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Estudo das Propriedades de Argamassas de Cal e Pozolana: Influência do Tipo de Metacaulim Aline F. Nóbrega a , Josué de Sousa a , Marília Marinho a , Arnaldo Carneiro b a Aluno do curso de Pós Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Brasil - email: [email protected] b Professor do Departamento de Engenharia Civil e da Pós Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil – email: [email protected] Resumo: Neste trabalho se estudou propriedades de argamassas a base de cal e metacaulim para uso em restauração de obras históricas. Foram estudados dois tipos de metacaulim, com variação da finura, composição química e mineralógica. Nas argamassas foram realizados ensaios nos estados anidro, fresco e endurecido. Para complementar os ensaios no estado endurecido nas argamassas, com 1 ano de idade foram determinados: a composição mineralógica por difração de Raios -X (DRX), análise da microestrutura por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e a composição química através de EDS. Os resultados obtidos demonstram que a origem mineralógica e as propriedades físicas do metacaulim interferiram nas propriedades das argamassas. Palavras-Chave: cal, metacaulim, argamassas 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, há um crescimento do interesse por parte de órgãos governamentais e particulares, com relação à manutenção e recuperação de construções históricas. Um dos aspectos chaves para uma boa recuperação desse tipo de construção é o uso de materiais adequados, a prática correta na execução com vistas ao desempenho. Um dos temas de pesquisa que têm tido especial atenção com relação às obras históricas, é a recuperação das argamassas usadas nos revestimentos e assentamento da alvenaria [1]; [2]; [3]. Muitas edificações históricas passaram por algum tipo de restauro no revestimento ou na alvenaria de vedação, mas uso dos materiais inadequados tem sido motivo do aparecimento de diversas patologias. Sem ser menos importante a argamassa para assentamento, os revestimentos internos ou externos podem ser considerados como local de maior evidência das patologias nas obras de restauro, a exemplo, a incompatibilidade entre a base original e novo revestimento. Uma das causas das patologias nessas obras é o uso de argamassas com o cimento Portland, porque as argamassas com cimento Portland apresentam maior rigidez e menor permeabilidade ao vapor de água, além de conter sais solúveis que podem produzir eflorescências e produtos de cristalização expansíveis [4]. Diante da necessidade de argamassas menos rígidas e com maior permeabilidade ao vapor de água, a utilização de adições pozolânicas em argamassas para restauro tem sido tema de muitas pesquisas. Alguns trabalhos mostram que argamassas a base cal e pozolana têm apresentado comportamento e propriedades satisfatórios quando usadas em construções

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Estudo das Propriedades de Argamassas de Cal e Pozolana: Influência do Tipo de Metacaulim

Aline F. Nóbregaa, Josué de Sousaa, Marília Marinhoa, Arnaldo Carneirob

aAluno do curso de Pós Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Brasil - email: [email protected] bProfessor do Departamento de Engenharia Civil e da Pós Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil – email: [email protected]

Resumo: Neste trabalho se estudou propriedades de argamassas a base de cal e metacaulim para uso em restauração de obras históricas. Foram estudados dois tipos de metacaulim, com variação da finura, composição química e mineralógica. Nas argamassas foram realizados ensaios nos estados anidro, fresco e endurecido. Para complementar os ensaios no estado endurecido nas argamassas, com 1 ano de idade foram determinados: a composição mineralógica por difração de Raios -X (DRX), análise da microestrutura por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e a composição química através de EDS. Os resultados obtidos demonstram que a origem mineralógica e as propriedades físicas do metacaulim interferiram nas propriedades das argamassas. Palavras-Chave: cal, metacaulim, argamassas 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, há um crescimento do interesse por parte de órgãos governamentais e particulares, com relação à manutenção e recuperação de construções históricas. Um dos aspectos chaves para uma boa recuperação desse tipo de construção é o uso de materiais adequados, a prática correta na execução com vistas ao desempenho. Um dos temas de pesquisa que têm tido especial atenção com relação às obras históricas, é a recuperação das argamassas usadas nos revestimentos e assentamento da alvenaria [1]; [2]; [3]. Muitas edificações históricas passaram por algum tipo de restauro no revestimento ou na alvenaria de vedação, mas uso dos materiais inadequados tem sido motivo do aparecimento de diversas patologias. Sem ser menos importante a argamassa para assentamento, os revestimentos internos ou externos podem ser considerados como local de maior evidência das patologias nas obras de restauro, a exemplo, a incompatibilidade entre a base original e novo revestimento. Uma das causas das patologias nessas obras é o uso de argamassas com o cimento Portland, porque as argamassas com cimento Portland apresentam maior rigidez e menor permeabilidade ao vapor de água, além de conter sais solúveis que podem produzir eflorescências e produtos de cristalização expansíveis [4]. Diante da necessidade de argamassas menos rígidas e com maior permeabilidade ao vapor de água, a utilização de adições pozolânicas em argamassas para restauro tem sido tema de muitas pesquisas. Alguns trabalhos mostram que argamassas a base cal e pozolana têm apresentado comportamento e propriedades satisfatórios quando usadas em construções

