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ESTUDO DE CASO ABORDANDO AS DIFERENÇAS DA APLICAÇÃO DA CONTABILIDADE DE GANHOS NA PRODUÇÃO SERIADA E NA PRODUÇÃO NÃO SERIADA Eduardo Galvao Moura Jardim (UFRJ ) [email protected] Leonardo de Aragao Guimaraes (UNIGRANRIO ) [email protected] Esse artigo se propõe a ampliar e aprofundar conceitos da Contabilidade de Ganhos através de um estudo de caso clássico - o problema dos produtos P e Q - relatado por Goldratt (1991) no livro “A Síndrome do Palheiro, garimpando informações num oceano de dados”. Será realizada uma análise crítica dos resultados encontrados e das decisões gerenciais propostas, em particular na questão da análise de investimentos e da compra de equipamentos. Por fim, será evidenciado que o lucro de uma empresa poderá ser alterado em função dos diferentes contextos da produção seriada e da produção não seriada, revelando de forma simples e quase intuitiva as diferenças entre a lógica das programações linear e inteira. Palavras-chave: Contabilidade de Ganhos, Mix Ótimo, Lucro Máximo XXXVI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCÃO Contribuições da Engenharia de Produção para Melhores Práticas de Gestão e Modernização do Brasil João Pessoa/PB, Brasil, de 03 a 06 de outubro de 2016.

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ESTUDO DE CASO ABORDANDO AS

DIFERENÇAS DA APLICAÇÃO DA

CONTABILIDADE DE GANHOS NA

PRODUÇÃO SERIADA E NA PRODUÇÃO

NÃO SERIADA

Eduardo Galvao Moura Jardim (UFRJ )

[email protected]

Leonardo de Aragao Guimaraes (UNIGRANRIO )

[email protected]

Esse artigo se propõe a ampliar e aprofundar conceitos da

Contabilidade de Ganhos através de um estudo de caso clássico - o

problema dos produtos P e Q - relatado por Goldratt (1991) no livro

“A Síndrome do Palheiro, garimpando informações num oceano de

dados”. Será realizada uma análise crítica dos resultados encontrados

e das decisões gerenciais propostas, em particular na questão da

análise de investimentos e da compra de equipamentos. Por fim, será

evidenciado que o lucro de uma empresa poderá ser alterado em

função dos diferentes contextos da produção seriada e da produção

não seriada, revelando de forma simples e quase intuitiva as diferenças

entre a lógica das programações linear e inteira.

Palavras-chave: Contabilidade de Ganhos, Mix Ótimo, Lucro Máximo

XXXVI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCÃO Contribuições da Engenharia de Produção para Melhores Práticas de Gestão e Modernização do Brasil

João Pessoa/PB, Brasil, de 03 a 06 de outubro de 2016.

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1. Introdução

A Contabilidade de Ganhos – do inglês Throughput Accounting – é um dos principais

desdobramentos da abordagem de gestão intitulada Teoria das Restrições ou Theory of

Constrains (ToC) como é conhecida internacionalmente.

Abrangendo também outros métodos e ferramentas, a Teoria das Restrições, como filosofia

gerencial, tem seus primórdios ao final da década de 1970, através de seu mentor o físico

Eliyahu M. Goldratt. Além de ser objeto de inúmeras publicações e materiais didáticos, o seu

primeiro livro de referência “A Meta” é considerado um dos maiores best sellers da área da

Administração e da Engenharia de Produção.

O interesse e a aplicação da Contabilidade de Ganhos (CG) vêm crescendo em decorrência de

um fato que se torna cada vez mais comum: preços, em sua maioria, são definidos pelo

Mercado - isto é, através do poder de compra do cliente e do poder de oferta do concorrente -

fugindo cada vez mais do controle das empresas.

