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ESTUDO DA ABSORÇÃO DE CROMO PELO FIO DE CATGUT Andreia C. Padilha 1 , Karine C. Castro 1 , Sylma C. Maestrelli 1 , Maria G. N. Campos 1 1 Universidade Federal de Alfenas, Instituto de Ciência e Tecnologia, Poços de Caldas (MG), Brasil E-mail: [email protected] Resumo. O fio de sutura Catgut é basicamente composto por colágeno, uma proteína fibrosa proveniente da camada serosa do intestino delgado de bovinos. Em razão da sua constituição, o fio de Catgut é facilmente absorvido pelo organismo. O Catgut Cromado difere do Simples pelo tratamento com sais de cromo que recebe durante sua produção, aumentando sua resistência tênsil e, consequentemente, o tempo de absorção pelo corpo. Este trabalho teve por finalidade avaliar se a alteração do tempo de cromação e da concentração de cromo na solução utilizada influenciaram as características finais requeridas para aprovação do fio. Para a caracterização dos fios, realizou-se análise por espectroscopia de infravermelho, teste do teor de cromo absorvido e teste de resistência à tração com fio seco e úmido. Os resultados obtidos foram satisfatórios e demonstraram que os fios submetidos à metodologia estudada apresentaram propriedades exigidas pelos limites de especificação. Palavras-chave: Catgut Cromado, Colágeno, Cromo. 1. INTRODUÇÃO Os fios de sutura são utilizados desde a antiguidade, quando o homem percebeu que ao fechar os ferimentos a cicatrização era acelerada. Atualmente, tem-se grande variedade de fios de sutura, desde fios de origem animal, Catgut Simples e Cromado, origem vegetal, Seda e Algodão, até fios de origem sintética, como Poliglactina, Poliéster, Nylon, Polipropileno, etc. Estes diferentes tipos de fios de sutura podem ser caracterizados pela sua absorção ou não pelo organismo, ou ainda por serem monofilamentares ou multifilamentares. O fio de Catgut alcançou ampla aceitação de mercado devido às melhorias adotadas em seu processo produtivo. Estas melhorias foram implantadas para que este tipo de produto atendesse as especificações necessárias à sua aplicação. Um fio de sutura ideal deve apresentar as seguintes características: segurança no nó, fácil manuseio, baixa reação tecidual, resistência tênsil apropriada para cada número cirúrgico, não possuir ação carcinogênica, não induzir ou provocar infecção, além de oferecer baixo custo. Assim, cada fio de sutura é indicado para determinadas aplicações, de modo a garantir maior perspectiva de sucesso na finalidade à qual é empregado. 9º Congresso Latino-Americano de Orgãos Artificiais e Biomateriais 13º Congresso da Sociedade Latino Americana de Biomateriais, Orgãos Artificiais e Engenharia de Tecidos - SLABO 24 a 27 de Agosto de 2016, Foz do Iguaçu, PR 534

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ESTUDO DA ABSORÇÃO DE CROMO PELO FIO DE CATGUT

Andreia C. Padilha1, Karine C. Castro1, Sylma C. Maestrelli1, Maria G. N. Campos1

1Universidade Federal de Alfenas, Instituto de Ciência e Tecnologia, Poços de Caldas (MG), Brasil

E-mail: [email protected]

Resumo. O fio de sutura Catgut é basicamente composto por colágeno, uma proteína fibrosa proveniente da camada serosa do intestino delgado de bovinos. Em razão da sua constituição, o fio de Catgut é facilmente absorvido pelo organismo. O Catgut Cromado difere do Simples pelo tratamento com sais de cromo que recebe durante sua produção, aumentando sua resistência tênsil e, consequentemente, o tempo de absorção pelo corpo. Este trabalho teve por finalidade avaliar se a alteração do tempo de cromação e da concentração de cromo na solução utilizada influenciaram as características finais requeridas para aprovação do fio. Para a caracterização dos fios, realizou-se análise por espectroscopia de infravermelho, teste do teor de cromo absorvido e teste de resistência à tração com fio seco e úmido. Os resultados obtidos foram satisfatórios e demonstraram que os fios submetidos à metodologia estudada apresentaram propriedades exigidas pelos limites de especificação. Palavras-chave: Catgut Cromado, Colágeno, Cromo.