hitóricas [5], [6], [7] e [8]. A reação pozolânica ocorre devido à reação entre a cal (básica) e os óxidos (ácidos) da pozolana, que são os maiores responsáveis pela melhora das características técnicas no concreto. A principal reação pozolânica envolve a formação de silicato de cálcio hidratado (CSH), similar ao produzido pela hidratação dos silicatos de cálcios do cimento Portland, como o C3S [9]. Então, neste trabalho busca se avaliar a influência de dois tipos de metacaulim brasileiros nas propriedades no estado anidro, fresco e endurecido de argamassas para restaurações de construções históricas, com vistas ao uso em revestimentos. 2. MATERIAIS E PROCEDIMENTO EXEPERIMENTAL 2.1 Materiais e caracterização Neste trabalho foi utilizado metacaulim (MC) comercial proveniente de dois fabricantes do Brasil, um de cor vermelho-alaranjado (MC 1) e outro de cor vermelho-marrom (MC 2). A cal hidratada utilizada foi do tipo CH II, que de acordo com as normas brasileiras possui as seguintes características: teor de anidrido carbônico ≤ 10%, óxidos totais na base de não-voláteis (CaO + MgO) ≥ 88%, material retido na peneira com abertura de malha # 0,075mm ≤ 15% . Conforme os fabricantes as características físicas desses materiais se encontram na Tabela 1 e na Figura 1 as suas curvas granulométricas, também fornecidas pelos fabricantes.

Tabela 1 – Características físicas metacaulim e cal hidratada

Material Densidade (g/cm3)

Densidade Aparente (g/cm3)

Área Específica Blaine (cm2/g)

MC 1 2,56 0,480 15000 MC 2 2,65 0,550 18000 CH II 2,20 0,595 13110

A partir da Figura 1, observa-se que a cal hidratada (CH II) apresenta a distribuição granulométrica mais uniforme no diâmetro 10µm, o MC1 apresenta distribuição granulométrica menos uniforme em relação à cal CH II, com grãos concentrados entre os diâmetros 2µm e 20µm, e o MC2 possui uma distribuição granulométrica continua entre os diâmetros 10 e 120 µm.

Figura 1 – Curvas granulométricas do MC 1, MC 2 e CH II.

Os dois metacaulins foram caracterizados química e mineralogicamente, por fluorescência de raios -X e difração de raios –X, respectivamente. A caracterização química foi realizada através de um espectrômetro de fluorescência de raios -X Rigaku, modelo RIX 3000, equipado com tubo de Rh. As amostras foram secas em estufa a 110ºC. Uma porção de cada amostra seca foi colocada em cápsula e prensada em prensa hidráulica a 25 tf e depois foram analisadas semi-quantitativamente para elementos pesados e alguns leves. A composição química do MC 1 e MC 2 se encontra na Tabela 2 com o valores expressos em % do peso. O MC 2 tem maior teor de Fe2O3, o que faz ele ter um coloração mais escura (vermelho-marrom). Para a caracterização mineralógica se usou a difração de Raios -X (DRX) realizada num difratômetro Siemens D 5000, utilizando Kα do cobre (Cu) produzido por um tubo de raios X, com as condições de ensaio seguintes: varrimento entre 20° e 60° 2θ, velocidade de varrimento de 0,02° 1θ/s; tensão e corrente de filamento, respectivamente, de 40Kv e 40mA. Na Figura 2 são apresentados os difratogramas de MC 1 e MC 2 que mostram a presença de caulinita, quartzo, hematita e ilita nos dois tipos de metacaulim. Tanto em MC 1 e MC 2 há uma banda difusa (halo amorfo) entre 20o e 30o 2θ, proveniente de uma alta quantidade de argilos-minerais calcinados (Sujeong, L. et al., 1999 apud [8]), sendo que em MC 1 este halo amorfo é mais evidente. A partir da análise de fluorescência de raios -X de MC1 E MC 2 , observa-se que o maior teor de sílica e de alumínio está em MC1, que é o mais amorfo de acordo com os resultados da difração de raios -X.