2. Objetivo

Diante desse fato, esse artigo se propõe a ampliar e aprofundar conceitos da CG através de um

estudo de caso clássico - o problema dos produtos P e Q - relatado por Goldratt (1991) no

livro “A Síndrome do Palheiro, garimpando informações num oceano de dados”. Será

realizada uma análise crítica dos resultados encontrados e das decisões gerenciais propostas,

em particular na questão da análise de investimentos e da compra de equipamentos. Para isso,

será evidenciado que para um mesmo problema decisões gerenciais quanto à definição de mix

de produtos num dado período poderá levar a ganhos diferentes em função dos contextos da

produção seriada e da produção não seriada.

Especificamente, as análises contidas nesse artigo se propõem a tornar ágil, simples e precisa

o processo decisório de um gestor na busca de um mix ótimo de produção, sem a necessidade

do uso de ferramentas computacionais tais como programação linear e programação inteira.

3. Fundamentos

3.1 Os indicadores

Segundo Goldratt (1991), para descobrirmos a meta de uma empresa deveríamos perguntar

aos seus proprietários a razão da existência da empresa. Ao menos para aquelas que possuem

ações negociadas em bolsa de valores, a resposta esperada seria: fazer mais dinheiro, agora e

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no futuro. Comparando essas empresas com máquinas de fazer dinheiro, o sistema de

informação deveria ser capaz de responder às seguintes perguntas:

Quanto de dinheiro ela é capaz de gerar?

Quanto de dinheiro é necessário investir para mantê-la em funcionamento?

Quanto de dinheiro é necessário gastar para operá-la?

Destas três perguntas decorrem, respectivamente, três medidas globais de desempenho:

Ganho que é o faturamento menos custo de material dos produtos vendidos e menos

outras despesas variáveis com a quantidade vendida;

Inventário que é o dinheiro que o sistema investe comprando coisas que pretende

vender - incluindo máquinas e instalações;

Despesa operacional que é o dinheiro gasto para transformar inventário em vendas.

3.2 Os 5 passos

Goldratt (1990) define restrição de forma precisa: aquilo que, se a empresa tivesse mais, ela

ganharia mais dinheiro. A partir deste conceito, ele desenvolveu um processo de gestão

baseado em cinco passos, descritos a seguir. Note que antes dessa sequencia explicitamos um

item 0 apenas para salientar 2 aspectos. Um deles é que restrições só são precisamente

identificadas se temos clareza de nossos objetivos. O outro é que esses mesmos objetivos

quando são mais táticos do que estratégicos tendem a variar ao longo do tempo. Por exemplo,

hoje o objetivo pode ser o lucro, amanhã ser pontual e no futuro priorizar um cliente.

PASSO 0: Definir o objetivo

PASSO 1: Identificar a(s) restrição(ões) da empresa

PASSO 2: Decidir como explorar a(s) restrição(ões) da empresa

PASSO 3: Subordinar qualquer outra coisa à decisão anterior

PASSO 4: Elevar a(s) restrição(ões) da empresa

PASSO 5: Se, nos passos anteriores, uma restrição for quebrada, volte ao passo 1, mas

não deixe que a inércia se torne uma restrição...

4. O exemplo de referência

A seguir será transcrito o clássico exemplo dos produtos P e Q utilizado por Goldratt para

caracterizar a essência e o valor para a melhoria do desempenho econômico-financeiro da

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empresa. Será necessário fazê-lo desde o início (itens 4.1 e 4.2) para que possamos chegar ao

item 4.3, ponto central da análise e que nos motivou para a confecção desse artigo.

Goldratt considera uma empresa industrial “perfeita”, onde não existem incertezas. A

capacidade produtiva, o mercado, os estoques e os prazos de entrega dos fornecedores são

conhecidos e precisos. Não existem problemas de qualidade, de quebra de máquina, de

absenteísmo, entre outros.

Tal empresa produz apenas dois produtos que chamaremos de P e Q, sendo que o preço

unitário de P é de $ 90 e de Q é de $ 100. O potencial de mercado para P é de 100 unidades

por semana e para Q é de 50 unidades por semana.

