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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS ESTUDOS DE TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO: SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO TEATRO PORTUGUÊS LUÍS GAMEIRO 2011

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    ESTUDOS DE TEATRO

    ANTNIO PINHEIRO: SUBSDIOS PARA A HISTRIA DO TEATRO PORTUGUS

    LUS GAMEIRO

    2011

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    ESTUDOS DE TEATRO

    ANTNIO PINHEIRO: SUBSDIOS PARA A HISTRIA DO TEATRO PORTUGUS

    LUS GAMEIRO

    Dissertao orientada pela Professora Doutora Maria Helena Serdio e apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

    para a obteno do grau de Mestre em Estudos de Teatro

    2011

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    RESUMO

    Pretende-se defender que Antnio Pinheiro , no Teatro Portugus do sculo XX, um nome incontornvel. Antnio Pinheiro quem, apoiado nas ideias positivistas que Tefilo Braga introduz em Portugal, inicia o sindicalismo na classe teatral. Como fundador de trs associaes de defesa dos artistas, entre 1902 e 1918, enfrenta os poderes institudos no mundo do Teatro, nomeadamente os empresrios.

    tambm Antnio Pinheiro que reformula o ensino de Teatro no pas. Ao organizar um curso no mbito dos estatutos da Associao de Classe dos Artistas Dramticos, acaba por dar ao ensino a sua primeira experincia consistente, na qual o decretado curso da Escola da Arte de Representar se fundamenta. Nomeado Professor de Esttica e Plstica Teatral, desenvolve estudos e observaes em torno da anatomia e da fisionomia, contribuindo com estes para a formao artstica em mmica e pantomima, que defende como pilares da arte de representar.

    Antnio Pinheiro lidera duas tentativas para reformar o Teatro nacional D. Maria II [Garrett], na alvorada e no ocaso da 1 Repblica, que o Tesouro no permitiu implementar. Todavia, neste palco, como actor e como encenador, procura a elevao moral e artstica do Teatro Portugus, carregando consigo a distino de brilhantes trabalhos em organizaes to importantes como a Companhia Rosas & Braso e o Teatro Livre. A iniciao artstica da Companhia Rey Colao Robles Monteiro completa a incontestabilidade do significado da obra de Antnio Pinheiro.

    PALAVRAS-CHAVE:

    Encenao

    Esttica

    Ensino

    Repblica Sindicalismo

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    ABSTRACT

    The aim is to sustain That Antnio Pinheiro is, in the portuguese theater of the

    twentieth century, Teatro Portugus do sculo XX, an unavoidable name. It is Antnio Pinheiro who, based on the positivist ideas brought to Portugal by Tefilo Braga, starts unionism in theater. As the founder of three associations on behalf of artistas aid, between 1902 and 1918, he fights against the main powers in the world of theater, namely the theaters employeurs.

    It is also Antnio Pinheiro who reforms the theater teaching in the country. By

    establishing a course inside Associao de Classe dos Artistas Dramticos, he gives teaching the first consistent experience, in which the decreed course of Escola da Arte de Representar sustains its arguments. Comissioned as professor aesthetics, he develops observations and studies around anatomy and physiognomy. With those, he helps students in mimicry and pantomime, disciplines he claims as the pillars of performing.

    Antnio Pinheiro leads two attempts to reform the Teatro Nacional D. Maria II [Garrett], in the beginning and in the end of the republican regime, That Treasury did not allow implementing. Nevertheless, on this stage, as actor and director, he seeks to take portuguese theater to moral and artistic high-profile, carrying with him distinguished and brilliant works in important companies such as Companhia Rosas & Braso and Teatro Livre. The artistic leadership on the start of Companhia Rey Colao Robles Monteiro complete the indisputability of meaning of the dids of Antnio Pinheiro.

    PALAVRAS-CHAVE: Direction

    Aesthetics

    Teaching

    Republic Unionism

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    AGRADECIMENTOS

    Para o desenvolvimento deste trabalho contriburam, para alm da preciosa ajuda de documentos e obras consultadas, um certo nmero de pessoas, sem as quais no seria possvel chegar a bom porto. Deste modo, tornam-se exigveis certas referncias, agradecendo em primeiro lugar Professora Doutora Maria Joo Brilhante, pela sugesto a este seu aluno, anos atrs, de uma dissertao sobre Antnio Pinheiro. D. Maria Jos Furtado, neta de Antnio Pinheiro, pela generosidade e simpatia com que acolheu esta investigao e o seu autor. Sofia Patro e Guida Bruno da biblioteca do Museu Nacional de Teatro, Lusa marques da biblioteca da escola Superior de Teatro e Cinema, Fernanda Bastos da biblioteca do teatro nacional D. Maria II, pelo precioso e imprescindvel apoio no acesso a documentao. Famlia Andrade, pela generosidade com que permitiu o acesso ao seu arquivo fotogrfico. Professora Doutora Maria Joo

    Almeida, responsvel pelo Seminrio de Orientao, em cujas sesses transmitiu confiana no resultado da investigao, que seria indubitavelmente diferente sem o seu apoio. Finalmente, um agradecimento especial Professora Doutora Maria Helena Serdio, Orientadora desta dissertao, pois sem o seu entusistico apoio, alento e simpatia no se realizaria este trabalho.

    Lus Gameiro, Setembro 2011

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    A Antnio Pinheiro

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    NDICE

    Introduo8 1.Esboo Biogrfico.9 2.ASSOCIATIVISMO...10 2.1.Origens Filosficas e Recepo em Portugal.11 2.2.Associativismo em Portugal13 2.3.O Associativismo Segundo Antnio Pinheiro14 2.4.Montepio dos Actores Portugueses18 2.5.Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia...20 2.6. Mausolu dos Artistas Dramticos...24 2.7.Associao de Classe dos Artistas Dramticos.26 2.8.Casa Gil Vicente...32 2.9. Associao de Classe dos Trabalhadores de Teatro34 3.ENSINO...37 3.1.Triunfo do Liberalismo...39 3.2.Romantismo.40 3.3.Reformas no Ensino.41 3.4.Almeida Garrett e o Conservatrio...42 3.5.Conservatrio Geral de Arte Dramtica...45 3.6.Escola da Arte de Representar...49 3.7.Esttica e Plstica Teatral...56 3.8.Matrias Publicadas62 4.TEATRO NACIONAL D. MARIA II...64 4.1.Teatros de Lisboa.65 4.2.Teatro da Rua dos Condes..67 4.3.Teatro do Salitre.68 4.4.Rivalidade...69 4.5.Teatro Nacional70 4.6.Repblica e Teatro Nacional..75 4.7.Comisso de Inqurito de 1911..77 4.8.Projecto de Reforma do Teatro Nacional..81 4.9.Reforma de 1926..86

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    5.PRTICA TEATRAL91 5.1.Amador Dramtico..92 5.2.Teatro Mambembe..95 5.3.Companhia Rosas & Braso.100 5.4.Antnio Pinheiro Actor..105 5.5.Antnio Pinheiro Encenador 113 5.6.Teatro Livre...116 5.7.Societrio do Teatro Nacional..120 5.8.Companhia Rey Colao Robles Monteiro...124 Concluso.128 Bibliografia...131 Sitiografia.138 Apndices.139 Anexos...147

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    INTRODUO

    O Teatro Portugus , nos anos da viragem do sculo XIX para o sculo XX, lugar de mudana de paradigma, por fora do que ento ocorre no pas. So os anos do canto do cisne da Monarquia que, no sculo XX, no vai alm dos dez anos, e do advento da 1 Repblica que viver dezasseis primaveras. Contudo, no se pode circunscrever a Portugal os fenmenos a que o mundo teatral lusitano assiste. O Positivismo de Auguste Comte surge no pas, a doutrina realista obriga convulso romntica, um processo de mutao est em curso. Neste processo, que ocorre mediante a miscigenao de tendncias, sobressaem agentes que defendem ideias novas, com modos inovadores de pensar o Teatro e de fazer Teatro. Antnio Pinheiro posiciona-se como um desses agentes de mudana, mediante quatro vectores fundamentais de interveno. Alm da prpria produo de teatro, como actor e depois tambm como encenador, Pinheiro debrua-se sobre a defesa dos direitos dos artistas. Surge como defensor de um curso de Teatro inovador em Portugal, ao mesmo tempo que passa pela situao de professor durante quase trs dcadas. Desempenha, igualmente, um papel importante na defesa de um Teatro Nacional de elevada qualidade moral e artstica. Que motivos levam o actor Antnio Pinheiro a pensar o Teatro Portugus, empenhando-se na sua renovao? Que novas ideias traz consigo e de onde surgem essas mesmas ideias? Antnio Pinheiro um arauto portugus do Realismo e das ideias que este movimento transporta consigo? E, mais importante, que tipo de mudanas tem o ensejo de alcanar para a arte teatral portuguesa?

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    1.ESBOO BIOGRFICO

    No dia 21 de Dezembro de 1867 nasce Antnio Jos Pinheiro, na Rua do Rego da cidade de Tavira. Filho de um sapateiro, cedo parte na companhia dos pais para Lisboa, cidade onde vive desde os cinco anos. Na capital inicia um percurso de estudos que o levam Escola Politcnica, com o objectivo de concluir o curso de Medicina. contudo o Teatro, cujo ensino comea a frequentar em paralelo com a Medicina, a verdadeira vocao de Antnio Pinheiro. Amador desde cedo, filho e neto de amadores de teatro, estreia-se em 1886 no Teatro Ginsio em Nobres e Plebeus. Participa e forma companhias ambulantes que actuam pelo pas, bem como toma parte em iniciativas congneres nos estados brasileiros de So Pulo e do Rio de Janeiro. Notabiliza-se na Companhia Rosas & Braso no ano de 1900 em Viriato Trgico. Defensor acrrimo dos direitos dos artistas de teatro, funda em 1902 a Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia, bem como a Associao de Classe dos Artistas Dramticos, em 1908, qual preside at sua liquidao. Em 1917 mentor e redactor dos estatutos da Associao de Classe dos trabalhadores de Teatro, de que se torna Presidente Honorrio. No seio da segunda destas instituies, defende a profunda reforma do ensino de teatro, a qual tem lugar em 1911, pela iniciativa do Governo Provisrio da Repblica, que legisla com base nas ideias defendidas por Antnio Pinheiro. No curso de teatro do Conservatrio professor de Esttica e Plstica Teatral de 1911 a 1939. Toma parte em duas propostas de reforma para o Teatro Nacional D. Maria II, do qual actor e encenador a partir de 1911 e durante trs anos. Volta algumas vezes a este palco, onde se despede da actuao em 1933, com D. Sebastio, pela Companhia Rey Colao Robles Monteiro, a qual deve parte do seu prestgio a Antnio Pinheiro. Durante a primeira metade dos anos vinte, representa em vrios filmes produzidos pela Invicta Film, assinando por vezes a realizao a direco de actores. Em 1939 condecorado com a Comenda da Ordem de SantIago da Espada. Em 1942 homenageado na sua cidade de origem, ao ser descerrada uma placa alusiva sua pessoa no teatro Popular. Aps o seu falecimento, a 2 de Maro de 1943, esta casa de espectculos passa a designar-se Teatro Antnio Pinheiro. Est presente na toponmia de Tavira e do Concelho de Oeiras, onde residia.

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    Com um importante contributo ao teatro portugus para o sculo XX, Antnio Pinheiro deixou publicadas as obras Theatro Portuguez, Esttica e Plstica Teatral e A Figurao no Teatro Como Meio de Educao Social. Deixou, igualmente publicadas, trs obras autobiogrficas: Ossos do Ofcio, Coisas da Vida e Contos Largos So dois os trabalhos que deixou inditos, os quais esto, infelizmente, desaparecidos: Elucidrio de Gil Vicente e Ferro Velho, no qual compilava todos os seus artigos espalhados por variadssimas publicaes peridicas.

