estratégias de produção em cadeias de suprimentos dois casos na indústria automobilística

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XXIII Encontro Nac. de Eng. de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003 ENEGEP 2003 ABEPRO 1 Estratégias de produção em cadeias de suprimentos: dois casos na indústria automobilística Alceu Gomes Alves Filho (UFSCar) [email protected] Mário Sacomano Neto (UFSCar) [email protected] Edemilson Nogueira (UFSCar) [email protected] Paulo Eduardo Gomes Bento (UFSCar) [email protected] Resumo Procuramos identificar e analisar neste artigo as estratégias de produção de empresas (montadora e fornecedores diretos) situadas em duas cadeias de suprimentos da indústria automobilística: uma cadeia em que a unidade principal monta caminhões e uma em que a unidade principal monta motores. Entrevistamos para isso diretores e gerentes nessas empresas. São discutidas principalmente duas questões: (1) Como as estratégias de produção dos fornecedores são condicionadas pela estratégia de produção da montadora em cada cadeia? e (2) As configurações das cadeias condicionam as relações entre as estratégias de produção das montadoras e as estratégias de produção dos fornecedores? Verificamos que as estratégias de produção das montadoras condicionam as estratégias de produção dos fornecedores e que essa influência pode ser significativa dependendo das configurações das cadeias de suprimentos e das características dos fornecedores e dos componentes transacionados. Palavras-chave: estratégia de produção, cadeia de suprimentos, indústria automobilística. 1. Introdução A influência das estratégias competitivas e de produção de empresas que “comandam” cadeias produtivas sobre seus fornecedores é um tema relevante para a Engenharia de Produção e para a Administração da Produção, mas ainda pouco explorado na literatura. Neste artigo procuramos comparar as relações entre as Estratégias de Produção adotadas por empresas situadas nos primeiros níveis (de suprimento) de duas cadeias da indústria automobilística brasileira. A empresa que comanda a primeira cadeia é uma montadora de caminhões e ônibus que implementou em sua planta a forma de organização da produção denominada consórcio modular. Já a planta principal da segunda cadeia é uma montadora de motores para automóveis. As questões principais abordadas neste trabalho são: (1) Como as estratégias de produção dos fornecedores são condicionadas pela estratégia de produção da montadora em cada cadeia? e (2) As configurações das cadeias condicionam as relações entre as estratégias de produção das montadoras e as estratégias de produção dos fornecedores? Para desenvolver esta pesquisa, entrevistamos gerentes e diretores da montadora e de três fornecedores, no caso da cadeia que monta caminhões, e gerentes e diretores da montadora e de dez fornecedores diretos, no caso da cadeia que monta motores. Nas seções seguintes do artigo apresentamos uma breve fundamentação teórica para as questões propostas, as características das cadeias, os resultados de nossa pesquisa sobre as estratégias de produção nas cadeias e as conclusões principais até aqui formuladas.

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XXIII Encontro Nac. de Eng. de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003

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Estratégias de produção em cadeias de suprimentos: dois casos na indústria automobilística

Alceu Gomes Alves Filho (UFSCar) [email protected] Mário Sacomano Neto (UFSCar) [email protected] Edemilson Nogueira (UFSCar) [email protected]

Paulo Eduardo Gomes Bento (UFSCar) [email protected] Resumo

Procuramos identificar e analisar neste artigo as estratégias de produção de empresas (montadora e fornecedores diretos) situadas em duas cadeias de suprimentos da indústria automobilística: uma cadeia em que a unidade principal monta caminhões e uma em que a unidade principal monta motores. Entrevistamos para isso diretores e gerentes nessas empresas. São discutidas principalmente duas questões: (1) Como as estratégias de produção dos fornecedores são condicionadas pela estratégia de produção da montadora em cada cadeia? e (2) As configurações das cadeias condicionam as relações entre as estratégias de produção das montadoras e as estratégias de produção dos fornecedores? Verificamos que as estratégias de produção das montadoras condicionam as estratégias de produção dos fornecedores e que essa influência pode ser significativa dependendo das configurações das cadeias de suprimentos e das características dos fornecedores e dos componentes transacionados. Palavras-chave: estratégia de produção, cadeia de suprimentos, indústria automobilística. 1. Introdução

A influência das estratégias competitivas e de produção de empresas que “comandam” cadeias produtivas sobre seus fornecedores é um tema relevante para a Engenharia de Produção e para a Administração da Produção, mas ainda pouco explorado na literatura.

