estudo das caracterÍsticas neurofisiolÓgicas e ... · objeto de estudo por mais de cem anos...
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Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher
ESTUDO DAS CARACTERSTICAS NEUROFISIOLGICAS E
NEUROPSICOLGICAS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
Myriam de Carvalho Monteiro
Rio de Janeiro
Maro/ 2010
Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher
ESTUDO DAS CARACTERSTICAS NEUROFISIOLGICAS E NEUROPSICOLGICAS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
Myriam de Carvalho Monteiro
Dissertao apresentada Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher, como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Vladimir Lazarev Co-orientadora: Dr Fernanda Freire Tovar-Moll
Rio de Janeiro Maro/ 2010
Dedico esta dissertao
aos meus primeiros e grandes mestres,
meus pais.
AGRADECIMENTOS
Diversas pessoas contriburam direta ou indiretamente para a realizao deste
trabalho; alguns com idias, sugestes e conhecimento; outros, com carinho,
amizade e afeto. A todos o meu mais sincero agradecimento.
Aos meus pais, Maria do Socorro e Roberto, meus maiores mestres, agradeo
o amor, o carinho e o apoio que me permitem trilhar os caminhos com
confiana. A estes no basta um muito obrigada.
Aos meus irmos, Ana Cristina e Joo Roberto, que tornam os meus dias mais
felizes, e que esto ao meu lado em todos os momentos, o meu
agradecimento.
A todos os meus familiares, fundamentais para minha formao pessoal, em
especial a minha madrinha Antonia, agradeo o apoio, a fora e o carinho.
Ao meu namorado Alessandro, a pacincia nos momentos mais estressantes, e
o incentivo constante na busca dos meus sonhos.
A todos os meus amigos, em especial Gisele, a presena e os sentimentos
verdadeiros nos diversos momentos da minha vida.
Ao Dr Vladimir Lazarev, a orientao e a generosidade de partilhar comigo
seus conhecimentos.
Dr Fernanda Tovar-Moll, agradeo a orientao, o apoio, e por dividir
comigo seu tema de pesquisa.
Ao Dr Ricardo de Oliveira e Souza, a fundamental participao na pesquisa.
Ao Dr Leonardo Azevedo, responsvel por me inserir no fascinante mundo das
Neurocincias.
Ao Dr Roberto Lent, agradeo suas idias e sugestes valiosas.
As equipes do Laboratrio de Neurobiologia e Neurofisiologia Clnica do
Instituto Fernandes Figueira e da Unidade de Morfometria Cerebral e
Neuroimagem Quantitativa do Instituto D'Or de Pesquisa, em especial, Adailton
Pontes, Maria Alice Genofre, Aldenys Peres, Dbora Oliveira Lima, Fernando
Paiva; agradeo a inestimvel ajuda e apoio.
Aos professores da Ps-Graduao, aos colegas do curso e aos membros da
secretaria acadmica, muito obrigada.
A todos os voluntrios e seus familiares, sem os quais esta pesquisa no
poderia ter sido realizada, agradeo a disponibilidade.
Quanto mais acredito na cincia, mais acredito em Deus.
Albert Einstein
RESUMO
A presente pesquisa buscou avaliar as alteraes neuroanatmicas, neurofisiolgicas e neuropsicolgicas em pacientes com disgenesia do corpo caloso. Para tal, utilizou mtodos de ressonncia magntica, eletroencefalografia quantitativa e testes neuropsicolgicos. Foram examinados 5 pacientes e 7 voluntrios controles. A avaliao neuroanatmica revelou alteraes morfolgicas no corpo caloso dos pacientes, tais como a ausncia parcial, total ou hipoplasia desta estrutura, e a presena de feixes anmalos. A avaliao neurofisiolgica pela coerncia da atividade eltrica do crebro nas diferentes faixas de freqncia apontou, em geral, um aumento de conexes intra-hemisfricas em detrimento da diminuio das conexes inter-hemisfricas em indivduos com disgenesia do corpo caloso. Alm disto, foi percebido um relativo aumento de conectividade inter-hemisfrica na rea frontal do crebro em 3 pacientes com o joelho do corpo caloso. O aumento na conectividade intra-hemisfrica em comparao com controles, mais pronunciada no hemisfrio esquerdo, pode estar provavelmente relacionado presena do feixe de Probst; assim como a relativa prevalncia de conexes da regio frontal direita com a parietal esquerda em 3 pacientes pode refletir a presena do feixe Sigmide detectado pela ressonncia magntica. A avaliao neuropsicolgica apontou que indivduos com disgenesia do corpo caloso, em relao aos controles, apresentam um quociente de inteligncia esperado para a populao geral, ausncia de comprometimento de funes cognitivas em teste de rastreio, e um desempenho inferior da mo direita na avaliao da percepo ttil, o que possivelmente reflete um dficit da conectividade inter-hemisfrica mediada pelo corpo caloso.
Palavras-chave: disgenesia do corpo caloso, imagem do tensor de difuso, coerncia eletroencefalogrfica, avaliao neuropsicolgica, alteraes funcionais nos hemisfrios cerebrais.
ABSTRACT
In the present research, the neuroanatomical, neurophysiological and neuropsychological alterations in the dysgenesis of the corpus callosum were studied. For this reason, magnetic resonance, quantitative electroencephalography and neuropsychological methods were used. Five patients and 7 control subjects were examined. The neuroanatomical evaluation has revealed in different patients various types of morphological alterations of the corpus callosum such as its partial or total ausence or hipoplasia, and also the presence of aberrant bundles. The neurophysiological evaluation by means of electroencephalographic coherence in different frequency bands has detected in the patients a general trend to increase of the intra-hemispheric coherence connectivity and decrease of the interhemispheric one, except for the 3 patients with the genu of corpus callosum that demonstrated a relatively augmented interhemispheric coherence in the frontal areas. An increase in the intra-hemispheric connectivity as compared to control group may be related to the presence of the Probst bundle. It was more pronounced in the left hemisphere. It was also observed a relative prevalence of the coherence connectivity between the right frontal and contralateral left parietal areas in 3 patients with the corresponding Sigmoid bundle detected by the magnetic resonance. The neuropsychological evaluation has demonstrated that the patients with dysgenesis of the corpus callosum, as compared to the controls, have an intelligence quotient expected to the general population. They have not shown deficits in cognitive functions in a screening test. However, these patients showed a worse performance with the right hand in a tactile form perception test, which is probably related to a deficit in the interhemispheric connectivity mediated by the corpus callosum. Key Words: dysgenesis of the corpus callosum, diffusion tensor imaging, electroencephalographic coherence, neuropsychological evaluation, functional alterations in the cerebral hemispheres.
LISTA DE ABREVIATURAS
ACC Agenesia do Corpo Caloso
FA Anisotropia Fracional (Fractional Anisotropy)
BI ndice de Barthel (Barthel Index)
CC Corpo Caloso
CCA Conexes com Alta Coerncia
CChr Coeficiente de Coerncia (Coherence Coefficient)
DCC Disgenesia de Corpo Caloso
DTI Imagem do Tensor de Difuso (Diffusion Tensor Imaging)
EEG Eletroencefalograma
EEGq Eletroencefalografia Quantitativa
FC Feixe do Cngulo
FP Feixe de Probst
IE Inventrio de Edimburgo (Edinburgh Inventory)
QI Quociente de Inteligncia
RM Ressonncia Magntica
SNC Sistema Nervoso Central
TFP Teste de Percepo da Forma pelo Tato (Tactile Form Perception
Test)
TSI Teste para Comprometimento Cognitivo Grave (Test for Severe
Impairment)
WAIS III Escala Wechsler de Inteligncia para Adultos (Wechsler Adult
Intelligence Scale III)
WISC III Escala Wechsler de Inteligncia para Crianas (Wechsler
Intelligence Scale for Children III)
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Segmentao do Corpo Caloso segundo Witelson
22
Figura 2 Topografia do Corpo Caloso segundo Hofer e Frahm
23
Figura 3 Projees Calosas pela tcnica de DTI 23
Figura 4 Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao ntero-posterior
25
Figura 5 Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao dorso-ventral
25
Figura 6 Principais caractersticas anatmicas dos pacientes com DCC
32
Figura 7 Movimento randmico de molculas de gua no tempo e no espao
47
Figura 8 Mapas derivados da imagem do tensor de difuso
49
Figura 9 Espectro do EEG no domnio da frequncia 65
Figura 10 Sistema Internacional de colocao de eletrodos 10-20
72
Figura 11 Exemplo de gravao do EEG de um dos pacientes
73
Figura 12 Esquema topogrfico das derivaes EEG sujeitas anlise de coerncia
74
Figura 13 Exemplo de traados do EEG decompostos em oscilaes nas quatro faixas de frequncia
76
Figura 14 Imagens ponderadas em T1 no plano sagital dos pacientes
77
Figura 15 Mapa de anisotropia fracional na agenesia parcial
79
Figura 16 Mapa de anisotropia fracional na agenesia total 80
Figura 17 Reconstruo por fascigrafia dos feixes do Cngulo e Probst
81
Figura 18 Reconstruo por fascigrafia do remanescente caloso e do feixe Sigmide
81
Figura 19 Reconstruo do feixe Sigmide por fascigrafia em pacientes com agenesia parcial do corpo caloso
82
Figura 20 Mapas do crebro com conexes de coerncia com CCr 0,5 mdios para o grupo de 5 pacientes nas 5 faixas de freqncia
88
Figura 21 Mapas do crebro com conexes de coerncia com CCr 0,5 mdios para o grupo de 7 controles nas 5 faixas de freqncia
89
Figuras 22 - 26 Grficos para as 5 faixas de frequncia com coeficientes de coerncia entre todas as reas homlogas dos hemisfrios em pacientes e controles
98 - 101
Figura 27 - 31 Coeficientes de coerncia intra-hemisfrica de curta distncia entre derivaes vizinhas para as 5 faixas de frequncia
103 -105
Figuras 32 - 36 Coeficientes de coerncia longitudinal intra-hemisfrica alongada entre derivaes para as 5 faixas de frequncia
107 - 109
Figura 37 - 41 Mapas com conexes de coerncia com coeficientes 0,4, mdios no grupo de 5 pacientes para 5 faixas de frequncia
110- 112
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Principais achados de neuroimagem dos cinco
pacientes com disgenesia do corpo caloso
78
Tabela 2 Distribuio de frequncia da preferncia manual entre os grupos
85
Tabela 3 Distribuio dos escores dos participantes nos instrumentos de avaliao neuropsicolgica
86
Tabelas 4-8 Relaes entre as conexes de coerncia inter- e intra-hemisfricas das 25 conexes mais altas para cada paciente e controles nas 5 faixas de frequncia
90 - 93
SUMRIO
1. INTRODUO 13
1.1 JUSTIFICATIVAS 15
1.2 OBJETIVO GERAL 18
1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS 18
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAO 19
2. O CORPO CALOSO 21
2.1 FUNO DO CORPO CALOSO - CALOSOTOMIA E DISGENESIA DO CORPO CALOSO
28
2.2 ACHADOS DE NEUROIMAGEM NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
30
2.3 QUADRO CLNICO E NEUROPSICOLGICO NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
33
2.4 ACHADOS ELETROFISIOLGICOS NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
40
3. RESSONNCIA MAGNTICA 42
3.1 IMAGEM DO TENSOR DE DIFUSO E FASCIGRAFIA 45
4. NEUROPSICOLOGIA 50
4.1 INDEPENDNCIA FUNCIONAL 51
4.2 RASTREIO COGNITIVO 53
4.3 QUOCIENTE DE INTELIGNCIA 55
4.4 PREFERNCIA MANUAL 58
4.5 PERCEPO DA FORMA PELO TATO 59
5. ELETROENCEFALOGRAFIA 62
5.1 ELETROENCEFALOGRAFIA QUANTITATIVA 63
5.2 ANLISE DE COERNCIA 66
6. MATERIAIS E MTODOS 68
7. RESULTADOS 77
8. DISCUSSO 116
9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 126
10. ANEXOS 137
13
1. INTRODUO
Apesar do grande avano das pesquisas cientficas sobre o sistema
nervoso humano, alguns de seus aspectos morfolgicos e fisiolgicos ainda
so pouco conhecidos. O corpo caloso (CC), devido sua complexidade de
desenvolvimento estrutural e funcional assim como diversidade de alteraes
clnicas relacionadas sua malformao, tem exercido enorme fascnio como
objeto de estudo por mais de cem anos (Kamnasaran, 2005).
