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1 ESTUDO DA CORROSÃO DO CHUMBO EM SOLUÇÃO ÁCIDA COTEDO IOS CITRATO. Walysson Gomes Pereira (IC), Jhonyson Arruda Carvalho Guedes (IC), Felipe Diógenes Abreu (IC), Gledson Vieira Lima (IC), Carlos Emanuel de Carvalho Magalhães (PQ) e Rui Carlos Barros da Silva (PQ). Laboratório de Eletroquímica e Corrosão Microbiana (LECOM), Departamento de Química, Universidade Estadual do Ceará, Av. Paranjana, 1700 60740-020 Campus do Itaperi, Fortaleza-CE RESUMO Na literatura existem poucos trabalhos relacionados com o comportamento do metal chumbo em soluções ácidas de ácidos orgânicos. Neste sentido, o presente trabalho tem a proposição de investigar a corrosão do chumbo em meio ácido na presença de íons citrato. Para este efeito, tem-se a realização do ensaio de imersão, com perda de massa, das amostras de chumbo metálico em soluções ácidas na presença de íons citrato. A concentração total de íons Pb em solução foi estimada através da técnica de espectrofotometria de absorção atômica (EAA). Após o ensaio de imersão, a superfície exposta da amostra foi caracterizada pela técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e pela técnica de análise da energia dispersiva por raios-X (EDX). Os produtos insolúveis gerados no processo de corrosão foram caracterizados por meio da técnica de difração de raios-X (DRX) e por espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (EIV-TF). Foi encontrado que em meio citrato-HCl e em meio citrato-HCit a corrosão do chumbo ocorre com a formação de produtos insolúveis, na ausência de efeito tamponante em solução, sugerindo que o produto de corrosão precipita com o aumento do pH próximo a superfície do metal. A morfologia do produto de corrosão na superfície é diferente quando a solução é mantida sob agitação constante. Pôde-se caracterizar o produto de corrosão, sugerindo que este seja o citrato de chumbo (Pb 3 cit). Os valores de taxa de corrosão aumentam com o aumento da concentração de citrato em solução. Provavelmente, este fato deve-se a complexação de íons chumbo. 1. ITRODUÇÃO O chumbo é um dos metais mais resistentes à corrosão, sendo extremamente resistente tanto em atmosferas urbanas, como rurais e marítimas. Quando recém cortado possui um brilho metálico que desaparece ao contato com o ar. Isto é causado pela ação do oxigênio, do dióxido de carbono e do vapor de água, que produzem uma camada fina na superfície do metal, agindo como uma camada protetora para o chumbo [1]. No entanto, estudos evidenciam que o chumbo tende a se correr dependendo das características do elemento da liga e dos compostos presentes no eletrólito. Ligas de chumbo têm um decréscimo na sua resistência à corrosão com o aumento da quantidade de zircônio na liga [2]. Em solução de NaOH a corrosão do chumbo é mais acentuada pela adição de NaNO 3 à solução [3]. Por outro lado, o comportamento de chumbo exposto a ácidos orgânicos foi estudado. Observou-se que a corrosão do chumbo frente a ácidos carboxílicos ocorria

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ESTUDO DA CORROSÃO DO CHUMBO EM SOLUÇÃO ÁCIDA CO�TE�DO IO�S CITRATO. Walysson Gomes Pereira (IC), Jhonyson Arruda Carvalho Guedes (IC), Felipe Diógenes Abreu (IC), Gledson Vieira Lima (IC), Carlos Emanuel de Carvalho Magalhães (PQ) e Rui Carlos Barros da Silva (PQ). Laboratório de Eletroquímica e Corrosão Microbiana (LECOM), Departamento de Química, Universidade Estadual do Ceará, Av. Paranjana, 1700 60740-020 Campus do Itaperi, Fortaleza-CE RESUMO