Neste artigo procuramos comparar as relações entre as Estratégias de Produção adotadas por empresas situadas nos primeiros níveis (de suprimento) de duas cadeias da indústria automobilística brasileira. A empresa que comanda a primeira cadeia é uma montadora de caminhões e ônibus que implementou em sua planta a forma de organização da produção denominada consórcio modular. Já a planta principal da segunda cadeia é uma montadora de motores para automóveis.

As questões principais abordadas neste trabalho são: (1) Como as estratégias de produção dos fornecedores são condicionadas pela estratégia de produção da montadora em cada cadeia? e (2) As configurações das cadeias condicionam as relações entre as estratégias de produção das montadoras e as estratégias de produção dos fornecedores?

Para desenvolver esta pesquisa, entrevistamos gerentes e diretores da montadora e de três fornecedores, no caso da cadeia que monta caminhões, e gerentes e diretores da montadora e de dez fornecedores diretos, no caso da cadeia que monta motores.

Nas seções seguintes do artigo apresentamos uma breve fundamentação teórica para as questões propostas, as características das cadeias, os resultados de nossa pesquisa sobre as estratégias de produção nas cadeias e as conclusões principais até aqui formuladas.

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2. O enredamento (embeddedness) das estratégias nas cadeias de suprimentos O grande número de fusões, aquisições, co-produção, consórcios, franchisings,

alianças estratégicas, contratos de longo prazo e joint ventures mostra o caráter dinâmico e complexo da estrutura de relacionamento entre as organizações. O setor automobilístico mundial não foge dessa dinâmica. Dentre as diversas estratégias implementadas pelas montadoras, como a simplificação dos produtos, a redução das plataformas, a “comonalização”, a modularização, a redução de custos, a redução de investimentos, o follow sourcing e o global sourcing, a mudança do relacionamento entre montadoras e fornecedores é uma estratégia central segundo Humphrey, Lecler e Salerno (2000). Esse fato tem provocado a realização de diversas pesquisas sobre as tendências e limites da cooperação entre montadoras e fornecedores de autopeças.

Recentemente, alguns trabalhos vêm utilizando e desenvolvendo o conceito de enredamento (embeddedness), inicialmente formulado por Granovetter (1985) no estudo das relações entre atores econômicos; cooperativas ou não. No contexto das relações entre organizações, o enredamento designa o grau em que o comportamento de um ator é condicionado ou determinado pela rede de relações que mantém com outras organizações. Como destacado por Zukin e DiMaggio (1990), os quatro tipos de enredamento que vêm sendo discutidos são: estrutural, cognitivo, cultural e político. Esta pesquisa tem maior interface com a perspectiva estrutural, que propõe a discussão de como a estrutura geral da rede e as relações entre atores afetam os comportamentos e as estratégias desses atores.

Um aspecto central da perspectiva estrutural é compreender como a ação econômica e os resultados organizacionais são afetados pelas relações entre pares de atores e pela estrutura geral da rede (Granovetter, 1985; Zukin e DiMaggio, 1990). Por isso, as análises posteriores a Granovetter (1985) enfatizam a estrutura e as relações como elementos fundamentais para se compreender sistemas políticos e econômicos, bem como as redes e as cadeias de suprimentos.

Na área de planejamento estratégico especificamente, diversos trabalhos vêm sendo desenvolvidos a partir de Baum e Dutton (1996), evidenciando a necessidade de pesquisas no tema “the embeddedness of strategy”. Esses autores baseiam-se em Granovetter (1985) para caracterizar como “atomizada” a abordagem tradicional de estratégia que considera uma “organização focal ou individual”. Nessa abordagem “atomizada”, não se considera com o devido peso as relações da organização focal com as outras organizações localizadas na mesma rede ou cadeia de suprimentos. Baum e Dutton (1996) defendem que essa abordagem deve ser revista, levando em consideração que as empresas estão geralmente situadas em cadeias de fornecedores e estabelecem, muitas vezes, relações fortes com outras empresas nessas cadeia. Assim, pode-se levantar a hipótese de que a estratégia de uma organização está enredada (influenciada, limitada e condicionada) nas relações que mantém com outras organizações da cadeia ou rede. O mesmo pode acontecer com as estratégias de produção das organizações, subconjuntos de suas estratégias competitivas.