O termo disgenesia do corpo caloso (DCC) aplica-se a variveis graus
de malformao do CC, desde a sua ausncia at a mnima deficincia no seu
desenvolvimento (Kendal, 1983). Na presente pesquisa, este termo refere-se
agenesia total, agenesia parcial e hipoplasia do CC.
A DCC pode aparecer isoladamente ou estar associada a demais
malformaes do sistema nervoso central (SNC) ou somticas
(cardiovasculares, gastrointestinais, entre outras), sndromes genticas ou
metablicas, e quadros neuropsiquitricos (Paul et al., 2007). Estas
associaes determinam um amplo espectro de variaes no quadro clnico
(Lassonde et al., 2003).
A fim de que os resultados encontrados no pudessem ser atribudos a
outras anomalias que no a DCC, privilegiou-se compor a amostra desta
pesquisa por indivduos sem demais malformaes associadas.
Atravs dos mtodos de ressonncia magntica (RM),
eletroencefalografia quantitativa (EEGq) e de neuropsicologia, a presente
pesquisa descreve as alteraes morfolgicas, eletrofisiolgicas e
14
neuropsicolgicas na DCC em comparao aos achados nestes mesmos
mtodos em controles.
A RM um mtodo diagnstico de alta definio e preciso que
possibilita o estudo in vivo do sistema nervoso central humano em seu estado
normal e patolgico (Moll e Bramati, 2001). A tcnica complementar de RM,
Imagem do Tensor de Difuso Diffusion Tensor Imaging (DTI) foi utilizada na
avaliao dos principais feixes de substncia branca por intermdio da
quantificao da difuso da gua.
Utilizou-se a Eletroencefalografia Quantitativa (EEGq), que realiza o
processamento matemtico e estatstico do eletroencefalograma (EEG), na
anlise dos aspectos neurofuncionais na DCC.
O EEG um mtodo indicado e sensvel na avaliao do estado
funcional do crebro, por oferecer o registro direto e contnuo das flutuaes da
atividade eltrica do tecido nervoso. O aspecto mais importante do EEGq para
o estudo proposto a possibilidade de descrever as interconexes funcionais
entre diferentes reas do crebro, atravs de medidas de coerncia, j que o
papel fundamental das fibras calosas possibilitar a conectividade dos dois
hemisfrios.
Os aspectos cognitivos e comportamentais em pacientes com DCC
foram analisados atravs de instrumentos de mensurao neuropsicolgica
com enfoque principal nas seguintes reas: independncia funcional, quociente
de inteligncia, preferncia manual, percepo da forma pelo tato, e rastreio de
algumas funes cognitivas. Este tipo de avaliao sugerido sempre que se
suspeita que alguma alterao neurolgica possa estar causando prejuzos a
nvel cognitivo e comportamental (Costa et al., 2004).
15
O uso conjugado destes mtodos de fundamental importncia neste
estudo, j que pacientes com alteraes anatmicas semelhantes no corpo
caloso e sem demais alteraes associadas, exibem padres neurofisiolgicos
e neuropsicolgicos distintos, como ser exposto a seguir.
importante ressaltar que o presente trabalho fruto de colaborao
entre o laboratrio de Neurobiologia e Neurofisiologia Clnica do Instituto
Fernandes Figueira da Fundao Oswaldo Cruz, a Unidade de Morfometria
Cerebral e Neuroimagem Quantitativa do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino
da Rede LABS-D'Or, e do Laboratrio de Neuroplasticidade da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
1.1 JUSTIFICATIVAS
O quadro clnico na DCC no homogneo (Lassonde et al., 1995; Paul
et al., 2007) mesmo nas situaes nas quais uma malformao isolada
(Pisani et al., 2006). Quando acompanhado por outras anomalias, o espectro
de prognsticos torna-se ainda mais diferenciado. Na DCC podem coexistir,
portanto, desde casos assintomticos a quadros com comprometimento
cognitivo severo.
Desta forma, a DCC um tema de grande importncia nas pesquisas
cientficas na medida em que portadores desta condio podem apresentar
prejuzo cognitivo e social. Segundo Maciel (2006), a incapacidade fsica e
mental decorrentes de anomalias congnitas [como ocorre em alguns casos de
16
DCC], o sofrimento para o paciente e para a famlia, e os custos para a ateno
justificam a necessidade de pesquisas sobre tais temas.
A escassez de estudos em humanos que abordem e correlacionem os
as trs abordagens propostas (neuroanatmica, neurofisiolgica e
neuropsicolgica) nos mesmos pacientes, aumenta a relevncia deste trabalho.
Alm disso, na literatura os dados encontrados ou so extrados de amostras
nas quais existem comorbidades, ou apenas indivduos com agenesia do corpo
caloso (ACC) so considerados (Badaruddin et al., 2007; Moutard et al., 2003
Taylor e David, 1998).
Os dados epidemiolgicos sobre a distribuio da DCC na populao
so pouco precisos. Verifica-se na literatura uma grande variao do ndice de
prevalncia, conforme a populao estudada (Taylor e David, 1998). Alm
disto, o acesso mais freqente a tcnicas diagnsticas, como mtodo de
imagem pr-natal, tem modificado estas taxas ao longo do tempo (Moutard et
al., 2003), possibilitando o reconhecimento de freqncias mais altas das
malformaes congnitas do CC (Guitirrez, 2002).
Segundo Guitirrez (2002) em cada 1000 nascimentos so encontradas
de 1 a 3 crianas com disgenesia do corpo caloso. Em outro estudo, a taxa de
prevalncia estimada de disgenesia do CC de 0.3 a 0.7% na populao geral,
e de 2 a 3% na populao de indivduos com transtornos do desenvolvimento
(Chen, 2006). Em uma pesquisa epidemiolgica conduzida por Glass e
colaboradores (2008) na Califrnia, a prevalncia de DCC encontrada foi de 1.8
a cada 10000 nascimentos.
Os ndices de prevalncia so de fundamental importncia para a
implementao de polticas pblicas voltadas para os cuidados relativos s
17
doenas crnicas, como a DCC. Desta forma, tornam-se cada vez mais
necessrios estudos sobre as caractersticas clnicas, anatmicas e
neurofisiolgicas desta condio, a fim de auxiliar no reconhecimento de
portadores de DCC, contribuindo, assim, para prticas futuras de mapeamento
destes indivduos na populao e elaborao de dados epidemiolgicos.
Deve-se destacar tambm que no Brasil, a mortalidade infantil devido s
malformaes congnitas vem aumentando proporcionalmente sem que haja
um incremento de polticas pblicas a elas relacionadas (Horovitz et al., 2005).
No Brasil, houve uma reduo proporcional dos bitos por causas
infecciosas e respiratrias, e as malformaes congnitas passaram da quinta
para a segunda causa de mortalidade infantil entre 1980 e 2000, conforme
dados do Sistema de Informaes de Mortalidade do Ministrio da Sade
(Horovitz et al., 2005). Desta forma, estudos relacionados a malformaes
congnitas, como a DCC, e que possam contribuir para as prticas de
diagnstico, interveno precoce, atendimento e tratamento, tornam-se cada
vez mais necessrios em nosso pas.
A presente pesquisa poder contribuir futuramente para a difuso de
novas tecnologias de diagnstico, como o caso da eletroencefalografia
quantitativa; na medida em que o Instituto Fernandes Figueira centro de
referncia do Sistema nico de Sade na rea de sade materno-infantil.
O conhecimento gerado por pesquisas sobre a DCC, que quando
isolada tem prognstico favorvel em 85% dos casos (Gupta e Lilford, 1995),
tem tambm importncia em prticas futuras de aconselhamento gentico aos
pais, cujo filho, atravs de mtodo pr-natal, diagnosticado como sendo
18
portador desta malformao (Goodyear, 2001; Gupta e Lilford, 1995; Chadie et
al., 2008).
Ademais, a melhor definio das caractersticas anatmicas e funcionais
desses indivduos, e de suas capacidades neurocognitivas contribuem para a
antecipao de repertrios, que podem, ento, ser trabalhados antes de se
manifestarem. Desta forma, o conhecimento produzido pela presente pesquisa,
que pretende ir alm desta dissertao, poder produzir benefcios futuros na
assistncia aos pacientes atravs de prticas de atendimento e tratamento
mais direcionadas s suas necessidades, contribuindo para melhoria do quadro
clnico e, at mesmo para a elaborao de polticas pblicas direcionadas a
esta populao.
1.2 OBJETIVO GERAL
Avaliar as alteraes do corpo caloso e feixes anmalos em pacientes
com DCC por meio da ressonncia magntica, e revelar seus possveis
correlatos neurofisiolgicos e neuropsicolgicos atravs de tcnicas de
eletroencefalografia quantitativa e testes neuropsicolgicos.
1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS
19
Analisar o corpo caloso e feixes aberrantes em pacientes com DCC atravs da
tcnica de tensor de difuso e fascigrafia.
Analisar a funcionalidade das conexes inter e intra-hemisfricas por meio
das medidas de coerncia do eletroencefalograma nas diferentes faixas de
frequncias em pacientes com DCC, comparando-os ao grupo controle;
assim como buscar evidncias eletrofisiolgicas da funcionalidade de
feixes anmalos (Probst e Sigmide).
