

demandas sociais e, sobretudo, indicar soluções diferenciadas.

Os entraves do filtro da legalidade não só ocorrem na Lei

de Cooperativas, percebe-se, principalmente pela vivência dos

trabalhos com grupos do cooperativismo popular, a mesma

situação quando se discute a participação das cooperativas

nos processos de licitação dos órgãos públicos, Lei n.º 8666/

1993 e até mesmo na força inoperante das recentes leis de

fomento à Economia Solidária, como no Estado de Minas Gerais.

De fato, a dificuldade quando da concretização do Direito

é patente. É um desafio selecionar, mediante as normas jurídicas

vigentes, a melhor decisão diante de casos complexos. O que

não se pode compreender no Estado Democrático de Direito

são pronunciamentos jurisdicionais que não destaquem, sob o

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prisma da relevância social e da justiça social, os enunciados

das vertentes principiológicas da Ecosol: a Cooperação, aAutogestão, a Atuação econômica e Solidariedade.

3 COMO É POSSÍVEL A LEGITIMIDADE DOS PRINCÍPIOS DA

ECOSOL MEDIANTE A LEGALIDADE?

O movimento de Economia Solidária busca em suas basesideológicas o discurso propulsor de suas lutas na sociedadebrasileira. Discurso que notadamente se consubstancia nosprincípios norteadores dessa caminhada em busca de vida dignapara os trabalhadores subempregados e desempregados, quetanto desejam a geração de trabalho e renda via sua emancipaçãodas relações laborais clássicas de subordinação da mão deobra trabalhadora.

Hoje é dado lugar de destaque aos princípios jurídicos naconcretização (interpretação/aplicação) do Direito, devido àexigência de padrões normativos que atendam à complexidadee à celeridade das relações sociais, que a cada dia ingressamcom maior freqüência no aparelho Judiciário; fenômeno esseentendido como judicialização,11 que hoje tanto observamosnos conflitos políticos, nas demandas por justiça social, nascobranças de prestações positivas pela Administração Pública,todas levadas ao Poder Judiciário para serem dirimidas.

11 Esse fenômeno pode ser definido como: “Todo um conjunto de práticase de novos direitos, além de um continente de personagens e temas atérecentemente pouco divisável pelos sistemas jurídicos (...) os novos objetossobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedadescontemporâneas se vejam, cada vez mais, enredadas na semântica da justiça.(...) É da agenda igualitária e da sua interpelação por grupos e indivíduos emsuas demandas por direitos, por regulação de comportamentos e reconhecimentode identidades, mesmo que um plano exclusivamente simbólico, que temderivado o processo de judicialização das relações sociais.” Cfr. In: Ajudicialização da política e das relações sociais no Brasil. pp. 149-150.

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Esse lugar de destaque pode ser constatado nas palavrasdo pensador alemão Jürgen Habermas, quando ele diz12:

“Hay que tener presente que los discursos jurídicos,cualquiera sea su modo de vinculación al derecho vigente, nopueden moverse en u universo cerrado de reglas jurídicasunívocamente fijadas. Esto es algo que se sigue de la propiaestructuración del derecho moderno en reglas y principios”(grifo nosso)

Essa estruturação da qual ele fala está presente na obrado jusfilósofo Ronald Dworkin. Crítico implacável e rigoroso dasescolas positivistas e utilitaristas, Dworkin – baseando-se nafilosofia de Rawls e nos princípios do liberalismo individualista –é um dos principais expoentes críticos do positivismo e doutilitarismo, em sua teoria geral do Direito, ele constrói suaargumentação antitética em embasamentos morais e filosóficos.

Dworkin é o principal expoente da filosofia jurídicaanglo-saxônica; ele, em sua Teoria do Direito traz umasubstancial discussão sobre a posição dos princípios, rebatendoferrenhamente as versões positivistas de John Austin e H. L.A. Hart, porque, ambas são insuficientes para decisão de casosdifíceis, elas diante das complexidades desses sucumbem emrazão da “textura aberta” do padrão regra que ambos adotamem suas teorias; desse modo o momento de aplicação/interpretação do Direito se traduziria como um exercício depoder discricionário do juiz, sem o crivo da racionalidade jurídicaindispensável ao Estado Democrático de Direito.

Essa debilidade reside no encapsulamento do universojurídico em um único padrão normativo: o de regras; devido aisso, Dworkin se lança à construção teórica de outros padrõespossíveis: os de princípio e os de política, por exemplo. Para

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12 In: Facticidad y Validez: complentos y estudios previos, p. 545.

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ele a distinção entre princípios e regras é uma distinção lógica.Ambos são conjuntos de normas (standards) que apontampara decisões particulares sobre obrigações jurídicas numaparticular circunstância, mas se diferenciam no caráter da direçãoque apontam. As regras são aplicáveis na forma do tudo-ou-nada, ou seja, são disjuntivas, aplicam-se ou não se aplicamao caso.

Por sua vez, os princípios, embora sejam tambémproposições como as regras, não indicam uma conseqüêncialegal que automaticamente se segue quando as condições dadasse realizam. Um princípio apresenta uma razão que apontapara uma direção, porém, não exige uma decisão específicanaquele mesmo sentido (apontado); importante frisar que suanão aplicação ou aplicação abrandada não o invalida, isto é,não o exclui do ordenamento jurídico. Isso por que ele temuma dimensão de peso (dimension of weight) ou importância;desse modo, se duas regras estão em conflito, uma não poderáser válida; já os princípios, será aplicado aquele que tiver maiorpeso ou importância naquela circunstância.

Diante disso, podemos imaginar que a relevância dosprincípios jurídicos para Direito assemelha-se à dos princípiosideológicos da Ecosol. Entretanto, não podemos incorrer numaconcepção luhmaniana de sistemas cerrados e autônomos,devemos superar o paradigma13 da teoria dos sistemas, cujo

13 Jürgen Habermas critica o sistema jurídico autopoiético luhmanianoe seu auto-encerramento, segundo ele: “ El derecho, que acaba reduciéndose aun sistema autopoiético, queda despojado, desde eses punto de vista sociológicodistanciador y extrañante, de todas sus connotaciones normativas y, enúltima instancia, de las connotaciones referidas a la autoorganización de unacomunidad jurídica. Bajo la descripción de sistema autopoiético, el derecho,narcisísticamente marginalizado, sólo puede reaccionar a sus propios problemas,que a lo sumo podrán venir ocasionados desde fuera. De ahí que no pueda nipercibir ni elaborar problemas que afectan al conjunto del sistema social.” Cfr.In: Facticidad y Validez, p.115.

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grande expoente na sociologia do Direito foi Niklas Luhmann,e perseguir o intercruzamento entre o Universo Jurídico e oMovimento de Economia Solidária. Essa intersecção deve incluiruma agenda igualitária na qual a sociedade possa materializarsuas reivindicações, sua urgência por justiça social. Contudo,não podemos sublimar, de uma hora para outra, nosso déficitde cidadania, acreditar que nossa Constituição efetivará por sisó seu perfil de Carta Magna Cidadã. De acordo com Vianna14:

“Na sociedade brasileira, um caso de capitalismo retardatárioe de democracia política incipiente, a presença expansiva dodireito e de suas instituições, mais do que indicativa de umambiente social marcado pela desregulação e pela anomalia,é a expressão do avanço da agenda igualitária em um contextoque tradicionalmente, não conheceu as instituições daliberdade. Neste sentido, o direito não é “substitutivo” daRepublica, dos partidos, do associativismo – ele apenas ocupaum vazio, pondo – se no lugar deles, e não necessariamentecomo solução permanente. Décadas de autoritarismodesorganizaram a vida social, desestimularam a participação,valorizando o individualismo selvagem, refratário à cidadaniae à idéia de bem-comum.”

A construção de uma plataforma política para Ecosol temcomo pressuposto o ingresso dos movimentos populares naEsfera Pública Democrática Brasileira, de modo que a reivindicaçãodessa agenda igualitária contribua, seja o passo fundamental,para seu ingresso como pessoas deliberativas capazes deinfluenciar os momentos15 de produção do Direito: legislativo ejurisdicional. O movimento16 de Economia Solidária desponta

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

14 In: A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, p. 150.

15 In: Eficácia e inalinabilidad, p. 971.

16 Acreditamos que o Movimento da Ecosol deve aperfeiçoar-se nosmecanismos Jurídicos e desse modo despontar como agente hábil à luta pelos

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como pessoa deliberativa que tem exigido sua normatividadeemergente, a positivação de seus direitos, sobretudo aquelesguarnecidos em seus princípios basilares. É central nessaagenda que se resolva o descompasso entre o direito oficialmenteestatuído e o formalmente vigente, que se reconheça essanormatividade emergida das relações sociais que envolvem ostrabalhadores dos empreendimentos autogestionários.

Esses trabalhadores são atores sociais legítimos àquelesmomentos porque conhecem os fatos da experiência direta ecotidiana da Ecosol; por outro lado, os funcionários do Estadoapenas têm acesso a papéis e processos, na rotina da burocraciaestatal, que ainda se alimenta da relação de tipo paternal ouassistencialista entre as classes dirigentes e o povo, subjulgandoao papel passivo, de cliente das prestações estatais.

O pensador alemão Jürgen Habermas, em seu texto“¿Como es posible la legimitadad a través de la legalidad?”,questiona Max Weber, em especial sua concepção positivistado direito como dominação legal, a fim de demonstrar que alegitimidade do Direito extravasa os contornos e as qualidadesformais do mesmo, porque ela está umbilicalmente atrelada àMoral, algo que não se coaduna com a concepção weberiana.

Weber não contemplava a legitimidade da legalidadeem um sentido prático moral, porque entendia que o núcleomoral do Direito formal burguês se apresentava sob aroupagem de orientações valorativas alijadas dessa dominaçãoburocrática racional.

Esse tipo de dominação, sob os moldes da teoriaweberiana, estava fechada para as exigências materiais dosdestinatários das normas, isto é, os postulados éticos de justiça

seus direitos. Nesse sentido, faz-se importante o comentário de Unger: “aesquerda deveria reinterpretar em vez de abandonar a linguagem dos direitos”,Cfr. In: Política, p.20.

A LEGIT IMIDADE DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: OSE I X O S P R I N C I P I O L Ó G I C O S D O S G R U P O S P O P U L A R E S P A R A A L E G A L I D A D E N O E S T A D ODEMOCRATICO DE DIREITO BRASILE IRO – PRINCÍP IOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

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e dignidade humana estavam excluídos do formalismo do Direito.

O paradigma17 do Estado Social se contrapõe a esse modelo

liberal burguês das leis abstratas e gerais, na medida em que

atribui ao Poder Legislativo a responsabilidade de intervir de

modo transformador na sociedade mediante as redistribuições

de matérias compensatórias.

A proposta habermasiana é de superação da cisão entre

Moral e Direito, a legitimidade da legalidade não se explica

recorrendo à racionalidade autônoma do Sistema Jurídico,

delineada por Max Weber, ao contrário ela advém do

intercruzamento entre eles. Afinal, as características formais

do Direito só oferecem razões legitimadoras, argumentos da

ordem de um discurso prático, à luz de princípios de conteúdo

moral. Nesse sentido podemos dizer que os princípios da Ecosol

não apenas servem de discurso legitimador dos movimentos

populares que os arregimenta, eles podem servir também de

razões legitimadoras, como eixos morais dos marcos normativos

referentes à Economia Solidária.

5 PONTUAÇÕES FINAIS

O destaque da Economia Solidária no cenário nacional

pode ser observado, por exemplo: nas Políticas Públicas para

o Trabalhador Brasileiro agora institucionalizadas, com contornos

estatais, na criação da SENAES – Secretaria Nacional de

Economia Solidária; nas discussões e nos debates sobre os

rumos dos empreendimentos autogestionários dentro dos

fóruns brasileiro e estaduais de Ecosol têm articulado e

organizado os grupos populares envolvidos nessa realidade;

nas Universidades Públicas, por meio das ITCPs (Incubadoras

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

17 Cfr. In: Facticidad y Validez, pp.469-532.

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Tecnológicas de Cooperativas Populares), que tem incubadoesses grupos populares a fim de cumprir seu compromisso delevar à sociedade suas atividades de extensão comprometidascom o êxito da Ecosol, como marco alternativo e diferenciadoà geração de trabalho e renda.

Diante dessa visibilidade, o Direito em seus momentostanto legislativo quanto jurisdicional, não pode se esquivardessa nova realidade tão diferente das relações patronaisclássicas, com que seus operadores estão acostumados a lidar.Do mesmo modo, os atores sociais comprometidos com aEcosol devem assumir sua posição como pessoas deliberativaslegítimas à esfera publica argumentativa donde nascerão osnorteadores jurídicos e políticos compromissados com o seucotidiano autogestionário e solidário.

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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C O N F I G U R A Ç Õ E SC O N T E M P O R Â N E A S D O C O O P E R A T I V I S M OB R A S I L E I R O

Daniele Regina Pontes*

* Mestre em Direito Cooperativo e Cidadania pelo Programa de Pós-graduação em Direito – UFPR. Integrante do Núcleo de Direito Cooperativo eCidadania da UFPR. Cooperada da AMBIENS SOCIEDADE COOPERATIVA.Professora do Curso de Direito da UNIBRASIL.

RESUMO: Este texto tem por objetivoesboçar uma tipologia das organizaçõesque se autodefinem como cooperativas,inseridas no contexto brasileiro,considerando a natureza e os objetivosdas organizações coletivistas, emespecial das cooperativas de produção.

PALAVRAS-CHAVE: cooperativismobrasileiro; cooperativas de produção.

RESUMEN: Este texto tiene por objetivoesbozar uma tipología de las organizacionesque se autodefinen como cooperativas,insertadas em el contexto brasileño,considerando la naturaleza y los objetivosde las organizaciones colectivistas, enespecial de las cooperativas de producción

PALABRAS-CLAVE: cooperativismobrasileño; cooperativas de producción.

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1 COOPERATIVISMOS

A história das cooperativas tem início na história da açãode agentes conscientes da necessidade de transformação da

organização e das relações produtivas. A formação inicial deorganizações coletivistas de trabalho1 buscava construir condiçõesnecessárias à emancipação dos trabalhadores submetidos àexploração imposta pelo sistema de produção capitalista.

Inseridas em um universo hostil à sua implementação,considerada a perspectiva de sua concepção emancipatória

original, foi descolada de um projeto político específico etransformada em um instrumento de organização produtiva eem um modelo societário que poderia abarcar uma série deintenções. Desde o enfrentamento e a contraposição ao modelovigente caracterizado pela exploração da classe trabalhadora,passando pela pacífica convivência reformista de uma suposta

melhoria das condições suportadas pelos trabalhadores, ascooperativas, como instrumento, passaram a se constituir emmais uma forma de manutenção do capital monopolista,expropriador dos trabalhadores, com o gravame de esconder elegitimar sua existência e ação pela utilização da denominação“cooperativa”, em legislações, como é o caso de sua conformação

no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, reforçando a suainserção no universo do capital, chegou a se transformartambém em mais uma forma de terceirização, em muitos casoschegando a ser utilizada como forma de lesar trabalhadores.

Longe de afirmar-se como expressão máxima dosocialismo ou do capitalismo, mas, difundida em vários países

inclusive no Brasil, as cooperativas historicamente foram e

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

1 A expressão “organização coletivista de trabalho“ foi utilizada porJosé Ricardo de Faria que a conceituou como “associação produtiva autogeridapelos seus trabalhadores”. (FARIA, 2003, p.22)

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continuam sendo alvo de políticas governamentais específicas.O que significa dizer que, mesmo não se configurando comocategoria central das relações materiais de produção, é parteintegrante da contraditória rede de inter-relações econômicas esociais estabelecidas na sociedade da mercadoria, ora fortalecendoe reproduzindo as condições existentes, ora contribuindo para aprodução de uma nova forma de sociabilidade.

O que se pretende demonstrar neste texto é o conjuntode aspectos que permitem estabelecer as diferenças entre asformas de cooperativas, a partir da identificação da finalidadee da natureza orgânica dessas organizações, considerado ocontexto em que se inserem.

2 TIPOLOGIA DAS COOPERATIVAS

A definição sobre a finalidade das cooperativas estárelacionada ao objeto principal que é desenvolvido por essasorganizações, o que significa dizer, a sua atividade fim. A naturezaorgânica é definida a partir do conteúdo das cooperativas, daessência dessas organizações. Nesse sentido, são observados:(i) o projeto político; (ii) processo e organização do trabalho e,(iii) das relações de trabalho.

A forma, assim como a natureza orgânica, e a finalidadedessas cooperativas se apresenta intimamente relacionada aosprojetos políticos que as constituem. Dessa forma, a tipologiapermite reconhecer também os elementos que sustentam essaspropostas de ação política.

2.1 COOPERATIVAS: FINALIDADE

De acordo com a finalidade, as cooperativas podem seridentificadas e divididas da seguinte forma: (i) cooperativas deprodução de bens e (ou) serviços; (ii) cooperativas de consumoe (iii) cooperativas de crédito.

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A cooperativa de produção é uma associação de pessoas

que tem como finalidade a produção coletiva de bens ou serviços

e o retorno dos resultados de tal produção apropriado pelos

próprios trabalhadores.

O trabalho realizado nessas cooperativas pode ser

resultado de um trabalho que foi inicialmente realizado

individualmente por cada cooperado e que é transformado, em

um segundo momento, coletivamente no âmbito da cooperativa,

ou todo o processo de produção pode ser coletivizado, na

forma de cooperativa.

Na organização desse processo de trabalho, os

trabalhadores, utilizando meios de trabalho, operam a

transformação de coisas (corpóreas ou incorpóreas), que

resultam em produtos que contêm trabalho.

O produto do trabalho pode ser materializado na forma

de bem ou de serviço, tendo em vista que sob o capital, o que

está se produzindo é uma mercadoria, que, como define Marx,

(2002) “é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa

que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas,

seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do

estômago ou da fantasia.” (MARX, 2002, p. 57)

As cooperativas de produção2 de bens e (ou) serviços

podem se apresentar, ainda, sob três formas: (i) cooperativas

de produção e/ou serviços; (ii) cooperativas mistas e (iii)

cooperativas integrais.

As cooperativas de produção de bens e (ou) serviços

apresentam como finalidade apenas a venda dos produtos,

resultado da produção de seus trabalhadores, e, por esse

motivo, podem ser consideradas cooperativas simples.

2 Paul Singer entende que “a cooperativa de produção é a modalidadebásica da economia solidária”. (SINGER, 2002, p. 84)

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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As cooperativas mistas apresentam como finalidade

preponderante a venda de produtos, que podem ser fruto da

produção dos trabalhadores cooperados e de outros

trabalhadores que convivem com os cooperados em uma relação

de assalariamento, sendo que tais cooperativas agregam também

às suas atividades compras em comum beneficiando seus

cooperados na aquisição de bens ou serviços. Essas cooperativas

são bastante expressivas no Brasil e se apresentam, principalmente,

no ramo das cooperativas agropecuárias.

São consideradas cooperativas integrais aquelas que se

apresentam como uma organização social comunitária, em que

a comunidade se organiza em cooperativa para produzir em

conjunto, prioritariamente, os produtos para seu próprio

consumo, comercializando o excedente.

As cooperativas integrais não se constituem em mero

instrumento de coletivização do trabalho, mas ampliam o

pressuposto da coletivização para uma série de bens que acaba

por constituir um patrimônio geral da comunidade.

No Brasil, existem alguns exemplos de cooperativas

integrais vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra – MST. Em pesquisa realizada por J.R.V.de Faria

(2003), a Cooperativa de Produção Agropecuária União do

Oeste Limitada – Cooperunião, criada em 1990, demonstra a

finalidade de sua constituição a partir da sua trajetória

o grupo ligado ao MST tinha uma proposta de produçãocoletiva (...). Em 1992, foi formada a primeira equipe detrabalho unificada que atuava na apicultura. Ocorre em 1994,a filiação das famílias do grupo de vinte e cinco à Cooperuniãoe a coletivização das máquinas e da produção de grãos. Em1995, todo o processo de trabalho foi unificado e a terra foiconcedida para uso da cooperativa e os bens passaram para apropriedade coletiva. (FARIA, 2003, p. 127-128)

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Além das cooperativas de produção que agregam oconsumo dos cooperados, aparecem as cooperativas que sãoconstituídas exclusivamente com a finalidade de ser uma“associação dos consumidores para melhorar sua condição decompra de bens e serviços”. (FARIA, 2003, p. 26-27)

As compras são feitas em comum de artigos de consumo paraseus cooperantes. (...) Durante muitas décadas esse ramo ficoumuito limitado a funcionários de empresa, operando a prazo,com desconto na folha de pagamento. No período altamenteinflacionário essas cooperativas perderam mercado para asgrandes redes de supermercado e atualmente estão serearticulando como cooperativas abertas a qualquer consumidor.(FIGUEIREDO, 2000, p. 52)

Ainda, quanto à finalidade, é possível verificar que hámais um tipo específico de cooperativa – as cooperativas decrédito. Essas apresentam como finalidade proporcionar, pelamutualidade, assistência financeira aos seus cooperados.

O funcionamento dessas cooperativas ocorre medianteautorização e fiscalização do Banco Central do Brasil, por seremequiparadas às demais instituições financeiras. A lei lhes proíbeque adotem o nome banco. No entanto, guardam alguns pontosem comum com essas instituições financeiras. (FIGUEIREDO,2000, p. 52-53)

Cabe ressaltar que algumas cooperativas agropecuáriasagregam, à produção e ao consumo, suas próprias cooperativasde crédito.

Há uma tendência recente de abertura de cooperativasde crédito, na perspectiva da Economia Solidária, essascooperativas vêm sendo denominadas cooperativas de créditosolidárias ou cooperativas de crédito comunitárias. De acordocom Paul Singer (2002), para que essas cooperativas sejamsolidárias, é necessário “que os trabalhadores que as operamprofissionalmente sejam sócios delas”. (SINGER, 2002, p. 85)

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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3 COOPERATIVA: NATUREZA ORGÂNICA

A análise relativa à natureza orgânica das cooperativasestá centrada na observação de três aspectos, quais sejam:(i) o projeto político; (ii) processo e organização do trabalho e(iii) as relações de trabalho.

De acordo com J.H. de Faria (2004), considera-seprocesso de trabalho o conjunto das operações realizadas pelossujeitos trabalhadores, individual ou coletivamente, de formaorganizada, com a finalidade de produção de mercadorias.Chama-se organização do trabalho a forma pela qual o processode trabalho encontra-se estruturado. Chamam-se relações detrabalho as interações objetivas e subjetivas que os sujeitosestabelecem entre si durante o processo de trabalho. (FARIA,2004, p. 26)

A partir do estabelecimento desses critérios de análise,relativamente à natureza orgânica das cooperativas, foramobservadas três formas: (i) cooperativas sob o comando dosprodutores diretos; (ii) cooperativas sob o comando do capital e(iii) cooperativas sob o comando do trabalho precarizado,dividindo-se esta última em: cooperativas de trabalho precarizadoe cooperativas de trabalho precarizado “ad hoc” (fraudulentas).

3.1 COOPERATIVAS SOB O COMANDO DOS PRODUTORES

DIRETOS

Esse tipo específico de cooperativa tem como origem osprojetos idealizados pelos socialistas utópicos.

Nessa conformação específica, trabalhadores se associamcom o intuito de produzir bens ou serviços, formando, dessaforma, cooperativas de trabalhadores associados.

A organização e as relações de trabalho nessas cooperativasapresentam três aspectos relevantes à sua conformação:“(i) gestão democrática; (ii) controle do processo de produção

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pelos trabalhadores e (iii) distribuição do resultado proporcionalao trabalho realizado”. De acordo com J.R.V.de Faria (2003),os elementos dispostos anteriormente não caracterizam essascooperativas, no caso de serem observados individualmente.Apenas a observação do conjunto desses elementos caracterizaessa forma de cooperativa. (FARIA, 2003, p. 40)

Apesar de as cooperativas, no Brasil, serem a única formajurídica que comporta as especificidades mencionadas, algunsautores reconhecem na prática, distorções jurídicas, em queempresas de feição tipicamente capitalista observam tais preceitos,como é o caso das empresas controladas por trabalhadores.3

Pode-se considerar que a cooperativa assume essaconfiguração quando é “democraticamente gerida pelo conjuntodos trabalhadores, que exercem o controle efetivo sobre oprocesso de produção e distribuem o resultado proporcionalmenteao trabalho realizado.” (FARIA, 2003, p. 41)

Os detentores do controle sobre o processo de produção,neste caso, são os próprios trabalhadores, sendo que estecontrole se exerce sobre a concepção do produto, seja estebem ou serviço, e compreende todas as fases de execução atéa realização do seu valor, na forma de produto. Consideram-se,neste aspecto, a apropriação de todos os elementos necessáriosao processo de trabalho que, como define Marx (2002),“desempenham papéis diferentes na formação do valor dosprodutos”. (MARX, 2002, p. 235)

Considera-se a “distribuição do resultado proporcionalao trabalho realizado quando o valor produzido e realizado édistribuído na proporção do tempo e da natureza do trabalhosocial dos agentes de produção.” (FARIA, 2003, p. 119)

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

3 Empresas capitalistas que entram em processo falimentar e ostrabalhadores assumem a gestão e a produção da empresa. São denominadasempresas autogestionárias.

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Quanto à gestão, pode-se entender que “uma organização

é democrática quando cada um dos seus associados participa

e é responsável pelas ações desta gestão, com condições de

acesso e domínio da informação gerencial em todos os seus

níveis”. (FARIA, 2003, p. 120)

Para Singer (2002), as cooperativas de trabalho coletivo

são as verdadeiras cooperativas de trabalho, pois o trabalho é

realizado coletivamente pelos cooperados dentro do espaço da

cooperativa, ou seja, a execução da atividade é realizada pelos

cooperados na própria cooperativa e o produto do trabalho é

dos cooperados. (SINGER, 2002, p. 84)

Os cooperados têm autonomia sobre a forma de execução

do trabalho e sobre o seu resultado e são coletivamente

proprietários e possuidores dos meios de produção.

Mas, ainda dentro dessa categoria, pode haver duas

formas de realização do trabalho, a primeira que já foi

mencionada, em que os trabalhadores realizam suas atividades

em conjunto, na própria sede da cooperativa, e a segunda em

que os trabalhadores necessariamente realizam a maior parte

das atividades individualmente, o que não modifica a

caracterização dos cooperados como produtores diretos, mas

muitas vezes esses cooperados são confundidos com

trabalhadores autônomos. Isso ocorre, por exemplo, em

cooperativas de transporte em que o cooperado realiza a maior

parte de suas atividades fora da sede da cooperativa.

J.R.V. de Faria (2003) demonstra no Quadro 1 a seguir,

os princípios da autogestão nas unidades produtivas que são

equiparadas nesse trabalho às cooperativas sob o comando

dos produtores diretos.

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

QUADRO 1 – PRINCÍPIOS DA AUTOGESTÃO NAS UNIDADES PRODUTIVAS

E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.

PRINCÍPIOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

Grau de participação, Questões nas quais participa e Nível organizacional em que ocorre a participação.*

Participação na gestão (Planejamento, Decisão e Controle) Reprodução da configuração

organizacional**

Grau de responsabilidade

Questões sobre as quais é responsável Responsabilidade na gestão (Planejamento, Decisão e Controle)

Nível organizacional sobre o qual é responsável

Grau de acesso Acesso Nível organizacional

da informação

Grau de domínio

Gestão democrática

Informação

Domínio Nível organizacional da informação

Relações de propriedade econômica: controle sobre o que é produzido, inclusive sobre a capacidade de dispor dos produtos.

Agentes da produção: trabalho manual e trabalho mental

Propriedade real: relações técnicas e sociais de produção

Relações de posse: controle sobre como é produzido

Meios de produção: meios de trabalho e objetos de trabalho

Controle do processo de produção***

Propriedade legal: cotas de participação no patrimônio

Tempo de trabalho

Natureza do trabalho social

Distribuição do resultado proporcional ao trabalho realizado Participação no aumento do patrimônio

* BERNSTEIN, Paul. Necessary elements for effective worker participation in decision-making. In: LINDENFELD, F. e ROTHSCHILD-WITH, J. (Org.). Workplace democracy and social change. Boston: Porter Sargent, 1982. p.51-81.

** Cf. SOUSA SANTOS, Boaventura de. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. A democracia é contextual, pois depende da configuração social. A reprodução desta configuração no processo de tomada de decisão, implica na correta identificação dos atores sociais e de

suas relações.

*** Cf. definição de FARIA, Jose Henrique de. Comissões de fábrica: poder e trabalho nas unidades produtivas. Curitiba: Criar, 1987.

FONTE: FARIA (2003, p. 121)

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3.2 COOPERATIVAS SOB O COMANDO DO CAPITAL

Apesar da contradição relativa ao próprio conceito decooperativa, uma parte das cooperativas brasileiras de produçãoassumiu forma análoga à das empresas capitalistas tradicionais.Significa dizer que o processo, a organização e as relações detrabalho nessas cooperativas são tipicamente capitalistas.

J.H. de Faria (2004) define essas três situações nocapitalismo da seguinte forma:

O processo de trabalho é tipicamente capitalista quando afinalidade da produção é a geração e apropriação de valorexcedente (trabalho não pago) pelo capital, que o aliena dotrabalhador. A organização capitalista de trabalho refere-se àforma como o capital estrutura o processo de trabalho, atravésda divisão técnica e social, do estabelecimento de umahierarquia gerencial e de um sistema disciplinar específico.As relações de trabalho sob o comando do capital referem-seaos contratos, ao assalariamento, às relações sindicais e àsinterações entre as estratégias gerenciais e as atividadesobjetivas e subjetivas que os sujeitos trabalhadores estabelecemno processo de trabalho. (FARIA, 2004, p. 26)

A incorporação desses preceitos pelas cooperativasempresariais é bastante clara, aparecendo inclusive nosdiscursos de seus dirigentes. Relativamente à incorporação detécnicas de administração nas cooperativas, Rodrigues, em1998, já se manifestava quanto às regras que deveriam nortearas cooperativas.

Existe um aspecto fundamental na boa administração nos diasde hoje – a habilidade em tomar decisões rapidamente.Certamente essa é uma área sensível para as cooperativas,dadas as características do processo democrático de decisão.(...) Há, entretanto, uma forma de promover um rápido processodecisório de forma que seja compatível com a democracia.Em vez de votar em pessoas nas eleições cooperativas,

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deveríamos votar em programas. Em vez de votar em pessoasporque são honestas, sérias e competentes, deveríamos votarem pessoas que tenham uma clara idéia do que necessitamrealizar. Eleito de forma democrática, o líder pode tomar asdecisões sem sentir a necessidade de consultar os membrosque lhe concederam o mandato. Essa abordagem enfatiza aliderança cooperativa. (...) O novo papel do líder é convenceros associados a seguir determinado caminho, e, então, comoum bumerangue, auxiliá-los no alcance de suas metas. (...)O líder legítimo da cooperativa deve estar preparado pararealizar mudanças, além de ter outras qualidades. Por quemudar? Mudar para se livrar de funcionários, cooperados,líderes e cooperativas ruins. Considerando o ambientecompetitivo, não temos condições de manter elementosnegativos que destroem a imagem das cooperativas. Nós temosde ser como Jesus, que expulsou os vendilhões do Templo.(RODRIGUES, 2002, p.2-3)

Nesse discurso, Rodrigues (2002) apresenta ocooperativismo clássico brasileiro, direcionado a acatar todasas regras necessárias à acumulação tipicamente capitalista,incluindo o processo, a organização e as relações de trabalhoespecíficas desse sistema.