Existem quatro centros de trabalho, chamados A, B, C e D, sendo cada um deles composto

por uma máquina e um operador. Não existem tempos de preparação e a jornada de trabalho é

de 2.400 minutos por semana.

As despesas operacionais (mão de obra direta e indireta, energia, aluguel, juros, etc.)

totalizam $ 6.000 por semana. A figura abaixo descreve o processo de fabricação dos

produtos P e Q através do fluxo lógico de informações.

Figura 1: Fluxo lógico de suprimentos

P Q

90 $ / U 100 $ / U

100 U/sem 50 U/sem

D D

5 $ / U 15 min/U 5 min/U

C C B

10 min/U 5 min/U 15 min/U

A B A

15 min/U 15 min/U 10 min/U

MP1 MP2 MP3

20 $ / U 20 $ / U 20 $ / U

PEÇA COMPRADA

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A partir dessas informações, Goldratt calcula o lucro máximo que da empresa que será um

dos pontos de partida da nossa análise.

4.1 Primeiro passo da análise: cálculo do lucro máximo

Goldratt chama a atenção para a necessidade de ser identificada a restrição do sistema

(PASSO 1). Ao comparar a capacidade produtiva necessária para a produção de 100 unidades

de P e 50 de Q com a disponibilidade, verifica-se que não há capacidade suficiente no centro

de trabalho B, que é gargalo (ou restrição) do sistema.

Tabela 1: Análise de Capacidade

C

E

N

T

R

O

MINUTOS NECESSÁRIOS

TOTAL

Minutos

Disponí-

veis

PRODUTO P PRODUTO Q

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

A 100 15 1500 50 10 500 2000 2400

B 100 15 1500 50 15+15 1500 3000 2400

C 100 10+5 1500 50 5 250 1750 2400

D 100 15 1500 50 5 250 1750 2400

Se não há capacidade suficiente, será necessário priorizar a venda do produto mais lucrativo,

ou seja, explorar adequadamente a restrição do sistema (PASSO 2) para encontrar o mix de

produtos que extrai o maior rendimento da restrição (centro B).

Observa-se na tabela abaixo que o produto Q gasta o dobro de tempo de P no recurso crítico,

ou seja, o consumo unitário de Q no centro B (30 minutos) é o dobro do consumo unitário de

P no centro B (15 minutos).

Tabela 2: Cálculo do ganho por minuto na restrição

CRITÉRIO UNIDADE PRODUTO P PRODUTO Q

PREÇO DE VENDA $ 90 100

CUSTO DO MATERIAL $ 45 40

GANHO $ / U 45 60

CONSUMO UNITÁRIO NA

RESTRIÇÃO

min / U 15 30

GANHO POR TEMPO NA

RESTRIÇÃO

$ / min 3 2

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TEMPO UNITÁRIO DE PRODUÇÃO minutos 60 50

Como o consumo de P é de 3 $/min contra 2 $/min de Q, a opção será por atender

integralmente a demanda de P. Calculando o lucro máximo, temos:

Produção de P = 100 unidades

Tempo de B dedicado a P = 100 unidades x 15 minutos = 1.500 minutos

Tempo de B dedicado a Q = 2.400 - 1.500 = 900 minutos

Produção de Q = 900 minutos / 30 minutos = 30 unidades

Ganho Total = ($ 45 x 100) + ($ 60 x 30) = $ 6.300

Lucro Máximo = $ 6.300 - $ 6.000 = $ 300

Conforme calculado, essa é a melhor solução para Goldratt.

4.2 Segundo passo da análise: avaliações de oportunidades de mercado

Goldratt agora considera um novo mercado tão grande quanto o local para ser explorado, por

exemplo, na China. São 100 unidades por semana de P e 50 unidades por semana de Q. O

preço de venda neste novo mercado, porém, é 20% menor que o preço de venda no mercado

local. Vale a pena ir vender na China? Qual seria o novo lucro máximo semanal?