Comparar o desempenho dos pacientes com DCC ao grupo controle em
instrumentos de avaliao neuropsicolgica.
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAO
O desenvolvimento da presente dissertao foi dividido nos seguintes
captulos:
No captulo 1, so apresentadas idias a respeito do tema escolhido,
justificativas e objetivos.
No captulo 2, feita uma descrio sobre o corpo caloso, sua funo, e
os achados neuroanatmicos, neuropsicolgicos e neurofisiolgicos na
disgenesia do corpo caloso.
No captulo 3, o mtodo de ressonncia magntica apresentado ao
leitor.
20
No captulo 4, o mtodo de avaliao neuropsicolgica e seus
respectivos instrumentos so descritos.
No captulo 5, o mtodo de eletroencefalografia quantitativa
apresentado e detalhado.
No captulo 6, apresentado um resumo da metodologia utilizada.
No captulo 7, so apresentados os resultados relativos avaliao pela
neuroimagem, pela eletroencefalografia e pela neuropsicologia.
No captulo 8, os resultados obtidos nas trs abordagens so discutidos.
Tambm so apresentadas ao leitor as limitaes do estudo, as perspectivas
futuras assim como elaborada uma concluso geral dos achados.
Nos captulos 9 e 10 encontram-se as referncias e os anexos da
dissertao respectivamente.
21
2. O CORPO CALOSO
O corpo caloso a maior comissura cerebral, sendo composto por mais
de 300 milhes de fibras (Holfer e Frahm, 2006) que possibilitam a
transferncia de informaes e uma atuao harmnica dos hemisfrios
cerebrais (Minguetti et al., 2007).
Inicialmente descrito por Reil (1812), acredita-se que o surgimento
evolutivo do CC tenha permitido a transferncia de informaes entre as
regies homlogas dos hemisfrios cerebrais de forma mais rpida e eficaz
(Tovar-Moll, 2007).
A idia inicial do funcionamento do CC enquanto uma unidade foi
substituda pela concepo de que esta comissura composta por diferentes
sees que fazem o processamento de informaes variadas (Banich, 1995). A
segmentao topogrfica das funes do CC pode ser comprovada atravs de
estudos sobre seo parcial ou leses adquiridas do CC, como isquemia focal,
traumas ou neoplasias, que permitiram o estudo da funo de segmentos
especficos dessa estrutura (Risse et al., 1989, Corballis et al., 2001).
Witelson (1995) props o seguinte modelo de diviso topogrfica do CC
(Figura 1): o tero anterior possibilita a conexo das reas pr-frontais, pr-
motoras e motoras suplementares; o corpo anterior composto por fibras que
conectam o crtex motor; o corpo posterior do CC est relacionado s regies
do crtex somestsico e parietal posterior; e as regies do tero posterior do
CC, que incluem o istmo e o esplnio, realizam a conexo das reas corticais
parietais, temporais e occipitais.
22
Figura 1: Segmentao do corpo caloso segundo o Modelo de Witelson (1995) regio (I) tero anterior: crtex prefrontal, premotor e motor suplementar; regio (II) corpo anterior: motor; regio (III) corpo posterior: crtex somestsico e parietal posterior; regio (IV) istmo: parietal posterior, temporal superior; regio (V) esplnio: occipital e temporal inferior. (Adaptado de Hofer e Frahm, 2006).
Mais recentemente, Hofer e Frahm (2006) descreveram a anatomia e a
trajetria das fibras calosas estudadas em humanos in vivo por DTI, e
compararam seus resultados com dados at ento baseados em primatas no-
humanos.
Este novo modelo (Hofer e Frahm, 2006) de segmentao topogrfica
das fibras calosas (Figuras 2 e 3) apresenta diferena em relao ao modelo
de Witelson principalmente no tero anterior do CC e no corpo mdio. O tero
anterior (regio I) encontra-se diminudo, enquanto que o corpo anterior (regio
II) aparece aumentado. Alm disto, conforme descrito por Holfer e Frahm
(2006), as fibras motoras realizam o cruzamento na segunda metade do CC,
regio posterior a indicada por Witelson (1995).
23
Figura 2: Topografia do corpo caloso segundo Hofer e Frahm (2006)- regio I crtex pr-frontal; regio II: crtex pr-motor e motor suplementar; regio III: crtex motor primrio; regio IV: crtex sensorial primrio; regio V: tmporo-parietal e occipital. (Adaptado de Hofer e Frahm, 2006).
Figura 3: Projees calosas atravs de tcnica de DTI: lobo pr-frontal (verde); reas motoras suplementares e pr-motora (azul claro); crtex motor primrio (azul escuro); crtex sensitivo primrio (vermelho); lobo parietal (laranja); lobo occipital (amarelo); lobo temporal (violeta). (Retirada de Hofer e Frahm, 2006).
importante destacar que o CC no formado integralmente ao mesmo
tempo. Existe uma forma ordenada de desenvolvimento dos seus segmentos.
Esta comissura comea a se formar em humanos ao redor da 12a semana de
gestao, neste momento possvel perceber fibras calosas na poro
24
anterior, o joelho. Posteriormente formado o corpo, seguido do esplnio, que
se forma ao redor da 18a semana. O rostro, anterior ao joelho, o ltimo
segmento a se desenvolver, entre a 18a e 20a semana de gestao (Lassonde
et al., 2003).
Desta forma, o desenvolvimento do CC se inicia em torno da 12
semana de gestao, e ao redor da 18 - 20 semana de vida intra-uterina, ele
encontra-se completamente formado (Rakic e Yakovlev, 1968). Durante este
perodo, o crebro tambm est se desenvolvendo como um todo. Isto explica
o fato de anomalias no corpo caloso estarem frequentemente associadas a
outras malformaes congnitas, como: Chiari tipo II, sndrome de Dandy
Walker, cistos inter-hemisfricos, encefaloceles, entre outras (Abreu et al.,
2005).
A topografia das fibras calosas obedece a um gradiente tanto ntero-
posterior (Rakic e Yakovlev, 1968) como dorso-ventral (Kier e Truwit, 1996;
1997). Estudos mais recentes de DTI com fascigrafia, uma tcnica que
possibilita a reconstruo de feixes de substncia branca, so capazes de
demonstrar o padro topogrfico do CC (Tovar-Moll, 2007). Assim, por
exemplo, a organizao das fibras no sentido ntero-posterior pode ser
percebida atravs das conexes das regies pr-frontais pelo joelho, as
parietais atravs do corpo, e as occipitais pelo esplnio (Figura 4). Da mesma
maneira, a orientao dorso-ventral, demonstrada pelas fibras mediais
corticais que cruzam dorsalmente dentro do CC, enquanto axnios mais
laterais ocupam os setores ventrais do CC (Figura 5).
25
Figura 4: Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao ntero-posterior. (Adaptado de Tovar-Moll, 2007).
Figura 5: Reconstruo das fibras calosas atravs de fascigrafia demonstrando a organizao dorso-ventral. (Adaptado de Tovar-Moll, 2007).
O desenvolvimento do CC envolve diversas etapas: correta delineao
da linha mdia, formao dos hemisfrios cerebrais, nascimento e
especificao dos neurnios comissurais, e orientao dos axnios desde a
linha mdia at seu alvo final no hemisfrio contralateral (Paul et al., 2007).
Existem mltiplos fatores envolvidos na malformao do corpo caloso:
fatores genticos, desnutrio, infeces virais intra-uterinas, erros inatos do
26
metabolismo, uso abusivo de drogas ou lcool pela me. Pesquisas sugerem
que 30% a 45% dos casos de agenesia do corpo caloso possuem causas
identificveis (Paul et al., 2007). Aproximadamente 10% apresentam anomalias
cromossmicas, e os restantes 20 35 % so devido a sndromes genticas
conhecidas (Bedeschi et al., 2006). Fatores ambientais podem contribuir para
agenesia do corpo caloso, estes, porm, so menos conhecidos que os
genticos.
Dependendo do momento de desenvolvimento, os insultos podem levar
a diferentes tipos de malformaes no CC. Desta forma, algum prejuzo entre a
7 e 12 semana de gestao pode resultar em agenesia total, caso ocorra
entre a 12 e 20 semana, provavelmente no impedir o desenvolvimento do
joelho, mas poder resultar na ausncia de outras partes do CC, determinando
formas diferentes de DCC (Lassonde et al., 2003).
O corpo caloso est entre as ltimas estruturas cerebrais a completar
sua maturao ps-natal, o seu crescimento ocorre at o incio da fase jovem
adulto. Acredita-se que isto est relacionado mielinizao que ocorre durante
a adolescncia, que tem fundamental importncia para a propagao do
impulso nervoso pelo neurnio, e, conseqentemente, para o desenvolvimento
motor e cognitivo normais. H tambm a hiptese de que o crescimento do
corpo caloso at o incio da idade adulta ocorre devido ao aumento do dimetro
das fibras axnicas relativo idade (Keshavan et al., 2002).
Existem discusses acerca da natureza das conexes calosas, pois
existem alguns estudos que apontam que elas so excitatrias, integrando as
informaes; e outros que demonstram que elas so inibitrias, possibilitando
27
cada hemisfrio inibir um ao outro para que sejam maximizadas as funes
independentes de cada um (Bloom e Hynd, 2005).
Diante da complexidade do funcionamento neural, h a hiptese de que
as fibras calosas possibilitam conexes ora excitatrias, ora inibitrias e em
alguns momentos ambos os tipos, dependendo da tarefa a ser executada
(Bloom e Hynd, 2005).
Em seres humanos, as fibras calosas conectam regies homlogas do
hemisfrio contralateral; em casos de malformaes congnitas do CC,
entretanto, feixes anmalos j foram descritos apresentando um padro de
conectividade diferenciado do esperado nas condies normais (Probst, 1901
apud Springer e Deutsch, 2008; Tovar-Moll et al., 2006).
O sistema nervoso apresenta a capacidade de reorganizao estrutural
e funcional em resposta s condies ambientais, conhecida como
neuroplasticidade (Lent, 2001). O grau das alteraes plsticas assim como as
condies que as induzem so bastante diversificadas. Estas ltimas, por
exemplo, podem variar de leses traumticas ou congnitas a processos de
aprendizagem e memorizao, entre outros.
Nas anomalias do corpo caloso, a neuroplasticidade se manifesta, por
exemplo, pelo feixe de Probst (FP) (Probst, 1901 apud Springer e Deutsch,
2008), formado por fibras calosas no decussadas que passam paralelamente
fissura inter-hemisfrica na parede medial do ventrculo lateral, so mais
espessas anteriormente e reduzem-se no sentido posterior (Montadon et
al.,2003). Este feixe mantm organizao topogrfica, embora ipsilateral, como
as fibras do CC o fazem inter-hemisfericamente (Tovar-Moll, 2007). Mais
recentemente uma nova evidncia desta capacidade plstica do sistema
28
nervoso foi descoberta: o feixe Sigmide (Tovar-Moll, 2007), que conecta a
regio frontal regio parieto-occipital contralateral.
