estudos avançados - a trajetória do negro na literatura brasileira

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  • 13/4/2014 Estudos Avanados - A trajetria do negro na literatura brasileira

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    A trajetria do negro na literatura brasileira

    Domcio Proena Filho

    RESUMO

    ESTE ARTIGO busca traar o percurso do negro na literatura brasileira, como objeto, numa visodistanciada, e como sujeito, numa atitude compromissada. Destaca, de um lado, textos literriossobre o negro e, de outro, literatura do negro. Identifica, na produo literria ao longo doprocesso literrio brasileiro, esteretipos reduplicadores da viso preconceituosa, explcita ouvelada. Procura marcar a ultrapassagem do esteretipo e a assuno do negro como sujeito doseu discurso e de sua ao em defesa da identidade cultural. Nessa direo, seleciona autores etextos representativos produzidos notadamente a partir dos anos de 1970, momento deefervescncia dos movimentos de auto-afirmao da etnia. Discute a designao literatura negra,entendida como aparentemente valorizadora, mas passvel de converter-se em risco de fazer ojogo do preconceito velado.

    ABSTRACT

    THIS ARTICLE outlines the trajectory of blacks in Brazilian literature, both as an object, with adistant perspective, and as a subject, with a more assertive attitude. As result it addresses theliterary text on blacks, on the one hand; and by Blacks, on the other. It identifies a long history ofstereotypes, associated with a prejudice vision of Blacks, both explicitly and implicitly. It seeks todescribe the moment of passage in wich the stereotype was overtaken by the affirmation ofblacks as subjects of their discourse, acting in defense of own cultural worth and identity. Itselects a number of representative authors and texts starting in the 1970s, a particularly vitalmoment of Black conciousness affirmation in Brazil. It then argues the propriety of styling ablackliterature, superficially presented as a positive affirmation, but pregnant of being turned into aform of implicit prejudice.

    A PRESENA DO NEGRO na literatura brasileira no escapa ao tratamento marginalizador que,desde as instncias fundadoras, marca a etnia no processo de construo da nossa sociedade.

    Evidenciam-se, na sua trajetria no discurso literrio nacional, dois posicionamentos: a condionegra como objeto, numa viso distanciada, e o negro como sujeito, numa atitudecompromissada.

    Tem-se, desse modo, literatura sobre o negro, de um lado, e literatura do negro, de outro.

    O negro como objeto: a viso distanciada

    A viso distanciada configura-se em textos nos quais o negro ou o descendente de negroreconhecido como tal personagem, ou em que aspectos ligados s vivncias do negro narealidade histrico-cultural do Brasil se tornam assunto ou tema. Envolve, entretanto,procedimentos que, com poucas excees, indiciam ideologias, atitudes e esteretipos daesttica branca dominante.

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    Assim dimensionada, a matria negra, embora s ganhe presena mais significativa a partir dosculo XIX, surge na literatura brasileira desde o sculo XVII, nos versos satricos e demolidoresde Gregrio de Matos, como os do "Juzo anatmico dos achaques que padecia o corpo daRepblica em todos os seus membros e inteira definio do que em todos os tempos a Bahia",poema de que vale lembrar a seguinte passagem, a propsito, manifestamente reveladora:

    Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra?... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

    O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha.

    Quem a ps neste rocrcio?... Negcio. Quem causa tal perdio?... Ambio. E a maior desta loucura?... Usura.

    Notvel desaventura De um povo nscio e sandeu Que no sabe que o perdeu Negcio, ambio, usura.

    Quem so seus doces objetos?... Pretos. Tem outros bens mais macios?... Mestios. Quais destes lhe so mais gratos?... Mulatos.

    Dou ao demo os insensatos, Dou ao demo a gente asnal, Que estima por cabedal

    Pretos, mestios, mulatos1.

    No sculo XIX, presentifica-se a viso estereotipada, que vai prevalecer at a atualidade, comalguma variao. Tomada como ponto de partida a caracterizao proposta por David Brookshaw,em seu livro Raa e cor na literatura brasileira, 1983, embora com algumas ressalvas a outrascolocaes suas nessa mesma obra, passo a destacar os esteretipos que considero maisevidentes.

    Comeo pelo escravo nobre, que vence por fora de seu branqueamento, embora a custo demuito sacrifcio e humilhao. o caso da escrava Isaura, do livro do mesmo nome, escrito porBernardo Guimares e publicado em 1872 e de Raimundo, o belssimo mulato de olhos azuis criadopor Alusio de Azevedo em O mulato, lanado em 1881. Essa nobreza identifica-se claramente coma aceitao da submisso, apesar da bandeira abolicionista que o primeiro pretende empunhar eda denncia do preconceito assumida pelo segundo. A fala de Isaura deixa clara a posio, comonesse dilogo com sinh Malvina, diante da tristeza da cano entoada pela primeira:

    No gosto que a cantes, no, Isaura. Ho de pensar que s maltratada, que s umaescrava infeliz, vtima de senhores brbaros e cruis. Entretanto passas aqui umavida, que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram-teuma educao, como no tiveram muitas ricas e ilustres damas, que eu conheo. sformosa e tens uma cor linda, que ningum dir que gira em tuas veias uma s gota

    de sangue africano2. [...] Mas senhora, apesar de tudo isso que sou eu mais do que uma simples escrava?Essa educao, que me deram, e essa beleza, que tanto me gabam, de que meservem?... So trastes de luxo colocados na senzala do africano. A senzala nem porisso deixa de ser o que : uma senzala. Queixas-te de tua sorte, Isaura? Eu no, senhora: apesar de todos esses dotes e vantagens, que me atribuem, sei

    conhecer o meulugar3 (O grifo meu).

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    Raimundo, por sua vez, desconhecedor de sua origem de me escrava, sabida, porm, "por

    quantos conheceram os seus parentes no Maranho"4, tambm faz uma severa auto-avaliao, nacena de sua quase renncia, que s no se consuma por fora do determinismo biolgico ecircunstancial que comanda os comportamentos no romance:

    No chores, minha flor... [...] Tens toda a razo... perdoa-me se fui grosseirocontigo! mas que queres? Todos ns temos orgulho, e a minha posio a teu lado erato falsa!...Acredita que ningum te amar mais do que te amo e desejo! Sesoubesses, porm quanto custa ouvir cara-a-cara: "No lhe dou minha filha porque osenhor indigno dela, o senhor filho de uma escrava!" Se dissessem: " porque pobre!" que diabo! eu trabalharia! Se dissessem: " porque no tem a posiosocial!" juro-te que a conquistaria, fosse como fosse!" porque um infame! umladro! um miservel!" eu me comprometeria a fazer de mim o melhor dos homens debem! Mas um ex-escravo, um filho de negra, um mulato! E como hei de apagar a

    minha histria da lembrana de toda esta gente que medetesta?5

    No momento em que se explicita a gravidez de Ana Rosa, seu comportamento ainda maisrevelador:

    O senhor um malvado! Invectivou o pobre pai, afastando-se para um canto asoluar. O rapaz foi ter com ele e pediu-lhe humildemente que lhe perdoasse e lhe desse Ana

    Rosa poresposa6.

    Verdade que, no final, Raimundo reage, irritado, e toma posio, o que lhe custar a prpria vida.

    nobreza de carter de Isaura e de Raimundo associa-se outra dimenso estereotipada: ado negro vtima, sobretudo quando escravo. Nessa ptica, ele se transfigura em objeto deidealizao, pretexto para a exaltao da liberdade e defesa da causa abolicionista, como nosempolgados versos de Castro Alves, poeta romntico. "O navio negreiro", por exemplo, um de seustextos antolgicos, destaca a desumanidade que marcava o trfico dos escravos, ento jabolido. Outro poema, "A cruz da estrada", situa a redeno pela morte, onde o escravoencontraria a sua plena liberdade: no h lugar para ele nessa sociedade, mas em compensao,a natureza cuida do seu tmulo e dele ser o reino dos cus. O poeta baiano no atribui, na quasetotalidade dos seus poemas sobre a escravido, qualquer movimento de reao ou de revolta aoescravo, marcado pela atitude resignada. A frica personificada lamenta a sua sorte e termina porpedir perdo para os seus crimes (!):

    Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada Em meio das areias esgarrada, Perdida marcho em vo!

    Se choro... bebe o pranto a areia ardente: Talvez... pra que meu pranto, Deus clemente! No descubras no cho!

    ....................................................................

    Basta, Senhor! Do teu potente brao Role atravs dos astros e do espao Perdo pros crimes meus!...

    H dois mil anos... eu soluo um grito...

    Escuta o brado meu l do infinito,

    Meu Deus! Senhor, meu Deus!7

    Em "O navio negreiro", o apelo a que empunhem a bandeira da libertao feito aos "heris doNovo Mundo", a Andrada, o patriarca da independncia brasileira, a Colombo, o descobridor daAmrica. Zumbi nem pensar... Vejo excees no final de "A criana" ("Amigo, eu quero o ferro davingana"), tambm na ltima estrofe de "Bandido negro": ("Cai orvalho do sangue do escravo/Caiorvalho da face do algoz./Cresce, cresce vingana feroz"), nas associaes imagsticas de

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    "Saudao a Palmares", na vingana individualizada de Lucas, em quem o "selvagem" emerge paralavar a honra da mulher amada. Repare-se que a nfase, nesses casos, recai sempre no atovingativo, nunca no problema central, que seria a luta pela liberdade ou a referncia aposicionamentos coletivos, isto numa poca em que Palmares e outros quilombos j eramrealidades.