Nesse sentido, é possível observar as seguintescaracterísticas nas cooperativas de essência empresarialtipicamente capitalista:

(i) o trabalhador exerce suas atividades sob o controle docapitalista, que é o proprietário de seu trabalho pelo tempocontratado. Assim, o trabalho é realizado sob a vigilânciado capitalista; (ii) o produto do processo do trabalho nãopertence ao produtor direto, ao trabalhador, mas ao capitalista.O capitalista, ao comprar a força de trabalho, incorpora opróprio trabalho aos elementos que constituem o produto, e oresultado do trabalho, o produto, portanto, é propriedadedo contratante da força de trabalho. A força de trabalho é

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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consumida como mercadoria que o capitalista comprou quandoeste a coloca em movimento, acrescentando-lhe os meios deprodução. (FARIA, 2004, p. 27)

O processo de trabalho considerado em sua formacapitalista é absolutamente reproduzido nos empreendimentosaqui definidos como “cooperativas sob o comando do capital”,tendo em vista que cumpre as duas condições essenciais asua conformação.

Os produtores diretos dessas cooperativas são trabalhadoresassalariados. Os cooperados compram a força de trabalhodesses trabalhadores, que exercem suas atividades sob ocontrole direto ou indireto dos cooperados, sob as condiçõesestabelecidas na venda da força de trabalho (jornada de trabalho,metas e demais formas possíveis e atuais de consumo daforça de trabalho e da produção de mais-valia). A definiçãosobre qual finalidade deve orientar a produção dos trabalhadoresé dada pelos cooperados. Os meios de produção utilizadospelos trabalhadores são de propriedade dos cooperados.O produto, resultado do dispêndio da força de trabalho doprodutor direto, pertence aos cooperados. E, por fim, a forçade trabalho dos produtores diretos é consumida comomercadoria, quando colocada em movimento, utilizando osmeios de produção dispostos à concretização das atividadespreviamente definidas, por quem as comprou – os cooperados.

Nessas cooperativas, os cooperados formam o grupode proprietários dos meios de produção e do resultado dotrabalho – produto –, da atividade executada por trabalhadoresassalariados. Portanto, assumem as mesmas condições ecaracterísticas do capitalista de um empreendimentotradicionalmente orientado pelo comando do capital.

Não há relevância, sob esse aspecto, na conformaçãodo quadro relativo ao capitalista. Significa dizer que, o quediferencia essas “cooperativas” das empresas capitalistas

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tradicionais é a relação que existe entre os cooperados e

a cooperativa. Relativamente à legislação vigente, essa

organização é considerada como cooperativa, porque cumpre

os requisitos legais estabelecidos na legislação. Inclusive, porque

a legislação cooperativista prevê a contratação de trabalhadores

assalariados, para a realização das atividades meio e das

atividades fim.

A organização do trabalho nessas cooperativas é similar

ao das empresas capitalistas tradicionais, em que existem

empregadores e empregados. Nesse caso, especificamente,

os empregadores se apresentam sob a figura de um grupo de

cooperados. Como é o caso, por exemplo, das cooperativas

agropecuárias ou de cooperativas de produção de serviços ou

das cooperativas médicas em que as atividades meio são, em

regra, realizadas por trabalhadores assalariados.

Tais cooperativas podem ser denominadas também como

cooperativas empresariais. Essas cooperativas apresentam as

seguintes características:

(i) grande parte dos produtores diretos são trabalhadoresassalariados; (ii) os cooperados são responsáveis pela gestão,ou a gestão é realizada por técnicos contratados; (iii) adistribuição da renda e das sobras por cooperado é proporcionalao “movimento ou a expressão econômica” realizada por cadacooperado, ao contrário das cooperativas de produção sob ocomando dos produtores diretos.

Tais características podem ser observadas nos exemplosa seguir tratados:

Cooperativa Coamo – AdministraçãoCom 3,7 mil funcionários e 17,5 mil agricultores associados, aCoamo baseia sua administração no tripé cooperados-diretoria-funcionários. A perfeita integração entre eles tornou a Coamouma das maiores cooperativas agrícolas da América Latina.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Duas vezes por ano, a diretoria se reúne com os cooperados

no campo para debater os problemas da sociedade e as

tendências de mercado que afetam ou podem afetar o setor.

(COOPERATIVA COAMO, 2004)

Cooperativa Cocamar – Responsabilidade Social

A Cocamar sabe que a cidadania corporativa é a base para a

continuidade de seu crescimento e desenvolvimento. Por isso,

mantém a atenção voltada para seus colaboradores e

comunidade em geral, investindo ainda na conservação do meio

ambiente em favor das gerações futuras.

A atuação social é investimento para a Cocamar, atividade

organizada e voltada para a busca de resultados. A criação

de um Instituto de Responsabilidade Social e outro de

Difusão Tecnológica, destinados à operacionalização de

programas nos municípios de sua área de atuação, confirmam

esta tendência. Para o desenvolvimento dessas atividades

foi criado internamente um departamento – COCAMAR

SOCIAL – que coordena os programas desenvolvidos. A criança,

o adolescente e a comunidade, através das entidades

assistenciais, são os principais públicos a quem se destinam

à maioria dos programas em consonância com o bem estar

da comunidade interna, colaboradores e associados.

(COOPERATIVA COCAMAR, 2004)

Como é de notar, essas cooperativas reproduzem osmodelos vigentes de empresas capitalistas tradicionais, inclusivena forma de se expressar, como, por exemplo, denominandotrabalhadores empregados como colaboradores. Além desse fato,a questão referente à gestão democrática está adstrita aoscooperados, sendo que se restringe em determinadas situaçõesa uma democracia meramente representativa. O controle doprocesso de produção e da gestão está concentrada nas mãosdos cooperados-empregadores e o resultado é distribuído aoscooperados, proporcionalmente às trocas econômicas realizadas.

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3.3 COOPERATIVAS SOB O COMANDO DO TRABALHO

PRECARIZADO

Devido à utilização indiscriminada da expressão cooperativa

de trabalho, para designar cooperativas absolutamente diversas,

ou seja, desde cooperativas de produção de bens ou de serviços,

ou cooperativas de trabalhadores que vendem força de trabalho,

ou mão-de-obra ou até cooperativas fraudulentas, é necessário

conceituar aqui o sentido dado a essa expressão.

A denominação cooperativa de trabalho diz respeitos às

cooperativas em que o trabalho fim é realizado pelos próprios

cooperados, independentemente da natureza do produto do

trabalho, seja ele um bem ou um serviço.

O conceito aqui utilizado, para designar o termo –

cooperativa de trabalho precarizado – é referente à cooperativa

formada por trabalhadores auto-organizados, que, privados da

propriedade dos meios de produção, vendem a força de trabalho

por meio da cooperativa. Dessa forma, a cooperativa de trabalho

constitui-se, em regra, como forma de precarização do trabalho.

Mas não se configura como cooperativa fraudulenta, pois a

cooperativa não está submetida ao capitalista, mas aos

trabalhadores, coletivamente em relação à sua gestão e,

individualmente, durante o período de execução de seus trabalhos.

Nessas cooperativas, também denominadas cooperativas

de mão-de-obra, o resultado do trabalho pertence sempre ao

contratante da cooperativa.

As cooperativas aqui designadas como cooperativas de

trabalho precarizado ad hoc (fraudulentas), são aquelas que

foram constituídas formal ou informalmente pelo capitalista, e

que se encontram subordinadas a este. Assim, a constituição

dessas cooperativas apresenta como objetivo única e

exclusivamente a precarização do trabalho.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Paul Singer (2004) utiliza a denominação, “cooperativasde trabalho” para as cooperativas que estão sob o comandodo trabalho precarizado, em suas duas formas. O autor explicaa origem dessas cooperativas. “A cooperativa de trabalhosurgiu como forma conveniente de substituição de trabalhoassalariado regular por trabalho contratado autônomo. (...),quando se trata de mudar o status legal dum grande grupode trabalhadores, a contratação coletiva sob a forma cooperativadeve ser mais conveniente”. Ainda, explicando a origem dessascooperativas, argumenta:

empresas criam cooperativas de trabalho, com seus estatutose demais apanágios legais, as registram devidamente e depoismandam seus empregados se tornarem membros delas, sobpena de ficar sem trabalho. Os empregados são demitidos,muitas vezes de forma regular, e continuam a trabalhar comoantes, ganhando o mesmo salário direto, mas sem o usufrutodos demais direitos trabalhistas. Estas são as falsascooperativas também conhecidas como cooperfraudes eoutros epítetos. São cooperativas apenas no nome, arapucasespecialmente criadas para espoliar os trabalhadores forçadosa se inscrever nelas. (SINGER, 2004)

Relativamente à outra forma de apresentação dascooperativas, designadas pelo autor também como cooperativasde trabalho:

A outra origem das cooperativas de trabalho resultado deiniciativas de trabalhadores marginalizados, sem chance deobter emprego regular ou ainda em perigo de perder o trabalhoque têm. Este é, por exemplo, o caso dos trabalhadores deempresas em crise, que se organizam em cooperativas orapara tentar recuperar a sua ex-empregadora (comprando-acom seus créditos trabalhistas e eventualmente comfinanciamento) ora para disputar o mercado de serviçosterceirizados, tendo como arma sua proficiência profissional.

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Formam também cooperativas de trabalho trabalhadoras etrabalhadores muito pobres, que sobrevivem vendendo seusserviços individualmente e tentam obter melhores condiçõesde ganho unindo-se em cooperativas de trabalho. Estascooperativas são obviamente verdadeiras, frutos da livrevontade dos que nelas se associam que não espoliamninguém e são criadas como armas na luta contra a pobreza.(SINGER, 2004)

As cooperativas de trabalho agregam cooperadosque exercem atividades similares à dos empregados emempresas capitalistas. O trabalho é realizado fora do ambienteda cooperativa, normalmente no local definido pelo contratante.

A diferença essencial entre essas cooperativas e ascooperativas de produção de bens e serviços é que, no primeirocaso, a cooperativa vende o resultado do trabalho do conjuntode cooperados, ou seja, vende o produto do trabalho, a mercadoria,que pode se apresentar na forma de bem ou serviço, enquantono segundo caso, a cooperativa não vende o resultado dotrabalho dos cooperados, mas faz a intermediação, a venda daprópria força de trabalho de cada cooperado ao capitalista.

Assim, as cooperativas de trabalho ou de mão-de-obraoperam na lógica definida pela CLT, que trata do trabalhoassalariado. Três elementos configuram o trabalho assalariado,de acordo com a legislação brasileira: (i) subordinação; (ii)pessoalidade; (iii) não eventualidade no trabalho fornecido.Verificadas essas condições, a relação de trabalho que seestabelece é a de emprego.

Tendo em vista que as cooperativas de trabalho cumpremos requisitos definidores do conceito de trabalho assalariado,mas que por serem cooperativas, os contratantes estãoteoricamente dispensados do pagamento obrigatório dosdireitos trabalhistas assegurados na CLT, há nesse sentido àprecarização do trabalho.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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É importante salientar que existe uma diferença fundamentalentre as cooperativas de trabalho e as cooperativas fraudulentas.No primeiro caso, existe de fato a organização de trabalhadores,sendo que estes se auto-agenciam vendendo a sua força detrabalho, mas existe, mesmo em grau muito pequeno, certaautonomia referente às decisões quanto à cooperativa.

Relativamente ao processo e à organização do trabalho,não há qualquer diferença na atividade realizada pelo cooperadoou na atividade realizada pelo empregado. Mas, quanto àsrelações de trabalho, entre capitalista e trabalhador há umasutil diferença. O vínculo de subordinação estabelecido não éo mesmo, apesar de ser muito próximo, inclusive porque, nessecaso, não se trata da relação entre capitalista e trabalhadorindividual, mas entre capitalista e trabalhadores organizadosem um coletivo.

Isso poderia significar certo avanço para os trabalhadores,no caso de estes receberem, no mínimo, o valor equivalenteao pago pelo capitalista ao trabalhador assalariado, consideradostodos os direitos assegurados a este último. Assim, ostrabalhadores estariam menos submetidos às definições doscapitalistas e teriam mais condições para se organizar.

O que vem ocorrendo é que, na maioria dos casos, ostrabalhadores estão sendo prejudicados com a desvalorizaçãodo seu trabalho, pela negação do recolhimento referente aosencargos sociais. O que significa dizer que os capitalistas estãoretendo uma parte maior do valor referente ao resultado dotrabalho desse trabalhador, aumentando o grau de exploraçãosobre a força de trabalho.

Essa questão é preocupante, tendo em vista que ostrabalhadores estão sendo cada vez mais pressionados pelaspráticas de precarização do trabalho, não só das cooperativasde trabalho, mas das inúmeras formas de subcontratação,terceirização e informalidade. E, em uma disputa extremamente

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desigual, as condições de reivindicação de valorização dotrabalho estão edificadas em bases muito frágeis.

A defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, comodireitos humanos, que vêm sendo defendida por Paul Singer(2004) é constitucional, a questão está em como se efetivartais direitos. Afinal, o reconhecimento dos direitos humanos,em geral, não tem sido acompanhado pela sua efetiva proteção.

Por fim, considera-se que as especificidades referentesàs cooperativas brasileiras, quanto à finalidade e à naturezaorgânica, podem ser traduzidas no quadro a seguir:

QUADRO 2 – TIPOLOGIA DAS COOPERATIVAS.

Produção Finalidade

Natureza Orgânica Bens Serviços Consumo Crédito

Cooperativa de Produtores Associados*

Cooperativa Empresarial**

Cooperativa de Trabalho Cooperativa

de Trabalho

Precarizado Cooperativa de Trabalho

Precarizado "ad hoc" * Podem ser mistas ou integrais as cooperativas de produção de bens e serviços que de

acordo com a definição relativa à natureza orgânica, são cooperativas de produtores associados, ou seja, aquelas que se constituem sob o comando dos produtores diretos.

** Podem ser mistas as cooperativas de produção de bens ou serviços que seguindo os critérios relativos à natureza orgânica são cooperativas empresariais, pois se constituem sob o comando do capital.

4 DESMITIFICAÇÃO DO “SISTEMA ÚNICO”

A compreensão sobre as relações que se estabelecem,hoje, na sociedade, parte da observação daquilo que foihistoricamente construído, das transformações ocorridas, daspráticas sociais e das condições materiais que a humanidadevem produzindo. Como afirma Castel, “o presente não é só ocontemporâneo. É também um efeito da herança, e a memóriade tal herança nos é necessária para compreender e agir hoje.”(CASTEL, 2001, p.23)

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Esse texto apresentou como objetivo a criação de umatipologia das cooperativas brasileiras, partindo do reconhecimentoda sua essência social, econômica e política, e das diferentesperspectivas que vêm orientando a aplicação generalizada dessadenominação a organizações que apresentam princípios eobjetivos diferenciados, e, em alguns casos, até antagônicosem relação aos objetivos originais da criação de cooperativas.

O intuito de trabalhar na formulação de marcos conceituaise de uma tipologia das cooperativas decorreu especialmenteda observação relativa à manifesta impropriedade de institutosjurídicos, na abordagem concreta da realidade vivenciada poressa pluralidade de organizações, que foram designadas comocooperativas, desconsiderando-se a natureza que apresentam.Assim, um dos pontos centrais do tratamento jurídico dascooperativas passa pelo reconhecimento da diversidade relativaà finalidade e à essência dessas organizações.

A retomada atual do conceito “cooperativa” é relevante,tendo em vista que estes empreendimentos pautam debatesbastante importantes no país, por conta de vários fatoresconcorrentes, sendo que entre eles aparecem com mais evidênciatrês fatores: (i) a flexibilização de direitos e a precarização nascondições do trabalho, que se refletiram, entre outras situações,na constituição de um grande número de cooperativas,denominadas, como visto anteriormente, cooperativas detrabalho, em que os trabalhadores estão submetidos a umadrástica redução de seus direitos, comprometendo, em conjuntocom as demais formas de precarização do trabalho, os direitossociais assegurados em intensas disputas políticas anteriores,o que denota um retrocesso tanto do ponto de vista do direitocomo das condições socioeconômicas da classe trabalhadorabrasileira; (ii) no plano político, as cooperativas foram retomadascomo um projeto econômico de desenvolvimento do Estado, eapesar das diferentes formas de cooperativas e, das condições

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materiais e objetivas que estas apresentam do ponto de vista

da realização do desenvolvimento de seus projetos políticos,

procurou-se consolidar um espaço desigual, mas aberto à

discussão, propostas e reivindicações destas organizações, e,

por fim, (iii) a legislação cooperativista está sendo rediscutida,

pois, o conteúdo da Lei n.º 5764 de 1971 está defasado em

relação às determinações expressas na Constituição Federal

de 1988 e, ainda, o tratamento destinado às cooperativas no

Novo Código Civil, abriu espaço para a discussão de

modificações centrais no antigo sistema, o que tem suscitado

vários questionamentos sobre o tema.

Nesse sentido, a busca por estabelecer diferenças

relevantes em relação a tais organizações, observadas as

suas peculiaridades e inserção em um sistema maior, apresenta

como objetivo primordial a desconstrução da “unidade” no

cooperativismo brasileiro que explicita a apropriação hegemônica

dessa categoria de análise por um determinado grupo social.

Há, portanto, uma expressiva tentativa de eliminar ou sufocar

manifestações diferentes que se encaixam na mesma categoria,

de acordo inclusive, com o conteúdo definido pela legislação

brasileira. A produção científica e literária que vem discorrendo

sobre o cooperativismo brasileiro tem, em geral, apresentado

suas teses com base nessa aparente realidade, ou seja, há

uma produção razoável de textos que partem de um

pressuposto formal. Assim, o pressuposto do texto apresentado

aqui pretendeu romper com a superficialidade que reside na

manutenção de uma lógica-discursiva que nega as diferenças

essenciais que residem na identidade, principalmente, das

organizações que mantiveram o sentido original do termo,

deturpado e reapropriado no contexto brasileiro com um sentido

que serve, em regra, aos interesses de uma elite econômica de

feição tradicionalmente capitalista.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Com a análise apresentada, é possível perceber que existemprojetos políticos em disputa e que as cooperativas são umdos instrumentos de manutenção de uma ordem vigente ou datransformação desta mesma ordem e esta opção está diretamenterelacionada à finalidade proposta pela cooperativa consideradaem conjunto com a natureza orgânica nela apresentada.

A recuperação da expressão cooperativa está relacionadaa uma concepção emancipatória e transformadora da realidade,e esta transformação somente tem lugar nas cooperativas deprodução em que os próprios trabalhadores comandam oprocesso de produção e se apropriam do resultado do seu trabalho.

REFERÊNCIAS

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FARIA, José Ricardo Vargas de. Organizações coletivistas de trabalho:autogestão nas unidades produtivas. Dissertação de mestrado emadministração da UFPR. Curitiba, 2003.

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FIGUEIREDO, Ronise de Magalhães. Dicionário Prático de Cooperativismo.Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

FLEURY, Maria Teresa Leme. Cooperativas agrícolas e capitalismo no Brasil.São Paulo: Global, 1983.

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SINGER, Paul. Uma utopia militante: repensando o socialismo. 2.ed.Petrópolis: Vozes, 1999.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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A E V O L U Ç Ã O R E C E N T E D AQ U E S T Ã O A G R Á R I A E O S L I M I T E S D A S P O L Í T I C A SP Ú B L I C A S D O G O V E R N O L U L A P A R A O M E I O R U R A L *

Pedro Ivan Christoffoli**

* O presente artigo foi redigido no ano de 2005 porquanto alguns dadospodem apresentar defasagem.

** Doutorando em Desenvolvimento Sustentável (UnB); membro da equipetécnica da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil –CONCRAB.

RESUMO: O estudo analisa as políticas dogoverno Lula para o meio rural e procuradesvendar, por detrás das intenções e dosdiscursos, as estratégias colocadas emcena. Busca demonstrar que se gestouno governo uma aliança que abandonaa construção histórica representadapelo Partido dos Trabalhadores comoferramenta de luta e organização socialdos trabalhadores e de sua histórica aliançae priorização dos excluídos do campo. Osdados indicam a migração de um governode corte classista, comprometido com asbandeiras reivindicatórias históricas dostrabalhadores, para um governo de cortepopulista, ancorado na construção de umbloco conservador em que se configurauma aliança da parcela hegemônica do PTe do sindicalismo com o grande capital.

PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas;questão agrária; Governo Lula.

RESUMEN: El estudio analiza las políticasdel gobierno Lula para el medio rural yprocura desvendar, por detrás de lasintenciones y de los discursos, lasestrategias colocadas en escena. Buscademostrar que se gestó en el gobiernouna alianza que abandona la construcciónhistórica representada por el Partido delos Trabajadores como herramienta delucha y organización social de lostrabajadores y de su histórica alianza ypriorización de los excluidos del campo.Los dados indican la migración de ungobierno de corte clasista, comprometidocon las banderas reivindicatoriashistóricas de los trabajadores, para ungobierno de corte populista, fundado enla construcción de un bloco conservadoren que se figura una alianza de parcelahegemónica del PT y del sindicalismo conel grande capital.

PALABRAS-CLAVE: políticas públicas;cuestión agraria; Gobierno Lula.

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INTRODUÇÃO

O processo recente de luta pela reforma agrária no Brasilresultou em mais de meio milhão de famílias assentadas aolongo dos últimos 10 anos. Tal processo se dá como resultadoda ação de inúmeros atores: o Estado, as igrejas e, principalmente,pela pressão dos movimentos sociais de trabalhadores rurais,como o MST, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, a CONTAGe outros.

Como resultado das lutas e da fermentação social, o povobrasileiro vem construindo, desde o fim da ditadura, experiênciasorganizativas nos campos social, econômico e ambiental, e nademocratização do poder local, que muito contribuíram para avitória eleitoral do projeto democrático popular capitaneadopor Lula.

A luta pela construção de um novo modelo de agricultura ede sociedade, enraizados na realidade concreta brasileira, em quese dá o embate de classes sociais e se manifestam os modelosantagônicos, tem no agronegócio e no modelo alternativo baseadona agricultura camponesa as suas duas principais vertentes.

O agronegócio organizado em grandes unidadesprodutivas altamente intensivas em capital,1 geradoras deprodutos para exportação, calcado num modelo tecnológico

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

1 O modelo capitalista se viabiliza não somente por meio das grandesunidades, mas também a partir de pequenas unidades produtivas em termos detamanho, mas intensivas em termos de emprego de capitais, via a incorporaçãode insumos, maquinários, recursos genéticos, visando obtenção de elevadaprodutividade, na produção organizada em função do mercado, principalmentede exportação. Nessa categorização, muitas unidades produtivas de tamanhopequeno, que se utilizam de elevados investimentos em capital e ou empregamtrabalho assalariado e produção modernizada, se encaixam no modelo doagronegócio, ainda que ideologicamente, alguma parcela desse segmento possaser agrupada junto aos setores de “trabalhadores para o capital”, especialmenteos muitos agricultores integrados à indústria do fumo, da seda, aos frigoríficosde aves e suínos etc.

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com processos cada vez mais artificializados (uso de variedadesgeneticamente manipuladas, de insumos dependentes deenergia não-renovável, contaminantes dos recursos hídricos edestruidores dos solos e das florestas). E a agriculturacamponesa, que se gesta nas barracas de lona preta dasocupações de terra, nos assentamentos, nas comunidadesquilombolas, que se alia aos conhecimentos indígenasancestrais, aos pólos remanescentes da agricultura familiar edas comunidades tradicionais, enfim, que luta para sobreviverao avanço do modelo dominante, numa luta de guerrilhatecnológica, de resistências culturais, de greves de fomeparadigmáticas, contra a opressão da “falta de alternativas”.

A atuação do Estado brasileiro historicamente tem sidoa de fomentar o desenvolvimento capitalista no campo,criando as bases para sua instalação e consolidação, desdeos anos 1950-60. A efervescência social dos movimentossindical e popular levou a um questionamento desse modeloe à eleição de Lula como parte de um projeto popular, dedemocratização do Estado, e de reconstrução da nação brasileiraem outros moldes.

Passados três anos do governo Lula, começam a surgirdados que permitem ir construindo elementos de análise sobreas estratégias adotadas, as alianças priorizadas e os resultadosalcançados pelo governo, e sua vinculação com a estrutura declasses e os projetos em disputa no meio rural brasileiro.

O presente estudo analisa o governo Lula em suaspolíticas para o meio rural e procura desvendar, por detrás dasintenções e dos discursos, os arranjos e as estratégias colocadasem cena. Busca-se demonstrar que se gestou no governo umaaliança que coloca por terra a construção histórica representadapela construção do Partido dos Trabalhadores como ferramentade luta e organização social dos trabalhadores, e de sua históricaaliança e priorização dos excluídos do campo. O que se constata

EVOLUÇÃO RECENTE DA QUESTÃO AGRÁR IA EOS L IM ITES DAS POL ÍT ICAS PÚBL ICAS DO GOVERNO LULA PARA O ME IO RURAL

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é que a política conduzida ao longo dos últimos anos representouuma “virada de mesa” contra os interesses populares,supostamente vitoriosos nas últimas eleições presidenciais.

Os dados delineiam a migração de um governo de corteclassista, comprometido com as bandeiras reivindicatóriashistóricas dos trabalhadores, para um governo de cortepopulista, ancorado na construção de um bloco conservador,em que se configura uma aliança da parcela hegemônica do PTe do sindicalismo, com o grande capital. Tal aliança inesperada,incompreendida e pouco clara para a maioria dos militantessociais, aparece travestida por um discurso da busca deconfiança e governabilidade para o mandato de um novo “paidos pobres”, numa reedição de um getulismo sem as políticasnacionalistas e sem inclusão social, num populismo caricato,onde a mão mais fraca afaga os pobres enquanto a mancheiaatende aos interesses do grande capital.

Nessa “virada de mesa” histórica depois da derrota eleitoralde 2002, a burguesia financeira e em particular a agrária nãosó conseguem manter sua dominação histórica como tambémampliam o leque de políticas disponíveis que, na agricultura,possibilitaram a ampliação do território sob seu controle, o maioracesso aos fundos públicos de financiamento e a retomadada hegemonia sobre o conjunto da sociedade, em termos derepresentação ideológica do modelo agrícola.

O CAMPO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A

AGRICULTURA NOS ANOS 1990

Os governos Collor e FHC aplicaram, desde a década de1990, políticas neoliberais que contribuíram para desmontaras instituições e políticas voltadas aos pequenos agricultores,e que exerciam, desde a etapa final do regime militar, um papelde estímulo e apoio a uma parcela desse segmento. Durante o

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governo Collor iniciou-se um processo drástico de reduçãodas barreiras à importação de produtos agrícolas. A idéia eraexpor a economia brasileira à competição internacional de formaa fortalecê-la no longo prazo. Essa receita fazia parte de umconjunto de políticas neoliberais propostas pelo que ficouconhecido como o Consenso de Washington.

O resultado foi um aumento nas importações de alimentose matérias-primas, que passaram a representar fator essencialde controle da inflação, levando à depressão dos preços agrícolas(a “âncora verde” do Plano Real). Com o aumento de competiçãoderivada das importações, dezenas de milhares de pequenosprodutores se viram inviabilizados, produções como a dealgodão decresceram,2 e mesmo nos produtos em que houveaumento do consumo, derivado da estabilização da economia,a maior fatia desse mercado em crescimento foi abocanhadapor produtos importados.

2 Mais tarde ocorre o ressurgimento da cultura do algodão, mas já nãomais em pequenas unidades familiares, localizadas na região sul-sudeste dopaís, como era comum até meados dos anos 90, e sim baseada em grandesunidades de produção na região centro-oeste do país.

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A figura anterior demonstra o efeito da abertura comercial

sobre a importação de produtos agrícolas, particularmente os

originários do Mercosul, onde o crescimento das importações

de produtos agrícolas in natura e industrializados foi da ordem

de 150% em termos de valor. Esse crescimento,3 no período

inicial do Plano Real, deriva em grande medida da política de

estabilização econômica e da valorização cambial da moeda

brasileira adotadas pelo governo FHC (BRANDÃO, REZENDE E

MARQUES, 2005; MELO, 2005). Em 1999, fruto do abandono

da política do câmbio fixo em relação ao dólar, as importações

recuam, mantendo, porém, um patamar superior ao período

anterior ao plano real.

Em paralelo à abertura de importações, dá-se o

desmantelamento das políticas de Estado para a agricultura,

com base na tese neoliberal de que o mercado deveria dar

conta da regulação econômica. Nesse período foram extintos

ou literalmente desmantelados diversos organismos e políticas

públicas direcionadas à agricultura:

a) o serviço brasileiro de extensão rural (SIBRATER/

Embrater) foi desmontado, restando apenas algumas

unidades enfraquecidas nos estados agrícolas mais

ricos. Esse sistema havia servido para abrir caminho

à implantação do modelo produtivo da revolução verde

(de interesse das transnacionais produtoras de

sementes, máquinas e insumos) e de unidades

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3 “A partir de outubro de 1994, os preços agrícolas iniciam uma trajetóriade queda que se estendeu por quase um ano. [...] Em 1994, foram importadas3 milhões de toneladas de grãos, das quais um terço de arroz, 1,5 milhão demilho e 300 mil toneladas de feijão preto e em cores. Note-se que essasimportações ocorreram não obstante a existência de volumosos estoques públicos[...]. Isso, aliás, foi uma característica de todo o período 1992/94, deixandoclara a inconsistência entre a política agrícola adotada e a economia aberta...”.(RESENDE, 2000, p. 23)

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agroindustriais em regime de integração (suínos, aves,fumo, leite, bicho da seda etc.). Com esse modelo jáestruturado e com a montagem de um sistema privadode assistência técnica (na verdade um sistema deimposição de pacotes tecnológicos e de venda deinsumos), não havia mais necessidade do sistemapúblico de ATER para atender aos interesses do grandecapital. Assim procedeu-se a seu desmonte;

b) O Estado se retirou da política de garantia de preços edas compras de produção, em vista de formação deestoques. As políticas de apoio à sustentação depreços agrícolas, de abastecimento urbano, e dearmazenagem, foram desmobilizadas, praticamenteanulando a capacidade de estocagem pública no país(via desmonte e privatização da rede da CONAB);

c) A política de garantia de preços mínimos, coerentecom o exposto anteriormente, foi gradualmentedesarticulada e os preços alinhados aos mercadosinternacionais, reduzindo-se a margem de manobrapara políticas agrícolas autônomas por parte dogoverno brasileiro.4

d) A pesquisa agropecuária, estruturada em torno dosistema Embrapa, foi um apoio fundamental para aimplantação da moderna agricultura de grande escala,contribuindo para a consolidação das bases tecnológicasdo agronegócio.5 Desde o início dos anos 90, passa

4 Adotou-se a política de alinhamento aos preços internacionais decommodities. Com isso o Brasil passa de exportador a importador líquido dediversos produtos agrícolas, muitos dos quais adquiridos a preços subsidiadosdos países de origem, (caracterizando dumping).

5 De fato, foi por ex. a Embrapa quem viabilizou tecnologicamente oplantio de soja na região norte e nordeste do país, atividade produtivagrandemente responsável, junto com a pecuária extensiva, pela devastaçãoflorestal da Amazônia e dos Cerrados.

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por processo gradativo de aproximação com o capitalprivado, como a Monsanto, inicialmente por meio decontratos lesivos envolvendo transferência de recursosgenéticos e tecnologia. Em paralelo, mediante a reduçãoorçamentária e direcionamento da empresa parageração de caixa via contratos privados. De outro lado,limitando ações para desenvolvimento de tecnologiasagroecológicas, voltadas ao segmento dos pequenosagricultores e às comunidades rurais tradicionais.

e) A política fundiária promoveu uma reforma às avessas,com a apropriação de 20 milhões de hectares de terraspúblicas por latifundiários nas regiões de fronteira agrícola.