Cabe destacar que a empresa vende Q porque já esgotou o mercado de P. Fica evidente que se

houvesse mais P seria melhor porque a empresa ganharia mais dinheiro. Logo, além da

máquina B há outra restrição que é o Mercado de P. Com isso, deve-se comparar P China com

Q Brasil.

Preço de Venda de P na China = $ 90 x 80 % = $ 72

Preço de Venda de Q na China = $ 100 x 80 % = $ 80

Ganho de P na China = $ 72 - $ 45 = $ 27

Ganho de Q na China = $ 80 - $ 40 = $ 40

Tabela 3: Cálculo do ganho por minuto na restrição

PRODUTO GANHO DO

PRODUTO

CONSUMO

UNITÁRIO NA

GANHO POR UNIDADE DE

TEMPO NA RESTRIÇÃO

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RESTRIÇÃO

P BRASIL 45 15 3,0

Q BRASIL 60 30 2,0

P CHINA 27 15 1,8

Q CHINA 40 30 1,3

Analisando a tabela 3 é possível perceber que não vale a pena vender Q na China por um

preço inferior ao mercado local. A escolha foi subordinada à decisão de explorar a restrição

do sistema (PASSO 3).

Conforme calculado, essa é a melhor solução para Goldratt.

4.3 Terceiro ponto de partida: decisões sobre novos investimentos sem distinção de

contextos seriado e não seriado

Sem considerar os contextos de produção seriada e não seriada, Goldratt procede da seguinte

forma.

Goldratt relata que a empresa pensa em comprar uma nova máquina B. O seu preço de

compra é $ 100.000. Haveria ainda um aumento de $ 400 por semana nas despesas

operacionais relativas à contratação de mais um operador. Em quantas semanas o

investimento seria recuperado?

Comprar uma nova máquina B significa elevar a restrição do sistema (PASSO 4). Significa

também quebrar esta restrição, ou seja: a máquina B poderia deixar de ser gargalo e outra

máquina poderia se tornar um novo gargalo.

E se nova restrição é o mercado porque não vender também na China? Considerando o

mercado chinês, será necessário refazer o calculo de carga de capacidade do sistema.

Tabela 4: Análise de capacidade - Mercados interno e externo

C

E

N

T

R

O

MINUTOS NECESSÁRIOS

TOTAL

Minutos

Disponí-

veis

PRODUTO P PRODUTO Q

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

A 100+100 15 3000 50+50 10 1000 4000 2400

B 100+100 15 3000 50+50 15+15 3000 *3000 2400

C 100+100 10+5 3000 50+50 5 500 3500 2400

D 100+100 15 3000 50+50 5 500 3500 2400

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*obs: Com uma máquina B o tempo total de processamento para os produtos brasileiros era de

3.000 minutos. Ao adquirir outro recurso B, esse tempo reduz à metade, ou seja, 1.500

minutos. Logo, com 2 máquinas B e inserindo o mercado chinês esses valores dobram para

3.000 minutos.

Após novo cálculo, a empresa volta a ter restrição de capacidade ao constatar que o centro A é

o novo gargalo do sistema porque é o centro de trabalho que possui a maior necessidade de

capacidade. Goldratt lembra que quando uma restrição for quebrada haverá necessidade de

refazer todos os passos anteriores (PASSO 5), pois não se pode deixar que a inércia se torne a

restrição!

Como sugere Goldratt, os cálculos serão refeitos para contemplar os mercados interno e

externo simultaneamente para encontrar a melhor forma de se explorar a restrição.

Tabela 5: Cálculo do ganho por minuto na restrição A (Mercados interno e externo)

PRODUTO GANHO DO

PRODUTO

CONSUMO

UNITÁRIO NA

RESTRIÇÃO

GANHO POR UNIDADE DE

TEMPO NA RESTRIÇÃO

P BRASIL 45 15 3,0

Q BRASIL 60 10 6,0

P CHINA 27 15 1,8

Q CHINA 40 10 4,0

Como calculado na tabela acima, é mais lucrativo vender Q na China do que vender P no

mercado interno! E seguindo esse raciocínio, calcularemos o novo mix ótimo e o lucro

máximo e o respectivo tempo de retorno.

