estudo das caracterÍsticas neurofisiolÓgicas e ... · objeto de estudo por mais de cem anos...

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Fundação Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS NEUROFISIOLÓGICAS E NEUROPSICOLÓGICAS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO Myriam de Carvalho Monteiro Rio de Janeiro Março/ 2010

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Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher

ESTUDO DAS CARACTERSTICAS NEUROFISIOLGICAS E

NEUROPSICOLGICAS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

Myriam de Carvalho Monteiro

Rio de Janeiro

Maro/ 2010

Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher

ESTUDO DAS CARACTERSTICAS NEUROFISIOLGICAS E NEUROPSICOLGICAS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

Myriam de Carvalho Monteiro

Dissertao apresentada Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Vladimir Lazarev Co-orientadora: Dr Fernanda Freire Tovar-Moll

Rio de Janeiro Maro/ 2010

Dedico esta dissertao

aos meus primeiros e grandes mestres,

meus pais.

AGRADECIMENTOS

Diversas pessoas contriburam direta ou indiretamente para a realizao deste

trabalho; alguns com idias, sugestes e conhecimento; outros, com carinho,

amizade e afeto. A todos o meu mais sincero agradecimento.

Aos meus pais, Maria do Socorro e Roberto, meus maiores mestres, agradeo

o amor, o carinho e o apoio que me permitem trilhar os caminhos com

confiana. A estes no basta um muito obrigada.

Aos meus irmos, Ana Cristina e Joo Roberto, que tornam os meus dias mais

felizes, e que esto ao meu lado em todos os momentos, o meu

agradecimento.

A todos os meus familiares, fundamentais para minha formao pessoal, em

especial a minha madrinha Antonia, agradeo o apoio, a fora e o carinho.

Ao meu namorado Alessandro, a pacincia nos momentos mais estressantes, e

o incentivo constante na busca dos meus sonhos.

A todos os meus amigos, em especial Gisele, a presena e os sentimentos

verdadeiros nos diversos momentos da minha vida.

Ao Dr Vladimir Lazarev, a orientao e a generosidade de partilhar comigo

seus conhecimentos.

Dr Fernanda Tovar-Moll, agradeo a orientao, o apoio, e por dividir

comigo seu tema de pesquisa.

Ao Dr Ricardo de Oliveira e Souza, a fundamental participao na pesquisa.

Ao Dr Leonardo Azevedo, responsvel por me inserir no fascinante mundo das

Neurocincias.

Ao Dr Roberto Lent, agradeo suas idias e sugestes valiosas.

As equipes do Laboratrio de Neurobiologia e Neurofisiologia Clnica do

Instituto Fernandes Figueira e da Unidade de Morfometria Cerebral e

Neuroimagem Quantitativa do Instituto D'Or de Pesquisa, em especial, Adailton

Pontes, Maria Alice Genofre, Aldenys Peres, Dbora Oliveira Lima, Fernando

Paiva; agradeo a inestimvel ajuda e apoio.

Aos professores da Ps-Graduao, aos colegas do curso e aos membros da

secretaria acadmica, muito obrigada.

A todos os voluntrios e seus familiares, sem os quais esta pesquisa no

poderia ter sido realizada, agradeo a disponibilidade.

Quanto mais acredito na cincia, mais acredito em Deus.

Albert Einstein

RESUMO

A presente pesquisa buscou avaliar as alteraes neuroanatmicas, neurofisiolgicas e neuropsicolgicas em pacientes com disgenesia do corpo caloso. Para tal, utilizou mtodos de ressonncia magntica, eletroencefalografia quantitativa e testes neuropsicolgicos. Foram examinados 5 pacientes e 7 voluntrios controles. A avaliao neuroanatmica revelou alteraes morfolgicas no corpo caloso dos pacientes, tais como a ausncia parcial, total ou hipoplasia desta estrutura, e a presena de feixes anmalos. A avaliao neurofisiolgica pela coerncia da atividade eltrica do crebro nas diferentes faixas de freqncia apontou, em geral, um aumento de conexes intra-hemisfricas em detrimento da diminuio das conexes inter-hemisfricas em indivduos com disgenesia do corpo caloso. Alm disto, foi percebido um relativo aumento de conectividade inter-hemisfrica na rea frontal do crebro em 3 pacientes com o joelho do corpo caloso. O aumento na conectividade intra-hemisfrica em comparao com controles, mais pronunciada no hemisfrio esquerdo, pode estar provavelmente relacionado presena do feixe de Probst; assim como a relativa prevalncia de conexes da regio frontal direita com a parietal esquerda em 3 pacientes pode refletir a presena do feixe Sigmide detectado pela ressonncia magntica. A avaliao neuropsicolgica apontou que indivduos com disgenesia do corpo caloso, em relao aos controles, apresentam um quociente de inteligncia esperado para a populao geral, ausncia de comprometimento de funes cognitivas em teste de rastreio, e um desempenho inferior da mo direita na avaliao da percepo ttil, o que possivelmente reflete um dficit da conectividade inter-hemisfrica mediada pelo corpo caloso.

Palavras-chave: disgenesia do corpo caloso, imagem do tensor de difuso, coerncia eletroencefalogrfica, avaliao neuropsicolgica, alteraes funcionais nos hemisfrios cerebrais.

ABSTRACT

In the present research, the neuroanatomical, neurophysiological and neuropsychological alterations in the dysgenesis of the corpus callosum were studied. For this reason, magnetic resonance, quantitative electroencephalography and neuropsychological methods were used. Five patients and 7 control subjects were examined. The neuroanatomical evaluation has revealed in different patients various types of morphological alterations of the corpus callosum such as its partial or total ausence or hipoplasia, and also the presence of aberrant bundles. The neurophysiological evaluation by means of electroencephalographic coherence in different frequency bands has detected in the patients a general trend to increase of the intra-hemispheric coherence connectivity and decrease of the interhemispheric one, except for the 3 patients with the genu of corpus callosum that demonstrated a relatively augmented interhemispheric coherence in the frontal areas. An increase in the intra-hemispheric connectivity as compared to control group may be related to the presence of the Probst bundle. It was more pronounced in the left hemisphere. It was also observed a relative prevalence of the coherence connectivity between the right frontal and contralateral left parietal areas in 3 patients with the corresponding Sigmoid bundle detected by the magnetic resonance. The neuropsychological evaluation has demonstrated that the patients with dysgenesis of the corpus callosum, as compared to the controls, have an intelligence quotient expected to the general population. They have not shown deficits in cognitive functions in a screening test. However, these patients showed a worse performance with the right hand in a tactile form perception test, which is probably related to a deficit in the interhemispheric connectivity mediated by the corpus callosum. Key Words: dysgenesis of the corpus callosum, diffusion tensor imaging, electroencephalographic coherence, neuropsychological evaluation, functional alterations in the cerebral hemispheres.

LISTA DE ABREVIATURAS

ACC Agenesia do Corpo Caloso

FA Anisotropia Fracional (Fractional Anisotropy)

BI ndice de Barthel (Barthel Index)

CC Corpo Caloso

CCA Conexes com Alta Coerncia

CChr Coeficiente de Coerncia (Coherence Coefficient)

DCC Disgenesia de Corpo Caloso

DTI Imagem do Tensor de Difuso (Diffusion Tensor Imaging)

EEG Eletroencefalograma

EEGq Eletroencefalografia Quantitativa

FC Feixe do Cngulo

FP Feixe de Probst

IE Inventrio de Edimburgo (Edinburgh Inventory)

QI Quociente de Inteligncia

RM Ressonncia Magntica

SNC Sistema Nervoso Central

TFP Teste de Percepo da Forma pelo Tato (Tactile Form Perception

Test)

TSI Teste para Comprometimento Cognitivo Grave (Test for Severe

Impairment)

WAIS III Escala Wechsler de Inteligncia para Adultos (Wechsler Adult

Intelligence Scale III)

WISC III Escala Wechsler de Inteligncia para Crianas (Wechsler

Intelligence Scale for Children III)

LISTA DE ILUSTRAES

Figura 1 Segmentao do Corpo Caloso segundo Witelson

22

Figura 2 Topografia do Corpo Caloso segundo Hofer e Frahm

23

Figura 3 Projees Calosas pela tcnica de DTI 23

Figura 4 Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao ntero-posterior

25

Figura 5 Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao dorso-ventral

25

Figura 6 Principais caractersticas anatmicas dos pacientes com DCC

32

Figura 7 Movimento randmico de molculas de gua no tempo e no espao

47

Figura 8 Mapas derivados da imagem do tensor de difuso

49

Figura 9 Espectro do EEG no domnio da frequncia 65

Figura 10 Sistema Internacional de colocao de eletrodos 10-20

72

Figura 11 Exemplo de gravao do EEG de um dos pacientes

73

Figura 12 Esquema topogrfico das derivaes EEG sujeitas anlise de coerncia

74

Figura 13 Exemplo de traados do EEG decompostos em oscilaes nas quatro faixas de frequncia

76

Figura 14 Imagens ponderadas em T1 no plano sagital dos pacientes

77

Figura 15 Mapa de anisotropia fracional na agenesia parcial

79

Figura 16 Mapa de anisotropia fracional na agenesia total 80

Figura 17 Reconstruo por fascigrafia dos feixes do Cngulo e Probst

81

Figura 18 Reconstruo por fascigrafia do remanescente caloso e do feixe Sigmide

81

Figura 19 Reconstruo do feixe Sigmide por fascigrafia em pacientes com agenesia parcial do corpo caloso

82

Figura 20 Mapas do crebro com conexes de coerncia com CCr 0,5 mdios para o grupo de 5 pacientes nas 5 faixas de freqncia

88

Figura 21 Mapas do crebro com conexes de coerncia com CCr 0,5 mdios para o grupo de 7 controles nas 5 faixas de freqncia

89

Figuras 22 - 26 Grficos para as 5 faixas de frequncia com coeficientes de coerncia entre todas as reas homlogas dos hemisfrios em pacientes e controles

98 - 101

Figura 27 - 31 Coeficientes de coerncia intra-hemisfrica de curta distncia entre derivaes vizinhas para as 5 faixas de frequncia

103 -105

Figuras 32 - 36 Coeficientes de coerncia longitudinal intra-hemisfrica alongada entre derivaes para as 5 faixas de frequncia

107 - 109

Figura 37 - 41 Mapas com conexes de coerncia com coeficientes 0,4, mdios no grupo de 5 pacientes para 5 faixas de frequncia

110- 112

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Principais achados de neuroimagem dos cinco

pacientes com disgenesia do corpo caloso

78

Tabela 2 Distribuio de frequncia da preferncia manual entre os grupos

85

Tabela 3 Distribuio dos escores dos participantes nos instrumentos de avaliao neuropsicolgica

86

Tabelas 4-8 Relaes entre as conexes de coerncia inter- e intra-hemisfricas das 25 conexes mais altas para cada paciente e controles nas 5 faixas de frequncia

