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ESTUDO DO DESEMPENHO DE CORRELAÇÕES DE ARRASTO SÓLIDO- GÁS NA SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE UM LEITO FLUIDIZADO BORBULHANTE Flávia Zinani, Paulo Conceição, Caterina G. Philippsen, Maria Luiza S. Indrusiak Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Av. Unisinos, 950, CEP 93022-000, São Leopoldo, RS E-mail: [email protected] RESUMO A queima de combustíveis sólidos, como carvão e biomassa, em leito fluidizado é uma das tecnologias mais avançadas utilizadas em usinas de conversão de energia térmica. Atualmente, há uma crescente busca por um melhor entendimento dos processos hidrodinâmicos de fluidização e por modelos matemáticos capazes de prever com eficácia tais fenômenos. Uma característica particular dos leitos fluidizados borbulhantes é a formação de bolhas de gás, responsáveis pela mistura sólido-gás e pela manutenção da temperatura do leito. Assim, é fundamental entender suas características e seu comportamento transiente. No entanto, variáveis médias no tempo, como velocidades do gás e dos sólidos, pressão e frações volumétricas de cada componente são também de grande importância para projeto e determinação de condições operacionais. Suas distribuições espaciais influenciam diretamente o desempenho do leito na queima do combustível em processos em regime permanente. Neste trabalho, uma ferramenta de Dinâmica dos Fluidos Computacional (CFD), o código aberto MFiX (Multiphase Flow with Interphase eXchange) é empregado na simulação do escoamento multifásico em um leito fluidizado borbulhante, a fim de se avaliar o desempenho de vários modelos de arrasto para interação sólido-gás. Uma abordagem Euler-Euler é empregada, na qual as fases gás e particulado são consideradas como meios contínuos interpenetrantes. As equações de conservação de massa e quantidade de movimento são resolvidas para cada fase, e o acoplamento entre as fases é feito pelos termos de transferência de quantidade de movimento entre as fases. Na construção destes termos, o arrasto desempenha o principal papel. O mesmo é usualmente modelado através de correlações como as de Gidaspow, Hill-Koch-Ladd e Syamlal e O’ Brien, as quais fazem parte do presente estudo. O desempenho de ca da um dos modelos é avaliado quanto à previsão dos campos de variáveis médias no tempo. PALAVRAS-CHAVE: Leito fluidizado borbulhante, escoamento multifásico sólido-gás, simulação numérica, MFiX, modelos de arrasto. 1. INTRODUÇÃO A combustão em leito fluidizado apresenta consideráveis vantagens em relação a processos como combustão em grelha ou combustível pulverizado. Do ponto de vista ambiental, o controle das emissões de poluentes é mais fácil, com temperaturas menos elevadas na região reativa e a possibilidade de adições ao leito para controlar as emissões de compostos de enxofre. Do ponto de vista estratégico, o leito fluidizado possibilita a combustão de variados combustíveis sólidos, como carvão de baixa qualidade ou com muita umidade, lixo industrial ou doméstico, biomassas e combinações destes combustíveis. Os processos em leito fluidizado podem ser divididos, do ponto de vista da movimentação dos reagentes no leito, em processos de leito borbulhante, em que os sólidos permanecem restritos a uma região, chamada leito, sendo permeados e fluidizados pelo oxidante (ar ou uma mistura variada de ar, oxigênio e gases de combustão) e processos de leito circulante, em que não há propriamente um leito e os sólidos são transportados pelos gases e recirculados até a completa oxidação dos mesmos. Uma característica particular dos leitos fluidizados borbulhantes é a formação de bolhas de gás. As bolhas são responsáveis pela mistura entre gás e sólido, pela circulação de gás e manutenção da temperatura do leito. Assim, é fundamental entender suas características e seu comportamento transiente. Variáveis médias no tempo, como velocidade do gás e do sólido, pressão e fração de

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ESTUDO DO DESEMPENHO DE CORRELAÇÕES DE ARRASTO SÓLIDO-

GÁS NA SIMULAÇÃO NUMÉRICA DE UM LEITO FLUIDIZADO

BORBULHANTE

Flávia Zinani, Paulo Conceição, Caterina G. Philippsen, Maria Luiza S. Indrusiak Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Av. Unisinos, 950,

CEP 93022-000, São Leopoldo, RS

E-mail: [email protected]