Segundo Hayes, Wheelwrigh e Clark (1988), a formulação da estratégia de produção de uma organização depende das prioridades competitivas da produção (custo, qualidade, entrega e flexibilidade) e das decisões tomadas nas áreas estruturais (instalações industriais, capacidade, tecnologia, integração vertical) e infra-estruturais (organização, recursos humanos, gerência da qualidade e planejamento e controle da produção) da produção. Adotando-se a perspectiva do enredamento, deve-se então investigar se as estratégias de produção de uma montadora e de seus fornecedores são influenciadas de maneira expressiva pelas relações que mantêm entre si e, eventualmente, com outros atores participantes da mesma cadeia produtiva. Se um fornecedor de autopeças estiver bastante enredado em uma cadeia produtiva (por exemplo, fornecendo subsistemas ou módulos e estabelecendo contratos de longo prazo) haverá possivelmente maior influência das estratégias competitiva e de

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produção da montadora sobre suas próprias estratégias competitivas e de produção. Já um fornecedor com pequeno enredamento na cadeia produtiva (por exemplo, fornecendo componentes) terá maior autonomia para formular e implementar suas estratégias competitivas e de produção.

Nessa perspectiva e com as questões já enunciadas na “Introdução”, procuramos examinar neste artigo as características estruturais e relacionais dos primeiros níveis de duas cadeias de suprimentos na indústria automobilística e as características principais das estratégias de produção das montadoras e de alguns de seus fornecedores diretos. São discutidas então, de maneira ainda preliminar, as relações entre as estratégias de produção de montadoras e fornecedores e a possível influência das configurações das cadeias sobre tais relações.

3. Caracterização da cadeia de suprimentos de motores

A fábrica de motores de automóveis também foi inaugurada em meados dos anos noventa. Projetada inicialmente para produzir os motores 1.0, logo sua atuação foi ampliada, passando a produzir diversas famílias de motores. Atualmente trabalham na planta cerca de 700 funcionários, dos quais aproximadamente 30% são terceirizados.

Pode ser considerada como uma das montadoras de motores, dentre as instaladas no Brasil, com maior nível de terceirização na fabricação dos componentes principais. Inúmeras outras atividades também são terceirizadas como ferramentaria, transporte interno e externo, controle ambiental, restaurante, limpeza, e parte da gestão de recursos humanos.

Quando de sua inauguração, possuía cerca de 60 fornecedores de nível 1 (fornecedores diretos para a montadora). Esse número cresceu para mais de 100, como resultado do aumento dos tipos de motores e do grau de nacionalização dos componentes. Em geral, é selecionado apenas um fornecedor por item, mas há casos de componentes simultaneamente fornecidos por dois fornecedores (quando a escala de produção é suficientemente grande).

Tais fornecedores são bastante diferentes no que se refere às partes produzidas, porte, domínio de tecnologia e origem do capital. Grosso modo, podem ser classificados em dois tipos: (i) os grandes, na maioria empresas multinacionais, com forte capacidade tecnológica, pequena parcela da sua produção total destinada à montadora, e, menor dependência em relação à montadora; (ii) os pequenos, de capital nacional, menor capacidade tecnológica e grande relação de dependência com a montadora.

Outras características desta cadeia são: (i) a cadeia é relativamente curta, pois a planta de motores comanda uma cadeia que se situa quase que exclusivamente no campo metal-mecânico, com quatro níveis: matéria-prima/sucata, fundição, fabricação da peça, montagem; (ii) a montadora tem sua logística terceirizada, o que significa que outra empresa realiza o trabalho de transporte; (iii) para itens de menor volume, produzidos por fornecedores localizados próximos, a montadora adotou o sistema “milk run” para a logística. 4. Caracterização da cadeia de suprimentos da montadora de caminhões e ônibus

A montadora que comanda a primeira cadeia produtiva desse estudo produz caminhões e ônibus. Conforme os dados divulgados pela Anfavea (2002), essa montadora tem tido um bom desempenho no mercado nacional de caminhões. Na década de 90, essa montadora implantou uma forma de organização da produção denominada consórcio modular. No consórcio modular as atividades produtivas são realizadas pelos próprios fornecedores de autopeças (modulistas) instalados na linha de montagem da fábrica. Devido a essa localização, convencionamos classificá-los como situados no nível 0,5 da cadeia.