1. INTRODUÇÃO

Os fios de sutura são utilizados desde a antiguidade, quando o homem

percebeu que ao fechar os ferimentos a cicatrização era acelerada. Atualmente,

tem-se grande variedade de fios de sutura, desde fios de origem animal, Catgut

Simples e Cromado, origem vegetal, Seda e Algodão, até fios de origem sintética,

como Poliglactina, Poliéster, Nylon, Polipropileno, etc. Estes diferentes tipos de fios

de sutura podem ser caracterizados pela sua absorção ou não pelo organismo, ou

ainda por serem monofilamentares ou multifilamentares.

O fio de Catgut alcançou ampla aceitação de mercado devido às melhorias

adotadas em seu processo produtivo. Estas melhorias foram implantadas para que

este tipo de produto atendesse as especificações necessárias à sua aplicação.

Um fio de sutura ideal deve apresentar as seguintes características: segurança

no nó, fácil manuseio, baixa reação tecidual, resistência tênsil apropriada para cada

número cirúrgico, não possuir ação carcinogênica, não induzir ou provocar infecção,

além de oferecer baixo custo. Assim, cada fio de sutura é indicado para

determinadas aplicações, de modo a garantir maior perspectiva de sucesso na

finalidade à qual é empregado.

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O fio de Catgut Cromado, abordagem principal deste estudo, difere do Catgut

Simples apenas pela etapa adicional de cromação, à qual as fitas de serosa bovina

são submetidas. O cromo tem por função aumentar a resistência tênsil dos fios,

fazendo com que o tempo de absorção do mesmo pelo organismo seja retardado.

O fio de Catgut é de origem proteica, constituído basicamente de colágeno do

tecido conjuntivo de animais. Este colágeno é proveniente da camada serosa do

intestino delgado de bovinos e ovinos e é facilmente absorvido pelo corpo humano

(CHU et al., 1996).

O colágeno é uma proteína fibrosa que apresenta formato de superhélice,

composta por três cadeias polipeptídicas separadas, denominadas cadeias-α,

enoveladas umas com as outras. O supernovelamento é orientado para a direita

enquanto que as cadeias-α são orientadas para a esquerda (NELSON; COX, 2002).

As três cadeias polipeptídicas possuem cada uma delas três resíduos por

passo. A sequência de aminoácidos típica do colágeno apresenta uma unidade

repetitiva tripeptídica, Gly-X-Y, em que X é, geralmente, uma prolina e Y,

geralmente, uma hidroxiprolina (FIGURA 1). Deste modo, as cadeias-α, em sua

maioria, podem ser vistas como um politripeptídeo representado por –Gly-Pro-

HyPro-. Cada terceiro resíduo na hélice tripla de colágeno é uma glicina, porque em

cada terceira posição o resíduo deve estar posicionado no interior da hélice, e a

glicina consegue ser acomodada nas junções extremamente estreitas entre as

cadeias-α (CHAMPE, 2009).

Figura 1 - Estrutura química dos principais aminoácidos que compõem o colágeno.

A sequência de aminoácidos nas cadeias-α e a estrutura superenovelada do

colágeno favorecem a presença de ligações peptídicas formando ligações cruzadas

covalentes entre as cadeias-α. As ligações cruzadas são interações entre os grupos

carboxílicos e aminos, e proporcionam grande estabilidade e força tensora à

estrutura através de ligações covalentes. As diferentes associações das moléculas

de triplahélice (denominadas tropocolágenos) dão forma às fibrilas do colágeno

(SILVA; PENNA, 2012).

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H O

O H

O emprego do cromo como elemento chave para o aumento da resistência do

fio de Catgut se deve a estabilidade que seus compostos apresentam quando em

seu estado trivalente, (LEE, 1999). O aumento do tempo de absorção do fio é

obtido através da utilização de alúmen de crômio III e potássio, comumente

chamado Alúmen de Cromo.

O Alúmen de Cromo, , também representado por

, se dissocia completamente em íons simples quando em

solução e formam complexos (compostos de coordenação). Esta propriedade é

característica dos metais de transição, os quais possuem orbitais d disponíveis que

podem acomodar pares de elétrons doados pelo ligante e, então, compartilhá-los.

Quando há grande afinidade entre metal e ligante, a formação de complexo é

favorecida, deste modo, a concentração do íon livre do metal em solução é muito

baixa (VOGEL, 1960).

Os íons podem formar diferentes complexos, mas, usualmente, possuem

coordenação 6 e estruturas octaédricas. O íon hexaaqua é ácido, podendo dimerizar

formando duas ligações hidroxo em ponte (A):

(LEE, 1999).