Desta forma, em casos nos quais os neurnios so impedidos de cruzar
a linha mdia a fim de atingir seus alvos nos hemisfrio contralateral, h uma
reorganizao dos mesmos e formao de feixes anmalos, como os feixes de
Probst e Sigmide.
2.1 FUNO DO CORPO CALOSO CALOSOTOMIA E DISGENESIA DO
CORPO CALOSO
Dentre os estudos realizados para verificar a funo das fibras calosas,
a grande maioria foi desenvolvido ao se acompanhar e analisar pacientes
submetidos calosotomia cirrgica como tratamento para epilepsia refratria
ao tratamento farmacolgico. Sperry e seus colaboradores observaram que
estes pacientes, conhecidos como split-brains, desenvolviam uma sndrome de
desconexo inter-hemisfrica no ps-operatrio (Sperry 1970 apud Tovar-Moll,
2007; Gazzaniga, 1995, 2005).
Esta sndrome caracterizada pelo comprometimento da transferncia
de informaes pela via inter-hemisfrica, gerando prejuzo, por exemplo, na
integrao de informaes sensitivas que so apresentadas individualmente a
um dos hemisfrios (Sperry, 1970 apud Tovar-Moll, 2007 apud Tovar-Moll,
2007; Gazzaniga, 1995, Paul et al., 2007).
29
Desta forma, ao ser projetada uma imagem no hemicampo visual direito
- ou seja, para o hemisfrio esquerdo - os pacientes calosotomizados
conseguiam descrever o que viam. Entretanto, quando a mesma imagem era
apresentada ao hemicampo visual esquerdo, os pacientes afirmavam no ver
coisa alguma. Quando foi pedido, porm, que eles apontassem com a mo
esquerda um objeto similar ao projetado, eles conseguiram faz-lo sem
problemas. Desta forma, o hemisfrio direito v a imagem e, apesar de poder
mobilizar uma resposta no-verbal, indicando que tambm possui
compreenso, incapaz de falar sobre o que v.
Kamnasaran (2005) descreveu alguns sintomas caractersticos da
sndrome de desconexo inter-hemisfrica: apraxia unilateral, ou seja,
incapacidade de resposta a comando verbal utilizando a mo esquerda; agrafia
unilateral com a mo esquerda; anosmia verbal com a narina direita, a
informao verbal percebida superiormente direita; hemianopsia dupla, que
a incapacidade de identificar estmulos visuais apresentados aos
hemicampos esquerdo ou direto com a mo contralateral; apraxia de
construo unilateral; anomia unilateral, ou seja, comprometimento na
identificao de objetos palpados pela mo esquerda; e mo aliengena,
caracterizada pela ausncia de coordenao dos movimentos das mos.
Tambm foram descritas perda de memria em um grau moderado e alexitimia.
As descobertas geradas pelo estudo com estes pacientes assim como
os achados de Paul Broca (1861) e Carl Wernicke (1874) tiveram grande
contribuio na compreenso das assimetrias cerebrais, as quais refletem
especializao e no dominncia, j que ambos hemisfrios tm que estar
integrados para um bom desempenho das funes.
30
Mais recentemente tem se destacado outra populao para o estudo do
corpo caloso e da conectividade inter-hemisfrica: os indivduos que
apresentam alteraes congnitas no CC, ou seja, portadores de DCC.
De maneira geral, pacientes com agenesia do corpo caloso possuem
uma integrao inter-hemisfrica melhor que indivduos submetidos seco
do corpo caloso, porm inferior a indivduos sem alteraes neurolgicas
(Brown et al., 1999, Chiarello, 1980). Por outro lado, existem tambm
indivduos com DCC que so assintomticos ou que apresentam dficits
cognitivos sutis, que s so revelados atravs de uma avaliao mais
complexa (Lassonde et al., 1995).
De acordo com os dados encontrados na literatura, as funes do corpo
caloso esto principalmente relacionadas transferncia de informao
sensorial complexa, coordenao motora bimanual, resoluo de problemas
novos e complexos, uso pragmtico da linguagem e compreenso de
comportamento psicossocial (Brown et al., 1999; Paul et al., 2007).
2.2 ACHADOS DE NEUROIMAGEM NA DISGENESIA DO CORPO CALOSO
Os mtodos de imagem (ressonncia magntica e tomografia
computadorizada) podem classificar os tipos de DCC em: a agenesia total, em
que o corpo caloso est completamente ausente; agenesia parcial ou
hipogenesia, na qual o corpo caloso apresenta graus variados de encurtamento
(normalmente esplnio, ou corpo e o esplnio esto ausentes); e hipoplasia,
31
onde o corpo caloso completamente formado, porm apresenta reduo em
seu tamanho, podendo ser focal ou difusa (Montadon et al., 2003; Jinkins et al.,
1989; Utsunomiya et al., 1997) (Figura 6 A-C).
Um aspecto peculiar da DCC a presena dos feixes de Probst. Estes
feixes so formados por fibras presumivelmente comissurais que no
conseguiram cruzar a linha mdia e estabeleceram-se ipsilateralmente
assumindo disposio longitudinal paralela aos ventrculos laterais em cada
hemisfrio cerebral (Tovar-Moll, 2007) (Figura 6 D).
Os achados de imagem variam de acordo com o grau de acometimento
do CC. Segundo Abreu e colaboradores (2005), as caractersticas mais
comuns demonstradas pela tomografia computadorizada e pela ressonncia
magntica na disgenesia do corpo caloso so:
* aspecto em garfo dos cornos frontais dos ventrculos laterais, devido
localizao do FP paralelamente ao cngulo, determinam a
invaginao das bordas mediais dos ventrculos laterais, conferindo-lhes
este aspecto em garfo, especialmente anteriormente;
* paralelismo dos ventrculos laterais (Figura 6 D);
* colpocefalia, pois a ausncia das fibras calosas, em particular do
esplnio, leva a alterao das dimenses dos cornos posteriores, que se
dilatam;
* elevao do III ventrculo.
A imagem por RM possibilita ainda demonstrar outros achados mais
especficos, como:
32
* everso do giro do cngulo, devido ausncia de fibras calosas que
normalmente cruzam a linha mdia e possibilitam o seu processo de inverso
(Figura 6 E);
* extenso do III ventrculo para a fissura inter-hemisfrica;
* inverso incompleta da formao hipocampal nos lobos temporais
mediais.
Devido ao gradiente crnio-caudal de formao do CC, em casos de
disgenesia parcial, o remanescente do CC geralmente ocupa a topografia do
joelho ou do joelho e do corpo (Tovar-Moll, 2007).
Figura 6 A-E: Imagens de ressonncia magntica (RM) ponderada em T1 no plano sagital de pacientes com agenesia do corpo caloso (CC) (A), disgenesia parcial do CC (B) e hipoplasia do CC (C); D. Imagem de RM ponderada em T1 no plano axial de paciente com disgenesia parcial do CC. Note o paralelismo dos ventrculos laterais e presena do feixe de Probst paralelo ao feixe do cngulo. E. Imagem de RM ponderada em T2 no plano coronal de paciente com disgenesia parcial do CC. Note o crtex do cngulo evertido, o feixe de Probst e o feixe do cngulo evidentes neste plano. (Retirada de Tovar-Moll, 2007).
33
2.3 QUADRO CLNICO E NEUROPSICOLGICO NA DISGENESIA DO
CORPO CALOSO
Devido associao da DCC a sndromes genticas, metablicas, e
demais alteraes no sistema nervoso e somticas (Pisani et al., 2006; Sztriha,
2005), o quadro clnico e neuropsicolgico desta condio marcado por uma
grande variabilidade (Lassonde et al., 2003; Paul et al., 2007).
A DCC pode ser acompanhada por outras malformaes do sistema
nervoso ou por alteraes somticas com uma taxa de frequncia que varia de
44 - 85% (Parrish et al., 1979; Pisani et al., 2006). Dentre estas anomalias,
destacam-se: cisto de Dandy Walker, cisto inter-hemisfrico, hidrocefalia,
lipoma da linha mdia, malformao de Arnold-Chiari, encefalocele de linha
mdia, prosencefalia, holoprosencefalia, hipertelorismo e fenda mediana,
polimicrogiria, heteretopia de substncia cinzenta, e alteraes
cardiovasculares, gnito-urinrias e gastrointestinais (Kuker et al., 2003). A
disgenesia do corpo caloso tambm pode estar associada a mais de 50
sndromes genticas e metablicas (Richards et al., 2004).
importante notar que nas situaes de agenesia do corpo caloso
isolada, o prognstico favorvel em 85% dos casos, enquanto que a
associao a outras alteraes cerebrais ou orgnicas gera comprometimento
clnico em 56% dos casos (Gupta e Lilford, 1995). Em um trabalho conduzido
por Chadie e colaboradores (2008) em uma populao com ACC isolada
diagnosticada durante a fase pr-natal, o prognstico neurocognitivo foi bom
em 80% dos casos; destes, 55% apresentaram um desenvolvimento normal e
34
25%, um grau moderado de comprometimento. Em contrapartida, dados de
uma pesquisa com perodo de acompanhamento relativamente longo (24
meses-16 anos), demonstraram que todos os pacientes com alteraes
associadas ACC apresentaram retardo mental, atraso psicomotor, epilepsia
(Pisani et al., 2006).
Os dados relativos aos impactos clnicos dos tipos de agenesia no so
homogneos. Assim, h estudos que apontam que ausncia total do corpo caloso
produz maiores prejuzos (Goodyear et al., 2001), e outros afirmam no haver
diferenas no prognstico clnico nestas duas situaes (Moutard et al., 2003; Moes et
al., 2009). Uma das causas de tal controvrsia pode estar relacionada escolha da
populao de estudo no que diz respeito, por exemplo, as demais alteraes
associadas.
Da mesma maneira, no h um consenso sobre a prevalncia de DCC entre os
sexos. Algumas pesquisas com indivduos com malformaes no CC apontam para
uma maior prevalncia em indivduos do sexo masculino que feminino (Goodyear et al.,
2001; Michael e Shevell, 2002; Moutard et al., 2003), e outras pesquisas que no
demonstram esta diferena (Glass et al., 2009).
importante tambm ressaltar que a maior parte dos estudos
encontrados na literatura voltada para casos de ACC parcial ou total. Existem
poucos dados disponveis acerca da hipoplasia do CC, e no h estudos
publicados sobre o prognstico clnico nesta situao (Chadie et al., 2008).