Na literatura existem poucos trabalhos relacionados com o comportamento do metal chumbo em soluções ácidas de ácidos orgânicos. Neste sentido, o presente trabalho tem a proposição de investigar a corrosão do chumbo em meio ácido na presença de íons citrato. Para este efeito, tem-se a realização do ensaio de imersão, com perda de massa, das amostras de chumbo metálico em soluções ácidas na presença de íons citrato. A concentração total de íons Pb em solução foi estimada através da técnica de espectrofotometria de absorção atômica (EAA). Após o ensaio de imersão, a superfície exposta da amostra foi caracterizada pela técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e pela técnica de análise da energia dispersiva por raios-X (EDX). Os produtos insolúveis gerados no processo de corrosão foram caracterizados por meio da técnica de difração de raios-X (DRX) e por espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (EIV-TF). Foi encontrado que em meio citrato-HCl e em meio citrato-HCit a corrosão do chumbo ocorre com a formação de produtos insolúveis, na ausência de efeito tamponante em solução, sugerindo que o produto de corrosão precipita com o aumento do pH próximo a superfície do metal. A morfologia do produto de corrosão na superfície é diferente quando a solução é mantida sob agitação constante. Pôde-se caracterizar o produto de corrosão, sugerindo que este seja o citrato de chumbo (Pb3cit). Os valores de taxa de corrosão aumentam com o aumento da concentração de citrato em solução. Provavelmente, este fato deve-se a complexação de íons chumbo. 1. I�TRODUÇÃO

O chumbo é um dos metais mais resistentes à corrosão, sendo extremamente resistente tanto em atmosferas urbanas, como rurais e marítimas. Quando recém cortado possui um brilho metálico que desaparece ao contato com o ar. Isto é causado pela ação do oxigênio, do dióxido de carbono e do vapor de água, que produzem uma camada fina na superfície do metal, agindo como uma camada protetora para o chumbo [1].

No entanto, estudos evidenciam que o chumbo tende a se correr dependendo das características do elemento da liga e dos compostos presentes no eletrólito. Ligas de chumbo têm um decréscimo na sua resistência à corrosão com o aumento da quantidade de zircônio na liga [2]. Em solução de NaOH a corrosão do chumbo é mais acentuada pela adição de NaNO3 à solução [3].

Por outro lado, o comportamento de chumbo exposto a ácidos orgânicos foi estudado. Observou-se que a corrosão do chumbo frente a ácidos carboxílicos ocorria

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com a formação de produtos insolúveis, sendo proposto o mecanismo de dissolução-precipitação [4]. Mecanismo semelhante foi proposto por Rocca e Steinmetz [5] para atuação de carboxilatos de sódio, de diferentes comprimentos de cadeia carbônicas, como inibidores do processo de corrosão do chumbo em meio salino. Foi verificado que alta eficiência de inibição foi obtida para o decanoato de sódio numa concentração de 0,01mol.L-1. Foi evidenciado que a formação da camada passiva requer uma etapa preliminar correspondendo à oxidação do metal pelo gás oxigênio dissolvido em soluções aquosas, tal como mostrado pela equação abaixo.

Pb + 2H+ + ½ O2 Pb2+ + H2O

Esta etapa, por sua vez, é seguida pela precipitação de carboxilato de chumbo,

quando o produto de solubilidade é atingido, ou pela precipitação de óxido de chumbo, na superfície, de acordo com as seguintes reações:

Pb2+ + 2 CH3(CH2)n-2COO- Pb(CH3(CH2)n-2COO)2

Pb2+ + ½ O2 PbO

No entanto, inexistem na literatura pesquisas relacionadas à corrosão do chumbo em meio citrato. O íon citrato (Figura 1) é um agente complexante cujo sítio ativo é o grupo carboxilato (-COO-). Este ligante pode se comportar como mono, bi ou tridentado, com respeito aos grupos carboxilatos e, dependendo das condições do meio, utilizar ainda o grupo hidroxo (OH) para uma quarta coordenação.

Figura 1 – Estrutura do íon citrato.

Os agentes complexantes, em solução, são capazes de reagir com cátions di- e tripositivos, mantendo-os em solução sob a forma de complexos solúveis agindo assim como antiincrustrantes. Os agentes complexantes quelantes são utilizados em sistemas de pequeno tamanho e preferencialmente em sistemas fechados [6].

