estudos culturais e literatura oral

1
ESTUDOS CULTURAIS E LITERATURA ORAL do planejamento à transcrição, textualização e transcriação Prof. MsC. Reginâmio Bonifácio de Lima Colégio de Aplicação da UFAC – Rio Branco – Acre Pesquisador CNPq e SENAD Contato: [email protected] OBJETIVOS Identificar e analisar as vozes dos velhos enquanto autonomia de expressão a partir das lembranças dos antigos habitantes de Rio Branco, que se constituem como sujeitos reais, sociais e ativos na construção da história, bem como relacionar sua inventividade na transformação da memória cultural e construção das identidades. INTRODUÇÃO A narrativa das memórias pode se dar de diversas formas, inclusive de trajetórias de vida ou de literatura oral. A fala, o texto transcrito e a escrita transcriada despertam paixão e interesse não só pela sua repercussão cotidiana, mas pela diversidade, diferença e linguagem utilizadas que levam os interlocutores às ideias e diálogos. Levam a possibilidades. MÉTODOS Para a transcrição das narrativas foram trabalhados conceitos e métodos da pesquisa oral com autores críticos da metodologia oral, tais quais, Montenegro (2003), Delgado (2006) e Meihy (1991). As entrevistas coletadas passaram por três etapas iniciais: a) a transcrição que é a primeira versão escrita dos depoimentos, nela se busca reproduzir fielmente tudo o que foi dito sem recortes ou acréscimos; b) a textualização na qual se omite o entrevistador e se afere ao narrador a titularidade das narrativas; c) a transcriação em que o texto é recriado a ponto de ser coerente e fazer sentido para o leitor que não teve acesso ao diálogo inicial. RESULTADOS E DISCUSSÃO O intuito é que o narrador apareça e o intermediário permaneça na penumbra, para que o narrador se destaque. As vozes da memória constroem a dimensão de tecido social e das identidades coletivas através de diferentes linguagens. As identidades estão sempre em curso, é na relação tempo/espaço que se tensiona a memória que almeja conhecer as referências fundamentais do passado. Os entrevistados narram os acontecimentos que perpassam de forma transcendente aquilo que se apresenta de forma mais imediata em suas vidas, ora por aspectos comuns, ora por experiências do cotidiano. O Ato transcriativo e a ação transcriadora são produzidos a partir das memórias dos sujeitos lembrantes que atuaram produzindo reminiscências e reproduzindo trajetórias de vida. CONCLUSÕES O trabalho com fontes orais deve ser reflexivo, ponderando os fatos e se propondo a interferir na transformação social. A partir dos depoimentos gravados, transcritos, textualizados e transcriados, acreditamos ser possível conhecer a visão que os entrevistados têm de suas próprias trajetórias de vida, em consonância e/ou dissonância com a temática estabelecida para abordagem. O objetivo da transcriação não é creditar autoria a um, a outro ou a um terceiro, mas evidenciar o PALAVRAS-CHAVE literatura oral, velhos, memória, identidades, transcriação. Ao escrever, apagamos a inocência daquela tática, a inocência exposta, tão explícita a quem sabe escutar quanto um texto a quem sabe ler. E ainda vem a reescrita, na que muitas vezes, ainda que sem querer, censuramos e riscamos o que foi dito, as complacências, hesitações, ignorâncias, tolices e (in)suficiências. Entrevistador: - Em que ano vocês começaram a construir essa igreja? Nena: - Eu não sei mais em que ano nós começamos, eu não me lembro mais que ano eu cheguei aqui, eu não me lembro mais de nada meu filho. Eu fiquei assim tão esquecida. Entrevistador: - A senhora lembra qual era o 1° padre a trabalhar aqui? Nena: - 1° padre? Padre João Carlos. Entrevistador: - João Carlos? Nena: - João Carlos, foi o 1° padre daqui, ai ele era solteiro, ai ele era bonito, ai as menina começaram e começaram, o Dom Moacir disse vamos tirar ele, vamos colocar outro, Dom Moacir foi e tirou ele mandando pra fora pra longe, ai ele ficou por lá, ai veio o Asfuri, o Asfuri era solteiro também mas era como ele, era bonitão mas não dava confiança, ai o Asfuri foi praquela igreja lá da Floresta, lá da, como é o nome? Entrevistador: - São Peregrino. Nena: - Passou pra lá, e aqui ficou pros padres vim só dia de missa de quinze em quinze dias. Eu não sei mais em que ano nós começamos... Eu não me lembro mais que ano eu cheguei aqui... Eu não me lembro mais de nada, meu filho. Eu fiquei assim tão esquecida... João Carlos foi o primeiro padre daqui. Aí ele era solteiro. Aí ele era bonito. Aí as menina começaram e começaram... O Dom Moacir disse: “Vamos tirar ele, vamos colocar outro”. Dom Moacir foi e tirou ele mandando pra fora... pra longe... Aí ele ficou por lá. Aí veio o Asfuri. O Asfuri era solteiro também, mas era... como ele era bonitão... mas não dava confiança. o Asfuri foi praquela igreja lá da Floresta, lá da... como é o nome? São Peregrino. Passou pra lá, e aqui ficou pros padres vim só dia de missa, de quinze em quinze dias. Transcriação da entrevista com dona Nena Trecho da entrevista com dona Nena, 82 anos. Em 07/01/2007 às 15h10min.

