estudo do livro de apocalipse -...

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1 Estudo do livro de Apocalipse 1 Uma divisão possível... 1. Introdução: natureza do livro, tema, autoria, bem-aventurança. 2. Sete cartas + visões 2.1 Deus, em seu trono, cercado por anciãos, anjos, criaturas e pelo Cordeiro; ruídos violentos. 2.2 Abertura dos sete selos. 2.3 Trombetas tocando. 2.4 Taças do juízo de Deus. 3. Interlúdios 3.1 Governo mundial. 3.2 Conflitos espirituais. 3.3 Céu. 3.4 Adoração. 3.5 Anjos e religião falsa. 4. Término: descrição gloriosa do céu, sem lágrimas, onde Deus é tudo em todos. Autoria Há diferentes opiniões sobre a autoria do livro de Apocalipse. Alguns estudiosos defendem que é outro João — que não o apóstolo e autor do evangelho — o responsável pelo registro da narrativa bíblica. João Marcos; João Batista; João, presbítero; Cerinto ou alguém que tenha usado o 1 Este estudo não é autoral. Consiste, em sua quase totalidade, na compilação de ideias dos autores citados nas referências, ao final do capítulo.

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Estudo do livro de Apocalipse1

Uma divisão possível...

1. Introdução: natureza do livro, tema, autoria, bem-aventurança.

2. Sete cartas + visões 2.1 Deus, em seu trono, cercado por anciãos, anjos, criaturas e pelo

Cordeiro; ruídos violentos.

2.2 Abertura dos sete selos.

2.3 Trombetas tocando.

2.4 Taças do juízo de Deus.

3. Interlúdios

3.1 Governo mundial.

3.2 Conflitos espirituais.

3.3 Céu.

3.4 Adoração.

3.5 Anjos e religião falsa.

4. Término: descrição gloriosa do céu, sem lágrimas, onde Deus é tudo em

todos.

Autoria

Há diferentes opiniões sobre a autoria do livro de Apocalipse. Alguns

estudiosos defendem que é outro João — que não o apóstolo e autor do

evangelho — o responsável pelo registro da narrativa bíblica. João Marcos;

João Batista; João, presbítero; Cerinto ou alguém que tenha usado o

1 Este estudo não é autoral. Consiste, em sua quase totalidade, na compilação de ideias dos autores citados nas referências, ao final do capítulo.

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pseudônimo “João” para dar maior credibilidade ao escrito são algumas

opiniões existentes. A rejeição da autoria de João não é nova, datando da

época dos pais da igreja, mas também não é unânime, pois vários deles

consideraram João o autor.

No segundo século, Justino Mártir escreveu em sua obra Diálogo com

Trifo que o apóstolo João havia escrito o Apocalipse. Ireneu, Tertuliano,

Clemente de Alexandria, Orígenes e Papias também afirmaram a autoria de

João.

Dionísio, Eusébio, Cirilo de Jerusalém e Crisóstomo rejeitaram a autoria

joanina. Sua principal alegação é que existem muitas diferenças entre o grego

utilizado no evangelho e o grego de Apocalipse, o qual apresenta forte

influência semítica em sua estrutura.

Aqueles que consideram João o autor justificam as diferenças existentes

no grego com o argumento de que, quando escreveu o evangelho, João era

cidadão influente em Éfeso e, por isso, pode ter contado com a ajuda de um

amanuense, o que naturalmente não foi possível na situação em que se

encontrava na ilha de Patmos. É bom lembrar que todo o Novo Testamento foi

escrito em grego e que João era judeu. Outro argumento é que a natureza das

visões pode ter contribuído para a diferença entre os registros.

Hoje, entre os evangélicos, a opinião predominante é que o apóstolo

João é o autor do livro de Apocalipse, considerando-se evidências internas e

externas, como, por exemplo: registros de que João realmente esteve exilado

na ilha de Patmos, local em que o autor do livro disse estar quando recebeu a

revelação de Deus (Ap 1.9), e o fato de que, em todo o Novo Testamento,

apenas no evangelho de João e em Apocalipse Jesus é chamado de logos.

Datação

Muitos defendem uma data de escritura do livro diferente da comumente

aceita — o reinado de Domiciano —, cogitando os seguintes períodos:

1. Imperador Cláudio: 41-54 d.C.

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2. Imperador Nero (54-68 d.C.

3. Imperador Trajano: 98-117 d.C.

No século XIX, muitos dos estudiosos estavam convencidos de que o

governo de Nero era a data mais provável para a escritura de Apocalipse, em

razão da conhecida perseguição aos cristãos.

O fato de se poder comprovar ou não a ocorrência de perseguição nos

períodos listados é importante para a datação do livro, porque duas das cartas

dirigidas às sete igrejas mencionam sofrimento e perseguição (Ap 2.8-11; 3.8-

10).

A posição prevalecente, que defende a composição do livro durante o

governo de Domiciano (81-96 d.C), encontrou defensores nos séculos II, XVIII

e XX. Ireneu, Vitorino, Eusébio, Clemente de Alexandria e Eusébio foram

alguns desses defensores.