Produção de Q (mercado interno e externo) = 100 unidades

Tempo de A dedicado a Q = 100 x 10 minutos = 1.000 minutos

Tempo de A dedicado a P = 2.400 - 1.000 = 1.400 minutos

Produção de P = 1.400 minutos / 15 minutos = 93,333... unidades

Como não existe produto fracionário, a quantidade de P é de 93 produtos.

Ganho de Q (mercado interno) = $ 60 x 50 = $ 3.000

Ganho de Q (China) = $ 40 x 50 = $ 2.000

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Ganho de P (mercado interno) = $ 45 x 93 = $ 4.185

Ganho Total = $ 3.000 + $ 2.000 + $ 4.185 = $ 9.185

Lucro Máximo = $ 9.185 - $ 6.400 = $ 2.785

Aumento do Lucro Máximo = $ 2.785 - $ 300 = $ 2.485

Esta é a melhor solução sem diferenciar se a mesma se aplica a um contexto de produção

seriada ou não seriada.

5. Análise crítica

Diante do quadro descrito procederemos a nossa análise a seguir. Vamos supor que por um

erro de operação foi confeccionado 1 produto P (menos lucrativo) no lugar de 1 produto Q

(mais lucrativo).

Sendo assim, em vez de 50 Qinterno + 50 Qexterno + 93 Pinterno – mix ideal apontado por Goldratt

– foi realizado o seguinte mix: 50 Qinterno + 49 Qexterno + 94 Pinterno

Ao final da semana, percebendo o erro, o supervisor quis calcular quanto a empresa deixou de

ganhar no período. Pensava até em descontar do salário do operador responsável pelo engano,

quando levou um susto!

Ganho de Q (mercado interno) = $ 60 x 50 = $ 3.000

Ganho de Q (mercado externo) = $ 40 x 49 = $ 1.960

Ganho de P (mercado interno) = $ 45 x 94 = $ 4.230

Ganho Total = $ 3.000 + $ 1.960 + $ 4.230 = $ 9.190

Lucro Máximo = $ 9.190 - $ 6.400 = $ 2.790

Aumento do Lucro Máximo = $ 2.790 - $ 300 = $ 2.490

Como calculado, o resultado dessa hipótese é melhor do que a situação anterior de

referência.

Após constatar que o lucro da solução “errada” foi maior do que o lucro da solução ótima, o

supervisor resolveu calcular a capacidade para ter certeza de que a mesma não foi

extrapolada. Afinal, pensou ele, como é possível achar um lucro maior do que o lucro advindo

do mix ideal? Afinal, tais cálculos são matemáticos e precisos!

Produção de Q (mercado interno) = 50 unidades

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Produção de Q (mercado externo) = 49 unidades

Tempo de A dedicado a Q = 99 x 10 minutos = 990 minutos

Tempo de A dedicado a P = 94 x 15 minutos = 1.410 minutos

Tempo de A total = 990 + 1410 = 2.400 minutos

A partir da convicção de que a capacidade não foi extrapolada e que o lucro foi maior, o

supervisor chamou a direção da empresa para debater o problema. O que aconteceu? A

contabilidade de ganhos está errada? Goldratt está errado?

6.1 Produção não seriada

Vamos iniciar nossa avaliação desses questionamentos relembrando com foi calculado o mix

ótimo. Goldratt priorizou o produto Q nos mercados interno e externo e após esgotá-los,

calculou quanto seria possível fazer de P com o restante da capacidade.

Quando houve um arredondamento de 93,333... para 93 produtos P, qual foi a consequência

para a restrição da empresa? Porque desconsideramos as casas decimais? O que isso

representa? Porque estaríamos preocupados com isso já que não há 1/3 de um produto?

Observe na tabela abaixo.