90 - 93

SUMRIO

1. INTRODUO 13

1.1 JUSTIFICATIVAS 15

1.2 OBJETIVO GERAL 18

1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS 18

1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAO 19

2. O CORPO CALOSO 21

2.1 FUNO DO CORPO CALOSO - CALOSOTOMIA E DISGENESIA DO CORPO CALOSO

28

2.2 ACHADOS DE NEUROIMAGEM NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

30

2.3 QUADRO CLNICO E NEUROPSICOLGICO NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

33

2.4 ACHADOS ELETROFISIOLGICOS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

40

3. RESSONNCIA MAGNTICA 42

3.1 IMAGEM DO TENSOR DE DIFUSO E FASCIGRAFIA 45

4. NEUROPSICOLOGIA 50

4.1 INDEPENDNCIA FUNCIONAL 51

4.2 RASTREIO COGNITIVO 53

4.3 QUOCIENTE DE INTELIGNCIA 55

4.4 PREFERNCIA MANUAL 58

4.5 PERCEPO DA FORMA PELO TATO 59

5. ELETROENCEFALOGRAFIA 62

5.1 ELETROENCEFALOGRAFIA QUANTITATIVA 63

5.2 ANLISE DE COERNCIA 66

6. MATERIAIS E MTODOS 68

7. RESULTADOS 77

8. DISCUSSO 116

9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 126

10. ANEXOS 137

13

1. INTRODUO

Apesar do grande avano das pesquisas cientficas sobre o sistema

nervoso humano, alguns de seus aspectos morfolgicos e fisiolgicos ainda

so pouco conhecidos. O corpo caloso (CC), devido sua complexidade de

desenvolvimento estrutural e funcional assim como diversidade de alteraes

clnicas relacionadas sua malformao, tem exercido enorme fascnio como

objeto de estudo por mais de cem anos (Kamnasaran, 2005).

O termo disgenesia do corpo caloso (DCC) aplica-se a variveis graus

de malformao do CC, desde a sua ausncia at a mnima deficincia no seu

desenvolvimento (Kendal, 1983). Na presente pesquisa, este termo refere-se

agenesia total, agenesia parcial e hipoplasia do CC.

A DCC pode aparecer isoladamente ou estar associada a demais

malformaes do sistema nervoso central (SNC) ou somticas

(cardiovasculares, gastrointestinais, entre outras), sndromes genticas ou

metablicas, e quadros neuropsiquitricos (Paul et al., 2007). Estas

associaes determinam um amplo espectro de variaes no quadro clnico

(Lassonde et al., 2003).

A fim de que os resultados encontrados no pudessem ser atribudos a

outras anomalias que no a DCC, privilegiou-se compor a amostra desta

pesquisa por indivduos sem demais malformaes associadas.

Atravs dos mtodos de ressonncia magntica (RM),

eletroencefalografia quantitativa (EEGq) e de neuropsicologia, a presente

pesquisa descreve as alteraes morfolgicas, eletrofisiolgicas e

14

neuropsicolgicas na DCC em comparao aos achados nestes mesmos

mtodos em controles.

A RM um mtodo diagnstico de alta definio e preciso que

possibilita o estudo in vivo do sistema nervoso central humano em seu estado

normal e patolgico (Moll e Bramati, 2001). A tcnica complementar de RM,

Imagem do Tensor de Difuso Diffusion Tensor Imaging (DTI) foi utilizada na

avaliao dos principais feixes de substncia branca por intermdio da

quantificao da difuso da gua.

Utilizou-se a Eletroencefalografia Quantitativa (EEGq), que realiza o

processamento matemtico e estatstico do eletroencefalograma (EEG), na

anlise dos aspectos neurofuncionais na DCC.

O EEG um mtodo indicado e sensvel na avaliao do estado

funcional do crebro, por oferecer o registro direto e contnuo das flutuaes da

atividade eltrica do tecido nervoso. O aspecto mais importante do EEGq para

o estudo proposto a possibilidade de descrever as interconexes funcionais

entre diferentes reas do crebro, atravs de medidas de coerncia, j que o

papel fundamental das fibras calosas possibilitar a conectividade dos dois

hemisfrios.

Os aspectos cognitivos e comportamentais em pacientes com DCC

foram analisados atravs de instrumentos de mensurao neuropsicolgica

com enfoque principal nas seguintes reas: independncia funcional, quociente

de inteligncia, preferncia manual, percepo da forma pelo tato, e rastreio de

algumas funes cognitivas. Este tipo de avaliao sugerido sempre que se

suspeita que alguma alterao neurolgica possa estar causando prejuzos a

nvel cognitivo e comportamental (Costa et al., 2004).

15

O uso conjugado destes mtodos de fundamental importncia neste

estudo, j que pacientes com alteraes anatmicas semelhantes no corpo

caloso e sem demais alteraes associadas, exibem padres neurofisiolgicos

e neuropsicolgicos distintos, como ser exposto a seguir.

importante ressaltar que o presente trabalho fruto de colaborao

entre o laboratrio de Neurobiologia e Neurofisiologia Clnica do Instituto

Fernandes Figueira da Fundao Oswaldo Cruz, a Unidade de Morfometria

Cerebral e Neuroimagem Quantitativa do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino

da Rede LABS-D'Or, e do Laboratrio de Neuroplasticidade da Universidade

Federal do Rio de Janeiro.

1.1 JUSTIFICATIVAS

O quadro clnico na DCC no homogneo (Lassonde et al., 1995; Paul

et al., 2007) mesmo nas situaes nas quais uma malformao isolada

(Pisani et al., 2006). Quando acompanhado por outras anomalias, o espectro

de prognsticos torna-se ainda mais diferenciado. Na DCC podem coexistir,

portanto, desde casos assintomticos a quadros com comprometimento

cognitivo severo.

Desta forma, a DCC um tema de grande importncia nas pesquisas

cientficas na medida em que portadores desta condio podem apresentar

prejuzo cognitivo e social. Segundo Maciel (2006), a incapacidade fsica e

mental decorrentes de anomalias congnitas [como ocorre em alguns casos de

16

DCC], o sofrimento para o paciente e para a famlia, e os custos para a ateno

justificam a necessidade de pesquisas sobre tais temas.

A escassez de estudos em humanos que abordem e correlacionem os

as trs abordagens propostas (neuroanatmica, neurofisiolgica e

neuropsicolgica) nos mesmos pacientes, aumenta a relevncia deste trabalho.

Alm disso, na literatura os dados encontrados ou so extrados de amostras

nas quais existem comorbidades, ou apenas indivduos com agenesia do corpo

caloso (ACC) so considerados (Badaruddin et al., 2007; Moutard et al., 2003

Taylor e David, 1998).

Os dados epidemiolgicos sobre a distribuio da DCC na populao

so pouco precisos. Verifica-se na literatura uma grande variao do ndice de

prevalncia, conforme a populao estudada (Taylor e David, 1998). Alm

disto, o acesso mais freqente a tcnicas diagnsticas, como mtodo de

imagem pr-natal, tem modificado estas taxas ao longo do tempo (Moutard et

al., 2003), possibilitando o reconhecimento de freqncias mais altas das

malformaes congnitas do CC (Guitirrez, 2002).

Segundo Guitirrez (2002) em cada 1000 nascimentos so encontradas

de 1 a 3 crianas com disgenesia do corpo caloso. Em outro estudo, a taxa de

prevalncia estimada de disgenesia do CC de 0.3 a 0.7% na populao geral,

e de 2 a 3% na populao de indivduos com transtornos do desenvolvimento

(Chen, 2006). Em uma pesquisa epidemiolgica conduzida por Glass e

colaboradores (2008) na Califrnia, a prevalncia de DCC encontrada foi de 1.8

a cada 10000 nascimentos.

Os ndices de prevalncia so de fundamental importncia para a

implementao de polticas pblicas voltadas para os cuidados relativos s

17

doenas crnicas, como a DCC. Desta forma, tornam-se cada vez mais

necessrios estudos sobre as caractersticas clnicas, anatmicas e

neurofisiolgicas desta condio, a fim de auxiliar no reconhecimento de

portadores de DCC, contribuindo, assim, para prticas futuras de mapeamento

destes indivduos na populao e elaborao de dados epidemiolgicos.

Deve-se destacar tambm que no Brasil, a mortalidade infantil devido s

malformaes congnitas vem aumentando proporcionalmente sem que haja

um incremento de polticas pblicas a elas relacionadas (Horovitz et al., 2005).

No Brasil, houve uma reduo proporcional dos bitos por causas

infecciosas e respiratrias, e as malformaes congnitas passaram da quinta

para a segunda causa de mortalidade infantil entre 1980 e 2000, conforme

dados do Sistema de Informaes de Mortalidade do Ministrio da Sade

(Horovitz et al., 2005). Desta forma, estudos relacionados a malformaes

congnitas, como a DCC, e que possam contribuir para as prticas de

diagnstico, interveno precoce, atendimento e tratamento, tornam-se cada

vez mais necessrios em nosso pas.

A presente pesquisa poder contribuir futuramente para a difuso de

novas tecnologias de diagnstico, como o caso da eletroencefalografia

quantitativa; na medida em que o Instituto Fernandes Figueira centro de

referncia do Sistema nico de Sade na rea de sade materno-infantil.

O conhecimento gerado por pesquisas sobre a DCC, que quando

isolada tem prognstico favorvel em 85% dos casos (Gupta e Lilford, 1995),

tem tambm importncia em prticas futuras de aconselhamento gentico aos

pais, cujo filho, atravs de mtodo pr-natal, diagnosticado como sendo

18

portador desta malformao (Goodyear, 2001; Gupta e Lilford, 1995; Chadie et

al., 2008).

Ademais, a melhor definio das caractersticas anatmicas e funcionais

desses indivduos, e de suas capacidades neurocognitivas contribuem para a

antecipao de repertrios, que podem, ento, ser trabalhados antes de se

manifestarem. Desta forma, o conhecimento produzido pela presente pesquisa,

que pretende ir alm desta dissertao, poder produzir benefcios futuros na

assistncia aos pacientes atravs de prticas de atendimento e tratamento

mais direcionadas s suas necessidades, contribuindo para melhoria do quadro

clnico e, at mesmo para a elaborao de polticas pblicas direcionadas a

esta populao.

1.2 OBJETIVO GERAL

Avaliar as alteraes do corpo caloso e feixes anmalos em pacientes

com DCC por meio da ressonncia magntica, e revelar seus possveis

correlatos neurofisiolgicos e neuropsicolgicos atravs de tcnicas de

eletroencefalografia quantitativa e testes neuropsicolgicos.

1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS

19

Analisar o corpo caloso e feixes aberrantes em pacientes com DCC atravs da

tcnica de tensor de difuso e fascigrafia.