Na época de Domiciano, foram cunhadas moedas em que o imperador é

representado como “pai dos deuses”. Nesse período (década de 90), o culto ao

imperador era bem mais desenvolvido que no governo de Nero. Ainda que não

se possa provar uma perseguição generalizada sob a liderança de Domiciano,

com certeza, os cristãos sofriam pressão diária da parte de judeus e romanos,

pois Tácito, Plínio e Suetônio, apologistas cristãos do segundo século, afirmam

que os seguidores de Jesus eram muito desprezados. Diante desses

argumentos, a datação durante o governo do imperador Domiciano tem sido a

mais aceita, embora não se possa ter certeza.

Linhas de interpretação

Preterista: tudo que Apocalipse registra se refere à época em que foi escrito e

nela teve total cumprimento. A narrativa mostra como Deus livraria os cristãos

de seus opressores, registra a queda do Império Romano, a existência de

conflito entre a igreja e o Estado e estimula a fidelidade a Deus em

contraposição ao mundo pagão. Para os defensores dessa teoria, na época da

escritura do livro, havia pouca perseguição; o que existia era uma sensação de

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crise, e não uma crise real. A escatologia do livro seria, na verdade, uma

reinterpretação do presente, e não uma linha de tempo para o futuro. A data de

composição do livro, em razão de alguns desses argumentos, seria anterior a

70 d.C., pois acreditam que profetiza a queda de Jerusalém, sendo a batalha

de Armagedom o cerco à Cidade Santa.

Futurista: a partir do capítulo 4, a narrativa do livro trata dos tempos do fim,

aquilo que ainda está por vir, os acontecimentos que marcarão o fim da história

do homem na terra.

Historicista: interpretação proposta por Joaquim de Fiori, no século XII, para

quem o conteúdo de Apocalipse engloba a história da igreja na terra, bem

como se refere a acontecimentos históricos seculares, aos quais os eventos

podem ser associados.

Poética, mitológica, alegórica: o texto é figurativo e tudo que é descrito

representa o triunfo do Bem sobre o Mal. Remete a realidades espirituais

atemporais e se refere à interação da igreja com o mundo em todas as épocas

da história eclesiástica, retratando a vitória de Cristo e de seu povo ao longo da

história humana.

Obs.: Há subdivisões nessas linhas de interpretação e existem ainda outras

teorias, que são resultado de combinações de várias dessas.

Tema

Cristo triunfa no movimento da história humana como previsto desde o

Éden. Sua segunda vinda marcará a vitória sobre o Mal e o estabelecimento do

seu reino. Jesus é o Cordeiro de Deus que cumpre as profecias do Antigo

Testamento e assegura o triunfo final do plano de Deus para salvação da

humanidade.

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Gênero

João diz que Apocalipse é uma profecia (Ap 1.3; 22.7,10,18,19), o que,

por si só, estabelece o gênero do livro, embora a narrativa traga elementos

epistolares e apocalípticos.

O gênero profecia, na Bílbia, é marcado pela transmissão da mensagem

de Deus aos homens por meio de um oráculo (o receptor da mensagem

divina), com o intuito de chamá-los ao comportamento desejado por Deus.

Essas exortações têm um tom otimista, pois, em havendo arrependimento, a

bênção divina alcançará os destinatários. A mensagem é o anúncio de

salvação para o fiel e de juízo para o infiel.

Apocalipse apresenta elementos apocalípticos, porque revela segredos

divinos por meio de visões que se traduzem em estrutura narrativa; mostra

esperança de melhoria apenas para o futuro; o conteúdo é ético, ou seja, elege

o bem e condena o mal, exigindo fidelidade dos ouvintes, e promete salvação

para o fiel e juízo para o infiel.

Como a ordem de Deus é que João registre a revelação em cartas que

serão endereçadas às sete igrejas, pode-se dizer que o livro tem também

natureza epistolar.

Canonicidade

Vários pais da igreja rejeitaram o livro de Apocalipse como inspirado, daí

haver menos cópias dele do que há de outros livros do Novo Testamento.

Na igreja do Ocidente, Justino Mártir, Ireneu, Tertuliano, Hipólito,

Clemente de Alexandria e Orígenes sempre aceitaram Apocalipse como livro

canônico.

Na igreja do Oriente, Cirilo de Jerusalém, Crisóstomo, Teodoro de

Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro não o consideraram canônico. Dionísio, aluno

de Orígenes, rejeitou a autoria de João, e Eusébio, a inspiração do livro.

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Apocalipse não entrou na lista de livros canônicos do Concílio de

Laodiceia, em 360 d.C., mas foi introduzido na lista do Concílio de Cartago, em

397 d.C., pois Atanásio defendeu sua canonicidade na íntegra. Finalmente, em

680 d.C., no Concílio de Constantinopla, Apocalipse foi considerado inspirado

por Deus e, desde então, não houve mais discussão.

Estudo versículo a versículo

Capítulo 1

Verso 1: Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus

servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por

intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João,

O texto começa dizendo que se trata de revelação da parte de Jesus

Cristo. O vocábulo grego apocalypsis, traduzido aqui por revelação, significa

“desvendamento”. O que estava encoberto, vendado, as verdades que antes

eram ocultas passam a ser conhecidas pelo homem por iniciativa de Deus, que

traz à luz a realidade desconhecida a respeito do seu controle soberano sobre

o futuro e de como encerrará, na história da humanidade, a aparente

supremacia das forças do mal.