Estudos evidenciam que íons citrato podem ser utilizados como aditivo em banhos eletrolíticos, favorecendo a obtenção de eletrodepósitos metálicos mais bem definidos [7]. Também, foi investigada a utilização do íon citrato como aditivo no processo de fosfatização do aço [8]. Sonmez e Kumar [9] avaliaram a obtenção de citrato de chumbo a partir de PbO e PbO2 residual de pastas de baterias de chumbo. Os resultados encontrados revelaram que o processo de reciclagem das pastas eletrolíticas de baterias chumbo-ácido poderia ser melhor efetuado a partir da conversão do PbO e PbO2 em Pb(C6H6O7).H2O (citrato de chumbo) utilizando ácido cítrico.

Pelo exposto acima, fica demonstrado que o estudo da corrosão do chumbo em meio citrato é de grande importância, não só pelo caráter inédito do tema, mas também devido aos produtos oriundos do processo corrosivo da superfície do chumbo serem

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tóxicos aos seres vivos e uma possível ação complexante do íon citrato frente a íons Pb em solução apontar para o interesse ambiental e industrial.

Para este efeito, tem-se a realização do ensaio de imersão, com perda de massa, das amostras de chumbo metálico em soluções ácidas na presença de íons citrato. A concentração total de íons Pb em solução foi estimada através da técnica de espectrofotometria de absorção atômica (EAA). Após o ensaio de imersão, a superfície exposta da amostra foi caracterizada pela técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e pela técnica de análise da energia dispersiva por raios-X (EDX). Os produtos insolúveis gerados no processo de corrosão foram caracterizados por meio da técnica de difração de raios-X (DRX) e por espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (EIV-TF).

2. MATERIAIS E MÉTODOS

O experimento de imersão com perda de massa foi efetuado em meio citrato-ácido cítrico (HCit) e em meio citrato-ácido clorídrico (HCl). A solução de trabalho foi preparada pela dissolução direta de citrato de sódio tribásico (C6H5Na3O7. 2H2O) de pureza analítica em água destilada, obtendo a concentração 0,5 mol.dm-3. Em seguida, tal solução foi dividida em duas alíquotas. Em uma destas alíquotas, foi adicionado ácido clorídrico em quantidade suficiente para ajustar o pH ao valor de 4. Na outra alíquota, foi adicionado ácido cítrico também em quantidade suficiente para ajustar o pH a 4. O pH foi medido com auxílio de pHmetro de bancada, modelo PA 200, da Marconi, previamente calibrado.

Foram conduzidos ensaios de imersão com perda de massa de chumbo metálico

em meio citrato-HCl sob agitação constante, a fim de se verificar a influencia das condições hidrodinâmicas do meio na corrosão do chumbo. Para este objetivo, a solução foi agitada com auxílio de agitador mecânico da Fisatom, modelo 710.

Também foram realizados ensaios de imersão com perda de massa em meio ácido clorídrico (HCl) com concentração 1,0 mol.dm-3, aditivado de íons citrato em diferentes concentrações (0,1 mol.dm-3, 0,3mol.dm-3, 0,5 mol.dm-3). Estes ensaios permitem a verificação da influencia da concentração de íons citrato no processo corrosivo do chumbo em meio ácido.

Para a realização dos ensaios de imersão foram utilizadas amostras de chumbo metálico em formato retangular, com área geométrica exposta de, aproximadamente, 1 cm2. A preparação das amostras consistiu do polimento mecânico da superfície, utilizando papel de SiC na granulometria de 220, 400, 1200, 2000, consecutivamente. A face polida foi submetida ao desegorduramento em banho ultrasônico, da Maxi Clean, modelo 1450, com álcool etílico anidro, durante 10 minutos. A massa da amostra foi medida em balança analítica de precisão, Bioprecisa FA 21041 e, em seguida, foi realizada a imersão da amostra na solução para tempos de imersão previamente estabelecidos. O experimento foi conduzido em temperatura ambiente. A taxa de corrosão calculada de acordo com as recomendações da NACE Standard TM-01-69 [10], expressa em miligrama por decímetro quadrado de área exposta por dia (mdd).