Analisar a funcionalidade das conexes inter e intra-hemisfricas por meio

das medidas de coerncia do eletroencefalograma nas diferentes faixas de

frequncias em pacientes com DCC, comparando-os ao grupo controle;

assim como buscar evidncias eletrofisiolgicas da funcionalidade de

feixes anmalos (Probst e Sigmide).

Comparar o desempenho dos pacientes com DCC ao grupo controle em

instrumentos de avaliao neuropsicolgica.

1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAO

O desenvolvimento da presente dissertao foi dividido nos seguintes

captulos:

No captulo 1, so apresentadas idias a respeito do tema escolhido,

justificativas e objetivos.

No captulo 2, feita uma descrio sobre o corpo caloso, sua funo, e

os achados neuroanatmicos, neuropsicolgicos e neurofisiolgicos na

disgenesia do corpo caloso.

No captulo 3, o mtodo de ressonncia magntica apresentado ao

leitor.

20

No captulo 4, o mtodo de avaliao neuropsicolgica e seus

respectivos instrumentos so descritos.

No captulo 5, o mtodo de eletroencefalografia quantitativa

apresentado e detalhado.

No captulo 6, apresentado um resumo da metodologia utilizada.

No captulo 7, so apresentados os resultados relativos avaliao pela

neuroimagem, pela eletroencefalografia e pela neuropsicologia.

No captulo 8, os resultados obtidos nas trs abordagens so discutidos.

Tambm so apresentadas ao leitor as limitaes do estudo, as perspectivas

futuras assim como elaborada uma concluso geral dos achados.

Nos captulos 9 e 10 encontram-se as referncias e os anexos da

dissertao respectivamente.

21

2. O CORPO CALOSO

O corpo caloso a maior comissura cerebral, sendo composto por mais

de 300 milhes de fibras (Holfer e Frahm, 2006) que possibilitam a

transferncia de informaes e uma atuao harmnica dos hemisfrios

cerebrais (Minguetti et al., 2007).

Inicialmente descrito por Reil (1812), acredita-se que o surgimento

evolutivo do CC tenha permitido a transferncia de informaes entre as

regies homlogas dos hemisfrios cerebrais de forma mais rpida e eficaz

(Tovar-Moll, 2007).

A idia inicial do funcionamento do CC enquanto uma unidade foi

substituda pela concepo de que esta comissura composta por diferentes

sees que fazem o processamento de informaes variadas (Banich, 1995). A

segmentao topogrfica das funes do CC pode ser comprovada atravs de

estudos sobre seo parcial ou leses adquiridas do CC, como isquemia focal,

traumas ou neoplasias, que permitiram o estudo da funo de segmentos

especficos dessa estrutura (Risse et al., 1989, Corballis et al., 2001).

Witelson (1995) props o seguinte modelo de diviso topogrfica do CC

(Figura 1): o tero anterior possibilita a conexo das reas pr-frontais, pr-

motoras e motoras suplementares; o corpo anterior composto por fibras que

conectam o crtex motor; o corpo posterior do CC est relacionado s regies

do crtex somestsico e parietal posterior; e as regies do tero posterior do

CC, que incluem o istmo e o esplnio, realizam a conexo das reas corticais

parietais, temporais e occipitais.

22

Figura 1: Segmentao do corpo caloso segundo o Modelo de Witelson (1995) regio (I) tero anterior: crtex prefrontal, premotor e motor suplementar; regio (II) corpo anterior: motor; regio (III) corpo posterior: crtex somestsico e parietal posterior; regio (IV) istmo: parietal posterior, temporal superior; regio (V) esplnio: occipital e temporal inferior. (Adaptado de Hofer e Frahm, 2006).

Mais recentemente, Hofer e Frahm (2006) descreveram a anatomia e a

trajetria das fibras calosas estudadas em humanos in vivo por DTI, e

compararam seus resultados com dados at ento baseados em primatas no-

humanos.

Este novo modelo (Hofer e Frahm, 2006) de segmentao topogrfica

das fibras calosas (Figuras 2 e 3) apresenta diferena em relao ao modelo

de Witelson principalmente no tero anterior do CC e no corpo mdio. O tero

anterior (regio I) encontra-se diminudo, enquanto que o corpo anterior (regio

II) aparece aumentado. Alm disto, conforme descrito por Holfer e Frahm

(2006), as fibras motoras realizam o cruzamento na segunda metade do CC,

regio posterior a indicada por Witelson (1995).

23

Figura 2: Topografia do corpo caloso segundo Hofer e Frahm (2006)- regio I crtex pr-frontal; regio II: crtex pr-motor e motor suplementar; regio III: crtex motor primrio; regio IV: crtex sensorial primrio; regio V: tmporo-parietal e occipital. (Adaptado de Hofer e Frahm, 2006).

Figura 3: Projees calosas atravs de tcnica de DTI: lobo pr-frontal (verde); reas motoras suplementares e pr-motora (azul claro); crtex motor primrio (azul escuro); crtex sensitivo primrio (vermelho); lobo parietal (laranja); lobo occipital (amarelo); lobo temporal (violeta). (Retirada de Hofer e Frahm, 2006).

importante destacar que o CC no formado integralmente ao mesmo

tempo. Existe uma forma ordenada de desenvolvimento dos seus segmentos.

Esta comissura comea a se formar em humanos ao redor da 12a semana de

gestao, neste momento possvel perceber fibras calosas na poro

24

anterior, o joelho. Posteriormente formado o corpo, seguido do esplnio, que

se forma ao redor da 18a semana. O rostro, anterior ao joelho, o ltimo

segmento a se desenvolver, entre a 18a e 20a semana de gestao (Lassonde

et al., 2003).

Desta forma, o desenvolvimento do CC se inicia em torno da 12

semana de gestao, e ao redor da 18 - 20 semana de vida intra-uterina, ele

encontra-se completamente formado (Rakic e Yakovlev, 1968). Durante este

perodo, o crebro tambm est se desenvolvendo como um todo. Isto explica

o fato de anomalias no corpo caloso estarem frequentemente associadas a

outras malformaes congnitas, como: Chiari tipo II, sndrome de Dandy

Walker, cistos inter-hemisfricos, encefaloceles, entre outras (Abreu et al.,

2005).

A topografia das fibras calosas obedece a um gradiente tanto ntero-

posterior (Rakic e Yakovlev, 1968) como dorso-ventral (Kier e Truwit, 1996;

1997). Estudos mais recentes de DTI com fascigrafia, uma tcnica que

possibilita a reconstruo de feixes de substncia branca, so capazes de

demonstrar o padro topogrfico do CC (Tovar-Moll, 2007). Assim, por

exemplo, a organizao das fibras no sentido ntero-posterior pode ser

percebida atravs das conexes das regies pr-frontais pelo joelho, as

parietais atravs do corpo, e as occipitais pelo esplnio (Figura 4). Da mesma

maneira, a orientao dorso-ventral, demonstrada pelas fibras mediais

corticais que cruzam dorsalmente dentro do CC, enquanto axnios mais

laterais ocupam os setores ventrais do CC (Figura 5).

25

Figura 4: Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao ntero-posterior. (Adaptado de Tovar-Moll, 2007).

Figura 5: Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao dorso-ventral. (Adaptado de Tovar-Moll, 2007).

O desenvolvimento do CC envolve diversas etapas: correta delineao

da linha mdia, formao dos hemisfrios cerebrais, nascimento e

especificao dos neurnios comissurais, e orientao dos axnios desde a

linha mdia at seu alvo final no hemisfrio contralateral (Paul et al., 2007).

Existem mltiplos fatores envolvidos na malformao do corpo caloso:

fatores genticos, desnutrio, infeces virais intra-uterinas, erros inatos do

26

metabolismo, uso abusivo de drogas ou lcool pela me. Pesquisas sugerem

que 30% a 45% dos casos de agenesia do corpo caloso possuem causas

identificveis (Paul et al., 2007). Aproximadamente 10% apresentam anomalias

cromossmicas, e os restantes 20 35 % so devido a sndromes genticas

conhecidas (Bedeschi et al., 2006). Fatores ambientais podem contribuir para

agenesia do corpo caloso, estes, porm, so menos conhecidos que os

genticos.

Dependendo do momento de desenvolvimento, os insultos podem levar

a diferentes tipos de malformaes no CC. Desta forma, algum prejuzo entre a

7 e 12 semana de gestao pode resultar em agenesia total, caso ocorra

entre a 12 e 20 semana, provavelmente no impedir o desenvolvimento do

joelho, mas poder resultar na ausncia de outras partes do CC, determinando

formas diferentes de DCC (Lassonde et al., 2003).

O corpo caloso est entre as ltimas estruturas cerebrais a completar

sua maturao ps-natal, o seu crescimento ocorre at o incio da fase jovem

adulto. Acredita-se que isto est relacionado mielinizao que ocorre durante

a adolescncia, que tem fundamental importncia para a propagao do

impulso nervoso pelo neurnio, e, conseqentemente, para o desenvolvimento

motor e cognitivo normais. H tambm a hiptese de que o crescimento do

corpo caloso at o incio da idade adulta ocorre devido ao aumento do dimetro

das fibras axnicas relativo idade (Keshavan et al., 2002).

Existem discusses acerca da natureza das conexes calosas, pois

existem alguns estudos que apontam que elas so excitatrias, integrando as

informaes; e outros que demonstram que elas so inibitrias, possibilitando

27

cada hemisfrio inibir um ao outro para que sejam maximizadas as funes

independentes de cada um (Bloom e Hynd, 2005).

Diante da complexidade do funcionamento neural, h a hiptese de que

as fibras calosas possibilitam conexes ora excitatrias, ora inibitrias e em

alguns momentos ambos os tipos, dependendo da tarefa a ser executada

(Bloom e Hynd, 2005).

Em seres humanos, as fibras calosas conectam regies homlogas do

hemisfrio contralateral; em casos de malformaes congnitas do CC,

entretanto, feixes anmalos j foram descritos apresentando um padro de

conectividade diferenciado do esperado nas condies normais (Probst, 1901

apud Springer e Deutsch, 2008; Tovar-Moll et al., 2006).

O sistema nervoso apresenta a capacidade de reorganizao estrutural

e funcional em resposta s condies ambientais, conhecida como

neuroplasticidade (Lent, 2001). O grau das alteraes plsticas assim como as

condies que as induzem so bastante diversificadas. Estas ltimas, por

exemplo, podem variar de leses traumticas ou congnitas a processos de

aprendizagem e memorizao, entre outros.

Nas anomalias do corpo caloso, a neuroplasticidade se manifesta, por

exemplo, pelo feixe de Probst (FP) (Probst, 1901 apud Springer e Deutsch,

2008), formado por fibras calosas no decussadas que passam paralelamente

fissura inter-hemisfrica na parede medial do ventrculo lateral, so mais

espessas anteriormente e reduzem-se no sentido posterior (Montadon et

al.,2003). Este feixe mantm organizao topogrfica, embora ipsilateral, como

as fibras do CC o fazem inter-hemisfericamente (Tovar-Moll, 2007). Mais

recentemente uma nova evidncia desta capacidade plstica do sistema

28

nervoso foi descoberta: o feixe Sigmide (Tovar-Moll, 2007), que conecta a

regio frontal regio parieto-occipital contralateral.