Tabela 2 – Fluorescência de Raios -X dos dois tipos de metacaulim MC 1 MC 2 MC 1 MC 2

CaO 0,13 1,79 Cl nd 0,12 SiO2 51,10 46,87 TiO2 0,61 1,85 Fe2O3 4,28 11,74 Rb2O 0,02 0,01 Al2O3 41,70 31,90 Cr2O3 nd 0,09 K2O 1,54 0,57 CuO nd nd MgO 0,20 0,08 Y2O3 0,03 0,01 SO3 0,08 0,37 ZrO2 0,04 0,15 Na2O - - V2O5 nd nd P2O5 0,17 1,58 Ga2O3 0,02 0,03 MnO 0,04 Br nd nd NiO 0,01 0,02 Nb2O5 nd nd ZnO 0,01 0,01 BaO nd nd SrO 0,03 0,23 PbO 0,03 0,06

Total 100,02 100,02

Figura 2 – Difratogramas dos dois tipos de metacaulim.

O agregado miúdo utilizado foi uma areia de rio do tipo quartzosa com massa específica de 2,65 g/cm3, conforme ensaio realizado de acordo com norma brasileira NBR 9776 [10], massa unitária no estado solto de 1,52 g/cm3, determinada a partir do preenchimento de uma caixa com volume conhecido e verificando a massa no interior da caixa NBR NM 45 [11]. O resultado é uma média de três repetições. A curva granulométrica (Figura 4) da areia foi determinada conforme norma brasileira NBR NM 248 [12]. O resultado refere-se à média de duas repetições.

Figura 4 – Curva granulométrica da areia utilizada nas argamassas.

2.2 Procedimento experimental 2.2.1 Composição das argamassas Foram dosados dois tipos de traço em massa de argamassa compostos com cal/metacaulim/areia, utilizando os dois tipos de metacaulim. Na Tabela 3 são apresentadas as composições desses traços.

Tabela 3 – Proporção dos materiais em massa das argamassas estudadas.

Argamassa Cal MC 1 MC 2 Areia Grupo I (GI)

A 1 1 - 4 B 1 - 1 4

Grupo II (GII)

C 1 0,5 - 4 D 1 - 0,5 4

2.2.2 Ensaios no estado anidro Para a determinação das propriedades no estado anidro das argamassas, os materiais foram misturados a seco e em seguida forma realizados os ensaios para determinação da densidade de massa no estado solto, conforme procedimento descrito no item 2.1. Também foi feito o peneiramento das argamassas anidras, nas peneiras de malha 1,2; 0,6; 0,3; 0,15; 0,075 mm para determinação da curva granulométrica. 2.2.3 Ensaios no estado fresco No estado fresco, a quantidade de água para a mistura das argamassas foi determinada em função do espalhamento desejado na mesa de consistência (Flow Table) NBR 13276 [13], o qual foi fixado em 250 mm; este valor foi escolhido devido à prática de utilização das argamassas, em função de sua facilidade de aplicação. Para a determinação da relação água/sólidos correspondente ao valor fixo do espalhamento, os materiais foram misturados em uma argamassadeira com capacidade 5L. A água era adicionada aos poucos e o espalhamento era verificado, até se obter quatro valores de no qual o valor fixo de 250 mm estivesse dentro do intervalo medido. Após esta etapa, uma quantidade maior de material foi misturada numa argamassadeira de 15L. A densidade de massa fresca foi determinada através de um recipiente com volume e massa conhecidos. A argamassa foi adensada em três camadas e 30 golpes em cada uma e o resultado é uma média de três repetições. Por fim, as argamassas foram moldadas em moldes prismáticos de 4x4x16 cm, em duas camadas e 20 golpes em cada e permanecendo nos moldes até endurecer. 2.2.3 Ensaios no estado endurecido Após 48h as argamassas foram desmoldadas. A cura se realizou ao ar livre a uma temperatura de aproximadamente 20ºC até as idades de 28 dias e 1 ano, contadas a partir do dia da moldagem. Os resultados obtidos no estado endurecido correspondem a media de dados de três corpos de prova, assim foram realizados os seguintes ensaios: resistências à compressão e tração por flexão foram determinadas nas duas idades de cura, de acordo com o procedimento de ensaio de norma brasileira NBR 13278 [14]; a variação de massa das argamassas, esta com a medida das massas de quatros corpos de prova de cada mistura, ao longo 28 dias; a determinação da densidade de massa conforme norma brasileira NBR 13280 [15], esta nas duas idades de cura; a absorção de água por capilaridade das argamassas, aos 28 dias e 1 ano, de acordo norma brasileira NBR 9779 [16]. Na idade de 1 ano foram realizados os seguintes ensaios: composição mineralógica através do DRX usando o mesmo equipamento e condições de ensaio descritos no item 2.1, o material foi reduzido até passar na peneira com abertura de malha 0,075mm; a microestrutura e a composição química destas argamassas com o microscópio eletrônico de varredura (MEV) modelo JOEL JSM 5900 acoplado com espectroscopia de energia