Após os ensaios de imersão a superfície das amostras foi caracterizada topograficamente por meio da técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV), e

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da técnica de analise de energia dispersiva por raios-X (EDX) utilizando o microscópio eletrônico, modelo MXU 2, da Tescan. Estas análises foram realizadas no Laboratório de Microscopia Atômica (LMA), da UFC. Estas técnicas permitem avaliar não só as características da superfície do metal, como também classificar os diferentes tipos de corrosão, além de fornecer informações sobre o tipo de ataque produzido pelos íons citrato. A concentração de íons chumbo total em solução foi determinada através da técnica de espectrofotometria de absorção atômica, com espectrofotômetro de absorção atômica, modelo Spectra A55, da Varian.

Os produtos insolúveis oriundos do processo corrosivo do chumbo em meio ácido na presença de íons citrato (meio citrato-HCl e citrato-HCit) foram caracterizados pela técnica de difração de raios-X (DRX), em difratômetro de raios-X Rigaku, modelo DMAXB com gerador de raios-X de potência máxima de 2kW. Também foram obtidos difratogramas para o citrato de sódio tribásico e o ácido cítrico, reagentes utilizados no preparo das soluções de trabalho, de modo a evidenciar se os produtos de corrosão eram aqueles que compunham o eletrólito. Os produtos de corrosão (meio citrato-HCl e citrato-HCit), citrato de sódio e ácido cítrico também foram analisados por meio da técnica de espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (IV-TF) em espectroscópio de infravermelho, modelo VARIAN FT-IR, da Varian. 3. RESULTADOS 3.1. Corrosão do chumbo em meio citrato-HCl e citrato-HCit

Através do ensaio de imersão com perda de massa de chumbo metálico em meio citrato-HCl, foi possível obter o gráfico da Figura abaixo (Figura 2). Observa-se que ocorre gradativo aumento da perda de massa com o tempo. No entanto, a partir de 14 dias de imersão, verifica-se a diminuição da perda de massa; esta tendendo a valores negativos, para o tempo de imersão de 30 dias, conforme ilustrado na Figura 2a. A taxa de corrosão encontrada foi de 54 mdd. Por outro lado, o ensaio de imersão com perda de massa do chumbo em meio citrato-HCit evidencia que, inicialmente, a perda de massa é proporcional ao tempo de imersão. No entanto, a partir de 21 dias de imersão, a perda de massa se mantém praticamente constante, como mostrado pela Figura 2b. A taxa de corrosão foi de 126 mdd.

(a)

5

(b)

Figura 2. Perda de massa do chumbo em função do tempo de imersão (a) em meio citrato-HCl e (b) em meio citrato-HCit.

Em contrapartida, foi verificada a concentração de íons chumbo em solução. A Figura 3 ilustra o perfil da perda de massa em termos de íons chumbo nas soluções de estudo. É verificado que os perfis das curvas se assemelham aqueles da perda de massa (Figura 2). Esta evidência corrobora para a avaliação qualitativa do mecanismo de corrosão do chumbo em meio ácido; denotando que o processo corrosivo do chumbo metálico tem etapas em que íons chumbo são consumidos. Provavelmente, devido as reações de formação de produtos insolúveis.

0 10 20 30 40 50

0

1

2

3

4

5

6

Perda de massa (mg.cm-2)

tempo de imersão (dias) (a)

6

0 10 20 30 40 50

0

2

4

6

8

10

12

Perda de massa (mg.cm-2)

tempo de imersão (dias) (b)

Figura 3. Perda de massa (em termos de íons chumbo) em função do tempo de imersão (a) em meio citrato-HCl e (b) em meio citrato-HCit.

A caracterização superficial do chumbo em meio citrato-HCl evidencia a presença de produtos insolúveis, os quais se apresentam em forma de plaquetas crescidas perpendicularmente e formadas em regiões distintas sobre a superfície do metal (Figura 4). Este fato também foi demonstrado por Rocca e Steinmetz [5], que observaram produtos insolúveis sobre a superfície do chumbo. Por outro lado, A. Salifoglou [11] sintetizando citrato de chumbo verificou que este tende a tornar-se insolúvel para valores de pH > 4. Logo, é provável que o produto insolúvel encontrado no presente trabalho, seja o citrato de chumbo. Este sal precipita devido ao possível aumento do pH, próximo à superfície, durante o processo de corrosão.