Desta forma, em casos nos quais os neurnios so impedidos de cruzar

a linha mdia a fim de atingir seus alvos nos hemisfrio contralateral, h uma

reorganizao dos mesmos e formao de feixes anmalos, como os feixes de

Probst e Sigmide.

2.1 FUNO DO CORPO CALOSO CALOSOTOMIA E DISGENESIA DO

CORPO CALOSO

Dentre os estudos realizados para verificar a funo das fibras calosas,

a grande maioria foi desenvolvido ao se acompanhar e analisar pacientes

submetidos calosotomia cirrgica como tratamento para epilepsia refratria

ao tratamento farmacolgico. Sperry e seus colaboradores observaram que

estes pacientes, conhecidos como split-brains, desenvolviam uma sndrome de

desconexo inter-hemisfrica no ps-operatrio (Sperry 1970 apud Tovar-Moll,

2007; Gazzaniga, 1995, 2005).

Esta sndrome caracterizada pelo comprometimento da transferncia

de informaes pela via inter-hemisfrica, gerando prejuzo, por exemplo, na

integrao de informaes sensitivas que so apresentadas individualmente a

um dos hemisfrios (Sperry, 1970 apud Tovar-Moll, 2007 apud Tovar-Moll,

2007; Gazzaniga, 1995, Paul et al., 2007).

29

Desta forma, ao ser projetada uma imagem no hemicampo visual direito

- ou seja, para o hemisfrio esquerdo - os pacientes calosotomizados

conseguiam descrever o que viam. Entretanto, quando a mesma imagem era

apresentada ao hemicampo visual esquerdo, os pacientes afirmavam no ver

coisa alguma. Quando foi pedido, porm, que eles apontassem com a mo

esquerda um objeto similar ao projetado, eles conseguiram faz-lo sem

problemas. Desta forma, o hemisfrio direito v a imagem e, apesar de poder

mobilizar uma resposta no-verbal, indicando que tambm possui

compreenso, incapaz de falar sobre o que v.

Kamnasaran (2005) descreveu alguns sintomas caractersticos da

sndrome de desconexo inter-hemisfrica: apraxia unilateral, ou seja,

incapacidade de resposta a comando verbal utilizando a mo esquerda; agrafia

unilateral com a mo esquerda; anosmia verbal com a narina direita, a

informao verbal percebida superiormente direita; hemianopsia dupla, que

a incapacidade de identificar estmulos visuais apresentados aos

hemicampos esquerdo ou direto com a mo contralateral; apraxia de

construo unilateral; anomia unilateral, ou seja, comprometimento na

identificao de objetos palpados pela mo esquerda; e mo aliengena,

caracterizada pela ausncia de coordenao dos movimentos das mos.

Tambm foram descritas perda de memria em um grau moderado e alexitimia.

As descobertas geradas pelo estudo com estes pacientes assim como

os achados de Paul Broca (1861) e Carl Wernicke (1874) tiveram grande

contribuio na compreenso das assimetrias cerebrais, as quais refletem

especializao e no dominncia, j que ambos hemisfrios tm que estar

integrados para um bom desempenho das funes.

30

Mais recentemente tem se destacado outra populao para o estudo do

corpo caloso e da conectividade inter-hemisfrica: os indivduos que

apresentam alteraes congnitas no CC, ou seja, portadores de DCC.

De maneira geral, pacientes com agenesia do corpo caloso possuem

uma integrao inter-hemisfrica melhor que indivduos submetidos seco

do corpo caloso, porm inferior a indivduos sem alteraes neurolgicas

(Brown et al., 1999, Chiarello, 1980). Por outro lado, existem tambm

indivduos com DCC que so assintomticos ou que apresentam dficits

cognitivos sutis, que s so revelados atravs de uma avaliao mais

complexa (Lassonde et al., 1995).

De acordo com os dados encontrados na literatura, as funes do corpo

caloso esto principalmente relacionadas transferncia de informao

sensorial complexa, coordenao motora bimanual, resoluo de problemas

novos e complexos, uso pragmtico da linguagem e compreenso de

comportamento psicossocial (Brown et al., 1999; Paul et al., 2007).

2.2 ACHADOS DE NEUROIMAGEM NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO

Os mtodos de imagem (ressonncia magntica e tomografia

computadorizada) podem classificar os tipos de DCC em: a agenesia total, em

que o corpo caloso est completamente ausente; agenesia parcial ou

hipogenesia, na qual o corpo caloso apresenta graus variados de encurtamento

(normalmente esplnio, ou corpo e o esplnio esto ausentes); e hipoplasia,

31

onde o corpo caloso completamente formado, porm apresenta reduo em

seu tamanho, podendo ser focal ou difusa (Montadon et al., 2003; Jinkins et al.,

1989; Utsunomiya et al., 1997) (Figura 6 A-C).

Um aspecto peculiar da DCC a presena dos feixes de Probst. Estes

feixes so formados por fibras presumivelmente comissurais que no

conseguiram cruzar a linha mdia e estabeleceram-se ipsilateralmente

assumindo disposio longitudinal paralela aos ventrculos laterais em cada

hemisfrio cerebral (Tovar-Moll, 2007) (Figura 6 D).

Os achados de imagem variam de acordo com o grau de acometimento

do CC. Segundo Abreu e colaboradores (2005), as caractersticas mais

comuns demonstradas pela tomografia computadorizada e pela ressonncia

magntica na disgenesia do corpo caloso so:

* aspecto em garfo dos cornos frontais dos ventrculos laterais, devido

localizao do FP paralelamente ao cngulo, determinam a

invaginao das bordas mediais dos ventrculos laterais, conferindo-lhes

este aspecto em garfo, especialmente anteriormente;

* paralelismo dos ventrculos laterais (Figura 6 D);

* colpocefalia, pois a ausncia das fibras calosas, em particular do

esplnio, leva a alterao das dimenses dos cornos posteriores, que se

dilatam;

* elevao do III ventrculo.

A imagem por RM possibilita ainda demonstrar outros achados mais

especficos, como:

32

* everso do giro do cngulo, devido ausncia de fibras calosas que

normalmente cruzam a linha mdia e possibilitam o seu processo de inverso

(Figura 6 E);

* extenso do III ventrculo para a fissura inter-hemisfrica;

* inverso incompleta da formao hipocampal nos lobos temporais

mediais.

Devido ao gradiente crnio-caudal de formao do CC, em casos de

disgenesia parcial, o remanescente do CC geralmente ocupa a topografia do

joelho ou do joelho e do corpo (Tovar-Moll, 2007).

Figura 6 A-E: Imagens de ressonncia magntica (RM) ponderada em T1 no plano sagital de pacientes com agenesia do corpo caloso (CC) (A), disgenesia parcial do CC (B) e hipoplasia do CC (C); D. Imagem de RM ponderada em T1 no plano axial de paciente com disgenesia parcial do CC. Note o paralelismo dos ventrculos laterais e presena do feixe de Probst paralelo ao feixe do cngulo. E. Imagem de RM ponderada em T2 no plano coronal de paciente com disgenesia parcial do CC. Note o crtex do cngulo evertido, o feixe de Probst e o feixe do cngulo evidentes neste plano. (Retirada de Tovar-Moll, 2007).

33

2.3 QUADRO CLNICO E NEUROPSICOLGICO NA DISGENESIA DO

CORPO CALOSO

Devido associao da DCC a sndromes genticas, metablicas, e

demais alteraes no sistema nervoso e somticas (Pisani et al., 2006; Sztriha,

2005), o quadro clnico e neuropsicolgico desta condio marcado por uma

grande variabilidade (Lassonde et al., 2003; Paul et al., 2007).

A DCC pode ser acompanhada por outras malformaes do sistema

nervoso ou por alteraes somticas com uma taxa de frequncia que varia de

44 - 85% (Parrish et al., 1979; Pisani et al., 2006). Dentre estas anomalias,

destacam-se: cisto de Dandy Walker, cisto inter-hemisfrico, hidrocefalia,

lipoma da linha mdia, malformao de Arnold-Chiari, encefalocele de linha

mdia, prosencefalia, holoprosencefalia, hipertelorismo e fenda mediana,

polimicrogiria, heteretopia de substncia cinzenta, e alteraes

cardiovasculares, gnito-urinrias e gastrointestinais (Kuker et al., 2003). A

disgenesia do corpo caloso tambm pode estar associada a mais de 50

sndromes genticas e metablicas (Richards et al., 2004).

importante notar que nas situaes de agenesia do corpo caloso

isolada, o prognstico favorvel em 85% dos casos, enquanto que a

associao a outras alteraes cerebrais ou orgnicas gera comprometimento

clnico em 56% dos casos (Gupta e Lilford, 1995). Em um trabalho conduzido

por Chadie e colaboradores (2008) em uma populao com ACC isolada

diagnosticada durante a fase pr-natal, o prognstico neurocognitivo foi bom

em 80% dos casos; destes, 55% apresentaram um desenvolvimento normal e

34

25%, um grau moderado de comprometimento. Em contrapartida, dados de

uma pesquisa com perodo de acompanhamento relativamente longo (24

meses-16 anos), demonstraram que todos os pacientes com alteraes

associadas ACC apresentaram retardo mental, atraso psicomotor, epilepsia

(Pisani et al., 2006).

Os dados relativos aos impactos clnicos dos tipos de agenesia no so

homogneos. Assim, h estudos que apontam que ausncia total do corpo caloso

produz maiores prejuzos (Goodyear et al., 2001), e outros afirmam no haver

diferenas no prognstico clnico nestas duas situaes (Moutard et al., 2003; Moes et

al., 2009). Uma das causas de tal controvrsia pode estar relacionada escolha da

populao de estudo no que diz respeito, por exemplo, as demais alteraes

associadas.

Da mesma maneira, no h um consenso sobre a prevalncia de DCC entre os

sexos. Algumas pesquisas com indivduos com malformaes no CC apontam para

uma maior prevalncia em indivduos do sexo masculino que feminino (Goodyear et al.,

2001; Michael e Shevell, 2002; Moutard et al., 2003), e outras pesquisas que no

demonstram esta diferena (Glass et al., 2009).

importante tambm ressaltar que a maior parte dos estudos

encontrados na literatura voltada para casos de ACC parcial ou total. Existem

poucos dados disponveis acerca da hipoplasia do CC, e no h estudos

publicados sobre o prognstico clnico nesta situao (Chadie et al., 2008).