Tabela 6: Análise de capacidade

C

E

N

T

R

O

MINUTOS NECESSÁRIOS

TOTAL

Minutos

Disponí-

veis

PRODUTO P PRODUTO Q

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

Demanda Tempo

Unitário

Sub-

Total

A 93 15 1395 50+50 10 1000 2395 2400

B 93 15 1395 50+50 15+15 3000 4395 *4800

C 93 10+5 1395 50+50 5 500 1895 2400

D 93 15 1395 50+50 5 500 1895 2400

* se com uma máquina B a disponibilidade é de 2400 minutos, 2 máquinas correspondem a

4800 minutos.

Fica evidente que com o arredondamento, o sistema deixou de aproveitar 5 minutos do seu

recurso crítico. Mas será que esses 5 minutos farão falta para o lucro total da empresa? Como

aproveitar esses 5 minutos se o produto Q precisa de 10 min e o produto P precisa de 15 min?

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A solução é simples: se deixarmos de fazer 1 Q (10 min) e acrescentarmos 1 P (15 min) a

capacidade seria plenamente aproveitada, pois 5 (ociosidade) + 10 (1Q) = 15 (1P)

Portanto, apesar do ganho unitário na restrição menor de P (10) contra Q (15), o ganho total é

acrescido, pois retira-se $ 40 que é o ganho de 1 Qexterno para acrescentar $ 45 que é o ganho

de 1 P. Por isso, a solução derivada do exemplo fictício é melhor do que a solução de

referência, contemplando na plenitude os preceitos da contabilidade de ganhos.

NOSSA AVALIAÇÃO DA SOLUÇÃO:

A CG não está errada, apenas não foi aplicada corretamente. É importante ressaltar que o bem

mais precioso de uma empresa é o tempo de seu recurso crítico. E se ela desperdiça uma

fração, por menor que seja desse precioso tempo, ela está cometendo o maior de todos os

desperdícios ao deixar de aproveitar todas as suas oportunidades de ganho.

Portanto, ao calcular o ganho máximo de uma empresa oriundo de um mix que não se repetirá

de forma constante (produção não seriada), será necessário calculá-lo dentro da limitação

desse período de produção.

CONTUDO, ESTA PODE NÃO SER AINDA A MELHOR SOLUÇÃO.

6.2 Produção seriada

Suponha que outra empresa tenha um mix estável de produtos, repetido por diversas semanas

sem qualquer alteração de produtos e de quantidades. Produzindo 1/3 de um produto por

semana, em quanto tempo ela poderá transformar essa fração num número inteiro?

Em 3 semanas ela acumulará 3*1/3 que é igual a 1 inteiro. Assim, ela produzirá 93 produtos

nas duas primeiras semanas e 93 + 1 na terceira semana, perfazendo um total de 280 produtos

em 3 semanas. Fica clara então a necessidade de pensar num mix para 3 semanas ao invés do

mix semanal.

Em consequência, e utilizando a mesma essência da CG, seu ganho para 3 semanas será:

Ganho de Q (mercado interno) = $ 60 x 50*3 = $ 9.000

Ganho de Q (mercado externo) = $ 40 x 50*3 = $ 6.000

Ganho de P (mercado interno) = $ 45 x 280 = $ 12.600

Ganho Total = $ 9.000 + $ 6.000 + $ 12600 = $ 27.600

Lucro Máximo = $ 27.600 - $ 6.400*3 = $ 8.400

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Aumento do Lucro Máximo = $ 8.400 - $ 300*3 = $ 7.500

Lucro extra de $ 7.500 para 3 semanas equivale a $ 2.500 por semana

Tempo de Retorno = $ 100.000 / $ 2.500 = 40 semanas

Como calculado, o resultado dessa hipótese também é melhor do que a situação de

referência. ESTA É A MELHOR SOLUÇÃO!

NOSSA AVALIAÇÃO DA SOLUÇÃO:

Para um sistema que possa funcionar em regime e para não desprezar uma fração de um

produto, deveríamos pensar em um mix ótimo não para 1 semana, mas sim para transformar

essa fração em número inteiro.

