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ISSN 2176-1396 ESTUDO SOBRE A INIBIÇÃO DE ALUNOS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: RELATO DE EXPERIÊNCIA Danuska Guedes de Freitas Cavalcanti 1 - UEPB Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Atualmente estamos vivenciando, como Brown denomina, a “Era pós - método”, na qual aspectos de métodos de ensino diversos são levados em consideração, ao invés de focar em apenas um especificamente. Desde o tradicional método de Gramática e Tradução até o surgimento da Abordagem Comunicativa muito se questionou e um método almejava contradizer o outro, até que chegamos ao ponto em que percebeu-se que não há um método completo e inquestionável e fazer uso de princípios de métodos distintos poderia ser extremamente positivo. No entanto, a maioria das escolas de idiomas se norteia pelos princípios da Abordagem Comunicativa. A personalidade dos alunos é um aspecto extremamente relevante no processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Para um ensino que tem como base os princípios da Abordagem Comunicativa, a inibição pode ser um grande obstáculo uma vez que a interação e a competência comunicativa são os pontos mais focados dessa abordagem. Professores então precisam compreender como essa abordagem funciona e como podem lidar com os diferentes tipos de alunos em sala de aula. O propósito desse estudo é proporcionar técnicas de ensino que auxiliem os professores a lidarem com alunos inibidos em sala de aula e assim poderem encorajá-los a desenvolverem suas habilidades orais. Foram feitas observações em seis turmas ao longo de dois semestres em uma escola de idiomas, sendo avaliados dez alunos inibidos, entre seis e vinte e dois anos, a partir da aplicação das técnicas como o ‘role-playe a aplicação de jogos em sala de aula. Os resultados foram favoráveis, ao aplicar as técnicas pôde-se notar evolução e maior comprometimento por parte desses alunos que se tornaram mais confiantes e superaram as barreiras de sua personalidade. E a partir da participação mais ativa do aluno, o professor pôde então estabelecer uma avaliação mais válida e consistente. Palavras-chave: Timidez. Abordagem comunicativa. Técnicas de ensino. Avaliação oral. 1 Professora de Inglês do Yázigi Campina Grande e Graduanda do Curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba - Campus I. E-mail: [email protected]/

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ISSN 2176-1396

ESTUDO SOBRE A INIBIÇÃO DE ALUNOS NO PROCESSO DE

APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: RELATO DE

EXPERIÊNCIA

Danuska Guedes de Freitas Cavalcanti 1 - UEPB

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Atualmente estamos vivenciando, como Brown denomina, a “Era pós-método”, na qual

aspectos de métodos de ensino diversos são levados em consideração, ao invés de focar em

apenas um especificamente. Desde o tradicional método de Gramática e Tradução até o

surgimento da Abordagem Comunicativa muito se questionou e um método almejava

contradizer o outro, até que chegamos ao ponto em que percebeu-se que não há um método

completo e inquestionável e fazer uso de princípios de métodos distintos poderia ser

extremamente positivo. No entanto, a maioria das escolas de idiomas se norteia pelos

princípios da Abordagem Comunicativa. A personalidade dos alunos é um aspecto

extremamente relevante no processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Para um

ensino que tem como base os princípios da Abordagem Comunicativa, a inibição pode ser um

grande obstáculo uma vez que a interação e a competência comunicativa são os pontos mais

focados dessa abordagem. Professores então precisam compreender como essa abordagem

funciona e como podem lidar com os diferentes tipos de alunos em sala de aula. O propósito

desse estudo é proporcionar técnicas de ensino que auxiliem os professores a lidarem com

alunos inibidos em sala de aula e assim poderem encorajá-los a desenvolverem suas

habilidades orais. Foram feitas observações em seis turmas ao longo de dois semestres em

uma escola de idiomas, sendo avaliados dez alunos inibidos, entre seis e vinte e dois anos, a

partir da aplicação das técnicas como o ‘role-play’ e a aplicação de jogos em sala de aula. Os

resultados foram favoráveis, ao aplicar as técnicas pôde-se notar evolução e maior

comprometimento por parte desses alunos que se tornaram mais confiantes e superaram as

barreiras de sua personalidade. E a partir da participação mais ativa do aluno, o professor

pôde então estabelecer uma avaliação mais válida e consistente.