Desta forma, os compostos de cromo podem se coordenar com a cadeia

polipeptítica do colágeno nos grupos carboxílicos e aminos livres, os quais possuem

pares de elétrons que podem ser compartilhados. Esta interação entre e seus

ligantes doadores de elétrons é responsável pelo fortalecimento da estrutura das

cadeias do colágeno e consequente aumento da resistência do fio.

A absorção do fio de Catgut Cromado no organismo se completa em cerca de

90 dias e a perda da força tênsil leva cerca de 21 dias (COVIDIEN, 2011). O Catgut

é absorvido através da quebra das ligações moleculares por hidrólise ácida e

colagenólise, seguida por fagocitose, processo que engloba as partículas que serão

digeridas pelas células, fornecendo-lhes energia (SILVA, 2009).

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Para avaliar o desempenho dos fios de Catgut Cromados submetidos a

diferentes concentrações de cromo em solução de banho e diferentes tempos de

permanência no banho foram realizados dois banhos de cromação com smolls de

uma e três fitas de serosa, os quais resultam em sua maioria, após a torção e

secagem, em fios de USP 3-0 e USP 1, respectivamente. Smoll representa a

amarração das fitas de serosa, para manuseio e passagem pelas etapas de

processamento.

Os banhos de cromação foram realizados à temperatura ambiente de 22-23°C.

O pH das duas soluções de banho foi verificado nos tempos zero e nos tempos de

retirada das fitas de serosa, devendo seguir a especificação de pH entre 4 e 6. A

composição dos banhos foi variada como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Composição dos banhos de cromação das fitas de serosa.

Componentes CROMAÇÃO 1 CROMAÇÃO 2

Quantidade de fitas 84 smolls de uma fita 100 smolls de uma fita 71 smolls de três fitas 50 smolls de três fitas

Carbonato de Sódio (g) 4,2 3,7 Solução de Pirogalol (L) 1,05 0,95

Alúmen de Cromo (g) 28,35 30,53 Água (L) 42 37

A Cromação 1 foi realizada com uma quantidade de Alúmen de Cromo 10%

inferior a que seria normalmente utilizada e a Cromação 2 com quantidade 10%

superior. Smolls de composição de uma fita foram retirados com 42 e 54 minutos de

permanência na solução de banho. E smolls de composição de três fitas

permaneceram 48 e 60 minutos no banho de cromação.

2.3 Caracterização dos Fios Cromados 2.3.1 Espectroscopia na Região do Infravermelho (FTIR)

A avaliação dos grupos funcionais presentes em maior quantidade no colágeno

que compõe os fios de Catgut foi realizada através da análise por FTIR (Fourier

Tranform Infrared Spectroscopy). O ensaio foi conduzido no equipamento Cary 630

FTIR - Agilent Technologies do Laboratório da Universidade Federal de Alfenas, em

Poços de Caldas. As 10 amostras foram submetidas à varreduras entre 650 a 4000

cm-1, com resolução de 4 cm-1.

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2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Etapa de Cromação

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A análise do teor de cromo absorvido pelos fios foi realizada pelo Laboratório

de Saneamento da USP de São Carlos. 0,5g de fios de cada amostra foram

digeridos à quente utilizando-se ácido nítrico 50% e ácido clorídrico 50%.

Posteriormente, o teor de cromo foi determinado por Espectroscopia de Absorção

Atômica no equipamento Varian modelo AA 1275.

2.3.3 Ensaio de Resistência à Tração

Os ensaios de tração foram realizados no Laboratório de Controle de

Qualidade da Medtronic em São Sebastião do Paraíso no equipamento Emic

DL500MF. Foram realizadas 10 corridas para cada lote dos fios e dois tipos de

testes, com o fio a seco e úmido, todas as corridas à velocidade de 300 mm/min.

Para os fios USP 3-0 a célula de carga utilizada foi de 100 N e para os fios USP 1 a

célula de carga foi de 500 N.

Ensaio de tração a seco: teste realizado após a etapa de polimento e seleção

dos fios. Ensaio de tração a úmido: realizado com o produto acabado, removendo-o

do envelope contendo solução alcoólica. Este teste é feito para averiguar se as

propriedades mecânicas dos fios não foram afetadas durante seu processamento.