A ausncia de sintomas na DCC sem demais malformaes associadas

uma condio rara, pois quase todos os pacientes apresentam no mnimo

problemas comportamentais e cognitivos leves, comprometimento da

comunicao social, dficits na conectividade inter-hemisfrica (Moutard et al.,

35

2003; Paul et al., 2007, Moes et al., 2009), que muitas vezes so revelados

com o passar da idade (Moutard et al., 2003), ou quando expostos a avaliaes

mais complexas (Paul et al., 2007; Lassonde et al., 1995). Desta forma, mesmo

que alguns indivduos com agenesia do CC isolada sejam assintomticos

(Pisani et al., 2006), a idia de ausncia total de sintomas vem se modificando

diante de avaliaes mais sensveis aos dficits decorrentes da DCC

(Lassonde et al., 1995; Brown e Paul, 2000; Moes et al., 2009).

Os ndices de quociente de inteligncia, que avaliam o funcionamento

intelectual, demonstram que indivduos com DCC apresentam QI dentro dos

padres esperados para a populao geral (Moutard et al., 2003; Brown e Paul,

1980; Chiarello, 1980), porm o desempenho geralmente encontra-se na faixa

mais baixa do padro considerado normal (Sauerwein e Lassonde, 1994). Em

algumas pesquisas (Chadie et al., 2008; Brown e Paul, 2000; Sauerwein e

Lassonde, 1994) foram encontradas diferenas entre o QI Verbal e QI de

Execuo nos pacientes com DCC, porm no h evidncias cientficas que

justifiquem a diferena entre os tipos de QI, ou a supremacia de um sobre o

outro (Sauerwein e Lassonde, 1994).

J foi demonstrado que indivduos com ACC primria, ou seja, sem

demais alteraes associadas e com QI 80 (Paul et al., 2007), podem

apresentar prejuzo no raciocnio abstrato, na resoluo de problemas e na

capacidade de generalizao (Paul et al., 2007), alm de dficit de ateno

(Moutard et al., 2003; Badarruddin et al., 2007; Paul et al., 2007).

A funo cognitiva mais estuda em acalosos a linguagem. Seu

processamento ocorre em regies especficas do crebro, desta forma, uma

36

comunicao eficiente exige integridade funcional e comunicao dos dois

hemisfrios (Alvarez et al., 2008).

Nesse sentido, alguns pacientes com ACC primria apresentam

comprometimento na expresso e descrio de contedos emocionais (Buchanan et

al., 1980; Paul et al., 2007). Este quadro, caracterizado como alexitimia (Buchanan et

al., 1980), tambm muito comum nos indivduos submetidos a calosotomia

(Kamnasaran, 2005), pode ocorrer devido a falha de comunicao entre os

hemisfrios, j que o lado esquerdo especializado em aspectos sintticos e

semnticos da lngua enquanto que a prosdia, que confere carter emocional fala,

atravs dos gestos, expresses faciais, mudanas de tons de voz (Lent, 2001), de

responsabilidade do hemisfrio direito (Friederici e Alter, 2004). Desta forma, na ACC

pode haver uma falha na integrao dos aspectos semnticos e prosdicos da

linguagem.

Este comprometimento do aspecto afetivo e subjetivo da linguagem causa

prejuzos em seu uso social, ou seja, em seu nvel pragmtico, que possibilita a

compreenso no literal da linguagem, com metforas, ironias, duplo sentido,

informaes no verbais, e a inteno do outro (Paul et al., 2007). Em uma pesquisa

realizada por O Brien (1994) em uma populao de indivduos com agenesia

do corpo caloso com diversos graus de comprometimento, foi encontrada

ausncia de comunicao social em 61.5% dos participantes, e 16% da

amostra foi caracterizada como socialmente indiferente. Badaruddin e

colaboradores (2007) igualmente reportam a dificuldade destes indivduos no

estabelecimento de relaes sociais e na comunicao com o outro.

Dentre as manifestaes clnicas da DCC, existem alguns sintomas que

so pertencentes a quadros neurolgicos e psiquitricos. Mtodos

37

diagnsticos, entretanto, podem revelar que os sinais clnicos apresentados por

acalosos so produtos de dficits na conectividade crtico-cortical (Paul et al.,

2007).

importante ressaltar, contudo, que dficits morfolgicos do corpo

caloso podem ser encontrados em indivduos com transtornos psiquitricos e

do desenvolvimento, como por exemplo, na esquizofrenia, autismo, retardo

mental, sndrome de Down, dficit de ateno e hiperatividade (Bloom, 2005).

Desordens neuropsiquitricas como dislexia, autismo e stress ps-traumtico

tambm esto associadas a mudanas do CC (Keshavan et al., 2002).

Em uma pesquisa conduzida por Raine e colaboradores (2003) foi

verificado, atravs da ressonncia magntica, que pacientes com transtorno

anti-social, apresentam alteraes morfolgicas no CC e um aumento tambm

estatisticamente significativo da conectividade funcional inter-hemisfrica . Da

mesma maneira, foi observada diminuio no CC de pacientes esquizofrnicos

(Keshavan et al., 2002).

tambm relevante notar que os indivduos que tiveram o corpo caloso

seccionado desde cedo e crianas com agenesia demonstram poucas

evidncias de desconexo inter-hemisfrica, enquanto que adolescentes e

adultos com CC seccionado cirurgicamente apresentam sintomas relacionados

a dficits de transferncia entre os hemisfrios (Lassonde et al., 1991). Este

achado sugere que a capacidade adaptativa do sistema nervoso maior em

crianas, e que a interveno cirrgica gera maiores prejuzos organizao

funcional do crebro do que alteraes congnitas do CC (Guiterrz, 2002).

Entretanto, em situaes nas quais testes requerem transferncia ou

integrao de processos cognitivos complexos, processamento mais rpido e

38

que no so influenciados por experincias prvias, o desempenho de

indivduos com agenesia congnita inferior ao de controles (Brown et al.,

1999, Lassonde et al., 1995). Isto sugere que um dos papis do corpo caloso

parece estar relacionado transferncia de informaes novas, mais rpidas e

complexas (Paul et al., 2007).

Em atividades simples e cujas caractersticas dos estmulos so

familiares, o desempenho de indivduos com agenesia total ou parcial do CC

semelhante ao de controles. Isto ocorre, por exemplo, na avaliao do efeito de

interferncia de Stroop (Brown et al., 2001), que se d atravs da mensurao

do tempo de reao na identificao de uma caracterstica de um estmulo

quando h uma tendncia para caracteriz-lo de outra forma. Isto ocorre no

caso de maior lentido na resposta quando se deve nomear uma cor

apresentada a um campo visual, quando outra cor diferente simultaneamente

apresentada ao outro campo visual.

Neste caso, a integrao normal das informaes inter-hemisfricas

sugere que mecanismos de neuroplasticidade podem compensar a ausncia

do CC (Kamnasaram, 2005). Nesse contexto, alguns pesquisadores acreditam

que a comissura anterior pode cumprir este papel na ausncia do CC (Fischer

et al., 1992; Brown et al., 2001 Paul et al., 2007).

Em uma pesquisa conduzida por Fischer e colaboradores (1992) com

pacientes acalosos com inteligncia normal foi demonstrado que, em testes

taquitoscpicos, h maior lentido na nomeao de objetos apresentados ao

campo visual esquerdo, o que no compatvel ao encontrado em indivduos

da mesma faixa etria e nvel scio-econmico.

39

Da mesma maneira, dificuldades na execuo de tarefas que exigem

coordenao bimanual de maneira rpida e acurada (Jeeves et al., 1988), e

maior lentido na resposta a situaes sociais novas e complexas (Brown e

Paul, 2000) em indivduos com DCC e inteligncia normal so indicadores da

limitao da conectividade entres os hemisfrios na ausncia do corpo caloso.

As informaes a respeito do quadro clnico na DCC encontradas na

literatura no so uniformes. Alm dos vieses que podem ser gerados na

escolha dos participantes ao se colocar, por exemplo, em uma mesma amostra

indivduos com diferentes tipos alteraes no SNC, outros fatores tm

comprometido a elaborao de um quadro cognitivo e comportamental mais

preciso, como: a existncia de estudos predominantemente retrospectivos ou

com um perodo de follow up curto, pois as alteraes cognitivas variam com a

idade e necessitam de acompanhamento por tempo mais prolongado para que

se tenha a real estimativa do prognstico destes pacientes; descrio pobre

dos instrumentos de avaliao utilizados, entre outros (Moutard et al., 2003).

Cabe lembrar tambm que mesmo no quadro de DCC isolada, as

alteraes anatmicas que o acompanham, como a colpocefalia, encontrada

em 40% (Montadon et al., 2003), e tambm a presena de feixes anmalos

indicadores de neuroplasticidade, como o caso do feixe de Probst e do feixe

Sigmide, podem gerar alguma alterao a nvel comportamental (Paul et al.,

2007) e cognitivo, j que at ento no se conhece a funo destas fibras

aberrantes e suas implicaes clnicas.

40

2.4 ACHADOS ELETROFISIOLGICOS NA DISGENESIA DO CORPO

CALOSO

De maneira geral, o eletroencefalograma (EEG) convencional apresenta-

se quase sem alteraes em indivduos com DCC, provavelmente porque a

organizao rtmica do EEG na maior parte mediada por outras estruturas

que no o corpo caloso (Jeret et al., 1987), como o tlamo, um dos principais

responsveis pela gerao dos ritmos cerebrais, particularmente os mais

rpidos (Duffy et al., 1998). Alm disto, o desenvolvimento de mecanismos

compensatrios funcionais tambm pode evitar a possvel manifestao de

sinais de patologia do corpo caloso no EEG convencional.

Em uma pesquisa conduzida por Moutard e colaboradores (2003) com

17 indivduos portadores de ACC isolada, o traado eletrofisiolgico mostrou-se

alterado em 5 pacientes. Em 3 deles (17%), um assincronismo inter-

hemisfrico persistiu aps um ano de idade. O exame de uma criana revelou

ondas delta posteriormente mesmo em estado de viglia; e o EEG de outro

participante revelou spikes isolados sem uma localizao especfica. Em outro

estudo com 9 participantes com ACC, apenas 1 deles apresentou assimetria

inter-hemisfrica (Pisani et al., 2006).

Com relao s medidas de coerncia inter-hemisfrica, as pesquisas

demonstraram que estas encontram-se diminudas em recm-nascidos (Kuks

et al., 1987), em crianas e em adultos acalosos quando comparados a

controles (Koeda et al., 1995). Alm disto, a coerncia intra-hemisfrica no

hemisfrio direito mostrou-se menor que nos controles na faixa de freqncia

41

beta. Os autores interpretaram esta assimetria pelos provveis mecanismos

compensatrios relacionados s funes da linguagem atravs da plasticidade

do crebro de indivduos acalosos durante desenvolvimento (Koeda et al.,

1995). Em outra pesquisa com pacientes sem o corpo caloso, a diminuio de

coerncia inter-hemisfrica foi confirmada durante o batimento dos dedos

(finger tapping), com excluso da coerncia entre reas temporais dos

hemisfrios, que foi aumentada (Knyazeva et al., 1997). Neste mesmo trabalho

tambm foi revelado o aumento da coerncia intra-hemisfrica nas linhas

sagitais e diminuio deste tipo de coerncia nas reas temporais. Os autores

sugerem que o aumento da coerncia sagital pode estar relacionado ao feixe

de Probst, apesar de no terem as confirmaes da neuroimagem.