No exemplo, se o sistema não puder alcançar um regime de funcionamento por 3 semanas ou

mais (como no caso da produção não seriada, por exemplo, de equipamentos sob encomenda)

temos que tomar muito cuidado ao se chegar a um mix ótimo fracionário, pois aproximações

aparentemente naturais podem levar a conclusões erradas.

Especificamente, esta análise consiste em verificar o que seria melhor fazer com os 5 minutos

de capacidade que sobram por não podermos fazer 1/3 de P ou, alternativamente, mais uma

unidade de Q, pois a demanda já está plenamente atendida.

Assim temos 3 opções:

simplesmente desprezar os 5 minutos, deixando o gargalo ocioso (!?!), ou;

deixar de fazer 1 unidade de Q para ter (5 + 10) minutos disponíveis para fazer 1

unidade de P, ou;

adotar um mix que transforme números fracionários em inteiros.

Temos assim que comparar os lucros entre três mix alternativos. A seguir será apresentada

uma tabela contendo a síntese dos resultados formulados na análise crítica, incluindo o mix, o

lucro e o tempo de retorno das 3 soluções.

Tabela 8: Mix ótimo, lucro máximo e menor tempo de retorno das soluções apresentadas

Parâmetros Solução sem

contextualização

Produção não seriada Produção seriada

Mix ótimo 50 Qinterno 50 Qinterno 150 Qinterno

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50 Qexterno

93 Pinterno

49 Qexterno

94 Pinterno

150 Qexterno

280 Pinterno

Lucro máximo $ 2.485 / semana $ 2.490 / semana $ 7.500 / 3 semanas

ou $ 2.500 / semana

Tempo de retorno 40,24 semanas 40,16 semanas 40,00 semanas

Como visto acima, as 2 soluções apresentadas são exequíveis e melhores do que a solução não

contextualizada, sendo a 3ª alternativa a que proporciona o maior lucro. Desta forma,

aplicamos precisamente a Contabilidade de Ganhos, pois esta é a solução que melhor

aproveita a restrição da empresa (no caso o centro A).

6. CONCLUSÃO

Todas essas reflexões sobre a Contabilidade de Ganhos evidenciam o porquê da sua ampla

aplicabilidade. Uma visão mais ampla e conceitual dessa abordagem pode ser também

encontrada, por exemplo, em Corbett (2005) e também em Costa e Jardim (2015).

Sua virtude é revelar de forma simples e quase intuitiva as diferenças entre a lógica das

programações linear e inteira que são utilizadas em diversos aplicativos da pesquisa

operacional.

Através da Contabilidade de Ganhos aprendemos a calcular de forma estruturada o mix de

produção que maximiza o lucro de uma empresa. Nesse sentido, fica evidenciado que o

critério científico para maximizar o ganho de uma empresa é utilizar o ganho por unidade de

consumo da restrição (gargalo). Mas, esse ganho pode variar dependendo da produção ser

seriada ou não seriada.

Essa constatação nos leva a ter cuidado na aplicação da Contabilidade de Ganhos e nas

aproximações dos cálculos, especialmente num momento que os preços estão fora de controle

das empresas e margens de lucro cada vez mais reduzidas. Senão, corre-se o risco de indicar

uma resposta que não representa nem o mix ótimo e nem o lucro máximo de uma empresa.

REFERENCIAS

CORBETT, Thomas, N. Bússola financeira. O processo decisório da Teoria das

Restrições. São Paulo, Nobel, 2005.

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COSTA, R.S. e JARDIM, E.G.M. Produção e Serviços: reflexões e conceitos. São Paulo:

Atlas, 2015.

GOLDRATT, Eliyahu M. A Síndrome do Palheiro, garimpando informações num oceano

de dados. São Paulo, Educator, 1991.

GOLDRATT, Eliyahu M. e COX, Jeff. A Meta. São Paulo, IMAM, 1990.