A força tênsil do fio de sutura representa a força mínima necessária para

rompê-lo. A resistência à tração é determinada pela força mínima para cada fio

individual submetido ao ensaio e calculada pela força média, que devem estar de

acordo com a especificação da ABNT ou Farmacopeias.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os fios de Catgut Cromados obtidos dos dois banhos de cromação com

quantidades de Alúmen de Cromo 10% acima e 10% abaixo do que seria

normalmente utilizado para o comprimento e quantidade de fitas de serosa em

questão (FIGURA 2) apresentaram-se visualmente similares aos fios de Catgut

Cromado produzidos normalmente.

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2.3.2 Análise do Teor de Cromo

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Figura 2 – Amostra dos fios de Catgut Cromado USP 3-0 e USP 1, respectivamente.

Fonte: Autora. 3.1 Espectroscopia de Absorção na Região do Infravermelho

Através dos espectros de infravermelho obtidos pode-se identificar as principais

bandas características dos grupos funcionais presentes no colágeno. As ilustrações

a seguir são referentes às amostras de três fitas de serosa, que resultam em sua

maioria em fios de USP 1 (FIGURA 3) e às amostras de uma fita de serosa,

resultando em fios de USP 3-0 (FIGURA 4). Nas legendas estão indicados os

tempos de banho à que as amostras foram submetidas e também a concentração de

alúmen de cromo, 10% a mais da usual ou 10% a menos.

Figura 3 - Espectro FTIR Catgut Cromado USP 1. Fonte: Autora.

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Figura 4 - Espectro FTIR Catgut Cromado USP 3-0. Fonte: Autora.

Os espectros das amostras apresentaram regiões de absorção análogas umas

às outras, variando na intensidade de absorção. Este fato pode ser justificado pela

origem das fitas de serosa que compõem os fios de Catgut e pelas cadeias proteicas

das amostras que se apresentaram muito uniformes se comparadas umas com as

outras. Esta mudança nos picos se deve às diferentes intensidades das interações

intermoleculares presentes nas cadeias do colágeno, principalmente pelas ligações

de hidrogênio (MUYONGA; COLE; DUODU, 2004).

Através dos espectros, observa-se as principais bandas de absorção

características do colágeno, listadas na Tabela 2. A construção da tabela foi

baseada na Figura 4, no entanto, Figuras 3 e 4 apresentaram bandas características

em números de onda extremamente próximos.

Tabela 2 – Principais bandas identificadas nos espectros de FTIR dos fios de Catgut

Cromados.

Comprimentos de Onda (cm-1) Associação

1235 1226-1292 cm-1 – amida III 1338 1200-1300 cm-1 – COO- 1450 1450 cm-1 – anéis pirrolídicos 1543 1500-1550 cm-1 – amida II 1631 1600-1700 cm-1 – amida I

3293 3200-3600 cm-1 O-H / 3100-3350 cm-1 N-H (amida I)

A identificação da amida I na faixa de absorção observada se associa ao

estiramento da carbonila, C=O, enquanto que a faixa de absorção da amida II se

relaciona à deformação das ligações N-H. Já a faixa de absorção da amida III, que

geralmente apresenta menor intensidade, se associa às vibrações de estiramento C-

N e deformação N-H (CHANG; TANAKA, 2002).

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A banda intensa e larga observada nos espectros corresponde aos grupos

hidroxila, evidenciando a presença de moléculas de água fisicamente adsorvidas no

material. Esta mesma banda é sobreposta pela banda característica das ligações N-

H da amida I, visto que absorvem na mesma região do espectro infravermelho.

Também foi possível a identificação de grupos carboxila dissociados, COO-, que

correspondem ao estiramento assimétrico desses grupos. Nota-se ainda a presença

de anéis pirrolídicos, constituintes da prolina e hidroxiprolina, aminoácidos muito

abundantes nas cadeias de colágeno.

3.2 Análise do Teor de Cromo

Os testes para verificação do teor de cromo absorvido pelos fios resultaram em

absorções entre 0,28 e 0,40% de cromo para fios USP 1 e USP 3-0. A especificação

para a absorção de cromo é de 0,15 a 0,80%. Os resultados para todas as amostras

estão expressos na Tabela 3 a seguir.

Tabela 3 – Teor de cromo absorvido pelos fios em diferentes tempos e concentrações de banho.