    Estamos diante de uma poesia que no foge tnica do seu tempo, necessrio diz-lo. Apesar doseu empenho consciente e do seu entusiasmo, o poeta no consegue livrar-se, nos seus textos,das marcas profundas de uma formao desenvolvida no bojo de uma cultura escravista. O quemove a sua indignao , sobretudo, o sofrimento do negro, que ele v como ser humano, e maisa necessidade de a nao livrar-se da mancha da escravido. Ele, como percebeu Jos GuilhermeMerquior, "no busca a especificidade cultural e psicolgica do negro; ao contrrio, assimilando-lhe o carter aos ideais de comportamento da raa dominante, branqueia a figura moral do preto,facilitando-lhe assim a identificao simptica das platias burguesas com os sofrimentos

    dos escravos"8.

    Curiosamente, por essa via que acredito se possa dimensionar a sua contribuio causa daabolio. No momento em que o negro extremamente coisificado, importa para a campanhaafirmar, em altos brados, a sua condio humana e contribuir assim para instalar na burguesia aculpa moral da escravido. Por outro lado, a afirmao da liberdade era um dos ideais da ideologiapredominante. Se em sua viso idealizadora o poeta no consegue escapar do esteretipo, se eleno d voz ao negro, mas se comporta como um advogado de defesa que quer comover a platiae provar a injustia da situao que denuncia, tenhamos presente, entretanto, que ele quemassume, na literatura brasileira, o brado de revolta contra a escravido, abre espaos para aproblemtica do negro escravo, num momento histrico em que o negro era, como assinala

    Antonio Candido, "a realidade degradante, sem categoria de arte, sem lenda histrica"9. Trata-se,inegavelmente, de um notvel feito para a poca.

    Ainda sob a perspectiva idealizante do Romantismo, sai a lume, em 1864, um poema que sedestaca dos demais de seu tempo, ao retratar um negro de perfil herico e consistente: trata-sede "Mauro, o escravo", de Fagundes Varela. O texto, entretanto, valoriza o negro mas noconsegue afastar-se da tendncia ao branqueamento.

    um momento em que tambm emerge o negro infantilizado, servial e subalterno, que seencontra, por exemplo, em peas de teatro como O demnio familiar, de Jos de Alencar, e Ocego, de Joaquim Manuel de Macedo. Esse esteretipo permanece, associado animalizao, nafigura da Bertoleza, do romance O cortio (1900), de Alusio Azevedo:

    Bertoleza que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempreatrapalhada de servio, sem domingo nem dia santo: essa, em nada, em nadaabsolutamente, participava das novas regalias do amigo: pelo contrrio, medida queele galgava posio social, a desgraada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. JooRomo subia e ela ficava c embaixo, abandonada como uma cavalgadura de que j

    no precisamos para continuar a viagem10.

    Verdade que textos sem maior representatividade literria, ainda que a servio da causaabolicionista, por vezes do voz ao negro: o caso de Trajano Galvo de Carvalho, com Ocalhambola, centrado num escravo orgulhoso, embora resignado.

    Em situao oposta, presentifica-se o escravo demnio, tornado fera por fora da prpriaescravido, e que aparece, por exemplo, num romance pouco divulgado do mesmo Joaquim Manuelde Macedo, que tem por ttulo As vtimas-algozes (1873 e 1896), e no ainda menos conhecidoromance de Jos do Patrocnio denominado Mota Coqueiro (1877); destaca-se tambm em O reinegro (1914) romance de Coelho Neto, e em A famlia Medeiros(1892), de Jlia Lopes de Almeida.Na maioria dos casos, o negro figura como personagem secundrio, como contraponto social.

    Da condio de fera perverso o caminho curto. E o negro pervertido ganha a cena noexcelente romance O bom crioulo (1885), de Adolfo Caminha, uma histria de homossexualismo,corajosssima, para aquele momento, e em A carne (1888), de Jlio Ribeiro, onde, segundo onarrador, a liberao dos instintos de Lenita, a branca personagem central, se deve promiscuidade com os escravos. Da para a concluso de que a raa negra inferior a distncia curtssima, como O presidente negro (1926), de Monteiro Lobato, deixa entrever.

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    Instinto liricizado a marca do sofrido Juca Mulato (1917), poema de Menotti del Picchia. Apesarda aparente valorizao do mestio, tomado como centro de referncia e caracterizadosimpaticamente no seu mundo emocional por um "narrador" distanciado, retoma-se ademonstrao de que os mulatos tambm sentem. Destacar esse personagem ainda era,entretanto, uma atitude inusitada e vanguardista na poca da publicao do texto.

    O negro ou o mestio de negro erotizado, sensualssimo, objeto sexual, uma presena que vemdesde a Rita Baiana, do citado O cortio, e mesmo do mulato Firmo, do mesmo romance, passapelos poemas de Jorge de Lima, como "Nega Ful", suaviza-se nos Poemas da negra (1929), deMrio de Andrade e ganha especial destaque na configurao das mulatas de Jorge Amado. Apropsito, a fico do excepcional romancista baiano contribui fortemente para a viso simpticae valorizadora de inmeros traos da presena das manifestaes ligadas ao negro na culturabrasileira, embora no consiga escapar das armadilhas do esteretipo. Basta recordar o caso doingnuo e simples Jubiab, do romance do mesmo nome, lanado em 1955, e da infantilizada einstintiva Gabriela, de Gabriela, cravo e canela (1958), para s citar dois exemplos. A seu favor, ofato de que, na esteira da tradio do romance realista do sculo passado no pas, a maioria desuas estrias inserem-se no espao da literatura-espelho e, no caso, refletem muito docomportamento brasileiro em relao s mulheres que privilegia.

    Ainda na galeria do esteretipo, que no tenho pretenso de esgotar, vale assinalar a figurado negro exilado na cultura brasileira, como tem sido apontado por alguns crticos e de que umexemplo se encontra em Urucungo(1933), livro de poemas de Raul Bopp.

    A prevalncia da viso estereotipada permanece dominante, alis, na literatura brasileiracontempornea, pelo menos at os anos de 1960, quando comeam a surgir, paralelamente,textos compromissados com a real dimenso da etnia.

    Cito alguns exemplos representativos do primeiro posicionamento.

    Em Corpo vivo (1962), romance de Adonias Filho, o negro fiel o personagem Setembro, smboloda antiviolncia, responsvel pela educao crist do heri Cajango, antes da preparao desteltimo para a vingana, companheiro de luta quando o heri assume a sua inglria e cruentamisso.

    Outro negro da obra de Adonias Olegrio, no romance O forte (1965), uma caixa "cheia dehistrias". ele o personagem porta-voz, a memria. Trata-se de uma narrativa que focaliza "umdrama humano em torno do forte, o forte em torno de Salvador e o fundo histrico de Salvador emtorno de ambos", como resume o prprio autor. Acrescento o que ele no disse e o romancerevela: a reconstruo da vida, com a destruio do passado e da violncia. o que fazem ospersonagens Jairo e Tibiti, enquanto Olegrio conduz a narrativa, ele, nesse passado, um negrosanto e demnio, protetor e vingador, terno e violento, preto velho contador de histrias, emborasem qualquer trao de linguagem especificamente reveladora. O experimentalismo de Adonias nose preocupa com a dimenso mimtica a esse nvel.

    A tentativa de uma viso integradora aparece em Luanda Beira Bahia (1971), uma trgica histriade amor passada no trplice espao geogrfico indiciado pelo ttulo do romance. Destaca-se oesteretipo da morena sensual na personagem Iuta.

    J os contos de Edilberto Coutinho, no mbito da literatura-denncia, trazem o negro injustiado eressentido de "O fim de uma agonia". Apresentam a mitificao/desmitificao do negro Pel, em"O rei nu", e em "Tem explicao, doutor?", a caracterizao da conscincia desesperada do negrojogador de futebol e joguete na mo dos empresrios; o novo passageiro de um singular "Navionegreiro", ttulo do conto, o contraste entre a negra favelada que ganha fama e paga caro porisso e a branca privilegiada e nobre, em"Mulher na jogada". No conseguem, porm, evitar oesteretipo em "Um negro vai forra", onde desponta como personagem principal o negro Bira,marginal, violento, passional, agressivo:

    Um jogado fora, biscateiro do cais. Se arranjara com Wilma. Branca, ela. Dizia que se amarrava no seu tio: demais. Mas vinha acontecendo o que no estavano traado da idia do negro Bira. Gamado de verdade estava ele. A gamao sfazendo aumentar cada dia. Um cachorro sarnento, se sentia agora. Um negro

    fedorento, imprestvel11.

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    Essa paixo o levar ao crime. Num sonho, tira a vida da amante, ciumento de sua prostituio e,na realidade, troca a sua morte efetiva pela do desconhecido que riu debochado do seu cime noespao real do bar do cais do porto, onde a encontrara com o garoto louro do estrangeiro.