Deus entregou a Cristo a incumbência de as revelar a João, o que se

deu por meio de um anjo. Jesus é Emanuel, Deus conosco, aquele a quem

Deus outorgou a mediação entre ele e os homens. Os anjos, ministros de Deus

que agem em nosso favor (Hb 1.14), estão presentes em diversas situações

em que Deus comunica algo aos homens (Gn 19.1; Is 6.6,7; Mt 1.20; Jo

20.12,13 etc.). A presença dos anjos é uma das marcas dos textos de natureza

apocalíptica.

João recebe a profecia e a registra, mas o verdadeiro autor não é ele. Ao

dizer que a revelação tem origem em Jesus Cristo, preliminarmente estabelece

a natureza divina do texto. Não se trata de mensagem de homens, mas de

Deus, logo merece crédito e possui autoridade.

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A mensagem recebida pelo apóstolo deve ser mostrada aos servos de

Deus, o que confirma o que tantas vezes se viu nas Escrituras: o interesse de

Deus em fazer conhecidas dos seus servos sua verdade e suas ações (Jo

15.15).

Os acontecimentos contidos no livro terão início em breve, daí por que

diversos estudiosos defendem a ideia de que o cumprimento das profecias é

paulatino e vem ocorrendo desde a época de sua revelação. A iminência dos

acontecimentos tem como objetivo levar o leitor a um senso de expectativa

(aguardar a volta de Cristo) e responsabilidade (estar preparado), o que deve

caracterizar todas as eras da igreja.

Verso 2: o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo,

quanto a tudo o que viu.

Foi o próprio Jesus que entregou a João a palavra que deveria ser

revelada aos seus servos, por isso o apóstolo atesta que é palavra de Deus e

testemunho de Jesus Cristo, sendo, portanto, digna de crédito. A afirmação,

logo no início do livro, de que sua origem é divina traz segurança ao leitor, pois,

ao longo da história da igreja, têm surgido muitos falsos apocalipses e

previsões avulsas sobre o fim dos tempos.

Verso 3: Bem-aventurados aqueles que leem e aqueles que ouvem as

palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está

próximo.

Esta é a primeira das sete bem-aventuranças que ocorrem no texto e

traz, em seu bojo, exortação à perseverança e premiação para aqueles que se

mantiverem fiéis até o fim.

Deus considera bem-aventurados aqueles que leem, aqueles que ouvem

e aqueles que guardam as palavras da profecia. Ainda que a leitura do livro de

Apocalipse não seja fácil, Deus quer que o leiamos, que o ouçamos com o

coração e, em consequência, que obedeçamos ao que nele está registrado. O

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verbo hebraico para “ouvir” significa também “obedecer”, por conseguinte, na

perspectiva bíblica, ouvir e obedecer são a mesma coisa.

O objetivo do livro de Apocalipse não é apenas anunciar a intervenção

divina futura, mas chamar seus filhos à responsabilidade desde o presente. Há,

nessa bem-aventurança, exortação e consolo para a igreja. O fato de o tempo

estar próximo é o motivo pelo qual as palavras do livro devem ser guardadas.

Deus deseja que seu povo viva completamente voltado para ele e para os

valores do reino celestial.

Nesse verso, pela segunda vez no capítulo, o escritor bíblico menciona a

urgência dos acontecimentos (a primeira ocorre em Ap 1.1). Os gregos faziam

uso de dois termos para expressar noção de tempo: chronos e kairós. Chronos

é o tempo mensurável, contável, o tempo marcado pelo relógio; kairós é o

tempo subjetivo, o tempo da oportunidade, da decisão. O vocábulo usado no

verso 3 é kairós. Quando o apóstolo João diz que o tempo está próximo, talvez

possamos pensar em um tempo real (ressalvado o conceito de Deus sobre o

tempo em 2 Pe 3.8), mas principalmente que o tempo inaugurado pela

revelação é o tempo da oportunidade, a ocasião para se tomar uma decisão

sobre Deus e seu reino.

Esse trecho, compreendido pelos versículos 1-3, é, ao mesmo tempo,

título do livro (revelação), sumário escatológico (coisas que em breve devem

acontecer) e exortação ao povo cristão (bem-aventurança).

Verso 4: João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós

outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete

Espíritos que se acham diante do seu trono

O verso 4 dá início a uma nova seção, que se estende até o verso 6 e

começa com João, o autor humano, identificando-se. Na antiguidade, os textos

apocalípticos costumeiramente vinham identificados por pseudônimos, de

preferência, nomes de pessoas ilustres, para que o texto fosse bem recebido

pelos leitores (Apocalipse de Baruc, Apocalipse de Pedro etc.). Aqui não

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acontece isso, pois o apóstolo dá seu próprio nome (vide discussão sobre

autoria).