    2.ASSOCIATIVISMO

    Na temporada de 1901-1902, o actor Antnio Pinheiro tem no s um lugar de destaque entre o elenco que compe a Companhia Rosas & Brazo1; tem tambm, e segundo a mesma fonte, a responsabilidade de se iniciar como director de cena auxiliar de Jos Antnio Moniz, depois como ensaiador. Mas principalmente pois a temtica que nos ocupa no decorrer do actual captulo a poca em que Pinheiro se lana na organizao associativa, iniciando de acordo com a sua prpria expresso, os seus pruridos associativos. Funda a Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia a 29 de Outubro de 1902, isto , no incio da poca seguinte, com o fito de levantar o nvel moral, artstico e material da classe (PINHEIRO 1929: 70). Ideia louvvel para uns e condenvel para outros, no obstante ser o perodo da sua carreira em que se despoleta uma irreversvel notoriedade crescente, uma iniciativa que est longe de ter nascido ex-nihilo. O Associativismo uma realidade que entrara em Portugal atravs de outras actividades e sectores ou, citando Glria Bastos e Ana Isabel Vasconcelos, a iniciativa de Antnio Pinheiro estava acompanhando movimentaes similares (BASTOS / VASCONCELOS 2004: 76). De todo o modo, indispensvel salientar que a fundao desta Caixa de Socorros, a qual abrangia apenas e s os artistas daquela casa de espectculos (PINHEIRO, 1909: 47), no a primeira associao que pretende defender os interesses dos artistas de teatro. Usamos o verbo pretender de forma propositada pois, e como se

    1 Sublinhamos que nesta altura, a Companhia trabalha no Teatro D. Amlia.

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    ver, nem sempre as instituies concorrem para a real defesa dos interesses dos seus associados. Em 1860 fundara-se a Caixa de Socorros Dramticos por decreto de 4 de Outubro. Teve um incio enrgico mas no continuado. Morreria o grmio, se no fossem os esforos tenazes de trs ou quatro dos seus membros, que tentaram e conseguiram arranc-lo da morte certa e inevitvel, que lhe estava prognosticada (PINHEIRO 1909: 42). A associao foi assim reestruturada, crismando-se em Associao de Socorros Mtuos Montepio dos Actores Portugueses, com alvar rgio de 29 de Maro de 1894. Deste modo, ao tempo em que fundada a Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia 1902 os artistas de teatro apenas podem contar com o Montepio. Contudo, e socorrendo-nos da opinio de Pinheiro que cremos reflectida, os artistas tm razo em entender que o Montepio no corresponde s exigncias da classe. (PINHEIRO, 1909: 43). Se, por um lado, esto longe de perfeitos os estatutos, por outro lado, o artista acusa a sua prpria classe de ser alheada do associativismo (cerca de 70 scios tem o Montepio), ao mesmo tempo que descreve as virtudes e vantagens deste. Neste ponto exigvel uma suspenso do caso Antnio Pinheiro, para procurar perceber de onde vm as suas ideias associativistas. No o faremos porm, antes de salientar o seu pensamento, ao fundar a Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia:

    Porque no instituem os artistas dos demais teatros caixas congneres, com os seus recursos prprios e particulares? No seria este, o caminho traado, para, mais tarde, todas essas instituies de carcter particular, reunindo-se em uma s, depois de estudadas perfeitamente as suas bases e desobstrudos todos os obstculos e entraves, surgir uma associao colectiva, prspera, fecunda e slida, com recursos morais e fontes de receita completamente organizadas e estabelecidas? Era este o pensamento do fundador da Caixa de Socorros do D. Amlia. Propunha-se ele [Pinheiro] a ir a cada teatro, de per si, lanar a semente para a sua germinao []. (PINHEIRO 1909: 48)

    2.1.Origens Filosficas e Recepo em Portugal Aps a Revoluo Francesa e mais tarde completada a queda de Napoleo Bonaparte, Auguste Comte definia o Positivismo, desenvolvido depois pelos seus discpulos. Se aceitarmos que est consumada, dizia, a eliminao da sociedade absolutista e catlica, ento novos tipos de F fundamental existncia humana tm que vingar. A resposta seria, segundo Comte, uma f inabalvel e espontnea que se

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    revela nas ideias da competente autoridade, sem que as mesmas tenham que ser demonstradas. O pensador sugeria a governao da humanidade pelos sbios, com base na cincia moderna, aquela que, segundo ele, mais probabilidades teria para suscitar tal gnero de f. Esta religio da humanidade substitui Deus, e assim apresentada por quem mais contribui para o bem-estar comum. Isto , o altrusmo prevalece sobre o egosmo. Estamos perante a sujeio do indivduo comunidade, conceito que Comte entende ser possvel desenvolver a partir da ideia de Ptria. Em Portugal, depois de um perodo de crescimento, possvel porque de acalmia poltica nos anos 50 e 60 do sculo XIX, o aumento de desemprego na indstria e as fracas colheitas agrcolas, frutos de polticas de desenvolvimento (MNICA 1984: 19), do lugar a um perodo de crise. Neste perodo, ditadura do Duque de Saldanha sucede o governo de S da Bandeira, o qual probe em 1871 as Conferncias do Casino, lugar fundamental de reflexo sobre o Portugal poltico, cultural e social. Levadas a efeito pela chamada Gerao de 70, vem na sequncia da Questo do Bom Senso e do Bom Gosto, na qual Antero de Quental responde a dvidas sobre os valores de novas ideias culturais e artsticas, levantadas por Castilho.

    De entre outros seguidores das ideias de Quental destaca-se Tefilo Braga. Este fervoroso continuador das ideias de Comte, difundidas em Portugal nos finais da dcada anterior. Se o conceito de Ptria, segundo Comte, era indispensvel para uma ideia global e colectiva de Humanidade, Braga protagoniza um cabal exemplo das ideias do primeiro.

    Em 1880 planifica as comemoraes do Centenrio de Cames, momento de manifestao patritica que dez anos depois seria repetido com a questo do Ultimato Britnico. Neste centenrio, tem lugar a experimentao patritica, a partir de uma tese j no de Comte, mas de Tefilo Braga. Isto , o Sentimento fundamental transformao social desejada, apelando-se assim Solidariedade. Se na modernidade o Altar d lugar ao Intelecto, para fomentar a venerao deste ltimo, motor coordenador da sociedade humana, Tefilo estrutura trs vectores de interveno: exposies industriais, congressos e comemoraes.

    As exposies industriais demonstram o enriquecimento colectivo (da Ptria) e no o individual. Os congressos constituem o palco onde os sbios afirmam o poder,

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    no espiritual mas sim cientfico. Finalmente as comemoraes, celebram a memria daqueles que antes contriburam para uma evoluo mental (RAMOS 2001: 68).

    Quando as Comemoraes Camonianas do conta de 40.000 populares nas ruas a favor da nao e contra os ataques ao Imprio (MNICA 1984: 21), assiste-se confirmao das correctas teses de Tefilo Braga. O Ultimato Britnico ainda vem distncia de perto de uma dcada, mas o Tratado de Loureno Marques ameaava violentar a soberania (em frica) da nao2.

    Em 1882, posteriormente s Comemoraes Camonianas, organiza-se um congresso de associaes portuguesas em Lisboa, no dia 10 de Junho. Em sesso inaugural, Tefilo Braga justifica o congresso, considerando-o como o resultado de uma poderosa concentrao do sentimento de um povo que revive (RAMOS 2001: 78). Que associaes eram estas? Por um lado, consistiam em instituies pensadas como utilitrias, garantias de segurana de socorros mtuos ou montepios, mas eram tambm, por outro lado, concebidas de modo a procurar converter indivduos e um povo em parte da humanidade, num efeito de matrioskas russas: da famlia Sociedade de Socorros Mtuos e desta Nao, culminando na Humanidade (RAMOS 2001: 79).

    2.2.Associativismo em Portugal Em Portugal em 1836 que no plano constitucional por resposta constituio

    de 1822 se reconhece o direito livre associao. Mas o Associativismo moderno s possvel com as revolues burguesas dos sculos XVIII e XIX, estando nele implcita a ideologia liberal e os conceitos de Cidadania e de Nao. O seu processo de maturao, segundo Joo Freire, constitudo por trs etapas fundamentais (FREIRE, 2006: 18).

    A etapa do liberalismo individualista tende a confundir erradamente a associao com a ordem monrquica do Antigo Regime, defendendo a liberdade individual.

    Numa segunda etapa, no s se reconhece que a associao no nega os princpios liberais, como tambm contribui particularmente para o progresso e incremento da vida social.

    A terceira e ltima etapa desenvolve-se ao longo da segunda metade do sculo XIX. As ideias polticas emergentes interessam-se por aproveitar o potencial do universo associativo, no por razes ideolgicas, mas sim utilizando a associao como

    2 Segundo o Tratado de Loureno Marques, as tropas inglesas poderiam atravessar e policiar terras e

    guas portuguesas. O escndalo e as reaces nacionalistas contra a Inglaterra foravam a demisso do governo de Braancamp e o adiamento do Tratado.

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    ferramenta para canalizar ideias. Isto , a mobilizao dos trabalhadores, a prtica de aces polticas atravs desses trabalhadores e das suas associaes, e a consequente difuso de referentes culturais e ideolgicos. D. Carlos, coroado em finais de 1889, rapidamente confrontado com o Ultimato Britnico de Janeiro de 1890 e, um ano depois, com a revolta republicana do Porto de 31 de Janeiro. A fragilidade da monarquia notria e produz-se legislao que visa o trabalho e tambm o associativismo3. Por este decreto, a formao de associaes operrias com direitos estritamente profissionais ficou autorizada, carecendo os seus dirigentes de aprovao governamental. Deste modo foi dado um passo decisivo que rompeu com a indefinio da legalidade das associaes operrias no Cdigo Civil de 1867, as quais at ento, segundo Joo Freire, tendiam a ser organizadas mediante o modelo das corporaes de ofcios e das suas irmandades.

    2.3.O Associativismo Segundo Antnio Pinheiro Tornemos a Antnio Pinheiro, procurando perceber como as ideias associativas que defende se enquadram no contexto do seu tempo. Na sua obra Theatro Portuguez, Pinheiro tece vrias consideraes sobre a Associao, que considera estar alicerada na solidariedade e na fraternidade, e que tem ela prpria uma irradiao dos seus benefcios morais e materiais (PINHEIRO, 1909: 34). Vimos que em 1882 se revelaram em Lisboa vrias associaes mutualistas que tero contribudo para a converso do indivduo, tornando-o parte integrante da humanidade num processo sustentado pelo patriotismo. Podemos ento entender o que Pinheiro procura afirmar quando v a dicotomia solidariedade / fraternidade como sustentculo da Associao. S o indivduo solidrio com o seu prximo e fraterno com o seu igual torna possvel a existncia da Associao, concorrendo esta para o apoio material (bem-estar) de todos. Ao mesmo tempo, a Associao vai beneficiar moralmente o associado, indivduo que se torna um ser social que, sujeitando-se comunidade, atinge a perfeio humana.

    3 Decreto de 9 de Maio de 1891. At 1932 entre o decreto e as vsperas do Estado Novo a constituio

    de associaes tem uma intensidade singular, fenmeno que no estar alheio aos princpios de Liberdade e Igualdade, que os doutrinrios tanto enfatizaram (FREIRE, 2006: 20).