A ausncia de sintomas na DCC sem demais malformaes associadas
uma condio rara, pois quase todos os pacientes apresentam no mnimo
problemas comportamentais e cognitivos leves, comprometimento da
comunicao social, dficits na conectividade inter-hemisfrica (Moutard et al.,
35
2003; Paul et al., 2007, Moes et al., 2009), que muitas vezes so revelados
com o passar da idade (Moutard et al., 2003), ou quando expostos a avaliaes
mais complexas (Paul et al., 2007; Lassonde et al., 1995). Desta forma, mesmo
que alguns indivduos com agenesia do CC isolada sejam assintomticos
(Pisani et al., 2006), a idia de ausncia total de sintomas vem se modificando
diante de avaliaes mais sensveis aos dficits decorrentes da DCC
(Lassonde et al., 1995; Brown e Paul, 2000; Moes et al., 2009).
Os ndices de quociente de inteligncia, que avaliam o funcionamento
intelectual, demonstram que indivduos com DCC apresentam QI dentro dos
padres esperados para a populao geral (Moutard et al., 2003; Brown e Paul,
1980; Chiarello, 1980), porm o desempenho geralmente encontra-se na faixa
mais baixa do padro considerado normal (Sauerwein e Lassonde, 1994). Em
algumas pesquisas (Chadie et al., 2008; Brown e Paul, 2000; Sauerwein e
Lassonde, 1994) foram encontradas diferenas entre o QI Verbal e QI de
Execuo nos pacientes com DCC, porm no h evidncias cientficas que
justifiquem a diferena entre os tipos de QI, ou a supremacia de um sobre o
outro (Sauerwein e Lassonde, 1994).
J foi demonstrado que indivduos com ACC primria, ou seja, sem
demais alteraes associadas e com QI 80 (Paul et al., 2007), podem
apresentar prejuzo no raciocnio abstrato, na resoluo de problemas e na
capacidade de generalizao (Paul et al., 2007), alm de dficit de ateno
(Moutard et al., 2003; Badarruddin et al., 2007; Paul et al., 2007).
A funo cognitiva mais estuda em acalosos a linguagem. Seu
processamento ocorre em regies especficas do crebro, desta forma, uma
36
comunicao eficiente exige integridade funcional e comunicao dos dois
hemisfrios (Alvarez et al., 2008).
Nesse sentido, alguns pacientes com ACC primria apresentam
comprometimento na expresso e descrio de contedos emocionais (Buchanan et
al., 1980; Paul et al., 2007). Este quadro, caracterizado como alexitimia (Buchanan et
al., 1980), tambm muito comum nos indivduos submetidos a calosotomia
(Kamnasaran, 2005), pode ocorrer devido a falha de comunicao entre os
hemisfrios, j que o lado esquerdo especializado em aspectos sintticos e
semnticos da lngua enquanto que a prosdia, que confere carter emocional fala,
atravs dos gestos, expresses faciais, mudanas de tons de voz (Lent, 2001), de
responsabilidade do hemisfrio direito (Friederici e Alter, 2004). Desta forma, na ACC
pode haver uma falha na integrao dos aspectos semnticos e prosdicos da
linguagem.
Este comprometimento do aspecto afetivo e subjetivo da linguagem causa
prejuzos em seu uso social, ou seja, em seu nvel pragmtico, que possibilita a
compreenso no literal da linguagem, com metforas, ironias, duplo sentido,
informaes no verbais, e a inteno do outro (Paul et al., 2007). Em uma pesquisa
realizada por O Brien (1994) em uma populao de indivduos com agenesia
do corpo caloso com diversos graus de comprometimento, foi encontrada
ausncia de comunicao social em 61.5% dos participantes, e 16% da
amostra foi caracterizada como socialmente indiferente. Badaruddin e
colaboradores (2007) igualmente reportam a dificuldade destes indivduos no
estabelecimento de relaes sociais e na comunicao com o outro.
Dentre as manifestaes clnicas da DCC, existem alguns sintomas que
so pertencentes a quadros neurolgicos e psiquitricos. Mtodos
37
diagnsticos, entretanto, podem revelar que os sinais clnicos apresentados por
acalosos so produtos de dficits na conectividade crtico-cortical (Paul et al.,
2007).
importante ressaltar, contudo, que dficits morfolgicos do corpo
caloso podem ser encontrados em indivduos com transtornos psiquitricos e
do desenvolvimento, como por exemplo, na esquizofrenia, autismo, retardo
mental, sndrome de Down, dficit de ateno e hiperatividade (Bloom, 2005).
Desordens neuropsiquitricas como dislexia, autismo e stress ps-traumtico
tambm esto associadas a mudanas do CC (Keshavan et al., 2002).
Em uma pesquisa conduzida por Raine e colaboradores (2003) foi
verificado, atravs da ressonncia magntica, que pacientes com transtorno
anti-social, apresentam alteraes morfolgicas no CC e um aumento tambm
estatisticamente significativo da conectividade funcional inter-hemisfrica . Da
mesma maneira, foi observada diminuio no CC de pacientes esquizofrnicos
(Keshavan et al., 2002).
tambm relevante notar que os indivduos que tiveram o corpo caloso
seccionado desde cedo e crianas com agenesia demonstram poucas
evidncias de desconexo inter-hemisfrica, enquanto que adolescentes e
adultos com CC seccionado cirurgicamente apresentam sintomas relacionados
a dficits de transferncia entre os hemisfrios (Lassonde et al., 1991). Este
achado sugere que a capacidade adaptativa do sistema nervoso maior em
crianas, e que a interveno cirrgica gera maiores prejuzos organizao
funcional do crebro do que alteraes congnitas do CC (Guiterrz, 2002).
Entretanto, em situaes nas quais testes requerem transferncia ou
integrao de processos cognitivos complexos, processamento mais rpido e
38
que no so influenciados por experincias prvias, o desempenho de
indivduos com agenesia congnita inferior ao de controles (Brown et al.,
1999, Lassonde et al., 1995). Isto sugere que um dos papis do corpo caloso
parece estar relacionado transferncia de informaes novas, mais rpidas e
complexas (Paul et al., 2007).
Em atividades simples e cujas caractersticas dos estmulos so
familiares, o desempenho de indivduos com agenesia total ou parcial do CC
semelhante ao de controles. Isto ocorre, por exemplo, na avaliao do efeito de
interferncia de Stroop (Brown et al., 2001), que se d atravs da mensurao
do tempo de reao na identificao de uma caracterstica de um estmulo
quando h uma tendncia para caracteriz-lo de outra forma. Isto ocorre no
caso de maior lentido na resposta quando se deve nomear uma cor
apresentada a um campo visual, quando outra cor diferente simultaneamente
apresentada ao outro campo visual.
Neste caso, a integrao normal das informaes inter-hemisfricas
sugere que mecanismos de neuroplasticidade podem compensar a ausncia
do CC (Kamnasaram, 2005). Nesse contexto, alguns pesquisadores acreditam
que a comissura anterior pode cumprir este papel na ausncia do CC (Fischer
et al., 1992; Brown et al., 2001 Paul et al., 2007).
Em uma pesquisa conduzida por Fischer e colaboradores (1992) com
pacientes acalosos com inteligncia normal foi demonstrado que, em testes
taquitoscpicos, h maior lentido na nomeao de objetos apresentados ao
campo visual esquerdo, o que no compatvel ao encontrado em indivduos
da mesma faixa etria e nvel scio-econmico.
39
Da mesma maneira, dificuldades na execuo de tarefas que exigem
coordenao bimanual de maneira rpida e acurada (Jeeves et al., 1988), e
maior lentido na resposta a situaes sociais novas e complexas (Brown e
Paul, 2000) em indivduos com DCC e inteligncia normal so indicadores da
limitao da conectividade entres os hemisfrios na ausncia do corpo caloso.
As informaes a respeito do quadro clnico na DCC encontradas na
literatura no so uniformes. Alm dos vieses que podem ser gerados na
escolha dos participantes ao se colocar, por exemplo, em uma mesma amostra
indivduos com diferentes tipos alteraes no SNC, outros fatores tm
comprometido a elaborao de um quadro cognitivo e comportamental mais
preciso, como: a existncia de estudos predominantemente retrospectivos ou
com um perodo de follow up curto, pois as alteraes cognitivas variam com a
idade e necessitam de acompanhamento por tempo mais prolongado para que
se tenha a real estimativa do prognstico destes pacientes; descrio pobre
dos instrumentos de avaliao utilizados, entre outros (Moutard et al., 2003).
Cabe lembrar tambm que mesmo no quadro de DCC isolada, as
alteraes anatmicas que o acompanham, como a colpocefalia, encontrada
em 40% (Montadon et al., 2003), e tambm a presena de feixes anmalos
indicadores de neuroplasticidade, como o caso do feixe de Probst e do feixe
Sigmide, podem gerar alguma alterao a nvel comportamental (Paul et al.,
2007) e cognitivo, j que at ento no se conhece a funo destas fibras
aberrantes e suas implicaes clnicas.
40
2.4 ACHADOS ELETROFISIOLGICOS NA DISGENESIA DO CORPO
CALOSO
De maneira geral, o eletroencefalograma (EEG) convencional apresenta-
se quase sem alteraes em indivduos com DCC, provavelmente porque a
organizao rtmica do EEG na maior parte mediada por outras estruturas
que no o corpo caloso (Jeret et al., 1987), como o tlamo, um dos principais
responsveis pela gerao dos ritmos cerebrais, particularmente os mais
rpidos (Duffy et al., 1998). Alm disto, o desenvolvimento de mecanismos
compensatrios funcionais tambm pode evitar a possvel manifestao de
sinais de patologia do corpo caloso no EEG convencional.
Em uma pesquisa conduzida por Moutard e colaboradores (2003) com
17 indivduos portadores de ACC isolada, o traado eletrofisiolgico mostrou-se
alterado em 5 pacientes. Em 3 deles (17%), um assincronismo inter-
hemisfrico persistiu aps um ano de idade. O exame de uma criana revelou
ondas delta posteriormente mesmo em estado de viglia; e o EEG de outro
participante revelou spikes isolados sem uma localizao especfica. Em outro
estudo com 9 participantes com ACC, apenas 1 deles apresentou assimetria
inter-hemisfrica (Pisani et al., 2006).
Com relao s medidas de coerncia inter-hemisfrica, as pesquisas
demonstraram que estas encontram-se diminudas em recm-nascidos (Kuks
et al., 1987), em crianas e em adultos acalosos quando comparados a
controles (Koeda et al., 1995). Alm disto, a coerncia intra-hemisfrica no
hemisfrio direito mostrou-se menor que nos controles na faixa de freqncia
41
beta. Os autores interpretaram esta assimetria pelos provveis mecanismos
compensatrios relacionados s funes da linguagem atravs da plasticidade
do crebro de indivduos acalosos durante desenvolvimento (Koeda et al.,
1995). Em outra pesquisa com pacientes sem o corpo caloso, a diminuio de
coerncia inter-hemisfrica foi confirmada durante o batimento dos dedos
(finger tapping), com excluso da coerncia entre reas temporais dos
hemisfrios, que foi aumentada (Knyazeva et al., 1997). Neste mesmo trabalho
tambm foi revelado o aumento da coerncia intra-hemisfrica nas linhas
sagitais e diminuio deste tipo de coerncia nas reas temporais. Os autores
sugerem que o aumento da coerncia sagital pode estar relacionado ao feixe
de Probst, apesar de no terem as confirmaes da neuroimagem.