Os destinatários do livro e leitores originais são as sete igrejas que se

encontram na Ásia Menor, região, na época, debaixo do domínio romano. Não

se sabe por que essas igrejas teriam sido escolhidas: seriam elas destinatárias

reais ou representação de todas as igrejas em todos os tempos? Na época,

havia, na região, mais ou menos 40 igrejas, e a igreja de Colossos ficava a

poucos quilômetros de Laodiceia. Quem defende a ideia de serem simbólicas,

lembra a recorrência do número 7 no Apocalipse: 7 espíritos, 7 selos, 7

trombetas, 7 taças, 7 trovões, 7 bem-aventuranças, 7 “Eu sou...”.

Como essas igrejas existiram de fato e a mensagem de Deus é para

todos, a teoria que prevalece entre os cristãos é a combinação desses dois

pensamentos: as comunidades mencionadas são reais, mas o ensinamento

dirigido a elas não se encerra nelas, pois os problemas enfrentados são

situações por que muitas outras comunidades e indivíduos poderiam passar. A

mensagem foi relevante para os leitores originais e ainda é para os cristãos da

atualidade, a quem também é dirigida. Um forte indicativo dessa dupla função é

que, ao final de cada carta, aparece a expressão “ouça o que o Espírito diz às

igrejas”, no plural (grifo nosso).

João saúda as igrejas com “graça e paz”, fórmula de cumprimento

bastante comum nas epístolas do Novo Testamento (I Co 1.3; II Co 1.2; Gl 1.3;

Ef 1.2; Fp 1.2; II Ts 1.2; Fl 1.3; 2 Pe 1.2 etc.). A graça, garantida aos cristãos

pelo sacrifício de Cristo na cruz, permitiu o perdão de pecados e a consequente

reconciliação com Deus, condição para os homens terem paz.

Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo são a origem da graça e da

paz, por isso João diz que o cumprimento é da parte “daquele que é, que era e

que há de vir”, da parte “dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono”

e, no verso seguinte, “da parte de Jesus Cristo”, completando a Trindade.

Essa caracterização tríplice de Deus remete à sua eternidade. O Deus

que atua no presente, foi conhecido no passado e será visto em ação no futuro,

quando eliminará o poderio do mal. Esse título de Deus aparecerá no livro

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outras quatro vezes, uma delas de forma idêntica e outras duas com alguma

variação (Ap 1.8; 4.8; 11.17; 16.5).

O Espírito Santo é revelado a João como sendo “os sete Espíritos” que

estão diante do trono de Deus. Há quem entenda que essa qualificação remeta

à passagem de Isaías 11.2, em que são listadas sete virtudes do Espírito

Santo. Zacarias 4.2,10 fala de sete lâmpadas e de sete olhos, o que também é

mencionado em Ap. 5.6, eventos que fazem com que alguns estudiosos

entendam que essa natureza séptupla do Espírito seja referência à sua

completude e perfeição. Em outras passagens de Apocalipse, os sete Espíritos

são novamente mencionados (Ap 3.1 e 4.5) e relacionados a outras figuras,

como as sete tochas, o que reforça o simbolismo do número sete. Interessante

observar que o Espírito séptuplo é tanto de Deus (Ap 3.1; 4.5) como de Jesus

(Ap 5.6), evidência da unidade existente na Trindade e da natureza divina de

Jesus Cristo.

Há ainda quem defenda que os sete Espíritos seriam anjos, mas os

textos em que a expressão aparece não abonam essa ideia, pois ela se liga à

Trindade, ao poder de Deus ou de Jesus de uma forma que não caberia a

anjos (Ap. 3.1: Cristo tem os sete Espíritos; 4.5: diante do trono de Deus estão

os sete Espíritos; 5.6: sete chifres, sete olhos, sete Espíritos). Fica, portanto,

apenas a menção à teoria.

Verso 5: e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos

mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama, e, pelo seu

sangue, nos libertou dos nossos pecados,

Aqui, como ocorreu com Deus Pai, Jesus recebe qualificação tríplice: a

Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra,

títulos que serão temas essenciais no livro de Apocalipse.

Em vida, Jesus foi a fiel testemunha de Deus, comunicando aos homens

a mensagem recebida e realizando a missão que lhe foi delegada. Nunca se

intimidou diante dos poderosos de seu tempo, quer políticos, quer religiosos, e

nunca deixou de proclamar as verdades divinas, pagando com a própria vida o

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preço de sua obediência a Deus. Também por isso, no livro de Apocalipse, o

significado do termo “testemunha” progride para “mártir”, pois aqueles que

creem, por causa da atuação dos poderes cósmicos do mal, terão de sustentar

a fé ao preço da própria vida. Isso sempre ocorreu na história da igreja e ainda

ocorrerá até a volta de Cristo.

Algumas igrejas destinatárias estavam passando por pressão ou

perseguição, como se pode perceber pelo texto a elas endereçado, por isso

Apocalipse exorta os seguidores de Jesus a, semelhantemente a ele, serem

testemunhas fiéis e perseverarem até o fim. O testemunho dos santos é,

inúmeras vezes, mencionado na narrativa de João: Ap 1.9; 6.9; 12.11,17; 17.6;

19.10; 20.4.