    No teatro, um exemplo significativo o Cristo de Ariano Suassuna, na cena culminante dojulgamento do Auto da Compadecida. O estranhamento da popular figura folclrica do personagemJoo Grilo, diante de sua caracterizao como negro sintomaticamente revelador:

    Fala o "Encourado" (de costas, grande grito, com o brao ocultando os olhos):

    Quem ? Manuel? MANUEL: Sim, Manuel, o Leo de Jud, o Filho de Davi. Levantem-se todos poisvo ser julgados. JOO GRILO: Apesar de ser um sertanejo pobre e amarelo, sinto que estou diante deuma grande figura. No quero faltar com o respeito a uma pessoa to importante, masse no me engano, aquele sujeito acaba de chamar o senhor de Manuel. MANUEL: Foi isso mesmo, Joo. Esse um dos meus nomes, mas voc pode mechamar tambm de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele gosta de me chamar de Manuelou Emanuel, porque assim quer se persuadir de que sou somente homem. Mas voc,se quiser, pode me chamar de Jesus. JOO GRILO: Jesus? MANUEL: Sim. JOO GRILO: Mas espere, o senhor que Jesus? MANUEL: Sou. JOO GRILO: Aquele a quem chamavam Cristo? JESUS: A quem chamavam, no, que era Cristo. Sou, por qu? JOO GRILO: Porque... no lhe faltando com o respeito no, mas eu pensava que

    o senhor era muito menos queimado12.

    Segue-se um protesto do Bispo, a reprimenda do Cristo por ele ter mandado Joo Grilo calar-sechamando-o de atrevido e a sintomtica observao complementadora deste ltimo:

    JOO GRILO: Muito bem. Falou pouco, mas falou bonito. A cor pode no ser dasmelhores, mas o senhor fala bem que faz gosto.

    A fala seguinte do Cristo, justificando a figura que assumira tambm culturalmente reveladora:

    MANUEL: Muito obrigado, Joo, mas agora sua vez. Voc cheio de preconceitode raa. Vim hoje assim de propsito, porque sabia que ia despertar comentrios. Quevergonha! Eu, Jesus, nasci branco e quis nascer judeu, como podia ter nascido preto.Para mim tanto faz um branco ou um preto. Voc pensa que sou americano para ter

    preconceito de raa?13

    A passagem citada fala por si. Repare-se que nem Deus pode ser negro sem despertar estranhezaat do homem simples do serto, e o prprio Cristo tem necessidade de se explicar.

    Ainda no mbito teatral, Vincius de Moraes atualiza e carioquiza a tragdia grega, ao transp-lapara a realidade urbana do Rio de Janeiro, em sua pea Orfeu negro (1954) e a etnizasimpaticamente, destacada a relao entre o negro e a msica popular brasileira. A pea,entretanto, no se centraliza em questes especificamente ligadas condio do negro; prende-se mais dimenso trgica da histria grega, ponto de partida. Tanto que o autor esclarece, emnota ao texto, que "todas as personagens da tragdia devem ser normalmente representadas poratores da raa negra, no importando isso em que no possa ser, eventualmente, encenada comatores brancos".

    Propositadamente selecionei exemplos em que atuam personagens representativos da classe mdiaurbana, da realidade rural, da marginalidade e um sertanejo carregado de folclore e de literaturapopular. Todos criados por autores contemporneos, cujos textos demonstram uma preocupaocom retratar aspectos marcantes da realidade sociocultural do nosso pas.

    Na ultrapassagem do esteretipo, surgem, na dcada de 1980, ainda que luz de visesdistanciadas, obras preocupadas em resgatar a figura do negro. Est entre elas o romance Os

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    tambores de So Lus (1985), de Josu Montello, que no negro nem mestio assumido denegro, nem na aparncia fsica nem na confisso biogrfica, obra onde o autor pretende realizar,como informa a prpria orelha do livro, "a grande saga do negro brasileiro, nas suas lutas, nos seusdramas e na sua tragdia [...] O resgate de uma velha dvida a dvida contrada para com a raanegra em nosso pas e que merecia, de nossa literatura, o seu canto em prosa, a sua verdade, a

    suadenncia"14. Esse propsito se traduz numa histria em que se evidencia, e a professorabrasileira Zil Bernd o assinala, um exemplo de conscincia negra dilacerada, o que efetivamentese d, na medida em que nela se configura o personagem negro dividido entre o mundo branco desua circunstncia e o mundo de sua ancestralidade e etnia. Outra tentativa de atituderevalidadora da histria do negro encontra-se em Viva o povo brasileiro (1984), de Joo UbaldoRibeiro, no caso integrada preocupao de buscar, na transfigurao da arte literria, acaracterizao da gente do Brasil, a partir da retomada ficcional do processo de formao do pas.Em destaque, a luta permanente pela liberdade, com a conscincia de que, como sabia opersonagem Dando, "a liberdade de um no era nada sem a liberdade de todos e a liberdade noera nada sem a igualdade e a igualdade h que estar dentro do corao e da cabea, no pode

    ser comprada nem imposta"15. So narrativas amplas, cuja apreciao pormenorizada escapa aosobjetivos deste trabalho, dada a multiplicidade de aspectos que envolvem. Merece tambmreferncia a posio revelada nos romances do ciclo do acar, escritos por Jos Lins do Rego,nos quais, entre outras atitudes, se trata do percurso do negro em ambiente brasileirocontemporneo e se contam histrias de usinas onde o brao negro tem atuao relevante.

    Nesse espao literrio marcado pelo distanciamento, situam-se tambm obras de escritores negrose, em nmero maior, mestios de negros reconhecidos ou no como tal, nas quais a matria negra eventualmente tratada, num ou noutro texto. o caso, por exemplo, de Domingos CaldasBarbosa (1740?-1800), filho de pai portugus e me africana, que assume, eventualmente, nasua Viola de Lereno (1798, t. 1 e 1826, t. 2) essa condio. So bastante citados os versos comque se dirige ao seu contemporneo, o Pe. Antnio de Sousa Caldas:

    Tu s Caldas, eu sou Caldas; Tu s rico, e eu sou pobre; Tu s o Caldas de Prata;

    Eu sou o Caldas de cobre16.

    Gonalves Dias, reconhecidamente uma das mais altas expresses da poesia do Romantismobrasileiro, filho de pai portugus e me cafuza, assina um poema "A escrava" (1846), e um textoem prosa, "A meditao" (1849); nenhuma condenao aberta escravido, mas a denncia-lamento da situao de opresso. Referncias sutis so encontradas em O horto (1900), da pretaAuta de Sousa (1876-1901), formada em colgio de religiosas francesas.

    Na obra do mulato Mrio de Andrade (1893-1945), encontro algumas passagens reveladoras deuma posio dividida, a acreditar-se na identidade entre o eu lrico e o poeta. Na "Meditao doTiet" aparece uma referncia vinculao com a etnia:

    Eu me sinto grimpado no arco da Ponte dasBandeiras,

    Bardo mestio, e meu verso vence a corda

    Da caninana sagrada, e afina com os ventosdos ares, e

    [enrouquece

    mido nas espumas das guas do meu rio

    E se espatifa nas dedilhaes brutas doincorpreo

    [Amor17

    Os seus "Poemas da negra" (1929) exaltam a beleza da raa, luz da relao amorosavalorizadora:

    Voc to suave, Vossos lbios suaves

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    Vagam no meu rosto, Fecha meu olhar. Sol-posto. a escureza suave Que vem de voc,

    Que se dissolve em mim18.

    O heri Macunama, do romance do mesmo nome, de sua autoria, , nas suas mutaes,singularmente representativo, quando nasce preto e vira branco. Os versos do "Improviso do malda Amrica", entretanto, situam, na passagem que segue, outro posicionamento:

    Grito imperioso da brancura em mim...

    [...]

    Me sinto branco, fatalizadamente um ser demundos que

    [nunca vi

    [...]

    No acho nada, quase nada, e meus ouvidosvo escutar

    [amorosos

    Outras vozes de outras falas de outras raas,mas formao,

    [mas forura.

    Me sinto branco na curiosidade imperiosa deser.

    Mas eu no posso me sentir negro nemvermelho!

    Decerto que essas cores tambm tecem minharoupa arlequinal

    Mas eu no me sinto negro, mas eu no mesinto vermelho,

    Me sinto s branco, relumeando caridade eacollhimento,

    Purificado na revolta contra os brancos, asptrias,

    as guerras, as posses, as preguias e asignorncias

    Me sinto s branco agora, sem ar neste arlivreda Amrica!

    Me sinto s branco em minha alma crivada

    de raas!19

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    Como acontece com Mrio de Andrade, a biografia oficial de Jorge de Lima, pelo menos a publicadanas histrias e nos dicionrios de literatura brasileira de que tenho notcia, e ainda as que figuramem seus livros, no apontam vinculao alguma com a ascendncia negra, embora, como atestamos que os conheceram pessoalmente, eram evidentes em ambos traos fsicos caracterizadores da

    mestiagem. Curiosamente, costuma-se conceder nfase sua nordestinidade20.