RESUMO

A queima de combustíveis sólidos, como carvão e biomassa, em leito fluidizado é uma das tecnologias mais avançadas

utilizadas em usinas de conversão de energia térmica. Atualmente, há uma crescente busca por um melhor entendimento

dos processos hidrodinâmicos de fluidização e por modelos matemáticos capazes de prever com eficácia tais

fenômenos. Uma característica particular dos leitos fluidizados borbulhantes é a formação de bolhas de gás,

responsáveis pela mistura sólido-gás e pela manutenção da temperatura do leito. Assim, é fundamental entender suas

características e seu comportamento transiente. No entanto, variáveis médias no tempo, como velocidades do gás e dos

sólidos, pressão e frações volumétricas de cada componente são também de grande importância para projeto e

determinação de condições operacionais. Suas distribuições espaciais influenciam diretamente o desempenho do leito

na queima do combustível em processos em regime permanente. Neste trabalho, uma ferramenta de Dinâmica dos

Fluidos Computacional (CFD), o código aberto MFiX (Multiphase Flow with Interphase eXchange) é empregado na

simulação do escoamento multifásico em um leito fluidizado borbulhante, a fim de se avaliar o desempenho de vários

modelos de arrasto para interação sólido-gás. Uma abordagem Euler-Euler é empregada, na qual as fases gás e

particulado são consideradas como meios contínuos interpenetrantes. As equações de conservação de massa e

quantidade de movimento são resolvidas para cada fase, e o acoplamento entre as fases é feito pelos termos de

transferência de quantidade de movimento entre as fases. Na construção destes termos, o arrasto desempenha o

principal papel. O mesmo é usualmente modelado através de correlações como as de Gidaspow, Hill-Koch-Ladd e

Syamlal e O’ Brien, as quais fazem parte do presente estudo. O desempenho de cada um dos modelos é avaliado quanto

à previsão dos campos de variáveis médias no tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Leito fluidizado borbulhante, escoamento multifásico sólido-gás, simulação numérica, MFiX,

modelos de arrasto.

1. INTRODUÇÃO

A combustão em leito fluidizado apresenta consideráveis vantagens em relação a processos como

combustão em grelha ou combustível pulverizado. Do ponto de vista ambiental, o controle das

emissões de poluentes é mais fácil, com temperaturas menos elevadas na região reativa e a

possibilidade de adições ao leito para controlar as emissões de compostos de enxofre. Do ponto de

vista estratégico, o leito fluidizado possibilita a combustão de variados combustíveis sólidos, como

carvão de baixa qualidade ou com muita umidade, lixo industrial ou doméstico, biomassas e

combinações destes combustíveis.

Os processos em leito fluidizado podem ser divididos, do ponto de vista da movimentação dos

reagentes no leito, em processos de leito borbulhante, em que os sólidos permanecem restritos a

uma região, chamada leito, sendo permeados e fluidizados pelo oxidante (ar ou uma mistura variada

de ar, oxigênio e gases de combustão) e processos de leito circulante, em que não há propriamente

um leito e os sólidos são transportados pelos gases e recirculados até a completa oxidação dos

mesmos.

Uma característica particular dos leitos fluidizados borbulhantes é a formação de bolhas de gás. As

bolhas são responsáveis pela mistura entre gás e sólido, pela circulação de gás e manutenção da

temperatura do leito. Assim, é fundamental entender suas características e seu comportamento

transiente. Variáveis médias no tempo, como velocidade do gás e do sólido, pressão e fração de

vazio são também de grande importância para projeto e determinação de condições operacionais.

Elas são determinantes para o desempenho dos processos de queima em regime permanente.

A Dinâmica dos Fluidos Computacional (CFD) tem crescido como uma ferramenta poderosa para o

entendimento dos escoamentos multifásicos em uma vasta gama de aplicações em engenharia e

processos naturais. Esta classe de problemas apresenta uma variedade de possibilidades com relação

aos modelos físico e numérico. No presente trabalho, uma ferramenta de Dinâmica dos Fluidos

Computacional, o código aberto MFiX (Multiphase Flow with Interphase eXchange) é empregado

na simulação do escoamento em um leito fluidizado borbulhante, com o intuito de avaliar o

desempenho de diferentes modelos físicos para a transferência de quantidade de movimento por

arrasto entre a fase gás e a fase particulada.