dispersiva (EDS) NORAN 695A-1SPS. As amostras passaram por tratamento de metalização por evaporação de carbono e as análises no EDS, foram realizadas a 20kv. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Estado anidro Na Tabela 4 são mostrados os valores de densidade de massa das argamassas no estado anidro e as curvas granulométricas são apresentadas na Figura 5.

Tabela 4 – Densidade aparente das argamassas no estado anidro.

Argamassa Densidade aparente estado anidro (g/cm3)

A 1,07 B 1,10 C 1,25 D 1,20

Figura 5- Curvas granulométricas das argamassas.

A partir da análise do gráfico das curvas de distribuição granulométrica das argamassas, verifica-se que são semelhantes, apesar de uma pequena diferença entre a argamassa C do grupo II e as demais; a argamassa C do grupo II possui distribuição mais continua em relação às demais, isso pode ser ocasionado pelo uso do MC 1 que possui elevada porcentagem de material abaixo do diâmetro 1 mm (Figura 1), que completou vazios da areia. Verifica-se uma diferença entre as densidades de massas dos grupos I e II; as argamassas do grupo I, que possuem proporção 1:1 de cal hidratada e de metacaulim, possuem densidade de massa menor que as argamassas do grupo II, que possuem uma proporção 1:0,5 de cal hidratada e de metacaulim, essa diferença é função da maior quantidade de cal hidratada, que possui maior densidade de massa, em relação a quantidade de metacaulim, apesar da cal hidratada ter de densidade menor. Entre as argamassas do mesmo grupo, considera-se a diferença não significativa. 3.2 Estado Fresco

Na Figura 6 são apresentadas as curvas obtidas a partir da mesa de consistência (Flow Table) das argamassas em função da variação do teor de água e na Tabela 5 são apresentados os valores de densidade de massa fresca.

Figura 6 – Curva do espalhamento das argamassas na mesa de consistência.

Tabela 5 – Massa unitária das argamassas no estado fresco.

Argamassa Densidade aparente estado

Fresco (g/cm3) A 1,84 B 1,90 C 1,85 D 1,91

Considerando o valor fixado para um espalhamento de 250 mm, as argamassas do GI apresentaram valores de relação água/sólidos (a/s) da ordem de 0,26 (A) e 0,28 (B). Na argamassa B a maior quantidade de água foi devido a maior finura do MC 2 em relação ao MC 1. No GII as argamassas apresentaram valores de relação a/s semelhantes, aproximadamente 0,23. O tipo de metacaulim utilizado não teve influência nas argamassas do GII, quando o teor de MC foi 50% menor em relação o GI. De modo geral, as argamassas do GI necessitaram de mais água, devido à maior quantidade de finos (aglomerantes) presentes, comparando com aquelas do GII. Com relação à densidade de massa fresca, todas as argamassas apresentaram valores semelhantes. Nos grupos I e II, observa-se uma discreta diferença entre as densidades de massa no estado fresco, ou seja, as argamassas preparadas com MC1 possuem densidade de massas menor que as argamassas preparadas com MC2, isto se deve provavelmente a distribuição granulométrica do MC2 (Figura 1) ser a mais continua, que ocasionou o preenchimento dos vazios, conseqüentemente maior compacidade. 3.3 Estado endurecido 3.3.1 Resistências mecânicas e densidade de massa endurecida

Na Tabela 5 são mostradas as resistências à compressão e flexão; e as densidades de massa das argamassas nas idades de 28 dias e 1 ano.