    Condies epidrmicas parte, entendo que, na tentativa de dar voz aos negros, Jorge de Lima outro escritor que termina por falar sobre os negros. H nos seus versos, verdade, a tentativade exaltao mitificadora da Serra da Barriga, no poema do mesmo nome, da contribuio africanas comidas da Bahia ("Comidas"), da beleza sedutora da mulher negra, mesmo na condio deescrava, mas, no caso, associada imagem de ladra e destruidora de lares, por fora de suasensualidade e de seu erotismo ("Essa nega ful"). Por outro lado, contm referncias s prticasreligiosas ("Benedito Calunga", "Obamb batizado", "Rei Oxal, rainha Iemanj"), lembrananostlgica da bab negra ("Ancila negra"), canto de esperana redentora ("Ol, negro"). Em todosos poemas, porm, a viso simptica, mas distanciada e no comprometida diretamente, mesmonesse ltimo, em que se assume bandeira de libertao. Esse texto , alis, o nico que seaproxima do negro como indivduo e cidado contemporneo do poeta, o nico, portanto, que secaracteriza por um dimensionamento social objetivamente situado, para alm da sentimentalidadee da folclorizao.

    J a posio de Machado de Assis tem merecido consideraes especiais. H quem defenda que ofato de um mulato ter-se tornado um dos maiores, seno o maior dos escritores brasileiros, altamente significativo para a causa da afirmao da etnia, embora no se encontre em sua obraficcional uma assuno ideolgica nesse sentido. Outros criticam a ausncia em seus textos deproblemtica ou temtica negra positivamente dimensionada e vergastam o seu branqueamento,numa atitude to racista quanto a que discrimina os negros. Outros mais consideram que a suacrtica mordaz sociedade brasileira de seu tempo revela um modo de participao que o

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    vincularia a uma certa literatura-denncia. De minha parte, entendo que a literatura machadiana indiferente problemtica do negro e dos descendentes de negro, como ele. Mesmo os doiscontos que envolvem escravos, "O caso da vara" e "Pai contra me", no se centralizam naquesto tnica, mas no problema do egosmo humano e da tibieza de carter. Os demais tiposnegros ou mestios participam como figurantes em histrias que, no nvel do contedo manifestoou do realismo de detalhe, constituem reflexo da realidade social que pretendem retratar. Odistanciamento se evidencia tambm no espao da crnica. So significativas as passagens dotexto datado de 19 de maio de 1888:

    Eu perteno a uma famlia de profetas aprs coup, post factum, depois do gatomorto, ou como melhor nome tenha em holands. Por isso digo, e juro se necessriofor, que toda a histria desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que nasegunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha,pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforri-lo era nada; entendi que,perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar. [...] No golpe do meio (coup de milieu,mas eu prefiro falar a minha lngua), levantei-me eeu com a taa de champanha e declarei que, acompanhando as idias pregadas porCristo, h dezoito sculos, restitua a liberdade ao meu escravo Pancrcio; queentendia que a nao inteira devia acompanhar as mesmas idias e imitar o meuexemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens no podiam

    roubar sem pecado21.

    Cruz e Sousa, o notvel poeta do simbolismo brasileiro, outro caso singular. Negro, filho deescravos alforriados, com nome, sobrenome e educao esmerada ganhos dos senhores de seuspais, tendo sofrido amargamente a violncia do preconceito que o impediu, entre outrasdiscriminaes, de assumir o cargo de promotor pblico em Laguna, deixa entrever na sua obra asmarcas do conflito em que se dilacerava. No plano da ao, assume a luta contra a opressoracial e, entre outras atividades, dirige o jornalzinho O Moleque, significativo desde o ttulo, edeixa nove poemas e dois textos em prosa comprometidos com a causa abolicionista. Sua obraliterria, entretanto, evidencia uma posio dividida e conflitada. A confisso de "O emparedado"no deixa margem a dvidas, como se pode perceber nas seguintes passagens, entre outras:

    O temperamento entortava muito para o lado da frica: era necessrio faz-loendireitar inteiramente para o lado Regra, at que o temperamento regulasse certocomo um termmetro! [...] Num impulso sonmbulo para fora do crculo sistemtico das frmulaspreestabelecidas, deixei-me pairar, em espiritual essncia, em brilhos inatingveis,atravs dos nevados, gelados e peregrinos caminhos da Via-Lctea... E por isso que eu ouo, no adormecimento de certas horas, nas moles quebreiras devagos torpores enervantes, na bruma crepuscular de certas melancolias nacontemplatividade de certos poentes agonizantes, uma voz ignota, que parece vir dofundo da Imaginao ou do fundo do mucilaginosos do Mar ou dos mistrios da Noite talvez acordes da grande Lira noturna do Inferno e das harpas remotas de velhos cusesquecidos, murmurar-me: Tu s de Cam, maldito, rprobo, anatematizado! Falas em Abstraes, em Formas,em espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das raas de ouro eda aurora, se viesses de arianos, depurados por todas as civilizaes, clula porclula, tecido por tecido, cristalizado o teu ser num verdadeiro cadinho de idias, desentimentos direito, perfeito, das perfeies oficiais dos meios convencionalmenteilustres! [...] Artista! Podes l isso ser se tu s d'frica, trrida e brbara, devoradainsaciavelmente pelo deserto, tumultuada de matas bravias, arrastada sangrando nolodo das Civilizaes despticas, torvamente amamentada com o leite amargo e

    venenoso da Angstia!22

    Filho dessa frica que ele chama ainda de "gemente, criao colorosa e sanguinolenta de Satsrebelados", "grotesca e triste, melanclica gnese assombrosa de gemidos", "frica de Suplcios,sobre cuja cabea nirvanizado pelo desprezo do mundo Deus arrojou toda a peste letal etenebrosa das maldies eternas", que lhe resta? ele mesmo responde, com a sada pela evaso:

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    deixar-se "para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho"23.

    E na sua poesia, essa viso negativa se corrobora, sobretudo quando associa cor branca asqualidades do ideal e ao negro os mesmos aspectos dolorosos e viciosos que vincula frica deorigem. Autoconvertido em vtima da fatalidade de sua cor, o poeta lamenta a sua condio de

    emparedado e procura, como assinala Alfredo Bosi, a soluo pela sublimao24. Vale acrescentar,ainda nas palavras do mesmo crtico em percuciente ensaio, que

    Compondo a prosa potica do "Emparedado", que fehca o livro das Evocaes, foipossvel a Cruz e Sousa lanar o seu protesto contra os argumentos da ideologiadominante no discurso antropolgico. Trata-se de um fenmeno notvel de resistnciacultural pelo qual o drama de uma existncia, que sobretudo subjetivo e pblico aomesmo tempo, sobe ao nvel da conscincia inconformada e se faz discurso, entrando,

    assim, de pleno direito, na histria objetiva da cultura25.

    Em sntese, no mbito do distanciamento que procurei caracterizar, consciente de no teresgotado todos os exemplos representativos, notadamente em relao produo literria doltimo sculo e do comeo do atual, predomina o esteretipo. O personagem negro ou mestio denegros caracterizado como tal ganha presena ora como elemento perturbador do equilbriofamiliar ou social, ora como negro herico, ora como negro humanizado, amante, fora de trabalhoprodutivo, vtima sofrida de sua ascendncia, elemento tranqilamente integrador da gentebrasileira, em termos de manifestaes. Zumbi e a saga quilombola no habitam destaques nesseespao.

    Por outro lado, os protagonistas de romances e de muitos poemas, quando escravos, sooriginariamente, como destaca Antonio Candido, mulatos, a fim de que o autor possa dar-lhestraos brancos, e, deste modo, encaix-los nos padres da sensibilidade branca.

    Essa poetizao da figura do negro, mais configurada nas manifestaes literrias do sculo XIX,culminou por tornar-se, segundo penso, uma faca de dois gumes: se, como quer ainda o mesmoAntonio Candido, conseguiu impor a dignidade humana do negro, por outro lado passou a seruma via de sada confortvel para o preconceito presente na realidade brasileira, na medida em

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    que acabou escoando na aceitao do negro e do mestio de negro reconhecido como talenquanto emocionalmente e socialmente bem comportados, dceis, resignados e que, comoIsaura, sabem reconhecer o lugar que socialmente lhes foi imposto.

    Tal imagem, entretanto, vem-se diluindo desde as duas dcadas finais do sculo passado, diantedos posicionamentos daqueles que seguem empenhando na luta pela afirmao cultural e pelalegtima e devida integrao do negro sociedade brasileira, para alm dos esteretipos e dasdistores.

    O negro como sujeito: a atitude compromissada

    A literatura do negro surge com as obras de alguns pioneiros, como o irnico Lus Gama (1850-1882), filho de africana com fidalgo baiano e o primeiro a falar em versos do amor por uma negra. tambm destacado pelas estrofes satricas da "Bodarrada" ("Quem sou eu?"), de que transcrevoum fragmento:

    Eu bem sei que sou qual Grilo De maante e mau estilo; E que os homens poderosos desta arenga receosos, ho de chamar-me tarelo, bode, negro, Mongibe.