Palavras-chave: Timidez. Abordagem comunicativa. Técnicas de ensino. Avaliação oral.

1 Professora de Inglês do Yázigi Campina Grande e Graduanda do Curso de Letras da Universidade Estadual da

Paraíba - Campus I. E-mail: [email protected]/

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Introdução

O processo de aquisição de uma nova língua não é algo fácil, envolve vários fatores e

requer do aluno total comprometimento, envolvimento e motivação (BROWN, 2000). Nesse

processo, o professor tem um papel fundamental, encorajar e fazer o aluno acreditar que é

possível mesmo quando tudo parece tão complicado. Não existe receita, não há uma

sequência de passos que possam ser utilizados.

Aprender a falar uma nova língua não é um processo racional que pode ser

organizado passo a passo [...]. É um processo intuitivo no qual os seres humanos têm

uma capacidade natural que só pode ser atingida a partir da existência de condições

adequadas. Para simplificar, existem três condições: alguém com quem falar, algo sobre o que falar e o desejo de entender e se fazer entendido (HOWATT, 1984,

p.192, tradução nossa)2.

Diante dos vários métodos de ensino de língua estrangeira que surgiram ao longo dos

anos, existem dois que são completamente distintos. O primeiro, conhecido como método

tradicional de Gramática e Tradução está focado nas regras, formalidades e está relacionada

ao aprendizado consciente e controlado. Em contrapartida, existe uma maneira de ensino que

está baseada no aprendizado subconsciente, permitindo que os alunos construam significados

ao serem expostos a situações da vida real a partir de interações com outros usuários da língua

Essa seria a Abordagem Comunicativa (BROWN, 2000).

De acordo com Almeida Filho (2008, p.17) “Uma abordagem equivale a um conjunto

de disposições e eventualmente princípios sobre o que é linguagem humana, língua

estrangeira e o que é aprender e ensinar uma língua alvo”. As abordagens de ensino de língua

estrangeira vêm mudando desde o final do século passado e a mais amplamente disseminada

nas escolas de idiomas atualmente é a Abordagem Comunicativa, que está focada na

linguagem do modo como ela ocorre no cotidiano.

De acordo com Neves (2005), as principais características da Abordagem

Comunicativa são: interação realista e significativa, consideração da cultura da língua alvo,

integração das competências gramaticais, linguísticas, sociolinguísticas, estratégicas e

discursivas, uso de atividades relevantes, levando em consideração as necessidades e

aspirações dos alunos.

2 Learning how to speak a new language is not a rational process which can be organized in a step-by-step

manner […]. It is an intuitive process for which human beings have a natural capacity that can be awakened

provided only that the proper conditions exist. Put simply, there are three conditions: someone to talk to,

something to talk about and a desire to understand and make yourself understood.

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Uma aula baseada nos preceitos dessa abordagem é centrada no aluno e o professor

deve encorajá-los a falarem o máximo que puderem. Isso diverge muito dos métodos

tradicionais, cuja voz predominante era a do professor. A opinião do aluno não se configurava

como relevante, não havendo espaço para troca de ideias (ALMEIDA FILHO, 2008).

Por esta razão, essa abordagem deve gerar uma consequência negativa para certos

tipos de alunos e também para o professor que os avalia. Como um aluno que é naturalmente

inibido vai expressar suas opiniões usando a língua alvo quando ele tem problemas no que

concerne a se expor diante dos demais até mesmo em sua língua materna? Será justo avaliar

esse tipo de aluno da mesma forma que avaliamos os alunos extrovertidos?

Para podermos responder a esses questionamentos, primeiramente temos que deixar

claro que competência comunicativa não é o mesmo que competência linguística. Um aluno

pode ter o conhecimento de vários aspetos da língua alvo, pode compreender as estruturas e

como utilizá-las, entender as instruções dadas pelo professor, mas o problema está centrado

em seu comportamento, nas suas características pessoais, que podem ser momentâneas ou

podem ser aspectos intrínsecos da personalidade do aluno (BROWN, 2000).