N° CIRÚRGICO TEMPO DE

BANHO (min)

QUANTIDADE DE CROMO EM SOLUÇÃO

% DE CROMO TOTAL

USP 3-0

42 10% a menos 0,325

10% a mais 0,378

54 10% a menos 0,405

10% a mais 0,380

USP 1

48 10% a menos 0,285

10% a mais 0,389

60 10% a menos 0,357

10% a mais 0,359

É possível observar que todos os valores estão dentro da faixa de

especificação do teor de cromo para os fios de Catgut, indicando que a cromação

ocorreu de forma efetiva. O comportamento esperado era de que as fitas submetidas

à menores tempos de banho e menores concentrações de cromo em solução,

absorvessem menos cromo, no entanto, isto não foi observado em todos os casos.

De acordo com Vogel (1960), a formação do complexo é favorecida quando há

grande afinidade entre metal e ligante, no caso, íon Cr3+ e O ou N, que possuem

pares de elétrons livres. O fator que influencia nos resultados obtidos é de que as

fitas são polímeros naturais, ou seja, cada fita possui uma configuração estrutural,

interagindo com o cromo em diferentes proporções.

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A faixa de especificação para teor de cromo absorvido possui um range alto,

0,65%. Deste modo, através dos testes realizados, percebe-se que os valores de

cromo absorvido pelos fios em diferentes tempos e concentrações de cromo em

solução não foram tão distintos. Este fato pode despertar o interesse da diminuição

do tempo de banho e da quantidade de Alúmen de Cromo utilizada em processo,

seguindo outros meios de comprovação de que as características dos fios estão de

acordo com o padrão de qualidade exigido.

3.3 Análise de Resistência à Tração

3.3.1 Ensaio de Tração com Fio Seco

Os valores obtidos no ensaio de resistência à tração dos fios de Catgut

Cromados estão apresentados na Tabela 4 a seguir, bem como os valores

especificados para resistência mínima e média mínima, segundo a especificação

utilizada pela indústria.

Tabela 4 – Valores de resistência à tração sobre nó com fio seco.

Catgut Cromado USP 3-0 Resistência à Tração:

Valor mínimo individual: 0,85 Kgf; Média mínima: 1,56 Kgf

Tempo de Banho (min)

Quantidade de Alúmen de Cromo

Valor mínimo individual (Kgf)

Média (Kgf)

42 10% a menos 1,63 2,436 ±0,401

10% a mais 1,60 2,219 ±0,386

54 10% a menos 1,95 2,369 ±0,363

10% a mais 1,62 1,915 ±0,205

Catgut Cromado USP 1 Resistência à Tração:

Valor mínimo individual: 2,43 Kgf; Média mínima: 4,75 Kgf

Tempo de Banho (min)

Quantidade de Alúmen de Cromo

Valor mínimo individual (Kgf)

Média (Kgf)

48 10% a menos 5,74 6,455 ±0,771

10% a mais 4,98 6,523 ±1,324

60 10% a menos 4,75 6,192 ±0,923

10% a mais 5,02 6,141 ±0,782

Através da tabela, observa-se que as amostras dos fios submetidos ao ensaio

apresentaram resultados acima da especificação. Todos os fios ensaiados

apresentaram valores muito superiores aos requisitos mínimos aceitáveis.

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As ligações covalentes cruzadas na cadeia do colágeno são responsáveis em

maior parte pela resistência à tração dos fios de Catgut, no entanto, as ligações

estabelecidas pelo cromo, ao formar complexos com os ligantes na estrutura do

colágeno, contribuem para o aumento da força tênsil do fio.

3.3.2 Ensaio de Tração com Fio Úmido

Para o ensaio de resistência à tração dos fios de Catgut ao serem retirados da

embalagem onde estavam inseridos em solução alcoólica, foram obtidos os valores

apresentados na Tabela 5.

Tabela 5 - Valores de resistência à tração sobre nó com fio úmido.

Catgut Cromado USP 3-0 Resistência à Tração:

Valor mínimo individual: 0,96 Kgf; Média mínima: 1,54 Kgf

Tempo de Banho (min)

Quantidade de Alúmen de Cromo

Valor mínimo individual (Kgf)

Média (Kgf)

42 10% a menos 1,60 1,973 ±0,226

10% a mais 1,56 1,904 ±0,234

54 10% a menos 1,43 1,788 ±0,233

10% a mais 1,35 1,728 ±0,234

Catgut Cromado USP 1 Resistência à Tração:

Valor mínimo individual: 2,55 Kgf; Média mínima: 4,31 Kgf

Tempo de Banho (min)

Quantidade de Alúmen de Cromo

Valor mínimo individual (Kgf)

Média (Kgf)

48 10% a menos 4,87 5,304 ±0,382

10% a mais 4,32 4,978 ±0,523

60 10% a menos 5,15 5,487 ±0,354

10% a mais 4,45 5,132 ±0,437

Através dos resultados obtidos, observa-se que as amostras dos fios

submetidos ao ensaio apresentaram valores acima da especificação. Todos os fios

ensaiados apresentaram valores muito superiores aos requisitos mínimos aceitáveis.