    Porm eu, que no me abalo, vou tangendo o meu badalo com repique impertinente, pondo a trote muita gente. Se negro sou, se sou bode, pouco importa. O que isto pode?

    Bodes h de toda a casta, pois que a espcie muito vasta... H cinzentos, h rajados, baios, pampas e malhados, bodes negros, bodes brancos, e, sejamos todos francos, uns plebeus e outros nobres,

    bodes ricos, bodes pobres, bodes sbios, importantes, e tambm alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra,

    marram todos, tudo berra26.

    Outro exemplo o mulato Lima Barreto (1881-1922), o excepcional ficcionista em cuja obra,vinculada realidade social urbana e suburbana do Rio de Janeiro, se destaca, a propsito, oromance Clara dos Anjos, escrito em 1922 (1948, ed. pstuma), a histria de uma mulata, filha deum carreteiro de subrbio, iludida, trada e sofrida por causa de sua cor. Um texto denunciador dopreconceito, portanto, em que a fala final da personagem, impotente diante da injustia, impactapelo tom desesperanado: " Ns no somos nada nesta vida". A dilacerao tambm se revela

    com realismo carregado de vivncia pessoal nas Recordaes de Isaas Caminha27.

    O posicionamento engajado s comea a corporificar-se efetivamente a partir de vozesprecursoras, nos anos de 1930 e 1940, ganha fora a partir dos anos de 1960 e presenadestacada atravs de grupos de escritores assumidos ostensivamente como negros oudescendentes de negros, nos anos de 1970 e no curso da dcada de 1980, preocupados commarcar, em suas obras, a afirmao cultural da condio negra na realidade brasileira. As vozescontinuam nos anos de 1990 e na atualidade, embora com menor presena na

    repercusso pblica28.

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    Essa tomada de posio literria relaciona-se com os movimentos de conscientizao dos negrosbrasileiros que marcam o incio do sculo atual e vem ganhando contornos mais ntidos e definidosao longo desse perodo histrico, com maior ou menor evidncia.

    Data de 1915 o aparecimento, na imprensa, de peridicos especializados, entreeles, Menelik (1915-1935), O Clarim da Alvorada (1924-1937), Voz da raa (1924-1937); em 1931surge a Frente Negra Brasileira. Segue-se o interregno da ditadura getuliana. As vozes voltam aclamar a partir de 1945, atravs, entre outras publicaes, de Mundo Novo, Novo Horizonte,Alvorada. Nesse mesmo ano, funda-se a Associao de Negros Brasileiros; de 1944 a criao doTeatro Experimental do Negro, onde se ressalta a figura de Abdias do Nascimento, tambmfundador, em 1968, do Museu de Arte Negra. Data de 1978 a fundao do Movimento Unificadocontra a Discriminao Racial (MNUCAR), depois Movimento Negro Unificado (MNU). Deste mesmoano a criao, em So Paulo, do Centro de Cultura e Arte Negra. No mbito oficial, cria-se, nosanos de 1980, a Fundao Palmares. So algumas das publicaes, entidades e movimentos deposies diferenciadas quanto ao equacionamento do problema, mas todas com o mesmo ncleo

    de preocupao: a causa do negro brasileiro29.

    Pouco a pouco, escritores negros e descendentes de negros comeam a manifestar em seusescritos o comprometimento com a etnia.

    o caso do precursor Lino Guedes (1897-1951), autor, entre outros ttulos, de O canto do cisnepreto (1926),Urucungo (1936) e Negro preto cor da noite (1936): sua poesia marcadamenteirnica, com alguma dose de autocomplacncia e apelos de afirmao racial bem comportada.Esto no primeiro caso os seguintes versos:

    Se porventura mel fosse No seria assim to doce O sorriso de Pai Joo Que apesar de sofrer tanto De ningum, tal como um santo, Guarda rancor ou paixo! [...] A lenda triste do Congo, Criada em noites de jongo, Quando sorria Pai Joo, Aos nossos olhos desfia, Dizendo com ironia:

    Que histria linda, pois no?30

    Exemplo da segunda posio o poema "Novo rumo":

    "Negro preto cor da noite", Nunca te esqueas do aoite que cruciou tua raa.

    Em nome dela somente faze com que nossa gente um dia gente se faa!

    Negro preto, negro preto s tu um homem direito como um cordel posto a prumo!

    s do teu proceder que por certo h de nascer

    a estrela do novo rumo!31

    Outro combatente da velha guarda Solano Trindade (1908-1973), legitimado pela tradioliterria brasileira, mas no pela matria negra de seu texto e sim pelo posicionamento poltico-social; o seu poema presente na coletnea Violo de rua (1962), antologia representativa de umadas tentativas de renovao potica ps-modernista, fala que "tem gente com fome". Mastambm so dele textos como, por exemplo, "Navio negreiro", onde se lem, entre outros, os

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    versos:

    L vem o navio negreiro Cheio de melancolia L vem o navio negreiro Cheinho de poesia...

    L vem o navio negreiro Com carga de resistncia L vem o navio negreiro

    Cheinho de inteligncia32.

    Entre os pioneiros da arte feita por negros, situa-se ainda o citado Abdias Nascimento, autor deinmeros livros de poemas, entre eles, Axs do sangue da esperana (1983), em que se configura

    uma tentativa de resgate dos mitos e rituais da cultura negra33.

    Os outros autores assumidos embarcaram, na sua maioria, nas naves da chamada poesia marginalou independente. So, com raras excees, produtores dos prprios livros.

    Os propsitos de afirmao tnica e de identidade cultural, o esprito de grupo, aliados sdificuldades mercadolgicas que enfrentaram e enfrentam, levaram-nos a integrar grupos emovimentos, entre eles o grupo Quilombhoje, de So Paulo, criado em 1980, responsvel pela

    publicao dos Cadernos negros, peridicos divulgadores com vrios nmeros em circulao34, ogrupo Negrcia, Poesia e Arte do Crioulo, lanado no Rio de Janeiro, em 1982, e o grupo Gens(Grupo de Escritores Negros de Salvador), que data de 1985.

    Como outros veculos de divulgao, alm das obras de cada escritor, cabe citar ainda trscoletneas: Ax Antologia da poesia negra contempornea (Global, 1982), organizada por PauloColina, A razo da chama. Antologia de poetas negros brasileiros (GRD, 1986), com coordenaoe seleo de Oswaldo de Camargo, e a globalizante Poesia negra brasileira (1992), organizada porZil Bernd.

    Entre os autores, figuram Abelardo Rodrigues (Memria da noite, 1979), Ado Ventura (Abrir-seum abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul, 1970; As musculaturas do Arco do Triunfo,1976, A cor da pele, 1980), Arnaldo Xavier (Pablo, 1975, A rosa da recusa, 1980), Cuti (LusSilva), (Poemas da carapinha, 1978; Sol na garganta, contos, 1979, Batuque de tocaia, 1982),le Semog (Luiz Carlos Amaral Gomes) (Atabaques, 1983, em colaborao com J. C. Limeira), GeniMariano Guimares (Terceiro filho, 1979), Paulo Colina (Plano de vo, 1984,Fogo cruzado, 1980),W. J. de Paula (Versos brancos, negra poesia, 1972), Jos Alberto de Oliveira de Souza (Cincopoemas vivos, 1978), Maria da Paixo (esparsos, nos Cadernos negros), Eduardo de Oliveira(Ancoradouro, 1960, Gestas lricas da negritude, 1967, Tnica de bano, 1980), Oswaldo deCamargo (Grito de angstia, 1958, 15 poemas negros, 1963), Mirian Alves (Momentos de busca,1983, Estrelas no dedo, 1985), Oliveira Silveira (Roteiro dos tants, 1981, Banzo, saudade negra,1970, Dcima do negro peo, 1974, Pelo escuro, 1977), Antnio Vieira (Areia, mar, poesia,1972, Cantos, encantos e desencantos d'alma, 1975, Cantares d'frica, 1980), Jnatas Conceioda Silva (Miragem do engenho, 1984), Ronald Tutuca (O paquiderme com asas de gua,1981), Mortoalegrense, 1982, Homem ao rubro, 1983), Carlos Assumpo (Protesto, 1982).

    A leitura dos textos antologiados possibilita algumas concluses, por sua representatividade,embora no definitivas, at porque a maioria desses escritores se encontra com obra emprocesso.

    A quase totalidade dos poemas centraliza-se na temtica e na tomada de posio. Raros osexemplos em que se observa preocupao com uma linguagem diferenciada: os textos se fazem deversos livres, com uma ou outra manifestao em verso tradicional; o discurso vincula-se stcnicas incorporadas pela linguagem potica a partir do modernismo. Algumas ultrapassagensverificam-se no nvel da imagstica.