Diante do exposto e da dificuldade que a timidez traz ao Processo Ensino–

Aprendizagem, principalmente no tocante ao ensino de uma nova língua baseado na

Abordagem Comunicativa, esse estudo teve como objetivo relatar os resultados obtidos a

partir de aplicação de técnicas que proporcionam melhores condições para os alunos inibidos

superarem essa barreira e desenvolverem suas habilidades comunicativas, assim como

auxiliar o corpo docente no que se refere à avaliação oral desses alunos.

Fundamentação Teórica

No processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira baseado nos

princípios da Abordagem Comunicativa, o papel do docente é facilitar o processo de

comunicação dos alunos ao promover o desenvolvimento da competência comunicativa na

língua alvo, fazendo-os aprender a interagir utilizando o idioma. Ao invés de memorizar

regras e aspectos gramaticais, a Abordagem Comunicativa requer dos alunos a habilidade de

se comunicar e interagir a partir da língua alvo (RICHARDS e RODGERS, 2001).

Brown (2000) afirma que alunos de língua estrangeira precisam compreender o

propósito da comunicação, desenvolvendo o conhecimento sobre o qual o propósito do ato

comunicativo e como atingir esse propósito através de formas linguísticas. De fato, a

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Abordagem Comunicativa tende a fazer os alunos perceberem isso, eles precisam perceber

que o processo de aprendizagem baseado nas regras e aspectos gramaticais não será suficiente

para torná-los reais falantes de determinada língua estrangeira.

Ensinar sob a perspectiva dessa abordagem não é tão simples; professores precisam

lidar com vários fatores, tais como aspectos emocionais, motivação, medos e anseios. Os

alunos são encorajados a expor suas opiniões sobre assuntos pessoais e até sobre assuntos

polêmicos. Fazer os alunos falarem em sala pode às vezes ser extremamente fácil. Numa boa

atmosfera, na qual os alunos se dão bem uns com os outros e cuja língua alvo esteja num nível

apropriado, os alunos participam livremente e com entusiasmo se os professores

proporcionarem atividades interessantes. Mas nem sempre ocorre assim e nem todos estão

dispostos a participarem. (HARMER, 2007)

No processo de aquisição de uma língua estrangeira as características pessoais detêm

uma influência significativa, podendo interferir negativamente. Aspectos tais como

autoestima e extroversão estão relacionados ao bom desempenho no que diz respeito ao

aprendizado de uma nova língua. Dessa maneira e de acordo com os princípios da Abordagem

Comunicativa, ser um aluno extrovertido é mais favorável do que ser um aluno inibido.

Compreender como o ser humano se sente e se comporta é um aspecto importante para a

teoria de aquisição de uma segunda língua (BROWN, 2000).

Para criar uma atmosfera de interação em sala de aula, professores precisam entender e

aceitar cada aluno do jeito que ele é, e isso muitas vezes requer considerável esforço

(GEBHARD, 2006).

Há muitas razões pelas quais um aluno é tímido. Primeiramente faz-se necessário

deixar claro que existem dois tipos de alunos inibidos em sala de aula. Existem os alunos que

são naturalmente tímidos independentes do contexto da sala de aula, é uma pessoa calada,

introvertida e muito observadora, não gosta de ser o centro das atenções e também não fica

satisfeito quando é pressionado a participar, até o fato de proferirem seu nome o deixa pouco

a vontade. Vale frisar que não se almeja mudar a personalidade desse tipo de aluno, o que se

intenciona é que eles tornem-se confiantes e saibam controlar sua timidez com o intuito de

superar as barreiras de sua própria personalidade.

No entanto há o aluno que não é deveras tímido, não obstante estar sendo inibido

dentro do contexto de sala de aula. Nesse caso, cabe ao professor investigar minuciosamente a

fim de descobrir o porquê de a inibição estar acontecendo. O docente percebe rapidamente

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quando o aluno não é de fato tímido, pois ao conversar com esse tipo de aluno fora da sala de

aula, ou até mesmo com os pais ou amigos, constata-se que de fato não o é.

Como afirmam Mohseni e Ameri (2010), a inibição está inteiramente relacionada à

autoestima, quanto mais baixa a autoestima, mais forte a inibição para proteger o baixo ego.

Acredita-se que alunos tímidos não estão ‘seguros’ o suficiente para superar os vários

desafios que o aprendizado de uma nova língua envolve e muitos chegam a desistir, pois

acreditam ser algo muito difícil de ser alcançado.