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    Tefilo Braga afirmou, no congresso de associaes, que considerava esse congresso uma poderosa concentrao de um povo que revive. Este reviver entende-se como renovao pelo esprito patritico, o qual, recordamos, indispensvel a uma ideia de humanidade segundo Auguste Comte. Pinheiro segue esta linha ao afirmar que da fraternidade humana que surge o dever imperioso e fatal do homem de se associar com os seus semelhantes, cooperando para que desgnios e destinos sejam os mesmos para todos. Em consonncia com a figurao das associaes como matrioskas russas referida por Rui Ramos (famlia, associao, nao, humanidade), Antnio Pinheiro responde com a seguinte afirmao:

    Para que as virtudes pblicas possam ser agrupadas em um s tronco, como virtudes individuais, para que o elo, que as rene, seja uno e indivisvel, para que o desenvolvimento de uma seja a sequncia natural e concomitante da outra, preciso que o sentimento complexo do dever colectivo, seja a mola real da conscincia comum. (PINHEIRO 1909: 35)

    preciso socorrer antes de ser socorrido. A frase toma-a Antnio Pinheiro emprestada ao Baro Isidore Taylor, que a proferiu em 18404, e reflecte a precedncia do colectivo sobre o individual. Deste modo, Antnio Pinheiro revela-se um herdeiro, para a classe teatral portuguesa, das ideias positivistas de Auguste Comte adaptadas realidade portuguesa por Tefilo Braga.

    Quanto ao actor, afirma que a caridade bem ordenada comea por ns, referindo-se fundao da Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia, a 29 de Outubro de 1902 (PINHEIRO 1909: 70). A afirmao, que uma vez mais consonante com a ideia do dever individual para o bem colectivo, reflecte tambm, como atrs referimos, a inteno de um processo de contaminao destes ideais a outros teatros. Dessa forma e segundo a ideia de Pinheiro, no se estaria j perante associaes individuais, mas sim perante uma associao de toda a nao do teatro portugus, que a partir da aco individual germinaria.

    4 O Baro Isidore Justin Sverin Taylor (1789-1879), que foi Comissrio Real do Teatro Francs entre

    1825 e 1830 e entre 1831 e 1838, funda em 1840 a Associao de Socorros Mtuos dos Artistas Dramticos Franceses. Na sua circular, escreve: preciso socorrer antes de ser socorrido. S por este preo que o socorro honra quem o d e quem o recebe (PINHEIRO 1909: 46).

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    Mas seria aco individual enquanto iniciativa emergente no seio de um nico teatro. E ainda aco individual tambm, por se propor o prprio Pinheiro a ser a voz que lanaria a semente associativa noutras casas de espectculos (PINHEIRO 1909: 48). Atravs da Associao, do lugar de perfeita comunho de ideais e em mtuo convvio amistoso e fraternal poderia o artista portugus trocar impresses, fazer valer direitos, reconhecer deveres. As vaidades balofas de que fala Antnio Pinheiro seriam erradicadas (PINHEIRO, 1909: 28), contribuindo a Associao para a elevao do Teatro, pois o Associativismo , para Pinheiro, parte programtica da regenerao do Teatro Portugus:

    No ser tempo de recorrerem aos seus colegas [] deixando de ser mscaras para serem homens, e realizar assim uma obra de regenerao teatral, com a qual ganhariam a arte, a literatura e o teatro portugus? Sim! (PINHEIRO 1909: 29)

    Este Sim! manifesto de Antnio Pinheiro em favor da Associao da classe, resultado de um trabalho de reflexo que o actor produzira anteriormente e que se sustenta tambm sobre aspectos negativos da profisso. So questes que tm eco a partir do seu prprio desempenho enquanto artista de palco, e tambm auscultadas no seio da sua classe, podendo-se dividir em dois tipos de sinais: os sinais que provm da atitude de boa parte dos colegas de profisso, e as que tm origem nas empresas e administradores dos teatros. No que respeita ao primeiro tipo, segundo nos diz Antnio Pinheiro, o artista portugus individualista o suficiente para estar desatento ao quanto a camaradagem entre colegas essencial ao desempenho de todos e ao bem-estar comum. O artista que se enquadra neste tipo de atitude no entende tais factos como parte integrante e essencial do seu Eu artstico (PINHEIRO 1909: 36). Contudo, como esta educao profissional o reflexo perfeito e acabado da educao cvica da anquilosada sociedade, este um fenmeno transversal a toda a sociedade, estando longe de ser uma questo reservada classe artstica. A deformao e depauperao inerentes a vcios que vo do egosmo maledicncia, da vaidade ao indiferentismo, so provocados por falta de esperana e confiana no socorro mtuo, e sobretudo por falta de f nos princpios associativos, isto , como diria Auguste Comte, falta de f na Humanidade, que nos tempos modernos se substitui a Deus.

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    De acordo com estas ideias, o artista portugus reconhece como esprito associativo o direito a dizer mal dos colegas tanto do ponto de vista artstico como da perspectiva particular (PINHEIRO 1909: 38). Segundo esta ideia, um grupo bem unido, forte, animado e coeso, significaria a explorao dos pequeninos escndalos e as misrias humanas.

    No que respeita ao grupo do segundo tipo de sinais, aqueles que recaem sobre actos e decises das empresas, Antnio Pinheiro constata os aspectos que partem desde logo da elaborao dos contratos. As escrituras teatrais tendem a baixar a sua durao. Representavam anteriormente dez meses de trabalho, e foram sendo reduzidas progressivamente, pelo que uma temporada chega a ser de apenas sete meses de durao. Situao negativa, uma vez que menos meses de contrato representam a reduo do ordenado em vrios meses, sem que o valor do seu vencimento reflicta qualquer compensao (PINHEIRO 1909: 19). Esta situao agrava-se, uma vez que as empresas foram o artista a um perodo que varia de duas semanas a um ms de ensaios preliminares antes da abertura da temporada, sem que este mesmo perodo tenha reflexos ao nvel da remunerao (PINHEIRO 1909: 20). E, de facto, uma compensao remuneratria seria igualmente desejvel, uma vez que as matines, cada vez mais regulares, significam mais trabalho por parte dos artistas. As digresses a que os artistas esto sujeitos, encontram-se tambm sem qualquer compensao. No existe qualquer ajuda de custo para alimentao ou qualquer outra compensao financeira, englobando os contratos, nessa altura5, digresses s ilhas adjacentes, de acordo com o que ento se estipulava. Estes mesmos contratos so facilmente quebrados pelos empresrios a meio das temporadas, se os mesmos entenderem que determinado artista est sobrevalorizado. Este, no defendido por qualquer lei, no tem possibilidade de reclamao nem est sujeito a qualquer compensao. Ao contrrio do que muitos pensam, explica Pinheiro, as digresses de Vero no so muito compensatrias para os artistas. Diz-nos o actor que os artistas:

    5 Notar que algumas questes expostas no eram j actuais aquando da publicao de Theatro Portuguez

    em 1909. Antnio Pinheiro ressalva que os seus considerandos foram publicados originalmente no peridico Correio da Noite, reflectindo o contexto da altura. (PINHEIRO 1909: 123) De resto, entre as duas publicaes, Pinheiro fundara a Associao de Classe dos Artistas Dramticos, que desenvolvia trabalho.

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    [Sofrem] privaes de toda a ordem fsica e moral, viajando sem conforto, de noite, aps os espectculos, nos belos sistemas de viao das nossas provncias; explorados por todos, desde o carreiro que os rouba no aluguer do carroo, at ao porteiro que fura entradas para os amigos; satisfazendo ao tesouro nacional a contribuio industrial por cada espectculo e pagando em Lisboa a sua contribuio, que no anulada por aquele motivo; alojando-se em hotis continentais e europeus (!) de dirias fabulosas e de cozinhas e camas selvticas, que os obrigam a trazer no indispensvel, os Ps Keating e os Sais de Frutas; aturando as crticas de Sarceys sertanejos, doubls de escrives de fazenda e de recebedores concelhios, e depois de errarem um ou dois meses pelas nossas provncias, como os antigos cmicos de la lgua, voltam a Lisboa sem dinheiro, alquebrados, de relaes estremecidas com os seus camaradas e por vezes at empenhados! (PINHEIRO 1909: 25)

    Antnio Pinheiro refere tambm o caso da Lei do Descanso Semanal, que levou certa empresa teatral de Lisboa a reduzir um dia por semana de ordenado aos seus artistas, e o facto de qualquer actor com dificuldades fsicas poder ser facilmente dispensado (PINHEIRO 1909: 27).

    O exemplo que chega de Frana entende-o como modelar. Os artistas franceses reconhecem os deveres profissionais, como tambm reconhecem direitos artsticos e de cidados. Na altura em que Antnio Pinheiro escreve este passo, o artista Coquelin lAin era ainda vivo e dirigia a Maison de Retraite des Comediens, instituio pelo actor francs muito defendida.

    2.4.Montepio dos Actores Portugueses Nos alvores do sculo XX, a classe teatral portuguesa dispe de uma instituio

    de socorros6. O Montepio dos Actores Portugueses no mais do que a converso da Caixa de Socorros Dramticos, fundada a 4 de Outubro de 1860, cujos estatutos foram modificados em 18947.

    nica instituio de socorros dedicada especificamente aos profissionais de teatro na sua generalidade, o Montepio dos Actores alvo de consideraes por parte de Antnio Pinheiro no livro Theatro Portuguez, cujos textos constituem ensaio em que o actor analisa o estado de coisas no seio da sua classe nos incios do sculo XX, antes de se lanar nos seus pruridos associativos.

    6 Por decreto do Ministro do Interior, foi criado em 1898 o Cofre de Socorros do Teatro Nacional D.

    Maria II, do qual beneficiam exclusivamente os artistas daquele teatro. 7 Dos Estatutos da Associao de Socorros Mtuos Montepio dos Actores Portugueses: art 1 - A Caixa

    de Socorros Dramticos, mandada criar pelo artigo 92 do decreto de 1860, denominar-se- Montepio dos Actores Portugueses e a sua sede ser em Lisboa.

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    Fundado em 1860 com o ttulo de Caixa de Socorros Dramtica, teve no seu incio, um perodo de actividade impulsiva, para depois cair, pouco a pouco, numa relativa modorra e abandono. Os seus scios, desinteressando-se, gradual e progressivamente, de todos os seus direitos e deveres, depositaram, por assim dizer, o seu mandato num s indivduo, que com o dom da ubiquidade era a um tempo director, tesoureiro, secretrio, relator e at assembleia geral! [] O Montepio chegaria a um perodo de completa dissoluo, se no fossem os esforos tenazes de trs ou quatro dos seus membros, que tentaram e conseguiram arranc-lo da morte certa e inevitvel que lhe estava prognosticada. (PINHEIRO, 1909: 42)

    Esta tentativa de renascimento do Montepio dos Actores Portugueses exigiu que os seus membros aprovassem novos estatutos em 1894. A legislao de 1891, pelo Decreto de 9 de Maio, para isso contribuiu. Isto , no poderia o Montepio associao mutualista viver na mesma realidade, sem essa lei que definia uma mais concreta legalidade das associaes de profissionais.

    Desta forma, pode concluir-se que a instituio Caixa de Socorros Dramtica, cuja criao antecede em quase trinta anos a legislao sobre associativismo, sobreviveu durante esse tempo dentro do esprito da corporao de ofcio, segundo a concluso de Joo Freire.

    Em 1901, por alvar rgio de 3 de Setembro, so aprovados novos estatutos8, num tempo em que presidia ao Montepio o artista Augusto Rosa. O que dizem esses estatutos, ltimos aprovados antes de Antnio Pinheiro fundar a primeira das trs associaes que havia de criar? A sua leitura explica a considerao do actor, que considera estes estatutos longe de atingir a meta da perfeio com disposies acanhadas e retrgradas (PINHEIRO 1909: 43).