2. METODOLOGIA

Esta seção descreve a modelagem matemática dos problemas abordados no presente trabalho, a qual

se baseia na teoria hidrodinâmica para escoamentos multifásicos do tipo gás-sólido particulado,

inseridos no código aberto MFiX (Syamlal et al., 1993).

Escoamentos multifásicos costumam ser abordados utilizando dois tipos de modelos, Euler-Euler ou

Euler-Lagrange. No primeiro deles, cada uma das fases é modelada como um meio contínuo a partir

de um referencial Euleriano. No modelo Euler-Lagrange, o meio fluido (gás ou líquido) é modelado

a partir de um referencial Euleriano, enquanto que para cada partícula a equação do movimento de

Newton é aplicada explicitamente a partir de um referencial Lagrangeano.

No presente trabalho, utiliza-se o modelo Euler-Euler, no qual se assume que cada componente

ocupa todo o domínio do problema. Sendo assim, as espécies são consideradas como contínuos

interpenetrantes, e suas concentrações ao longo do domínio são caracterizadas por suas respectivas

frações volumétricas. Dentro da modelagem Euleriana, ainda se pode utilizar duas abordagens

alternativas, conhecidas como modelo homogêneo e modelo não homogêneo. Na abordagem do

modelo homogêneo, um campo de escoamento comum é compartilhado por todas as fases, bem

como outros campos relevantes, tais como temperatura e turbulência. No modelo não homogêneo,

utilizado no presente trabalho, são estabelecidas equações de transporte das quantidades envolvidas

no problema para cada um dos componentes da mistura. Assume-se que cada componente tenha seu

próprio campo de velocidade e pressão.

Para os escoamentos de interesse no presente trabalho, a mistura constitui-se da fase gasosa

adicionada de uma única fase sólida, e ε representa a fração volumétrica do componente , a qual

pode variar temporal e espacialmente. Localmente,

onde M é o número de componentes da mistura. Assim sendo, representa a fração volumétrica da

fase fluida, e representa a fração volumétrica da fase sólida. Ainda, é a massa específica do

componente puro e

é a massa específica efetiva do componente ,

A massa específica da mistura é dada por:

2.1 Conservação de Massa

O princípio de conservação da massa aplicado para um sistema multicomponente resulta em que a

variação temporal da densidade mássica do componente é igual à taxa com que este componente

é produzido ou consumido através de processos químicos ou pela mudança de fase. Esta produção

se dá às custas de uma taxa de consumo de outros dos M componentes, e vice-versa, de forma que

se mantenha o balanço de massa total expressado pela Eq. (1). Sendo assim, pode-se escrever a

equação da continuidade para cada componente da mistura como:

onde v é a velocidade da fase .

No presente trabalho a fase gás é considerada um fluido incompressível, i.e., é constante.

2.2 Conservação da Quantidade de Movimento

A conservação da quantidade de movimento para cada fase é expressa pela Eq. (5):

No lado esquerdo da Eq. (5), o primeiro termo representa a taxa de variação de quantidade de

movimento e o segundo termo a advecção de quantidade de movimento. O primeiro termo à direita

da equação representa as forças de superfície, o segundo termo representa as forças de corpo (e.g.

devido à gravidade g) e o termo seguinte representa a transferência de quantidade de movimento

entre a fase gasosa e a fase sólida. Na Eq. (5), é o tensor tensão da fase , representa a força

de interação da transferência da quantidade de movimento entre a fase e a outra fase .

2.2.1 Transferência da Quantidade de Movimento Fluido-Sólido

A transferência da quantidade de movimento entre a fase fluida e a fase sólida, também chamadas

de força de interação, é representada na Eq. (5) por .

Johnson, Massoudi e Rajagopal (1990), em uma revisão sobre os mecanismos de interações em

escoamentos do tipo fluido-sólidos, identificaram sete diferentes mecanismos de interação. São

eles: força de arrasto, flutuação, efeito da massa virtual, força de sustentação de Saffman, força de

Magnus, força de Basset, força de Faxen e forças causadas pelas diferenças de temperatura e massa

específica. A força de arrasto é causada pelas diferentes velocidades entre a fase gasosa e sólida,

causando atrito entre a superfície do sólido e o fluido. A flutuação ocorre devido ao gradiente de

pressão do fluido. O efeito de massa virtual é causado pela aceleração relativa entre as fases gasosa

e sólida. A força de sustentação de Saffman aparece devido aos gradientes de velocidade do fluido.