Tabela 5 – Resistências e densidade de massa das argamassas nas idades de 28 dias e 1 ano.

Argamassa

28 dias 1 ano Tração (MPa)

Compressão (MPa)

Densidade de massa (kg/m3)

Tração (MPa)

Compressão (MPa)

Densidade de massa (kg/m3)

A 1,30 6,60 1615 0,99 4,30 1597 B 1,29 7,40 1688 0,89 4,10 1600 C 0,70 3,00 1650 0,67 1,83 1670 D 1,14 6,30 1655 0,63 3,20 1673

No GI as argamassas apresentaram maiores resistências em relação às do GII, isto se deve ao menor teor de metacaulim, que consequentemente gerou um menor teor de cal hidráulica no GII. Entre as argamassas do GI observa-se que não houve diferença significativa nas resistências, no entanto a diferença de 0,8 MPa para a argamassa B, que possui o MC 1 (mais fino e menos amorfo), indica que o aspecto físico, ou seja o efeito de empacotamento, teve maior influência do que o aspecto químico. Na idade de 1 ano, se observou diminuição nos valores de resistência. No GI essa diminuição foi cerca de 40% nas resistências à compressão, no entanto se vê uma diferença de 0,2 para a argamassa A como indicação de que ao longo do tempo o efeito de empacotamento deixou de prevalecer em relação ao efeito químico, ou seja, formação de produto hidratado. A reatividade de pozolanas até os primeiros 28 dias depende da área específica e em idades posteriores do teor de SiO2 e Al2O3 [17]. Nas argamassas do GII (C e D) se observa que, em C a resistência é menor que em D, onde na argamassa C contém o MC 2, que é menos fino e mais amorfo, indicando novamente a predominância do efeito físico do empacotamento. Na idade de 1 ano no GII também ocorreu redução nas resistências em relação aos 28 dias cerca de 50%, para compressão. A redução no GII foi maior que no GI, devido ao menor teor de MC nessas argamassas. Essa redução em ambos os grupos pode ser explicada pela formação de calcita (CaCO3), cuja massa molecular é cerca de 30% maior que a do hidróxido de cálcio (Ca(OH)2). Esse aumento pode ter ocasionado o surgimento de microfissuras internas e consequentemente a diminuição de resistência mecânica. Como no GII há menos MC em relação ao GI, então a quantidade de CaCO3 formado foi maior, ou seja, mais microfissuras e menor formação de produto hidratado pode ter ocorrido. Os valores de densidade de massa endurecida foram semelhantes e se mantiveram praticamente constantes ao longo do tempo, indicando uma estabilidade de massa e volume nas argamassas. Também mostrou que não houve influencia nessa propriedade em função do tipo e teor de metacaulim utilizado.

3.3.2 Capilaridade Nas Figuras 7 e 8 são mostrados os resultados do ensaio de capilaridade das argamassas nas idades de 28 dias e 1 ano, respectivamente.

Figura 7– Capilaridade das argamassas na idade de 28 dias.

Figura 8 – Capilaridade das argamassas na idade de 1 ano.

Verificou-se em todas as argamassas o valor da capilaridade até 3 horas de ensaio, momento em que as argamassas tenderam a se estabilizar. Aos 28 dias as argamassas do GI absorveram menos água que as do GII, devido ao maior teor de MC, que melhor contribuiu para o efeito de empacotamento. Para a idade de 1 ano não se observou diferença significativa nas curvas de capilaridade entre as argamassas, ficando em torno de 1,2 g/cm2 a perda de massa após 3 horas de ensaio. No GI se observou que a curva de capilaridade da argamassa A se manteve constante em ambas as idades, em B houve um aumento dos valores de capilaridade em 1 ano. Para A, supõe-se que a influência dessa estabilidade foi devido à formação de produtos hidratados, enquanto que em B, contendo o MC 2, que é menos reativo, resultou numa menor formação de produtos hidratados influenciando na porosidade. Quanto menor a quantidade de produtos hidratados, maior formação de CaCO3 podendo ter gerado maior quantidade de microfissuras internas. No GII, a argamassa C, contendo MC 1, que é mais reativo e menos fino, formou mais produtos hidratado e menos CaCO3 que na argamassa D, conseqüentemente melhorando a porosidade para a idade de 1 ano.