Os resultados de resistência à tração dos fios úmidos tiveram seus valores

ligeiramente inferiores aos resultados dos fios a seco.

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4. CONCLUSÃO Neste trabalho foi estudada uma metodologia diferente na etapa de cromação

da produção dos fios de Catgut, verificando se o tempo de banho e concentração de

cromo em solução tem relação direta com a absorção de cromo pelas fitas de

serosa.

A análise dos espectros FTIR evidenciou a presença dos principais grupos

característicos do colágeno nos fios de Catgut Cromados. Através dos outros testes

pode-se comprovar que as alterações realizadas na cromação não interferiram no

desempenho dos fios de Catgut, segundo a especificação requerida. Os testes de

qualidade realizados (avaliação do teor de cromo absorvido e teste de resistência à

tração) apresentaram resultados satisfatórios.

Não foi identificado tendência de redução ou aumento significativo das

características dos fios submetidos ao método em questão. A absorção de cromo

pelas fitas de serosa é variável de fita para fita, no entanto, mesmo com a

diminuição do tempo de contato e da concentração de cromo em solução, os fios

absorveram quantidades que lhe conferiram as propriedades necessárias para

aprovação no processo de fabricação.

AGRADECIMENTOS

À Medtronic pelo apoio na realização deste trabalho. REFERÊNCIAS CHAMPE, P.C. Bioquímica ilustrada. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. CHANG, M. C.; TANAKA, J. FT-IR study for hydroxyapatite/collagen nanocomposite cross-linked by glutaraldehyde. Biomaterials, v. 23, p. 4811–4818, jun. 2002. CHU, C.C.; VON, F.J.A.; GREISLER, H.P. Wound Closure Biomaterials and Devices. Ed., CRC Press, p. 40-43; 66-69; 140-141; 241-248, 1996. COVIDIEN. Catálogo de suturas. Disponível em: <www.covidien.com.br>. Acesso em: 01 mar. 2016. LEE, J. D. Química inorgânica não tão concisa. 5 ed. São Paulo: Edgard Blucher, p. 364-366, 1999. MUYONGA, J. H.; COLE, C. G. B.; DUODU, K. G. Fourier transform infrared (FTIR) spectroscopic study of acid soluble collagen and gelatin from skins and bones of young and adult Nile perch (Lates niloticus). Food Chemistry, v. 86, p. 325-332, jul. 2004. NELSON, D.L.; COX, M.M. Lehninger: princípios de bioquímica. 3 ed. São Paulo: Sarvier, 2002.

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SILVA, L.S. Aplicabilidade e reação tecidual dos fios de sutura. 2009. 42f. Trabalho de pós-graduação – Escola de Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2009. SILVA, T.F; PENNA, A.L.B. Colágeno: Características químicas e propriedades funcionais. Rev. Inst. Adolfo Lutz, São Paulo, p. 530-539, 2012. VOGEL, A. I. Química analítica cuantitativa: teoria e práctica. 2 ed. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, p. 25-27, 1960.

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Keywords: Chromic Catgut, Collagen, Chrome.

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STUDY OF CHROMIUM ABSORPTION BY CATGUT THREAD

Andreia C. Padilha1, Karine C. Castro1, Maria G. N. Campos1

1Federal University of Alfenas, Institute of Science and Technology, Poços de Caldas (MG), Brazil

E-mail: [email protected]

Abstract. The Catgut suture thread is composed of collagen, a fibrous protein

obtained from the serosa of bovine’s intestine. Because of its constitution, the Catgut

thread is easily absorbed by the organism. The Chromic Catgut differs from the Plain

Catgut on the treatment with chrome salts that it receives during its production,

increasing its tensile strength and therefore the time it takes to be absorbed by the

body. The current study had the purpose to evaluate if the change on the chroming

time and on the concentration of chrome in the solution influenced the final

characteristics required to the thread be approved. To the characterization of the

threads, the following tests were performed: infrared spectroscopy analysis, chrome

content absorbed and tensile strength with dry and moist threads. The obtained

results were satisfactory and they showed that the threads made upon the studied

methodology presented properties within the specification limits.