A planta opera com aproximadamente 2500 funcionários, mas apenas cerca de 20% são funcionários da montadora; os demais são de terceiros (a maioria dos modulistas). A política de recursos humanos é a mesma para todos os funcionários. Os serviços de

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restaurantes, limpeza e logística interna (movimentação de peças, componentes e subsistemas) e externa (entrega de matéria-prima ao consórcio) foram totalmente terceirizados.

A montadora selecionou sete parceiros para a montagem de conjuntos completos de componentes (módulos). Os modulistas estão no nível 0,5 da cadeia produtiva e são empresas de grande porte com capacidade tecnológica expressiva, das quais, somente uma é de capital nacional. Esses parceiros foram co-investidores e têm relações de profunda dependência com a montadora. Todos os módulos possuem estruturas organizacionais semelhantes, com áreas de produção, qualidade, custos, logística e recursos humanos. A montadora centraliza a negociação comercial, projeto dos produtos e o controle de qualidade. Além da montagem dos módulos nos caminhões, os modulistas coordenam a logística e a qualidade dos componentes entregues por aproximadamente 400 fornecedores de primeiro nível. Esses fornecedores, instalados em grande parte na região do ABC paulista, são aquelas empresas que fornecem componentes diretamente aos modulistas.

A estrutura da cadeia produtiva da montadora de caminhões e ônibus é bastante enxuta no nível 0,5. Neste nível a montadora tem somente 7 módulos; já no nível 1,0 a montadora possui 400 fornecedores. Uma conseqüência dos elevados níveis de terceirização é o conjunto de responsabilidades e regras a que os fornecedores do nível 0,5 estão sujeitos. Diversas atividades realizadas hoje pelos modulistas são em geral de inteira responsabilidade da montadora numa planta tradicional, como a coordenação logística e o controle de qualidade de matéria-prima e componentes.

O fato dos fornecedores estarem instalados na planta da montadora e serem responsáveis pela montagem dos módulos permite que a montadora mantenha elevado grau de controle sobre os padrões de qualidade, ritmos de produção e custos incorridos nas operações. Auditorias realizadas nas linhas de produção, acompanhamento dos indicadores de desempenho e reuniões de avaliação dos programas de produção fazem parte dos mecanismos de controle utilizado pela montadora.

Por outro lado, o sistema possui aspectos que favorecem a cooperação entre montadora e modulistas: contratos de longo prazo, qualidade e quantidade de troca de informações, mecanismos para resolução de problemas, contatos diretos e freqüentes, interdependência das atividades operacionais, entre outros aspectos. Já a cooperação da montadora com os fornecedores de primeiro nível não é tão elevada, pois os modulistas coordenam e intermedeiam boa parte das atividades com esses fornecedores. A relação da montadora com esses fornecedores é baseada nas práticas tradicionais da indústria automobilística.

5. Estratégias de produção na cadeia de suprimentos de motores

Em nosso estudo, procuramos identificar as estratégias de produção de 11 unidades produtivas selecionadas na cadeia de suprimentos de motores: além da própria montadora de motores, foram identificadas as estratégias de produção de 10 de fornecedores diretos (nível 1) de componentes relativamente importantes para a fabricação dos motores. Destes, 4 são empresas nacionais (1 apenas de grande porte) e 6 são multinacionais.

As estratégias de produção dessas empresas foram já apresentadas em Alves Filho et al (2002). Como indica o referido artigo, os objetivos de redução de custos e de melhoria da qualidade de conformação são priorizados por quase todas as 11 empresas – apenas 2 delas não tinham esse par de objetivos dentre aqueles mais importantes. O objetivo “entrega no prazo” também era priorizado pela maioria das empresas.

Observava-se ainda que a dimensão flexibilidade vinha sendo valorizada a partir da ampliação pela montadora de seu mix de motores, o que provocou um esforço pelo aumento de flexibilidade de produção de alguns fornecedores e, também, a ampliação do número de

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fornecedores diretos (nível 1) da montadora e, portanto, uma alteração da configuração da sua cadeia de suprimentos.