A força de Magnus é devido ao spin das partículas. A força de Basset depende do histórico do

movimento da partícula no fluido. A força de Faxen é uma correção que se aplica ao efeito de

massa virtual e à força de Basset, que leva em conta os gradientes de velocidade do fluido (Syamlal

et al., 1993).

No presente trabalho, considera-se somente os efeitos de arrasto e flutuação, ou seja

( )

A força de arrasto é modelada em função do coeficiente da quantidade de movimento na interface,

ou função de arrasto ( ), e da velocidade relativa entre as fases. Correlações para podem ser

formuladas a partir de correlações para a queda de pressão no escoamento de gás através de um

leito empacotado, como a correlação de Ergun (1952), que dá origem à correlação de Ding e

Gidaspow para (Ding e Gidaspow, 1990). Outro modo é a obtenção do modelo de arrasto a

partir de correlações para a velocidade terminal em um leito fluidizado, expresso como função da

fração de vazio de do número de Reynolds. Desse modo foi obtida a correlação de Syamlal e

O'Brien (1993).

2.2.1.1 Correlação de Arrasto de Ding e Gidaspow

Esta correlação utiliza a equação de Ergun (1952) para a fase densa ( ). Para a fase dispersa

( ), utiliza-se a equação de Wen e Yu (1966) (Syamlal et al., 1993). Assim, a correlação é

dada por:

{

| |

( )

| |

{

| |

onde é a velocidade do gás, é a velocidade do sólido, é o diâmetro da partícula e é a

viscosidade dinâmica do gás.

2.2.1.2 Correlação de Arrasto de Syamlal e O’Brien

Esta correlação é baseada nos estudos de Richardson e Zaki (1954), Dalla Valle (1948) e Garside e

Al-Dibouni (1977). O modelo de arrasto é baseado no valor das velocidades terminais ( ) das

partículas, para o cálculo das quais é utilizado o coeficiente de arrasto ( ) da Eq. (10).

| |

A correlação da velocidade terminal ( ) pode ser calculada por uma única correlação numérica,

mas uma fórmula explícita não pode ser derivada (Richardson e Zaki, 1954). Para uma fórmula

fechada, pode ser derivada por uma correlação semelhante desenvolvido por Garside e Al-

Dibouni (1977).

( √ )

onde,

e

{

O número de Reynolds para a fase sólida é dado por:

| |

2.2.1.3 Correlação de Arrasto de Hill-Koch-Ladd

A correlação Hill-Koch-Ladd (HKL), proposta por Hill et al. (2001), é baseada em simulações do

tipo Lattice-Boltzmann (Benyahia et al., 2006). Benyahia et al. (2006), desenvolveram uma

extensão da correlação de arraste HKL que se aplica a toda gama de frações volumétricas e números

de Reynolds.

A função de arrasto HKL, tendo o coeficiente de arrasto ( ) já incluído (Eq. (8)), é definida pela

Eq. (15):

A força de arrasto (F) é descrita por:

{

( )

{

{

( )

Os coeficientes são determinados pelas equações abaixo:

{

[ √

(

)

]

[

]

para 0,01< < 0,4, e para ≥ 0,4 o coeficiente é expresso por:

{√

{

[ √

(

)

]

[

]

para < 0,4, e para ≥ 0,4, é expresso por:

{

| |

2.2.2 Tensor Tensão da Fase Fluida

O tensor tensão para a fase fluida, sendo gás ou líquido, é representada pela Eq. (27).

O termo representa a pressão, I é o tensor identidade, é o tensor de viscosidade, assumido na

forma Newtoniana e descrito pela Eq. (28).

* ( ) ⁄ +

2.2.3 Tensor Tensão da Fase Sólida

Conforme Jaeger e Nagel (1992), os materiais granulares não podem ser classificados como sólidos

ou líquidos, pois apresentam comportamentos muito diferentes das demais substâncias. Para a

análise de um leito em fluidização, o conjunto de partículas sólidas é considerado como um fluido

não viscoso. Neste caso, deve ser especificado o tensor tensão de pressão dos sólidos, que é uma

função arbitrária da fração de vazio (Pritchett, Blake, e Garg 1978; Gidaspow e Ettehadieh 1983).