A herança deixada pelo ciclo neoliberal de FHC e Collor,revela os paradoxos e as contradições do meio rural brasileiro:o desmonte das políticas públicas; a concentração de terras eriquezas, com uma produção recorde de produtos agrícolaspara exportação; miséria e fome nos campos, e êxodo ruralrumos às favelas e à marginalidade.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O MEIO RURAL NO PERÍODO LULA

O governo Lula adota diversas iniciativas de recomposiçãode políticas públicas voltadas para a população mais pobre domeio rural. Algumas dessas políticas estão em grande medidaconsolidadas, como o Pronaf e os programas de renda mínima,enquanto outras se encontram em fases iniciais de implantação.Suas ações podem ser enquadradas em três situações: a) arecuperação de políticas públicas tradicionais que haviam sidodesmanteladas pelos governos anteriores; b) a ampliação deinstrumentos já existentes (dando a eles uma característicadiferenciada); c) as políticas inovadoras de promoção da cidadaniano meio rural.

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Dentre as políticas públicas tradicionais que foramrecuperadas estão: a) Crédito rural – Pronaf – ampliação dabase beneficiada e do montante de recursos repassados;b) programa de ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural.Abrangência para atendimento direto e indireto a 1,6 milhãode agricultores; c) a política de assentamentos; d) a política dearmazenagem e formação de estoques reguladores, com basena compra de produtos da agricultura familiar.

Quanto às políticas públicas ampliadas, temos: a) o PAA –Programa de Aquisição de Alimentos – que aplicou R$ 200milhões e beneficiou 100 mil produtores em 2005, além dedesenvolver mecanismos inovadores de compra direta daagricultura familiar vinculados a programas de segurançaalimentar; b) Seguro Agrícola – Inovou introduzindo mecanismosde garantia de renda aos agricultores familiares; c) o programaLuz para Todos.

Em relação às políticas públicas de promoção da cidadaniativemos: a) a criação do Programa Fome Zero, centrado naBolsa família, com mais de 7 milhões de famílias beneficiadas;6

b) os programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA),Alfabetização, e Pronera (57 mil educandos beneficiados em2004); c) o reconhecimento de direitos e a demarcação de terrasindígenas e quilombolas; e) a campanha de documentação demulheres agricultoras; e f) o Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil – PETI, com cerca de 1 milhão de crianças atendidas.

Os números dos diversos programas são positivos,especialmente quando comparados ao descaso dos governosanteriores, demonstrando um redirecionamento de políticas

6 O Bolsa Família, havia atingido até março de 2005 quase 60% (6,5milhões), do total de 11,2 milhões de famílias pobres no país (estimadas combase na PNAD/2001, do IBGE), com 3,4 bilhões de reais investidos em 2003,e 4,8 bi em 2004. Desse montante uma parcela significativa das famíliaslocaliza-se no meio rural.

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públicas para o meio rural. No entanto, essas ações continuam

sendo concebidas como políticas periféricas e compensatórias.

Ou seja, ainda que as políticas públicas acima analisadas

contribuam para atenuar a crise social no meio rural, não trazem

reversão estrutural à miséria e à fome. Elas impactam sobre as

condições de vida das pessoas, de uma forma pontual e

provisória. Não conseguem beneficiar em especial os segmentos

mais pobres do campesinato, de forma permanente, permitindo

sua ascensão a um patamar superior de reprodução das

condições de vida. Isso somente seria possível mediante a

implementação de medidas estruturais, como a reforma agrária.

A questão central, portanto, é se as políticas estruturantes

têm sido aplicadas e se são adequadas e suficientes para

promover uma inflexão no modelo de desenvolvimento no meio

rural brasileiro. Caso contrário, políticas pontuais e compensatórias

terão apenas efeito conjuntural, desaparecendo com o final

dos programas.

É com essa preocupação que iremos centrar a análise

mais detalhada sobre dois programas de governo, o crédito

rural e a reforma agrária, pela sua abrangência, potencial de

impacto e relevância política.

O FINANCIAMENTO RECENTE DA AGRICULTURA NO BRASIL E O

FORTALECIMENTO DO AGRONEGÓCIO

O número de pequenos agricultores no Brasil situa-se

em torno de 4 milhões de famílias, com uma área total ocupada

de 107 milhões de hectares, e 14 milhões de pessoas ocupadas,

ou 86,6% de toda população economicamente ativa (PEA) no

meio rural e cerca de 18% do total da PEA brasileira.

No entanto, historicamente, a maior parcela dos recursos

públicos para financiamento das atividades agrícolas tem sido

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destinada aos grandes proprietários. Esse padrão não se alterou

no governo Lula, como será demonstrado na sequência.

A tabela indica que o acesso aos recursos parafinanciamento, aspecto essencial para viabilização da produçãoagropecuária, se dá de forma desproporcional, tendo os grandesfazendeiros o acesso a um montante elevado dos recursosdisponíveis (73,8% do total), em proporções muito acima dovalor produzido (61%) ou dos empregos gerados no meiorural (25,3%).

Dados sobre o financiamento da agricultura nos primeirosanos do governo Lula indicam que essa tendência se manteve.Houve aumento significativo dos recursos e da coberturadirecionados à agricultura familiar, contudo em proporçãoinsuficiente para reverter a tendência histórica. Para confirmarmosessa hipótese, será preciso analisar a dinâmica de financiamentodo Pronaf.

O FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

De acordo com dados do MDA, o financiamento àagricultura familiar mais do que dobrou nos três primeiros anosdo governo Lula.

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Ocorreu um forte aumento no volume de crédito destinadoà agricultura familiar. O montante de recursos financiados maisdo que triplicou, junto com o número de agricultores beneficiadospelo crédito, tendo havido aumento na cobertura do Pronafem relação ao conjunto de agricultores familiares:

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O número de contratos de custeio do Pronaf saltou de

677 mil em 2002 para 1,02 milhão em 2004. Os contratos

de investimento subiram de 275 mil em 2002 para 551 mil

em 2004. O número de famílias que nunca havia tido acesso a

crédito do Pronaf e o obtiveram pela primeira vez foi entre

600 a 700 mil (MDS, 2005; MDA, 2005c). O número de contratos

apresentou crescimento em todas as regiões do país, em especial

no Nordeste, subindo de 953 mil em 2002 para 1,570 milhão

em 2004. Além disso, o aumento do valor bruto disponível

para o Pronaf durante o governo Lula foi de 200%.

Contudo, o peso do Pronaf sobre o total do crédito rural

do Brasil representa apenas 15% do valor total do crédito

disponibilizado. Ou seja, ainda que a evolução dos contratos

seja positiva, os dados demonstram as limitações estruturais

da estrutura fundiária e das relações de poder no agro nacional.

Isso pode ser constatado tanto em termos de cobertura total

de agricultores familiares beneficiados como em termos do

montante de recursos destinados e seu peso relativo sobre o

total disponibilizado para o segmento agrícola.

Apenas 38% do total de pequenos agricultores brasileiros

conseguiu ter acesso ao crédito.7 Além disso, cerca da metade

dos recursos foi aplicada na Região Sul do país (45,7% dos

recursos e 37,2% dos beneficiários, somando 584.594

7 Partindo-se do número de 4,139 milhão de estabelecimentos familiaresno Brasil, e considerando-se que cada agricultor familiar tenha feito apenas umúnico contrato (há um percentual significativo que realizou mais de um contratono ano – p.ex. fez um contrato para financiar a safra de inverno e outro para asafra de verão; ou um contrato para custeio e outro para investimento), noano-safra atual teríamos uma cobertura máxima de 38% dos agricultores familiaresbrasileiros (1,57 milhões de contratos). (FONTE: dados do MDA, 2005b;SPAROVEK, 2003; e elaboração do autor). O percentual identificado pelo CensoAgropecuário em 1996 foi de cerca de 4% de cobertura (sem repetição) deacesso ao crédito às unidades menores que 200ha (OLIVEIRA, 2004).

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contratos), o que mostra uma concentração regional na

destinação do Pronaf. Os dados das demais regiões também

mostram a cobertura insuficiente e viesada, desse que acabou

sendo o principal instrumento do governo Lula para a agricultura:

• região Nordeste: 18,5% dos recursos e 36,9% dos

contratos;

• região Sudeste: 17,4% dos recursos aplicados e 14,6%

dos contratos;

• região Norte: 12,1% dos recursos,

• região Centro-Oeste: ficou com a menor participação –

6,4% dos recursos e 3,5% dos contratos.

Em resumo, as políticas adotadas são insuficientes para

enfrentar a situação de pobreza e miséria no meio rural brasileiro.

Mesmo com o aumento no volume de recursos direcionados à

agricultura familiar, a maioria dos pequenos agricultores foi

excluída do acesso ao crédito, ficando à margem do dinamismo

recente na agricultura brasileira. Pelo menos 62%, ou dois

em cada três pequenos agricultores ficou à margem do processo

de financiamento oficial para a agricultura e, portanto, das

possibilidades de melhorar de patamar produtivo.

A análise desses dados reforça a tese que a política do

governo Lula para o meio rural é insuficiente para o enfrentamento

da pobreza e miséria. Em sendo assim, programas de corte

compensatório, como o bolsa família têm de ser acionadas,

tendo em vista a inadequação das medidas creditícias, e

principalmente, pela não realização das políticas estruturantes,

como a reforma agrária.

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O AGRONEGÓCIO COMO PRIORIDADE

Se os assentamentos e a agricultura camponesa tiveram

prioridade restrita no governo Lula, o mesmo não se pode dizer

dos grandes proprietários. O segmento representado pelos

grandes estabelecimentos constitui a base social e produtiva

principal do agronegócio.8 Responde pela maior parcela da área

plantada e crescentemente pelo principal volume de produção

agropecuária no país, ainda que gere poucos empregos.

8 O conceito estabelecido inicialmente por GOLDBERG foi, no Brasil,reconfigurado e apropriado politicamente por setores ligados ao latifúndio egrandes empresas capitalistas, que o utilizam para barganhar conquistas noEstado brasileiro. Consideram toda produção agropecuária e agroindustrial comocompreendida pelo agronegócio, mascarando as diferenças socioeconômicas einteresses diferenciados existentes entre os diversos segmentos sociais no meiorural. Alguns pesquisadores (OLIVEIRA, 2004; GUILHOTO, cit. em MDA, 2005a)e os movimentos sociais do campo, procuram, restabelecer conceitualmenteessa diferenciação, de forma que os interesses e resultados da AgriculturaFamiliar, dos assentados e das comunidades tradicionais, sejam considerados àparte da agricultura patronal. Portanto, utilizamos aqui o conceito de agronegóciocom o sentido de agrupamento de interesses políticos e econômicos ligadosaos latifundiários e ao grande capital financeiro e agroindustrial. É representadopoliticamente pela agricultura patronal, tendo à sua frente organizações comoOCB, CNA, SRB, UDR, Bancada Ruralista no Congresso Nacional etc.

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Os dados apresentados utilizam como ponto de corte

as áreas acima de 200 hectares, para caracterizar as unidades

de tipo patronal, ainda que esse valor referencial encubra,

especialmente nas regiões sul, sudeste e nordeste, unidades

menores que poderiam ser classificadas como unidades

produtivas de tipo capitalista e, portanto, dentro da base

produtiva do agronegócio.

Durante o governo Lula, o financiamento para esse setor –

grandes proprietários de terras e agronegócio – experimentou

forte expansão. Apesar de envolver uma pequena parcela dos

produtores do meio rural, o volume de recursos disponibilizado

salta de R$ 22 bi para R$ 44,1 bilhões. O agronegócio respondeu

imediatamente, com aumentos de produção e de exportações.

Esses recursos, em grande medida, foram direcionados

diretamente a grandes grupos empresariais, organizados

nacionalmente e que articulam as principais cadeias produtivas

existentes na agricultura brasileira. São os eixos dinâmicos de

acumulação e expansão capitalista na agricultura. Como exemplo

da concentração de recursos em alguns desses grupos, seguem

dados referente às empresas financiadas pelo Banco do Brasil,

principal agente financeiro para a agricultura no país.

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Os dados, ainda que parciais, demonstram a diferente

priorização do crédito concedido pelo governo federal aos dois

segmentos da agricultura. O Pronaf, num universo de 1,7

milhões de contratos, recebeu valor de 5,8 bilhões de reais,

pouco a mais que o financiamento dado a 12 grandes empresas

do agronegócio. Se adicionarmos, nesse mesmo período, o

programa Moderfrota, do BNDES, em que foram financiados

outros R$ 5,1 bilhões para renovação da frota de tratores e

colheitadeiras, teremos a dimensão do problema. Com esses

recursos, em 2004 foram adquiridos 97,8 mil tratores e 26,2

mil colheitadeiras.9 Esse movimento traz impactos no aumento

na produtividade do trabalho na agricultura, especialmente no

setor capitalista, já que máquinas novas e mais modernas

9 O que representa um percentual de renovação de 12% em relação aototal de 800 mil tratores existentes em 1996 (último dado disponível) e 20,85%das 125.607 máquinas colheitadeiras existentes no mesmo período.

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resultam em ganhos de produtividade. O endividamento

resultante também faz com que esses agricultores se vejamimpelidos a produzir nas próximas safras, ainda que deterioremos preços dos produtos agrícolas.10

Portanto, o aumento da disponibilidade de recursosdo crédito rural aos grandes fazendeiros foi de mais de 100%.O reflexo do crescimento dos recursos disponibilizados pelo

governo, mais os preços favoráveis no mercado internacional,resultaram no crescimento da produção agropecuária, o que édemonstrado pela expansão da produtividade e das áreascultivadas com lavouras, pastagens e culturas permanentes.

Centenas de milhares de hectares de áreas marginais aoprocesso produtivo passaram a ser incorporadas, principalmente

para a produção de soja. A área plantada de soja teve umaexplosão no triênio 2001-2004, com expansão média anualde 13,8%. Essa expansão foi quatro vezes superior à médiaregistrada nos 10 anos anteriores. (BRANDÃO, REZENDE eMARQUES, 2005). Enquanto no período de 1990 a 2001, aárea plantada com soja cresceu apenas nas regiões Centro-Oeste e Norte/Nordeste, no período recente, cresce em todas

as regiões do Brasil. O principal fator explicativo para essaexpansão é a elevação dos preços do produto no mercadointernacional, combinado com a alteração da política cambialno início do segundo mandato de FHC.

O modelo produtivo da segunda revolução genético-mecânica (combinando a biotecnologia – transgênicos – e a

incorporação de máquinas mais produtivas e sofisticadastecnologicamente, agricultura de precisão etc.) se expande

10 Esse fenômeno, já identificado por BRANDÃO, RESENDE e MARQUES(2005), resulta do fato que as dívidas rurais muitas vezes são feitas com baseem produto físico como equivalente financeiro, e também porque, para pagaras dívidas financeiras, é necessário produzir excedentes comercializáveis.

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por todo o país, incorporando desde áreas “internas11” aoslatifúndios no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, chegando até áreas“externas” de cerrado nordestino e da ante-sala da florestaamazônica. A produção agrícola cresce de forma significativa,levando o Brasil a consolidar-se como um dos maioresprodutores e exportadores de produtos agrícolas do mundo.Isso trouxe impactos na balança de pagamentos do país e nageração de divisas.

O Brasil exportava em 1964, ano do golpe militar, umtotal de US$ 1,43 bilhões. Em 1984 exportava US$ 27 bilhõese em 1989 chegou a US$ 34,3 bilhões. Em 2003 asexportações chegaram a US$ 73 bi, dos quais 41,9% comprodutos agrícolas e 8,1 bilhões apenas com produtos docomplexo soja. Nesse mesmo ano o saldo comercial da balançaagrícola respondeu por um superávit de US$ 24,8 bilhões,respondendo também por 37% dos empregos do país. Noperíodo de maio/04 a abril/05 o superávit na balança depagamentos do agronegócio somou US$ 35,62 bilhões comas vendas externas superando os 40 bilhões de dólares –recorde histórico anual (OLIVEIRA, 2004; SAFATLE e PARDINI,2004; MAPA, 2005).

Parece ter sido essa constatação que levou o governoLula a priorizar a aliança com o agronegócio. Analisando ascondições de geração de excedentes exportáveis capazes deassegurar o pagamento das dívidas interna e externa, o governo

11 Referimo-nos à existência de uma fronteira agrícola “interna” aoslatifúndios improdutivos, no sentido de que eram áreas até então não incorporadasao processo produtivo, sendo mantidas como reserva especulativa, à espera devalorização das terras para negócio. Contudo, parte desse avanço “interno”também se deu pelo deslocamento e substituição de outros cultivos. Com avalorização da soja e outras commodities, ocorre uma incorporação de áreasinternas aos latifúndios ao processo produtivo, inserindo-as no mercadoagropecuário. A soja viabilizou, portanto, a extração de renda da terra mesmoem áreas marginais em que, nos últimos 15-20 anos isso era inviável.

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decide assegurar a expansão da capacidade produtiva dessesegmento, em vista das condições favoráveis do mercadointernacional de commodities. Isso explicaria o porquê da cúpulagovernista ter secundarizado teses históricas do partido e jogadoa questão da transformação das estruturas fundiárias para forada “agenda real” de governo.

Também explica a aliança com o segmento capitalizadodos produtores familiares, priorizando políticas de créditorural, ao invés de mudanças estruturais, que beneficiariam oproletariado e o semiproletariado rural. Em sendo assim,qualquer ação que pudesse representar perturbação da ordempolítica e social exigidas pelo capital, seriam prontamentecensuradas e combatidas, ainda que não com a mesmatruculência dos governos anteriores.

Contudo, há um outro ângulo de abordagem sobre arealidade agrária. Conforme o prof. Ariovaldo Oliveira (2004),há uma mitificação em torno da dinamicidade do agronegócio,visando proteger a ineficácia das grandes unidades produtivas,acima de 2.000 hectares. Procura-se ocultar as diferençasexistentes no meio rural, de forma a incorporar no conceitooperacional de agronegócio, indicadores referentes a segmentosda agricultura familiar. Pelos cálculos do professor, a produçãofamiliar e das médias unidades é a principal contribuinte emtermos de volume e valor de produção dos principais produtosalimentares e também da maioria dos produtos de exportaçãoem nosso país. Dados oficiais reforçam essa tese.

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A agricultura em unidades pequenas e médias representa,portanto, uma parcela significativa da produção brasileira, masé contabilizada como se fosse produção do agronegócio, cujaaliança política central se dá com o grande latifúndio emsubordinação financeira às transnacionais do setor.

Com isso, um segmento de trabalhadores rurais altamenteprodutivo e que ocupa cerca de 1/3 das terras agrícolas dopaís é utilizado como massa de manobra para interesses dosgrandes fazendeiros e do capital agroindustrial. Esse segmentoque poderia objetivamente se aliar aos pequenos agricultores esem-terra, em vista de reformas estruturais na agricultura, ficarefém de um discurso ideológico que distorce suas demandasde políticas públicas.

Além de exercer a hegemonia ideológica sobre o conjuntoda sociedade, a expansão física e econômica do agronegócioresulta – uma vez se esgotando a fronteira agrícola e dada airreprodutibilidade da terra – em diminuição da área apropriadapela agricultura familiar-camponesa, e por outros segmentospopulares, como os povos e comunidades tradicionais (indígenas,seringueiros, quilombolas etc.). Esse aspecto revela outra frenteem que a atuação do governo federal tem sido débil e lenienteem relação aos impactos negativos do agronegócio.

O crescimento do latifúndio vem se dando principalmentevia apropriação de terras públicas, como o aumento dedesmatamentos e da produção agrícola nas regiões de fronteira(norte do MT, cerrados e floresta amazônica). A expansãoacelerada da fronteira agrícola nessas regiões vem provocandodeslocamento de populações tradicionais, desmatamentos equeimadas, bem como aumento dos conflitos pela posse daterra, com a apropriação irregular de terras pelo latifúndio.12

12 Um efeito dessa expansão tem sido o incremento dos casos de violência(assassinato de trabalhadores rurais, agentes religiosos e funcionários públicos)

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Desde 1988 foram devastados cerca de 313 milquilômetros quadrados, numa taxa média de 18,5 mil Km² ou1,85 milhões de hectares/ano (MMA, 2005). No último ano,houve redução no ritmo de desmatamento, o que pode terocorrido tanto por aumento da eficiência dos instrumentoslegais de coerção como principalmente pelo efeito da reduçãodos preços de produtos agrícolas, como é o caso da soja, oque teria reduzido a reserva financeira e a pressão pela ocupaçãode terras já abertas e “amansadas” anteriormente.13 Os estadosonde mais ocorrem desmatamentos são os de fronteira agrícola.Mato Grosso é o estado onde mais se desmata no país, seguidopelo Pará, Rondônia e Amazonas (MMA, 2005).

Nas regiões de expansão de fronteira, onde a presençado Estado é reduzida e desorganizada, sintomaticamentetambém é onde se observa abertamente, sem disfarces, a facedestruidora e opressora do agronegócio: a grilagem de terraspúblicas; a devastação ambiental; o aumento nos conflitospela posse e uso da terra (mais de 800 assassinatos na lutapela terra apenas no Estado do Pará); o desrespeito aos direitostrabalhistas e de cidadania; e a ocorrência de forma sistemáticae funcional de trabalho escravo14 (CACCIAMATI e AZEVEDO,2002; MTE, 2001; e FERREIRA, 2005).

e corrupção de agentes estatais (cartórios, funcionários do Ibama e do Incraetc.) em vista de obter favorecimentos ilegais e regularizar situações ilegítimas,obtidas através da força e ao arrepio das leis.

13 Exemplo dessa situação é a redução nos preços e a paralisação dosnegócios de terras ocorrido no início de 2006 no Estado do Mato Grosso. Ospreços do hectare de terra sofreram queda média de 45% do valor (em algunscasos houve quedas de R$ 8,75 mil para R$ 2,5 mil por hectare). (Fonte: 24horas News, 2006)

14 Quanto ao trabalho escravo, verifica-se uma relação de simbioseentre a expansão da fronteira agrícola, o fortalecimento do agronegócio e arecriação de práticas antigas e hediondas de exploração dos trabalhadores.FERREIRA (2005), citando dados do MTE, informa que de 1995 até julho de

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AÇÕES ESTRUTURAIS PARA REVERSÃO DA POBREZA NO

CAMPO – RITMO E FINANCIAMENTO DA REFORMA AGRÁRIA

Talvez o aspecto mais emblemático do impasse de rumopolítico, vivido pelo governo Lula, seja a reforma agrária. O Brasilé considerado um dos países mais desiguais do planeta. No meiorural, 2% dos proprietários de terra detêm cerca de 50% dasterras, enquanto mais de 4 milhões de famílias camponesassobrevivem em condições precárias, passando necessidades,fome e miséria.

Essa extrema desigualdade levou ao surgimento de diversosmovimentos sociais que lutam pela terra e pela reforma agrária.Dessa luta, ao longo dos últimos 25 anos, foram desapropriadoscerca de 7.000 latifúndios, convertidos em assentamentos dereforma agrária, reunindo mais de 830 mil famílias assentadas,ou cerca de 20% do total de estabelecimentos da agriculturafamiliar no Brasil. Eles já representam, portanto, uma parcelaexpressiva e crescente da população brasileira no meio rural(IPEA, 2003, p.95).

O público beneficiário potencial para a reforma agráriasitua-se em torno de 4 milhões de famílias rurais.15 O públicodiretamente mobilizado pela reforma pode ser dimensionado

2004, foram libertados 11.969 trabalhadores rurais em situação análoga aotrabalho escravo, em quase 700 autuações de fazendeiros. Quase a metadedesse número (5.224) ocorreu no Estado do Pará, seguido por Mato Grosso(2.345) e Bahia (1.139). Como pode ser visto, o fenômeno de escravização detrabalhadores não é isolado e muito menos está sob controle.

15 Essa estimativa desconsidera uma parcela da população localizadanas periferias urbanas, expulsas do campo nas décadas precedentes, e queaceitariam uma oportunidade para viver do trabalho na terra. Existem estudosindicando esse interesse no retorno de famílias urbanizadas para o meio rural.O próprio movimento social vem organizando, nos últimos anos, um númerocrescente de famílias desempregadas e moradores de periferia nas lutas pelaterra, ainda que este percentual represente uma ampla minoria (menos de20% das famílias acampadas). Para alguns desses estudos ver PIRES, 2003; eMORAES SILVA, 2005;

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pelas famílias organizadas em ocupações de terra (oficialmenteem torno de 200 mil famílias), considerando-se as que seencontram nos acampamentos e ocupações de terras espalhadospelo país.

Historicamente, os assentamentos rurais foram constituídossem assegurar o apoio adequado à instalação das famílias(moradia, energia elétrica, estradas, p.ex.), sem cumprir comos requisitos legais ambientais exigidos (resultando num passivode mais de 4 mil assentamentos sem licenciamento ambiental)e sem se preocupar em viabilizar as condições produtivas.Conforme levantamento coordenado por Sparovek (2003) em4340 assentamentos em todo o país, configura-se um descasodos sucessivos governos com relação à implantação de infra-estruturas adequadas para as famílias assentadas.

Em relação à qualidade de vida, os fatores mais precáriosforam: a) acesso ao atendimento de saúde em caso deemergências; b) acesso à água de boa qualidade; c) acesso aoensino médio; d) a falta de tratamento do esgoto doméstico.Além disso, constatou-se que: 25% das famílias com filhosem idade escolar não tinham acesso às escolas; apenas 67%dos lotes tinham acesso à energia elétrica (na Região Norteapenas 27% dos assentamentos); o transporte público dasáreas dos projetos até a sede dos municípios é precário, namaioria dos casos.

Esse descaso se explica, do ponto de vista político, pelafalta de prioridade do enfrentamento da miséria do meio rural,mas também pela estratégia de destruição das organizaçõesdos trabalhadores rurais, pois diversos governos, e em especialo governo FHC, buscaram a criminalização dos movimentossociais e das suas organizações econômicas, combinando açõesde perseguição legal-judicial e de inviabilização econômica.

Procurou-se estruturar políticas que tirassem dosmovimentos sociais a condição de mediação e a legitimidade

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da representatividade da base sem-terra16: Inscrição para areforma agrária via correios, programas de reforma agrária demercado, privatização dos serviços de ATER; privatização dostrabalhos prévios à instalação dos PAs (elaboração dos planosde desenvolvimento dos assentamentos – PDAs, demarcação,e topografia); discriminação contra o assentamento de famíliasligadas ao MST; criminalização das ações de ocupação deterras; inviabilização de vistoria de latifúndios ocupados pelostrabalhadores; impedimento ao assentamento de lideranças dasocupações de latifúndios etc.

AÇÕES DO GOVERNO LULA EM RELAÇÃO AO ASSENTAMENTO

DE TRABALHADORES RURAIS

Ainda que o governo Lula tenha freado os ataques diretosàs organizações de trabalhadores por parte dos organismos derepressão do governo federal, isso não impediu que a ação deEstado seguisse na rota de criminalização e destruição dosmovimentos sociais (CPMI da terra, Judiciário conivente com olatifúndio, militarização da questão agrária via as Polícias Militaresestaduais, infiltração de espiões nos movimento sociais etc.).

Além disso, na questão que se constitui no eixo centralde qualquer política de enfrentamento da questão agrária,visando à desconcentração do poder e da propriedade viadesapropriação de latifúndios, o governo Lula marcou passo.Herdando uma legislação anti-reforma agrária à qual não quisenfrentar, e um aparato institucional sucateado17 e desqualificado

16 Para esse fim buscou inclusive estratégias de cooptação de intelectuaise militantes da questão agrária, alguns dos quais gentilmente e sem grandesproblemas de consciência, adotaram posturas ativas de agrado ao poder.

17 No início de 2004 o Incra contava com 5.300 servidores, contra demandaestimada de 10 mil. Em Março de 2006, apenas 471 novos servidores haviamsido contratados, sendo que outros 1.300 estavam com o concurso em andamento.

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por décadas de desmonte, e insistindo em uma política dealiança com os setores modernizados da agropecuária, o governoLula se mostrou incapaz de fazer frente aos desafios colocadospela luta de classes no campo brasileiro. Ainda mais grave, ogoverno federal, para responder às críticas de inação no campoda reforma agrária, adota procedimentos semelhantes aosdesacreditados métodos utilizados no governo FHC.

De acordo com dados oficiais, nos três primeiros anosdo governo foram assentadas 235.055 famílias.

Diversos estudiosos da questão agrária, além dosmovimentos sociais, se manifestaram com preocupação edescrédito perante os indícios de falta de consistência conceituale estatística quanto ao número de famílias assentadas, divulgadospelo governo, especialmente referentes ao ano de 2005.

Vários pesquisadores afirmam que o governo Lula recria,num novo sentido, a fórmula da colonização adotada pelo regimemilitar e mantida pelo governo FHC. Isso se dá pela concentraçãode famílias assentadas em terras públicas (69.182 em 2005)principalmente localizadas na Região Norte do país (região pré-amazônica). Outra parcela significativa das famílias contabilizadascomo novos assentamentos (31.373 famílias) são de beneficiáriosalocados em projetos de assentamento criados anteriormente a2005, ou seja, estão sendo computadas famílias que repõemlotes abandonados em projetos antigos, como se fossem novosassentamentos (BRASIL DE FATO, 2005).

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O fato é que ao não enfrentar a questão das desapropriações

de terras já em mãos do latifúndio, as medidas do governo

não promovem desconcentração fundiária, não reduzem o poder

do latifúndio, e portanto, restringem o processo de democratização

da propriedade da terra em nosso país e os impactos daí

derivados para a própria democracia brasileira.

Ainda que se desconsiderasse toda essa contestação em

relação aos números divulgados, o ritmo da reforma seguiria

preocupante. Nessa velocidade, o Brasil terá de conviver por

décadas ainda com lutas sociais e com a pobreza e miséria no

meio rural. Aparentemente, o governo Lula aderiu à estratégia

recuada, de esperar que as famílias sem-terra sejam

gradativamente expulsas rumo às cidades, enfraquecendo a

pressão pela reforma.

AS CONDIÇÕES E FINANCIAMENTO DOS ASSENTAMENTOS

Além do não-cumprimento das metas de assentamentos,

o esvaziamento da questão agrária no governo Lula pode ser

visto no tema crédito. Com o número de famílias assentadas

crescendo nos últimos anos, ainda que em ritmo lento, criou-se

uma situação paradoxal: o valor financiado foi reduzido. Os

recursos direcionados para assentados da reforma agrária

sofreram redução nos três primeiros anos do governo Lula.

Os contratos de financiamento para os assentados

(grupos A e A-C do Pronaf) foram reduzidos entre 2002 e

2004, passando de 55.610 para 54.825 contratos. Os valores

absolutos e relativos também sofreram redução: em termos

absolutos, o crédito para os assentados reduziu-se de 592,8

milhões para 499,3 milhões de reais. Os dados referentes a

2005, ainda que incompletos, indicam a continuidade dessa

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tendência, com a redução no número total de contratos e no

volume de recursos contratados.18

Em termos relativos essa queda no repasse de recursos

para os assentamentos foi ainda maior: de uma participação

relativa de cerca de 18% dos recursos para o total da Agricultura

Familiar em 2002, o crédito para os assentamentos minguou

para menos de 9% em 2004. Essa queda é mais significativa

se lembrarmos que, hoje, os assentados representam cerca de

20% do total de agricultores familiares e que nos anos iniciais

de assentamento se requer um volume maior de recursos para

a instalação de atividades produtivas nos lotes.

Como entender esses movimentos? Eles ocorrem por

uma simples razão: o governo Lula, ao não priorizar a política

de Reforma Agrária, contribuiu para manter os assentamentos

à margem das políticas de inclusão creditícia e agravou alguns

problemas já existentes. Esses dados indicam uma escolha

estratégica equivocada no enquadramento dos assentamentos

na lógica do Pronaf, desconsiderando a condição especial de

um processo de reforma agrária e a reivindicação histórica do

MST, que defende a criação de um programa específico de

crédito para a reforma agrária, em vista das especificidades

desse segmento social.