3.3.3 Variação de massa Na Figura 11 pode se visto o comportamento da variação de massa das argamassas ao em função do tempo (até 28 dias).

Figura 9 – Variação de massa das argamassas até 28 dias.

De modo geral as argamassas do GI apresentaram comportamento semelhante ao longo do tempo. No GI se observou que até 7 dias (área A1 da Figura 9) a taxa de variação de massa, que corresponde a perda de água com o tempo, foi semelhante, cerca de 25. Entre 7 e 21 dias (área A2) se observa diferença, sendo em A uma taxa maior que em B, o que indica a influência do melhor empacotamento na argamassa B, que tem mais água adsorvida que a argamassa A. E a partir de 21dias (área A3) elas tenderam a apresentar o mesmo comportamento. No GII, em todas as idades a diferença é bem significativa entre as argamassas C e D. A argamassa C perde mais massa que a argamassa D em função da presença do MC 1, que é menos fino, e não contribuiu para o empacotamento.

3.3.4 DRX e MEV-EDS Na Figura 10 são mostrados os difratogramas das quatro argamassas na idade de 1 ano. Do resultado dos difratogramas das argamassas na idade de 1 ano observa-se a formação de produtos hidratados, picos de CSH. Também aparecem picos de calcita e quartzo. A calcita é originada da cal carbonatada e o quartzo do metacaulim [8]. Em função da intensidade do maior pico, que é o de quartzo, calculou-se a proporção da intensidade dos picos de calcita. O eixo da horizontal dos difratogramas em todas as argamassas variou de 20o a 60º (2θ), e o eixo vertical variou da seguinte maneira: de 0 a 400 em A, de 0 a 210 em B, de 0 a 230 em C e de 0 a 180 em D. Para argamassas as argamassas do GI, A e B, as porcentagem de calcita foram de 37% e 41%, respectivamente. Em B a maior porcentagem de calcita é em função da menor reatividade do MC 2 (menos amorfo), ou seja há menor formação de produtos hidratados e mais formação de calcita. No GII também se observa o mesmo comportamento, sendo as porcentagens de calcita em C de 65% e em D, 89%. A maior quantidade de calcita no GII se deve ao menor teor de MC nessas argamassas.

Figura 10 – DRX das quatro argamassas na idade de 1 ano.

Nas Figuras 11 e 12 são mostradas a morfologia e a composição química do espectro de EDS das argamassas na idade de 1 ano. Nas imagens do MEV pode se vê que a morfologia das argamassas se apresenta com pequenas partículas aglomeradas e zonas densas. As partículas esbranquiçadas são de calcita, com aparência amorfa. Observa-se que nas argamassas do GI, a argamassa B tem aparência mais esponjosa, indicando a maior formação de CSH. No GII percebe-se claramente que a argamassa D tem uma aparência menos esponjosa que a C, pois em D contém o MC 2, que é menos reativo, ou seja produziu menos produtos hidratados. A análise de EDS mostrou que o composto principal em todas as amostras é o carbonato de cálcio na forma de calcita, com a presença também de Mg, Si e Al.

Figura 11 – Micrografia do MEV (esquerda) e EDS (direita) da área destacada no MEV das argamassas Grupo I (A e B) na idade de 1 ano.

Figura 12 – Micrografia do MEV (esquerda) e EDS (direita) da área destacada no MEV das argamassas do Grupo II na idade de 1 ano.

4. CONCLUSÕES A partir da análise dos resultados depreende-se que o tipo de metacaulim, diferenciado pelas propriedades físicas e químicas, isto é, a finura, a composição química e o grau de cristalização interferem nas propriedades das argamassas, nos estados anidro, fresco e endurecido. E, a análise em conjunto dos dados do metacaulim e das argamassas são importantes para entender a evolução das propriedades nas argamassas. As propriedades das argamassas no estado fresco foram verificadas que as argamassas do GI necessitaram de mais água comparada com as do GII para o mesmo valor de consistência (250 mm). Sendo no GI a relação água/sólidos maior para a argamassa B, que contém o MC 2 (mais fino). No GII a quantidade de água necessária para o mesmo valor de consistência, foi semelhante nas duas argamassas, C e D. O menor teor de MC e a diferença do tipo de metacaulim utilizado nessas argamassas não provocaram diferença na relação água/sólidos. No estado anidro, as argamassas do grupo I apresentaram densidades de massa menores que as do grupo II. Isto se deve ao menor teor de metacaulim no grupo II, consequentemente mais cal em relação ao metacaulim, sendo a cal tendo maior densidade de massa conforme Tabela 1. No estado endurecido a argamassa B, do grupo I, foi a que apresentou melhor desempenho, principalmente quanto às resistências mecânicas. Esta argamassa continha o MC 2, que é mais fino e menos amorfo, e indica o melhor efeito da finura no empacotamento. A redução de resistência com 1 ano de idade ocorreu em todas as argamassas. A formação de calcita, que seu volume em cerca de 30% maior que o hidróxido de cálcio, pode ter ocasionado microfissuras internamente. Quanto à variação de massa, a argamassa C, do grupo II, foi a que apresentou maior perda de água. Essa perda se deve principalmente a uma maior porosidade nessa argamassa causada pela presença do MC 1, que é menos fino, onde o efeito de empacotamento não foi eficiente. Além disso, o mentor teor de MC influenciou na menor quantidade de formação de