Esta especificação é necessária para que a fração de vazio seja menor que a fração de vazio do leito

empacotado (Syamlal e O'Brien, 1993).

O fluxo granular pode ser classificado como em regime viscoso ou em regime plástico, como

mostra a Fig. 1.

(a) (b)

Figura 1: (a) fluxo granular em regime viscoso; (b) fluxo granular em regime plástico.

Para descrever as tensões dos regimes viscoso e plástico, Johnson e Jackson (1987) propuseram um

modelo que descreve o cisalhamento de um fluxo granular, de acordo com as teorias destes regimes,

adicionando duas equações. Neste trabalho, utilizando o MFiX, a combinação das teorias do regime

viscoso e plástico, ocorre ao introduzir a condição para a fração de vazio do leito empacotado.

{

Na Eq. (29), é a pressão, é o tensor de viscosidade para as fases sólidas, é a fração de

vazio na fluidização mínima. Os subscritos, V e P, definem o regime viscoso e plástico

respectivamente.

Em um regime de escoamento rápido, a formulação dos tensores vem sendo desenvolvida e

revisada por muitos pesquisadores: Bagnold (1954); Ogawa, Umemura e Oshima (1980); Shen e

Akerman (1982); Haff (1983); Savage (1984); Jenkins (1987); Boyle e Massoudi (1989). Dentre

eles, Savage e Jeffrey (1981) e Jenkins e Savage (1983) derivaram as expressões dos tensores

tensão, ao descrever a transferência da quantidade de movimento por colisão, utilizando a teoria

cinética dos gases. A energia cinética, que representa um fluxo granular rápido, é transformada em

energia cinética de flutuação aleatória das partículas, e depois é dissipada em forma de calor devido

às colisões inelásticas. Sendo a teoria da temperatura das partículas diferente da teoria da

temperatura granular, a energia cinética de flutuação é descrita pela última teoria citada. Para leito

fluidizado, os tensores de fluxo granular rápido são incluídos nos modelos de fluxo de duas fases,

por exemplo, Syamlal, 1987c; Boyle e Massoudi, 1989; Sinclair e Jackson, 1989; Ding e Gidaspow,

1990; Louge, Mastorakos e Jenkins, 1991.

Lun et al. (1984) desenvolveu a teoria cinética para partículas esféricas, homogêneas e inelásticas

que influencia as forças de superfície descritas pelo tensor tensão. Assim, as equações abaixo

expressam os tensores para a fase sólida, onde a Eq. (30) descreve a pressão granular.

sendo,

O tensor granular é expresso pela Eq. (33) abaixo:

onde, é o tensor taxa de deformação da fase sólida.

[

]

Os termos e

do tensor granular, são os coeficientes de viscosidade dinâmica e

volumétrica, respectivamente, para as múltiplas fases sólidas.

sendo as constantes,

{

[ ]

Os tensores de um fluxo granular de regime plástico são descritos por teorias desenvolvidas a partir

do estudo da mecânica dos solos, em que se assume o comportamento dos materiais independente

da taxa de tensão (Tuzun et al. 1982; Jackson 1983). Conforme descrito anteriormente, em um

regime plástico ocorre atrito entre as partículas que gera os tensores no escoamento. Estes tensores

são descritos por modelos fenomenológicos, diferente de um fluxo granular rápido. A teoria da

mecânica dos solos utiliza a idéia de uma função de campo. Esta função define a região no qual o

material se comportará elasticamente, no espaço das tensões, e o ponto das tensões é encontrado

durante a deformação plástica. Se a elasticidade não for considerada, o material permanecerá rígido.

Outro componente da mecânica dos solos é a regra de escoamento. Esta regra determina a relação

entre os componentes de tensão e taxas dos tensores das tensões (Syamlal e O’Brien, 1993 e

Mineto, 2009).

A teoria do estado crítico, desenvolvido pela Cambridge School of Soil Mechanics foi detalhada por

Jackson (1983), no qual descreve a consolidação e dilatação de um fluxo granular.