    Transparece um comprometimento ideolgico deliberadamente assumido, uma preocupao de "[...] atiar na conscincia de um povo usurpado/ usurpador a brasa da dignidade humana/histrica a ser fundamentalmente resgatada", como escreve Paulo Colina na apresentao daantologia Ax. Predomina uma posio de resistncia e luta pela afirmao e pelo reconhecimento

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    social. Os versos de "Protesto", de Carlos Assumpo, demonstram uma faceta desseposicionamento:

    Mas irmo, fica sabendo Piedade no o que eu quero Piedade no me interessa Os fracos pedem piedade Eu quero coisa melhor Eu no quero mais viver No poro da sociedade No quero ser marginal Quero entrar em toda a parte Quero ser bem recebido Basta de humilhaes Minha alma j est cansada Eu quero o sol que de todos Ou alcano tudo o que eu quero Ou gritarei a noite inteira Como gritam os vulces Como gritam os vendavais Como grita o mar E nem a morte ter fora

    Para me fazer calar!35

    Por fora desse posicionamento deliberado, os textos se abrem sobretudo para uma leitura emnvel de contedo manifesto e, muitos, pelo menos em relao ao material que examinei, terminamprejudicados, em termos de linguagem literria, pela transparncia, pela acentuada tendncia univocidade. Oswaldo de Camargo, Oliveira Silveira, Cti, Geni M. Guimares, Paulo Colina e'le

    Semog encontram-se, entretanto, entre os que ultrapassam, com freqncia, essas condies36.

    H, flagrantemente, nos poemas, uma preocupao com a singularizao cultural. O texto postoa servio desta ltima e, assim caracterizado, ora se situa como denncia, ora no espaos daruptura declaradamente assumida.

    Uma e outra atitude envolvem enfoques variados.

    Encontro denncia-lamento, por exemplo, nesses versos de Oswaldo de Camargo:

    Ai da tristeza de meu corpo, ai, o pssaro conhece a manh, e sabe que branca a manh, mas no ousa enterrar-se de novo na noite...

    A manh se espalha nos quintais e a flauta matutina do pastor faz desenhos no ar...

    Eu, no entanto, permaneo ao lado da manh e das cantigas... A noite, a grande noite, est pousada em mim

    escandalosamente!37

    E ainda no poema "Quem disse?", de Oliveira Silveira:

    Quem disse j no sermos aqui burros cargueiros?

    Em pastos brasileiros ser negro e proprietrio fardo na garupa.

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    Ser negro e proletrio

    levar carga dupla38.

    Desse mesmo poeta, h versos que associam valorizao e questionamento:

    ALTAS FILOSOFIAS

    O negro pensa: por que o pensador de Rodin branco em vez de preto? O negro pensa. O negro pensa por participaes ou por conceitos?

    O negro pensa39.

    O questionar associado cobrana aparece, por exemplo, em "Viu", de Geni Mariano Guimares:

    [...] S porque voc no me bate de chicote, no me fura de faca, no me espeta o ventre... no quer dizer que voc no me deve nada: voc me deve a chave da senzala,

    que est escondida nas gavetas dos balces40.

    A conscincia da necessidade de afirmao est, entre outros, no texto de Cti:

    FERRO

    Primeiro o ferro marca a violncia nas costas depois o ferro alisa a vergonha nos cabelos Na verdade o que se precisa jogar o ferro fora e quebrar todos os elos

    dessa corrente de desesperos41.

    A revolta acentua-se em versos como os de Jos Carlos Limeira:

    Quilombos meus sonhos sofro de uma insnia eterna de viver vocs. E se um distinto senhor me disser para no pensar nessas coisas terei que mat-lo

    com certo prazer42.

    E tambm no poema "minha namorada", de Cuti, onde se lem os seguintes versos iniciais:

    Minha namorada? a violncia vestida de esperana a legtima filha

    da me-histria amarga43.

    A violncia ameniza-se na direo do desejo de integrao, no texto de Paulo Colina, "Pequenabalada insurgente", de que transcrevo passagem significativa:

    No h rancor nem dio: h esse clamor surdo

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    que rebenta em meu corao face a tantas bocas subterrneas, face a tanto cuidar de telenovelas, samba e futebol.

    At quando nossos filhos podero continuar a soltar pipas, a rolar juntos, na terra, no cimento,

    na grama, na lama, brincando de serem irmos?44

    Nem faltam, de um lado, a nostalgia da ancestralidade africana e, de outro, o orgulho valorizador.Exemplo do primeiro caso o poema "Oh, mame!" de Oswaldo de Camargo. Transcrevo umtrecho:

    Como pensei falar, sozinho, minha me frica, e oferecer-lhe, em meu peito, nestanoite turva os meus pertences de vento, sombra e relembrana, o meu nascimento, a

    minha histria, e o meu tropeo que ela no sabe, nem viu e eu sendo filho dela!45

    O orgulho de pertencer etnia transparece vigoroso nas palavras de "Integridade", de GeniMariano Guimares:

    Ser negra. Na integridade calma e morna dos dias.

    Ser negra, De negras mos, De negras mamas, de negra alma.

    Ser negra, negra. Puro Afro sangue negro,

    Saindo aos jorros por todos os poros46. O grande inimigo identificado por le Semog:

    Juntaremos tantos grilhes Quanto for possvel E mais quatrocentas misrias Ento trocaremos tudo por flores Para enfeitar o enterro

    Dessa coisa estranha: racismo47.

    Alm das antologias e dos livros dos autores citados, outras obras tm assegurado a resistncia.Entre eles esto os poemas de Incurses sobre a pele (1996), de Nei Lopes, em que ressalta,desde logo, a intimidade com a msica e a assuno da etnia. O poeta se assume como sujeito,na afirmao da identidade cultural. Consciente da situao do negro, seja no Brasil, seja nafrica, seja nas demais comunidades da dispora africana, no carrega, entretanto, a pele comoum fardo. Mas, como est no poema de abertura, "como um fato/na cor do Homem/ da Histria/da luta e da vitria". Assim posicionado, seus poemas associam os espaos de valorizao tnicaao mbito da preocupao com a condio humana.

    O poeta e crtico Sebastio Uchoa Leite, precocemente falecido em 2003, lembra, em artigo de1997, "poetas que se dedicam, mais recentemente, recuperao de linguagens afro e o seuuniverso simblico, ou a experincias lingstico-formais, inclusive no plano visual. Este segundocaso est representado por Arnaldo Xavier, cujas caractersticas experimentais podem inclu-lo nogrupo dos poetas da linguagem, embora, por outros aspectos, pudesse figurar tambm comomilitante". No plano da recuperao da linguagem afro, destaca o trabalho de poetas epesquisadores, como Antonio Risrio, que incorporou ao portugus "o mundo fascinantedos okiris da cultura nag-iorub", trabalho que marca tambm, em outra elaborao, a poesia deRicardo Aleixo. Destaca ainda a presena do universo cultural banto, nos textos de Edimilson de

    Almeida Pereira48.

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    Quanto a Dionsio esfacelado (Quilombo dos Palmares) (1984), livro de poemas de minha autoria,centrado na condio negra, entendo que no me compete avaliao. Falta-me o necessriodistanciamento e sobra-me pudiccia autoral. Deixo-o apreciao dos eventuais leitores. Seja-me, entretanto, permitido, nessa direo e por fora da matria e do carter deste ensaio, dar apalavra a Benedito Nunes, em texto da poca do lanamento do livro:

    O que assegura a ligao dos fragmentos que compem essa sute lrica na qual anegritude ascende ao plano conflitivo da histria o permanente retorno aPalmares, como objeto de experincia individual e social, rpensada e retomada pelamemria [...] Em Dionsio esfacelado, quilombos e quilombolas ingressam na vertentecomemorativa do pensamento que recorda, da recordao que colige e recmpe aspartes dispersas de uma origem remanente. Mais no ser preciso dizer sobre a

    originalidade dessa obra49.

    Em termos de prosa, no escasso material que examinei, ou seja, as narrativas constantes doscitados Cadernos negros, destacam-se a nota ertico-sensual, com forte dose de ironia e apreocupao com assunto ligado ao negro. Os textos constantes dos "Melhores contos",publicados em 1998, acentuam a presena do erotismo e revelam uma preocupao maior com alinguagem e com uma perpspectiva universalizante, a partir de experincias ligadas singularidade

    dos representantes da etnia50. Cabe, tambm, registrar na rea, entre outros, os romances deque tenho notcia, A maldio de Cana (1951), de Romeu Cruso, lembrado por Oswaldo deCamargo, o autobiogrfico A descoberta do frio (1975), de autoria deste ltimo, a quem se deveainda o livro de contos O carro do xito (1972), e os textos do autor de histria do Brasilromanceada e de literatura infanto-juvenil, do combativo historiador e professor Joel Rufino dosSantos, entre eles, Quatro dias de rebelio (1980), O dia em que o povo ganhou (1982)e Ipupiara (1985). Registro tambm A mulher de Aleduma, 1956, de Aline Frana, e, no mbito daliteratura-testemunho, o dirio da favelada Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo,1960,resgatado em edio de 1990, a que se juntam ainda Casa de alvenaria, 1961, e Dirio de Bitita,1986. Assinale-se, no teatro, a pea Sortilgio. Mistrio negro (1951), de Abdias Nascimento e,na literatura oral, as histrias registradas por Mestre Didi (Dioscredes M. dos Santos) sob o ttulode Contos crioulos da Bahia (1961), e a antologia organizada por Jlio Santana Braga, Contosafro-brasileiros (1980).