Diante da Abordagem Comunicativa os alunos devem ser participantes ativos no seu

próprio processo de aprendizado (BROWN, 2007). Se eles se recusam a interagir e participar

das discussões em sala de aula, dificilmente serão capazes de desenvolver suas habilidades

orais adequadamente. Dessa forma, os professores precisam dar especial atenção a esses tipos

de alunos para que dessa forma possam progredir.

Como afirmou Jean Bryant (s/d apud Mohseni e Ameri, 2010), o medo de estar errado

é o principal inibidor do processo criativo. O grande dilema encarado pelos alunos tímidos

talvez seja exatamente isso, o medo de cometer um erro diante dos demais. Uma vez que não

estão seguros o suficiente, preferem manterem-se reservados ao invés de se exporem e

provavelmente cometerem um erro. No entanto, nós acreditamos que cometer erros é um

processo natural no aprendizado de línguas, na verdade nós precisamos disso para nos tornar

verdadeiros falantes.

Crianças aprendendo a língua materna e adultos aprendendo uma língua estrangeira só podem realmente progredir a partir de seus erros. Se nunca nos atrevermos a falar

uma frase até termos certeza absoluta de sua total correção, nós nunca poderemos

ser produtivamente comunicativos (BROWN, 2000, p.149, tradução nossa)3.

Diante disso, os professores devem deixar claro para os alunos, especialmente para

aqueles menos falantes, que cometer erros faz parte do processo de aprendizagem, e que eles

podem e devem cometer erros e assim aprender com os mesmos (BROWN, 2000). Todos

cometem erros e não devem envergonhar-se. Alunos tímidos precisam realmente ter

consciência disso, parece ser algo simples e óbvio, mas talvez eles possam estar deixando de

fazer parte da aula justamente por se sentirem pressionados a sempre falarem corretos.

3Children learning their first language and adults learning a second language can really make progress only by

learning from their mistakes. If we never ventured to speak a sentence until we were absolutely certain of its

total correctness, we would likely never communicate productively at all.

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Para Spratt, Pulverness e Williams (2005), ‘speaking’ (o falar) é uma habilidade

produtiva que envolve o uso do discurso com o intuito de expressar significados para outras

pessoas e está totalmente relacionado à interação. Desenvolver a habilidade de ‘speaking’ dos

alunos não está unicamente relacionada à pronúncia, vocabulário e competência linguística,

envolve a interação, a capacidade de o aluno manter um diálogo coerente com outro usuário

da língua e isso requer muito esforço de ambas as partes. De fato, falar uma língua estrangeira

é deveras complicado e competência comunicativa requer certo tempo para ser desenvolvida,

principalmente quando não se está totalmente imerso no contexto da língua, ou seja, quando

não se está vivendo num país que tem a língua alvo como língua oficial.

De acordo com Lindsay e Knight (2006), com relação à ‘speaking’, os alunos

precisam desenvolver as seguintes capacidades: produzir um diálogo conectado, falar em uma

variedade de contextos, balancear ‘accuracy’ (que significa o uso correto da gramática,

vocabulário e pronúncia), ter fluência, e, como já havia sido mencionado, interagir com outros

usuários do idioma. Para atingir esse intento o professor deve proporcionar condições

adequadas para fazer seus alunos falarem em sala de aula, pois só assim estarão de fato

desenvolvendo suas habilidades comunicativas. Se o professor não encorajar os alunos

inibidos a falar eles provavelmente ficarão calados o tempo inteiro.

Há muitas razões pelas quais um aluno é inibido (naturalmente ou no contexto da sala

de aula). Não podemos listar apropriadamente uma vez que se configura como algo relativo.

Porém, podemos dizer que estudantes inibidos têm medo de expressar suas ideias, não têm

coragem de dizer uma palavra sequer, pois imaginam que o que quer que estejam pensando

pode estar incorreto, sentem-se incomodados de falar em frente a outras pessoas,

especialmente porque se comparam com os alunos extrovertidos, e assim sentem-se inferiores

(HARMER, 2007).