Na morte, Jesus foi o primogênito, o primeiro a ressuscitar e não voltar

ao túmulo, inaugurando a promessa de Deus de que todos os que cressem

ressuscitariam no Dia do Senhor e com ele estariam para sempre. O termo

“primogênito”, diferentemente do que defendeu o arianismo (teoria de Ário,

presbítero em Alexandria), não indica que Cristo foi criado por Deus, não

sendo, portanto, ele mesmo Deus, senão que ele é o primeiro, aquele que

precedeu a muitos na ressurreição dos mortos.

O terceiro título de Jesus, Soberano dos reis da terra, ressalta o seu

poder sobre todos aqueles que, na terra, têm autoridade. Em Apocalipse,

predomina o conflito entre o Cristo exaltado e os soberanos deste mundo, pois

os reis são os inimigos de Jesus e contra ele se juntarão para a batalha final,

mas serão derrotados e obrigados a submeter a Deus a sua glória. Jesus

Cristo reina sobre a vida e sobre a morte e, embora possa não parecer a

alguns, já reina sobre os reis da terra, pois nunca deixou de ser Senhor.

Na segunda parte do versículo, tem início uma doxologia, construção

paralelística que, no caso, destaca o número 3: Jesus, que recebe três títulos,

realizou uma obra também de natureza tríplice: nos ama, nos liberta e, no

versículo seguinte, nos constitui reino e sacerdotes. Essa é a única vez, nas

Escrituras, que uma doxologia é dirigida unicamente a Jesus Cristo.

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A doxologia é uma forma litúrgica por meio da qual se exalta a grandeza

e a majestade divinas. No texto de Apocalipse, há outras doxologias (Ap 4.9-

11; 5.13; 7.12; 9.1,2), bem como em diversos livros do Novo Testamento (Jd

1.25; Gl 1.5; Fp 4.20 etc.). A doxologia que se inicia na parte “b” do verso 5 é a

primeira dirigida somente a Jesus e celebra sua obra e seu relacionamento

com seus discípulos.

Se a primeira parte do verso 5 diz quem Jesus é (a Fiel Testemunha, o

Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra), a segunda conta o que

ele fez por nós (ama, liberta e constitui). É a tríplice celebração da obra

salvífica de Cristo.

A obra de Jesus é toda ela firmada em seu amor por nós. O Bom Pastor

ama as ovelhas e dá sua vida por elas (Jo 10.11). Porque nos ama, Cristo foi

crucificado desde a fundação dos tempos, tornou-se homem e viveu entre nós

e, por fim, destruirá visivelmente o último inimigo, a morte, e nos entregará a

coroa da glória, para que estejamos para sempre com ele. O amor divino

permeia o Apocalipse e deixa clara sua preocupação em dar ao seu povo, que

sofre, uma mensagem de esperança, conforto, confiança, estímulo e regozijo.

Mais do que um livro sobre o final dos tempos, Apocalipse narra os fatos que

levarão a obra de Deus à sua conclusão por amor de nós.

O texto diz que, “pelo seu sangue”, Cristo nos libertou dos nossos

pecados. Como fruto de sua obra, nossas culpas foram expiadas e fomos

introduzidos no Reino de Deus. O tema do sangue, significando vida ou morte,

é recorrente em Apocalipse, aparecendo dezenove vezes. Jesus venceu o

império das trevas ao derramar seu sangue em nosso lugar, destruiu o poder

que o pecado exercia sobre os homens, aniquilou o último inimigo, a morte, e

nos comprou para Deus. Somos chamados a participar de sua glória, mas

também de seus sofrimentos, por meio do martírio vitorioso retratado no livro.

Verso 6: e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a ele a

glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!

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A primeira parte do verso 6 mostra o aspecto eclesiológico da obra de

Cristo, alusão a Êx 19.9, uma das promessas fundamentais da aliança com

Abraão. A igreja é o verdadeiro Israel, o cumprimento do Antigo Testamento, e

aqueles que creem são os verdadeiros sacerdotes de Deus: fazem parte do

reino e reinarão com Cristo (Ap 2.26: receberão autoridade sobre as nações;

3.21: assentar-se-ão com Cristo em seu trono; 5.10: reinarão sobre a terra;

20.4: terão poder para julgar; 20.6: reinarão com Cristo).

Na condição de sacerdotes, temos acesso direto à presença de Deus e

a tarefa de servi-lo. A obra sacerdotal de Cristo o levou à morte; nossa posição

de sacerdotes deve nos levar a um serviço sacrificial para Deus. Em Cristo,

experimentamos posição sobremodo elevada, pois seu reinado já começou,

ainda que não vejamos todos os seus efeitos. A escatologia de Apocalipse

baseia-se no princípio “já, mas ainda não”: tudo se consumou em Cristo, mas

essa realidade espiritual ainda está se estabelecendo no mundo visível.

A doxologia propriamente dita está em Ap 1.6b e é resposta à obra de

Cristo em 1.5b e 6a: “[...] a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos.