    Na medida em que a chamada, no meu entender equivocadamente, literatura negra vem sendoconfigurada no restrito espao reivindicatrio de escritores negros ou mestios de negros comotal, no costumam ser nelas situadas obras feitas por escritores contemporneos no vinculados etnia, pelo menos em nvel epidrmico. Considerada, entretanto, a condio negra na literatura,vale destacar um romance que julgo altamente representativo em termos de elementosvalorizadores da contribuio do negro cultura brasileira. Refiro-me aGanga-Zumba (1962),escrito por Joo Felcio dos Santos. Trata-se de uma narrativa visceralmente associada histriado negro, ou como se explicita na apresentao do romance: "Os Quilombos dos Palmares e OsQuilombolas do Rei Zumbi foram evidentemente o cenrio, o fundo, o motivo, a poca e ospersonagens deste romance, escrito no Rio de janeiro, de 1959 a 1961. O livro de todos aqueles

    que, em algum tempo da vida, lutaram at o fim por uma estrela qualquer"51. Na obra, um narradoronisciente alterna relatos com comentrios explicitadores, mas, a cada momento, cede a voz spersonagens nascidas a partir de uma realidade diluda ou ignorada pela histria oficial.

    So personagens da poca, com fala tpica de negros, carregada de africanismos, de ritmos, comsentimentos e problemtica peculiares, marcadas pelo sofrimento, mas dimensionadas sobretudo luz da altivez de um grupo tnico que se assume, em torno do seu Ganga, na luta por suaafirmao, no percurso de Palmares.

    Apoiado na histria esquecida, fruto de pesquisa e de arte, Ganga Zumba a presena dePalmares transfigurada na prosa potica de Joo Felcio, um romancista que tem obsesso pelaliberdade.

    * * *

    Ao assumir compromissadamente a literatura como espao de afirmao consciente desingularizao e de afirmao cultural, ao assumir-se como sujeito do discurso literrio, o negroenfrenta novas e sutis armadilhas marginalizantes.

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    Nesses espaos de sutileza, mesmo uma designao aparentemente valorizadora, como literaturanegra, de presena tranqila na rea dos estudos literrios desde os anos de 1970, traz, segundoentendo, o srio risco de fazer o jogo do preconceito velado.

    O sintagma admite, desde logo, duas acepes:

    Em sentido restrito, considera-se negra uma literatura feita por negros ou por descendentesassumidos de negros e, como tal, reveladora de vises de mundo, de ideologias e de modos derealizao que, por fora de condies atvicas, sociais, e histricas condicionadoras,caracteriza-se por uma certa especificidade, ligada a um intuito claro de singularidade cultural.

    Lato sensu, ser negra a arte literria feita por quem quer que seja, desde que centrada emdimenses peculiares aos negros ou aos descendentes de negros.

    A designao, tal como vem sendo utilizado no Brasil e em outros pases da Amrica, vincula-se aosignificado restrito e emerge no bojo de uma situao histrica dada, configuradora dareivindicao pelos negros de determinados valores caracterizadores de uma identidade prpria.Essa identidade e sua presena forjadora e aglutinadora da comunidade em que o grupo tnico sesitua seriam elementos decisivos na luta pela eliminao das discriminaes e pela conquista dolugar que lhes pertence de direito e que o grupo dominante insiste em negar, das mais variadasmaneiras, ostensiva ou disfaradamente. A luta um procedimento que surge forte no mbito dacrise da modernidade, ligada fragmentao social.

    O exerccio da literatura associa-se, assim, tambm em sentido amplo, aos movimentos deafirmao do negro, a partir de uma tomada de conscincia de sua situao social, seja no espaodos povos da frica, seja no domnio da afrodispora e conduz, entre outros aspectos, preocupao com a singularizao cultural mencionada.

    Tal preocupao ganha pertinncia quando ultrapassa as dimenses epidrmicas e ocorporativismo, e traz para a representatividade literria a afirmao de elementos que vo dosespaos mticos (resgate da memria coletiva) aos scio-histricos (resgate dos elementos quefazem a histria do negro enquanto grupo tnico).

    O risco da adjetivao limitadora reside, segundo penso, no explicvel mas perigoso empenho emsituar radicalmente uma autovalorizao da condio negra por emulao, equivalncia ouoposio condio branca, colocao no mnimo complexa no caso brasileiro, diante at dadificuldade de se estabelecer limites entre uma e outra no miscigenado universo da culturanacional. Mesmo porque as distines nessa rea costumam apoiar-se na cor da epiderme e naestereotipia sedimentada.

    Nesse sentido, o opositor no o brasileiro branco, mas o brasileiro preconceituoso. Oesquecimento desta distino implica no considerar o apoio dos aliados relevantes na busca doespao negado.

    H quem argumente que a literatura negra se situaria, livre de conotao preconceituosa, emplano similar ao que marca expresses como literatura nordestina, literatura gacha etc.,

    caracterizadoras de um direito diferena52. Penso que se trata de adjetivos imersos em reasemntica distinta, ligados que so os dois ltimos ao mbito geogrfico. Alm disso, o mbitosignificativo da primeira expresso parece-me bastante marcado e semanticamente comprometido.

    O negro brasileiro no pode ser tratado como o outro, que tanto trabalhou pela grandeza danao etc. e a quem se deve reconhecimento especial por isso, como no cabe agradecer aosbrancos portugueses ou aos ndios, mas tambm no deve tratar-se como o outro em nome desua auto-afirmao. Como os demais grupos tnicos, ele parte da comunidade que fez e faz opas. Se a luta em que se empenha se tornou e continua necessria, isto se deve, como sabido,ao fato de ter-se tornado alvo de tratamento social e historicamente discriminatrio.

    Admitir o isolamento no espao de uma especificidade identificadora , na realidade brasileira,aceitar o jogo do preconceito. Outra deve ser a estratgia. H que assumir a igualdade na co-participao da construo da nacionalidade. H que reivindicar o direito plenitude da cidadania.

    E mais: diante da atitude engajada e de outros traos que a singularizam, alguns estudiosospropem que se devam adotar critrios especficos para a avaliao produzida pelos escritores

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    negros e mestios de negro assumidos como tal, dada a natureza questionadora de sua produoe a pertinncia da causa que defendem. H mesmo quem proponha, a partir da perspectiva de

    uma releitura cultural, substituir, na apreciao, qualidade literria por oportunidade histrica53.

    No me parece atitude vlida. Tal proposta pode, de certa forma, converter-se em instrumentomantenedor de discriminao: equivaleria a considerar que a literatura produzida pelos negros literatura negra e como tal deve ser tratada, em funo dessa especificidade e dascircunstncias scio-histricas em que produzida, como se no tivesse nada a ver com a arteliterria que se realiza no pas e que dimensionada luz dos conceitos norteadores da teoria daliteratura e que, mesmo em tempos ps-modernos, seguem orientando os estudos da arte literriano Brasil e nos demais centros ocidentais.

    O que julgo se deve considerar que nesses textos h o centramento na causa do negro noBrasil, na luta por sua indiscutvel afirmao cultural na realidade brasileira, e que eles seconvertem, legitimamente, em revelao, denncia, ruptura, produto cultural afirmativo, realizadopor escritores que, mais do que quaisquer outros, tm condies de concretiz-lo.

    O resgate dos mitos, a proximidade cultural com a frica, mas sem distores nostlgicas, e comoutros pases em que a discriminao existe, o tempo escravo repensado, as revoltas, a situaodo negro e de seus descendentes na construo socioeconmica do pas e sua marcadaparticipao nos tempos hericos da formao da nacionalidade, as contribuies lingsticascolocadas em evidncia na nossa lngua portuguesa do Brasil, podem, entre outros traos,contribuir, atravs da transfigurao na literatura, para o melhor conhecimento e oredimensionamento da presena do negro na sociedade brasileira. So verdades e valores capazesde se opor vigorosamente aos esteretipos e preconceitos ainda vigentes no comportamento demuitos brasileiros.

    Se, por fora de caractersticas peculiares, a literatura feita por negros ou por descendentesassumidos de negros concretizar linguagens geradoras de cnones de uma potica nova, essadimenso se inserir necessariamente no processo da literatura brasileira e no no nichodiscriminatrio de uma literatura "negra" ou "marrom".

    preciso, entretanto, ter sempre em mente que a arte literria compromissada precisa ser arteliterria antes de ser compromissada, sob pena de descaracterizar-se e perder seu poder derepercusso mobilizadora. Essa posio benjaminiana no pode ser desprezada, quandoconsideramos a contribuio literria dos negros e dos descendentes de negros que trazem paraseus textos a preocupao com a etnia. H que considerar a literatura como lugar de afirmao esingularizao de identidades mltiplas e vrias, mas integradas no tecido da arte literriabrasileira e universal.