    Pelo artigo 4 ficam definidas as finalidades do Montepio. Este procurar socorrer scios doentes, contribuir para funerais, estabelecer penses para scios incapacitados e para herdeiros. Contudo, o artigo seguinte revela que o universo dos scios se restringe a artistas de ambos os sexos e a pontos, excluindo assim as restantes actividades que gravitam em torno dos espectculos.

    As condies para admisso de scios (artigo 6) excluem, partida, os casos menos consolidados em termos de carreira por um lado, e por outro aqueles artistas que se encontram j numa faixa etria fora da juventude. Assim, para alm de exame mdico, os candidatos devem cumprir as seguintes condies:

    8 [] Associao de Socorros Mtuos Montepio dos Actores Portugueses, pedindo a minha aprovao

    para os estatutos por que pretende reger-se em substituio dos que foram aprovados por alvar de 29 de Maro de 1894.

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    - Ter um ano de bons servios com reconhecido mrito, auferindo 20$000 (ris) por ms ou, em alternativa, trs anos de igual prestao profissional com o vencimento de 12$000.

    - Ter menos de 45 anos de idade. - Pagar 6$500 de jia, a qual no pode ser paga em menos de seis prestaes. - Pagar200 ris pelo exemplar dos estatutos. Deste modo, os contratos, que alguns artistas assinavam com as empresas

    teatrais, poderiam no permitir a sua admisso como scios do Montepio, e consequentemente a possibilidade de terem proteco social legal.

    Ainda do artigo 6, consta o auxlio aos scios, mediante as seguintes condies: - Ter seis meses completos de associado para usufruir de assistncia mdica. - Ser scio h pelo menos um ano para que, em caso de fatalidade, o seu funeral

    seja pago pelo Montepio. - Ao fim de cinco anos de scio, pode o artista usufruir de aposentadoria por

    diminuio fsica. Estas determinaes so susceptveis de falhar no real auxlio a associados

    necessitados, no correspondendo s exigncias da classe, tal como refere Antnio Pinheiro. Por outro lado, o actor explica que o Montepio sobrevive estamos na primeira dcada do sculo XX com as quotas de sessenta a setenta scios, e com dez artistas incapacitados.

    Sabemos tambm pela pena de Antnio Pinheiro que o fundo permanente do Montepio dos Actores de 38.200$000, verba de onde saem penses por incapacidade que ascendem a 995$600. De onde vem esta verba, ao que se refere o artigo 49 dos estatutos:

    - 27.000$000 de capital. - Produto de jias. - Produto de benefcios impostos pelo Governo aos teatros, segundo portaria que

    vem do ano de 1861. - Donativos governamentais ou de outras entidades. Por um lado, os maus vcios e prticas da classe apontados por Antnio Pinheiro,

    por outro lado estatutos mediante os quais o lugar social do artista fica ameaado, constituem a baliza na qual sobrevive a Associao de Socorros Mtuos Montepio dos Actores Portugueses.

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    2.5.Caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia Na poca teatral de 1902-1903, a Companhia Rosas & Brazo continua no

    Teatro D. Amlia, gerido pelo Visconde de So Luiz Braga. A 29 de Outubro de 1902, Antnio Pinheiro funda a Caixa de Socorros daquela casa de espectculos, instituio particular e exclusiva dos artistas ali escriturados.

    Em Leis Fundamentaes e Geraes da Caixa de Socorros dos Artistas do Theatro D. Amlia, est expressa a melhoria ou a tentativa de melhorar o acesso ao auxlio por parte dos associados de uma instituio de socorros mtuos.

    Tentativa pois, de acordo com o que diz Casimiro Tristo, o socorro mtuo s seria permitido nesta instituio por ser esta de carcter particular, sendo ela prpria a gestora, geradora e gastadora de fundos (PINHEIRO 1929: 291).9

    As Leis Fundamentais da instituio assumem a procura de prestao de todo o socorro na acepo lata da palavra (Anon 1905: 1). De acordo com o artigo 2, o mesmo socorro engloba assistncia mdica e medicamentos, emprstimos monetrios, legados, funerais e penses (Anon 1905: 2).

    O artigo 3 reflecte, tambm ele, a tentativa de expandir o auxlio, atravs de uma maior abrangncia do universo dos profissionais associados. Assim, a Caixa de Socorros admitiria, para alm de actores, actrizes e pontos, o director de cena, o contra-regra e o aderecista (Anon 1905: 2).

    Mas como poderia sobreviver uma instituio desta natureza, apostada em prestar auxlio? Se o mesmo, estatutariamente previsto, englobava emprstimos monetrios e penses, que tipo de receitas contribuam para sustentar este tipo de apoios? Pelo artigo 5 fica claro que h uma substancial diferenciao entre scios contribuintes e scios inabilitados. Isto , uma diferena entre aqueles que pagam mensalidades e usufruem das regalias da caixa, e aqueles que no podem exercer e tm direito a penso e mais socorros estatudos (Anon 1905: 3), situao sustentada por parecer mdico.

    Atentemos no artigo 7, o qual prev as receitas provenientes dos scios contribuintes:

    - 1% do ordenado mensal - 1$500 ris sobre cada benefcio

    9 O texto de Casimiro Tristo originalmente publicado em 19 de Dezembro de 1912 no peridico

    Bandarilhas de Fogo.

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    - Donativos obrigatrios sobre ganhos em qualquer rcita particular, pblica ou associativa, fora dos ordenados pela empresa (Anon 1905: 3)

    Se as duas primeiras fontes de receita se podem considerar bvias, a terceira , porventura, evidente quanto noo de Associao e de defesa da mesma. Qualquer ganho de um artista fora do mbito da companhia a que est vinculado, est sujeito a uma contribuio por parte do mesmo artista.

    Outras fontes de receita esto previstas no artigo 9: - A totalidade das multas aplicadas s faltas cometidas no servio do teatro e

    que forem designadas na tabela de servio da empresa (Anon 1905: 4) - Auxlio que a empresa entenda dispensar - Juros de capital - Produto de rcitas, donativos, juros de transaces monetrias e de todos os

    meios que a Direco entenda dever criar (Anon 1905: 4) - Juros de dvidas dos scios Caixa, considerados emprstimos As dvidas sobre emprstimos feitos aos scios ou as multas que revertem para a

    Caixa, so passveis de responsabilizar o artista perante a Associao a que est filiado. O socorro mtuo, com tais medidas previstas estatutariamente, preside ao fundamento da caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia.

    De todo o modo, o universo de uma associao deste tipo bastante diminuto, e o auxlio prestado reflecte, forosamente, as limitaes inerentes a esta caixa de socorros. O crescimento necessrio para melhor aplicao de regalias, prev-o o artigo 50, atravs da seguinte declarao:

    No se excluem outras medidas e encargos. O pouco tempo de existncia da Caixa s permite os encargos expostos. Com a continuao e desenvolvimento da mesma, as penses e legados aumentaro, tomando em ateno a justa relatividade entre capital e juros. (Anon 1905: 14)

    As penses e emprstimos que, no horizonte dos estatutos, podero ser aumentados, situam-se aquando da elaborao dos mesmos 1902 nos seguintes valores (Anon 1905: 8):

    - 20% de emprstimo monetrio, sobre o valor do vencimento anual, ao qual se aplica um juro mximo de 6% ao ano

    - 10% sobre o ltimo ordenado mensal, direito de cada scio inabilitado e em cada ms

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    A nica excepo prevista para que artistas no associados usufruam das vantagens da Caixa, tem a ver com profissionais estrangeiros que desenvolvam trabalho temporariamente no Teatro D. Amlia. Segundo o artigo 48,

    A Caixa prestar sempre que possa o seu auxlio aos artistas estrangeiros que se achem em trabalho no Teatro D. Amlia, e que a Direco entenda em circunstncias dignas e justas de receber auxlio ou socorro. (Anon 1905: 13)

    Em sintonia com o propsito de propagar a ideia da Caixa de Socorros aos demais teatros, vem a terreiro o peridico Vanguarda de 31 de Outubro de 1902. O colunista expressa o seu desejo de ver outros teatros seguirem este exemplo, consolando-o ver sair da inrcia uma classe que tanto valor em si mesmo encerra So expostas as linhas gerais do que a Caixa prope, isto , fundamentalmente a unio da classe e a entreajuda ainda que neste caso de modo particular apontando o dedo s falhas que no tm permitido essa mesma unio. De acordo com as reflexes de Pinheiro,

    [] at hoje a vaidade de uns, a ignorncia de outros e a indolncia de tantos, tem arrastado ao abandono dos seus prprios interesses e do seu desanimador futuro. (PINHEIRO 1929: 71)

    Em sentido contrrio vai o peridico Folha da Tarde de 7 de Novembro de 1902, em artigo de Nascimento Correia, director de cena e ponto do teatro da Trindade. Considera lamentvel a iniciativa da criao daquela caixa de socorros, criticando o auxlio aos artistas estrangeiros e colocando uma srie de questes. Estas, no fariam sentido, anulando a sua afirmao de falta de solidariedade dos artistas portugueses, se fosse caso de Nascimento Correia conhecer os estatutos da Caixa de Socorros. o prprio articulista quem declara no os conhecer, afirmando que no podemos tratar da formao desta caixa porque no lhe conhecemos os estatutos (PINHEIRO 1929: 72). Desta forma, no obstante a incluso do artigo fortemente criticado de Nascimento Correia nas memrias de Antnio Pinheiro10, depreende-se a existncia de debate de ideias. Debate no em torno da prtica teatral como de facto acontecia, mas de ideias concretas que fazem emergir o associativismo teatral em Portugal, ainda que seja em fase laboratorial de experimentao e de tomada de pulso realidade associativa e

    10 Escusado ser dizer que no refutei a argumentao parcial e tola do camarada director de cena

    (ponto) (!) que no tendo feito at ento, coisa alguma de uma forma geral, nem sequer particular, se atirou a mim como Santiago aos mouros (PINHEIRO 1929: 74).

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    elaborao estatutria, derivando depois na experincia fundamental e decisiva que consiste na fundao da Associao de Classe dos Artistas Dramticos em 1908. A este reflectido associativismo, que desponta no Teatro Portugus com o sculo XX, respondem ideias altrustas que anteriormente identificmos, e que so vlidas desde a criao da caixa de Socorros dos Artistas do Teatro D. Amlia:

    [] tendo presidido ideia inicial da Caixa como s suas disposies o mais largo altrusmo, intil querer reconhecer no seu enunciado ambiguidades de interpretao. As leis so o que so e no se prestam nem a fugas nem a lugares comuns. (Anon 1905: 15)

    A ltima ideia expressa nos estatutos da Caixa de Socorros a da construo de um jazigo para os scios (Anon 1905: 13). Do respeito de Antnio Pinheiro pela memria dos colegas desaparecidos, do conta as constantes referncias, poca a poca, da composio das companhias, e o destaque de quantos j no vivem O projecto do tmulo tem origem no facto de o Teatro D. Maria II deter um talho para sepultura dos seus artistas, por iniciativa de Francisco Palha, comissrio rgio daquela casa de espectculos. Este jazigo e um outro, chamado dos Actores Portugueses, esto na origem da Associao de Classe dos Artistas Dramticos como seguidamente trataremos.