Com a redução dos recursos alocados e a não-resolução

das dívidas anteriores, cresce a inadimplência e, portanto, a

exclusão dos agricultores assentados a novos créditos. Essa

situação foi gerada por um conjunto de fatores:

18 Informações não oficiais do INCRA indicam que o volume de recursosrepassados aos assentamentos nesse ano se reduza à faixa dos R$ 300 milhões,e que o número de parceleiros aptos a receber crédito, mas que não conseguiramacessá-lo é da ordem de 114 mil famílias.

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I. transferência de deficiências estruturais dos assentamentospara o crédito de custeio/investimento (em muitosassentamentos o recurso destinado para investimentoprodutivo teve que ser direcionado para construção demoradias, implantação de energia elétrica etc.);

II. sucessivas perdas de colheitas, sem cobertura de seguros;III. atraso na liberação dos recursos (perdendo prazos de plantio

e reduzindo as colheitas, p.ex.);IV. qualidade e cobertura inadequadas da Assistência Técnica

(baixa qualidade dos projetos de desenvolvimento e doassessoramento sócio-técnico);

V. inexistência de políticas de apoio à comercialização e garantiade preços mínimos;

VI. inviabilidade produtiva estrutural de alguns lotes ou atémesmo de assentamentos inteiros.

O resultado é a elevação gradativa do percentual deagricultores inadimplentes, inviabilizados de acessar o crédito.Apesar de um discurso favorável à reforma agrária, o governoLula, na prática, implementou medidas que restringiram19 oacesso dos agricultores assentados ao crédito individual.Tampouco se procurou viabilizar a criação de mecanismos deestímulo à cooperação nos assentamentos, conforme demandasapresentadas pelos movimentos sociais.

Denota-se, portanto, um quadro de insensibilidade dogoverno, aparentemente mais fortemente localizado noMinistério da Fazenda e em setores do MDA, em retomar o

19 Essa política restritiva foi justificada inúmeras vezes, por argumentosdepreciativos à capacidade produtivo-gerencial e à boa fé dos agricultoresassentados e suas lideranças, em discursos que seriam bem recebidos emqualquer círculo de extrema direita ou de latifundiários, o que, ao menos,sinaliza uma oportunidade de trabalho para certos quadros do atual governo,numa eventual derrota eleitoral em 2006.

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processo de institucionalização de políticas públicas quepromovam a reforma agrária, a recuperação dos assentamentosantigos e a estruturação em novas bases de um novo modelode assentamentos.

IMPACTO SOBRE O MODELO PRODUTIVO E ORGANIZATIVO NOS

ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

A reforma agrária não avançou, conforme visto, seja emtermos quantitativos, seja qualitativos. A promessa do governoLula de que os assentamentos seriam feitos com qualidade,em níveis nunca vistos anteriormente em nosso país, foi esquecidae relegada a eventuais discursos ou a programas pontuais.

Um dos aspectos centrais que potencializam a qualidadeda reforma agrária diz respeito ao formato organizativo adotadopelas famílias na organização da produção, uma vez que esseaspecto contribui para o desenvolvimento social, bem comopara a distribuição mais eqüitativa dos resultados econômicos.Os assentamentos somente podem ter perspectiva desustentabilidade com a constituição de sólidas organizaçõescooperativas e associativas. A política pública de RA deve,portanto, incluir entre suas ações prioritárias o estímulo àestruturação e ao fortalecimento de entidades associativasautônomas pelos trabalhadores assentados.

Com a “reforma agrária de qualidade” andando a passoslentos, combinada a dificuldades legais e financeiras nascooperativas existentes, e com políticas tímidas de organizaçãosocial nos assentamentos novos, conformou-se um quadro dedesestímulo à constituição de cooperativas ou outras formasassociativas nas áreas reformadas.

As dívidas das cooperativas antigas, desde o desmontedo programa de crédito especial para os assentados (Procera),a redução no repasse de recursos aos assentamentos e com a

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lenta recuperação da cobertura e qualidade dos serviçosde assistência técnica, bloquearam o surgimento de novasiniciativas de cooperação nos assentamentos. Eventuaisiniciativas implantadas no período têm respondido mais à inérciade demandas espontâneas dos trabalhadores do que a umapolítica ofensiva dos movimentos sociais (MST em particular)ou do estímulo propiciado por eventuais políticas públicas.

Dados da Confederação das Cooperativas de ReformaAgrária – CONCRAB, e dos diversos levantamentos realizadosem trabalhos de pesquisa nos assentamentos, indicam quemenos de 10% das famílias assentadas se vinculam aorganizações econômicas associativas cooperativadas, ficando,portanto, à mercê de atravessadores, ou até mesmo isoladasdos mercados locais-regionais.

Sparovek (2003:106) analisou a organização e articulaçãosocial nos assentamentos ainda no período do governo FHC.Identificou que as organizações associativas se concentram ematividades reivindicatórias voltadas a serviços e benefícios sociais(educação, saúde, estradas...). “A organização visando obterbenefícios coletivos para a produção foi bem menor do queaquela observada para aspectos reivindicatórios. Parcerias visandoconseguir benefícios para a comercialização e (ou) produçãoagrícola foram registrados em 9% dos PA’s e as parceriasligadas a benefícios sociais ocorreram em 57% dos casos”.

Schmidt et. alii. (1998) haviam encontrado dadossemelhantes, em censo realizado anteriormente, em nível nacional,identificando que 52,85% dos assentados participavam deassociações e 7,65% de cooperativas (índice que sobe a 30%na Região Sul). Pesquisa de Leite et allii. (2004), realizada emaglomerados regionais congregando 181 assentamentos, numtotal de 15.000 famílias, mostra que 20% delas adotaramsistemas mistos de produção nos lotes (parte individual e parteem cooperação), ao passo que 78% adotaram o sistema

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individual-familiar. A pesquisa também identificou a presençade associações em 78% dos PAs e as cooperativas em 13%.

Os dados são consistentes em mostrar que o associativismonos assentamentos tem característica mais voltada àrepresentação política, ainda que em certa parcela assumacondição mista, que mescla a representação com a realizaçãode atividades econômicas. Esses dados mostram que aspolíticas referentes à reforma agrária em nosso país têmabordado marginalmente a organização das famílias assentadas,e contribui para explicar resultados modestos em termos demudança socioeconômica.

ANÁLISE

Uma questão colocada pelo presente trabalho diz respeitoao entendimento sobre qual a lógica subjacente às políticaspúblicas e às alianças adotadas pelo governo Lula. Como umgoverno de extração popular, ancorado nas lutas históricas daclasse trabalhadora brasileira e signatário de um compromissocom a reforma agrária, pode ter iniciativas tão tímidas econtraditórias em relação à questão da terra e dos assentamentos?Isso seria derivado de dificuldades que obrigaram o governo arearranjos táticos? Ou decorre de opção estratégica?

O período recente de luta pela terra mostra uma evoluçãoimportante no número de famílias acampadas. Houve lutas epressões populares, mas os dados mostram que o governonão reagiu (ao menos não no sentido de avançar a reformaagrária). Isso confirma uma percepção existente no movimentosocial de que só o crescimento da luta social trará mudançasna correlação de forças na sociedade e, portanto, na realizaçãoda reforma agrária e na melhoria das condições de vida do povo.

A falta de compromisso do governo Lula em relação àreforma agrária se materializa:

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• no baixo número de famílias assentadas por processosde desapropriação ao longo dos três anos;

• na redução dos recursos creditícios para osassentamentos;

• na não-reversão do sucateamento do INCRA;• nos atrasos na liberação de recursos e na insuficiência

orçamentária (contingenciamento; escassez derecursos para cumprimento das metas);

• na não-constituição de um programa específico decrédito para a reforma agrária;

• na resistência à inclusão das famílias acampadas noprograma bolsa família;20

• na solicitação por quadros do governo para que omovimento reduzisse as ocupações de latifúndios;

• no questionamento à pressão e às críticas públicas àlentidão do processo etc.;

• no não-enfrentamento às restrições políticas à lutasocial pela RA, como a questão da MP das “invasões”

• na não-revisão dos índices de produtividade (para finsde desapropriação).

A reforma agrária não se viabiliza sem a constituição deáreas reformadas (territórios onde se redistribuam terras dolatifúndio, e que concentrem massivamente os assentamentose as ações de políticas públicas), sem apoio em infra-estruturassociais e produtivas básicas, sem crédito suficiente e adequado(o que implica criar um programa especial para osassentamentos), na ausência de serviços públicos essenciais

20 Ou melhor, na falta de vontade política em adaptar esse programa àscondições dos acampamentos, o que em certo sentido indica um não-reconhecimento da cidadania dessas famílias, mas também parece sugeriruma intencionalidade em desestimular a organização e luta pela terra;

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(ATER, comercialização, seguro, saúde, educação etc.) e semo fomento e fortalecimento às organizações associativas.Essas são condições básicas para propiciar o ganho potencialrepresentado por políticas redistributivas.

Houve, no governo atual, a secundarização das políticasestruturantes, da perspectiva de mudança social, em detrimentode políticas pontuais compensatórias, para atenuar um possívelsentimento de revolta popular. Fez-se uma opção por ircongelando e neutralizando as pressões do movimento socialnos diversos campos enquanto, no palácio, os arranjos eacordos foram feitos com os inimigos históricos da classetrabalhadora camponesa.

Apesar de o governo afirmar que a reforma agrária seriafocada na qualidade – contrapondo-se ao abandono das famíliasassentadas pelo governo FHC –, na prática isso não alterou adinâmica dos novos assentamentos e muito menos dos antigos.Faltou ousadia para implementar ações inovadoras.21

Esses fatos não ocorreram de forma isolada, tendo havidoinúmeras concessões aos interesses do grande capital(agronegócio), em paralelo às ações retardatórias das conquistassociais. Isso caracteriza uma opção de não-enfrentamentoestrutural da situação de miséria e pobreza rural. Um recuopolítico ante a correlação de forças da luta de classes naagricultura. Optou-se por não enfrentar o latifúndio atrasado,os grileiros, os capitalistas agrários que descumprem legislaçãotrabalhista, ambiental etc. Deu-se prioridade política ao agronegócio(via crédito, aprovação de leis como a dos transgênicos, e de

21 O movimento de trabalhadores rurais apresentou demandas para quese recompusesse, p. ex., o crédito especial para famílias assentadas nos programasde reforma agrária. Um programa nesses moldes foi extinto ainda no governoFHC como parte de sua estratégia para desmontar os assentamentos como basesocial e econômica para o MST. A lógica adotada foi destruir o movimentosocial, ainda que para isso fosse necessário inviabilizar os assentamentos.

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biossegurança, na renegociação e subsídio à rolagem de dívidas,na regulamentação do programa do biodiesel que favorece asiniciativas empresariais etc.).

Com isso o governo Lula não consegue, p.ex., enfrentara expansão predatória do capital na fronteira agrícola via grilagemde imensas áreas, numa dinâmica de reforço à concentraçãode terras, de degradação ambiental e desrespeito aos direitossociais dos trabalhadores (assassinatos de trabalhadores,trabalho escravo, descumprimento da legislação trabalhista nomeio rural etc.).

Em relação ao segmento empobrecido do campesinato,optou-se pela expansão de programas de crédito como o Pronaf,que são insuficientes em termos de cobertura e volume derecursos, bem como não são adequados para enfrentar questõese distorções estruturais na propriedade da terra. Pequenosagricultores, sem-terra ou com pouca terra, na maioria das vezessituados abaixo da linha de pobreza e com produção insuficientepara sua subsistência, não melhoram de situação apenas comacesso ao Pronaf, ainda mais nos seus moldes atuais.

O Pronaf é adequado ao segmento mais capitalizado depequenos agricultores (não mais do que 1/3 do total), quetêm relações regulares com o mercado, têm acesso a terrasmelhores ou mais bem localizadas, que conseguem produzirexcedentes comercializáveis com regularidade. Ora, essa nãoé a realidade da maioria da população rural hoje.

Para esses segmentos empobrecidos há dois tipos depolíticas clássicas combinadas: reforma agrária massiva e créditofortemente subsidiado, de forma a permitir a elevação dessasunidades produtivas a um patamar mínimo de produtividadedo trabalho, de forma a gerar excedentes comercializáveis,gerando processos sustentáveis ao longo do tempo. Isso implicaa discussão adicional de três elementos: a existência deassistência técnica (com remuneração e condições de trabalho

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estáveis e minimamente atrativas); a adoção de tecnologiasagroecológicas; e o estímulo à organização associativa dessesagricultores, de forma a gerar sinergias e fomentar iniciativasautônomas de organização do processo produtivo. Contudo,quase nada disso foi implementado.

Ou seja, o governo buscou aplicar uma estratégia deconvivência pacífica entre os dois modelos agrícolas, o doagronegócio e da pequena agricultura (na linha “paz e amor”com a classe dominante, adotada ainda na campanha eleitoral).Essa tese, para ser admitida, teria que desconsiderar que aprodução agrícola se desenvolve via controle da terra (controledireto, pela propriedade, ou indireto, pelo arrendamento), comoprincipal fator de produção, como locus onde se materializa oprocesso produtivo e onde se enraízam as relações socioculturais.Portanto, no mundo real, com o crescimento do agronegócio,necessariamente levou à redução do espaço político e geográficoda Agricultura Familiar e da Reforma Agrária.

Que a esperança de transformações no campo brasileiroiria se defrontar com as estruturas patrimonialistas e ditatoriaisde poder que sempre se mantiveram intactas na história denosso país (HOLLANDA, 2003) já era conhecido por qualquermilitante social. Contudo, a novidade parece consistir noestabelecimento de uma aliança do governo Lula com essesetor atrasado do latifúndio e com os segmentos dinâmicosdo capital agrário, que se transmutaram em uma versãomodernizada e mais palatável, que agora disputa o imaginárioda nação como se fosse um projeto portador de futuro para anação: o agronegócio.

Os dados apresentados demonstram que as opções depolíticas agrícola e agrária adotadas pelo governo Lula trouxerambenefícios marginais (ainda que positivos) aos segmentos maispobres da população contrabalançados por um forte apoio àexpansão produtiva do agronegócio. Ao apoiar o lado “positivo”

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do agronegócio, Lula desconsidera seus estreitos vínculospolíticos e institucionais com estruturas seculares de opressãoe destruição. Desconsidera as duas faces da moeda com aqual negocia.

Suas políticas contribuíram para o fortalecimento eexpansão desse modelo produtivo insustentável, num cenárioem que os movimentos sociais e o movimento da cidadaniavêm questionar o conjunto de políticas macroeconômicas esetoriais que o governo Lula implementa. Na visão de umamplo leque de movimentos sociais e ambientais, o que estáem jogo é a consolidação de um modelo destruidor do meioambiente e que promove a desagregação social das comunidadestradicionais e dos pequenos agricultores, acelera a concentraçãode terras e riqueza, promovendo a expulsão da populaçãopobre para as favelas urbanas, contribuindo ainda mais paraagravar o quadro de violência e terror enfrentado pela populaçãodas grandes cidades brasileiras.

É possível identificar uma trajetória paulatina de abandonode um projeto classista de governo, rumando cada vez maispara um projeto neopopulista, sustentado na figura carismáticade Lula (um novo “pai dos pobres”?) ancorado por uma políticaeconômica que não rompe com o neoliberalismo e que asseguralucros extraordinários ao setor financeiro e às transnacionais.

CONCLUSÃO

O presente estudo procurou abordar a evolução recenteda questão agrária no Brasil, focalizando as alianças e açõesdesencadeadas pelo governo Lula, buscando contribuir paraidentificar o eixo e o rumo dessas políticas. Identificou-se umacoerência entre um discurso político rebaixado no campo daluta de classes (“Lulinha Paz e Amor”), privilegiando opçõesde estabelecimento de alianças com segmentos da burguesia

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agrária, com vistas a assegurar a convivência “pacífica” entreo capital e trabalho no campo e a governabilidade institucional.

Essa aliança tem resultado em ganhos importantes parao agronegócio, tanto no ambiente macroeconômico como nosespaços institucionais (controle de dois ministérios importantese regulamentação de várias leis conforme aos interesses docapital agrário), além de, num primeiro momento, frear aradicalização dos movimentos sociais e congelar as iniciativasde reforma na estrutura agrária.

Até o início de 2006 essa aliança obteve resultadossatisfatórios, mas indica demonstrar seu esgotamento, namedida em que fica claro para um segmento social cada vezmais amplo que as políticas compensatórias são limitadas ebuscam apenas e tão-somente frear o descontentamento socialcom a falta de mudanças estruturais reais.

Outros aspectos a se considerar são as alterações nocenário macroeconômico (supervalorização do câmbio, quedanos preços agrícolas internacionais, contradição entre as políticasde interesse do capital financeiro internacional e as doagronegócio etc.) que vêm complicar a conformação do embriãodesse bloco histórico conservador. A postura dos movimentossociais também pode interferir nesse equilíbrio delicado, aoaumentar a pressão e radicalização, conforme visualizado nasrecentes mobilizações do MST e da Via Campesina querecolocam na ordem do dia o cumprimento das promessasfeitas pelo governo Lula e questionam o modelo agrícola adotadono país.

Mantido o cenário atual fica claro que as políticasgovernamentais seguirão com medidas pontuais de carátercompensatório, sem impacto relevante na quantidade e qualidadedos assentamentos, sem enfrentar o domínio oligárquico epatrimonialista do latifúndio atrasado, e colocando mais impulsona expansão do agronegócio exportador, concentrador de terra,de renda e promotor da destruição ambiental.

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Esse segundo cenário irá resultar nos próximos anos emmais exclusão social, com aumento do êxodo rural e dacriminalidade e miséria nas periferias urbanas. Uma situaçãoque só não se configurará em fortes explosões sociais, casoas políticas assistencialistas compensatórias forem mantidas eampliadas a patamares nunca vistos em nosso país, junto comaumento das ações repressivas em larga escala.

Cabe agora às forças populares avançar na construção deopções estratégicas de reascenso para esse cenário tão complexo,construindo alternativas reais que possam ser colocadas emcampo na disputa contra-hegemônica na sociedade.

A história nos chama à responsabilidade. Atenderemos?

REFERÊNCIAS

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U M P A N O R A M A D OC O O P E R A T I V I S M O N O M O V I M E N T O D O S T R A B A L H A D O R E SRURAIS SEM TERRA E O CASO DA COOPROSERP

Adilson Korchak*

José Augusto Guterres**

* Acadêmico de Direito da UFPR e membro do Núcleo de DireitoCooperativo e Cidadania.

** Advogado, membro da Rede Nacional de Advogados e AdvogadasPopulares – RENAP, mestrando em Direito pela UFPR.

RESUMO: Este texto faz uma breveanálise das vicissitudes da aplicação docooperativismo dentro do Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra-MST emnível nacional, para, na seqüência, focalizarum projeto cooperativista específico, queé Cooperativa de Produção e Serviços dePitanga Ltda.- COOPROSERP, localizadono Assentamento Novo Paraíso, emBoaventura de São Roque-PR.

PALAVRAS-CHAVE: Cooperativa deprodução; MST; COOPROSERP.

RESUMEN: Este texto hace una breveanálisis de las vicisitudes de la aplicación delcooperativismo en el Movimiento de losTrabajadores Rurales Sin Tierra –MST – en el nivel nacional, para, en lasecuencia, enfocar un proyectocooperativista específico, que es laCooperativa de Producción y Servicios dePitanga Ltda. – COOPROSERP, ubicada enel Asentamiento Novo Paraíso, enBoaventura de São Roque-PR.

PALABRAS-CLAVE: Cooperativa deproducción; MST; COOPROSERP.

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INTRODUÇÃO

A fim de fortificar os laços entre teoria e prática, quedevem imprescindivelmente uni-las se enxergamos no cotidianoa necessidade e no horizonte a possibilidade de câmbiosestruturais na sociedade em prol de mais igualdade, dignidade ejustiça, o trabalho que se apresenta faz uma breve análise dasvicissitudes da aplicação do cooperativismo dentro do Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST em nível nacional,e posteriormente centra foco num projeto cooperativistaespecífico, que é o da Cooperativa de Produção e Serviços dePitanga Ltda. – COOPROSERP, localizado no AssentamentoNovo Paraíso, em Boaventura de São Roque-PR.

Com isso, não há a intenção de tomá-lo como modelo,nem de apresentá-lo como generalização dos demais projetosde cooperação do Movimento; ao contrário, há o reconhecimentode que se trata de um fenômeno bastante particular, num universoem que grassam experiências plurais em que se abre um enormeleque quanto às formas de funcionamento, e em que, nãoobstante, o insucesso infelizmente não é raridade.

Daí a importância de, em certo momento, ultrapassar aanálise em macroescala da história e das tendências docooperativismo no MST, a partir do aprofundamento emrealidades específicas, destacando as causas do êxito desteou daquele projeto, sem, contudo, omitir-se perante erros econtradições que mereçam uma crítica radical. Esta é acontribuição teórica possível e somente a partir dela se dará aconcreta superação e fortalecimento de um sistema alternativoà acumulação e exploração capitalistas.

1 O MST E O COOPERATIVISMO

Antes de tudo, é mister elucidar a visão aqui adotadacom relação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –

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MST, tendo por assentada a completa impossibilidade de umainvestigação científica “neutra”, “imparcial”. De outra banda,claro está que não se pode academicamente lançar-se numacega e acrítica exaltação de determinado projeto político, dondese conclui pela necessidade de manter um elevado grau deobjetividade. O que se quer ressaltar, enfim, é a necessidadede coerência e honestidade ao deixar transparecer sem melindreso posicionamento político que perpassa este trabalho, engajadoque é a um projeto de transformação social contra a exploraçãohumana, sem esconder-se sob uma falsa capa de cientificismo.1

Neste sentido, demonstrando que a adesão e a construçãoteórica a respeito de um projeto político popular não se dáaleatoriamente e de forma inconseqüente, cabe aludir que diantede tamanha concentração de terras e marginalização socialdurante seus quinhentos e poucos anos, a luta pela terra noBrasil só poderia ter exatamente a sua idade.2 Contudo, é dasegunda metade do século passado para cá que os movimentoscamponeses vêm se articulando de forma mais organizada ecom mais clareza de seus objetivos, sendo que o central é areforma agrária.3

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1 Paulo Freire apresenta uma passagem interessante sobre a pretensãode neutralidade do homem frente a sua realidade: “(...) A neutralidade frenteao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que setem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um‘compromisso’ contra os homens, contra sua humanização, por parte dos quese dizem neutros. Estão ‘comprometidos’ consigo mesmos, com seus interessesou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é umcompromisso verdadeiro, assumem a neutralidade impossível”. (FREIRE, Paulo.Educação e mudança. p. 19.)

2 Para iniciar o estudo sobre essa temática, vale conferir: MORISSAWA,Mitsue. A luta pela terra e o MST. 2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006.E para um estudo mais detido sobre a histórica exclusão do direito à terra noBrasil: STEDILLE, João Pedro. (Org.). A questão agrária no Brasil. v.5. SãoPaulo: Expressão Popular, 2005.

3 Sobre o amadurecimento da luta camponesa no Brasil: MOURA, Clóvis.Sociologia política da guerra camponesa de Canudos: da destruição do BeloMonte ao aparecimento do MST. São Paulo: Expressão Popular, 2000.

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Precede o estudo do histórico e dos rumos docooperativismo no MST a sua contextualização e a elucidaçãode sua legitimidade. Em suma, trata-se de um movimento socialque visa pressionar o Estado a implementar as políticas públicasque ele mesmo se propõe. Com efeito, a Constituição Federalprevê que é livre a associação de pessoas para fins pacíficos,sendo o MST, portanto, um movimento legítimo de denúnciada desigualdade social e de reivindicação de direitosfundamentais já positivados na Constituição Federal, como aigualdade e a dignidade. Entre as políticas públicas reivindicadas,como dito, figura a reforma agrária, mas se podem elencartambém as que se referem ao meio ambiente equilibrado, àsoberania alimentar, às relações equânimes entre os gêneros,e outros tantos, sempre com vistas à dignidade humana.

Prova da legalidade e da legitimidade do MST são osconstantes diálogos mantidos entre este movimento e o PoderPúblico, em todas as suas esferas e em todo o território nacional,sendo pacífico este entendimento inclusive no Poder Judiciário.4

Já quanto à origem e formação das cooperativas detrabalhadores rurais, cabe aludir que, assim como a luta pelaterra, elas são fruto da extrema desigualdade social historicamentevigente no Brasil, cujos sucessivos governos, ao não cumpriremo seu papel de erradicar a pobreza no país, deixam apenasduas opções a seu povo: viver na marginalidade ou se organizarpara reivindicar e promover seus direitos. A formação decooperativas por trabalhadores rurais inicialmente excluídos dodireito à terra transparece a tomada da segunda opção por

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4 Neste sentido, é emblemática a seguinte decisão, entre outras tantasexaradas Brasil afora: “Movimento Popular visando a implantar a reforma agrárianão caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura direito coletivo, expressãoda cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição daRepública. A pressão popular é própria do Estado Democrático de Direito”(STJ. HC n.º 5.574/SP. Rel. Min. William Patterson) (grifamos).

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seus integrantes, inseridos então numa nova fase de sua luta,que é a de se sustentar a partir da terra conquistada.

Assim, no início da década de 1990 se começa a construirdentro do MST o “Sistema Cooperativista dos Assentados –SCA” (explicado com mais detalhes adiante), no intuito de seavançar com a cooperação agrícola. Defendia-se que asCooperativas de Produção Agropecuária – CPAs, um dos tiposprincipais de cooperativas dentro do Movimento, seriam umaetapa superior da organização coletiva da terra, do trabalho edo capital.

1.1 AS PRIMEIRAS COOPERATIVAS E A NOVA LINHA DE COMBATE

Após os primeiros anos de sua fundação, no início dosanos 1980, logo se percebeu no MST que não somente aconquista da terra deveria ser alcançada mediante a cooperação,mas também haveria de superar-se a cultura individualista docamponês no momento da produção, uma vez que esta seconstitui na única saída possível para a classe explorada, paraque sua luta não seja em vão. Em outras palavras, percebeu-seque seria insuficiente a simples obtenção de lotes individuaispara os integrantes do MST, uma vez que assim não possuemcondições de concorrer no mercado em igualdade de condiçõescom os demais produtores. Daí é que surge no V EncontroNacional o lema “Ocupar, Resistir, Produzir”, fazendo alusão àsprimeiras cooperativas ligadas ao MST que estavam nascendo,sobretudo no ramo de cooperação Agropecuária (CPAs).5 Estas,

5 “As CPAs foram implantadas como experiência de cooperação noMST a partir de 1989, e despontam como uma forma superior de organizaçãoda produção. Na verdade, uma CPA não se diferencia muito de um grupocoletivo ou de uma associação coletiva na sua essência, e muito menos na suaconstituição. O que difere é a personalidade jurídica porque ao ser registradacomo uma empresa cooperativista será regida pela legislação cooperativistabrasileira”. (CERIOLI, Paulo; MARTINS, Adalberto. Caderno de cooperação n.º 5:sistema cooperativista dos assentados. p. 70.)

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entretanto, por uma série de razões, principalmente pordemandarem grandes estruturas numa fase em que ainda nãose tinha a experiência necessária para lidar com elas, em poucosanos entraram numa fase de graves crises:6

No mesmo ano de 1993, começou o período da Crise. Unspassaram a acreditar que o SCA tinha sido um equívoco; outrosafirmam que é uma crise de crescimento. As CPAs passampor profundas rupturas, dividem-se. O desafio é para onde ecomo avançar. Assim constatou-se um dos grandes limites: aadministração. Como resposta é criado o Curso Técnicoem Administração de Cooperativas (TAC). Em junho de 1993inicia-se a primeira turma.

Em meados de 1990, então, começou-se a apontar como

caminho para sair das primeiras crises do cooperativismo no

MST a criação das Cooperativas de Prestação de Serviços –

CPS’s e Cooperativas de Prestações de Serviços Regionais –

CPSR’s,7 que foram impulsionadas pela liberação de recursos

federais para estruturação dos Assentamentos e Cooperativas

da Reforma Agrária, em especial o “Teto II”, que, por sua vez,

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

6 Para um estudo mais detalhado sobre os debates e surgimento dascooperativas no MST, assim como as contínuas necessidades de reformulaçãode sua estrutura e articulação, com descrição dos principais eventos edocumentos sobre o tema, verificar: CERIOLI, P.; MARTINS, A. Obra citada.p.28-34.

7 “(...) a Cooperativa de Prestação de Serviços (CPS) dedica-sebasicamente à comercialização (organizar o processo de compra e venda deinsumos, da produção e de bens de consumo para os associados), da assistênciatécnica, do serviço de máquinas, da formação política e da capacitação técnica,da organização da produção (definição da estratégia de desenvolvimento daregião, definição de linhas de produção), da implantação de unidades deprocessamento (...) para beneficiar a produção dos assentados”. As CPSR’s,por sua vez, têm a mesma competência, porém envolvem vários assentamentos,em vários municípios (...). (CERIOLI, P.; MARTINS, A. Obra citada. p.67.)Outra principal forma de cooperativa de assentados da reforma agrária é aCooperativa de Produção e Prestação de Serviços – CPPS.

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foi uma conquista dos movimentos populares do campo paraque os assentados da reforma agrária, junto com a terra,recebessem também algum subsídio inicial. Isso coincidiu,naquele momento, com um alargamento da discussão queocorria dentro do Movimento, a respeito da necessidade docooperativismo como instrumental de seu projeto político deReforma Agrária e construção de um novo tipo de sociedade.

Veja-se, por exemplo, que:

Em dezembro de 1994 aconteceu o Seminário Nacional sobre“A perspectiva da cooperação no MST”, baseado nos textospreparatórios “A crise nas CPAs e coletivos”. No mesmo mêssai o texto “Perspectivas da Cooperação no MST”. O SCAavançou no entendimento das seguintes questões:a) O que massifica a cooperação nos assentamentos são asformas não produtivas (prestação de serviços).b) As CPAs continuam sendo a forma superior de organizaçãoe estratégicas para o MST e portanto devem ser constituídasem condições muito bem definidas. Apesar disto elas nãomassificam a cooperação.c) O que determina a possibilidade não é mais o tamanho dolote (terra) e sim a sua localização, modelo tecnológico, volumede capital e mercado. Enfim, o que orienta e organiza acooperação é o capital e não a terra.d) A introdução de agroindústrias nos assentamentos éestratégico para o desenvolvimento econômico dosassentamentos e de todo o interior do país, envolvendo ajuventude e agregando valor à mercadoria produzida.e) Não haverá desenvolvimento autônomo nos assentamentossem a presença do Estado, e neste caso, de um Estadocontrolado e dirigido pela classe trabalhadora. O Estadodesempenhará um papel indutor da cooperação, via crédito,assistência técnica e pesquisa.f) Está descartada a possibilidade da “acumulação primitiva”de capital nos assentamentos, determinando aos assentamentos

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a necessidade de disputar através da luta política a maisvalia social.8

Investiu-se, assim, um considerável montante de recursose energia dos militantes na criação e no desenvolvimento dessetipo de cooperativas (CPSs). Por meio delas, intentava-semassificar a cooperação dentro do Movimento, em busca deuma superação dos limites de envolvimento das famíliasassentadas tanto na produção coletiva quanto na comercialização.Posteriormente, viu-se que o alcance de tais objetivos é aindamuito mais complexo, e essas primeiras cooperativas tambémvieram a mostrar várias deficiências e limitações.