Para um regime plástico, geralmente é utilizado uma função similar. A equação (39) prevê uma

pequena compressão para fase sólida e representa o termo de pressão para o escoamento,

semelhante às teorias geralmente utilizadas para este tipo de fluxo (Jenike, 1987).

onde

( )

e

No MFiX foi incluído o tensor tensão dos sólidos, baseado na teoria do estado crítico. Esta inclusão

é feita com a generalização tridimensional (Gray e Stiles, 1988) de uma função de produção

(Pitman e Schaeffer, 1987), onde a pressão dos sólidos tende a zero quando chega ao limite de zero

atrito interno. Esta é uma condição utilizada para diminuir o tempo de consumo computacional de

um fluxo de regime plástico. No código MFiX é utilizado uma formulação mais simples, proposto

por Schaeffer (1987), em que mesmo quando há várias fases sólidas, o cálculo é feito apenas para

os sólidos da primeira fase.

onde,

[

]

A Eq. (43) representa o segundo invariante do tensor taxa de deformação. Para estabilizar o cálculo

computacional, os cálculos dos tensores são feitos implicitamente, além de ser estabelecido um

limite máximo de viscosidade, pois esses valores podem ser grandes em um fluxo de regime

plástico, tornando-se infinito quando tende a zero.

2.3 Conservação da Energia Granular

A teoria cinética dos escoamentos granulares (Kinetic Theory of Granular Flows, KTGF)

baseada no comportamento de partículas esféricas, lisas e ligeiramente inelásticas, é utilizada na

derivação de uma relação constitutiva para descrever o tensor tensão da fase sólida, Ss, como

apresentado na Eq. (31). A relação constitutiva resultante contém a quantidade , chamada

temperatura granular da fase sólida. A temperatura granular é proporcional à energia granular do

contínuo, onde a energia granular é definida como a energia cinética específica do componente de

flutuação aleatório da velocidade da partícula:

onde C é o componente de flutuação da velocidade instantânea c da fase sólida definido por:

O transporte de energia granular da fase sólida é governado pela relação

[ ]

onde é a taxa de dissipação de energia granular devido à colisões inelásticas, e q é o fluxo

difusivo de energia granular. O termo gs representa a transferência de energia granular entre as

fases sólida e gás.

2.3.1 Fluxo difusivo de energia granular

O fluxo difusivo de energia granular é dado por:

onde os termos de contribuição cinética e colisional (Syamlal et al., 1993) foram negligenciados. O

coeficiente de difusão de energia granular, k, é descrito por

[

]

onde

2.3.2 Dissipação de energia granular

O termo representa a taxa de dissipação de energia granular da fase sólida devido às colisões

entre as partículas que constituem o contínuo. Este termo é representado pela expressão derivada

por Lun et al. (1984):

onde K4 é definido pela Eq. (51):

2.3.3 Transferência de energia granular

O termo gs representa a transferência de energia granular entre a fase sólida e a fase fluida.

Fisicamente, ele representa a transferência para o fluido da energia cinética das flutuações aleatórias

das velocidades das partículas. Uma expressão para essa transferência foi proposta por Ding e

Gidaspow (1990) na forma:

onde Fg é o coeficiente para a força de interação entre a fase fluida e a fase sólida.

3. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA

A Figura 2 ilustra a geometria do problema abordado nas simulações numéricas, conforme

Gidaspow (1994), no qual são apresentados resultados para o crescimento das bolhas nos primeiros

instantes de tempo. Trata-se de um reator bi-dimensonal, de 0,3937 m por 0,5844 m. Inicialmente, o

reator é preenchido até uma altura de 0,2922 m por esferas de diâmetro igual a 0,5 m e massa

específica igual a 2610 kg/m3, e o ar passa através dessas esferas na condição de mínima

fluidização, na qual a fração mássica de gás é mf = 0,44. Na base do reator, ar é soprado

uniformemente na velocidade mínima de fluidização, vg= 0,0355 m/s. A partir do instante t = 0, ar é

soprado através de uma fenda central de 0,0127 m em um jato de vg,jet = 0,0577 m/s. A partir daí

começa a expansão do leito e a formação de bolhas, que são transportadas desde o fundo do reator

até a superfície superior do leito, promovendo a mistura e a transferência de quantidade de

movimento. Foi utilizada uma malha de 124 por 108 volumes de controle nas direções x e y,

respectivamente. Foram simulados 40 s de processo.

Figura 2: Geometria do leito e condições para as simulações.