    2.6. Mausolu dos Artistas Dramticos Escreve Casimiro Tristo em 1919, acerca do caso dos jazigos:

    H uns bons dez anos, o nosso ilustre colega Antnio Pinheiro, ao voltar de um funeral e ainda dentro do Cemitrio dos Prazeres, foi abordado por um guarda que o convidou a ir com ele ver o estado dos jazigos dos artistas dramticos. Foi. A runa em que se encontravam confrangia quem deles e aproximasse. (TRISTO 1919b: 5)

    O estado de conservao das sepulturas seria, segundo Tristo, de desleixo e abandono. O prprio Antnio Pinheiro escrevera, anos antes, acerca deste assunto:

    Vo l e vejam! Na rua central encontraro, no comeo da ala esquerda, um tmulo cujo frio mrmore ainda diz: Jazigo dos actores do teatro D. Maria II. Mandado levantar por iniciativa do Exmo. Sr. Francisco Palha de Faria de Lacerda, comissrio rgio junto do referido teatro 1886. Esta inscrio foi mandada lavrar pelos actores do mesmo teatro em sinal de gratido. Rodeiem-no, levantem umas tbuas que mo condoda e annima ali colocou para substituir a pedra tumular que a aco do tempo destruiu e vero, ento, que

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    horrvel espectculo! uma promiscuidade revoltante que ali se nos depara! (PINHEIRO 1909: 52)

    Este assunto levou a que Antnio Pinheiro deitasse mos a nova iniciativa, embora, e segundo Casimiro Tristo, partisse a ideia do guarda do cemitrio, o qual ter alvitrado que um tosto por cada artista seria o bastante para tudo remediar (TRISTO 1919a: 6). Pinheiro constitua, passados dias e com a colaborao dos colegas Leopoldo de Carvalho, Carlos Santos e lvaro Cabral, a Comisso Executiva dos Jazigos dos Actores Portugueses.

    Na imprensa de 18 de Outubro de 1907, lia-se o seguinte:

    So convidados todas as actrizes, actores, directores de cena, pontos e contra-regras a reunir-se amanh, Sbado 19, pelas 3 horas da tarde, na Associao dos Lojistas de Lisboa, Largo da Abegoaria ao Carmo, 29-1, a fim de, constitudos em assembleia geral, lhes ser presente e resolverem um assunto de interesse geral. (TRISTO 1919a: 7)

    Desta convocatria no resulta apenas a apresentao e aprovao unnime de uma proposta para pr cobro situao dos jazigos. A assembleia tambm, e principalmente, a primeira reunio da classe teatral, que conta com uma assistncia de cento e cinco artistas e vinte e um representantes de outros tantos profissionais, o que leva Antnio Pinheiro a congratular-se com a primeira vez que notava tanta unio na

    classe (TRISTO 1919a: 7). De resto, desta assembleia que surge em concreto a possibilidade de fundar uma associao de classe11. A comisso constituda, e que convocara a assembleia, assume o estudo das bases dessa associao (TRISTO 1919a: 9). Antnio Pinheiro est a partir de ento no caminho da fundao da Associao de Classe e das batalhas e agruras que da advm, enquanto o fim para o qual a assembleia era convocada no conhecia nenhum resultado prtico antes de doze anos volvidos12. A ideia de um mausolu nico para os artistas dramticos, projectado pelo escultor Teixeira Lopes para o Cemitrio do Alto de S. Joo, no passaria nunca do projecto. O assunto encerrava-se em 1919, com os dois jazigos existentes nos Prazeres a serem restaurados, servindo, um e outro, de lugar de sepultura dos restos mortais dos

    11 A Associao parte desta assembleia, pese embora o facto de Antnio Pinheiro desenvolver a ideia da

    sua fundao desde 1906 (PINHEIRO 1929: 291) 12

    Em 1917 fundada a Associao de Classe dos Trabalhadores de Teatro, sucessora da Associao de Classe dos Artistas Dramticos. sob a sua gide que o assunto dos jazigos resolvido.

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    Artistas Dramticos Portugueses, ficando averbados ao Montepio dos Actores, tal como publica a Ilustrao Portugueza de 10 de Novembro de 1919. Todavia, ainda Pinheiro quem, a 24 de Outubro de 1907, lana uma petio a apresentar Cmara Municipal de Lisboa, para cedncia de 119 metros quadrados de terreno que serviria para a construo do mausolu. No ltimo dia desse ms, uma comisso presidida por Antnio Pinheiro, sempre ele, faz entrega ao vereador Marques Leito do resultado da petio, que conta com vrias dezenas de assinaturas (TRISTO 1919a: 11).

    2.7.Associao de Classe dos Artistas Dramticos pois em assembleia da classe, de 19 de Outubro de 1907, que lanada a ideia de formar a associao de classe, tendo a Comisso Executiva dos Jazigos dos Actores Portugueses assumido o estudo das suas bases. Dos nomes dessa comisso, assinam os estatutos da Associao de Classe dos Artistas Dramticos Antnio Pinheiro, presidente, Carlos Santos e lvaro Cabral, secretrios. Estes estatutos so aprovados em Assembleia-geral de 11 de Maro de 1908, e tm alvar rgio de 21 de Maio do mesmo ano.

    Pinheiro identifica a reaco ao surgimento da Associao:

    [] o que preciso aqui ficar assente que a primeira Associao de Classe dos Artistas Dramticos Portugueses foi fundada em 1908, e que a sua fundao fez tremer de susto e lanou o pnico em todos os empresrios teatrais do tempo [] (PINHEIRO 1929: 142)

    Do artigo 2 dos estatutos constam as competncias e objectivos da Associao: - Estudo e defesa dos interesses econmicos e artsticos, morais e materiais dos seus associados - Fundao de uma Cooperativa de Crdito de Responsabilidade Limitada, alm de quaisquer outras instituies, anexas a esta Associao [] de acordo com as leis vigentes

    - Procura de trabalho e colocao de scios desempregados, com anlise de caso a caso no tocante ao seu valor artstico, sem deprimir mritos nem estimular vaidades - Organizao de uma biblioteca - Organizao de um Curso Livre de Arte de Representar, o qual ser gratuito para os scios, e cujas lies sero administradas pro bono

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    - Realizao de conferncias pblicas sobre a arte teatral - Publicao de um Anurio da Associao, o qual testemunhar a vida da instituio, incluindo relatrio e contas A primeira iniciativa com visibilidade pblica por parte da Associao, consiste na sua festa de 16 de Fevereiro de 1909. Diz Pinheiro:

    A Associao de Classe dos Artistas Dramticos ia vingando e fortalecendo-se, e a 16 de Fevereiro de 1909, realizava ela no D. Amlia a sua rcita, que ficou memorvel nas grandes noites do Teatro Portugus. Essa rcita foi obra minha, filha do meu esforo e da minha persistncia e tenacidade. Os jornais do dia seguinte descrevem-na e se algum l para o diante quiser saber ou interessar-se pelo caso, d-se ao trabalho de os procurar e de os ler. (PINHEIRO 1929: 149)

    Diz-nos ainda Pinheiro que nessa noite em mais nenhum teatro de Lisboa houve qualquer espectculo. Os artistas, quase sem excepo, estiveram no palco do D. Amlia perante um pblico alegre, satisfeito, que vitoriava e aclamava uma classe (PINHEIRO 1929: 150). Contudo, esta rcita ocorre quando quase se completa um ano de vida da Associao. Que trabalho desenvolveu a instituio durante este tempo? A biblioteca organizada com livros oferecidos e ainda com jornais e revistas de arte, angariados quer a ttulo gratuito quer por assinatura. O objectivo desta biblioteca, isto , pr disposio dos scios um leque de obras e artigos relacionados com a sua prpria expresso artstica, no ter surtido qualquer efeito. Diz Pinheiro que tnhamos uma biblioteca, um bibliotecrio, e nunca um nico scio pediu um livro para consultar (PINHEIRO 1929: 169). Antnio Pinheiro faz este comentrio a propsito do Anurio da Associao, o qual afirma ser publicado com bastante censura dos associados. Ora, so precisamente os anurios que permitem perceber a estrutura do curso (Anon 1909: 27). Promove-se o estudo de lngua portuguesa e francesa. O curso contempla ainda cadeiras de Declamao, Arte de Interpretar e Arte de Dizer, esta dirigida por Antnio Pinheiro. Em seco complementar, funcionam ainda cadeiras de Histria Geral, Histria da Arte, Psicologia Fisiolgica e Sociologia, Coreografia e Esttica. A finalidade deste curso prende-se com a educao de artistas ou espectadores conscienciosos na anlise das peas e interpretao, e tem a durao de trs anos lectivos (Anon 1909: 29). Glria Bastos e Ana Isabel Teixeira de Vasconcelos reconhecem alguma ambio na organizao deste curso (BASTOS / VACONCELOS 2004: 76), embora vejam nele uma forma de angariao de fundos. Trata-se de um curso cujo

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    professorado exercido gratuitamente, tal como expressa o artigo 57 dos estatutos da Associao (Anon 1908: 22), mas que, todavia, exige fundos para a sua boa administrao. O artigo 58 dos estatutos diz respeito despesa e receita do curso, as quais so averbadas aos Fundos Extraordinrios13, isto , donativos, espectculos promovidos pela prpria Associao e mensalidades de frequentadores do curso estranhos Associao (Anon 1908: 21). Deste modo, pode concluir-se que o curso no um meio de angariao de fundos mas um fim em si, tal como est expresso na p. 29 do Annuario da Associao de Classe dos Artistas Dramticos 1908, que repetimos: estabelecido com o fim de educar artistas ou espectadores conscienciosos na anlise das peas e interpretao. A organizao do curso previa, como referem Bastos e Vasconcelos, uma ligao prtica teatral (BASTOS / VASCONCELOS 2004: 77). Acordos com as empresas dos teatros D. Maria II e D. Amlia garantiam a admisso como figurantes de alunos do terceiro ano. Mais do que referir os poucos ou nenhuns resultados prticos deste curso, importa salientar a sua organizao e administrao. Estas, constituem terreno laboratorial para a reestruturao do Conservatrio que ocorreria poucos anos depois em 1911. Sabemos que a gerncia do curso est a cargo da Direco da Associao (Anon 1908: 22), da qual Antnio Pinheiro presidente. Esta gerncia implica, segundo os artigos estatutrios 54 a 57, a seleco e convite dos professores, bem como a estruturao do plano de estudos, programas e regulamento. Pinheiro, anteriormente formao da Associao, escrevera sobre o ensino de teatro em Portugal, afirmando:

    O Conservatrio Dramtico est longe de corresponder ao seu alto fim. O curso que ali se professa composto de trs cadeiras: Histria de Teatro, Declamao e Arte de Representar. Podem estas trs cadeiras, s por si, preparar a educao profissional do actor? No! (PINHEIRO 1909: 109)

    O futuro professor do Conservatrio sugere no texto a criao de cadeiras de Lngua Portuguesa, Etnografia, Mmica e Pantomima, Psicologia, Esttica teatral,

    Anatomia Artstica e Caracterizao. As cadeiras administradas no Curso Livre de Arte de Representar da Associao reflectem bem o resultado da sua reflexo e cunho pessoal.

    13 Dos Fundos Ordinrios constam o produto de quotas, estatutos, diplomas, anurios e outras que a

    Assembleia-geral vote, ou que provenham de instituies anexas Associao.