    Acredito que nenhum dos autores que se encontram nesse caso na atualidade brasileira, e meincluo entre eles, concordar em ter o seu texto legitimado apenas por fora do tema ou doassunto que elege, ou porque, ao eleg-lo, pertence ao segmento tnico. Mesmo porque nenhumdeles, at o momento, concretizou uma linguagemcapaz de justificar uma alterao no conceitovigente de literatura: a nfase, como procurei assinalar, tem-se centralizado nos contedos, apartir da adoo de procedimentos at ento consagrados. Entendo que muito mais pertinente eapropriado, por fora mesmo do propsito de afirmao da etnia, que, em lugar de literaturanegra se defenda a referncia presena do negro ou da condio negra na literatura brasileira.Tal posicionamento foge a qualquer jogo preconceituoso, alm de facilitar a caracterizao damatria no processo literrio do pas e a avaliao mais objetiva da contribuio literria derepresentantes assumidos da etnia que, mesmo diante dos mais variados obstculos, tm trazido apblico, nas ltimas dcadas, a fora de sua palavra potica.

    importantssima a ocupao pelos negros e seus descendentes de espaos literrios e de outrosespaos igualmente culturais at ento timidamente freqentados. O caminho vem sendopercorrido. Alguns resultados, poucos, tm aflorado. Importa prosseguir na busca de uma plena einsofismvel representatividade, at que se torne inteiramente dispensvel a presena comomarca de uma diferena redutora. Afinal, literatura no tem cor.

    Notas

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    1 Gregrio de Matos, Poemas escolhidos, sel., introd. e notas de Jos Miguel Wisnik, So Paulo,Cultrix, 1976, p. 37. [ Links ]

    2 Bernardo Guimares, A escrava Isaura, 6 ed., So Paulo, tica, 1976, p.13. [ Links ]

    3 Idem.

    4 Alusio Azevedo, O mulato, So Paulo, Martins, 1964, p. 67. [ Links ]

    5 Idem, p. 272.

    6 Idem, p. 307.

    7 Antnio de Castro Alves, "Os escravos", em ____. Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar,1960, pp. 291 e 293. [ Links ]

    8 Jos Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides. Breve histria da literatura brasileira, Rio deJaneiro, J. Olympio, 1977, pp. 92-93. [ Links ]

    9 Antonio Candido, Formao da literatura brasileira: momentos decisivos, 7 ed. rev., SoPaulo, Martins, vol. 1, 1964, p. 270. [ Links ]

    10 Alusio Azevedo. O cortio, 6.ed., So Paulo, tica, 1974, p. 104. [ Links ]

    11 Edilberto Coutinho, "Um negro vai a forra", em Os jogos, So Paulo/Braslia, tica/INL/Fundao Nacional Pr-Memria, 1984, p. 126. [ Links ]

    12 Ariano Suassuna, Auto da compadecida, Rio de Janeiro, Agir, 1970, pp. 146-148. [ Links ]

    13 Idem, pp. 148-149.

    14 Josu Montello, Os tambores de So Lus, 5 ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, 1orelha. [ Links ]

    15 Joo Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro, 15 impr., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, pp.312-313. [ Links ]

    16 Domingos Caldas Barbosa, Viola de Lereno, em _____ L. da Cmara Cascudo (org.), Poesia, Riode Janeiro, Agir, 1958, p. 23. [ Links ]

    17 Mrio de Andrade, Poesias completas, ed. crtica de Dilia Zanotto Manfio, Belo Horizonte/SoPaulo, Itatiaia/Edusp, 1987, p. 394. [ Links ]

    18 Idem, p. 248.

    19 Idem, pp. 266-267.

    20 Cf. Gilberto Freire, "Nota preliminar", publicada como prefcio a Jorge de Lima, Poemas negros etranscrita posteriormente em O Jornal, Rio de Janeiro, 22 nov. 1953, com o ttulo "Jorge de Lima eseus poemas negros",apud Jorge de Lima, Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1958, vol. 1,p. 385. [ Links ]

    21 Machado de Assis, Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1959, vol. III, p. 520. [ Links ]

    22 Joo da Cruz e Sousa, Evocaes, em _____. Obra completa, Rio de Janeiro, J. Aguilar, 1960,pp. 651 e 662-663. [ Links ]

    23 Idem, p. 664.

    24 Alfredo Bosi, Histria concisa da literatura brasileira, 2 ed., So Paulo, Cultrix, 1979, p. 303. [ Links ]

    25 Alfredo Bosi, "Poesia versus racismo", em _____. Literatura e resistncia, So Paulo, Cia. DasLetras, 2002, p. 168. [ Links ]

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    26 Lus Gama, apud Oswaldo de Camargo (org.), A razo da chama, So Paulo, GRD, 1986, p. 14. [ Links ]

    27 Para um viso ampla e profunda do posicionamento, ver Alfredo Bosi, "Figurasdo eu nas Recordaes de Isaas Caminha", In: c., pp.186-208.

    28 Ver, para uma idia da situao atual, o artigo de Flvio Carrana, "Breve histria da literaturanegra publicar ainda difcil para autores negros brasileiros", publicado na revista Problemasbrasileiros, em 2003. [ Links ]

    29 Para uma viso desses posicionamentos, pode-se ler, como ponto de partida, ZilBernd,Negritude e literatura na Amrica Latina, Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987, pp. 83 e ss. [ Links ]

    30 Lino Guedes, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 35.

    31 Idem, p. 33.

    32 Solano Trindade, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 39.

    33 Abdias Nascimento tambm autor de uma antologia do teatro negro brasileirointitulada Drama para negros e prlogo para brancos, Rio de Janeiro, Teatro Experimental doNegro, 1961. [ Links ]

    34 Esclarece, a propsito, Flvio Carrana: "Durante o ano de 1978, existiu em So Paulo, nobairro do Bexiga, o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), onde se reuniam pessoas ligadas sletras, entre as quais o poeta Cuti e o advogado Hugo Ferreira. Juntos, eles decidiram lanaros Cadernos Negros, pequenas coletneas de poemas. Paralelamente, Cuti participava de umgrupo formado por Oswaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues e o falecido Paulo Colina, que sereunia no bar Mutamba, no centro de So paulo, para discutir literatura e que, por volta de 1980,resolveu batizar-se Quilombhoje. O grupo assumiu a publicao dos Cadernos recebeu adeses,mas em seguida sofreu uma ruptura, com a sada de Camargo, Colina e Abelardo, que criticavamprincipalmente a qualidade do material publicado". (Carrana, c.). Os Cadernos continuaram a serpublicados, envolvendo poesia e prosa e totalizam, em 2004, 26 nmeros, ainda dificilmenteencontrados nas livrarias.

    35 Carlos Assumpo, em Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 53.

    36 Outros poetas e prosadores negros ou descendentes assumidos de negros vm marcando arepresentatividade literria de seus textos, cuja anlise escapa aos limites do presente artigo.Para uma viso ainda ainda que restrita da produo atual, em prosa e poesia, ver os nmeros 25e 26 dos Cadernos negros, lanados em 2003. Ver tambm, na internet, os numerosos sites sobre"literatura negra".

    37 Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 56.

    38 Oliveira Silveira, "Quem disse", apud Paulo Colina, Ax: antologia contempornea da poesianegra brasileira,So Paulo, Global, 1982. [ Links ]

    39 Idem, p. 31.

    40 Geni Mariano Guimares, apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 74.

    41 (Luiz Silva) Cuti, "Ferro", apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 90.

    42 Jos Carlos Limeira, "Quilombos", apud Paulo Colina, op. cit., p. 45.

    43 (Luiz Silva) Cuti, "Minha namorada", apud Paulo Colina, op. cit, p. 59.

    44 Paulo Colina, apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 88.

    45 Oswaldo de Camargo, "Oh, mame!" apud Paulo Colina, op. cit., p. 84.

    46 Geni Mariano Guimares, "Integridade", apud Paulo Colina, op. cit., p. 68.

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    47 Ele Semog, "Cano para um negro abandonado", apud Oswaldo de Camargo, op. cit., p. 106.

    48 Cf. Sebastio Uchoa Leite, "Presena negra na poesia brasileira moderna", em Revista dopatrimnio histrico e artstico nacional. n 25 Negro brasileiro negro, Rio de Janeiro, 1997, p.113. [ Links ]

    49 Benedito Nunes, em O Estado de S. Paulo. Suplemento de Cultura. n 223. [ Links ]

    50 O volume traz narrativas de Ablio Ferreira, Conceio Evaristo, Cuti, le Semog, EsmeraldaRibeiro, Eustquio Jos Rodrigues, Jnatas Conceio, Jos Carlos Limeira, Lia Vieria, MrcioBarbosa, Mram Alves, Oswaldo de Camargo, Oubi Ina Kobuko, Ramatis Jacino, Ricardo Dias eSnia Ftima.

    51 Joo Felcio dos Santos, Ganga Zumba, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1962. [ Links ]

    52 Cf. Zil Bernd, Negritude e literatura na Amrica Latina , Porto Alegre, Mercado Aberto, 1987,p. 37. [ Links ]

    53 o caso de Luza Lobo, em artigo de 1987, intitulado "Literatura negra brasileiracontempornea", publicado em Cadernos Cndido Mendes de Estudos Afro-Asiticos, n 14, 1987,p. 119, [ Links ] onde escreve: "Focalizando a literatura negra que surgiu desde a dcada de70 como uma possibilidade de releitura cultural, ento se percebe que nela no importasua qualidade, mas sim sua oportunidade".

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