De qualquer maneira, não se pode negar que houve muitosavanços com as cooperativas regionais. Foi sensível a melhoranas estruturas dos assentamentos, o que permitiu um reforçonas ações do Movimento, consistindo, portanto, num passoimportante e, via de conseqüência, num grande susto para aelite agrária brasileira, vez que o número de ocupações delatifúndios deu um grande salto, espalhando-se por todos oscantos do país.

A resposta imediata implicou a sofisticação da luta pelaterra, visto que, além de os conflitos no campo se acirrarem,foi a partir daí que as forças políticas contrárias à reformaagrária passaram a estudar o MST com mais diligência,montando estratégias e táticas mais organizadas na tentativade frear seu crescimento e avanço. É nesse período que seinicia uma campanha difamatória às iniciativas de organizaçãode pessoas jurídicas aliadas ao MST, como associações ecooperativas. Nem por isso, contudo, o Movimento deixoude fortalecer-se a cada ocupação realizada, mobilização,encontro, aliança com outros movimentos sociais e,

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8 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Obra citada. p. 33-34.

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principalmente, qualificação de seu quadro de militantes. Erabastante visível na prática, enfim, a relação dialética da lutade classes, em que cada pólo respondia imediatamente àinvestida do outro. Como, aliás, continua ocorrendo.

Na linha de atacar as pessoas jurídicas do Movimento,visando minar sua sustentabilidade, delinearam-se duas formasprincipais, quais sejam, o uso intensivo dos meios de comunicaçãohegemônicos na tentativa de denegrir ou desgastar a imagem dedirigentes e do próprio MST, bem como a utilização de subterfúgiosjurídicos visando obstar transferências de recursos públicosaos assentamentos e entidades jurídicas. Cumpre mencionarque ambas se perpetuam como práticas comuns, sem perspectivade cessar, uma vez que tanto o campo midiático como ojurídico, da institucionalidade, da burocracia, são exatamenteonde melhor transitam os inimigos da reforma agrária.

No caso da mídia, porque é notória a absoluta falta dedemocratização de seus veículos, que, não obstante se tratemde concessões públicas, são claramente utilizados em prol deinteresses privados e estão concentrados nas mãos de poucasfamílias ou grupos empresariais brasileiros, altamente influentesno cenário político do país, com o agravante de possuíremestreitíssimas relações com o capital internacional. No caso dalegalidade, porque o maior papel do Direito no Estado Modernoé garantir o funcionamento e a fluidez do sistema econômicofundado na propriedade privada e “livre” circulação demercadorias,9 de modo que quem mantém seus privilégios

9 Não se pretende com tal afirmação uma defesa de um modelodeterminista de estruturação social em que o Direito se mostra tão somentecomo resultado da base econômica. Pelo contrário, dentro mesmo do pensamentomarxista, na esteira de István Mészáros, por exemplo, reconhece-se que “osvários fatores legais não são unilateralmente determinados pela base material,mas agem também como determinantes poderosos no sistema global deinterações complexas”. Desconstruir, contudo, a “ilusão jurídica” é tarefa de

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graças ao lucro gerado dentro deste sistema dispõe, por óbvio,

do instrumental político-jurídico para fazer o embate dentro

dele. Como se vê, portanto, trata-se de uma luta em que

definitivamente não há equivalência de armas.

Com o paulatino corte dos recursos inicialmente

aportados, sentiu-se, logo em seguida, uma diminuição da

força do Movimento, que naquele momento não dispunha ainda

de uma capacidade técnica e organizativa capaz de dar conta

dos problemas que se foram apresentando. Com efeito, pairava

entre os dirigentes, principalmente os do setor de produção,

um certo comodismo, uma sensação de que aquelas conquistas

de investimentos públicos tinham vindo para ficar. Hoje se

pode arriscar a dizer que, até certo ponto, houve ingenuidade,

ou subestimação das forças da elite agrária brasileira. De

qualquer modo, o fato é que a conquista política de projetos,

contratos e convênios com o poder público não foi acompanhada

de uma adequada estruturação do setor de produção e formação

de um quadro técnico-militante suficientemente apto a suprir

as necessidades que iam se acumulando.

Recordando que em nível federal essa época (governo

de Fernando Henrique Cardoso) foi também marcada pela

política governamental de repressão policial e militar aos

movimentos sociais, com claro aval dos meios de comunicação,

o MST foi alvo de um desgaste político bastante grande, de

modo que se tornava ainda mais nebulosa a saída para a crise

financeira que se instalava. Assim, de modo geral, muitas

caráter urgente: “A rejeição marxiana da ‘ilusão jurídica, segundo a qual ‘a leise baseia na vontade, e, de fato, na vontade divorciada de sua base real – navontade livre’, atende ao objetivo de identificar a natureza real do sistemajurídico, precisamente no sentido de compreender e, em última análise, controlaras determinações reais que emergem do próprio sistema jurídico e afetam asatividades de todos os indivíduos”. (MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia eciência social. p. 208-209.)

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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cooperativas acabaram fechando ou se desfazendo de partede suas estruturas para que pudessem liquidar dívidas,

diminuindo sensivelmente sua atuação.Um outro problema que se instalou nesta fase de

crescimento das CPSs e CPRSs, é que não raramente passoua haver uma confusão entre cooperativas regionais e Secretariasdo MST: várias estruturas de cooperativas estavam também aserviço do trabalho de base, implicando uma sobreposição às

atividades do próprio Movimento. Isso gerou problemas paraas instâncias de coordenação e direção do MST, na medidaem que cada região, a partir das estruturas das cooperativas,vinha passando a atuar de forma desvinculada do todo daorganização, indo, portanto, de encontro ao princípio de Unidadeque vigora no Movimento, que é um dos principais motivos de

sua força.Tal problema se mostrava decorrente do raciocínio de

que quanto mais recursos cada região individualmenteconseguisse captar, mais crescimento e desenvolvimento haveriade suas estruturas, o que deveria refletir, conseqüentemente,no avanço dos objetivos do MST.

Ocorre, porém, que isso definitivamente não contempla

seus objetivos, na medida em que sem a indispensável unidadee direcionamento político das cooperativas, que só o movimentosocial é capaz de proporcionar, acaba-se por simplesmentereproduzir em cada assentamento a lógica mercantil do sistemaagrícola hegemônico, historicamente excludente e alicerçadona “revolução verde”,10 totalmente contrário, portanto, à matriz

agroecológica e camponesa difundida pelo MST. 11

10 Trata-se da implementação de novas técnicas estrangeiras naagricultura a partir dos anos 1950, em grande parte adaptações de tecnologiasde guerra (exemplos: agroquímicos e tratores, oriundos, respectivamente, dearmas químicas, como o Napalm, desenvolvido pela empresa Monsanto, e

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1.2 EM BUSCA DO APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA

COOPERATIVISTA DOS ASSENTADOS

Visando à solução para médio e longo prazo dos problemasde capacitação de militantes para trabalhar com o SCA, foramsendo abertas turmas específicas para eles em especialidadespertinentes às necessidades da realidade:

tanques de guerra); tal implementação, que em sua quase totalidade se mantém,tinha por base o latifúndio e a monocultura, de modo a manter a estruturafundiária do país, visando a produção em larga escala de comodities paraexportação. Efeitos imediatos foram o êxodo rural e os conseqüentes problemassociais das grandes metrópoles, a lastimável perda de saberes culturais decamponeses e povos tradicionais, assim como a absoluta dependência dos“pacotes tecnológicos” de grandes corporações internacionais, cujo controlesobre a alimentação e saúde da população mundial é cada vez maior. SanMartin observa que não é à toa que o auge da “revolução verde” no Brasilcoincide com a ditadura militar, e com profunda indignação constata a respeitodas migrações que então se intensificaram como nunca: “É a mesma imagemestampada no desespero do garoto com malária nos confins de Rondônia, dobóia-fria desgraçado nas quebradas do Paraná, do pedreiro ex-sitiante no coraçãode São Paulo, ou do que seja: é a imagem e o resultado disso que o conluio daselites, que a demência tecnocrática chamou um dia de ‘modernização’ daagricultura brasileira”. (SAN MARTIN, Paulo. Agricultura suicida: um retratodo modelo brasileiro. p. 12.)

11 A proposta é o desenvolvimento da agricultura familiar com ênfasena aplicação de técnicas agroecológicas, de modo a possibilitar a subsistênciae a permanência das famílias no campo, assim como o menor impacto ambientalpossível – na medida em que o uso de agrotóxicos é incrivelmente diminuído,senão extirpado, e a manutenção da biodiversidade se constitui numa peça-chave, tanto quanto a autonomia frente às empresas de insumos agrícolas e asolidariedade entre os camponeses. Desta forma as famílias fixam-se na árearural e produzem alimentos em primeiro lugar para si próprias, ou seja, nãopassam a integrar as fileiras de miseráveis que superlotam as grandes cidadesbrasileiras; o excedente, produzido de modo ecologicamente correto einegavelmente mais saudável do que os produtos convencionais, é comercializadoa preços justos para a população local, por canais de economia solidária. Muitoembora isso não gere vultuosas rendas às famílias e ao poder público, estemodelo consegue resolver uma série de problemas sociais e ambientais queafligem praticamente todo o mundo contemporâneo, os quais sem uma reformaestrutural se configuram em problemas absolutamente insolúveis. Paraaprofundamento deste assunto: SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem danatureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. GUTERRES, Ivani.Agroecologia militante: contribuições de Enio Guterres. São Paulo: ExpressãoPopular, 2006.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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(...) em janeiro de 1995 é fundado o Instituto Técnico deCapacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, ITERRA, emVeranópolis, RS, e nele a Escola Josué de Castro. A suafinalidade era assumir o curso TAC e o Magistério em vista deformar militantes e técnicos para o MST e também para acapacitação da mão-de-obra na área de agroindústria.Em 1996, o SCA inicia o debate sobre a massificação dacooperação no crédito. Definiu-se por acompanhar aCooperativa de Crédito já constituída em Cantagalo, PR(CREDITAR). São feitas discussões em Sarandí, RS, para aconstituição de uma segunda (CRENHOR).12

E, a fim de resolver os problemas internos de desmobilização,bem como articular uma defesa aos ataques proferidos pela eliteagrária, a partir de muito estudo e debate, começou a ser construídano MST uma nova forma de organicidade, da qual não cabe aeste breve trabalho se ocupar, mas que a ele cumpre pelo menosregistrar seu caráter eminentemente democrático-participativo,em que as decisões são encaminhadas sempre de forma coletivae sem hierarquizações, contemplando as discussões feitas desdea base dos acampamentos e assentamentos, assim comogarantindo a equanimidade das relações entre os gêneros.13

Na esteira dessa nova organicidade do MST, que vinhasendo debatida havia bastante tempo, cuja implantação foidefinida como linha política no IV Congresso Nacional do MST,em 2000, e que constantemente vem sendo rediscutida,convém focalizar o modo como vem sendo trabalhado ocooperativismo em suas instâncias.

No II Seminário Nacional sobre as perspectivasda Cooperação no MST, em 1997, houve, então, o

12 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Obra citada. p. 34.

13 Sobre a atual organicidade do MST: BOGO, Ademar (Org.). Métodode trabalho e organização popular. São Paulo: ANCA, 2005.

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redimensionamento do SCA, a partir de reflexões acerca de

seu papel dentro do Movimento. Dessarte, o que até determinado

período se denominava “Setor de Produção”, passou a ser o

“Sistema Cooperativista dos Assentados”, com uma mudança

que vai muito além de uma nova roupagem, atribuindo-lhe

objetivos táticos e estratégicos bem definidos, e com a clareza

de ser um instrumento do Movimento, sem se confundir com

ele e respeitando seus princípios.

Demais disso, assim como cada uma das cooperativas

ligadas ao Movimento, foi imbuído do dúplice caráter de ser

um “elemento Político” e, ao mesmo tempo, uma “Empresa

Econômica”, vez que deve, por um lado, atuar na conscientização

e politização da base, mobilizando-a e articulando-a para as

lutas políticas e econômicas, e, por outro, visar a organização

da produção, o crescimento econômico, o desenvolvimento, e

a melhoria da qualidade de vida dos assentados. “Enfim, as

cooperativas devem colocar à disposição da luta a sua infra-

estrutura, recursos e pessoal para a mobilização e luta política

em vista da reforma agrária e da transformação da sociedade.

E, ao mesmo tempo, não se descuidar dos aspectos produtivos,

administrativos e gerenciais em vista de uma boa eficiência

econômica”.14

Portanto, contribuindo para a construção e implementação

da estratégia do MST, o SCA é o setor responsável por:

“estimular e massificar a Cooperação Agrícola dentro dos

Assentamentos, em suas várias formas, integrando neste

processo os assentados individuais”; assim como pela

“organização de base dos assentados, pela organização da

produção, da tecnologia, da transformação ou agroindústria,

pela boa aplicação do crédito rural, pela comercialização e,

14 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Obra citada. p. 12.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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também, pela mobilização social dos assentados frente à políticaagrícola do governo, à política econômica, e pelas condiçõesbásicas dos assentamentos”.15

Vale frisar que tais objetivos são decorrentes de umavisão muito particular do cooperativismo pelo MST, desde umponto de vista contra-hegemônico, como se vê a seguir:

Os assentados devem buscar uma cooperação que tragadesenvolvimento econômico e social, desenvolvendo valoreshumanistas e socialistas. A cooperação que buscamos deveestar vinculada a um projeto estratégico, que vise a mudançada sociedade. Para isto deve organizar os trabalhadores,preparar e liberar quadros, ser massiva, de luta e de resistênciaao capitalismo.Para nós a cooperação não é vista apenas pelos objetivos sócio-políticos, organizativos e econômicos que ela proporciona. Elaé, para nós, uma ferramenta de luta, na medida em que elacontribui com a organização dos assentados em núcleos debase, a liberação de militantes, a liberação de pessoas para aluta econômica e, principalmente, para a luta política.16

Por seu caráter popular e contra-hegemônico, vê-se queo MST afirma seu cooperativismo como sendo de oposiçãodiante da política econômica neoliberal e, via de conseqüência,do cooperativismo tradicional. Quanto à primeira, porque temconsciência da impossibilidade de uma Reforma Agrária efetivadentro do atual modelo econômico: “É inconcebível o resgateda dignidade dos sem-terra e do povo trabalhador dentro dasociedade capitalista, pois ela sobrevive da exclusão do povotrabalhador, para concentrar o capital (terra e renda) nas mãosde alguns”.17 E quanto cooperativismo tradicional, porque

15 CERIOLI, P; MARTINS, A. Idem. p. 9.

16 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Idem. p. 22.

17 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Idem. p. 11.

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inserido na mesma lógica mercantil e totalizante das grandesempresas do agronegócio, buscando suprimir as iniciativasautônomas de trabalhadores rurais, seja mediante sua cooptação,seja sua destruição.

O cooperativismo tradicional está vinculado, nos estados, às

OCEs e, no país, à Organização das Cooperativas do Brasil

(OCB), que se propõe a ser a única representante de todas as

cooperativas. Somos oposição a este modelo.

O cooperativismo que nos propomos a construir defende a

autonomia de organização e representação. O desafio é

construir o próprio modelo do MST: que abarque as diferenças

regionais, que aponte um modelo tecnológico alternativo.

Reconhecemos a Confederação das Cooperativas de Reforma

Agrária do Brasil Ltda. (CONCRAB) como a representante de

todos os segmentos de cooperativas e demais unidades de

produção em áreas de Reforma Agrária.18

Finalmente, é interessante observar como o SistemaCooperativista dos Assentados se posiciona ante a tarefahistórica que lhe é proposta pelo MST, sistematizando, diantedisso, seus objetivos sociopolíticos da seguinte maneira:

a) Ser uma forma de resistência ao capitalismo: não ter a

ilusão de que organizando economicamente os assentamentos

conseguiremos nos libertar da exploração capitalista, por isto

devemos continuar lutando.

b) Vincular-se a um projeto estratégico de mudança da

sociedade, e, portanto, de luta.

c) Transformar a luta econômica em luta política e ideológica.

d) Provar que a reforma agrária é viável, não só do ponto de

vista da justiça social, mas também do ponto de vista do

desenvolvimento econômico.

18 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Ibidem.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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e) Servir de exemplo, de propaganda e de alianças na

sociedade para que se unam na luta pela reforma agrária.

f) Aumentar o poder de barganha e pressão dos assentados

diante do Governo.

g) Acumular forças para a transformação da sociedade.

h) Criar melhores condições de vida para as famílias

assentadas: habitação, luz elétrica, saúde, educação, cultura,

e sempre ir melhorando.

i) Formar e capacitar quadros políticos e técnicos para o MST

e para o conjunto da luta dos trabalhadores.

j) Contribuir para a construção do Homem Novo e da Mulher

Nova. Pessoas responsáveis, politizados, culturalmente

desenvolvidos, solidários e fraternos uns com os outros.19

Alimentando, portanto, a esperança de que a transformação

é possível, visto que demonstra isso em seu dia-dia, e

qualificando o quadro de militantes do MST, não apenas em

nível técnico, mas também ético e moral, possibilitando-lhes

o que Gramsci chamaria de “catarse”, ou seja, a sublimação

dos interesses econômicos imediatos do camponês para seu

engajamento na realização concreta de uma utopia coletiva,

o SCA se mostra como uma ferramenta cada vez mais

imprescindível não apenas na modificação das instâncias

objetivas da realidade, como o trabalho e o consumo, mas

também na vivência de novos valores pelos assentados e

associados, travando uma importantíssima disputa, então, onde

o capitalismo finca raízes das mais poderosas, vale dizer, na

subjetividade humana.

Salientando as ressalvas tecidas na Introdução, o ponto

seguinte visa trazer à lume uma entre tantas experiências que

ocorreram no contexto esboçado até aqui. Reconhecendo uma

19 CERIOLI, P.; MARTINS, A. Idem. p. 13.

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vez mais que se trata de um caso bastante particular, semnecessária semelhança com outros Brasil afora, é preciso,contudo, anunciar que a escolha não foi feita de formatotalmente casual, na medida em que se está falando da primeiraCPA do país, cuja história foi acompanhada de perto – porestar presente desde os primeiros acampamentos, da infânciaaté os dias de hoje – pelo primeiro autor anunciado no cabeçalhodeste texto.

2 O ASSENTAMENTO NOVO PARAÍSO E A COOPROSERP

2.1 HISTÓRICO DO ASSENTAMENTO

O MST do Paraná, com a intenção de organizar a produçãode forma coletiva nos assentamentos de Reforma Agrária,passou a forjar, em 1989, a possibilidade de realização dasprimeiras experiências de organização de Cooperativas deProdução Agropecuária – CPAs. Assim, naquele ano surgiu oprimeiro laboratório experimental no Assentamento Santo Reiem Nova Cantu, o que consistia basicamente num curso cujoobjetivo era oferecer treinamento sobre agricultura aosparticipantes, visando especialmente à organização da produçãode forma coletiva, na tentativa de conhecer e difundir asvantagens obtidas na produção, no trabalho e na vida socialdas famílias que estivessem organizadas em uma CPA.

Integrando esse laboratório estavam várias lideranças deacampamentos, os quais tinham a incumbência de levar atésuas bases a proposta da formação de CPAs.

Fruto desse primeiro laboratório, então, a Cooperativade Produção e Serviços de Pitanga Ltda. (COOPROSERP) foifundada em 24 de agosto de 1989, originalmente formadapor dois grupos: o primeiro, de 27 famílias acampadas naFazenda Pinheiro, no município de Inácio Martins-PR; o segundo,

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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de 15 famílias acampadas na Fazenda Cavaco II, no municípiode Cantagalo-PR.

Cabe mencionar, porém, que além do laboratório, outrosfatores também contribuíram para que os grupos mencionadosse lançassem com dedicação na proposta estudada e vivenciadano laboratório. Isso porque as áreas que as famílias ocupavam,segundo o INCRA, provavelmente seriam insuficientes paraassentar todas as famílias acampadas, fomentando ainda maisa necessidade de cooperação, visto que lotes individuais nãopoderiam ser disponibilizados em tamanho suficiente a cadauma delas.

Além disso, pouco antes da organização do laboratório,o MST do Paraná já havia definido uma área a ser ocupadapelas famílias que optassem por organizar uma CPA, onde sepretendia criar o primeiro modelo de cooperativas para todo opaís. As terras deste futuro assentamento eram devolutas ede domínio do Estado, contudo vinham sendo literalmentesaqueadas sob a batuta do então deputado federal Otto Cunha,que, por ter uma propriedade de 96 hectares no meio daquelaárea, outorgava-se o direito de explorar o potencial madeireirodos 976 hectares circundantes. Na época havia grandes dúvidasdentro do Movimento acerca da viabilidade de destinação dessasterras para Reforma Agrária. Não obstante, como se vê noitem seguinte, a luta por elas valeu a pena.

Os pioneiros da região contam que se tratava de umaárea de muita riqueza natural, em que se encontrava umagrande diversidade de árvores, como o pinheiro araucária, aimbúia, o angico, entre outras. Prova disso é a existência deuma cerraria naquela área, que infelizmente contribuiu paraque o solo se tornasse fraco e desprotegido.

A intenção, no fim das contas, era construir umassentamento que servisse de experiência e modelo para oMST; a proposta da coletivização já tinha um certo avanço,

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sendo que o grupo vindo da Fazenda Cavaco II já desenvolvia

o trabalho de lavoura coletiva há dois anos, o que reforçava a

idéia de construir passo a passo o “assentamento dos sonhos”,

juntando as forças das famílias.

2.2 UM POUCO MAIS SOBRE A OCUPAÇÃO E IMPLANTAÇÃO

DO ASSENTAMENTO

Apesar das dúvidas iniciais, decidiu-se pela necessidade

de ocupação daquele (ex) latifúndio conhecido como Fazenda

Cunha, que ocorreu no dia 19 de agosto de 1989,20 com a

vinda das famílias Sem Terra da Fazenda Pinheiro, município

de Inácio Martins, e, dois meses depois, das famílias acampadas

na Fazenda Cavaco II, município de Cantagalo.

A criação do assentamento, porém, como se esperava,

não foi tão simples. Seu processo de legalização, que foi

realizado de uma forma bastante peculiar, sem passar para o

domínio do INCRA, começou a caminhar somente a partir de

1992, de modo que até então as famílias passaram por intensas

dificuldades, dado que não havia liberação de qualquer recurso

para o acampamento. Além disso, eram freqüentes as ameaças

de despejo, as condições de moradia nos barracos eram

péssimas, e como se isso tudo não bastasse, o acampamento

enfrentava uma séria escassez de alimentos.

A partir de 1992, com a perspectiva de legalização do

assentamento, alguns benefícios foram conseguidos para os

acampados, por meio de projetos específicos, como o que foi

elaborado e assinado pela Igreja Católica local, para empréstimo

visando à compra de nove vacas leiteiras, com a finalidade de

20 A Cooproserp, portanto, foi fundada apenas cinco dias depois, conformeregistra sua primeira Ata.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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obter leite como fonte de alimento para consumo. Nesse mesmo

período, apesar das dificuldades, a discussão sobre a

cooperativa vinha avançando: decidiu-se pela organização do

sistema de moradia em agrovila, mesmo enquanto só havia

barracos de lona; foi construído um refeitório comunitário e

uma ciranda infantil, para educação das crianças e para liberação

das mulheres para que participassem das atividades da cooperativa.

Com isso, a CPA ia aos poucos tomando forma, inclusive

mediante a divisão de setores de trabalho, entre os quais: de

lavoura, pecuária, serviços, lazer etc. A partir daí, também se

estabeleceu entre as famílias acampadas uma jornada de trabalho

de oito horas diárias, com planejamento e distribuição das tarefas

todos os dias de manhã, menos domingo, após a “formatura”.21

Com a legalização da área, portanto, a Cooproserp teve

um avanço em suas atividades. Quando isso ocorreu, porém,

devido à enorme gama de dificuldades relatadas, uma série de

descontentamentos de famílias já haviam aflorado, culminando

na desistência por parte de algumas do projeto de produção

coletiva, visto que nos primeiros momentos as atividades

prioritárias eram a correção do solo e limpeza da área para o

plantio das primeiras safras.

Cabe mencionar que o ano de 1990 foi um dos mais

críticos, pelo baixo resultado da colheita da primeira safra

coletiva, unida à rigidez das normas estabelecidas pelo

acampamento. Conflitos internos se agravaram, e um grupo

de 18 famílias resolveu se afastar da agrovila, instalando-se

numa outra parte da área subdividida, e passando a trabalhar

de forma individualizada.

21 Trata-se de uma forma de exteriorizar e vivenciar a simbologia doMST, consistindo, comumente, no hasteamento da Bandeira do Movimento ena execução de seu hino.

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2.3 ORGANICIDADE DO ASSENTAMENTO APÓS A LEGALIZAÇÃO

E NOVOS DESAFIOS

Durante o processo de legalização da área, em 1992,que ao final foi conseguida mediante um acordo proposto peloMST ao governo do Estado, com participação do InstitutoAmbiental do Paraná – IAP, este defendia que o assentamentodeveria ser totalmente coletivo, devido às próprias condiçõesda área, pois a análise feita é que seria praticamente impossívelsobreviver de forma individualizada numa terra totalmentedesgastada e explorada, cujo potencial de produção estavamuito aquém das demais propriedades da região.

O grupo que inicialmente havia deixado a proposta coletivadecidiu mais tarde que formaria também um grupo de trabalhocoletivo, mas não em conjunto com a Cooproserp; a soluçãoencontrada foi de fazer uma divisão no assentamento, restandodois grupos coletivos. Fundou-se, assim, ainda no ano de1992, por iniciativa desse segundo grupo, a Associação dosTrabalhadores Organizados na Agricultura – Astroagri, de modoque o uso da terra passou a ser totalmente coletivo, ficandodividido da seguinte forma: a parte pertencente para a Astroagri,proporcionalmente a 11 famílias; e a parte da Cooproserp,proporcional a 31 famílias. Em suma, o assentamento ficoucom duas agrovilas.22

Ao invés de estabilizar definitivamente a situação doassentamento, tais medidas implicaram ainda algumasmudanças. A postura política e ideológica de algumas famíliasa respeito da cooperação se alterou diante da realidade queentão se apresentava. Umas, que haviam deixado a agrovila,reintegraram-se à Cooproserp; outras perceberam que não seadaptariam ao trabalho coletivo, ao que a única solução foi a

22 No final de 2006, porém, os assentados da Astroagri resolverampassar a produzir individualmente.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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transferência delas para outros acampamentos, continuandosua luta por um “pedaço de chão”.

É desse período a elaboração do Estatuto e do RegimentoInterno da Cooperativa. Além disso, a partir de setembro de1992, iniciou-se na Cooproserp, a pedido dos assentados emconjunto com a direção do MST, o curso de “Formação eIntegração à Produção – FIP”, integrado por ambos os gruposdo Assentamento Novo Paraíso. O objetivo do FIP era qualificaros assentados para o cooperativismo, mediante a formação deuma consciência organizativa e empresarial (sem descuido dosaspectos políticos) para que se pudesse prosseguir com maiorclareza e eficiência no trabalho coletivo. Percebeu-se animaçãoe estímulo frente ao projeto que vinha se concretizando apóstantos problemas.

No ano de 1993, todavia, a Cooperativa se deparoucom mais um problema relacionado ao descontentamento dasfamílias com o modo de produção do qual estavam fazendoparte. Ela estava contanto, então, com apenas 15 famíliasassociadas, sendo que nove tinham interesse em sair do projeto.A solução encontrada pela Cooproserp e pela direção do MSTfoi a de elaborar um mapeamento de famílias de outrosassentamentos que topassem a proposta coletiva, para quetrocassem seus lotes. De um assentamento em Nova Cantuvieram, então, 11 famílias para morar no assentamento e seintegrar à Cooperativa.

Com esse reagrupamento, foi preciso uma nova mudançana estrutura física do assentamento: inicialmente a agrovila eraformada por lotes de 2 hectares; com a reestruturação, cada umpassou a medir 12x30m²; e os associados passaram a produçãodoméstica de pequenos animais ao patrimônio da cooperativa.

Como mencionado, a legalização do assentamento propicioumuitas conquistas. Pode-se citar a instalação de luz elétrica, acompra de equipamentos elétricos, como uma ordenhadeiramecânica, e, entre outras, a construção de uma Escola de 1ª à

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4ª série (que antes já existia, porém com uma “estrutura” dechão batido e lona preta), viabilizando o estudo não só das criançasdo assentamento, mas também de crianças da vizinhança.

Ainda no ano de 1993, o INCRA e o IAP (órgão do Estadoque ficou responsável pelo assentamento) realizaram um“Projeto de Desenvolvimento Agropecuário”, com a contribuiçãode um técnico agrícola associado à Cooperativa. Sua implantaçãocomeçou em 1994, e partiu de um diagnóstico que identificavaas linhas produtivas a serem implantadas ou melhoradas. Demaisdisso, com um estudo das viabilidades de absorção ecomercialização da produção do assentamento, foram criadaspequenas unidades de agroindústrias, como um abatedouro euma unidade de malharia.

Com isso, a área passou a ser melhor aproveitada,“otimizada” no dizer de alguns, aumentando algumas lavouras,diminuindo ou suprimindo outras. Cresceu o plantio de milho,soja e erva-mate; introduziram-se atividades como fruticultura,piscicultura, ovinocultura, apicultura; houve intensificaçãoda bovinocultura leiteira e suinocultura. E, intentando oaprimoramento técnico para o funcionamento destas atividades,passaram a ser aplicadas técnicas de conservação de solos,manejo, adubação, melhoramento dos plantéis, além da atividadede reflorestamento.

Os primeiros recursos recebidos do governo por meiodo Projeto de Desenvolvimento Agropecuário foram destinadospara algumas construções e melhoramento de estruturas, comoestábulo, cercas, malharia, entre outros. E pelo Programa deCrédito Especial da Reforma Agrária – Procera,23 financiou-se a

23 O Procera foi organizado a partir de 1986, fruto de uma das reivindicaçõesdos assentados do MST ao governo Sarney. Os recursos tinham como base oFinsocial, Programa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –BNDES, sendo que posteriormente passou a ser gerenciado pelo Banco do Brasil eBanco do Nordeste. Hoje encontra-se substituído pelo PRONAF.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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compra de calcário, horas-máquina para melhoramento econservação de solos, implementos, maquinário, material paraconstrução de silos, matrizes leiteiras e suínas, entre outras.

Cada atividade se realizava conforme a disponibilidadede mão-de-obra na Cooperativa, níveis de necessidade de cadasetor de trabalho, além dos recursos financeiros. A estruturaorganizativa da cooperativa passa então a ser organizadabasicamente a partir dos diferentes setores, que são ao mesmotempo núcleos de trabalho e de discussão (de planejamento,avaliação e de assuntos gerais). Quinzenalmente, ocorrem asAssembléias Gerais da Cooperativa, que aprecia as discussõesque chegam à sua pauta, encaminhando o assunto, se necessário,para votação.

ORGANOGRAMA DA COOPROSERP

A partir do momento em que o trabalho passa a serorganizado dessa maneira, começa a ganhar mais visibilidade eresgata a confiança dos assentados em relação à Cooperativa;sem dúvida, também, a confiança dos agricultores vizinhos edo comércio local.

Ainda tratando das linhas gerais da história doAssentamento Novo Paraíso e da Cooproserp, é interessantenotar a contingência da validade de determinadas medidas,como, por exemplo, a implementação do refeitório coletivo

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criado em 1992. Com a melhoria da qualidade de vida noassentamento, foram surgindo polêmicas sobre isso, girandoem torno do preço das refeições, da qualidade etc., pelo quese resolveu, em 1996, desmontá-lo. As atividades da formatura(explicada anteriormente), também foram suprimidas na mesmaépoca, possivelmente pela atenuação do rigor do trabalho.Esta, porém, foi retomada em 2001, de forma mais simplificada,somente com a conferência dos setores e com a distribuiçãodas tarefas do dia conforme o planejamento quinzenal e aprovadopela Assembléia.