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    A Associao criou duas instituies anexas que tinham, como finalidade objectiva, o auxlio material aos associados. Do relatrio da direco da Associao de 4 de Janeiro de 1909, consta o seguinte:

    Fundmos a Caixa Econmica Teatral e o Cofre de Beneficncia, comemos a organizar a nossa Biblioteca, o Curso Livre de Arte de Representar est institudo (Anon 1909: 19)

    A primeira destas instituies anexas Associao fora pensada de modo a desenvolver operaes de crdito, exclusivamente com os seus associados (Anon 1909: 60). Relativamente segunda dessas instituies, correspondia ela ao desejo de auxiliar os desfavorecidos, nos princpios da mutualidade que o fundador defendia. O Cofre de Beneficncia fora institudo a 26 de Julho de 1908 mas, todavia, s poder ter aplicao prtica decorridos que sejam trs anos (Anon 1909: 49). A razo pela qual foi fundada uma instituio anexa com este fim, prende-se com a prpria Lei. Em Bandarilhas de Fogo de 19 de Setembro de 1912, Ratitos14 afirma que o projecto inicial da Associao era de modo a integrar em si o socorro mtuo. Porm, a legislao portuguesa no permitiu uma instituio que englobasse as duas situaes (PINHEIRO 1929: 291). Respeitando as leis vigentes, bem como os regulamentos internos, nasceu de forma anexa Associao o Cofre de Beneficncia, do qual s podero fazer parte os scios da Associao de Classe (Anon 1908: 6). Do Anurio de 1909 consta um outro projecto lanado pela Associao. Tambm de forma anexa, visa-se a criao da Agncia Teatral. Os seus objectivos, de acordo com o artigo 4 do seu projecto de regulamento, so:

    Tratar de todos os assuntos relativos Arte Teatral, na acepo lata da palavra, afim de dar cumprimento aos nmeros 2 e 3 do artigo 2 dos Estatutos da Associao de Classe dos Artistas Dramticos, em harmonia com as vantagens concedidas pelo artigo 4 da Lei de 9 de Maio de 1891, que regula as associaes de classe (Anon 1910: 57).

    No que resultaram todas estas novidades na cena teatral, s quais Antnio Pinheiro empresta a sua forte orientao no dizer de Bastos e Vasconcelos (BASTOS, VASCONCELOS 2004: 76)? Pinheiro redigira um corpo de reclamaes que ficaram mais tarde conhecidas pelas Reivindicaes da Classe dos Artistas Dramticos (PINHEIRO 1929: 168), com a colaborao de vinte artistas e associados. Este documento, que abre e instala a guerra

    14 Pseudnimo de Casimiro Tristo.

  • 30

    entre a Associao e os empresrios, consistia, diz Pinheiro, em tudo o que havia de mais natural e justo e sobre o qual, de resto, j vinha reflectindo, como anteriormente assinalmos. Deste modo, exigia-se que os ensaios tivessem quatro horas de durao, descanso s 2s feiras, matines com remunerao prpria, digresses s ilhas adjacentes sob condies acordadas em concreto, e pocas teatrais com a durao de nove meses.

    Pinheiro, que no descansava na sua sanha associativa, colher a reaco dos empresrios teatrais. O empresrio do teatro em que ele prprio trabalha d, de acordo com Pinheiro, o mote:

    Um dos empresrios que mais tremeu, porque tremia sempre a qualquer contratempo ou suposta contrariedade, foi o Visconde S. Lus Braga. (PINHEIRO 1929: 170)

    Antnio Pinheiro afirma noutra passagem:

    No sendo o que mais tremeu o Visconde So Lus Braga, do teatro D. Amlia, porque calculava ele, que a Associao lhe iria escangalhar e derruir toda a sua arquitectura teatral. (PINHEIRO 1929: 142)

    Saliente-se que a animosidade profissional no era novidade entre empresrio e artista. Nas memrias de Antnio Pinheiro, em captulo dedicado ao Visconde, o actor tem ocasio de testemunhar a sua experincia de seu escriturado, mas tendo o cuidado de o retratar apenas e s profissionalmente, afirmando:

    No quer isto dizer que ele no tivesse certas qualidades pessoais; mas da a quererem endeus-lo, apresentando-o e fazendo-nos crer que era o tipo supremo dos empresrios, para nos acocorarmos diante da sua memria, mais devagar. (PINHEIRO 1929: 32)

    Sustentado por passagens de relatos escritos pela actriz Lucinda Simes, Antnio Pinheiro recorda a opinio que o Visconde tinha acerca dos artistas. Estes, so como limes e espremem-se at deitar suco. Depois de bem espremidos, deitam-se fora para o lado como inteis. A porventura severidade das palavras de Antnio Pinheiro continua, acentuando que era apenas a questo mercantil, e esta era a sua nica preocupao (PINHEIRO 1929: 28), sublinhando que nunca viu representar noutros teatros os artistas que contratava, e que no seu prprio teatro nunca viu representar uma pea completa. E

    ainda que se tinha o artista seguro, era certo no lhe ligar importncia, e espremido o limo, deitava a casca fora.

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    Estas passagens contrariam profissionalmente falando a bonomia que caracteriza o Visconde, que encolhe os ombros e sorri perante as Reivindicaes da Classe dos Artistas Dramticos (BASTOS / VASCONCELOS 2004: 77). De acordo com esta ideia, est o facto de o Visconde reagir s reivindicaes com um ante-contracto apresentado aos artistas do teatro D. Amlia, para a poca de 1910-1911. Servia este documento para que os artistas declarassem sob assinatura, o seu acordo com as condies contratuais propostas. As condies, as mesmas da poca anterior, so recusadas por Antnio Pinheiro, o primeiro a ser chamado ao escritrio, ele que era o director e a alma mater da Associao (PINHEIRO 1929: 171). Estava consumada a sua sada do Teatro D. Amlia. A consequncia para o Antnio Pinheiro artista foi, assim, o desemprego. Em Julho de 191115 estava desempregado e comeava a bailar a contra-dana resultante do movimento associativo.

    No obstante, a vitria do Antnio Pinheiro associativista por consequncia da vitria da Associao era uma realidade. O vigor e fora da Associao davam os seus frutos.

    As reclamaes que se afiguraram de comeo exageradas foram criteriosamente apreciadas; e depois da grande e brilhante sesso pblica realizada no Domingo 13 de Maio de 1910, na sala Algarve da Sociedade de Geografia, todos ou quase todos os empresrios se humanizaram, concordaram e aderiram. (PINHEIRO 1929: 173)

    Esta, a consumao da relevncia do seu desempenho no associativismo, como fundador, presidente e director perptuo (PINHEIRO 1929: 291) da Associao de Classe dos Artistas Dramticos. Uma associao que em Janeiro de 1909 contava com 287 scios e que em 1914 era liquidada por abandono e falta de pagamento dos scios (PINHEIRO 1929: 310). Antnio Pinheiro encerra a sua carreira de associativista activo expressando:

    No devo deixar aqui de dizer que durante todo esse perodo de movimento associativo fui palmiado, ovacionado, transportado em triunfo, espargido de flores, abraado, beijado (PINHEIRO 1929: 142)

    Noutra passagem, conclui sobra a sua vida associativa:

    Em prol da classe lutei, trabalhei ininterruptamente desde 1902 at 1914, e ainda depois, mais tarde, mas ento com menos credulidade e confiana []

    15 Sai nesta altura do Teatro Apolo, depois de cumprida a poca teatral.

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    Foram doze anos de cansaos, de lutas, de desgostos, de retaliaes, de insultos, de malquerenas, e de dificuldades monetrias at, de que sa sangrando. (PINHEIRO 1929: 139)

    2.8.Casa Gil Vicente

    Uma casa de repouso para os artistas velhos, pobres e inabilitados! Mais uma fantasia, um platonismo, utopia da minha mente! (PINHEIRO 1929: 289)

    A ideia de uma casa de repouso para artistas teve, em 1912, algum eco na imprensa. Socorremo-nos das transcries de imprensa que Antnio Pinheiro faz para as suas memrias, do esclarecimento que d Casimiro Tristo sobre este caso (PINHEIRO 1929: 289). Ter sido o Porteiro da Geral16, que nas pginas de A Capital dava a entender que a iniciativa partia de Jos Antnio Moniz, actor, professor e antigo director de cena do Teatro D. Amlia. Segundo escreve Ratitos17 em Bandarilhas de Fogo de 19 de Setembro de 1912, a ideia partiu do actor Antnio Pinheiro, o ilustre director perptuo da Associao, sua filha dilecta (PINHEIRO 1929: 291). Quando Pinheiro reflecte sobre a formao da Associao de Classe, no ano de 1906, formaliza o seu projecto original com o nome de Associao de Classe e Socorros Mtuos dos Artistas Dramticos. Este projecto no poderia ter continuidade pois, como referimos, a legislao no permitia o socorro mtuo integrado na Associao. Mas do artigo 2 desse projecto, constam entre outros nmeros: - 5 - Fundar e manter uma instituio onde os seus scios invlidos possam viver e que se denominar Casa Gil Vicente - 6 - Fundar e manter um orfelinato para os rfos dos scios falecidos, onde lhes seja administrada educao, manuteno e ensino e que se denominar Orfelinato Paula Vicente

    - 7 - Manter junto do orfelinato uma escola mista de ensino laico para os filhos dos scios (PINHEIRO 1929: 292). A ideia, que no original, conhecia-a Antnio Pinheiro do exemplo francs. De facto, troca correspondncia com Paris e com alguma assiduidade, sobre a possvel instituio de uma casa de repouso em Portugal. Pinheiro pede informaes sobre a Maison de Retraite de lAssociation des Artistes Dramatiques a Boyeur, seu director, respondendo este com convites para ir capital francesa visitar a instituio. Ao mesmo

    16 Pseudnimo de Andr Brun.

    17 Pseudnimo de Casimiro Tristo.

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    tempo, Coquelin lAin, director da Associao dos Artistas Dramticos Franceses louva a iniciativa (PINHEIRO 1929: 292). A juventude associativa do teatro portugus no tinha maturidade para uma experincia deste gnero. esse facto que leva Casimiro Tristo a escrever:

    Os nossos colegas franceses manifestaram mais interesse pela fundao de uma casa congnere em Lisboa do que, at agora, o tm mostrado os artistas portugueses! (PINHEIRO 1929: 293)

    Boyeur em carta dirigida a Antnio Pinheiro, informa o portugus sobre condies de acolhimento e comodidades de que uma bela propriedade a uma hora de Paris dispe (PINHEIRO 1929: 293): vinte quartos para senhoras, vinte para homens e sete para casais, alm de catorze para pessoal empregado. A casa de jantar tem capacidade para receber sessenta pessoas. Sales de bilhar, trs enfermarias, anfiteatro, teatro, etc. (PINHEIRO 1929: 293). Pinheiro vai a Paris em Setembro de 1906, convidado por Coquelin lAin a visitar a Maison de Retraite. O que testemunha entre os franceses tem dois efeitos. Por um lado, o de satisfao, ao ver velhos comediantes, artistas caloiros, estrelas cadentes, sis brilhantes em ambiente de grande harmonia e sob o qual todos uma se abraam, se beijam, numa amizade enternecedora, carinhosa e fraternal (PINHEIRO 1929: 299); por outro lado, o desejo de ver o mesmo ambiente entre os artistas dramticos portugueses, realidade que est extraordinariamente distante, e de que Pinheiro escreve com marcada ironia:

    Conversei [] com alguns dos velhos artistas e colhi as suas impresses sobre a Casa. Estavam no paraso diziam eles. E fiquei surpreendido de no lhes ouvir dizer mal daquilo tudo, de no me dizerem que o Coquelin tinha com aquilo arranjado a sua vida, que o fim dele era ver se ia para a Comdie (O Teatro nacional de Paris); que o director tinha casa separada, mesa aparte () enquanto eles comiam no refeitrio! Admirei-me, palavra! [] Nenhum tambm disse que pagava um franco por ms para a sua Associao! [] Mas pus-me a pensar [] e lembrei-me dos meus colegas, dos meus e dos seus males, da minha velhice e da velhice deles, das minhas e das suas reivindicaes [] (PINHEIRO 1929 301)

    Resultou deste assunto nada de prtico. Os tmidos ecos de imprensa no foram, depois deste episdio, mais alm do que reportagens de festas para angariao de fundos.