A micrografia da superfície do chumbo em meio citrato-HCit, mostrada na

Figura 5, evidencia que produtos insolúveis não são formados a partir deste meio. Tal fato ocorre devido ao meio originar uma solução tampão, impedindo o aumento do pH da superfície e, portanto, o citrato de chumbo mantém solúvel, provavelmente na forma de espécies complexadas.

De um outro modo, é possível inferir que, pela morfologia da superfície

(Figura 5), a corrosão do chumbo ocorre concomitantemente de maneira uniforme e localizada. Alguns autores encontraram que íons citrato podem ter significativo efeito na promoção da corrosão localizada em superfície de estanho metálico [12-13]. Tal fato sugere que os íons citrato podem estar induzindo a corrosão localizada no presente caso.

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Figura 4. Micrografia da superfície do chumbo após imersão por 14 dias em meio citrato-HCl. Aumento: 100X.

Figura 5. Micrografia da superfície do chumbo após imersão por 14 dias em meio citrato-HCit. Aumento: 500X.

Tem-se, portanto, como evidenciado acima, que o patamar mostrado nos gráficos das Figuras 2 e 3, denotam a passivação da superfície do chumbo, mediante a formação de produtos insolúveis aderidos a superfície, oriundos da precipitação de sais de chumbo, corroborando para o decréscimo da perda de massa com o tempo de imersão. Este último aspecto é indicado pela análise micrográfica da superfície (Figura 4). Estas evidências sugerem que o mecanismo de dissolução-precipitação esteja ocorrendo no presente caso, em acordo com a literatura [4], onde tal mecanismo foi proposto para a corrosão do chumbo em ácido tartárico e em ácido oxálico.

Foram obtidos os espectros da superfície do chumbo após o ensaio de imersão

através da técnica de EDX. A Figura 6 exibe o espectro da superfície para 14 dias de imersão em meio citrato-HCl. São evidenciados os elementos presentes na superfície, sendo estes, carbono e oxigênio. Tal fato colabora com a hipótese de que o precipitado

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formado na superfície do chumbo neste meio seja citrato de chumbo. Por outro lado, o espectro obtido a partir do meio citrato-HCit (Figura 7) mostra que os elementos existentes na superfície do chumbo são aqueles que compõem os constituintes da solução, ou seja, sódio, carbono e oxigênio, sendo este último em pequenas concentrações, como denotada pela baixa intensidade do pico associado a este elemento. Provavelmente, a presença de oxigênio é originada da dissolução do gás oxigênio no meio e/ou da provável formação de pequena quantidade de óxido de chumbo sobre a superfície [5].

Figura 6. Espectro da superfície do chumbo após 14 dias de imersão em meio citrato-HCl.

Figura 7. Espectro da superfície do chumbo após 14 dias de imersão em meio citrato-HCit.

3.2. Corrosão do chumbo em meio citrato-HCl sob agitação.

Os ensaios de imersão realizados em meio citrato-HCl sob agitação constante revelam que, quando o processo de corrosão ocorre com a agitação do meio, o perfil do gráfico da perda de massa do chumbo em função do tempo de imersão é semelhante aquele observado quando não há agitação (Figura 8). Tal fato revela que os mecanismos

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da corrosão do chumbo em meio citrato-HCl com e sem agitação provavelmente sejam os mesmos. No entanto, a taxa de corrosão estimada foi de 500 mdd, equivalente a aproximadamente dez vezes aquela calculada para a solução estática. Tal fato deve estar relacionado com o favorecimento da difusão de íons chumbo das proximidades da superfície para o seio da solução, sob condições de agitação.

0 5 10 15 20 25

0

20

40

60

80

100

perda de massa (mg.cm-2)

tempo de imersão (dias)

com agitação

sem agitação

Figura 8. Perda de massa do chumbo em meio citrato-HCl função do tempo de imersão.