4. RESULTADOS

Foram analisados os resultados médios no tempo para o escoamento em regime permanente através

do leito. Para a determinação do tempo para se atingir o regime permanente, foi monitorada ao

longo do tempo a variável fração volumétrica de sólidos, s, em uma posição crítica do domínio do

problema (x* = 2x/W = 0,008; y* = y/L = 0,5). Considerou-se que o regime permanente foi atingido

após a taxa de variação relativa da média temporal de s atingir um valor inferior a 104

. Assim, os

resultados das médias temporais apresentados a seguir representam a média temporal entre 20 e 40 s

de simulação. A Fig. 2 ilustra a evolução no tempo da variação relativa da variável s.

Figura 2. Evolução da variação relativa da média temporal de s.

A Fig. 3 ilustra o campo de g obtido utilizando os diferentes modelos de arrasto. Observa-se que o

modelo de Gidaspow prevê uma região de maior concentração de sólidos no centro da geometria, e

que o modelo de Hill-Koch-Ladd prevê uma maior altura de leito do que os outros dois modelos.

(a) (b) (c)

Figura 3: Campo de fração de vazio, g, obtidos com os modelos (a) Gidaspow, (b) Syamlal e

O'Brien, (c) Hill-Koch-Ladd.

As médias temporais para a fração volumétrica de sólidos ao longo de eixo y a diferentes distâncias

do eixo central obtidas utilizando-se os três modelos de arrasto são mostradas na Fig. 4, para as

posições x*: (a) 0,008, (b) 0,105, (c) 0,25 e (d) 0,35. Esta figura corrobora o que é mostrado na

Fig. 3, onde o modelo de Hill-Koch-Ladd prevê a maior altura do leito.

(a) (b)

(c) (d)

Figura 4: Fração mássica de sólidos em x*(a) x* =0,008, (b) x* =0,105, (c) x* =0,25 e (d) x* =0,35.

A Fig. 5 ilustra o campo de velocidade do gás obtido utilizando os diferentes modelos de arrasto.

Observa-se que os modelos de Gidaspow e de Syamlal e O'Brien prevêem uma distribuição de

velocidades mais uniforme do que o modelo de Hill-Koch-Ladd. Este último prevê menores valores

para a máxima velocidade. O escoamento, no modelo de Hill-Koch-Ladd, fica mais restrito ao jato.

A Fig. 6 ilustra as distribuições de velocidades ao longo do eixo x, a diferentes distâncias da base do

reator, y* = 0,25 e y* = 0,5. Aí também se observa como o jato é mais concentrado como previsto

pelo modelo de Hill-Koch-Ladd. O não esperado pico de velocidade na região próxima à parede,

previsto pelo modelo de Gidaspow, parece ser fisicamente não realista.

(a) (b) (c)

Figura 5: Campos de velocidade do gás, obtidos com os modelos (a) Gidaspow, (b) Syamlal e

O'Brien, (c) Hill-Koch-Ladd.

(a) (b)

Figura 6: Velocidade na direção y do gás em (a) y* = 0,25 e (b) y* = 0,5.

5. CONCLUSÕES

Este trabalho encontra-se em desenvolvimento. O próximo passo será a comparação de resultados

numéricos com resultados experimentais a variadas faixas de condições de operação, para que seja

possível avaliar as faixas de operação nas quais cada modelo se mostra mais apropriado.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES pelo projeto PNPD/2010, e ao CNPq pelas bolsas PQ2 (2011-

2013) e DTI (2010-2011).

7. REFERÊNCIAS

Benyahia, S., Syamlal, M., O’Brien, T.J. Summary of MFIX Equations 2005-4-4. 2009.

Benyahia, S., Syamlal, M, O.Brien, T.J. Extension of Hill Koch Ladd drag correlation over all

ranges of Reynolds number and solids volume fractions. Powder Technology, 162, p.166-174,

2006.

Bagnold, R.A. Experiments on a Gravity-Free Dispersion of Large Solid Spheres in a Newtonian

Fluid Under Shear. Proc. R. Soc., London, A225, p.49-63, 1954.

Boyle, E.J., e Massoudi, M. Kinetic Theories of Granular Materials with Applications to Fluidized

Beds. Technical Note, DOE/METC-89/4088, NTIS/DE89000977. National Technical Information

Service, Springfield, VA, 1989.

Dalla Valle, J.M. Micromeritics. Pitman, London, 1948.

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