    No final de 1919, j sob a gide da Associao de Classe dos Trabalhadores de Teatro, Casimiro Tristo apresenta em assembleia-geral uma moo a esta agremiao,

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    que tinha em vista a instituio da Casa Gil Vicente. Por proposta sua, constituiu-se a Comisso Fundadora da Casa Gil Vicente, com a qual Antnio Pinheiro colabora (TRISTO 1919b: 5).

    Mais tarde, em 1921, promovia-se a Tourada dos Actores, uma das iniciativas de angariao de fundos, de que a Ilustrao Portugueza faz eco em 6 de Agosto.

    Fizeram-se algumas festas de que resultou algum dinheiro [] mas os artistas acharam depois detestvel a ideia, impraticvel, desinteressaram-se e Parce Sepultis! (PINHEIRO 1929: 304)

    2.9. Associao de Classe dos Trabalhadores de Teatro Por solicitao da Associao Comercial do Porto, o Governo declarava s haver

    trigo at Maio de 1915, isto , o cereal extinguir-se-ia em Portugal dois meses antes da colheita seguinte. Resulta esta situao de uma crise econmica com a guerra instalada na Europa e o seu fantasma a pairar sobre Portugal.

    Este o ponto de partida para os tumultos havidos sobretudo em Lisboa, depois de o Governo proibir a venda de trigo por particulares (RAMOS 2001: 453). As associaes comerciais reclamam. A imprensa anuncia a alarmante escassez. A compra

    de trigo ao estrangeiro necessria, mas o cereal era agora vendido por mais do dobro do preo: de quatro centavos e meio cada quilo, passara a dez centavos por igual medida (RAMOS 2001: 453).

    As manifestaes sucedem-se, assaltam-se armazns. Polcia e exrcito atiram a matar. Em 1917, Lisboa estava s escuras depois das onze da noite. No h elctricos, no h polcia, ao mesmo tempo que se multiplicam os protestos e o caos se instala.

    Rui Ramos apresenta uma sequncia de acontecimentos que levam a que, no dia 20 de Maio de 1917, o 14 Governo Constitucional da jovem Repblica Portuguesa liderado por Afonso Costa, decrete o recolher obrigatrio entre as vinte e trs horas e as cinco horas da manh (RAMOS 2001: 455).

    A 12 de Maio, no h farinha em Lisboa e as padarias fecham. O carvo acaba tambm. No dia 19 de Maio instala-se a anarquia e num ambiente de histeria e pnico, deu-se por toda a cidade uma vaga gigantesca de assaltos a padarias e mercearias, acompanhados de tumultos e tiroteios (RAMOS 2001: 455). Quando o recolher obrigatrio decretado, muitos tinham j sido os mortos, talvez cerca de quatro dezenas, enquanto a guarda prendeu 547 pessoas (RAMOS 2001: 455).

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    Em face de tumultos e greves constantes contra a subida do custo de vida, um decreto publicado a 12 de Julho, declarando o estado de stio em Lisboa e concelhos vizinhos, vigorando at 28 do mesmo ms (RODRIGUES 1994: 285).

    Uma das consequncias deste estado de coisas o j antes planeado encerramento dos teatros18. A classe teatral no tem, nesta altura, uma associao que defenda os direitos dos artistas, que se vem privados de trabalho, por fora de um recolher obrigatrio e de um estado de stio decretado.

    Esta situao fora os empresrios congregados numa Liga suspenso de vencimentos (BASTOS / VASCONCELOS 2004: 78) e consequente reaco dos artistas, que convocam a liderana daquele que mais lutara em sua defesa: Antnio Pinheiro.

    perante uma composta plateia do den-teatro que Pinheiro conduzido, depois de ser subtrado ao seu quotidiano por rio Braga, lvaro Cabral, Jos Maria Correia, o costumier Castelo Branco, o cengrafo Lus Salvador e o corista Joo Pereira (PINHEIRO 1929: 321). Acontece isto no dia 17 de Julho de 1917, isto , cinco dias depois de o estado de stio ser decretado.

    Atentemos no que narrado em A Manh do dia seguinte. Pinheiro, que a princpio no sabia a razo de o irem buscar ao seu local de trabalho19, j tinha sido eleito unanimemente como presidente da Comisso para representar a classe teatral (PINHEIRO 1929: 324).

    Antnio Pinheiro acede ao desejo da sua classe para corresponder maneira afectuosa como o tinham recebido (PINHEIRO 1929: 326), mas no sem antes, mordaz e ironicamente, dizer o que achava actualmente da sua classe: At hoje s havia uma pessoa que mantinha ntegros os princpios proclamados pela associao que os seus colegas tinham deixado morrer: era ele, Antnio Pinheiro (PINHEIRO 1929: 325). Reivindica para si este estatuto, apontando o dedo aos colegas:

    Os artistas hoje do-se admiravelmente com as suas empresas; acham-se bem remunerados, reconhecem como boas e justas todas as ordens que delas dimanam, esto, enfim, visivelmente satisfeitos com a situao (PINHEIRO 1929: 326)

    Antnio Pinheiro fica assim presidindo comisso, na qual se representam actores, maquinistas, coristas, cengrafos, aderecistas, cabeleireiros, costumiers,

    18 O Governo planeara j esta medida no incio de Maio, como meio de restringir o consumo de carvo.

    19 Na altura destas ocorrncias, Antnio Pinheiro trabalhava como secretrio da escola de Belas Artes.

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    figurantes, porteiros, secretrios de empresas, electricistas, msicos, pontos, contra-regras, camaroteiros, reclamistas e alfaiates.

    esta comisso que elabora os estatutos da Associao de Classe dos Trabalhadores de Teatro20, depois de

    [Depois de] muito trabalho, de muito desgosto, de muita sensaboria, de muita ameaa, de muitas sesses diurnas, de muitas reunies nocturnas, de muita perseguio, de muitos discursos, de muitas arrelias, de muitas defeces, de muitas intrigas, de muita malquerena, de muitas ovaes, de muitas manifestaes, de muito de tudo [] (PINHEIRO 1929: 327)

    Antnio Pinheiro encerra a sua actividade associativa com a aprovao dos estatutos em assembleia-geral de 13 de Janeiro de 1918, mantendo-se associado com o nmero um.

    Elaborados os estatutos, aprovados estes pela Assembleia-geral, tratei logo de me pr a coberto e a salvo de mais entales e furtei-me como um homem, a ocupar qualquer cargo nos primeiros corpos gerentes. (PINHEIRO 1929: 327)

    A grande diferena entre as duas associaes a maior abrangncia desta ltima no que respeita s actividades de teatro, tal como o prprio nome da associao reflecte. O artigo 2 dos estatutos claro, expressando os ncleos em que os associados se dividem, englobando inclusivamente operadores cinematogrficos (Anon 1918: 5). Eram vrios, neste tempo, os teatros que j exibiam espectculos de 7 Arte:

    - Actores e actrizes

    - Aderecistas - Alfaiates

    - Amigos de Teatro - Arquivistas e Copistas - Autores Dramticos

    - Bilheteiros

    - Cabeleireiros - Contra-regras - Coregrafos e Bailarinas

    - Coristas - Carpinteiros de Cena - Directores de Cena

    20 A Associao passa depois a denominar-se Grmio dos Artistas Teatrais (Sindicato Profissional).

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    - Electricistas

    -Ensaiadores -Figurantes

    -Indumentria mestres, contramestres e ajudantes -Maquinistas

    -Maestros Compositores -Maestros Regentes

    -Operadores Cinematogrficos -Pontos

    -Porteiros

    -Professores de Orquestra -Reclamistas Teatrais

    -Cengrafos

    -Secretrios de Empresas e Empregados de Escritrio Esta associao, semelhana da primeira, tem como uma das finalidades a criao de uma Agncia Teatral, em tudo semelhante anterior. tambm seu objectivo a fundao de Aulas de Representar, bem como de msica, de instrumentos, literrios e de canto (Anon 1918: 6). Mantm-se a ideia de organizar uma biblioteca, conferncias, palestras e a produo de um anurio. Prope a criao de um Cofre ou Caixa de Previdncia destinada ao socorro de associados em caso de doena, invalidez ou desemprego. apontada a criao de uma Cooperativa de Crdito e Consumo, podendo ampliar a sua aco at produo, organizando companhias e dotando-as dos meios necessrios para a sua explorao, quer na capital, quer em tournes (Anon 1918: 6).

    3.ENSINO

    Antnio Pinheiro, num dos seus livros de memrias, refere aspectos da sua passagem pelo Curso de Teatro, no ento Conservatrio Real de Lisboa. Diz Pinheiro sobre os anos lectivos compreendidos entre 1885 e 1887, anos em que frequentou o curso (PINHEIRO 1924: 58):

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    A seco dramtica do Conservatrio compunha-se ento de duas cadeiras: Declamao e Histria do Teatro. A primeira era regida por Joo Rosa e a segunda por Gervsio Lobato. Joo Rosa dava trechos do Frei Lus de Sousa, do Alfageme de Santarm, da Morgadinha de Val-Flr, que ns dizamos e representvamos, futrica, numa das aulas-celas21, em cima do estrado da sua secretria. Era pouco, pouqussimo, certo, mas muito lhe devi e muito aprendi. Gervsio Lobato dava-nos apontamentos de Histria do Teatro que ns copivamos e decorvamos. No havia exames, no havia provas pblicas finais. Como vem era tudo o que se podia imaginar de mais rudimentar e embrionrio. Que diferena da actual [1923] Escola da Arte de Representar! (PINHEIRO 1924: 59)

    A exclamao final de Antnio Pinheiro entende-se como sendo proferida por algum que conheceu o Conservatrio como aluno, e dele se viria a despedir como professor jubilado. Por outras palavras, por algum conhecedor do resumido ensino de teatro como aprendiz, contribuindo mais tarde para a formao de actores durante cerca de trinta anos, virada j a pgina da Monarquia portuguesa.

    Justamente aps a queda da Monarquia, em Decreto com fora de lei, de 22 de Maio de 1911, instituda a escola da Arte de Representar, funcionando esta no edifcio do Conservatrio (Anon 1911: 13). Cumpre-nos demonstrar de que forma ou formas Antnio Pinheiro contribuiu para que esta instituio fosse uma realidade, em teoria e na prtica. luz destas, ganha sublinhado sentido o entendimento de Pinheiro, ao chamar ao ensino de teatro dos seus tempos de estudante, um ensino do mais rudimentar e embrionrio.

    Necessrio se torna, neste ponto, perceber em que condies e como tem lugar a criao desse embrio do ensino da arte teatral, na conturbada primeira metade do sculo XIX portugus. Pertinente ser tambm, proceder ao exame de vrios passos que concretizam outras tantas evolues no desempenho do Conservatrio na formao de actores. Desta forma, mais clara se torna a importncia da reforma de que Antnio Pinheiro faz parte, sob a bandeira da Repblica. Com ela, uma nova era de ressurgimento se anunciava, enchendo todas as almas de grandes aspiraes (PINHEIRO 1929: 185).

    21 Instalado no antigo Convento dos Teatinos (Caetanos), as aulas eram dadas nas antigas celas

    (PINHEIRO 1924: 58).