A caracterização da superfície do chumbo quando exposta a solução de citrato-

HCl sob agitação constante revela que há produtos de corrosão depositados sobre a superfície do metal (Figura 9). O produto de corrosão se apresenta uniformemente distribuído sobre a superfície, em forma de escamas, diferentemente daquela obtido sem agitação da solução (Figura 4). Logo, a agitação do meio é influente também na morfologia do produto de corrosão.

Figura 9. Micrografia da superfície do chumbo após 14 dias de imersão em meio citrato-HCl sob agitação constante.

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O espectro de EDX da superfície do chumbo para 14 dias de imersão sob agitação revela a presença dos elementos carbono e oxigênio (Figura 10). É notado que este espectro evidencia a presença dos mesmos elementos observados no espectro obtido sem agitação da solução, como exibido na Figura 6. Logo, é provável que o citrato de chumbo também esteja sendo formado no processo de corrosão do chumbo em meio citrato-HCl com a agitação.

Figura 10. Espectro da superfície do chumbo após 14 dias de imersão em meio citrato-HCl com agitação constante. 3.3. Caracterização do produto de corrosão sobre o chumbo

Através da técnica de espectroscopia no infravermelho puderam-se avaliar os principais grupos funcionais existentes no produto de corrosão originado sobre o chumbo no meio citrato-HCl. A Figura 11 corresponde ao espectro obtido para o produto de corrosão. Os picos de absorção nas bandas correspondentes a 3454cm-1 e 3273cm-1, os quais podem ser relacionados ao estiramento de grupos hidroxílicos, indicando a existência de ligações O-H no composto. Provavelmente, esta ocorrência é devida a presença da função álcool e/ou a existência de moléculas de água adsorvida na superfície do composto obtido [14]. O pico equivalente a 1741cm-1 evidencia o estiramento da ligação C=O de grupos carbonílicos, sendo, portanto, uma indicação da presença de grupos carboxilatos (COO-) existentes na estrutura do composto. Um intenso pico correspondendo a banda de absorção de 1611cm-1 é observado. Este pico pode estar relacionado a vibração de deformação de água adsorvida, como também a presença de ligações C=O [14]. O pico observado na banda de 1410cm-1 está relacionado a deformação de grupos alquílicos (CH2-). É interessante notar que um pico entre 1400 e 1390cm-1, característico de ácidos carboxílicos, não foi observado no espectro da Figura 11. Este fato corrobora para que o grupo carboxilato (COO-) esteja atuando de modo a complexar íons chumbo em solução, com a conseqüente formação do composto citrato de chumbo, insolúvel, que tende a precipitar sobre a superfície do metal. Os picos das demais bandas, correspondentes a número de onda mais baixo, são pouco significativos para o presente caso, uma vez que denotam as ligações entre átomos de carbono e hidrogênio na estrutura molecular do composto obtido.

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Figura 11. Espectro de infravermelho do produto de corrosão formado sobre a superfície do chumbo.

Através da técnica de difração de raios-X (DRX), pôde-se avaliar precisamente a

presença de grupo carboxilato no produto insolúvel obtido sobre a superfície do chumbo. Este procedimento realizado em comparação com os difratogramas do sal citrato de sódio e do ácido cítrico, ambos de origem comercial (Figura 12).

Figura 12. Difratograma do produto insolúvel obtido na superfície do chumbo. As linhas em azul e em cinza representam os difratogramas do citrato de sódio comercial e do ácido cítrico comercial, respectivamente. Em destaque, tem-se o difratograma do produto insolúvel.

A análise dos difratogramas da Figura 12 permite inferir que o ácido cítrico apresenta três picos diferentes em comparação com produto de corrosão obtido. Este fato pode estar indicando que íons chumbo estejam se ligando através dos átomos de oxigênio livres presentes nos grupos carboxilatos do íon citrato, de acordo com o estimado pelos espectros de IV-FT (Figura 11). Por outro lado, ao comparar o difratograma do citrato de sódio com o do produto obtido, observa-se a presença de um pico distinto. Este pico está sugerindo que o chumbo está diretamente ligado ao grupo

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carboxilato. Tais evidências corroboram para que o produto de corrosão seja o sal citrato de chumbo (Pb3Cit) precipitado na superfície. 3.4. Efeito da concentração de íons citrato.