Amém!”. A glória é devida a Cristo, pois somente ele é Deus, sua obra é

superior e, por isso, é o único digno de adoração. A Cristo pertence o domínio,

pois derrotou na cruz todos os poderes do mal, sustenta todas as coisas em

suas mãos e esse poder é a garantia da vitória sobre as potestades que

confrontam a igreja. Essa glória e esse domínio são para todo o sempre, pois

têm natureza eterna, em contraste com a temporalidade da grandeza dos

homens. O “amém” (assim seja) representa o compromisso do autor e dos

leitores com a verdade que a doxologia encerra.

Essa doxologia, em que se exalta Cristo como o único digno de louvor e

adoração, vai de encontro ao culto ao imperador, prática bastante desenvolvida

na época de João. Inicialmente, apenas os imperadores mortos eram

cultuados, mas, com o passar do tempo, alguns aceitaram ou requereram

adoração em vida como forma de centralização do poder. Os historiadores

destacam que o culto não era direcionado à pessoa do imperador, mas à sua

essência divina (eram investidos de poder pelos deuses), mas, na prática, dava

no mesmo.

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Verso 7: Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o

traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente.

Amém!

A segunda vinda de Cristo é aqui enunciada nos moldes das profecias

veterotestamentárias (Dn 7.13,14; Zc 12.10; Mt 24.30), sendo ela um dos

temas centrais do livro de Apocalipse.

A referência à universalidade da volta de Cristo aparece na afirmação de

que todo olho o verá, inclusive aqueles que o feriram, e todas as tribos da terra

se lamentarão sobre ele.

Há quem entenda que esse choro não é de remorso, mas resultado de

uma tristeza penitencial, ou seja, o reconhecimento de faltas para as quais se

busca perdão. Pouco provável que seja essa a realidade do texto, pois ele

sugere confronto com aqueles que se opuseram a Deus e a seu povo, quer

judeus, quer gentios. A essa realidade o apóstolo João firma um “certamente” e

um “amém” como demonstração de concordância e anelo.

Verso 8: Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e

que há de vir, o Todo-Poderoso.

Somente neste versículo e em Ap 21.5,6, Deus Pai fala diretamente no

livro. Em Ap 22.13, é Jesus quem está falando. Deus é o início e o fim de todas

as coisas, realidade expressa pela primeira e última letra do alfabeto grego. Por

ser eterno, atemporal, Deus não teve início nem terá fim, mas fala em

linguagem compreensível aos homens, já que não seria possível a nós

apreender perfeitamente uma realidade fora da convenção do tempo.

Deus e Jesus Cristo dizem de si, em Apocalipse, que são o alfa e o

ômega, nova evidência da unidade entre eles e da natureza divina de Cristo

(Ap 1.8; 21.5,6; 22.13).

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Aqui o autor repete a tríplice qualificação de Deus que primeiro apareceu

no verso 4 e acrescenta a afirmação de que Deus é o Todo-poderoso, o único

que detém toda autoridade sobre todos os poderes do mundo, sobre toda a

criação, expressão que aparece nove vezes no livro.

Verso 9: Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na

perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da

palavra de Deus e do testemunho de Jesus.

O verso 9 inaugura a primeira grande seção do livro, centrada nas cartas

às igrejas, e que se encerrará apenas em Ap 3.22. Os versos 9 a 20 do

primeiro capítulo narram a primeira visão, informam a origem do livro e trazem

a ordem a João de registrar o que vê.

João mostra, nesse verso, sua situação em relação aos leitores: irmão e

companheiro. Não é o apóstolo ou o presbítero que está falando, mas um que

lhes é igual. Ele se considera companheiro de tribulação, porque está exilado

na ilha de Patmos por causa da pregação da palavra de Deus e do testemunho

que deu de Jesus. É também companheiro no reino, pois a obra salvífica de

Cristo nos fez parte do reino do Filho (Cl 1.13). Por último, companheiro na

perseverança, pois não tem desistido do chamado e permanece sustentando a

fé ao preço de sua liberdade. A perseverança é a reação cristã esperada por

Deus no livro. Fazer parte do reino implica privilégios de naturezas diferentes:

desfrutar da segurança em Cristo e por ele padecer (I Pe 2.21).

A irmandade e o companheirismo destacam a afinidade existente entre

os cristãos, a comunhão de que desfrutam (koinonia), resultado do

relacionamento que primeiro se estabelece com Deus, daí João dizer que é

irmão e companheiro “em Jesus”.

O apóstolo afirma estar na ilha de Patmos por causa da pregação do

evangelho. Não se sabe ao certo quanto tempo João permaneceu exilado,

embora se opine por um período em torno de quatro anos. Ao que consta, João

não permaneceu mesmo muitos anos em Patmos, porque Domiciano foi

assassinado, e Nerva, seu sucessor, teria anistiado o apóstolo. A tradição

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sustenta que João voltou para Éfeso e lá morreu, embora não se saiba quanto

tempo depois.