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    3.1.Triunfo do Liberalismo De 1820 a 1836, ano em que por uma portaria rgia D. Maria II faz incumbir

    Almeida Garrett de planificar a fundao e organizao de um Teatro Nacional, a instabilidade poltica e as suas consequncias dominam a realidade portuguesa. A Revoluo Liberal de 1820 e a consequente Constituio em 1822 vm a ser revogadas pela reaco absolutista e a Constituio de 1826. O facto de haver frequentes manifestaes de apoio a uma e a outra doutrina, tem como resultado a guerra civil que oporia os dois irmos filhos de D. Joo VI. D. Miguel e D. Pedro IV cessam hostilidades com a Conveno de vora-Monte onde os marechais liberais e absolutistas negoceiam a rendio e exlio de D. Miguel. Em 1836, a Revoluo de Setembro faz cair o governo do Duque da Terceira. Este, de orientao conservadora, ganhara as eleies. Contudo, no Porto vencera o partido da oposio, que se opunha Carta Constitucional de 1826 em vigor. O resultado desta revolta a adopo, pelos novos governantes e at s futuras Cortes Constituintes, da Constituio de 1822. A Constituio de 1822 declara direitos de liberdade, segurana e propriedade de todo o cidado, ao mesmo tempo que defende a livre comunicao de pensamentos (TORGAL / ROQUE 1998: 126) como um dos mais fundamentais direitos do Homem, sendo esta constituio marcada por uma ruptura com o poder feudal, clerical e nobilirquico. A revolta absolutista que tivera lugar em 1826 a Vila-Francada faz surgir a Carta Constitucional, onde so declaradas as leis tradicionais. Em consonncia com uma Europa marcadamente restauracionista, na qual a Constituio de 1822, radicalmente democrtica, no poderia sobreviver, o texto moderado de 1826 acaba por triunfar (TORGAL / ROQUE 1998: 129). A Carta de 1826, que defende a tradio monrquica, no deixa de levar em conta muitas das ideias da constituio anterior. De entre estas, destaca-se a noo de direitos sociais e culturais. Este aspecto reflecte o triunfo do Liberalismo, mesmo numa constituio de cariz tradicionalista. Lus Reis Torgal e Joo Loureno Roque condensam o esprito da Carta Constitucional de 1826 da seguinte forma:

    O poder constituinte monrquico existe antes do poder constituinte democrtico. O rei contemporiza ou mostra clemncia perante o esprito constitucional do tempo, mantendo o imaginrio monrquico do passado. (TORGAL / ROQUE 1998: 130)

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    A Revoluo de Setembro de 183622 ocorre no ano em que D. Maria II casa em Janeiro com Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha. A estabilidade dinstica fica assegurada, sobretudo com o nascimento, no ano seguinte, do futuro rei D. Pedro V. Mas tambm em 1836 e no mesmo ms da Revoluo, dia 28 que Almeida Garrett, homem do Romantismo portugus, incumbido por portaria rgia de planificar a organizao de um Teatro Nacional.

    3.2.Romantismo Pelas correntes filosficas iluministas do sculo XVIII, o Homem considerado produto das circunstncias, na medida em que as ideias e o conhecimento so formados por aco de sensaes e percepes por ele experimentadas. O Homem a situao, logo mutvel. A Revoluo Americana e a posterior Revoluo Francesa demonstram, a seu tempo, num contexto humanista, a veracidade desta ordem de pensamento que faz acordar a sociedade, centrando-a justamente no cidado. A posterior queda de Napoleo Bonaparte, cujo Imprio produto de uma acelerao de acontecimentos, deixa irreconhecvel e confuso o mapa poltico da Europa. o tempo da procura da verdadeira essncia dos pases e das suas identidades nacionais. Surgem as noes e conceitos de Constituio, de Poder Comunal, de Edifcio Pblico. Mas surgem tambm o Ecletismo, a Civilidade, a Higiene. O Eu torna-se importante, e com ele a Emoo e o Sentimento e a sua preponderncia, que tende a ser a essncia do Romantismo. Contudo, esta essncia, de mos dadas com uma procura das emoes fortes como verdadeira experincia esttica, no esgota um movimento que no se quer apenas esttico e artstico. A intuio inerente ao Romantismo, o que faz deste uma corrente que defende a originalidade, logo fora das normas convencionais, ideia que rompe com os predicados neoclssicos. Assim, em lugar da cpia do cnone clssico como prtica fundamental do processo criativo, o Romantismo experimenta o culto do gnio individual, sustentado pelas emoes prprias.

    22 O Setembrismo daria origem a uma nova Constituio em 1838, que rev os textos anteriores. Nesta

    nova Constituio, alm de querelas entre vintistas e cartistas e o problema da soberania, est reflectido, no entender de Torgal e Roque, toda uma trama de problemas polticos, econmicos e sociais ligados ao difcil e apaixonado aliceramento do regime liberal e ao funcionamento das instituies polticas (TORGAL / ROQUE 1998: 133).

  • 41

    ento possvel fazer uma leitura em que, no mesmo fio condutor de raciocnio, se passe de emoes inspiradoras que, libertas de julgamentos ou restries sociais, levem ao herosmo individual, mas tambm ao colectivo. Isto , as paixes sociais esto directamente ligadas s revolues americana e francesa. O Romantismo ento um movimento no s artstico e esttico, como tambm filosfico, ideolgico e histrico. Nele se agrupam experincias estticas de ruptura, como reivindicaes cvicas e sociais ao nvel da justia, da moral e do progresso, com caractersticas que podem variar entre pases, o que leva outra vez noo de emoo e herosmo individual, como tambm ideia de patriotismo. Deste modo, possvel fazer uma correspondncia entre o Romantismo e o Liberalismo. A Constituio de 1822 rompe radicalmente com as normas tradicionais, mergulhando o pas num perodo de instabilidade que s termina em 1851 com o advento da Regenerao. Para trs ficavam revoltas, guerras civis, revolues, fruto de paixes sublimadas e heroicamente defendidas. Ana Isabel Vasconcelos escreve a propsito de um dos perodos de conflito armado, e citando Verssimo Serro:

    A guerra civil durou ento meses, opondo de novo cartistas e setembristas, de uma forma ainda mais extremada, em lutas que envolviam todas as franjas da populao: polticos, e generais, nobres e magistrados, burgueses e membros das profisses liberais, todos se envolveram numa luta fratricida em que s as paixes contavam. (VASCONCELOS 2003: 22)

    3.3.Reformas no Ensino Em conferncia de Janeiro de 1911, afirma Antnio Pinheiro numa resenha histrica sobre teatro portugus:

    Implantada entre ns, a forma do governo constitucional, e escutados os echos do romantismo vindos dAllemanha, Garrett, com esforo hercleo, tentou a obra da restaurao do theatro portuguez, obra em que trabalhou com paixo e desvelado amor. Os seus dramas romnticos, a creao do Conservatrio, a Inspeco Geral dos Theatros, attestam o seu intento e o seu esforo. (PINHEIRO 1911: 13)

    O Conservatrio, isto , o ensino de teatro concebido e criado por Almeida Garrett, justamente no clima de paixo e desvelado amor inerente s ideias da poca. A Instituio pensada e instituda pelo Liberalismo, rpida e apaixonadamente, sempre em sintonia com os ventos romnticos. A prpria ideia de Educao tende a ser

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    substituda pela de Instruo Pblica, de acordo com um conceito alargado ao povo e como obrigao do Estado. Disse D. Antnio Costa, o primeiro a assumir a pasta ministerial da Instruo Pblica:

    A instruo popular criou um grande capital financeiro no desenvolvimento dos espritos. Quanto mais apurados forem os conhecimentos dos operrios e dos trabalhadores, mais perfeitos, e por isso mais rendosos, sero os produtos industriais e agrcolas. O salrio dos operrios, o lucro dos capitalistas e a prosperidade do Pas crescem na proporo em que se aumebte a cultura das inetligncias e a melhoria do trabalho individual. Universalizar a instruo multiplicar a riqueza nacional. (TORGAL / ROQUE 1998: 515)

    Esta ltima expresso tende a sintetizar o pensamento dos governantes e legisladores. A 17 de Novembro de 1836, decretam-se a criao de liceus e a primeira grande reforma geral do ensino. Pouco depois as faculdades de Cnones e de Leis fundem-se na Faculdade de Direito. So criadas as escolas Mdico-Cirrgicas de Lisboa e do Porto. Nestas duas cidades, bem como em Coimbra, so institudas as escolas de Farmcia.

    Decreta-se a criao da Academia de Belas-artes em Lisboa, e a Academia Portuguesa de Belas Artes no Porto. Ainda em Novembro, so criados os conservatrios de Artes e ofcios de Lisboa e do Porto e, cerca de um ano mais tarde, fundada a Escola politcnica de Lisboa (AAVV 1994: 213). Neste ambiente de apaixonada reforma do ensino, que a D. Maria II valeu o cognome de A Educadora, cria-se, em Novembro de 1836, o Conservatrio Real de Lisboa.

    3.4.Almeida Garrett e o Conservatrio Passos Manuel assina, a 28 de Setembro de 1836, a portaria pela qual fica Almeida Garrett encarregue de gizar um plano para a fundao e organizao de um teatro nacional. A rainha revela confiana em quem senhor de zelo e inteligncia que so prprios do seu patriotismo e reconhecidos talentos (REBELLO 2010: 40). Teatro nacional esse que, sendo uma escola de bom gosto, contribua para a civilizao e aperfeioamento da nao portuguesa e satisfaa aos outros fins de to teis estabelecimentos.

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    Tal projecto apresentado a 12 de Novembro e no dia 17 do mesmo ms publicado em Dirio de Governo, a criao do Conservatrio Geral de Arte Dramtica, o que denota extraordinria vontade poltica, paixo pelas grandes causas e, revela querer pr a arte teatral ao servio da cultura e da educao. Garrett, homem de letras mas tambm homem poltico, deve a esta segunda faceta a sua vida conturbada que antecede a consolidao do Liberalismo. Exilado nos dois perodos de regncia absolutista de D. Miguel, desembarca no Mindelo em Julho de 1832, de espingarda ao ombro e mochila s costas (REBELLO 2010: 42), com aqueles que restabeleceriam a ordem liberal. H um lado herico na luta apaixonada pelos seus ideais, factores que conotam Garrett com o Romantismo e com o Liberalismo. Durante dois anos, aps a Conveno de vora-Monte, foi cnsul-geral em Bruxelas, antes do Setembrismo o fazer regressar ao pas de origem. Esteve tambm em Inglaterra e em Frana, onde teve a oportunidade de verificar e reflectir sobre as novas correntes literrias de cariz romntico naquelas paragens. Diz Luiz Francisco Rebello:

    [Garrett] sente que um fermento novo est a percorrer a Europa. Um fermento que tinha sido levantado pela revoluo francesa nos finais do sculo passado, mas que comeavam a repercutir-se ento nas letras, nas artes, e de modo muito sensvel no teatro; e isso, acompanhado por um profundo sentido das razes, da identidade nacional, e acompanhado ainda por um outro facto que tambm foi relevante para a sua formao: o conhecimento da obra de Gil Vicente, que por esta poca divulgado atravs de uma edio publicada em Hamburgo. De tudo isto faz Garrett, digamos assim, o fermento com que ir fazer levedar o seu projecto de reconstruo da cena nacional. (REBELLO 2010: 38)

    Joo Baptista da Silva Leito Almeida Garrett possui, deste modo, extraordinrias condies que lhe permitem pensar uma reestruturao do teatro portugus: fora observador privilegiado em Paris e em Londres, um patriota com sentido de identidade nacional, e conhece a obra de Gil Vicente. Este dramaturgo contribuiu ele tambm para uma reestruturao no teatro portugus, na medida em que, agrupando vrias tendncias de carcter performativo, acabou por ser o responsvel pela gnese do teatro em Portugal. Sobre o papel do autor do Monlogo do Vaqueiro disse Jos Oliveira Barata que a sua obra repres