Há que se enfrentar ainda muitos problemas, decorrentesora da situação da área, ora das decisões que vão sendotomadas. Por exemplo, pode virar motivo de insatisfação aprioridade dada a determinado investimento em maquinário emdetrimento da remuneração dos associados; enquanto isso,por outro lado, há que se pesar que, por não ser pertencenteao INCRA, uma série de créditos destinados à Reforma Agrárianão podem chegar ao Assentamento. Um caso como esseleva obrigatoriamente os cooperados a debaterem e buscaremuma solução, aperfeiçoando, assim, os mecanismos departicipação daquele microcosmo. Nem todos possuemamadurecimento político suficiente para perceber o significadodo que estão realizando por meio de atos corriqueiros comoesse, o de uma assembléia para decidir o destino de determinadaverba; pode ser também que muitos não se sintam aptos agerir coletivamente seus próprios destinos, preferindo asalvaguarda de alguém a determinar que ações exatamentedevem ser tomadas. A todo momento situações como estasse apresentam e devem ser encaradas, tornando ainda maispremente a necessidade de respeitar-se os princípios docooperativismo, tais como a livre adesão, administraçãodemocrática, autonomia e independência, entre outros,balizando assim a conduta do corpo coletivo.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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A estrutura do Assentamento e da Cooperativa está muitomelhor que outrora, e isso é inegável. Contudo, é necessárioreconhecer a necessidade de avanços maiores, tendo claro opapel da COOPROSERP como instrumento de luta por umaReforma Agrária ampla e espaço de prática de um novo tiposocietário. Neste sentido é que deve vir à tona o questionamentosobre medidas a serem tomadas tendo como horizonte a “utopiapossível” do MST. Nesta incessante busca, nos últimos doisanos está sendo tentada, dentro do Assentamento, a transiçãoda agricultura convencional para a orgânica e a agroecológica.Por enquanto ainda não é possível a produção para comercializaçãocom total autonomia perante os pacotes tecnológicos oferecidospelo “mercado”. Não obstante, definiu-se como tarefa deprimeira importância que os produtos voltados ao consumodos assentados sejam produzidos sem agrotóxicos, o que jáse realiza plenamente. Trata-se de um pequeno mas importantepasso rumo à superação do problemático modelo de agriculturaatualmente hegemônico.

Há que se registrar, ainda, a constante rotatividade defamílias associadas à Cooperativa. Com o tempo viu-se que issoseria uma constante, considerando as características do povocamponês, os aspectos culturais eminentemente individualistasda contemporaneidade, assim como a imprescindibilidade deum forte senso de disciplina e organização exigido de cadaassociado por um projeto coletivista. Para lidar com isso,desenvolveu-se um sistema próprio para aceitação de novosassociados. Cada pretendente firma sua intenção de tornar-seum cooperado numa ata de associação provisória, que valerápelo período de um ano; depois de subscritos, os novosmembros integram-se normalmente à rotina do trabalho coletivo,e, vencido o prazo, procede-se a uma votação secreta entreos associados, a fim de decidir definitivamente sobre a aceitaçãodos pretendentes.

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Apesar da rotatividade constante, as famílias remanescentestêm sempre mantido firme a convicção de que se deve alimentarcontinuamente a chama da cooperação no AssentamentoNovo Paraíso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS (OU NOVAS PERSPECTIVAS DA

COOPERAÇÃO NO MST)

À guisa de conclusão, no lugar de retomar os pontosvisitados por este artigo, parece mais conveniente buscarimprimir nele a dinamicidade característica da luta popular atualencabeçada pelo que se convencionou chamar de “movimentossociais”. Por isso, ainda que de forma muito superficial,lançam-se algumas idéias acerca do que deve ser incorporadopelo cooperativismo contra-hegemônico e de oposição praticadono MST.

Um dos mais importantes feitos políticos para a efetivaçãodo projeto popular para o Brasil será, certamente, a transformaçãodos espaços conquistados pelo MST em exemplos vivos desuperação da sociedade de exploração capitalista. Mais que isso,cumpre que cada espaço conquistado pelos movimentospopulares, do campo ou da cidade, tenha por princípio de suaorganização a sobrevivência material e moral independente daestrutura hegemônica, constituindo-se num espaço de resistênciaque seja convidativo a todos os injustiçados.

Desponta como conclusão a de que a cooperação agrícolaentre trabalhadores rurais pode se constituir em instrumentode construção de uma verdadeira democracia, de trabalho dignoe libertador, de valores igualitários e solidários, no campobrasileiro, ainda que ilhados num mar de injustiça social. É tarefatática dos lutadores e lutadoras do povo a edificação de pontesque interliguem essas ilhas e possibilitem a entrada de todasas vítimas da predatória “economia de mercado”.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Com vistas nisso, merecem destaque algumas propostas

que vêm sendo discutidas no SCA. Primeiramente, cabe aludir

que neste setor, como no Movimento de uma forma ampla,

tem-se a clareza de que devem ser buscadas não somente nos

assentamentos, mas também nos acampamentos, as mais

diferentes maneiras de cooperação, para que aos poucos ela

se torne tão espontânea quanto a união verificada durante as

reivindicações e mobilizações para conquista e garantia de direitos.

Nesse sentido, urge que os acampamentos sejam

organizados de modo a depender o mínimo possível de ajudas

externas. Seguramente, após a conquista da terra os (então)

assentados terão a límpida certeza de que o trabalho cooperado

é muito mais vantajoso do que o individual, sobretudo como

instrumental de uma luta maior.

Nessa esteira, Ademar Bogo constata que o que leva os

assentados a cooperarem entre si são dois elementos, quais

sejam, a necessidade e a perspectiva de desenvolvimento

econômico.24 Uma das principais questões, portanto, é a de

utilizar tais elementos como geradores de conscientização

política na massa, demonstrando que o trabalho cooperado é

estratégico não somente para superação das necessidades mais

imediatas e desenvolvimento econômico, mas também para

supressão do modelo totalizante imposto globalmente, que

por essência é excludente.

Visando à massificação da cooperação no MST, desde

os acampamentos até os assentamentos, então, Bogo sugere

as seguintes medidas práticas: 1.º) Diminuir o tamanho do

lote individual, fazendo com que uma parte correspondente a

um módulo regional fique sendo uma área comunitária do

assentamento; 2.º) Selecionar desde o início quem não aceita

24 BOGO, Ademar. Perspectivas da Cooperação no MST. p.15.

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a proposta do trabalho coletivo e realizar a distribuição dos

lotes individuais de acordo com a situação e localização das

áreas. Escolher a parte mais estratégica da área para o coletivo;

3.º) Deverá haver entre o assentamento e o Movimento, em

conjunto com o INCRA, uma espécie de contrato de exploração

da área. Por exemplo, se o assentado individual não cultivar o

lote em pelo menos cerca de 70%, este ficará disponível para

a parte comunitária do assentamento; 4.º) As formas de

cooperação não deverão iniciar com um número muito grande

de famílias.

E de fato esse é um tema que merece a atenção dos

militantes e estudiosos do cooperativismo. Estão se elaborando

medidas concretas a serem aplicadas com o fito de aprofundar

experiências que têm origem já há quase dois séculos. Com

efeito, além de reacender a utopia cooperativista, o debate sobre

o novo modelo de assentamentos busca a solução de graves

problemas históricos da política de Reforma Agrária brasileira,

cunhando novas formas na estátua burguesa da relação sujeito-

propriedade. O que se vive atualmente com isso, em suma, é a

reivindicação do reconhecimento por parte da sociedade e do

Estado de modos diferenciados de lidar com a terra, para muito

além de seu simples tratamento como mercadoria.

A aproximação das moradias e uma nova forma de divisão

da área, a organização dos centros comunitários, o planejamento

direcionado à cooperação sobre os investimentos e infra-

estruturas, poderão fazer com haja o início de uma nova, plural

e massificada experiência de cooperação no campo. É possível,

assim, que a organização da produção, da industrialização e

da comercialização de forma coletiva sejam efetivamente a base

de sustentação econômica dos cooperados e do MST, assim

como um grande pilar de seu projeto político.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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REFERÊNCIAS

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CHIAVON, Francisco Dal. A evolução da concepção de cooperação agrícolado MST: 1989 a 1999 (Caderno da Cooperação Agrícola, 08). São Paulo:Concrab, 1999.

GUTERRES, Ivani. Agroecologia militante: contribuições de Enio Guterres.São Paulo: Expressão Popular, 2006.

MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo:Ensaio, 1993.

MIRANDA, Carlos. A produção econômica no assentamento Novo Paraíso,Boa Ventura de São Roque: sua gestão. Monografia apresentada àUniversidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO. Guarapuava, 1998.

MORISSAWA, Mitsue. A luta pela terra e o MST. 2.ed. São Paulo:Expressão Popular, 2006.

MOURA, Clóvis. Sociologia política da guerra camponesa de canudos: dadestruição do Belo Monte ao aparecimento do MST. São Paulo: ExpressãoPopular, 2000.

MST. A Cooperação agrícola nos assentamentos (caderno de formação20) São Paulo, SP: 1993.

PORTES, Juraci Oliveira de. Cooperativas de produção, questões Práticas(caderno de formação 21). 3. ed. São Paulo: MST/Concrab, 1997.

RECH, Daniel. Cooperativas, uma alternativa de organização popular. Riode Janeiro: Fase, 1995.

SAN MARTIN, Paulo. Agricultura suicida: um retrato do modelo brasileiro.2.ed. São Paulo: Ícone, 1987.

SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento.Petrópolis: Vozes, 2001.

STEDILLE, João Pedro. (Org.). A questão agrária no Brasil. v.5. São Paulo:Expressão Popular, 2005.

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CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE DO PROJETO DE LEI N.º 7.009/06

(COOPERATIVISMO DO TRABALHO – DEP. MEDEIROS)

Prezados:

Diante da possibilidade de votação do Projeto de Lei n.º7.009/06 e de outros Projetos versando sobre cooperativasde trabalho, ainda, neste final de ano de 2006, o Núcleo deDireito Cooperativo e Cidadania do Programa de Pós-graduaçãoem Direito da Universidade Federal do Paraná-UFPR, realizouavaliação dos Projetos e relatório síntese da reunião do dia 12de dezembro de 2006, na sede da Organização dasCooperativas do Estado de São Paulo. Dessa reuniãoparticiparam as seguintes entidades: OCB, OCERJ, OCESP(ramo das cooperativas de trabalho); UNISOL/CUT; MTE/SENAES; CONCRAB; ITCP/USP; ANTEAG; NDCC/UFPR. Ascontribuições abaixo se destinam a identificar o perfil e aseventuais conseqüências do Projeto de Lei em pauta, para oCooperativismo Popular.

Inicialmente, cumpre destacar que o Projeto de Lei n.º7.009/06 visa abranger cooperativas de trabalho (produção eserviço) de dois tipos: a) as que terceirizam o trabalho; b) asque não estão voltadas à terceirização.

As cooperativas de trabalho filiadas à OCB, que serãoreguladas pela Lei, na sua maioria, inserem-se no processo deterceirização do trabalho e o artigo. 9º do Projeto mencionaque os serviços poderão ser prestados no estabelecimento docontratante, tomador do serviço.

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Ao incluir as cooperativas terceirizadoras de trabalho, oProjeto estabelece um patamar de direitos sociais trabalhistasque fica abaixo daquele exigido pela CLT e pela legislação detrabalho terceirizado (eventual ou temporário). Daí ser vantajosopara os tomadores e cooperativas prestadores de serviçoterceirizado a assunção de algumas obrigações sociais, nosmoldes propostos pelo Projeto.

Além disso, as cooperativas rurais e urbanas, de serviçoe produção, que têm trabalho não tercerizado foram tratadospelo Projeto como se tivessem trabalho terceirizado. Por issofoi necessário propor que tais cooperativas constassem deexceções à aplicação do artigo 7º do projeto como é caso daCONCRAB e outras cooperativas, para as quais esse patamarmínimo seria inaceitável, porque não existe nelas terceirização,nem apropriação de trabalho pelo capital, eis que há cooperação,autonomia coletiva, repartição dos ganhos. Assim, decorredessa diferenciação não realizada no Projeto, a necessáriaexceção das cooperativas de reforma agrária, de “produçãoartesanal”, catadores material reciclável, seringueiros,garimpeiros, e cooperativas de outras comunidades e gruposgenericamente denominadas de “comunidades tradicionais”.

Essas exceções permitem, sim, a sobrevivência imediatae temporária dessas cooperativas excepcionadas, mas aaceitação do Projeto significa, em uma perspectiva mais ampla,aceitar sem discussão de fundo a terceirização de mão de obraretribuída em padrões inferiores. As cooperativas queterceirizam o trabalho tornam-se lícitas ou “legais”.

A eventual aprovação do Projeto de Lei promoveria, emmédio prazo, o progressivo afastamento das cooperativasexcepcionadas do “cooperativismo oficial”. As exceções seriamtratadas, logo a seguir, como cooperativas economicamentefrágeis, “de cunho social”, sendo destinatárias de políticaspúblicas dirigidas à inclusão social e próximas do terceiro setor,como preconiza o documento entregue ao final da reunião

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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pela OCB, propondo a simplificação da forma societáriae cooperativa.

Algumas conseqüências, em médio prazo, seriam a nossover: a) a manutenção da hegemonia do discurso cooperativistae do controle das verbas pela OCB, a qual aglutinaria asgrandes cooperativas agrícolas empresariais; as cooperativasde terceização de mão-de-obra (incluídas no Projeto), ascooperativas de produção industrial (UNISOL/CUT); b) outrobloco, fora da pauta cooperativista e sem acesso aos Recursosdo SESCOOP e do PRONACOOP, seria lançando para o campodas políticas inclusivas e de recursos do MDS e seria constituídopelas exceções. É claro que nesse possível panorama aCONCRAB, por exemplo, teria um perfil diferenciado, emborase encontre no rol das exceções.

O Projeto não contempla a possibilidade real de agruparas exceções de forma menos casuística, embora várias propostastivessem apontado para o critério de aglutinação das exceçõespelo valor da retirada dos cooperados.

Do mesmo modo, não se discutiu, profundamente, aquestão das cooperativas de técnicas ou profissionais liberais,de assistência técnica (COTRARA, AMBIENS etc.), sendo quepara estas cooperativas seria importante precisar o sentido daexpressão “categoria profissional”, contida no inciso I, do artigo7º, do Projeto. Esta discussão foi barrada, inúmeras vezes,pela coordenação da reunião. Também não houve espaço paradiscutir expressões e termos essenciais para a definição políticae jurídica do perfil do Projeto, tais como “compensação dehoras” (artigo 7º, inciso II), ou será “banco de horas”? outermo “eventuais” do artigo 7º, § 1º, do Projeto.

Mais grave foi a indefinição quanto ao § 4º do artigo 7º,que se refere ao pagamento “in natura”, aspecto que foiquestionado, mas acabou por não figurar no quadro final desugestões organizado pela coordenação da reunião. Do mesmomodo, não houve espaço para discutir a obrigatoriedade de

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registro das cooperativas na Junta Comercial, questão que foiconsiderada superada pela OCB, uma vez que essa organizaçãoconsidera natural o registro nas Juntas Comercial de todas associedades de cunho empresarial.

Outras questões importantes não foram tratadas, porquea pauta era apenas para discutir as exceções ao inciso I, doartigo 7º, do Projeto de Lei. Entre os pontos em aberto quepoderão ter reflexos importantes no futuro das cooperativasde trabalho estão: a) mecanismos societários de manutençãoda autogestão cooperativista, tais como a periodicidade e oquorumdas assembléias; b) a possibilidade, ou não, de pessoasjurídicas participarem de cooperativas de trabalhadores. Estetema não foi tratado, porque a OCB considera pertinente suaregulação pela Lei Geral do Cooperativismo e pelo Projeto deLei n.º 171, do Senador Osmar Dias -PDT/PR. Contudo, oProjeto de Lei em exame, ao tratar das cooperativas de trabalho,deveria contemplar um dispositivo que impedisse as pessoasjurídicas de serem sócias dessa espécie de cooperativas.

De extrema relevância foi a discussão a respeito daausência de critérios, no Projeto de Lei, para definir a composiçãodo comitê gestor do PRONACOOP. Após discussão acaloradasobre o tema as sugestões não foram contempladas no relatóriofinal. Trata-se, enfim, de se aprovar de um Projeto sem sesaber quem irá gerir os recursos do PRONACOOP, quais asforças políticas e sociais estariam representando as cooperativaspopulares neste coletivo e qual a relação de equilíbrio entreessas forças (OCB e o Governo Federal), tendo em vista odesequilíbrio que se faz presente no SESCOOP, por exemplo.

Estas são as observações possíveis, diante da urgência,da complexidade do processo legislativo e da carência dedetalhes de negociações que não são de domínio público.

Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadaniado Programa de Pós-graduação em Direito da

Universidade Federal do Paraná – NDCC/UFPR

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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A N E X OA N E X OA N E X OA N E X OA N E X O

PROJETO DE LEI

Dispõe sobre a organização e ofuncionamento das cooperativas detrabalho, institui o Programa Nacionalde Fomento às Cooperativas deTrabalho – PRONACOOP e dá outrasprovidências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

DAS COOPERATIVAS DE TRABALHO

Art. 1.º A cooperativa de trabalho é regulada por esta Leie, subsidiariamente, pelas Leis n.º 5.764, de 16 de dezembrode 1971, e n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Art. 2.º Cooperativa de trabalho é a sociedade constituídapor trabalhadores, visando o exercício profissional em comum,para executar, com autonomia, atividades similares ou conexas,em regime de autogestão democrática, sem ingerência deterceiros, com a finalidade de melhorar as condições econômicae de trabalho de seus associados.

Parágrafo único. A autonomia de que trata o caput deveser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante a fixação,em assembléia geral efetivamente representativa e democrática,das regras de funcionamento da cooperativa e da forma deexecução dos trabalhos, nos termos desta Lei.

Art. 3.º A cooperativa de trabalho rege-se pelos seguintesprincípios:

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

I – preservação dos direitos sociais, do valor social do

trabalho e da livre iniciativa;

II – não-precarização do trabalho;

III – autonomia e independência;

IV – autogestão e controle democráticos;

V – respeito às decisões de assembléia, observado o

disposto nesta Lei;

VI – capacitação permanente do associado, mediante a

educação continuada e orientada a alcançar sua qualificação

técnico-profissional;

VII – participação na gestão em todos os níveis de decisão,

de acordo com o previsto em lei e no estatuto social; e

VIII – busca do desenvolvimento sustentável para as

comunidades em que estão inseridas.

Art. 4.º A cooperativa de trabalho pode ser:

I – de produção, quando seus associados contribuem

com trabalho para a produção em comum de bens e detêm os

meios de produção a qualquer título; e

II – de serviço, quando constituída por trabalhadores

autônomos para viabilizar a prestação de serviço acabado a

terceiros, desvinculado dos objetivos e atividades finalísticas

do contratante.

Parágrafo único. Considera-se serviço acabado aquele

que, previsto em contrato, é executado sem a presença dos

requisitos da relação de emprego.

Art. 5.º A cooperativa de trabalho não pode ser utilizada

para intermediação de mão-de-obra subordinada.

Art. 6.º A cooperativa de trabalho é constituída por, no

mínimo, cinco associados, observado o disposto nesta Lei.

Art. 7.º A cooperativa de trabalho deve garantir aos

filiados retiradas proporcionais às horas trabalhadas, não

inferiores ao piso da categoria profissional.

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Art. 8.º A cooperativa de trabalho deve observar asnormas de saúde e segurança do trabalho previstas naConsolidação das Leis do Trabalho.

Art. 9.º O contratante da cooperativa de serviço respondesolidariamente pelo cumprimento das normas de segurança esaúde do trabalho, quando os serviços forem prestados noseu estabelecimento.

Art. 10. Para assegurar os direitos dos associados, acooperativa constituirá fundos específicos, com base nareceita apurada.

CAPÍTULO II

DO FUNCIONAMENTO DAS COOPERATIVAS DE TRABALHO

Art. 11. O estatuto social da cooperativa de trabalhodeve identificar o seu objeto.

Parágrafo único. É obrigatório o uso da expressão“Cooperativa de Trabalho” na razão social da cooperativa.

Art. 12. Sem prejuízo da assembléia geral ordináriaanual, é obrigatória a realização de assembléias gerais, emperiodicidade não superior a noventa dias, nas quais serãodebatidos as contas da cooperativa, o resultado financeiro eeconômico, a gestão, a disciplina e a organização do trabalho.

§ 1.º O destino das sobras líquidas será decidido emassembléia.

§ 2.º Os associados devem participar das assembléiasgerais, cabendo aos ausentes justificar eventual falta, sob penade sanção prevista no estatuto social.

§ 3.º As decisões das assembléias gerais serãoconsideradas válidas quando contarem com a aprovação damaioria absoluta dos associados.

§ 4.º A validade da ata de assembléia geral depende dasubscrição de, pelo menos, trinta por cento dos associadospresentes à assembléia, dispensado o registro.

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§ 5.º Comprovada fraude ou vício nas decisões daassembléia geral, serão elas nulas de pleno direito, aplicando-se,conforme o caso, a legislação civil, penal e trabalhista.

Art. 13. A notificação dos associados para participaçãoda assembléia geral será pessoal e ocorrerá com antecedênciamínima de dez dias de sua realização.

§ 1.º Na impossibilidade de notificação pessoal, anotificação dar-se-á por via postal, respeitada a antecedênciaprevista no caput.

§ 2.º Na impossibilidade de realização das notificaçõespessoal e postal, os associados serão notificados medianteedital afixado na sede e em outros locais previstos nos estatutosou publicado em jornal de circulação na região da sede dacooperativa, respeitada a antecedência prevista no caput.

Art. 14. É vedado à cooperativa de trabalho distribuirverbas de qualquer espécie entre os associados, exceto a retiradadevida em razão do exercício de sua atividade profissional ouretribuição por conta de reembolso de despesas comprovadamenterealizadas em proveito da cooperativa.

Parágrafo único. O descumprimento da disposição docaput deste artigo seráconsiderado falta grave cometida pelobeneficiário e por quem autorizou o pagamento, sendo devidaa devolução dos valores à cooperativa, com juros, atualizaçãomonetária e multa de trinta por cento aplicada sobre o montantedo que foi pago indevidamente, sem prejuízo de outras sanções,previstas no estatuto social e na Lei.

Art. 15. A cooperativa de trabalho pode fixar, emassembléia, diferentes faixas de retirada.

§ 1.º Considera-se também retirada o adiantamento dassobras líquidas, baseado em estimativa previamente aprovadaem assembléia geral.

§ 2.º No caso de fixação de faixas de retirada, a diferençaentre as de maior e menor valores não poderá exceder seis vezes.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Art. 16. A utilização do capital integralizado deveráobservar o disposto no estatuto social e nas decisões dasassembléias gerais.

Art. 17. O conselho de administração será compostopor, no mínimo, três associados, eleitos pela assembléia geral,para um prazo de gestão não superior a quatro anos, sendoobrigatória a renovação de, no mínimo, um terço do colegiado.

Art. 18. A cooperativa de trabalho constituída por atéquinze associados pode estabelecer para o conselho deadministração composição distinta da prevista nesta Lei,dispensada da constituição de conselho fiscal, de acordo como disposto no art. 56 da Lei n.º 5.764, de 1971.

CAPÍTULO III

DA FISCALIZAÇÃO E DAS PENALIDADES

Art. 19. A utilização de cooperativa de trabalho parafraudar a legislação trabalhista acarretará a dissolução judicialda sociedade, sem prejuízo das sanções penais, civis eadministrativas cabíveis.

Parágrafo único. São legitimados para propor a açãode que trata o caput qualquerassociado e o Ministério Públicodo Trabalho.

Art. 20. A verificação da existência dos requisitos darelação de emprego, previstos nos arts. 2.º e 3.º da Consolidaçãodas Leis do Trabalho, implicará o reconhecimento do vínculode emprego entre:

I – o trabalhador e o tomador de serviços na cooperativade serviço; e

II – o trabalhador e a cooperativa na cooperativa de produção.Parágrafo único. A cooperativa de serviço responde

solidariamente com o tomador de serviços pelas obrigaçõestrabalhistas.

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Art. 21. Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, noâmbito de sua competência, a fiscalização do cumprimento dodisposto nesta Lei.

§ 1.º A cooperativa de trabalho que intermediar mão-de-obra subordinada e os tomadores de seus serviços estarãosujeitos à multa de R$ 1.113,00 (mil cento e treze reais) portrabalhador prejudicado, dobrada na reincidência, a ser revertidaem favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

§ 2.º As penalidades serão aplicadas pela autoridadecompetente do Ministério do Trabalho e Emprego, de acordocom o estabelecido no Título VII da Consolidação das Leisdo Trabalho.

Art. 22. As irregularidades constatadas pela fiscalizaçãotrabalhista e previdenciária, sem prejuízo da autuação, serãocomunicadas ao Ministério Público do Trabalho, ao MinistérioPúblico Federal ou ao Ministério Público dos Estados e doDistrito Federal e Territórios.

CAPÍTULO IVDO PROGRAMA NACIONAL DE FOMENTO

ÀS COOPERATIVAS DE TRABALHO – PRONACOOP

Art. 23. Fica instituído, no âmbito do Ministério doTrabalho e Emprego, o Programa Nacional de Fomento àsCooperativas de Trabalho – PRONACOOP, com a finalidadede promover o desenvolvimento e a melhoria do desempenhoeconômico da cooperativa de trabalho.

Parágrafo único. O PRONACOOP será constituído pelasseguintes ações:

I – apoio à elaboração de diagnóstico e plano dedesenvolvimento institucional para as cooperativas de trabalhodele participantes;

II – apoio à realização de acompanhamento técnico, porentidade especializada, para fortalecimento financeiro e degestão, bem como qualificação dos recursos humanos;

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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III – viabilização de linhas de crédito; eIV – outras que venham a ser definidas por seu Comitê

Gestor no cumprimento da finalidade estabelecida no caput.Art. 24. Fica criado o Comitê Gestor do PRONACOOP,

com as seguintesatribuições:I – acompanhar a implementação das ações previstas

nesta Lei;II – propor as diretrizes nacionais para o PRONACOOP;III – propor normas operacionais para o PRONACOOP,

inclusive os critérios de inscrição; eIV – receber, analisar e elaborar proposições direcionadas

ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador –CODEFAT.

Parágrafo único. A composição, organização e funcionamentodo Comitê Gestor serão estabelecidos em regulamento.

Art. 25. O Ministério do Trabalho e Emprego poderácelebrar convênios, acordos, ajustes e outros instrumentosque objetivem a cooperação técnico-científica com órgãos dosetor público e entidades privadas sem fins lucrativos, no âmbitodo PRONACOOP.

Art. 26. As despesas decorrentes da implementação doPRONACOOP correrão à conta das dotações orçamentáriasconsignadas anualmente ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Art. 27. Os recursos destinados às linhas de crédito doPRONACOOP serão provenientes do FAT.

Parágrafo único. O CODEFAT apreciará o orçamento anualdo PRONACOOP e disciplinará as condições de repasse derecursos, de financiamento ao tomador final e de habilitaçãodas instituições que deverão assegurar a sua operacionalização.

Art. 28. Fica permitida a realização de operações decrédito a empreendimentos inscritos no âmbito do PRONACOOPsem a exigência de garantias reais, que podem ser substituídaspor outras alternativas a serem definidas pelas instituições

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financeiras operadoras, observadas as condições estabelecidasem regulamento.

Parágrafo único. São autorizadas a operar o PRONACOOPas instituiçõesfinanceiras oficiais de que trata a Lei n.º 8.019,de 11 de abril de 1990.

CAPÍTULO V

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 29. A cooperativa de trabalho constituída antes davigência desta Lei tem prazo de doze meses para adequar osseus estatutos às disposições nela previstas.

Art. 30. A cooperativa de trabalho tem até trinta e seismeses, a contar da publicação desta Lei ou de sua constituição,para assegurar aos associados a garantia prevista no art. 7.º.

Art. 31. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 32. Fica revogado o parágrafo único do art. 442 da

Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lein.º 5.452, de 1.º de maio de 1943.

Brasília,

EM N.º 13/MTE

Brasília, 3 DE MAIO DE 2006

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência oanexo anteprojeto de lei que dispõe sobre a organização e ofuncionamento das Cooperativas de Trabalho, institui oPrograma Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho –PRONACOOP e dá outras providências.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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2. O cooperativismo é um fenômeno social e econômicocujas raízes históricas datam de meados do século XIX e temcomo lema a solidariedade econômica e social pelo trabalhoem comum.

Surge, historicamente, como alternativa ao emprego,caracterizada pela coletivização da propriedade dos bens deprodução, autogestão coletiva e repartição coletiva dosresultados da produção.

3. A Constituição da República Federativa do Brasildetermina, no § 2.º do artigo 174, que a lei apóie e estimule ocooperativismo e outras formas de associativismo, ficando claroque as cooperativas revelam-se como um instrumento dedesenvolvimento local e regional que permite o estabelecimentode formas democráticas no espaço da produção e, por isso,devem ser aprendidas como um valioso recurso no processode construção da cidadania.

4. Desde a publicação da Lei n.º 8.949/94, porém,sérias ameaças ao cooperativismo e aos direitos trabalhistasmaterializaram-se por meio da criação de cooperativas que, noprocesso de terceirização largamente instalado nas empresasbrasileiras, vêm substituindo postos formais de emprego einserindo trabalhadores subordinados no mercado de trabalho,tolhendo-lhes, todavia, o acesso aos direitos sociais. É amercancia da mão-de-obra que não cria oportunidades novas,mas, ao contrário, torna precários os postos de emprego, deforma nunca vista em nosso país.

5. A par da necessidade de se regulamentar adequadamenteo fenômeno de terceirização nas empresas, faz-se, premente,o regramento do cooperativismo de trabalho que, como se sabe,está na própria raiz das virtudes e dos problemas acima apontados.

6. A presente proposta visa a coibir as fraudes, vedando,terminantemente, a intermediação de mão-de-obra sob osubterfúgio das cooperativas de trabalho. Esta prática abusiva

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vem se revelando como meio degradante de prestação detrabalho, uma vez que o trabalhador presta serviços emcondições próprias de emprego, privado dos direitos reconhecidospela Constituição Federal e pela legislação trabalhista.

7. Estas cooperativas de intermediação de mão-de-obraapresentam mera aparência de cooperativas, uma vez, nãoobstante formalizem-se como tal, obedecendo aos requisitoslegais para tanto, substancialmente não o são, pois o trabalhador“cooperado” que presta serviços pessoais e subordinados aterceiros, nada mais é, senão empregado. Sua força de trabalhotransfere lucro aos tomadores, o que é compatível com ovínculo de emprego, mas não com o cooperativismo. Trata-se, portanto, de emprego precário, porque não protegido pelosdireitos sociais que lhe seriam inerentes.

8. A Organização Internacional do Trabalho, emconferência realizada em julho de 2002, em Genebra, editou otexto da Recomendação 193, cujo tema é o cooperativismo.O item 8.1, b daquela Recomendação, assim estabelece:

“8.1) As políticas nacionais deveriam nomeadamente:(...)b) velar para que não se possam criar ou utilizar

cooperativas para iludir a legislação do trabalho nem paraestabelecer relações de trabalho dissimuladas, e lutar contra aspseudo-cooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores,velando para que a legislação do Trabalho seja aplicada emtodas empresas.”