Os estudos durante o sono tambm apontam a diminuio de medidas
de coerncia inter-hemisfrica em indivduos acalosos (Nielsen et al., 1993). Os
autores revelaram menor prejuzo nas regies posteriores, e relacionaram este
achado influncia da comissura posterior. Eles no conseguiram detectar as
diferenas dos controles nas conexes longitudinais (que foram medidas
somente para os eletrodos adjacentes), e atriburam este fato ausncia de
mecanismos compensatrios intra-hemisfricos.
Uma das questes mais importantes em pesquisas de DCC a relao
entre os mecanismos compensatrios estruturais e funcionais que se
desenvolvem na ontognese. Por isso, a utilizao conjunta dos mtodos de
neuroimagem, neurofisiologia e neuropsicologia parece particularmente
promissora no trabalho proposto.
42
3. RESSONNCIA MAGNTICA
A ressonncia magntica (RM) um mtodo diagnstico de alta
definio e preciso que possibilita o estudo in vivo do sistema nervoso
humano em seu estado normal e patolgico (Moll e Bramati, 2001). A RM
capaz de realizar o diagnstico acurado das diversas afeces do corpo caloso
(Montadon et al., 2003), j que permite estudar com detalhes suas vrias
partes e demais alteraes enceflicas associadas (Abreu et al., 2005).
Este mtodo apresenta vantagens de no utilizar radiao ionizante e
apresentar uma alta resoluo espacial. As formas mais leves de disgenesia do
corpo caloso so difceis de serem caracterizadas pela tomografia
computadorizada, ao passo que a RM capaz de explorar com clareza todo o
espectro de ms-formaes (Barkovich, 1990 apud Abreu et al., 2005).
Diversas pesquisas utilizam este mtodo no estudo das alteraes do CC
(Tovar-Moll et al., 2007; Wahl et al., 2009; Montadon et al., 2003).
O princpio fundamental da RM se baseia nas propriedades magnticas
do ncleo atmico. Alguns ncleos apresentam movimento em volta do seu
prprio eixo, denominado spin. Devido carga eltrica desses ncleos
atmicos, este movimento gera um pequeno campo magntico na direo do
seu eixo de rotao. a partir deste momento magntico que se fundamenta o
fenmeno de RM.
Os tomos com spin apresentam distribuio de carga com simetria
esfrica e as propriedades de dipolos magnticos. Isto os torna bastante
interessantes para o fenmeno de ressonncia magntica (Paiva, 2004).
43
Dentre as partculas atmicas com estas propriedades, o hidrognio, devido a
sua abundncia natural no corpo humano, constitui a principal fonte de sinal em
RM.
Ao receberem ondas eletromagnticas, estes tomos absorvem esta
energia e a devolvem ao meio tambm em forma de rdio freqncia,
possibilitando a formao das imagens.
Na ausncia de um campo magntico, os momentos angulares dos
tomos de hidrognio esto distribudos aleatoriamente, apontando para todas
as direes de maneira que o vetor resultante que representa a soma de todos
estes movimentos nulo.
Entretanto, quando submetidos a um campo magntico B0, estes
momentos magnticos se alinham em sua direo. Uma parcela dos ncleos
se alinha no mesmo sentido do campo magntico principal, enquanto a outra
se alinha no sentido oposto.
Os ncleos que esto alinhados, quando em equilbrio trmico, no
mesmo sentido e no sentido oposto do campo magntico esto,
respectivamente, em estados de mais baixa e mais alta energia.
Desta forma, a soma vetorial de todos os spins j no mais zero. Neste
caso, passa a existir uma magnetizao longitudinal na direo do campo
externo B0, resultante dos ncleos que no foram cancelados pelo vetor anti-
paralelo.
Estes spins que compe o vetor resultante fazem um movimento
secundrio em torno de B0, denominado precesso. Este movimento de
precesso ocorre com uma freqncia determinada, a freqncia de Larmor L,
44
que proporcional ao B0 e constante giromagntica de cada ncleo ( L=-
B0), isto , cada ncleo tem uma L caracterstica.
importante ressaltar que estes spins resultantes que precessionam na
direo de B0 e que possibilitaro a formao de imagens, constituem uma
parcela mnima do total.
Embora se tenha uma magnetizao diferente de zero, esta no
suficiente para levar formao de imagens; para isso, em um segundo
momento, a magnetizao dos spins resultantes (componente longitudinal de
magnetizao), deslocada para um eixo perpendicular ao definido pelo
campo magntico B0.
Para a magnetizao passar do eixo longitudinal ao transversal, um
novo campo, denominado B1 emitido. Se a freqncia deste novo campo for
igual a L, o sistema atinge a condio de ressonncia. Neste caso, o vetor de
magnetizao precessionar em torno deste campo de radio freqncia.
Quando esta onda de radiofreqncia deixa de ser emitida, os ncleos
atmicos devolvem ao meio magntico a energia absorvida e a magnetizao
tende a se realinhar com a condio de equilbrio anterior (B0). Isto chamado
de relaxao, ou seja, o grau de magnetizao longitudinal recuperado
enquanto que a magnetizao transversal sofre declnio.
A recuperao de 63% da magnetizao longitudinal conhecida como
tempo de relaxao longitudinal T1, e o declnio de 63% da magnetizao
transversal, devido interao dos tomos com ncleos vizinhos, denomina-se
tempo de relaxao transversal T2. O tempo de relaxao T1 , tipicamente,
maior que T2.
45
O contraste das imagens conseqncia principalmente dos
mecanismos de recuperao T1 e declnio T2 e a quantidade de ncleos
atmicos presentes na amostra. Os valores do tempo de relaxao dependem
da espcie nuclear e da composio dos tecidos, j que esto relacionados
quantidade de tomos de hidrognio presentes e ao meio no qual esto
inseridos.
Esta capacidade de diferenciar tecidos estende-se a diversas partes do
corpo, alm disto, a RM explora aspectos anatmicos e tambm funcionais
(Mazzola, 2009). Dentre os mtodos que complementam a RM Estrutural, a
tcnica avanada de Imagem do Tensor de Difuso Diffusion Tensor Imaging
(DTI), utilizada na presente pesquisa, ser descrita a seguir.
3.1 IMAGEM DO TENSOR DE DIFUSO E FASCIGRAFIA
A Imagem do Tensor por Difuso (DTI), um dos mtodos de ressonncia
magntica estrutural, tem como princpio bsico a aferio do deslocamento
das molculas de gua no tecido cerebral in vivo. A partir de informaes sobre
a intensidade e direcionalidade das molculas de gua, esta tcnica capaz de
detalhar a estrutura anatmica e oferecer informaes sobre a integridade de
estruturas da substncia branca, como o corpo caloso.
O movimento aleatrio de molculas em um fluido foi descrito
inicialmente por Robert Brown, no incio do sculo XIX. A difuso randmica
da gua em si chamada de self-diffusion ou difuso prpria e obedece s
46
mesmas leis de difuso. Matematicamente, entretanto, o primeiro tratamento
terico do movimento browniano foi provido por Albert Einstein em 1905
(Einstein, 1956 apud Behrens, 2004).
De uma forma geral, a intensidade da movimentao das molculas de
gua depende do meio em que ocorre. Desta forma, ela menos intensa nos
tecidos cerebrais, como nos feixes mielinizados da substncia branca, e mais
livre em meios com menor restrio, por exemplo, no interior dos ventrculos
cerebrais.
Em meios que restringem o deslocamento aleatrio das molculas de
gua, a difuso no ocorre igualmente em todas as direes, exibindo
propriedade anisotrpica, diferentemente de um meio isotrpico, como o
interior dos ventrculos, em que no existe restrio alguma e em que as
molculas se deslocam igualmente em todas as direes isotropicamente.
Nos grandes feixes de substncia branca, por exemplo, este movimento
altamente anisotrpico e corre preferencialmente em direo paralela aos
feixes axonais, em detrimento do movimento perpendicular a eles.
De uma maneira simplista, pode-se descrever o movimento de uma
molcula de gua em um intervalo de tempo ( T), iniciado em t1=0 at T2= . A
molcula exibir um movimento randmico, mas se deslocar uma distncia
resultante vetorial r, como observado na Figura 7 abaixo, adaptada de
Hagmann e colaboradores (2006).
47
Figura 7: Movimento randmico das molculas de gua no tempo e no espao. O processo de difuso da gua livre em funo do tempo pode ser representado por vetores e somas vetoriais, e ocorre igualmente em todas as direes (difuso isotrpica). A difuso anisotrpica, por sua vez, ocorre diferencialmente em direes preferenciais, e pode ser modelada atravs de formas elipsides simples ou superpostas, refletindo caractersticas complexas da organizao de tecidos como o msculo ou os feixes de substncia branca. (Adaptado de Hagmann et al.,2006)
Na interpretao da imagem do tensor de difuso por ressonncia
magntica, Peter Basser, em 1994 (Basser et al., 1994), props um modelo
para medir a difuso anisotrpica em tecidos com tais estruturas, ao considerar
portanto que a difuso nos mesmos no seria igual em todas as direes. Os
princpios da imagem do tensor de difuso consideram que a difuso pode ser
gaussiana, mas que tambm pode ser anisotrpica, podendo ser representada
por uma elipside (quando anisotrpica), mas tambm por uma esfera (quando
isotrpica).
O clculo matemtico do tensor de difuso permite a extrao de vrias
medidas escalares. Clculos matemticos complexos permitem descrever as
propriedades do tensor, caracterizando as propriedades relacionadas
difusibilidade geral e /ou anisotropia da gua.
Varias medidas podem ento ser obtidas, como:
48
(i) medidas da intensidade da difusibilidade geral da gua no tecido,
independente de direo: TRACE (T= E1 + E2 + E3) ou difusibilidade mdia
(DM = T/3). O mapa de difusibilidade em um corte axial de um crebro humano
normal representado na Figura 8B.
(ii) anisotropia mede o quanto a difuso em uma das direes
preponderante em relao s outras. Existem vrios ndices de anisotropia,
sendo Anisotropia Fracional (FA, do ingls Fractional Anisotropy) o ndice mais
comumente usado. O mapa de FA em um corte axial de um crebro humano
normal representado na Figura 8C.