produtos hidratados e ao mesmo tempo maior formação de calcita. Estes mesmos motivos também explicam o comportamento das curvas de capilaridade. Os valores de densidade de massa endurecida não apresentaram diferenças significativas entre as argamassas. Com relação às características mineralógicas, as argamassas do GI apresentaram intensidade dos picos de calcita menores em proporção comparando com as do GII, devido principalmente ao menor teor de metacaulim no GII. Quanto à morfologia das argamassas, as do GI parecem apresentar uma estrutura mais densa e esponjosa, que as argamassas do GII, indicando maior formação de CSH. Na composição química vê-se que o composto principal em todas elas é o carbonato de cálcio. Para complementar esse estudo, é necessário a aplicação dessas argamassas sobre bases de obras históricas e sob ação das intempéries, para observar o seu desempenho quanto à aderência, grau de fissuração e permeabilidade, pois as propriedades estudadas em argamassas em corpo de prova e em laboratório são alteradas, quando submetidas às condições reais, por isso os dados obtidos neste trabalho não necessariamente serão os obtidos in loco. 5. REFERÊNCIAS [1] Veiga, M. R., Velosa, A., Magalhães, A. Experimental applications of mortars with pozzolanic additions: Characterization and performance evaluation. Construction and Building Materials. Vol. 23, January 2009, p.318-327. [2] Marques, S. F., Ribeiro, R. A, Silva L. M., Ferreiro, V. M., Labrincha, J. A. Study of rehabilitation mortars: Construction of knowledge correlation matrix . Cement and Concrete Research. Vol. 36, June 2006, p.1894-1902. [3] Maravelaki-Kalaitzakia, P., Bakolasb, A., Karatasiosc, I., Kilikoglouc, V. Hydraulic lime mortars for the restoration of historic masonry in Crete. Cement and Concrete Research. Vol. 36, August 2005, p.1577-1586. [4] COLLEPARDI, M. Degradation and restoration of masonry walls of historical buildings. Materials and Structures, vol.23, 1990, p.81-102. [5] Velosa, A. L., Veiga, M. R., Rocha, F. Utilização de metacaulim em argamassas para conservação de edifícios. VIII SBTA Simpósio Brasileiro de Tecnologia das Argamassas. Curitiba-PR-Brasil, 19-22 de Maio de 2009. [6] Fortes-Revilla, C., Martínez-Ramírez, S., Blanco-Varela, M. T. Modelling of slaked lime–metakaolin mortar engineering characteristics in terms of process variables. Cement and Concrete Composites, Volume 28, May 2006, p. 458-467; [7] Moropoulou, A. Bakolas, A., Moundoulas, P., Aggelakopoulou, E., Anagnostopoulou, S. Strength development and lime reaction in mortars for repairing historic masonries. Cement and Concrete Research. Vol. 27, 2005, p.289-294. [8] Boke, H. Akkurt, S., Ipekoglu, B., Ugurlu, E. Characteristics of bricks used as aggregate in historical mortar brick-lime mortars and plasters. Cement and Concrete Research. Vol. 36, March 2006, p.1115-1122. [9] Netto R. M., Materiais Pozolânicos. Monografia de especialização em Construção civil da escola de engenharia da UFMG, Minas Gerais-Brasil. 2006 [10] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9776. Agregados – Determinação da massa específica de agregados miúdos por meio de frasco de Chapman, Rio de Janeiro 1987.

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