9. Esse item reflete a aspiração da comunidadeinternacional no sentido de repudiar a alienação do trabalhohumano, desprotegida dos direitos universais historicamenteconsagradas, e a utilização dos ideais cooperativistas comoum pretexto para aviltamento deste mesmo trabalho humano.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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10. Entretanto, as cooperativas de trabalho são uma

realidade incontestável, nos dias de hoje. Atuando de maneira

correta e dentro da lei, podem revelar importante alternativa

para geração de trabalho e renda às pessoas.

11. A presente medida legal parte do pressuposto,

amadurecido nos estudos teóricos do cooperativismo, de que

as formas de associação cooperativista de trabalho dividem-se

em duas vertentes, quais sejam a cooperativa de produção e a

cooperativa de serviço. A primeira caracteriza-se por um

processo em que os trabalhadores detêm os bens de produção

e, sob a forma de autogestão, oferecem ao mercado produtos

acabados. A segunda notabiliza-se pela cooperação de

trabalhadores para potencializar a sua capacidade de captação

de clientes e qualificação profissional, com intuito de oferecer

ao mercado serviço acabado e livre de ingerência de terceiros.

12. A proposta de lei ora apresentada tem a finalidade

de criar as condições jurídicas para proporcionar o adequado

funcionamento destas sociedades, de maneira a melhorar a

condição econômica e as condições gerais de trabalho de

seus sócios.

13. Para tanto, faz-se necessário reconhecer efetividade

dos modernos princípios que devem fundamentar e orientar o

funcionamento destas cooperativas. Neste sentido, a proposta

destaca aqueles considerados essenciais, cuja rigorosa

observância é condição para a existência de autênticas

cooperativas de trabalho.

14. O ordenamento jurídico, conforme previsto na

Constituição Federal, em seu Artigo 5º, XVIII, prevê que “a

criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas

independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal

em seu funcionamento”. O papel da lei, portanto, deverá ser o

de estabelecer os contornos para o correto funcionamento das

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cooperativas, dispondo sobre as regras a serem adotadas para

se assegurar a aplicação dos princípios cooperativos.15. A proposta de lei especial ressalva a preexistência

das leis gerais que versam sobre o tema, prevendo expressamentea aplicação subsidiária da Lei Geral do Cooperativismo – Lein.º 5.764/71 e do Código Civil – Lei n.º 10.406/2002.

16. Cuida-se também da fixação do conceito jurídico decooperativa de trabalho, de onde se evidencia que os trabalhadoresdeverão executar suas tarefas sem a ingerência de terceiros,com autonomia, exercida de forma coletiva e coordenada, ouseja, mediante a fixação, em assembléia geral efetivamenterepresentativa e democrática, das regras de funcionamento dacooperativa e da forma de execução dos trabalhos.

17. A assembléia geral assume proeminência nunca antesexperimentada. Se a cooperativa afigura-se como a união deesforços entre seus membros, deve-se evidenciar, na prática,a affectio societatis. Isto significa que o funcionamento, defato, deva se dar como sociedade, exigindo-se, portanto, a realparticipação de seus integrantes nos destinos do empreendimento.Assim, a lei procura, de todas as maneiras e formas, prestigiara assembléia como sendo o grande momento de reunião dossócios para decidirem sobre seus interesses. As assembléiasgerais deverão ser efetivamente democráticas e representativas;fixar as regras de funcionamento, a forma de execução dostrabalhos e até uma garantia de uma retirada mensal não inferioraos rendimentos auferidos por trabalhadores da categoriaprofissional vinculada ao serviço prestado; realiza-se emperiodicidade não superior a noventa dias; contar com a realparticipação dos sócios, cujo comparecimento será obrigatório;e suas decisões, para serem válidas, deverão obter a aprovaçãoda maioria absoluta de seus integrantes. Além disto, a exigênciade convocação dos sócios por notificação pessoal garante ocaráter democrático e participativo das decisões assembleares.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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As atas devem ser assinadas por, no mínimo 30% (trinta por

cento) dos sócios e não há mais a necessidade de seu registro

no órgão competente.

18. Neste sentido, e com o objetivo de combater a

precarização do trabalho neste ambiente, determina-se que as

cooperativas de trabalho assegurem um conteúdo mínimo de

direitos aos seus cooperados, que serão custeados por fundos

específicos da própria cooperativa, formados a partir da receita

apurada. Reconhecendo o desafio econômico que a garantia

de tais direitos representará para algumas cooperativas, a lei

concede um prazo de até trinta e seis meses para que elas

assegurarem aos seus sócios a retirada mínima.

19. É preciso ainda promover o desenvolvimento e a

melhoria do desempenho econômico das cooperativas de

trabalho, a fim de garantir aos seus membros condições dignas

de trabalho e de remuneração. Para tanto, o projeto de lei

institui o PRONACOOP Programa Nacional de Fomento às

Cooperativas de Trabalho. Caberá ao PRONACOOP propiciar

instrumentos e ações de estímulo às cooperativas de trabalho,

permitindo-lhes melhorar continuamente o seu desempenho

econômico, mediante acompanhamento técnico, qualificação

de recursos humanos e oferta de linhas de crédito diferenciadas.

20. A lei vedará, ainda, a distribuição, entre sócios, de

taxas, comissões ou verbas de qualquer espécie, exceto a

retribuição devida em razão do exercício de sua atividade

como sócio, ou por conta de reembolso de despesas

comprovadamente realizadas em proveito da cooperativa. Visa

tal dispositivo a coibir fraudes e assegurar aplicação do princípio

da participação econômica dos membros de forma equânime,

sem distorções.

21. Propõe-se reduzir o número mínimo de sócios para

cinco, como incentivo à formação das pequenas cooperativas.

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

22. Distingue-se de maneira especial o tratamento quepassa a adotar para os pagamentos periódicos realizados aossócios das cooperativas. Observando seus resultados financeirose econômicos, poderão estas fixar diferentes faixas de retiradas,com base em critérios a serem estabelecidos em assembléia.As retiradas consistem na retribuição devida aos integrantesda sociedade, de acordo com as tais faixas. E, visando impediras distorções, determinará que, em havendo tais faixas, adiferença entre as de maior e menor valores não poderá excedera seis vezes.

23. A lei prevê, ainda, hipótese de ilícito administrativopertinente à utilização fraudulenta da cooperativa, no escopo decoibir a utilização destas como formas nefastas de precarizaçãodo trabalho e de burlar à legislação trabalhista. Neste mesmocontexto, determina-se a possibilidade de dissolução judicial dacooperativa utilizada como fraude à legislação trabalhista.

24. Enfim, o presente anteprojeto de lei tem comoobjetivo a criação de um ambiente jurídico que possibilite odesenvolvimento do verdadeiro cooperativismo de trabalho porintermédio da existência de instrumentos jurídicos que afastema utilização desta forma de organização dos trabalhadores comomecanismo de precarização da legislação laboral. Ao mesmotempo, busca-se garantir que o Estado impulsione por múltiplasações o crescimento dessas organizações de economia solidária.

Estas são, Senhor Presidente, as razões que justificam oencaminhamento do presente anteprojeto de lei, que ora submetoà consideração de Vossa Excelência, solicitando, ante o exposto,o seu encaminhamento ao Congresso Nacional.

Respeitosamente,

Assinado eletronicamente por: Luiz Marinho

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Universidade Federal do Paraná – UFPRPrograma de Pós-graduação em DireitoNúcleo de Direito Cooperativo e Cidadania

Ementa: Sociedade cooperativa. Quotas-partes do capital. Intransferibilidade aterceiros. Artigo 1.094, inciso IV, doCódigo Civil, e artigo 4º, inciso IV, daLei n.º 5764/71.

A Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES eo Ministério das Minas e Energia – MME consultam a respeitoda legalidade da Proposta de Reformulação do Estatuto daCOOPERATIVA DE MINERAÇÃO DOS GARIMPEIROS DESERRA PELADA – COOMIGASP, vertida nos seguintes termos:

Art. 19. A quota-parte de cada cooperado é direito seudevidamente escriturado no livro de matricula da COOMIGASP,podendo o cooperado livremente vender, dispor ou doar notodo ou em parte suas quotas.Parágrafo único – a transferência de quotas-partes seráescriturada em formulário próprio, mediante termo que conteráa assinatura do cedente, sendo emitido certificado de quotas,assinado pelo presidente e secretário legalmente investidosnas suas funções.

A questão merece a análise da legalidade e dos conceitosjurídicos presentes na Proposta da Reforma Estatutária, semperder de vista o caráter sistemático da interpretação. Assimsendo, em primeiro lugar, cabe citar a legislação que rege asformas societárias em geral, Código Civil Brasileiro, que emseu artigo 1.094, inciso IV, dispõe:

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Art. 1.094. São características das sociedades cooperativas:[...]IV – Intransferibilidade das quotas a terceiros estranhos àsociedade, ainda que por herança.

Tal regra da legislação geral encontra correspondênciacom o disposto no artigo 4º, inciso IV, da Lei Especial, n.º5.764/71, que institui o regime jurídico das sociedadescooperativas, verbis:

Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com formae natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à

falência, constituídas para prestar serviços aos associados,

distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes

características:

[...]

IV – inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros

estranhos à sociedade.” (sem grifos no original)

Como se vê, tanto o Código Civil em seu artigo n.º

1.094, inciso IV, quanto à Lei n.º 5.764/71, em seu artigo

4º, inciso IV, proíbem, terminantemente, a seção das quotas-

partes do capital a terceiros estranhos à sociedade cooperativa,

tendo o Código Civil acrescentado que a transferências dessas

quotas não é permitida sequer por sucessão hereditária.

O professor da UFPR, Alfredo de Assis Gonçalves Neto

(Noções de Direito Societário. São Paulo: Juarez de Oliveira

LTDA, 2002, p. 128), comentando as características específicas

dessa espécie societária, a partir do conteúdo do artigo 1.094

do Código Civil de 2002, aponta como uma das particularidades

das cooperativas: “a impossibilidade de transferência das

quotas-partes do capital a terceiros estranhos à sociedade,

que nela só podem ingressar se atuarem no ramo e mediante a

subscrição de novas quotas-partes.” (sem grifos no original).

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Dentre as razões para tais disposições legais, proibindo

toda e qualquer forma de transferências de quotas, onerosa

ou gratuita, entre pessoas vivas ou em virtude da morte (por

sucessão hereditária), está a natureza pessoal das sociedades

cooperativas, em que cada sócio tem direito a um voto,

independente do número de quotas que detenha no capital da

sociedade e cujo benefício econômico (retirada) depende não

do capital representado pelas quotas, mas do volume das

operações efetuadas pelo sócio, em virtude de sua atividade

societária, na cooperativa, tudo como dispõem os artigos 4º,

incisos VII e 25, § 3º, de referida Lei n.º 5.764/71.

Decorre também da natureza pessoal da sociedade e da

valorização da atividade societária a indivisibilidade dos fundos

de reservas entre os sócios, como prevê o inciso VIII do mesmo

artigo 4º da Lei. Assim, o caráter pessoal do direito dos sócios

sobre suas quotas não resulta no poder de livre disposição

desse bem móvel, mas ao contrário, em uma limitação do

exercício de um dos elementos que constituem o conteúdo do

direito de propriedade, ou seja, o poder de disposição. Nesta

perspectiva, alegar-se que as quotas podem ser livremente

dispostas pelos sócios, para terceiros, é contrariar a lei geral e

especial, desconhecendo a natureza das sociedades

cooperativas, buscando sua transformação, ao arrepio da lei,

em sociedades de capital.

A partir disso, a compra e venda de quotas, além de

ilegal e de não surtir efeitos jurídicos, conforme já assinalado,

não tem o condão de inserir o seu adquirente na sociedade

cooperativa, como equivocadamente sugere o texto do

parágrafo único do artigo 19 da Proposta de Reforma

Estatutária, onde se lê:

Parágrafo Único – a transferência de quotas parte seráescriturada em formulário próprio, mediante termo que conterá

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a assinatura do cedente, sendo emitido certificado de quotas,assinado pelo presidente e secretário legalmente investido nassuas funções.

Nesse tipo de sociedade, o “princípio da porta aberta”

não pode ser lido como a liberdade de ingresso, por meio da

aquisição do capital da empresa, mas sim por um processo de

aceitação no corpo societário, que exige a adesão aos fins

previstos no estatuto, requerendo, ainda, a análise desse

ingresso pela Assembléia Geral. Em outras palavras, é a

disposição de participar da atividade cooperativa e não a

disposição de adquirir quotas-partes em uma sociedade desse

tipo que permite o ingresso de alguém, na qualidade de sócio.

Waldírio Bulgarelli (As Sociedades Cooperativas e sua

Disciplina Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 55)

realiza a seguinte observação sobre a questão, ora em exame:

Compreende-se que nas sociedades cooperativas as quotas

sejam intransferíveis a terceiros, pois que diferentemente das

sociedades capitalistas, as sociedades cooperativas são

sociedades de pessoas, e suas ações não podem se transferir

simplesmente pela tradição. O sistema cooperativo neste

ponto é totalmente diverso; não há emissão de ações e seu

eventual resgate. [...] Tem-se permitido, apenas, nesse sentido,

a transferência de associado para associado, com a autorização

da Assembléia Geral. (sem grifos no original)

Sobre tal questão Walmor Franke (Direito das Sociedades

Cooperativas. São Paulo: Saraiva. 1973, p.14), ao tratar da

sociedade cooperativa, adverte:

É, pois, essencial ao próprio conceito de cooperativa que as

pessoas, que se associam, exerçam, simultaneamente, em

relação a ela, o papel de sócio e usuário ou cliente. É o que,

em Direito Cooperativo, se exprime pelo nome de princípio de

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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dupla qualidade, cuja realização prática importa, em regra, a

abolição da vantagem patrimonial chamada lucro que, não

existisse a cooperativa, seria auferida pelo intermediário.

No mesmo sentido, é a opinião do jurista especializadoem Direito Cooperativo, Vergílio Frederico Perius (Cooperativismoe Lei. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p.71), ao analisar aqualidade de sócio e da função das quotas-partes, nassociedades cooperativas:

c – a natureza jurídica das quotas-partes, por seremintransferíveis e inseparáveis dos associados e não seremherdadas corresponde um vínculo jurídico de ordem pessoal,não patrimonial, que se estabelece entre as cooperativas e osassociados. Mesmo havendo transferência das quotas-partescom o necessário consentimento (Art. 26), não ocorre atransferência da qualidade de associados para outro associado.Com a morte do associado também não ocorre transferênciade capital aos herdeiros do de cujus, visto que a morte de pessoafísica excluí a qualidade associativa dessa pessoa (Art. 35, incisoII) desse modo a qualidade nominativa das quotas-partes tira ocaráter especulativo do capital.” (sem grifos no original)

CONCLUSÃO

Diante do contido no artigo 1.094, inciso IV, do CódigoCivil Brasileiro, e no artigo 4º, inciso IV, da Lei n.º 5.764/71, enas demais disposições da referida Lei Especial, que dão caráterdiferenciado às sociedades cooperativas, e, ainda, conforme seretira da interpretação sistemática realizada com base nas obrasacima citadas, conclui-se pela absoluta ilegalidade dos termosda proposta da reforma estatutária da COOPERATIVA DEMINERAÇÃO DOS GARIMPEIROS DE SERRA PELADA –COOMIGASP, trazida à apreciação do Núcleo de DireitoCooperativo e Cidadania, do Programa de Pós-graduação em

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Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR, pela SecretariaNacional de Economia Solidária – SENAES e o Ministério deMinas e Energia – MME.

SMJ, é o Parecer.

Eduardo Faria Silva – OAB/RS 50.629Membro Pesquisador do Núcleo de Direito Cooperativoe Cidadania da UFPR

Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel – OAB/PR 21.317Coord. do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania da UFPR

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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R E S E N H AR E S E N H AR E S E N H AR E S E N H AR E S E N H A

ECONOMIA POPULAR E CULTURA DO TRABALHO: PEDAGOGIA(S)

DA PRODUÇÃO ASSOCIADA – LIA TIRIBA (IJUÍ-RS: EDITORA

UNIJUÍ, 2001)

Felipe Drehmer

Ricardo Prestes Pazello

O livro ora sob análise é o da professora da Faculdadede Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ),Lia Tiriba, intitulado Economia Popular e Cultura do Trabalho:pedagogia(s) da produção associada. Tendo Tiriba atuado comoeducadora e assessora pedagógica no Sindicato dosMetalúrgicos do Rio de Janeiro e dedicado boa parte de suacarreira à empreita pesquisadora, o estudo resenhado é frutoda vivência de sua autora e de seu comprometimento na tentativade compreender a relação entre a questão do trabalho, tão emvoga nos dias de hoje, e seu impacto no setor econômico,notadamente o conhecido por economia popular, ainda que sepossa chamá-lo de economia solidária ou mesmo social. Talrelação é mediada por sua peculiar forma pedagógica, intrínsecaque é a pedagogia ao agir humano, em especial o laboral.

A obra está dividida em cinco grandes partes, nas quaisa autora desenvolve sua compreensão tanto do mundo dotrabalho como da prática pedagógica que acompanha otrabalhador em sua labuta. Dando ênfase à produção associada,

* Acadêmico de Direito da UFPR e membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania.

** Acadêmico de Direito da UFPR e membro do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania.

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com o trabalho entendido nos moldes coletivos, Lia Tiribaprocurará percorrer o Desenvolvimento (des)humano e crisedo trabalho, delineando a base sobre a qual se assenta aprodução no sistema capitalista, claro ponto em que se vê queo lucro é sobejo e que as relações de trabalho mais e mais seprecarizam; intentará discorrer também sobre a Economiapopular: sua reedição pelo trabalho e pelo capital, procurandodebater desde o conceito do que seja o “popular” até chegar aum entendimento da expressão “economia popular”, seusintegrantes e dinâmicas; a seguir, prosseguirá sua análisefocando a Escola e outras escolas de produção de uma novacultura do trabalho, momento no qual se problematizará oprocesso educativo na esfera laboral, visualizando-se a gestãodo trabalho e do conhecimento inserida numa nova culturade produção cuja primazia está na associatividade; tambémbuscará compreender A “pedagogia da fábrica” na versão dostrabalhadores, buscando contrapor as entrevistas e os resultadosdos trabalhos empíricos à carga teórica anteriormentefundamentada, almejando entender a densa rede de relaçõesestabelecidas entre os atores da economia popular associadano interior do espaço de produção, sua relação com a comunidadelocal, com os grupos de economia solidária e com as maisvariadas instituições que se propõem a interagir nesse âmbito;e, finalmente, proporá um desfecho, abordando tema assazrelevante, qual seja, Pedagogia(s) da produção associada: paraonde caminha a economia popular?, em que evidenciará queas contradições do meio no qual se inserem os projetosassociativos de cunho popular não podem nos dar a certezade que ali está o novo germe da transformação social, emboranão desdenhe as potencialidades dos empreendimentoscomo uma espaço pedagógico, pois constará empiricamentea existência de transformações da relação dos trabalhadorestanto no que diz respeito à suas necessidades materiais quantoàs imateriais.

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Se pudéssemos encontrar um ponto de partida paracompreender o trabalho de Lia Tiriba, não nos constrangeríamosem dizer que é ele o trabalho. O trabalho, aqui, exerce papelcentral no desenrolar teórico, bem como nos seus devidosprismas, no discorrer empírico que a obra aporta. Não poderiaser diferente. Quando nos encontramos diante de um redemoinhode discursos, os quais, ainda que aparentemente os maisdiversos, nada mais que consubstanciam o fim da sociedadeindustrial, a partir do que o trabalho seria mera escatologia doagir social, faz-se imprescindível a assunção de uma posiçãonesse embate. E a posição de Lia Tiriba é clara: o trabalho é,sim, fulcro da sociedade atual. Talvez não o seja para os além-atlânticos olhos de homens que cada vez menos entram emcontato com a dura realidade de todo um mundo, senão esquecido,tornado invisível, em sua miséria e em sua subordinação. Efeitodo sistema capitalista, é o que se costumou chamar de terceiromundo o protagonista dessa peça, em que sói ser qualificadocomo coadjuvante: o trabalho.

Ainda que não seja esse o objeto de análise do texto,quiçá se possa observar em suas entrelinhas a obnubilaçãoimposta por um discurso de hegemonia irradiado do centro domundo. Não é à toa, por exemplo, que a autora faz questãode apresentar uma série de dados estatísticos, os quaisenrubesceriam qualquer ser vivo, principalmente os que sedizem racionais. Mais de 800 milhões de famintos, 80% dapopulação mundial vivendo nos países ditos subdesenvolvidos,1,3 bilhão de pessoas abaixo da linha da miséria e 1,2 bilhãode pessoas sem água potável: uma metralhadora de númerosque nos dá a dimensão de quão nefasta se nos afiguram ascondições de vida no planeta Terra. No entanto, a supostaracionalidade, tão propalada no seio da modernidade, vigoraem um mundo que necessita da miséria para avançar e que fazda liberdade um projeto individualista. Tem vez, nesse contexto,o conjunto de técnicas que é sustentáculo do modo de produção

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e o aparato ideológico que serve de receptáculo para o prosperardos ideais de liberdade de mercado, para o indivíduo, emdetrimento da esfera coletiva que opera na sociedade. Malsinadae oprimida, egoísta e ambiciosa, anda a cabeça abstrata dohomem ideal no irreal mundo da sociedade do ócio e do intelecto.

Assim, o público só é visualizado no mercado, o políticonas esferas burocráticas, e a pobreza como que inerente aohomem. Entrementes, o fim das utopias, o fim da história,ensejaria a crise da sociedade do trabalho. É inegável, e este éo entendimento da autora, que o trabalho vem encontrandocaracterísticas diferenciadas conforme a história vai acontecendo,mas “se de um lado, o trabalho muda seu desenho, suageografia, de outro, a contradição entre o capital e o trabalhose mantém como fonte de desigualdades” (p.79). A crise dotrabalho, aliada ao fatalismo dos discursos hegemônicos,astutos que são, daria cabimento à necessidade inescapávelda precarização do trabalho, de sua terceirização e de suadesregulamentação, enfim, só achando meios cada vez menosseguros ao trabalhador é que se conseguiria garantir-lhes asubsistência. Contradição inultrapassável, desde logo severifica. A era que dissemina a tecnologia e o desenvolvimentoeconômico tem de viver com as causas e efeitos da globalizaçãoque imprescinde da flexibilização do trabalho: o trabalho entraem crise, porque assim o determina a complexidade atual docapitalismo e não porque o trabalho em si perdeu seu sentido.Muito pelo contrário, o trabalhador ainda existe, ou melhor,resiste, tenta sobreviver, a duras penas.

Não é para menos, portanto, que a autora causticamenteevidencie, em seu pensamento, analogias do tempo escravizadoe da exploração mais generalizada. As várias pobrezas humanassão postas em sua nudez mais crua, ainda que de passagem:individual, social e ambientalmente. O produtivismo e odesenvolvimentismo são incompatíveis com um futuro sadiode nossa sociedade. Só o reequilíbrio homem-natureza – junto

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ao Sul-Norte e ao pobres-ricos – poderá permitir algumaperspectiva de emancipação humana. Com verve marxista,Tiriba assenta que “a nova base técnica não terminou com aalienação do trabalho” (p.74). A tecnologia, entoada comoprogresso humano pelas vozes beatas do sistema, nada maisé que privilégio de um nicho da sociedade mundial, justamenteaquele que faz da exclusão social seu contraponto mais evidente.E tanto assim é que o chamado tempo livre, para os trabalhadoresdo Sul do mundo, nada mais se apresenta que desemprego àflor da pele.

Propugnando uma renovação metodológica, ainda quesem perder de vista a centralidade do trabalho, a autora tentapercebê-lo nas esferas pública e privada, conforme a historicidade,própria da atividade humana, assim o consagra. Busca, então,um valor de uso para o trabalho, medido pelo seu tempo livre,não como submissão ao capital, mas como vida, superando asfetichizações muito peculiares do mundo do trabalho, como ada tecnologia, do mercado, do capital e, claro, a do proletário.É desse conjunto de idéias que vai se descortinando aviabilidade, mesmo que erigida sob o crivo da crítica, do trabalhopor conta própria, em especial o que assim o é coletivamente.

Passando-se, pois, à tarefa de desanuviar o entendimentodo que seja uma tal possibilidade de trabalho, Lia Tiriba nosremeterá a outra pilastra de seu livro, qual seja, a economiapopular. Antes, porém, de delinear suas configurações práticas,irá ela se dedicar a uma sua visualização teórica, a fim dedirimir dificuldades que desde logo se lhe apresentam.

Ao procurar discutir a questão econômica, Lia Tiriba sedepara com uma interessante problemática, qual a seja, a do quequer dizer o “popular”. Mostrando que várias são as denotaçõespara o termo, esquadrinha-se nele o melhor signo para este nichoda economia. A opção por uma tal discussão preliminar nosleva a pensar, com a autora, que há superabundância de análisescríticas acerca da pobreza, fazendo-se mister a compreensão,a mais acurada possível, do que seja a economia popular.

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Com freqüência, o termo “popular” vem sendo igualado àidéia de setor informal da economia. Ainda que possa havercoincidência entre ambos os casos, não há identidade absolutaentre os conceitos. A dicotomia formal-informal não suporta afaticidade – que é nova, ressalte-se – própria da economiapopular em suas dimensões para além da análise de formalidade.As instâncias jurídicas, exigidas pela burocracia estatal capitalista,não são suficientes para explicar tal setor econômico. Não dandoconta de sua conceituação, o binômio formal-informal é entendidocomo um fenômeno interdependente, ou seja, o formal e oinformal se apresentam como que numa complementaridade,a partir do que a mera inserção da discussão do popularverifica-se inócua.

Ainda nessa temática, a economia popular serve comorótulo de diversos matizes de atuação social. Para extrair algumaprecisão da expressão “economia popular”, utiliza-se a autorade três marcos teóricos: O. Nuñez, J. L. Coraggio e Razeto.Para Nuñez, a economia popular engloba o que é alternativoao sistema capitalista, aportando-se em uma estratégiaparticipativa e autogestionária como projeto revolucionário. ParaCoraggio, a economia popular seria um dos subsistemaseconômicos (mais o empresarial e o público), distinguindo-sepela multiplicidade de identidade e por sua organizaçãodoméstica que não necessariamente é solidária. Por fim, paraRazeto – o autor seguido –, haveria de se visualizar a tipologiada economia popular: a) soluções assistenciais; b) atividadesilegais; c) atividades individuais informais; d) micro-empreendimentos; e) organizações econômicas populares(OEP’s). Esta última seria uma intersecção entre o popular e osolidário, com seus característicos próprios. Parece claro quea escolha deste marco teórico tem por fito a operacionalidadeque a idéia de organizações econômicas populares (OEPs) sugere.Diferencia-se, pois, de algo que vem sendo preponderantemente

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equiparado com a economia popular, que é a questão daeconomia informal criminal.

É bom lembrar, igualmente, que os setores popularestambém reproduzem a lógica de dominação, por ser este osistema em que se inserem. A despeito de, porém, o “popular”também estar suscetível aos fenômenos de globalização emassificação, é preferível ao termo “sociedade civil”, muitoutilizado, que reduz e homogeneíza a complexidade socialhodierna. Por isso se torna interessante distinguir os atores dosagentes da economia popular. Estes últimos seriam, justamente,aqueles que atuariam de fora, podendo-se enxergá-los comoos apoiadores dos grupos populares. Integram estes, por suavez, as classes-que-vivem-do-trabalho, independentemente de sualegalização. Por isso as demais relações sociais, e não só aeconomia, são tão pertinentes à discussão.

Aparentemente, a questão vernácula parece improfícuano que pertine ao debate das dimensões sociais da economiapopular. No entanto, desde esse ponto de vista, pode-se lobrigara importância dos movimentos sociais como os novos atoresdeste processo, matéria que a ciência política e a filosofia latino-americanas vêm tratando com grande zelo. Diferentementedos agentes da economia solidária, com seus vários interessesalocados na idéia ou não da emancipação humana, bem comosuas respectivas estratégias, os “movimentos sociais que vêmoptando pela ênfase no caminho ‘de baixo para cima’” (p.158),são o caminho possível para uma aposta na autogestão,pensando-se globalmente, ainda que com atuação local.

Constatados problemas fundamentais na sociedade –baixos salários, desemprego, pobreza –, visualiza-se que assoluções apresentadas pelos agentes externos são de múltiplaideologia. Tais agentes configuram ONGs, partidos, sindicatos,igrejas. A complexidade da economia popular reside no fato deque plúrimos são tanto seus objetivos quanto seus interesses.E, assim, questiona-se: os agentes, de fato, contribuem?

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É preciso notar o que significa, para governos e empresários,a economia popular. Quando se está inserido no contexto dareestruturação produtiva não se pode negar que o cooperativismopode servir como ágil mecanismo do capitalismo. É certo quehá fomentos governamentais para surgimento de microempresas,cooperativas e associações, mas o Estado o faz com o claroenfoque empresarial, desnaturando a natureza alternativa detal ferramenta. Dessa forma, duas são as vias pelas quais sepode caracterizar os empreendimentos populares: a autônomae a imposta pela globalização. Desde logo, pode-se percebercerta esterilidade de determinados empreendimentos populares,já que não se trata de crise do sistema de apropriação pelocapital, mas sim sua readequação. Caracteriza-se, ainda, queos agentes, em muito, atuam desfavoravelmente, como sedenota no assistencialismo e clientelismo de partidos políticos,ONGs e igrejas, o que não invalida suas ações emancipatórias,demonstrando seu papel contraditório.

Propõe Tiriba que os movimentos populares, em suaconstrução contemporânea, absorvam a necessidade deredefinição de seus rumos, buscando não só as reivindicaçõessociais, mas também a transformação econômica, como umtodo, um conjunto de lutas sociais. Tendo, pois, como dado“a presença real da economia popular nos países latino-americanos”, não há porque deixar de constatar que, “sejapela apropriação dos meios de produção, ou pela criação denovas formas geradoras de trabalho e renda, muitostrabalhadores compreendem não ser mais possível manter oisolamento de suas experiências, sendo necessário articulá-lasmediante projetos comuns capazes de dar consistência àeconomia popular, transformando-a na economia política dostrabalhadores” (p. 162).

Uma tal economia política, no que pertine aostrabalhadores, não pode, entretanto, prescindir da dimensãoeducativa que lhe é própria. Isto devido ao fato de que o

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capitalismo parte de uma contradição fundamental: o carátersocial da produção e o individual da apropriação dos bens; emúltima análise, a dicotomia entre trabalho alienado e propriedadeprivada. Sendo este o espectro com o qual o proletário se depara,torna-se a luta em outras frentes, que não só a econômica,inarredável, a qual só poderá ser otimizada pela questãoeducacional, ainda que ela não seja o apanágio para os problemasoriginados pelo capital. Por isso, não só se deve lutar pelapropriedade coletiva dos meios de produção, mas também poruma sociedade democrática, participativa e autogestionária,com apropriação dos fundamentos científico-tecnológicos.

Tendo em vista que a produção associada sempre sofrerácom os limites impostos pelo capitalismo e considerando que aeducação do trabalhador sempre se dará sob a ótica do mercadoe não da emancipação, enquanto estiver atrelada ao Estado,que na perspectiva da autora assume a característica de serum Estado de classe, é preciso notar que o processo educativo,na opção pelo trabalho associado, deverá assumir o papel deinterlocução inextrincável entre teoria e prática. A partir de umresgate do pensamento gramsciano, Tiriba conceberá a estruturade ensino-aprendizagem sob o viés da práxis operária, em queo intelectual orgânico terá de sair da própria classe trabalhadora,desmistificando a divisão inultrapassável entre trabalhos manuale intelectual. Por toda relação hegemônica albergar uma relaçãopedagógica, a elaboração crítica da consciência só se dará coma unidade entre teoria e prática. Assim sendo, invoca-se aexperiência dos operários de Turim, com seus conselhos defábrica, pois lá os trabalhadores teriam atuado como gestorespolíticos do processo produtivo, minorando a relação de alienaçãodo trabalhador para com o produto de seu trabalho. Nesse

viés, o trabalho cooperado é afirmado como contraponto

necessário do trabalho assalariado e a educação que lhe deve

acompanhar é a da formação técnico-política, sem embargo de

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compreensão dos limites que são inerentes ao regime de

produção e reprodução capitalista.