Patmos é uma pequena ilha vulcânica no mar Egeu, com área total de

34,6 km2, a 60 km da cidade de Mileto, na Turquia. Na época de João, estava

sob o controle dos romanos, mas, a partir de 1522, foi tomada diversas vezes

pelos turcos, capturada pelos italianos em 1912, mas definitivamente dominada

pelos gregos desde 1948. Alguns estudiosos garantem que, na época de João,

a ilha era habitada e que o apóstolo gozava de liberdade para ir e vir.

http://slideplayer.com.br/slide/1850615/

http://iadrn.blogspot.com.br/2012/03/ilha-de-patmos.html

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Verso 10: Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta,

Os estudiosos cogitam que a expressão “em espírito” pode se referir a

uma experiência de êxtase, na qual o Espírito Santo assume o controle dos

sentidos, ou a uma experiência visionária dada pelo Espírito Santo. Como João

interage com o que vê, a segunda opção é mais aceita.

A expressão “no dia do Senhor” acredita-se ser referência ao domingo,

dia da semana escolhido pelos cristãos para reunião e celebração, por causa

do domingo da ressurreição.

Interessante notar que João primeiro ouve uma voz atrás de si e só

depois se volta para ver quem lhe fala. A voz é grande, como de trombeta, o

que provavelmente indica sua potência. À trombeta também se associam

temas como o anúncio da chegada do rei, a chamada à adoração e o

oferecimento de holocaustos no Antigo Testamento, situações que, de alguma

maneira, remetem à figura de Deus e de Cristo.

Verso 11: dizendo: O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas: Éfeso,

Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia.

A ordem para João escrever alguma coisa aparece no livro de

Apocalipse 12 vezes. Aqui, Cristo ordena que ele escreva o que vê e o

encaminhe a sete igrejas, às quais enumera. É curioso o fato de a citação das

igrejas obedecer a uma ordem geográfica, ou seja, o percurso que faria um

mensageiro para entregá-las.

Como mencionado anteriormente, há quem defenda que não se trata de

igrejas reais, mas comunidades hipotéticas, simbolizadas pelo número sete, as

quais representariam todo o corpo de Cristo na terra. Prevalece, no entanto, o

entendimento de que houve, de fato, leitores originais, membros das igrejas

listadas, mas que o ensino contido nas cartas permanece atual, daí servir para

a igreja em todos os tempos e lugares.

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Verso 12: Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros

de ouro

João ouve uma voz, mas, quando se volta para saber quem estava

falando com ele, o que primeiro vê são sete candeeiros de ouro, cujo

significado é revelado pelo próprio Jesus no verso 20.

A visão iniciada no verso 10 só se encerrará no capítulo 4, verso 1, e é

preparação para as cartas.

Verso 13: e, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com

vestes talares e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro.

A visão de João pode ser dividida em duas partes: a contemplação do

Cristo glorificado e a comissão recebida. Nesse primeiro momento, Cristo, a

figura central de Apocalipse, é apresentado. Talvez o que João viu não seja a

forma como veremos Jesus, mas uma representação de sua glória e poder.

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O apóstolo compara o que vê a uma figura semelhante ao filho do

homem, título sobejamente aplicado a Jesus no Novo Testamento para

destacar sua natureza messiânica: aquele que se tornou homem para cumprir

toda a lei e garantir a salvação aos que cressem (Mt 12.8; 13.37; 18.11; 24.37;

Mc 2.28; Lc 6.5). Essa expressão também é usada no Antigo Testamento em

relação a Ezequiel, uma pessoa comum, como referência à sua humanidade

(Ez 23.2; Ez 25.2; Ez 16.2). A semelhança daquele a quem João vê com um

homem nos faz lembrar que, ao subir aos céus, Cristo não perdeu seu aspecto

humano.

Essa figura semelhante a um homem está no meio dos candeeiros, o

que destaca a presença constante de Deus no meio da igreja (lembrando que a

igreja somos nós!). Ele usa vestes talares, típicas dos sacerdotes, ressaltando

seu papel de mediador entre Deus e os homens, ou, como acreditam alguns,

vestes reais, indicativo de sua autoridade, majestade e superioridade (Ap 15.6).

O cinto de ouro se posiciona debaixo do peito, e não na cintura, para alguns,

também sinal de superioridade, pois o escravo usava o cinto na cintura, e o

aristocrata, debaixo do peito.

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Verso 14: A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os

olhos, como chama de fogo;

Os cabelos brancos possivelmente representem dignidade e sabedoria,

pois esse era o significado das cãs nas culturas antigas. A comparação com a

lã e a neve se justifica pelo fato de serem referenciais perfeitos para a

brancura, comumente usados na antiguidade como exemplo de pureza

absoluta.

Os olhos, como chama de fogo, representam a percepção divina, à qual

nada escapa. Olhos capazes de depurar e purificar como só o fogo faz. Podem

também significar juízo, já que nada se pode esconder de Deus. Essa imagem

ocorre outras vezes no livro de Apocalipse (Ap 2.18; 19.12) e também no

Antigo Testamento (Dn 10.6; Ez 1.7).

Verso 15: os pés, semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa

fornalha; a voz, como voz de muitas águas.

Novamente presente a ideia do fogo que purifica, pois os pés são

semelhantes ao bronze polido, refinado, sinal da glória e da força de Cristo. Os

pés de bronze remetem à pureza e à estabilidade.

Agora a voz é comparada à voz de muitas águas, voz poderosa (Ez

1.24; 43.2), a temível voz do Senhor mencionada também em Ap 1.10.