Upload: reginamio

Post on 21-Dec-2015

8 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Estudos culturais e literatura oral

TRANSCRIPT

Page 1: Estudos Culturais e Literatura Oral

ESTUDOS CULTURAIS E LITERATURA ORALdo planejamento à transcrição, textualização e transcriaçãoProf. MsC. Reginâmio Bonifácio de LimaColégio de Aplicação da UFAC – Rio Branco – AcrePesquisador CNPq e SENADContato: [email protected]

OBJETIVOS Identificar e analisar as vozes dos velhos enquanto autonomia de expressão a partir das lembranças dos antigos habitantes de Rio Branco, que se constituem como sujeitos reais, sociais e ativos na construção da história, bem como relacionar sua inventividade na transformação da memória cultural e construção das identidades.

INTRODUÇÃO A narrativa das memórias pode se dar de diversas formas, inclusive de trajetórias de vida ou de literatura oral. A fala, o texto transcrito e a escrita transcriada despertam paixão e interesse não só pela sua repercussão cotidiana, mas pela diversidade, diferença e linguagem utilizadas que levam os interlocutores às ideias e diálogos. Levam a possibilidades.

MÉTODOS

Para a transcrição das narrativas foram trabalhados conceitos e métodos da pesquisa oral com autores críticos da metodologia oral, tais quais, Montenegro (2003), Delgado (2006) e Meihy (1991). As entrevistas coletadas passaram por três etapas iniciais: a) a transcrição que é a primeira versão escrita dos depoimentos, nela se busca reproduzir fielmente tudo o que foi dito sem recortes ou acréscimos; b) a textualização na qual se omite o entrevistador e se afere ao narrador a titularidade das narrativas; c) a transcriação em que o texto é recriado a ponto de ser coerente e fazer sentido para o leitor que não teve acesso ao diálogo inicial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O intuito é que o narrador apareça e o intermediário permaneça na penumbra, para que o narrador se destaque. As vozes da memória constroem a dimensão de tecido social e das identidades coletivas através de diferentes linguagens. As identidades estão sempre em curso, é na relação tempo/espaço que se tensiona a memória que almeja conhecer as referências fundamentais do passado. Os entrevistados narram os acontecimentos que perpassam de forma transcendente aquilo que se apresenta de forma mais imediata em suas vidas, ora por aspectos comuns, ora por experiências do cotidiano. O Ato transcriativo e a ação transcriadora são produzidos a partir das memórias dos sujeitos lembrantes que atuaram produzindo reminiscências e reproduzindo trajetórias de vida.

CONCLUSÕES O trabalho com fontes orais deve ser reflexivo, ponderando os fatos e se propondo a interferir na transformação social. A partir dos depoimentos gravados, transcritos, textualizados e transcriados, acreditamos ser possível conhecer a visão que os entrevistados têm de suas próprias trajetórias de vida, em consonância e/ou dissonância com a temática estabelecida para abordagem. O objetivo da transcriação não é creditar autoria a um, a outro ou a um terceiro, mas evidenciar o narrador em sua essência maior. Como em uma construção na qual as sustentações provisórias, os andaimes e as marquises de suplementação devem sair de cena, após a obra completada.

PALAVRAS-CHAVE

literatura oral, velhos, memória, identidades, transcriação.

Ao escrever, apagamos a inocência daquela tática, a inocência exposta, tão explícita a quem sabe escutar quanto um texto a quem sabe ler. E ainda vem a reescrita, na que muitas vezes, ainda que sem querer, censuramos e riscamos o que foi dito, as complacências, hesitações, ignorâncias, tolices e (in)suficiências.

Entrevistador: - Em que ano vocês começaram a construir essa igreja? Nena: - Eu não sei mais em que ano nós começamos, eu não me lembro mais que ano eu cheguei aqui, eu não me lembro mais de nada meu filho. Eu fiquei assim tão esquecida.Entrevistador: - A senhora lembra qual era o 1° padre a trabalhar aqui? Nena: - 1° padre? Padre João Carlos. Entrevistador: - João Carlos? Nena: - João Carlos, foi o 1° padre daqui, ai ele era solteiro, ai ele era bonito, ai as menina começaram e começaram, o Dom Moacir disse vamos tirar ele, vamos colocar outro, Dom Moacir foi e tirou ele mandando pra fora pra longe, ai ele ficou por lá, ai veio o Asfuri, o Asfuri era solteiro também mas era como ele, era bonitão mas não dava confiança, ai o Asfuri foi praquela igreja lá da Floresta, lá da, como é o nome? Entrevistador: - São Peregrino. Nena: - Passou pra lá, e aqui ficou pros padres vim só dia de missa de quinze em quinze dias.

Eu não sei mais em que ano nós começamos... Eu não me lembro mais que ano eu cheguei aqui... Eu não me lembro mais de nada, meu filho. Eu fiquei assim tão esquecida... João Carlos foi o primeiro padre daqui. Aí ele era solteiro. Aí ele era bonito. Aí as menina começaram e começaram... O Dom Moacir disse: “Vamos tirar ele, vamos colocar outro”. Dom Moacir foi e tirou ele mandando pra fora... pra longe... Aí ele ficou por lá. Aí veio o Asfuri. O Asfuri era solteiro também, mas era... como ele era bonitão... mas não dava confiança. Aí o Asfuri foi praquela igreja lá da Floresta, lá da... como é o nome? São Peregrino. Passou pra lá, e aqui ficou pros padres vim só dia de missa, de quinze em quinze dias.

Transcriação da entrevista com dona Nena

Trecho da entrevista com dona Nena, 82 anos. Em 07/01/2007 às 15h10min.