Os estudos durante o sono tambm apontam a diminuio de medidas

de coerncia inter-hemisfrica em indivduos acalosos (Nielsen et al., 1993). Os

autores revelaram menor prejuzo nas regies posteriores, e relacionaram este

achado influncia da comissura posterior. Eles no conseguiram detectar as

diferenas dos controles nas conexes longitudinais (que foram medidas

somente para os eletrodos adjacentes), e atriburam este fato ausncia de

mecanismos compensatrios intra-hemisfricos.

Uma das questes mais importantes em pesquisas de DCC a relao

entre os mecanismos compensatrios estruturais e funcionais que se

desenvolvem na ontognese. Por isso, a utilizao conjunta dos mtodos de

neuroimagem, neurofisiologia e neuropsicologia parece particularmente

promissora no trabalho proposto.

42

3. RESSONNCIA MAGNTICA

A ressonncia magntica (RM) um mtodo diagnstico de alta

definio e preciso que possibilita o estudo in vivo do sistema nervoso

humano em seu estado normal e patolgico (Moll e Bramati, 2001). A RM

capaz de realizar o diagnstico acurado das diversas afeces do corpo caloso

(Montadon et al., 2003), j que permite estudar com detalhes suas vrias

partes e demais alteraes enceflicas associadas (Abreu et al., 2005).

Este mtodo apresenta vantagens de no utilizar radiao ionizante e

apresentar uma alta resoluo espacial. As formas mais leves de disgenesia do

corpo caloso so difceis de serem caracterizadas pela tomografia

computadorizada, ao passo que a RM capaz de explorar com clareza todo o

espectro de ms-formaes (Barkovich, 1990 apud Abreu et al., 2005).

Diversas pesquisas utilizam este mtodo no estudo das alteraes do CC

(Tovar-Moll et al., 2007; Wahl et al., 2009; Montadon et al., 2003).

O princpio fundamental da RM se baseia nas propriedades magnticas

do ncleo atmico. Alguns ncleos apresentam movimento em volta do seu

prprio eixo, denominado spin. Devido carga eltrica desses ncleos

atmicos, este movimento gera um pequeno campo magntico na direo do

seu eixo de rotao. a partir deste momento magntico que se fundamenta o

fenmeno de RM.

Os tomos com spin apresentam distribuio de carga com simetria

esfrica e as propriedades de dipolos magnticos. Isto os torna bastante

interessantes para o fenmeno de ressonncia magntica (Paiva, 2004).

43

Dentre as partculas atmicas com estas propriedades, o hidrognio, devido a

sua abundncia natural no corpo humano, constitui a principal fonte de sinal em

RM.

Ao receberem ondas eletromagnticas, estes tomos absorvem esta

energia e a devolvem ao meio tambm em forma de rdio freqncia,

possibilitando a formao das imagens.

Na ausncia de um campo magntico, os momentos angulares dos

tomos de hidrognio esto distribudos aleatoriamente, apontando para todas

as direes de maneira que o vetor resultante que representa a soma de todos

estes movimentos nulo.

Entretanto, quando submetidos a um campo magntico B0, estes

momentos magnticos se alinham em sua direo. Uma parcela dos ncleos

se alinha no mesmo sentido do campo magntico principal, enquanto a outra

se alinha no sentido oposto.

Os ncleos que esto alinhados, quando em equilbrio trmico, no

mesmo sentido e no sentido oposto do campo magntico esto,

respectivamente, em estados de mais baixa e mais alta energia.

Desta forma, a soma vetorial de todos os spins j no mais zero. Neste

caso, passa a existir uma magnetizao longitudinal na direo do campo

externo B0, resultante dos ncleos que no foram cancelados pelo vetor anti-

paralelo.

Estes spins que compe o vetor resultante fazem um movimento

secundrio em torno de B0, denominado precesso. Este movimento de

precesso ocorre com uma freqncia determinada, a freqncia de Larmor L,

44

que proporcional ao B0 e constante giromagntica de cada ncleo ( L=-

B0), isto , cada ncleo tem uma L caracterstica.

importante ressaltar que estes spins resultantes que precessionam na

direo de B0 e que possibilitaro a formao de imagens, constituem uma

parcela mnima do total.

Embora se tenha uma magnetizao diferente de zero, esta no

suficiente para levar formao de imagens; para isso, em um segundo

momento, a magnetizao dos spins resultantes (componente longitudinal de

magnetizao), deslocada para um eixo perpendicular ao definido pelo

campo magntico B0.

Para a magnetizao passar do eixo longitudinal ao transversal, um

novo campo, denominado B1 emitido. Se a freqncia deste novo campo for

igual a L, o sistema atinge a condio de ressonncia. Neste caso, o vetor de

magnetizao precessionar em torno deste campo de radio freqncia.

Quando esta onda de radiofreqncia deixa de ser emitida, os ncleos

atmicos devolvem ao meio magntico a energia absorvida e a magnetizao

tende a se realinhar com a condio de equilbrio anterior (B0). Isto chamado

de relaxao, ou seja, o grau de magnetizao longitudinal recuperado

enquanto que a magnetizao transversal sofre declnio.

A recuperao de 63% da magnetizao longitudinal conhecida como

tempo de relaxao longitudinal T1, e o declnio de 63% da magnetizao

transversal, devido interao dos tomos com ncleos vizinhos, denomina-se

tempo de relaxao transversal T2. O tempo de relaxao T1 , tipicamente,

maior que T2.

45

O contraste das imagens conseqncia principalmente dos

mecanismos de recuperao T1 e declnio T2 e a quantidade de ncleos

atmicos presentes na amostra. Os valores do tempo de relaxao dependem

da espcie nuclear e da composio dos tecidos, j que esto relacionados

quantidade de tomos de hidrognio presentes e ao meio no qual esto

inseridos.

Esta capacidade de diferenciar tecidos estende-se a diversas partes do

corpo, alm disto, a RM explora aspectos anatmicos e tambm funcionais

(Mazzola, 2009). Dentre os mtodos que complementam a RM Estrutural, a

tcnica avanada de Imagem do Tensor de Difuso Diffusion Tensor Imaging

(DTI), utilizada na presente pesquisa, ser descrita a seguir.

3.1 IMAGEM DO TENSOR DE DIFUSO E FASCIGRAFIA

A Imagem do Tensor por Difuso (DTI), um dos mtodos de ressonncia

magntica estrutural, tem como princpio bsico a aferio do deslocamento

das molculas de gua no tecido cerebral in vivo. A partir de informaes sobre

a intensidade e direcionalidade das molculas de gua, esta tcnica capaz de

detalhar a estrutura anatmica e oferecer informaes sobre a integridade de

estruturas da substncia branca, como o corpo caloso.

O movimento aleatrio de molculas em um fluido foi descrito

inicialmente por Robert Brown, no incio do sculo XIX. A difuso randmica

da gua em si chamada de self-diffusion ou difuso prpria e obedece s

46

mesmas leis de difuso. Matematicamente, entretanto, o primeiro tratamento

terico do movimento browniano foi provido por Albert Einstein em 1905

(Einstein, 1956 apud Behrens, 2004).

De uma forma geral, a intensidade da movimentao das molculas de

gua depende do meio em que ocorre. Desta forma, ela menos intensa nos

tecidos cerebrais, como nos feixes mielinizados da substncia branca, e mais

livre em meios com menor restrio, por exemplo, no interior dos ventrculos

cerebrais.

Em meios que restringem o deslocamento aleatrio das molculas de

gua, a difuso no ocorre igualmente em todas as direes, exibindo

propriedade anisotrpica, diferentemente de um meio isotrpico, como o

interior dos ventrculos, em que no existe restrio alguma e em que as

molculas se deslocam igualmente em todas as direes isotropicamente.

Nos grandes feixes de substncia branca, por exemplo, este movimento

altamente anisotrpico e corre preferencialmente em direo paralela aos

feixes axonais, em detrimento do movimento perpendicular a eles.

De uma maneira simplista, pode-se descrever o movimento de uma

molcula de gua em um intervalo de tempo ( T), iniciado em t1=0 at T2= . A

molcula exibir um movimento randmico, mas se deslocar uma distncia

resultante vetorial r, como observado na Figura 7 abaixo, adaptada de

Hagmann e colaboradores (2006).

47

Figura 7: Movimento randmico das molculas de gua no tempo e no espao. O processo de difuso da gua livre em funo do tempo pode ser representado por vetores e somas vetoriais, e ocorre igualmente em todas as direes (difuso isotrpica). A difuso anisotrpica, por sua vez, ocorre diferencialmente em direes preferenciais, e pode ser modelada atravs de formas elipsides simples ou superpostas, refletindo caractersticas complexas da organizao de tecidos como o msculo ou os feixes de substncia branca. (Adaptado de Hagmann et al.,2006)

Na interpretao da imagem do tensor de difuso por ressonncia

magntica, Peter Basser, em 1994 (Basser et al., 1994), props um modelo

para medir a difuso anisotrpica em tecidos com tais estruturas, ao considerar

portanto que a difuso nos mesmos no seria igual em todas as direes. Os

princpios da imagem do tensor de difuso consideram que a difuso pode ser

gaussiana, mas que tambm pode ser anisotrpica, podendo ser representada

por uma elipside (quando anisotrpica), mas tambm por uma esfera (quando

isotrpica).

O clculo matemtico do tensor de difuso permite a extrao de vrias

medidas escalares. Clculos matemticos complexos permitem descrever as

propriedades do tensor, caracterizando as propriedades relacionadas

difusibilidade geral e /ou anisotropia da gua.

Varias medidas podem ento ser obtidas, como:

48

(i) medidas da intensidade da difusibilidade geral da gua no tecido,

independente de direo: TRACE (T= E1 + E2 + E3) ou difusibilidade mdia

(DM = T/3). O mapa de difusibilidade em um corte axial de um crebro humano

normal representado na Figura 8B.

(ii) anisotropia mede o quanto a difuso em uma das direes

preponderante em relao s outras. Existem vrios ndices de anisotropia,

sendo Anisotropia Fracional (FA, do ingls Fractional Anisotropy) o ndice mais

comumente usado. O mapa de FA em um corte axial de um crebro humano

normal representado na Figura 8C.