Então, como os professores podem ajudar seus alunos tímidos a melhorar seu

‘speaking’? Baseado em Spratt, Pulverness e Williams (2005), professores podem

desenvolver as habilidades orais dos alunos ao focar regularmente em aspectos particulares da

fala, tais como a pronúncia, aspectos gramaticais, fluência e até linguagem corporal. Eles

também mencionam que por ser uma habilidade complexa, os alunos precisam de muita ajuda

para se preparar para a produção oral, organizar as ideias, praticar o vocabulário necessário e

a pronúncia. No entanto, isso está relacionado ao ensino em geral, e o que fazer de especial no

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caso dos alunos inibidos em sala de aula? Como podemos fazê-los falarem quando se recusam

veemente a tal?

Primeiramente, os professores necessitam de um período de diagnóstico, que seria os

momentos iniciais de contato com a turma, para que assim possam reconhecer o perfil de cada

aluno, como se comportam em grupo, quais os pontos fortes, as dificuldades e anseios.

Reconhecendo os alunos inibidos, poderemos analisar como se comportam, se ficam mais

ativos quando estão trabalhando em grupos, em pares ou mesmo sozinhos, quais os assuntos

que lhes chamam mais atenção, basicamente o professor deve buscar conhecer o aluno com

afinco, pois, como Harmer (2006) afirma, os alunos respondem bem aos professores que os

escutam. Isso está literalmente atrelado ao domínio afetivo, o aluno se sente seguro ao notar

que o professor se preocupa com ele.

Metodologia

Este estudo se configura como uma pesquisa qualitativa, cujos dados foram coletados

com o intuito de entender e interpretar certos comportamentos. A pesquisa foi realizada

durante um período de dois semestres letivos, no qual houve o período de observação e

aplicação de algumas técnicas com a intenção de proporcionar condições mais efetivas para os

alunos inibidos se comunicarem em sala de aula.

O estudo foi feito no Yázigi, em Campina Grande. Foram observados dez alunos

tímidos de seis turmas, compreendidos entre seis e vinte dois anos, durante dois semestres

letivos e procurou-se entender o motivo da inibição. Foram aplicadas algumas técnicas com o

objetivo de fazê-los falarem ativamente.

A primeira técnica aplicada foi o ‘role-play’ que é uma atividade tipicamente

comunicativa e através dela os alunos podem desenvolver suas habilidades comunicativas ao

fingirem que estão numa situação fora do contexto de sala de aula, simulando a realidade,

mais próximo da linguagem do cotidiano. Em outros termos, os alunos precisam lidar com

uma situação que só pode ser resolvida através da interação entre os usuários da língua. Por

exemplo, numa aula cujo tema seja comida e as funções linguísticas atreladas ao tema, o

professor simula um restaurante a assim os alunos devem avaliar o cardápio e fazerem o

pedido ao garçom, que também deve ser um aluno.

Segundo Elftorp (2007), o problema das atividades orais, especialmente no que

concerne a atividades em grupo, é que sempre existem alunos na turma que falam mais que

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outros e eles dominam o grupo. Nesse caso, uma técnica eficiente é dar um papel especial

para esse aluno que não tem coragem de falar, um papel na qual sua participação seja crucial

para a fluidez da atividade, no caso acima citado, colocaria o aluno inibido no papel do

garçom, obviamente que há toda uma preparação para a realização dessa atividade. Os role-

plays são excelentes opções para finalizar uma unidade depois que o assunto foi visto, revisto

e internalizado pela turma.

A segunda técnica aplicada foi a realização de jogos em sala de aula com o intuito de

fazer os alunos inibidos participarem com mais intensidade. Vários tipos de jogos foram

realizados, todos atrelados ao tema da unidade. Jogos simples tais como batata quente,

mímica, morto-vivo e jogos de perguntas e respostas fizeram parte da proposta. Os jogos eram

selecionados dando importância à faixa etária de cada turma.

Também se conversou com os demais funcionários da escola, tais como outros

professores e coordenadores, para diagnosticarmos o motivo da timidez dos alunos e o que

estavam fazendo para melhorar a produção oral deles. Foram mantidos contatos com os pais

dos alunos inibidos para descobrir mais sobre a personalidade deles e deixá-los cientes do

processo evolutivo de cada um ao longo do período. Também foram realizadas várias

conversas atreladas à aula e também informais com os próprios alunos, para que assim fosse

possível estabelecer uma relação de confiança ao mesmo tempo em que era diagnosticado o

real motivo da timidez.