O valor da FA de um dado volume de tecido cerebral pode ainda ser
unida informao da direo em que a difuso ocorre preferencialmente
neste volume. Isto pode ser representado por um mapa de cores (Pajevic e
Pierpaolli, 1999). So os chamados mapas de FA codificados em cores
segundo a orientao dos feixes. A conveno mais usada a que representa
em azul quando o movimento preferencial da gua ocorre na direo do eixo
spero-inferior (eixo z) do corpo humano, em verde quando este se encontra
na direo do eixo ntero-posterior (eixo y) e, em vermelho quando na direo
ltero-lateral (eixo x). O mapa de FA codificado em cores segundo o principal
eigenvector em um corte axial de um crebro humano normal representado
na Figura 8D.
49
Figura 8 A-D: Imagens de ressonncia magntica (RM) de indivduo-controle no plano axial de mesma localizao. A. RM ponderada em T1; B. mapa de difusibilidade Trace; C. mapa de anisotropia fracional (FA); D. mapa de FA codificado em cores segundo orientao dos feixes: fibras em disposio ltero-lateral em vermelho, fibras em disposio ntero-posterior em verde e fibras em disposio supero-inferior em azul.
Comparando mapas, o mapa de FA informa somente sobre a magnitude
da anisotropia, enquanto o mapa de FA colorido confere informao sobre a
magnitude e a direcionalidade da anisotropia do tecido.
A fascigrafia, como um desmembramento da DTI, permite a construo,
por computao grfica, de linhas que representam os feixes de SB in vivo.
Tais linhas so construdas obedecendo difuso predominante, ou seja, o
grau de FA e qual a direo preferencial voxel a voxel (unidade de volume
cerebral utilizado em RM). Esta tcnica permite a reconstruo de grandes
feixes de substncia branca normais, como o corpo caloso, e tambm
desvendar a estrutura anatmica de feixes anormais robustos, como o feixe de
Probst, presentes em pacientes com DCC (Tovar-Moll et al., 2006; Mori e
Zhang, 2006; Lee et al., 2004).
50
4. NEUROPSICOLOGIA
A avaliao neuropsicolgica possibilita uma investigao do
funcionamento cerebral, desta forma, recomendada nos casos em que se
suspeita que alteraes neurolgicas possam estar causando dificuldade
cognitiva ou comportamental, como em quadros de anomalias congnitas
cerebrais. Segundo Consenza e colaboradores (2008), a neuropsicologia busca
entender as relaes entre o funcionamento do sistema nervoso central, as
funes cognitivas e o comportamento, tanto nas condies normais quanto
nas patologias.
O quadro clnico de pacientes com disgenesia do corpo caloso
apresenta grande variabilidade, devido especialmente a sua associao com
outras alteraes do sistema nervoso (Moutard et al., 2003). Desta forma,
privilegiou-se compor a amostra por indivduos sem outras malformaes a fim
de que os resultados obtidos no sofressem a influncia de outras anomalias
que no a DCC.
A avaliao neuropsicolgica contemplou as seguintes reas: independncia
funcional (ndice de Barthel Barthel Index), rastreio cognitivo (Teste para
Comprometimento Cognitivo Grave Test for Severe Impairment), quociente de
inteligncia, (Escalas Wechsler de Inteligncia, Forma Reduzida Wechsler Scales of
Intelligence, Short Form), preferncia manual (Inventrio de Edimburgo Edinburgh
Inventory), percepo da forma pelo tato (Teste da Percepo da Forma pelo Tato
Tactile Form Perception Test).
51
4.1 INDEPENDNCIA FUNCIONAL
O ndice de Barthel (Barthel Index) (BI) (Mahoney e Barthel, 1965)
(Anexo 1) foi o instrumento utilizado para avaliar quantitativamente a
capacidade funcional dos participantes, ou seja, o grau de
independncia na realizao de atividades bsicas de vida diria. Estas
se referem a cuidados pessoais (Duarte et al., 2007) e a sobrevivncia
(Paixo e Reichenheim, 2005); e, neste caso, esto distribudas em dez
itens: alimentao, higiene pessoal (banho e asseio), vestimenta, controle
esfincteriano intestinal, controle miccional, uso do sanitrio e mobilidade
(cama/cadeira, superfcies planas e escadas).
A capacidade funcional pode ser entendida como produto do grau de
preservao das habilidades fsicas e mentais que possibilitam o indivduo viver
de forma autnoma e independente (Santos et al., 2007).
Desde sua criao, o BI j sofreu algumas alteraes em sua
forma. O BI usado nesta pesquisa, verso traduzida da forma original pelo
neurologista Ricardo de Oliveira Souza, inclui 2 itens (asseio e banho) com
pontuao de 0 e 5; 6 itens (alimentao, evacuao, mico, vesturio,
toalete, escadas) com pontuao de 0, 5 e 10; e 2 itens (transferncia e
mobilidade) com pontuao de 0, 5, 10 e 15. A pontuao total varia de 0 a
100, conforme o grau de assistncia exigido, sendo, a nota, portanto,
proporcional independncia do examinando.
Dentre as vantagens deste instrumento, pode-se destacar sua
simplicidade e fcil aplicabilidade. Paixo Jr. e Reichenheim (2005)
52
identificaram o BI como um dos instrumentos mais utilizados (73,7%) no Brasil
para avaliar as atividades da vida diria.
Em relao s suas propriedades psicomtricas como validade e
fidedignidade, o BI j foi analisado por diversos autores (Collin et al., 1988;
Loewen e Anderson, 1988; Roy et al., 1988). Em uma reviso da literatura,
Paixo e Reichenheim (2005) encontraram 20 trabalhos reportando a
confiabilidade intra e inter-observador, consistncia interna, validade
conceitual, validade de critrio, preditiva e concorrente. Estes estudos
apontaram um bom grau de confiabilidade e excelente validade deste
instrumento.
Na populao peditrica, o BI tambm j foi utilizado no
acompanhamento de crianas portadoras de polineuropatia (Vondracek e
Bednari, 2006); na avaliao ps-cirrgica de reconstruo do quadril em
pacientes com paralisia cerebral espstica (Krebs et al., 2008); na avaliao a
longo prazo de crianas portadoras da distrofia muscular de Duchenne (Thong
et al., 2005), entre outros.
Uma pesquisa na base de dados PUBMED, utilizando os descritores
Barthel Index e Corpus Callosum, foi encontrado apenas um trabalho em que
estes itens aparecem correlacionados. Andersen e colaboradores (1996)
realizaram um estudo com pacientes submetidos seco do corpo caloso a
fim de avaliar o efeito da calosotomia na freqncia das crises epilpticas, em
especial em suas as conseqncias psicossociais. Utilizou-se o ndice de
Barthel para comparar o grau de independncia dos indivduos aps a cirurgia.
O presente trabalho faz o uso pela primeira vez deste instrumento em
uma populao que apresenta uma malformao congnita no corpo caloso.
53
Como j mencionado, a variabilidade clnica presente na disgenesia do
corpo caloso grande, o que gera diferentes conseqncias no grau de
autonomia destes indivduos frente s funes de vida diria. Indivduos com
DCC (mesmo com ausncia total do CC) podem levar uma vida relativamente
normal, com pouca ou nenhuma interferncia em atividades de vida diria,
enquanto outros, com alteraes anatmicas muito semelhantes, podem
apresentar limitaes, como grave retardo mental (Tovar- Moll, 2007).
Na literatura so encontrados pontos de corte distintos do BI em
diversos trabalhos (Azeredo e Matos, 2003; Diogo, 2003; Wade e Collin, 1988),
porm, no foi objetivo desta pesquisa classificar os indivduos segundo seus
escores, mas sim, comparar o desempenho dos portadores de DCC e os
controles, a fim de verificar se esta alterao anatmica se reflete a nvel
cognitivo e comportamental, o que inclui a medida de independncia funcional.
4.2 RASTREIO COGNITIVO
O instrumento utilizado para o rastreio cognitivo foi o Teste para
Comprometimento Cognitivo Grave Test for Severe Impairment (TSI) (Albert e
Cohen, 1992) (Anexo2) que avalia as seguintes funes cognitivas: memria
(imediata e aps intervalo), linguagem (compreenso e produo), desempenho motor,
formao de conceitos e conhecimentos gerais.
A populao na qual esta ferramenta foi utilizada inicialmente compunha-se de
40 idosos (72 - 98 anos) com quadros demenciais, residentes do Hebrew
54
Rehabilitation Center for Aged em Boston, Estados Unidos (Albert e Cohen,
1992).
Albert & Cohen (1992) verificaram a validade e a fidedignidade deste
instrumento atravs da anlise de alguns parmetros psicomtricos: validade
de constructo, fidedignidade externa, consistncia interna. A validade de
constructo foi avaliada atravs da comparao com o Mini Exame do Estado
Mental (Folstein et al., 1975), o ndice de correlao encontrado foi de 0.83 (p <
0.0001); em relao a fidedignidade externa foi feito o teste-reteste, que
alcanou um ndice de correlao de 0.96 (P < 0.0001); a consistncia interna
da escala foi analisada atravs do coeficiente alpha, e ficou em torno de 0.91.
Desta forma, o TSI mostrou-se vlido e fidedigno na avaliao de pacientes
com comprometimento cognitivo grave.
Outras pesquisas tambm comprovaram a validade e a confiabilidade
deste instrumento (Jacobs et al., 1999; Appollonio et al., 1999; Foldi et al.,
1999). Foldi e colaboradores (1999) demonstraram que o TSI vlido tambm
nas formas mais leves de comprometimento cognitivo. Da mesma forma,
Appollonio e colaboradores (1999) verificaram a confiabilidade deste
instrumento em quadros demenciais de moderado a severo.
A escolha do TSI para o rastreio das funes cognitivas deve-se ao fato
de ser um instrumento simples, que pode ser aplicado facilmente e cuja
durao de aproximadamente 10 minutos. Alm disto, como o quadro clnico
de DCC marcado por uma grande variabilidade, optou-se utilizar esta
ferramenta a fim de que mesmos nos casos de pacientes mais comprometidos,
pudesse ser feito um rastreio de algumas funes cognitivas.
55
O TSI apresenta a vantagem de no exigir o uso muito extenso da fala.
Dentre os 24 itens, apenas 8 exigem o uso da linguagem oral. Nos demais
itens a avaliao feita atravs da observao do desempenho do
examinando, j que as respostas se do principalmente por meio de
gesticulao e manipulao de objetos, os quais so familiares ao examinando
e de fcil acesso ao examinador (pente, caneta, barbante). Isto no causa
prejuzo na avaliao dos demais domnios cognitivos de indivduos com dficit
de linguagem expressiva.
O TSI indicado nas situaes nas quais, devido a quadros clnicos
mais severos, o desempenho em testes de rastreio, como o Mini Exame do
Estado Mental, muito baixo, e, portanto, no possvel avaliar o grau de
comprometimento das diferentes funes cognitivas (Albert e Cohen 1992,
Cosgrave et al., 1998).
Desta forma, este instrumento pode ser bastante til no rastreio cognitivo
de pacientes com DCC mais comprometidos, j que alguns autores relatam
dificuldades na avaliao neurocognitiva de acalosos com deficincias na
linguagem e compreenso (Chadie et al., 2008).