O ensaio de imersão com perda de massa do chumbo em meio HCl com adição de citrato, em concentrações variadas, evidencia que o processo de corrosão se acentua com o aumento da concentração. O perfil da variação da perda de massa em função do tempo de imersão está ilustrado pelo gráfico da Figura 13 e os valores de taxa de corrosão encontram-se alocados na Tabela 1.

0 5 10 15 20 25 30

0

5

10

15

20

25

30 0,1mol.dm

-3

0,3 mol.dm-3

0,5 mol.dm-3

Perda de massa (mg.cm-2)

tempo (dias)

Figura 13. Perda de massa do chumbo em meio HCl na presença de íons citrato em função do tempo de imersão. Tabela 1 – Taxa de corrosão do chumbo em HCl com adição de íons citrato. Concentração de íons citrato (mol.dm-3) Taxa de corrosão (mdd)

0,1 95 0,3 220 0,5 691

Através do gráfico da Figura 13, pode-se averiguar que o processo corrosivo na presença de íons citrato na concentração de 0,5 mol.dm-3 é bastante distinto daquele para concentrações menores. É provável que a adição crescente de íons citrato esteja favorecendo a complexação de íons Pb em solução. Portanto, tem-se o aumento da taxa de corrosão.

A caracterização da superfície do chumbo em meio ácido aponta que, para concentrações baixas de citrato, tem-se que o processo de corrosão ocorre com a formação de produtos insolúveis, os quais se apresentam como cristais sob a forma de

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plaquetas sobre a superfície metálica (Figuras 14a e b). No entanto, quando a concentração é 0,5 mol.dm-3, não são visualizados tais produtos (Figura 14c). Este fato corrobora para que íons citrato estejam complexando íons Pb em solução, evitando assim que compostos de chumbo insolúveis precipitem sobre a superfície. Logo, os íons citrato, quando em concentrações mais elevadas, podem induzir a formação de espécies complexadas solúveis em solução. Portanto, pode-se dizer que íons citrato agem como antiincrustantes frente ao chumbo em meio HCl.

(a)

(b)

14

(c)

Figura 14. Micrografia da superfície do chumbo após 30 dias de imersão em meio HCl 1 mol.dm-3 com adição de íons citrato. (a) 0,1; (b) 0,3 e (c) 0,5 mol.dm-3.

Os espectros da superfície do chumbo exposta em meio HCl na presença de íons citrato cuja concentração é 0,1mol.dm-3 mostra picos referentes a presença do elemento cloro (Figura 15a). Tal fato sugere que o produto insolúvel existente na superfície seja cloreto de chumbo, PbCl2. Os picos referentes a presença de cloro também é observado no espectro da superfície do chumbo exposta a meio HCl na presença de íons citrato cuja concentração é de 0,3 mol.dm-3 (Figura 15b). No entanto, este espectro também exibe picos referentes aos elementos carbono, oxigênio e sódio, elementos presentes na estrutura do citrato de sódio. Logo, tem-se que íons citrato em maiores concentrações interagem mais intensamente com a superfície do chumbo. O espectro obtido para a superfície do chumbo em meio HCl na presença de íons citrato em concentração de 0,5 mol.dm-3 é mostrado na Figura 15c. O espectro exibe picos referente a presença dos elementos carbono, sódio, oxigênio e cloro. Pela intensidade do pico referente a presença do elemento cloro, nota-se que a presença deste é praticamente pouco significativa ao se comparar com os picos apresentados nos espectros anteriores (Figuras 15a e 15b). Este fato está diretamente relacionado ao efeito complexante do citrato frente aos íons chumbo, evitando que o cloreto de chumbo seja formado, favorecendo a dissolução do metal.