Resultados e discussão

A partir das conversas com os professores foi percebido que o corpo docente prefere

ter alunos falantes em sala de aula em detrimento dos calados, é mais cômodo e não requer

tanto esforço por parte do professor e muitos acabam desistindo do aluno tímido, e esse não

deve ser o caminho, pois o professor deve estudar a particularidade de cada aluno para assim

planejar suas aulas de uma maneira que possa atingir a todos.

Não se pode considerar que o fato dos alunos inibidos se recusarem a interagir e

participar das discussões em sala esteja associado a não compreensão da atividade solicitada

pelo professor. Não se deve avaliar sua produção oral considerando sua inibição como falta de

conhecimento, do contrário seria injusto. Não obstante configura-se como incoerente a

atribuição de notas de produção oral para alunos que não se expressam oralmente em sala de

aula. A seguir será relatada toda a experiência obtida com as técnicas aplicadas.

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A aplicação dos role-plays em sala foi bastante positiva. A atmosfera leve e

descontraída que esse tipo de atividade proporciona permitiu que os alunos mais inibidos se

sentissem confortáveis e dispostos a participar. Como a situação envolvia todos da sala, tendo

cada aluno um papel importante no desenrolar da atividade, os alunos não se sentiram tão

inibidos diante da necessidade de solucionar um problema por meios linguísticos.

Com relação aos jogos, percebemos que os alunos tímidos, independentemente da

faixa etária, ficaram mais desinibidos quando estão jogando. Mas para ser um momento de

aprendizado e descontração para esses alunos, no que concerne a jogos em grupo, o professor

deve ter o cuidado de colocá-los no mesmo grupo em que estão seus colegas mais próximos,

isso lhes confere mais segurança. Evitar colocar os mais extrovertidos no mesmo grupo dos

tímidos também é importante, Às vezes os alunos ficam relutantes em participar basicamente

por causa da presença de um aluno mais ‘forte’ no grupo (HARMER, 2007).

Constatou-se que grupos não devem ser formados com mais de quatro alunos, para que

assim todos tenham a oportunidade de praticar o uso do idioma. De fato, fazer uso de

gerenciamento de sala é uma importante técnica. Um professor eficiente reconhece a

importância do gerenciamento de sala e é capaz de prevenir maus comportamentos ao

interrompê-los assim que ocorrem (HARMER, 2006).

Um bom gerenciamento de sala maximiza as oportunidades de todos os alunos

aprenderem (TICE, 1997). O professor deve fazer uso de vários tipos de atividades em grupo

e também de interferir sutilmente o mau comportamento ou qualquer tipo de desrespeito em

sala de aula, sendo um exemplo e evitando o abuso do poder. Incentivar a boa convivência no

âmbito da sala de aula desde o início se configura como uma arma eficaz a favor da existência

de um ambiente saudável para todos.

Para ilustrar, podemos citar o fato de que geralmente alguns alunos com bom

desempenho, ou que têm facilidade de aprender o idioma, muitas vezes riem da timidez dos

alunos ou dos erros que cometem. Se o professor não impedir esse tipo de comportamento a

timidez agravar-se-á e poderá causar grandes estragos no processo de aprendizagem desses

alunos.

A razão pela qual um aluno é inibido ou estar sendo inibido em sala de aula é

inicialmente desconhecida, não obstante o professor deve estabelecer uma relação de

aproximação com esse aluno, ao longo do tempo poderá resultar numa relação de confiança e

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isso seria a base concreta para iniciar uma jornada de autoconhecimento, superação e melhor

desempenho por parte do aluno e também por parte do professor, claro.

Quando se dá atenção às necessidades e receios dos alunos e quando há conversas com

eles em particular questionando sobre o motivo pelo qual insistem em manterem-se calados

ao invés de participarem das discussões em sala de aula, percebem-se alguns aspectos que

poderiam estar interferindo a produção oral deles. Almejando entendê-los e os escutando é a

melhor maneira de fazê-los falar. Ademais, nota-se que a turma em geral pode interferir

consideravelmente no desempenho desses alunos. Quando submetidos a aulas particulares

constata-se que alunos que mal falavam em sala, provavelmente pelo fato de a turma não estar

presente para inibi-los, tiveram coragem de se expressarem utilizando o idioma e inclusive o

tom de voz era outro, demonstrando estarem mais à vontade. É deveras importante acentuar o

fato de que os demais alunos podem causar muita pressão sob os alunos inibidos,

especialmente quando se refere a crianças ou adolescentes.