O processo educativo que permeia a transformação das

relações cotidianas se refere, portanto, às práticas de trabalho

associado, aos processos de produção e socialização do

conhecimento e às capacidades solidárias e dialógicas dos atores

envolvidos. Uma relação dialética entre realidade objetiva e

realidade subjetiva se apresenta imprescindível para a construção

de uma práxis libertadora, pautada na superação da relação

oprimido-opressor. Além disso, a “educação como prática da

liberdade” se diferencia das “práticas de liberdade” por estas

se vincularem a uma libertação individual. Aquela, ao contrário,

nega a concepção de homem abstrato e transcendente baseando

sua reflexão, de forma crítica, no plano material concreto.

Assim, é fundamental às OEPs conceber o processo de trabalho

como um espaço pedagógico e de potencial tomada de consciência

dos trabalhadores associados. Centrar a transformação na

práxis produtiva como princípio educativo significa entender

que as perguntas que confrontam condições objetivas com

anseios subjetivos ocorrem no cotidiano da produção, não a

partir de cartilhas ou cursos programáticos. Além disso, soma-

se outra consideração: as dúvidas que surgem numa

organização popular associada não devem ser sanadas focando

apenas o campo técnico. Elas carecem de ser relacionadas

com o campo político de forma a buscar extrapolar os limites

instrumentais da racionalidade produtiva, ou, como escreve

Tiriba, “a educação dos trabalhadores precisa ser compreendida

como processo permanente e como resultado provisório de

ação/reflexão/ação” (p.220).

Para que o trabalhador consiga constituir-se como um

“intelectual de novo tipo”, diz a autora, precisa estar inserido

num meio em que consiga partir de um saber prático almejando

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desenvolver os demais saberes e práticas sociais que extrapolam

suas funções técnicas, ou seja, “mais além da educação para

o trabalho ou educação no trabalho, o desafio está em buscar

a unidade entre práxis produtiva e práxis educativa” (p.227).

Nesse desafio, os educadores têm uma função presencial, não

necessariamente como trabalhadores associados, mas como

aqueles que, ao acompanhar os problemas cotidianos de uma

associação, podem contribuir sobremaneira na resolução de

conflitos internos e nas soluções construídas coletivamente,

que fortaleçam tanto a viabilidade econômica do empreendimento

quanto a fundamentação teórica e cultural do grupo. Temos,

então, a proposta de uma formação completa do ser humano

concebendo a cultura do trabalho como um sistema determinado

que se inter-relaciona com outras esferas sociais e enfrenta

relações de dominação que ultrapassam a relação capital-trabalho.

Como desde a introdução nos precavera Tiriba, inicia ela

a contraposição entre a teoria até aqui exposta e aquilo que no

trabalho de campo pôde constatar. Remetendo a trechos de

entrevistas feitas com trabalhadores e apoiadores dos

empreendimentos populares associados, a autora nos apresenta

a um universo de

“(...) 61 organizações econômicas populares – OEPs alilocalizadas [todas na região metropolitana do Rio de Janeiro]:sua distribuição geográfica, número de trabalhadores, setorese tipos de atividades que desenvolvem, personalidadejurídica e seus vínculos com alguns parceiros que estimulama constituição de redes de solidariedade. A seguir, nosaproximamos do cotidiano de cinco destas estratégias coletivasde geração de trabalho e renda” (p.243).

Privilegiando os empreendimentos localizados nos cinturõesde pobreza ou que, embora situados em bairros nobres,apresentassem baixos níveis de renda e escolaridade, Lia Tiriba

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dividiu a análise em quatro eixos: a) Educação, organização e

gestão do trabalho; b) Relações de mercado; c) Redes de açãocoletiva; e d) motivações/expectativas dos trabalhadores.

Na cidade do Rio de Janeiro, existem cerca de 2.500.000pessoas (segundo a FAFERJ1) que vivem em favelas. Dosmorros do Rio de Janeiro descem todos os dias “uma legiãode homens e mulheres e crianças na busca de trabalho” (p.247)

para conseguir comer ou satisfazer outras necessidades básicas,num contexto em que não há diferenciação entre desemprego,subemprego ou subtrabalho. É, pois, no suposto territóriodemocrático e igualitário de uma grande cidade que se fundemriqueza e pobreza, que se dá o estudo ora resenhado.

No que diz respeito aos objetivos dos empreendimentos,

Tiriba diferenciou-os em dois grandes grupos: geração de rendae desenvolvimento comunitário. O primeiro se remete a gruposque buscam satisfazer suas necessidades materiais desobrevivência e o segundo diz respeito à satisfação dasnecessidades materiais, das necessidades imateriais e à redede atividades de cunho cultural que ele desenvolve com acomunidade que o rodeia.

A viabilidade do empreendimento, questão primordial emqualquer OEP, está ligada às parcerias estabelecidas cominstituições que “vêm apoiando e estimulando as iniciativas degeração de trabalho e renda, tentando articulá-las política eeconomicamente” (p.254). Nesse sentido, evidencia-se queos empreendimentos pertencentes aos setores populares se

propõem a orientar-se pela lógica da reprodução da vida, nãode reprodução do capital. Obviamente, deve-se levar em contaque as atividades dos setores populares não pertencem aossetores estratégicos da economia e da utilização de alta

1 Federação das Associações das Favelas do estado de Rio de Janeiro.

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tecnologia. Assim, é imprescindível a articulação com acomunidade local e com as redes de ação coletiva, na buscade fomentar a solidariedade e o incremento da economia popular,o que pressupõe, em última instância, a comercialização dasmercadorias a partir do seu valor de uso, não do seu valorde troca.

A procedência das ações coletivas escolhidas também éapresentada. Elas trilharam diversos caminhos, originando-sedo movimento sindical, de associações de moradores, depastorais de trabalhadores, e com ou sem um apoio prévio demovimentos populares. Apesar de essas dessemelhanças, écaracterístico das organizações econômicas populares nãodisporem de nenhum capital inicial. Sinteticamente, a autoraclassifica duas formas de iniciação de uma empresa popularassociada. Com o intuito de arrecadar fundos para a comprade matéria-prima e maquinário, os trabalhadores fazem festase sorteios na comunidade. O empreendimento nasce, portanto,“de baixo”. A outra forma de investimento é denominada “defora” e caracteriza-se pela intervenção de alguma instituiçãoque fomenta o empreendimento.

Segue, então, a questão da propriedade dos meios deprodução nos empreendimentos estudados. Verificam-se,sucintamente, quatro formas diversas: a) propriedade coletivanão estabelecida juridicamente não havendo individualizaçãodo capital envolvido; b) propriedade individual administradacoletivamente, embora o patrimônio e o lucro permaneçamvinculados aos investimentos pessoais; c) propriedade externaem que os meios de produção pertencem a uma entidadeapoiadora, apesar de serem geridos pelos trabalhadores de formarelativamente autônoma; d) propriedade coletiva combinadacom a propriedade externa de uma instituição de apoio, naqual os meios de produção são devolvidos à instituição defomento quando findam as atividades do grupo.

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A divisão dos frutos do trabalho, questão de sumaimportância para verificação das peculiaridades dosempreendimentos populares associativos, se dá, por sua vez,de duas formas: a) são estabelecidos níveis diferenciados deremuneração; b) o lucro é dividido todo mês de forma igual,independentemente da função que cada trabalhador exerce noprocesso de produção. É importante salientar que pensar adistribuição dos lucros a partir da função exercida podeaumentar a desigualdade entre os trabalhadores, pois o saberque alguns detêm pode muito bem se transformar numa formade poder no interior do espaço de produção.

Estabelecido o empreendimento, prescreve-nos Tiriba anecessidade de refletir sobre o significado do trabalho associado,para que os trabalhadores, a partir de seu cotidiano, desenvolvamnovas formas de relações sociais. Nesse âmbito, homens emulheres dos setores populares aprendem que a cooperação émuito mais benéfica que a ação individual. Inclusive, conta-nosTiriba, que a satisfeita afirmação de “não ter patrão” (p.277) ébastante comum. Destarte, a nova cultura do trabalho conviveainda com contradições, pois “não ter patrão” não podesignificar desobrigação para com o grupo, o que a autora,fundamentada em Gramsci, aponta quando explicita que “umadisciplina voluntária e autônoma exige do trabalhador uma sólidadisciplina” (p.279). Tal consciência individual vincula-se aoprocesso de aprendizado coletivo e faz-se imprescindível noseio da organização interna da produção. No que diz respeito aesse tema – a capacidade autogestionária dos empreendimentosestudados – a autora enumera três diferentes classificações,sendo a primeira, e mais limitada, a mais corriqueira. Esta serefere à viabilidade do empreendimento apenas, a segundaleva em conta que o processo autogestionário deve buscardesenvolver de forma integral a capacidade dos trabalhadorese a terceira, além das necessidades materiais e imateriais dos

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integrantes do empreendimento, fundamenta o aprendizadoda autogestão como pressuposto de uma sociedade autônomagerida por trabalhadores.

Quanto às metas dos empreendimentos, a autoraclassifica-as como possibilidade de sobrevivência, desubsistência e de desenvolvimento sendo a lógica da análisepautada no lucro dos grupos estudados. Não obstante, asmetas ligam-se diretamente à motivação dos trabalhadores,sendo as categorias também expostas de forma tríplice eintimamente relacionadas com a classificação há poucoassinalada: a) satisfação imediata das necessidades básicasdos trabalhadores, colocando-se o empreendimento comouma alternativa ao desemprego; b) além de alternativa desobrevivência, o associativismo cria novas formas de convivênciano interior do grupo que diferem da lógica do sistema capitalista;c) o associativismo extrapola as necessidades materiais eimateriais do grupo e os trabalhadores chegam a desenvolverprojetos de mercados solidários não apenas junto à comunidadelocal, mas também a redes populares de comércio.

O que e para quem produzir também fazem parte da análise.A começar pela questão da legalidade do empreendimento,afirma Tiriba ser esse um dos fatores que limitam e condicionamas possibilidades das OEPs no mercado, embora não sejapossível estabelecer uma relação direta entre formalidade emercado formal e informalidade e mercado informal. A autoraconstatou que os trabalhadores almejam a formalidade, poissabem que a informalidade limita âmbito de atuação. A legalidadenão é vista, portanto, como forma de controle político etributário, mas como algo constitutivo da relação simbólicaexistente entre o trabalhador e seu trabalho.

Não é, contudo, o fator legalidade o único com o qual osempreendimentos populares devem lidar no que tange àcomercialização. Nesse sentido, as redes associativas aparecem

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como um ponto positivo a ser desenvolvido que, em muitoscasos, é jogado ao descaso. Em outros, redes solidárias seprojetam de modo a fomentar os empreendimentos nas suassingularidades e a proteger o mercado solidário como um todo.

Para além dos setores populares, há ainda a rede derelações estabelecidas entre os empreendimentos com o Estado,as instituições apoiadoras e os empresários. Quanto aos últimos,pôde-se observar: a) relação meramente comercial, burocráticaou reivindicatória com os governos municipais; b) além dacomercialização, estabelece-se com os empresários uma relaçãode doação de sobra de matéria-prima e de outros instrumentosde trabalho úteis ao grupo. No que diz respeito ao Estado, aluta é por crédito ou a resolução de problemas jurídicos oulegislativos ou tributários. Quanto à inserção das ONGs,adentrando num tema atualmente deveras polêmico, não sepode negar seu papel crucial junto às OEPs, embora sejadiscutível até que ponto sua contribuição é crítica ouassistencialista/alienante. Há, por conseguinte, uma infinidademúltipla de parceiros e instituições que, de uma forma ou deoutra, se relacionam com os empreendimentos popularesassociativos. Sem adentrar nesse emaranhado de intenções eprojetos político-pedagógicos, conclui Tiriba que as organizaçõesde grupos populares associativos que extrapolam seu local deprodução e estabelecem parcerias, tanto no plano de suaeducação quanto na venda de produtos e prestação de serviços,conseguem maior grau de estabilidade econômica e deorganização interna.

Tendo isso em vista, Tiriba passa a analisar, então, asrelações que os grupos estudados mantêm com a comunidadelocal, a partir de critérios relacionados com a definição dosprodutos e serviços oferecidos. Constata ela que nenhum dosgrupos produz bens supérfluos, embora sejam diversos osvínculos estabelecidos para manter a unidade produtiva, desde

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atividades que buscam atender às demandas do mercado emgeral até aquelas que privilegiam a comunidade local (que podeou não ser popular). Além destas, há também aquelas situadasem áreas populares que buscam oferecer produtos à satisfaçãoda própria localidade ou outras comunidades também populares.Nota a autora a dificuldade de os empreendimentos popularesconseguirem cativar clientes dentro das próprias comunidades.Uma das causas apontadas é a influência dos meios decomunicação que acaba gerando nos sujeitos certa vergonha erepulsa aos bens produzidos pelas OEPs, como efeito da repulsaque sentem pelas próprias condições. Nesse sentido, oenfrentamento dessa realidade pode ter como objetivo imediatolevar o consumidor local a consumir produtos locais, nãoobstante tal relação de compra e venda também faça parte deum projeto estratégico de educação popular, conscientização eluta contra-hegemônica. Além disso, dada a pouca capacidadedo empreendimento em competir mercado afora, ficam suasmercadorias geralmente restritas à população de baixa renda,a qual não detém, por sua vez, a capacidade monetária suficientepara manter o êxito do empreendimento, o que termina, aomenos em curto prazo, num circulo vicioso do ponto de vistaeconômico, porém criativo sob o foco pedagógico. No que dizrespeito aos preços cobrados, os critérios estabelecidos sãotão variados quanto a definição do mercado no qual se devecentrar a produção, não havendo necessariamente uma buscapelo preço justo, embora tal nível de conscientização sejatambém encontrado.

A qualidade dos produtos oferecidos não deixa de serobjeto tratado na obra. A busca pela qualidade na produção eprestação de serviços é potencializada pela pedagogia da fábrica:como os próprios trabalhadores gerenciam e produzem, acorreção de falhas é mais rápida. Outro fator que tambéminfluencia nas relações com o mercado é proximidade entre o

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local de produção e a moradia do trabalhador, por ser possívelestreitar vínculos entre produtor-consumidor para além dasrelações de compra e venda.

Ante a complexa rede de relações que permearam o estudoaté aqui apresentado, e buscando não perder o fio condutorda pesquisa, qual seja, de compreender as potencialidades domundo da produção popular associada a partir do processopedagógico que nele existe, Tiriba sintetiza os fatores a seremconsiderados na análise:

“o tipo de tecnologia que utilizam, como se relacionam com amaquinaria, como se relacionam com os companheiros detrabalho e com os moradores da comunidade sem deixar deconsiderar que os canais de participação e a forma mesmacomo está estruturada a divisão do trabalho interferem nosprocessos de socialização e produção do conhecimento”(p.317).

Focando a relação entre os companheiros, a autoradiferencia alguns graus de socialização do trabalho encontradosna pesquisa de campo para, a partir daí, definir algumasmelhorias educacionais descobertas no interior dos grupospopulares associados, tendo em vista que a formação deintelectuais orgânicos se dá na luta cotidiana com objetivo deresolver, horizontal e coletivamente, problemas que se apresentam.Nesse sentido, uma dificuldade é encontrada na formação dotrabalhador polivalente, pois, embora seja interessante que todoo grupo detenha todo o conhecimento do processo de produção,o que muitas vezes ocorre é que a especialização técnica éadotada com vistas ao crescimento do empreendimento. Issoposto, de imediato pode-se notar a semelhança com racionalidadetaylorista-fordista de produção, cuja lógica é investir nashabilidades individuais e especialização do trabalhador, em nomedo crescimento da produção. Ciente disso, a autora deixa claroque, ante o problema objetivo de aumentar a produção, o processo

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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educacional no mundo do trabalho não pode ser abandonado.

Assim, afirma que as propostas mínimas encontradas nas OEPs

estudadas são que todos os trabalhadores compreendam,

mesmo que de forma limitada, todo o processo de trabalho em

sua complexidade. Tentando relacionar sempre a questão técnica

da produção ao desenvolvimento político dos trabalhadores

envolvidos, Tiriba diferencia grupos em que existe democracia

representativa e grupos que trabalham sobre a égide da

democracia participativa. Tal diferenciação diz respeito à

interferência do conjunto de trabalhadores nas mais variadas

etapas do processo de produção, se ela se dá por meio de um

diálogo constante, inclusive informalmente, ou se a socialização

do conhecimento ocorre nos espaços formais de assembléias

e comissões. Almejando entender os entraves à fluência de

um processo democrático, propõe a autora que o problema da

falta de democracia no interior do empreendimento está ligado,

entre outros, à quantidade de trabalhadores, pelas dificuldades

de uma participação efetiva de todos quando o grupo é

demasiado grande. Além disso, são poucos os membros do

grupo que se qualificam como “especialistas políticos”, o que

torna limitado o número de trabalhadores dispostos a exercer

funções político-ideológicas.

Aproximando-se do fim do trabalho, Tiriba nos expõe

uma espécie de desabafo que leva em conta o vazio teórico

que se apresenta neste momento histórico em que as utopias

parecem estar nos seus derradeiros dias, além da incapacidade

dos conceitos abstratos anteriormente estabelecidos darem

conta de compreender a complexa trama social que hodiernamente

se apresenta. Pesem-se ainda os poucos estudos que tratam

da economia popular, principalmente aqueles voltados à

economia solidária, além do escasso material teórico que foque

as contradições e transformações subjetivas vividas pelos

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trabalhadores que se lançam numa empreitada cujo mote é

produzir de forma associada para viver dignamente.De forma bastante ponderada, a autora não propõe

conclusões enfáticas, mas não deixa de firmar posições quanto“aos aspectos contraditórios da(s) pedagogia(s) da produçãoassociada, entre os quais a armadilha do ‘homem econômico’,os limites da solidariedade e os impasses da relação trabalho-educação”. (p.338). Sintetiza ainda alguns pressupostos aserem empreendidos na formação de trabalhadores que cedoforam expulsos da escola e agora não encontram espaço nempara vender sua força de trabalho no mercado. Por fim, comentasobre as “potencialidades da economia popular, bem comosobre a problemática do trabalho no limiar do novo século”(p.338).

Primeira conclusão: não há uma, mas várias pedagogiasde produção associada que se fundam em diferentes projetoseconômico e políticos. A partir dessa constatação, a autorapropõe dois diferentes grupos com distintos interesses queagem junto aos empreendimentos populares. O primeiro sevincula a uma lógica assistencialista que busca inserir maistrabalhadores nos mercados de trabalho e consumo atrelandoo desenvolvimento dos setores populares à concepção social-democrata de cidadania e a legalidade econômica. Por outrolado, há agentes que se propõem a pensar as necessidadesimediatas de sobrevivência dos setores populares sem deixarde vislumbrar formas mais estáveis de sobrevivência e práticasque fomentem novas relações de convivência dentro do espaçode produção e, quiçá, fora dele. No que tange aos agentes quebuscam reordenação completa do sistema de produção ereprodução social, Tiriba pondera duas frentes de combate:avançar, por meio da luta de posição, no espaço estatal semdesmerecer a mudança pedagógica no interior da própriasociedade civil.

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Não deixa, entretanto, de ser temerário, no atual momentohistórico, afirmar que os grupos de produção associada carregamem si as sementes de um processo contra-hegemônico oumesmo que seus valores e objetivos são antagônicos aos deuma sociedade de classes. Nesse sentido, a viabilidadeeconômica do empreendimento é determinante para que ostrabalhadores não desistam da empresa e de todos os vínculoscom ela criados e voltem a tentar galgar um posto no mercadode trabalho subordinado. Entre esses vínculos, a forma depropriedade não é fator determinante na construção coletivados trabalhadores, diferentemente da posse coletiva dos meiosde produção que se configura como “um indicativo do tipo derelação que os trabalhadores estabelecem entre si, com osparceiros, com a comunidade local e com a sociedade” (p.350).Sem romantizar as relações estabelecidas pelas OEPs, Tiribapontua haver graus de solidariedade vários, principalmente noprocesso de trabalho e da divisão dos lucros do empreendimento.Mesmo que esses fatores se mostrem como indicadores deuma economia popular de solidariedade, as novas relaçõessociais podem ficar restritas ao local de produção, até porque,como já dito, não há necessariamente dialogicidade entre oempreendimento e a comunidade que o cerca. Da mesma forma,as redes solidárias que formam o famigerado “mercado solidário”não podem resumir-se ao ato da comercialização, caso se tenhaem mente desenvolver todas as potencialidades das OEPs.

Colocado o problema da solidariedade, Tiriba leva emconta as condições miseráveis de subsistência que permeiamo tecido social e a “universalização” tanto da lógica individualistaquanto das pretensões de consumo para concluir que “não sepode falar de uma ‘solidariedade de classe’, mas de uma‘solidariedade humana’, no sentido (...) da preservação daprópria vida” (p.354). Não obstante, é interessante verificarempiricamente as potencialidades pedagógicas dos

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empreendimentos populares associados no sentido de mostraremavanços em relação à concepção de trabalhador como meroapêndice da máquina. Sem enaltecer gratuitamente a culturado trabalho nas OEPs, suas possibilidades podem estar noseio de uma nova sociedade que viria a substituir o atual modelode produção e reprodução social. Há que se pensar, tomadaesta vereda, os diferentes graus de conscientização encontradosentre os grupos estudados e verificar em que patamar elesestariam se partíssemos, por exemplo, dos momentos deconscientização gramscianos: a) momento econômico corporativo,b) momento de consciência política e c) momento de construçãode um projeto contra-hegemônico.

Os principais problemas encontrados ao longo do estudonão se referem, entretanto, às novas formas de produção nemde relações sociais desenvolvidas pelos trabalhadores, mas seremetem à fragilidade dos empreendimentos associativospopulares tanto no aspecto econômico (o qual envolvefundamentalmente aquisição de tecnologia e de capital de giro)quanto no político. Nesse sentido, a disputa dos fundos públicose políticas públicas sérias continuam sendo de primordialimportância para o desenvolvimento das OEPs.

Em que pese, por fim, o fato de as OEPs não ocuparemnem os setores de alta tecnologia nem os estratégicos daeconomia global, de não conseguirem sair do véu da escuridãoque os encobre perante o Estado e o restante da sociedadecom poder suficiente para articularem a economia popular comoum projeto político para a nação, a economia popular associadase mostra como um espaço no qual se pode avançar na questãoda cultura do trabalho por se colocar como um “amplo processopráxico-produtivo” (p. 374).

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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I N D I C A ÇI N D I C A ÇI N D I C A ÇI N D I C A ÇI N D I C A Ç ÃOÃOÃOÃOÃO D E L E I T U R A D E L E I T U R A D E L E I T U R A D E L E I T U R A D E L E I T U R A SSSSS

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ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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INDICAÇÃO DE LEITURAS

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P Ó S - G R A D U A Ç Ã OP Ó S - G R A D U A Ç Ã OP Ó S - G R A D U A Ç Ã OP Ó S - G R A D U A Ç Ã OP Ó S - G R A D U A Ç Ã O E ME ME ME ME MD I R E I T O C O O P E R A T I V O E C I D A D A N I AD I R E I T O C O O P E R A T I V O E C I D A D A N I AD I R E I T O C O O P E R A T I V O E C I D A D A N I AD I R E I T O C O O P E R A T I V O E C I D A D A N I AD I R E I T O C O O P E R A T I V O E C I D A D A N I A – – – – – U F P RU F P RU F P RU F P RU F P R

MESTRES

AUTOR: BEUX, Carla

TÍTULO: As formas de compatibilização da atuação do

Estado no domínio econômico, o terceiro setor e o

desenvolvimento social sustentável

ASSUNTO: Intervenção do estado na economia; terceiro setor;

desenvolvimento sustentável

ORIENTADOR: Prof. Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho

DEFESA: Ano: 26.1.2004

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: CARNEIRO, Gisele

TÍTULO: Economia solidária: a experiência dos clubes de troca

do Paraná

ASSUNTO: Economia solidária; clube de troca; clube de troca -

Paraná

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel

DEFESA: Ano: 6.9.2004

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: GONÇALVES, Flavia Matos de Almeida

TÍTULO:: As cooperativas de trabalho como estratégia de

emprego no Brasil

ASSUNTO: Cooperativa; cooperativa de trabalho; desemprego;

cooperativismo

ORIENTADOR: Prof.ª Dr.ª Aldacy Rachid Coutinho

DEFESA: Ano: 22.2.2005

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AUTOR: HARDER, Eduardo

TÍTULO: A definição da autonomia privada nas sociedades

cooperativas: função social e princípio da democracia

ASSUNTO: Autonomia privada; cooperativa; função social;

democracia

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel

DEFESA: Ano: 6.5.2005

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: LISNIOWSKI, Simone Aparecida

TÍTULO: Identidade de grupo na formação de uma cooperativa

popular

ASSUNTO: Cooperativa popular; economia solidária; subjetividade;

identidade de grupo

ORIENTADOR: Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig

DEFESA: Ano: 29.3.2004

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: NERONE, Ana Amelia

TÍTULO: Economia de comunhão e cooperativismo: entre

utopia e a esperança

ASSUNTO: Economia de comunhão; cooperativismo; economia

solidária; solidariedade; dignidade da pessoa humana

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel

DEFESA: Ano: 14.3.2005

E-MAIL [email protected]

AUTOR: NICOLADELI, Sandro Lunard

TÍTULO: A solidariedade e a economia solidária: uma

perspectiva sociojurídica

ASSUNTO: Solidariedade; economia solidária; sociologia jurídica

ORIENTADOR: Prof. Dr. Ricardo Marcelo Fonseca

DEFESA: Ano: 1.3.2004

E-MAIL: [email protected]

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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AUTOR: OLIVEIRA, Luciana Vargas Netto

TÍTULO: Economia solidária e conjuntura neoliberal: desafios

para as políticas públicas no Brasil

ASSUNTO: Economia solidária; neoliberalismo; globalização;

política pública; direito social

ORIENTADOR: Prof.ª Dr.ª Katya Kozicki

DEFESA: Ano: 18.3.2005

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: PONTES, Daniele Regina

TÍTULO: Configurações contemporâneas do cooperativismo

brasileiro da economia ao direito

ASSUNTO: Cooperativismo; cooperativa; capitalismo; direito;

cooperativa de produção

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel

DEFESA: Ano: 30.9.2004

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: PRADO, Flavio Augusto Dumont

TÍTULO: Regime jurídico tributário do ato cooperativo

ASSUNTO: Cooperativa (direito tributário); direito cooperativo;

direito tributário

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Roberto Vieira

DEFESA: Ano: 20.10.2003

E-MAIL: [email protected]

AUTOR: RIBEIRO, Maria Tereza Ferrabule

TÍTULO: Evolução da sociedade e das relações econômicas:

economia solidária e empresa privada

ASSUNTO: Economia solidária; interação social, economia;

empresa

ORIENTADOR: Prof.ª Dr.ª Marcia Carla Pereira Ribeiro

DEFESA: Ano: 24.11.2004

E-MAIL: [email protected]

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA - UFPR

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AUTOR: ROSSI, Amelia do Carmo SampaioTÍTULO: O cooperativismo como movimento social de resgate

a cidadania à luz dos princípios constitucionaisASSUNTO: Cooperativismo; cidadania; princípio constitucional;

movimento socialORIENTADOR: Prof. Dr. Alvacir Alfredo NiczDEFESA: Ano: 30.9.2003

AUTOR: SANTOS, Jairo Augusto dosTÍTULO: O método do discurso: ensaio sobre a emancipação

humanaASSUNTO: Discurso; comunicação; emancipação humanaORIENTADOR: Prof. Dr. Celso Luiz LudwigDEFESA: Ano: 6.11.2003E-MAIL: [email protected]

MESTRANDOS

MESTRANDO: André Viana da CruzORIENTADOR: Prof. José Antônio Peres GedielPROJETO DE DISSERTAÇÃO: A Proteção dos bens arqueológicos:da ação cooperativa à forma jurídicaE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Claudia AfanioORIENTADOR: Prof. José Antônio Peres GedielPROJETO DE DISSERTAÇÃO: As Cooperativas de Trabalho no Brasile a sua Regulação JurídicaE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Edson Galdino Vilela de SouzaORIENTADOR: Prof. Abili Lázaro Castro de LimaPROJETO DE DISSERTAÇÃO: Cooperativismo de Crédito, no Brasil:cidadania e riqueza; potencialidades e entraves

E-MAIL: [email protected]

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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MESTRANDO: Eduardo Faria Silva

ORIENTADOR: Prof. José Antônio Peres Gediel

PROJETO DE DISSERTAÇÃO: Direito à Liberdade de Associação: por

uma compreensão constitucional

E-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Fábio Moura de Vicente

ORIENTADOR: Prof.ª Liana Maria da Frota Carleial

PROJETO DE DISSERTAÇÃO: O Regime Tributário dos Diversos Atos

Praticados pelas Cooperativas

E-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: João Marcelo Borelli MachadoORIENTADOR: Prof. José Antônio Peres GedielPROJETO DE DISSERTAÇÃO: Cooperativas Populares CamponesasE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Luciana Souza de AraujoORIENTADOR: Prof. Cesar Antonio SerbenaPROJETO DE DISSERTAÇÃO: A Construção da Identidade CooperativaE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Marcelo Oliveira dos SantosORIENTADOR: Prof. Romeu Felipe Bacellar FilhoPROJETO DE DISSERTAÇÃO: Participação das cooperativas detrabalho nas licitações públicasE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Marcial Carlos Ribeiro JuniorORIENTADOR: Prof. Abili Lázaro Castro de LimaPROJETO DE DISSERTAÇÃO: As Implicações Legais do Setor deSaúde Suplementar Brasileira sobre a Legislação Cooperativista:Participação das Pessoas Jurídicas Cooperadas Patrocinadoras deSaúde como Solução para o Financiamento e Autogestão de SistemasCooperativistas de Saúde

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA - UFPR

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MESTRANDO: Marcos Rafael G. GonçalvesORIENTADOR: Prof. Celso Luiz LudwigPROJETO DE DISSERTAÇÃO: A Problemática da Regulação doCooperativismo pelo Direito: a distância entre a lei e o fatoE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Mariane JosviakORIENTADOR: Prof. Celso Luiz LudwigPROJETO DE DISSERTAÇÃO: O Cooperativismo na perspectiva dafilosofia de Enrique Dussel: a inclusão dos coletores de material reciclávelvia cooperativa, e trabalhadores cooperados que autogestionamempresas falimentaresE-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Paulo Ricardo OpuszkaORIENTADOR: Prof. José Antônio Peres GedielPROJETO DE DISSERTAÇÃO: Trabalhadores Autônomos ColetivamenteOrganizados: O Espaço das Cooperativas de Trabalho paraConstrução de uma nova Categoria Jurídica.E-MAIL: [email protected]

MESTRANDO: Wilton Borges dos SantosORIENTADOR: Prof. Celso Luiz LudwigPROJETO DE DISSERTAÇÃO: O Cooperativismo Solidário e Auto-Sujeição dos Sujeitos – Um Caminho para a Efetivação dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais

E-MAIL: [email protected]

ESTUDOS DE DIREITO COOPERATIVO E CIDADANIA

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Este livro foi composto em Univers e impresso em papel PólenSoft Natural 70g/m2. Capa em papel Cartão Supremo 250g/m2.Tiragem:1.000 exemplares.