O valor da FA de um dado volume de tecido cerebral pode ainda ser

unida informao da direo em que a difuso ocorre preferencialmente

neste volume. Isto pode ser representado por um mapa de cores (Pajevic e

Pierpaolli, 1999). So os chamados mapas de FA codificados em cores

segundo a orientao dos feixes. A conveno mais usada a que representa

em azul quando o movimento preferencial da gua ocorre na direo do eixo

spero-inferior (eixo z) do corpo humano, em verde quando este se encontra

na direo do eixo ntero-posterior (eixo y) e, em vermelho quando na direo

ltero-lateral (eixo x). O mapa de FA codificado em cores segundo o principal

eigenvector em um corte axial de um crebro humano normal representado

na Figura 8D.

49

Figura 8 A-D: Imagens de ressonncia magntica (RM) de indivduo-controle no plano axial de mesma localizao. A. RM ponderada em T1; B. mapa de difusibilidade Trace; C. mapa de anisotropia fracional (FA); D. mapa de FA codificado em cores segundo orientao dos feixes: fibras em disposio ltero-lateral em vermelho, fibras em disposio ntero-posterior em verde e fibras em disposio supero-inferior em azul.

Comparando mapas, o mapa de FA informa somente sobre a magnitude

da anisotropia, enquanto o mapa de FA colorido confere informao sobre a

magnitude e a direcionalidade da anisotropia do tecido.

A fascigrafia, como um desmembramento da DTI, permite a construo,

por computao grfica, de linhas que representam os feixes de SB in vivo.

Tais linhas so construdas obedecendo difuso predominante, ou seja, o

grau de FA e qual a direo preferencial voxel a voxel (unidade de volume

cerebral utilizado em RM). Esta tcnica permite a reconstruo de grandes

feixes de substncia branca normais, como o corpo caloso, e tambm

desvendar a estrutura anatmica de feixes anormais robustos, como o feixe de

Probst, presentes em pacientes com DCC (Tovar-Moll et al., 2006; Mori e

Zhang, 2006; Lee et al., 2004).

50

4. NEUROPSICOLOGIA

A avaliao neuropsicolgica possibilita uma investigao do

funcionamento cerebral, desta forma, recomendada nos casos em que se

suspeita que alteraes neurolgicas possam estar causando dificuldade

cognitiva ou comportamental, como em quadros de anomalias congnitas

cerebrais. Segundo Consenza e colaboradores (2008), a neuropsicologia busca

entender as relaes entre o funcionamento do sistema nervoso central, as

funes cognitivas e o comportamento, tanto nas condies normais quanto

nas patologias.

O quadro clnico de pacientes com disgenesia do corpo caloso

apresenta grande variabilidade, devido especialmente a sua associao com

outras alteraes do sistema nervoso (Moutard et al., 2003). Desta forma,

privilegiou-se compor a amostra por indivduos sem outras malformaes a fim

de que os resultados obtidos no sofressem a influncia de outras anomalias

que no a DCC.

A avaliao neuropsicolgica contemplou as seguintes reas: independncia

funcional (ndice de Barthel Barthel Index), rastreio cognitivo (Teste para

Comprometimento Cognitivo Grave Test for Severe Impairment), quociente de

inteligncia, (Escalas Wechsler de Inteligncia, Forma Reduzida Wechsler Scales of

Intelligence, Short Form), preferncia manual (Inventrio de Edimburgo Edinburgh

Inventory), percepo da forma pelo tato (Teste da Percepo da Forma pelo Tato

Tactile Form Perception Test).

51

4.1 INDEPENDNCIA FUNCIONAL

O ndice de Barthel (Barthel Index) (BI) (Mahoney e Barthel, 1965)

(Anexo 1) foi o instrumento utilizado para avaliar quantitativamente a

capacidade funcional dos participantes, ou seja, o grau de

independncia na realizao de atividades bsicas de vida diria. Estas

se referem a cuidados pessoais (Duarte et al., 2007) e a sobrevivncia

(Paixo e Reichenheim, 2005); e, neste caso, esto distribudas em dez

itens: alimentao, higiene pessoal (banho e asseio), vestimenta, controle

esfincteriano intestinal, controle miccional, uso do sanitrio e mobilidade

(cama/cadeira, superfcies planas e escadas).

A capacidade funcional pode ser entendida como produto do grau de

preservao das habilidades fsicas e mentais que possibilitam o indivduo viver

de forma autnoma e independente (Santos et al., 2007).

Desde sua criao, o BI j sofreu algumas alteraes em sua

forma. O BI usado nesta pesquisa, verso traduzida da forma original pelo

neurologista Ricardo de Oliveira Souza, inclui 2 itens (asseio e banho) com

pontuao de 0 e 5; 6 itens (alimentao, evacuao, mico, vesturio,

toalete, escadas) com pontuao de 0, 5 e 10; e 2 itens (transferncia e

mobilidade) com pontuao de 0, 5, 10 e 15. A pontuao total varia de 0 a

100, conforme o grau de assistncia exigido, sendo, a nota, portanto,

proporcional independncia do examinando.

Dentre as vantagens deste instrumento, pode-se destacar sua

simplicidade e fcil aplicabilidade. Paixo Jr. e Reichenheim (2005)

52

identificaram o BI como um dos instrumentos mais utilizados (73,7%) no Brasil

para avaliar as atividades da vida diria.

Em relao s suas propriedades psicomtricas como validade e

fidedignidade, o BI j foi analisado por diversos autores (Collin et al., 1988;

Loewen e Anderson, 1988; Roy et al., 1988). Em uma reviso da literatura,

Paixo e Reichenheim (2005) encontraram 20 trabalhos reportando a

confiabilidade intra e inter-observador, consistncia interna, validade

conceitual, validade de critrio, preditiva e concorrente. Estes estudos

apontaram um bom grau de confiabilidade e excelente validade deste

instrumento.

Na populao peditrica, o BI tambm j foi utilizado no

acompanhamento de crianas portadoras de polineuropatia (Vondracek e

Bednari, 2006); na avaliao ps-cirrgica de reconstruo do quadril em

pacientes com paralisia cerebral espstica (Krebs et al., 2008); na avaliao a

longo prazo de crianas portadoras da distrofia muscular de Duchenne (Thong

et al., 2005), entre outros.

Uma pesquisa na base de dados PUBMED, utilizando os descritores

Barthel Index e Corpus Callosum, foi encontrado apenas um trabalho em que

estes itens aparecem correlacionados. Andersen e colaboradores (1996)

realizaram um estudo com pacientes submetidos seco do corpo caloso a

fim de avaliar o efeito da calosotomia na freqncia das crises epilpticas, em

especial em suas as conseqncias psicossociais. Utilizou-se o ndice de

Barthel para comparar o grau de independncia dos indivduos aps a cirurgia.

O presente trabalho faz o uso pela primeira vez deste instrumento em

uma populao que apresenta uma malformao congnita no corpo caloso.

53

Como j mencionado, a variabilidade clnica presente na disgenesia do

corpo caloso grande, o que gera diferentes conseqncias no grau de

autonomia destes indivduos frente s funes de vida diria. Indivduos com

DCC (mesmo com ausncia total do CC) podem levar uma vida relativamente

normal, com pouca ou nenhuma interferncia em atividades de vida diria,

enquanto outros, com alteraes anatmicas muito semelhantes, podem

apresentar limitaes, como grave retardo mental (Tovar- Moll, 2007).

Na literatura so encontrados pontos de corte distintos do BI em

diversos trabalhos (Azeredo e Matos, 2003; Diogo, 2003; Wade e Collin, 1988),

porm, no foi objetivo desta pesquisa classificar os indivduos segundo seus

escores, mas sim, comparar o desempenho dos portadores de DCC e os

controles, a fim de verificar se esta alterao anatmica se reflete a nvel

cognitivo e comportamental, o que inclui a medida de independncia funcional.

4.2 RASTREIO COGNITIVO

O instrumento utilizado para o rastreio cognitivo foi o Teste para

Comprometimento Cognitivo Grave Test for Severe Impairment (TSI) (Albert e

Cohen, 1992) (Anexo2) que avalia as seguintes funes cognitivas: memria

(imediata e aps intervalo), linguagem (compreenso e produo), desempenho motor,

formao de conceitos e conhecimentos gerais.

A populao na qual esta ferramenta foi utilizada inicialmente compunha-se de

40 idosos (72 - 98 anos) com quadros demenciais, residentes do Hebrew

54

Rehabilitation Center for Aged em Boston, Estados Unidos (Albert e Cohen,

1992).

Albert & Cohen (1992) verificaram a validade e a fidedignidade deste

instrumento atravs da anlise de alguns parmetros psicomtricos: validade

de constructo, fidedignidade externa, consistncia interna. A validade de

constructo foi avaliada atravs da comparao com o Mini Exame do Estado

Mental (Folstein et al., 1975), o ndice de correlao encontrado foi de 0.83 (p <

0.0001); em relao a fidedignidade externa foi feito o teste-reteste, que

alcanou um ndice de correlao de 0.96 (P < 0.0001); a consistncia interna

da escala foi analisada atravs do coeficiente alpha, e ficou em torno de 0.91.

Desta forma, o TSI mostrou-se vlido e fidedigno na avaliao de pacientes

com comprometimento cognitivo grave.

Outras pesquisas tambm comprovaram a validade e a confiabilidade

deste instrumento (Jacobs et al., 1999; Appollonio et al., 1999; Foldi et al.,

1999). Foldi e colaboradores (1999) demonstraram que o TSI vlido tambm

nas formas mais leves de comprometimento cognitivo. Da mesma forma,

Appollonio e colaboradores (1999) verificaram a confiabilidade deste

instrumento em quadros demenciais de moderado a severo.

A escolha do TSI para o rastreio das funes cognitivas deve-se ao fato

de ser um instrumento simples, que pode ser aplicado facilmente e cuja

durao de aproximadamente 10 minutos. Alm disto, como o quadro clnico

de DCC marcado por uma grande variabilidade, optou-se utilizar esta

ferramenta a fim de que mesmos nos casos de pacientes mais comprometidos,

pudesse ser feito um rastreio de algumas funes cognitivas.

55

O TSI apresenta a vantagem de no exigir o uso muito extenso da fala.

Dentre os 24 itens, apenas 8 exigem o uso da linguagem oral. Nos demais

itens a avaliao feita atravs da observao do desempenho do

examinando, j que as respostas se do principalmente por meio de

gesticulao e manipulao de objetos, os quais so familiares ao examinando

e de fcil acesso ao examinador (pente, caneta, barbante). Isto no causa

prejuzo na avaliao dos demais domnios cognitivos de indivduos com dficit

de linguagem expressiva.

O TSI indicado nas situaes nas quais, devido a quadros clnicos

mais severos, o desempenho em testes de rastreio, como o Mini Exame do

Estado Mental, muito baixo, e, portanto, no possvel avaliar o grau de

comprometimento das diferentes funes cognitivas (Albert e Cohen 1992,

Cosgrave et al., 1998).

Desta forma, este instrumento pode ser bastante til no rastreio cognitivo

de pacientes com DCC mais comprometidos, j que alguns autores relatam

dificuldades na avaliao neurocognitiva de acalosos com deficincias na

linguagem e compreenso (Chadie et al., 2008).