O instrumento utilizado na presente pesquisa foi traduzido pelo
neurologista Ricardo de Oliveira Souza.
4.3 QUOCIENTE DE INTELIGNCIA
56
A avaliao do quociente de inteligncia (QI) foi realizada atravs da
verso reduzida Vocabulrio e Cubos (Silverstein, 1982) das Escalas Wechsler
de Inteligncia para Crianas e Adultos (Wechsler, 1991 e 1997), padro-ouro
internacional para a mensurao das capacidades intelectuais (Costa et al.,
2004).
As Escalas Wechsler de Inteligncia geram o QI Total do examinado a
partir de dois ndices: o QI Verbal, neste caso representado pelo subteste
vocabulrio, que est relacionado aos processos verbais e ao conhecimento
adquirido; e o QI de Execuo, relacionado organizao perceptual e
capacidade de manipular estmulos visuais com rapidez, avaliado pelo subteste
cubos.
O conceito de inteligncia que norteou Wechsler na construo das
escalas refere-se capacidade conjunta ou global do indivduo para agir com
finalidade, pensar racionalmente e lidar efetivamente com seu meio ambiente
(Wechsler, 1944:3). Desta forma, segundo Wechsler (apud Nascimento e
Figueiredo, 2002), a inteligncia o produto da interao das capacidades
cognitivas que se manifestam sob diferentes circunstncias.
A utilizao de Formas Reduzidas da WISC-III sugerida sempre que a
aplicao de todos os subtestes no pode ser realizada devido a limitaes
temporais ou a fadiga (Simes, 2002). Da mesma forma, a demanda muito
grande de tempo, o custo da aplicao completa da escala e o quadro clnico
do examinando determinam, em algumas situaes, a utilizao de formas
reduzidas da bateria WAIS III (Jeyakumar et al., 2004).
O nmero de testes que constitui as formas reduzidas oscila entre dois,
quatro, cinco ou mesmo seis subtestes. Frazen e Smith-Seemiller (2001)
57
verificaram que o uso de formas reduzidas constitudas por seis subtestes no
apresenta vantagens em relao as que incluem dois subtestes, e que a
combinao Vocabulrio e Cubos deve ser aplicada preferencialmente em
situaes que o teste completo no pode ser administrado, j que ndice de
correlao desta dade com a escala completa foi o mais alto (0.93 - 0.95) que
o de outras seis formas abreviadas analisadas.
A combinao Vocabulrio e Cubos apresenta alta fidedignidade (0.93),
um bom ndice de correlao com a forma completa (0.89), e tempo de
administrao de aproximadamente 26 minutos (Jeyakumar et al., 2004; Sattler
e Ryan, 2001).
Cyr e Brooker (1984) demonstraram que esta dade e a ttrade
Vocabulrio, Semelhana, Aritmtica e Cubos do WAIS R (verso anterior ao
WAIS III) so as formas abreviadas mais vlidas em termos psicomtricos na
estimativa da escala total do QI. Da mesma forma, outros autores (Goh, 1980,
Sattler, 1992; Silverstein, 1985) apontaram a combinao Vocabulrio e Cubos
como um dos melhores preditores da escala completa do QI. Wechsler (1991)
no Manual WISC III indica que estes subtestes apresentam uma alta correlao
com a escala completa.
As formas reduzidas devem, entretanto, ser utilizadas com cautela, pois
apesar de serem recomendadas em situaes de rastreio cognitivo, como na
presente pesquisa, em casos de casos de tomadas de deciso diagnstica ou
em contexto psicoeducacional, elas no so recomendadas por alguns autores
(Herrera-Graf et al., 1996; Finch Jr e Kendall, 1974; Simes 2002).
importante ressaltar que o objetivo da aplicao deste instrumento no
foi categorizar os participantes em relao ao nvel de QI individual, mas
58
comparar os pacientes e controles atravs de uma ferramenta confivel; j que
sendo a inteligncia um resultado do funcionamento integrado das diversas
funes cognitivas frente ao meio, importante verificar se indivduos com
alterao em uma estrutura como o corpo caloso apresentam algum prejuzo
nesta funo.
4.4 PREFERNCIA MANUAL
A avaliao da preferncia manual foi realizada atravs da forma
abreviada do Inventrio de Edimburgo (IE) (Oldfield, 1971) (Anexo 3)
modificado e validado para a populao brasileira por Brito e colaboradores
(1989). A verso utilizada na presente pesquisa inclui 10 itens e o quociente de
lateralidade pode variar de 100 a +100 (canhoto - destro).
Oldfield (1971) desenvolveu este instrumento com o objetivo de avaliar
de forma quantitativa a preferncia manual. O uso deste instrumento no meio
cientfico bastante conhecido, sendo reportado em diversos trabalhos,
inclusive brasileiros (Knecht et al., 2000; Brito e Morales 1999; Souza et al.,
2005; Dias, 2005).
A preferncia manual, assimetria comportamental mais conhecida no
ser humano, reflete uma estratgia funcional diferenciada nos hemisfrios
(Lent, 2001, Souza et al., 2005). Como se sabe, as regies cerebrais so
funcionalmente distintas, e algumas funes, como a fala, so lateralizadas.
Como a maioria das pessoas so destras, cerca de 95% da populao (Lent,
59
2001), acredita-se que o hemisfrio esquerdo, que dirige a motricidade fina da
mo direita, seja dominante neste aspecto.
O corpo caloso parece cumprir um papel importante no estabelecimento
das assimetrias cerebrais, j que suas conexes inter-hemisfricas tm
tambm a funo de transmitir informaes inibitrias entre os hemisfrios
cerebrais (Springer e Deutsch, 2008). Em casos nos quais esta estrutura
seccionada, alguns sintomas da Sndrome de Desconexo Inter-Hemisfrica
parecem refletir uma ausncia de inibio de regies cerebrais do hemisfrio
contralateral, como, por exemplo, no caso em que ambas as mos competem
na realizao de tarefas. Desta forma, pode-se esperar que indivduos com
malformao nesta estrutura apresentem uma preferncia no uso de uma das
mos menos evidente do que a populao geral.
Na literatura, a ausncia de medidas de preferncia manual em acalosos
inclusive alvo de crticas (Moutard et al. 2003). Existem pesquisas que
apontam uma maior prevalncia de canhotos em pacientes com DCC (Moes et
al., 2009). Outros, contudo, apontam um percentual (87.5%) de acalosos
destros semelhante populao geral (Moutard et al., 2003).
Diante da escassez e da controvrsia de dados a respeito da preferncia
manual na literatura, optou-se por avali-la quantitativamente e compar-la ao
grupo de controles.
4.5 PERCEPO DA FORMA PELO TATO
60
O teste de percepo da forma pelo tato (TFP) (Benton et al., 1994) foi
utilizado na presente pesquisa para avaliar o desempenho de pacientes com
DCC em relao ao grupo controle, e detectar possveis dficits resultantes de
alteraes na conectividade inter-hemisfrica.
O TFP tambm chamado de teste de estereognosia (Spreen e Strauss,
1998) j que seu objetivo avaliar o reconhecimento de diferentes formas
geomtricas atravs do tato. Durante a avaliao, o indivduo, com uma das
mos, explora uma figura feita com papel lixa fora do alcance de sua viso, e
com a outra aponta para a figura que corresponda que explora manualmente.
Isto feito com ambas as mos, cada uma faz o reconhecimento de 11 figuras
diferentes, sendo uma delas o exemplo.
A estereoagnosia, ou seja, dificuldade no reconhecimento de objetos
pelo tato est associada a leses no hemisfrio direito, dominante para a
funo de reconhecimento espacial, especialmente no lobo temporal, prximo
s reas de projeo somatossensorial (Springer e Deutsch, 2008).
Um estudo de fidedignidade para avaliar este instrumento revelou que os
dois grupos de figuras (Forma A e Forma B) apresentam o mesmo grau de
dificuldade, e que no h influncia da preferncia manual no desempenho do
indivduo no teste (Benton et al., 1994).
Em uma pesquisa (Rey et al., 1999) para a validao de alguns
instrumentos para a populao hispnica, o TFP apresentou a mesma mediana
e ponto de corte da pesquisa conduzida por Benton e colaboradores (1994), o
que confirma a validade e confiabilidade deste instrumento.
61
Dentre suas vantagens, o TFP assim como parte do TSI descrito
anteriormente, no requer o uso da linguagem expressiva, o que permite seu
uso em indivduos com afasia.
Franco e Sperry (Franco e Sperry, 1977 apud Springer e Deutsch, 2008)
avaliaram o desempenho das duas mos de pacientes submetidos seco do
corpo caloso em um teste de percepo de objetos que no podiam ser vistos,
mas com formas equivalentes para serem reconhecidas apresentadas viso.
O resultado nesta avaliao mostrou um desempenho superior da mo
esquerda nestes pacientes, enquanto que indivduos normais exibiam
habilidades equivalentes com as duas mos.
O interesse pelo TFP na presente pesquisa deve-se ao fato da
percepo ttil ocorrer no hemisfrio contralateral e de haver uma assimetria
funcional na percepo de formas com um predomnio do hemisfrio direito
nesta questo (Benton et al., 1994; Springer e Deutsch, 2008); desta forma, o
uso deste instrumento possibilita a avaliao da conectividade inter-
hemisfrica.
62
5. ELETROENCEFALOGRAFIA
O eletroencefalograma (EEG) o mtodo mais indicado e sensvel na
avaliao do estado funcional do crebro normal e patolgico, por ser o nico
exame que registra diretamente as flutuaes da atividade eltrica do tecido
nervoso (Lazarev, 2006).
O EEG representa as oscilaes bioltricas do crebro de vrias
freqncias, registradas na superfcie do escalpo que so amplificadas pelos
aparelhos eletrnicos, e apresentadas em forma de curvas grficas no domnio
de tempo (tempo - amplitude) no papel ou na tela. Os ritmos do EEG so os
resultados da soma da atividade de milhares de populaes neuronais
posicionadas no volume de tecido neuronal sob um eletrodo de registro do
EEG. As ondas cerebrais refletem o nvel de excitao do crtex gerado pelas
atividades sinpticas dos neurnios, particularmente as clulas piramidais
(Duffy et al., 1999).
As bandas de freqncia do EEG so divididas em quatro categorias,
denominadas ritmos. O ritmo delta o mais lento, composto por freqncias
menores que 4 hz; o teta compreende uma faixa de freqncia de 4 a 7 hz; o
alfa situa-se entre 8 a 13 hz e est associado a estados de viglia, em repouso;
o beta o mais rpido, maior que 14 hz, e sinaliza um crtex ativado (Bear et
al., 2002). As delimitaes entre as faixas freqncia podem variar at 1 Hz
de acordo com diferentes autores e caractersticas das amostras.
O EEG tem as vantage