(a)

15

(b)

(c) Figura 15. Espectro da superfície do chumbo após 30 dias de imersão em meio HCl com adição de citrato (a) 0,1; (b) 0,3 e (c) 0,5 mol.dm-3. 4. CO�CLUSÃO

Conclui-se que a corrosão do chumbo em meio ácido é altamente influenciada pela presença de íons citrato, e que este, quando em altas concentrações atua de modo a promover a dissolução do metal. O processo de corrosão ocorre, concomitantemente, de forma uniforme e localizada, com a formação de produtos insolúveis sobre a superfície do chumbo. Estes produtos insolúveis precipitam com o aumento do pH próximo a superfície, não havendo formação destes em solução tampão (meio citrato-HCit). A morfologia do produto de corrosão é diferente quando a solução é mantida sob agitação constante. A caracterização do produto de corrosão obtido sugere que este seja o citrato de chumbo, Pb3cit.

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AGRADECIME�TOS Os autores expressam sinceros agradecimentos ao Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Industrial (IPDI): Laboratório de Microscopia Atômica (LMA) e Laboratório de Raios-X (LRX), da UFC. REFERÊ�CIAS BIBLIOGRÁFICAS. [1] A. J. D. Rocha, Perfil Analítico do Chumbo. Boletim n°8. Ministério das Minas e

Energia Material da Unicamp – Biblioteca do Instituto de Geociências, 1973. [2] K. H. W. Seah, S.C. Sharma, J. Venkatesht and B. M. Girisht. Corrosion Behaviour of Lead Alloy/Zircon Particulate Composites. Corrosion Science. 39 (1997), n 8, p. 1443-1449. [3] S. S. Abd El Rehim and N. F. Mohamed, Passivity Breakdown of Lead Anode in Alkaline Nitrate Solutions. Corrosion Science. 39 (1998), n 11, p. 1887-1896. [4] S. S. Abd El Rehim, N. H. Amin, L. I. Al and J. Mohamed. Lead Corrosion by Tartaric and Oxalic Acids in Food Cans. Journal of Chemistry Biotechnology, 72 (1998), p. 197-202. [5] E. Rocca and J. Steinmetz. Inhibition of Lead Corrosion With Saturated Linear Aliphatic Chain Monocarboxylates of Sodium. Corrosion Science. 43 (2001), p 891-902. [6] V. Gentil. Corrosão. Editora Livro Técnica e Científico, p.185, 1996, 3ª Edição, Rio de Janeiro.. [7] R. H. Wanatabe e B. S. L. Neto, Desenvolvimento de Banhos Eletrolíticos Para Tratamentos de Superfícies Usando Compostos Bem Definidos de Metais de Transição. Revista Analytica. 31 (2007), p. 72 – 77. [8] B. C. Ferreira. Estudo do Comportamento Eletroquímico de uma Liga de Ferro Exposta as Soluções Aquosas contendo Íons Zinco e Citrato como Inibidores de Corrosão e a adição destes Iíons no Processo Convencional de Fosfatização. 95 (2004), Tese de mestrado – Instituto Tecnológico de Aeronáutica,São José dos Campos. [9] M. S. Sonmez and R. V. Kumar. Leaching of Waste Battery Paste Components. Part 1: Lead Citrate Synthesis from PbO and PbO2. Hydrometallurgy. 95 (2009), p. 51-60. [10] NACE Standart TM-01-69, National Association of Corrosion Engineers. March, 1969. [11] M. Kourgiantakis, M. Matzapetakis, C. P. Raptoulou, A. Terzis and A. Salifoglou. Lead-Citrate Chemistry. Synthesis, Spectroscopic and Structural Studies of a Novel Lead (II) - Citrate Aqueous Complex. Inorganica Chimica Acta. 297 (2000), p. 134-138.

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[12] C. M. V. Almeida, B. Giannetti and T. Rabockay. Interpretação modelística de transients de corrente de eletrodo de estanho em meio ácido. Anais do X Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalitica (X SIBEE) EF@, São Carlos-SP (1996), p. 27-30. [13] C. M. V. Almeida, B. F. Giannetti and T. Rabockay. Inhibiting Effect of citric acid on the pitting corrosion of tin (1999), p. 185-189. [14] R. M. Silverstein, G. C. Bassler and T. C. Morril. Identificação Espectrométrica de Compostos Orgânicos. Editora Guanabara Koogan. (1994), p. 85-152. 5ª Edição, Rio de Janeiro.