Manter um ambiente agradável em sala de aula é muito positivo e permite com que os

alunos aliviem as tensões, especialmente os que tendem a ficar travados nos momentos de

utilizar o idioma. Com o passar do tempo o professor e a turma estabelecem uma relação de

cumplicidade e companheirismo, e isso permite com que haja um ambiente mais espontâneo,

pois uma boa aula é aquela em que o aluno se sente extremamente confortável.

No caso de o aluno ser uma criança, percebeu-se que manter contato com os pais foi

de extrema relevância. Muitas vezes o professor acha que um aluno é naturalmente inibido,

mas na realidade não o é, algo em sala de aula pode o estar conduzindo à inibição. Um dos

papéis importantes que o professor deve desempenhar em sala de aula, e muitos desconhecem

ou não o faz, é o de proporcionar um ambiente de aprendizado saudável e seguro para todos

os alunos, se estão de alguma maneira se sentindo ameaçados, isso pode acarretar em

desmotivação e possível desistência.

Depois de vermos todo o processo que está atrelado ao ensino de alunos tímidos

podemos perceber que avaliá-los se configura como algo ainda mais desafiador. Avaliar a

produção oral dos alunos em geral já é um aspecto complicado, aliás, “Speaking” é a

habilidade linguística mais difícil de avaliar de forma confiável (LUOMA, 2004). Dessa

forma, consideramos que avaliar a produção oral de alunos que se recusam a falar em sala de

aula torna o processo ainda mais desafiador.

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Por outro lado, como afirma Brown (2007), avaliar a produção oral em sala de aula

tem uma clara vantagem sobre a compreensão oral: o discurso pode ser observado, gravado e

medido. Então podemos utilizar essas técnicas e fazer muitas anotações sempre considerando

o processo evolutivo de cada aluno. Em contrapartida, para atingirmos uma avaliação

plausível, vários fatores devem ser levados em consideração. Inicialmente considerar o nível

da turma, para então avaliar os seguintes aspectos: pronúncia, vocabulário, gramática,

aspectos discursivos e se o objetivo da atividade foi atingido.

Considerações Finais

Comunicar é um ato que requer alto nível de criatividade e é imprevisível. A interação

com outros usuários de uma língua não pode ser seguida como um roteiro. A comunicação

tem fluidez e esse aspecto pode ser deveras desafiador para alunos inibidos. Em sala de aula

também existe os alunos extrovertidos e falantes que são aqueles que sempre levantam a mão

e participam das discussões em sala de aula, eles se sentem à vontade para expressarem suas

opiniões mesmo quando não possuem fluência e vocabulário suficientes, pois eles possuem

um fator determinante quando se refere a aprender algo novo, a coragem.

Os alunos tímidos, num contexto de uma aula de línguas sob a perspectiva da

Abordagem Comunicativa, são como plantas que precisam ser regadas constantemente, pois

se não houver estímulo e um cuidado frequente por parte do professor dificilmente irá crescer

e se desenvolver satisfatoriamente.

Através desse trabalho nós almejamos expor a desafiadora conjuntura de ensinar um

aluno inibido considerando a Abordagem Comunicativa. Apresentamos técnicas que podem

ajudar professores a conduzirem seus alunos a superarem sua inibição ao falarem em sala de

aula.

De uma forma geral, avaliar a produção oral de um aluno que se recusa a falar em sala

é claramente impossível e deveras injusto. A solução para esse impasse está atrelada ao

domínio afetivo, buscar compreender o aluno, ouvir suas necessidades pessoais e anseios,

assim como demonstrar interesse no que eles têm a dizer é uma ótima estratégia. Se os

docentes se preocuparem com seus alunos, eles ficarão mais confiantes e seguros, o que

resultará no aumento da autoestima ocasionando uma maior participação do aluno. O

aprendizado será bem sucedido e assim o docente terá condições de avaliar a produção oral de

seus alunos.

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