Verso 16: Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada

espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força.

Em toda a Bíblia, a mão direita simboliza poder e autoridade. O fato de

Cristo estar segurando as sete estrelas pode significar posse e proteção: ele as

tem e as preserva.

A espada é imagem que se repete no livro e simboliza o juízo. Da boca

de Jesus sai o juízo, ele o proclama, e esse juízo é tão justo e preciso, que se

assemelha a uma espada de dois gumes afiada. Em Apocalipse, a boca

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também é símbolo de juízo, pois o Cristo, detentor de autoridade judicial,

proferirá com sua boca o julgamento de cada ser humano.

O rosto brilhante lembra a passagem da transfiguração, em que o rosto

de Jesus resplandeceu como o sol (Mt 17.2), e, guardadas as diferenças, a

experiência de Moisés, que, por ter estado na presença de Deus, no monte

Sinai, de lá desceu com o rosto brilhando (Êx 34.29). No Sl 84.11, o salmista

diz que Deus é nosso sol e escudo, e Is 60.19, que é nossa luz. A referência à

luz do sol ilustra a glória de Deus em seu fulgor.

Verso 17: Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim

a mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último

Ao ver Jesus em sua glória, a humanidade de João não suportou a

grandiosidade da experiência. Não há ser humano que possa permanecer de

pé ou não ter o coração tomado por temor diante da presença augusta de

Deus. A consciência de sua pequenez fez João perder as forças. Ele viu Jesus

e temeu. Mas Jesus o encoraja, impondo-lhe a mão direita (novamente a figura

da autoridade) e dizendo-lhe para não ter medo. A mão que antes segurava as

estrelas agora abençoa o apóstolo. Isso nos estimula a, no relacionamento com

Deus, não dar lugar ao medo, pois deve estar baseado na certeza de seu amor

por nós.

A descrição de Deus em Ap 1.8 é aqui aplicada a Cristo, o que

novamente reforça sua divindade e unidade com o Pai. Em Ap 21.6 e 22.13,

essa expressão volta a aparecer. Jesus é a origem e o alvo de todas as coisas,

ele tem a primeira palavra na criação e a última na recriação, soberania que ele

tem juntamente com Deus Pai.

Verso 18: e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos

séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno.

Jesus é aquele que um dia experimentou a morte por amor de nós, mas

ela não pôde contê-lo. Esteve morto, mas agora vive por toda a eternidade.

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Nunca mais precisará passar pela morte, pois sua obra de salvação foi

completa e perfeitamente suficiente para remir os homens.

A morte e ressurreição de Cristo destruíram as forças cósmicas do mal,

por isso ele tem em seu poder as chaves da morte e do inferno, alusão ao seu

controle do mundo inferior (Mt 10.28).

Verso 19: Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de

acontecer depois destas.

Apocalipse interliga passado, presente e futuro, pois isso a ordem para

João escrever o que viu, o que é e o que ainda iria acontecer. Esse versículo

revela a perspectiva escatológica do livro em uma estrutura tríplice sobre o

tempo de cumprimento da revelação. As coisas que são podem ser referência

àquilo que é eterno ou a acontecimentos da época do apóstolo, que já seriam

parte da profecia em cumprimento. “As que hão de acontecer depois destas”,

naturalmente, se referem a fatos futuros.

Verso 20: Quanto ao mistério das sete estrelas que viste na minha mão direita

e aos sete candeeiros de ouro, as sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e

os sete candeeiros são as sete igrejas.

A palavra mistério, que dá início ao verso 20, significa, na Bíblia,

segredos mantidos ocultos das pessoas no passado e que agora são revelados

por Deus.

As sete estrelas e os sete candeeiros aparecem nos versos 12 e 16,

mas sem explicação de significado. Aqui, o próprio Cristo revela o que

representam: os sete candelabros são as sete igrejas; e as sete estrelas, os

anjos das igrejas.

A menção aos anjos das sete igrejas suscita polêmica: seriam seres

celestiais ou líderes dessas comunidades? Predomina o pensamento de que se

trata da liderança das igrejas, pois Deus não endereçaria cartas a anjos. Outro

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argumento para corroborar essa teoria é que, se as igrejas são reais (tanto que

são nominadas), os anjos também são pessoas reais, que respondem pelas

igrejas, cuidam delas e devem encaminhá-las ao bom caminho. As cartas irão

permitir a esses homens perceber os problemas existentes em sua

comunidade e conduzi-la à mudança.

Aqui se encerra o estudo do primeiro capítulo. No capítulo 2, vamos nos

debruçar sobre as cartas às igrejas de Éfeso, Esmirna, Pérgamo e Tiatira,

quatro das sete totais.

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REFERÊNCIAS

DUCK, Daymond R. Guia fácil para entender Apocalipse. Rio de Janeiro:

Thomas Nelson, 2014.

MIRANDA, Neemias Carvalho. Apocalipse – comentário versículo por

versículo. Curitiba/PR: A. D. Santos Editora, 2013.

OSBORNE, Grant R. Apocalipse. São Paulo: Vida Nova, 2014.