O instrumento utilizado na presente pesquisa foi traduzido pelo

neurologista Ricardo de Oliveira Souza.

4.3 QUOCIENTE DE INTELIGNCIA

56

A avaliao do quociente de inteligncia (QI) foi realizada atravs da

verso reduzida Vocabulrio e Cubos (Silverstein, 1982) das Escalas Wechsler

de Inteligncia para Crianas e Adultos (Wechsler, 1991 e 1997), padro-ouro

internacional para a mensurao das capacidades intelectuais (Costa et al.,

2004).

As Escalas Wechsler de Inteligncia geram o QI Total do examinado a

partir de dois ndices: o QI Verbal, neste caso representado pelo subteste

vocabulrio, que est relacionado aos processos verbais e ao conhecimento

adquirido; e o QI de Execuo, relacionado organizao perceptual e

capacidade de manipular estmulos visuais com rapidez, avaliado pelo subteste

cubos.

O conceito de inteligncia que norteou Wechsler na construo das

escalas refere-se capacidade conjunta ou global do indivduo para agir com

finalidade, pensar racionalmente e lidar efetivamente com seu meio ambiente

(Wechsler, 1944:3). Desta forma, segundo Wechsler (apud Nascimento e

Figueiredo, 2002), a inteligncia o produto da interao das capacidades

cognitivas que se manifestam sob diferentes circunstncias.

A utilizao de Formas Reduzidas da WISC-III sugerida sempre que a

aplicao de todos os subtestes no pode ser realizada devido a limitaes

temporais ou a fadiga (Simes, 2002). Da mesma forma, a demanda muito

grande de tempo, o custo da aplicao completa da escala e o quadro clnico

do examinando determinam, em algumas situaes, a utilizao de formas

reduzidas da bateria WAIS III (Jeyakumar et al., 2004).

O nmero de testes que constitui as formas reduzidas oscila entre dois,

quatro, cinco ou mesmo seis subtestes. Frazen e Smith-Seemiller (2001)

57

verificaram que o uso de formas reduzidas constitudas por seis subtestes no

apresenta vantagens em relao as que incluem dois subtestes, e que a

combinao Vocabulrio e Cubos deve ser aplicada preferencialmente em

situaes que o teste completo no pode ser administrado, j que ndice de

correlao desta dade com a escala completa foi o mais alto (0.93 - 0.95) que

o de outras seis formas abreviadas analisadas.

A combinao Vocabulrio e Cubos apresenta alta fidedignidade (0.93),

um bom ndice de correlao com a forma completa (0.89), e tempo de

administrao de aproximadamente 26 minutos (Jeyakumar et al., 2004; Sattler

e Ryan, 2001).

Cyr e Brooker (1984) demonstraram que esta dade e a ttrade

Vocabulrio, Semelhana, Aritmtica e Cubos do WAIS R (verso anterior ao

WAIS III) so as formas abreviadas mais vlidas em termos psicomtricos na

estimativa da escala total do QI. Da mesma forma, outros autores (Goh, 1980,

Sattler, 1992; Silverstein, 1985) apontaram a combinao Vocabulrio e Cubos

como um dos melhores preditores da escala completa do QI. Wechsler (1991)

no Manual WISC III indica que estes subtestes apresentam uma alta correlao

com a escala completa.

As formas reduzidas devem, entretanto, ser utilizadas com cautela, pois

apesar de serem recomendadas em situaes de rastreio cognitivo, como na

presente pesquisa, em casos de casos de tomadas de deciso diagnstica ou

em contexto psicoeducacional, elas no so recomendadas por alguns autores

(Herrera-Graf et al., 1996; Finch Jr e Kendall, 1974; Simes 2002).

importante ressaltar que o objetivo da aplicao deste instrumento no

foi categorizar os participantes em relao ao nvel de QI individual, mas

58

comparar os pacientes e controles atravs de uma ferramenta confivel; j que

sendo a inteligncia um resultado do funcionamento integrado das diversas

funes cognitivas frente ao meio, importante verificar se indivduos com

alterao em uma estrutura como o corpo caloso apresentam algum prejuzo

nesta funo.

4.4 PREFERNCIA MANUAL

A avaliao da preferncia manual foi realizada atravs da forma

abreviada do Inventrio de Edimburgo (IE) (Oldfield, 1971) (Anexo 3)

modificado e validado para a populao brasileira por Brito e colaboradores

(1989). A verso utilizada na presente pesquisa inclui 10 itens e o quociente de

lateralidade pode variar de 100 a +100 (canhoto - destro).

Oldfield (1971) desenvolveu este instrumento com o objetivo de avaliar

de forma quantitativa a preferncia manual. O uso deste instrumento no meio

cientfico bastante conhecido, sendo reportado em diversos trabalhos,

inclusive brasileiros (Knecht et al., 2000; Brito e Morales 1999; Souza et al.,

2005; Dias, 2005).

A preferncia manual, assimetria comportamental mais conhecida no

ser humano, reflete uma estratgia funcional diferenciada nos hemisfrios

(Lent, 2001, Souza et al., 2005). Como se sabe, as regies cerebrais so

funcionalmente distintas, e algumas funes, como a fala, so lateralizadas.

Como a maioria das pessoas so destras, cerca de 95% da populao (Lent,

59

2001), acredita-se que o hemisfrio esquerdo, que dirige a motricidade fina da

mo direita, seja dominante neste aspecto.

O corpo caloso parece cumprir um papel importante no estabelecimento

das assimetrias cerebrais, j que suas conexes inter-hemisfricas tm

tambm a funo de transmitir informaes inibitrias entre os hemisfrios

cerebrais (Springer e Deutsch, 2008). Em casos nos quais esta estrutura

seccionada, alguns sintomas da Sndrome de Desconexo Inter-Hemisfrica

parecem refletir uma ausncia de inibio de regies cerebrais do hemisfrio

contralateral, como, por exemplo, no caso em que ambas as mos competem

na realizao de tarefas. Desta forma, pode-se esperar que indivduos com

malformao nesta estrutura apresentem uma preferncia no uso de uma das

mos menos evidente do que a populao geral.

Na literatura, a ausncia de medidas de preferncia manual em acalosos

inclusive alvo de crticas (Moutard et al. 2003). Existem pesquisas que

apontam uma maior prevalncia de canhotos em pacientes com DCC (Moes et

al., 2009). Outros, contudo, apontam um percentual (87.5%) de acalosos

destros semelhante populao geral (Moutard et al., 2003).

Diante da escassez e da controvrsia de dados a respeito da preferncia

manual na literatura, optou-se por avali-la quantitativamente e compar-la ao

grupo de controles.

4.5 PERCEPO DA FORMA PELO TATO

60

O teste de percepo da forma pelo tato (TFP) (Benton et al., 1994) foi

utilizado na presente pesquisa para avaliar o desempenho de pacientes com

DCC em relao ao grupo controle, e detectar possveis dficits resultantes de

alteraes na conectividade inter-hemisfrica.

O TFP tambm chamado de teste de estereognosia (Spreen e Strauss,

1998) j que seu objetivo avaliar o reconhecimento de diferentes formas

geomtricas atravs do tato. Durante a avaliao, o indivduo, com uma das

mos, explora uma figura feita com papel lixa fora do alcance de sua viso, e

com a outra aponta para a figura que corresponda que explora manualmente.

Isto feito com ambas as mos, cada uma faz o reconhecimento de 11 figuras

diferentes, sendo uma delas o exemplo.

A estereoagnosia, ou seja, dificuldade no reconhecimento de objetos

pelo tato est associada a leses no hemisfrio direito, dominante para a

funo de reconhecimento espacial, especialmente no lobo temporal, prximo

s reas de projeo somatossensorial (Springer e Deutsch, 2008).

Um estudo de fidedignidade para avaliar este instrumento revelou que os

dois grupos de figuras (Forma A e Forma B) apresentam o mesmo grau de

dificuldade, e que no h influncia da preferncia manual no desempenho do

indivduo no teste (Benton et al., 1994).

Em uma pesquisa (Rey et al., 1999) para a validao de alguns

instrumentos para a populao hispnica, o TFP apresentou a mesma mediana

e ponto de corte da pesquisa conduzida por Benton e colaboradores (1994), o

que confirma a validade e confiabilidade deste instrumento.

61

Dentre suas vantagens, o TFP assim como parte do TSI descrito

anteriormente, no requer o uso da linguagem expressiva, o que permite seu

uso em indivduos com afasia.

Franco e Sperry (Franco e Sperry, 1977 apud Springer e Deutsch, 2008)

avaliaram o desempenho das duas mos de pacientes submetidos seco do

corpo caloso em um teste de percepo de objetos que no podiam ser vistos,

mas com formas equivalentes para serem reconhecidas apresentadas viso.

O resultado nesta avaliao mostrou um desempenho superior da mo

esquerda nestes pacientes, enquanto que indivduos normais exibiam

habilidades equivalentes com as duas mos.

O interesse pelo TFP na presente pesquisa deve-se ao fato da

percepo ttil ocorrer no hemisfrio contralateral e de haver uma assimetria

funcional na percepo de formas com um predomnio do hemisfrio direito

nesta questo (Benton et al., 1994; Springer e Deutsch, 2008); desta forma, o

uso deste instrumento possibilita a avaliao da conectividade inter-

hemisfrica.

62

5. ELETROENCEFALOGRAFIA

O eletroencefalograma (EEG) o mtodo mais indicado e sensvel na

avaliao do estado funcional do crebro normal e patolgico, por ser o nico

exame que registra diretamente as flutuaes da atividade eltrica do tecido

nervoso (Lazarev, 2006).

O EEG representa as oscilaes bioltricas do crebro de vrias

freqncias, registradas na superfcie do escalpo que so amplificadas pelos

aparelhos eletrnicos, e apresentadas em forma de curvas grficas no domnio

de tempo (tempo - amplitude) no papel ou na tela. Os ritmos do EEG so os

resultados da soma da atividade de milhares de populaes neuronais

posicionadas no volume de tecido neuronal sob um eletrodo de registro do

EEG. As ondas cerebrais refletem o nvel de excitao do crtex gerado pelas

atividades sinpticas dos neurnios, particularmente as clulas piramidais

(Duffy et al., 1999).

As bandas de freqncia do EEG so divididas em quatro categorias,

denominadas ritmos. O ritmo delta o mais lento, composto por freqncias

menores que 4 hz; o teta compreende uma faixa de freqncia de 4 a 7 hz; o

alfa situa-se entre 8 a 13 hz e est associado a estados de viglia, em repouso;

o beta o mais rpido, maior que 14 hz, e sinaliza um crtex ativado (Bear et

al., 2002). As delimitaes entre as faixas freqncia podem variar at 1 Hz

de acordo com diferentes autores e caractersticas das amostras.

O EEG tem as vantage