Indicamos também no estudo mencionado os diversos programas implementados pelas empresas para reforçar as prioridades escolhidas. Enquanto nas empresas multinacionais – que desenvolvem os projetos dos componentes a partir das necessidades apresentadas pela montadora – já havia experiência e competência acumulada para o desenvolvimento de mudanças nas áreas de decisão estruturais e infra-estruturais, sendo estas implementadas autonomamente e de acordo com modelos atuais de organização da produção, nas empresas nacionais de menor porte – que produzem componentes projetados pela montadora –, vários dos programas implementados foram fortemente influenciados pela montadora, que exerce sobre essas empresas amplo controle, por meio de auditorias e avaliações no recebimento dos lotes de componentes.

As estratégias de produção dos fornecedores são, portanto, em geral alinhadas à da montadora, mas nos casos das empresas nacionais de menor porte, este alinhamento é obrigatório e as práticas adotadas acabam sendo quase que determinadas pela montadora.

6. Estratégia de produção da montadora de caminhões e ônibus

Conforme salientado anteriormente, a planta estudada produz caminhões e ônibus nos diferentes segmentos da categoria. Seus clientes são empresas industriais ou de transporte (passageiro e carga) e pessoas que atuam como autônomos no transporte de carga. As vendas, para o cliente final, são realizadas por concessionárias que, por sua vez, adquirem os produtos junto às montadoras.

Os caminhões, assim como os ônibus, são utilizados em atividades empresariais que buscam no mercado um produto cuja configuração, em termos de potência do motor, equipamento da cabine, cor, etc, seja adequada as suas necessidades. São em menor número as vendas nas quais os clientes compram produtos com a configuração padrão encontrada na concessionária. Deve-se considerar, também, que, para as concessionárias, a manutenção de estoques elevados resultaria em custos de capital excessivos.

Visando satisfazer as necessidades dos clientes finais e das concessionárias, o sistema de produção da montadora opera predominantemente sob encomenda. A demanda do mercado, com suas especificidades, “puxa” o sistema de produção, cuja arquitetura deve estar apta a atendê-la.

Nesse sentido, a empresa utiliza-se de uma forma de organização da produção inovadora no setor automobilístico, o chamado “consórcio modular”, apresentado sucintamente no tópico anterior. A utilização dessa forma de organização da produção foi fundamental para que a empresa alcançasse a posição que ocupa atualmente, por meio de ações que possibilitaram o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade, a redução de custos e do prazo de entrega do produto e o aumento da flexibilidade.

Atualmente, a empresa produz praticamente o dobro do que produzia no momento de sua instalação. Esse significativo aumento de produtividade se deveu a uma série de fatores, inclusive ao processo de aprendizagem pelo qual passaram os modulistas que não possuíam experiência alguma com a montagem de caminhão ou ônibus. Entretanto, segundo informações obtidas junto a empresa, as melhorias de processo foram as principais responsáveis pelo acréscimo da produtividade.

Nesse sentido, o trabalho desenvolvido pelos fornecedores, favorecido pela forma de organização da produção utilizada, foi fundamental. A participação do fornecedor na montagem possibilita seu contato direto com os problemas de não conformidade e com as dificuldades inerentes à tarefa de montagem, impulsionando ações visando a melhoria da qualidade dos componentes e/ou alterações de projeto que agilizem a montagem (design for assembly).

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Outros aspectos também direcionam as ações dos fornecedores no sentido da melhoria da qualidade e da produtividade do processo de montagem, como, por exemplo, a forma de pagamento dos modulistas utilizada pela montadora. Os modulistas só recebem quando o caminhão é aprovado, no final da linha de montagem, pelos inspetores de qualidade da montadora. Os problemas de qualidade também podem gerar adiamento no faturamento; se um caminhão necessitar de retrabalho todos os modulistas deixam de receber enquanto os reparos não forem executados. Esse fato gera uma certa cobrança entre os modulistas e, também, cooperação, como observou um entrevistado: “às vezes, se um fornecedor tem um problema, os outros módulos emprestam mão-de-obra. Todo mundo está interessado em aprovar para receber.” Cabe destacar que os modulistas têm acesso imediato às informações de mercado e estão, pelo vínculo de seu negócio com a montadora, bastante motivados a atender o mais rapidamente possível a demanda (que “puxa” o sistema de produção do qual fazem parte). Essa situação é significativamente diferente da tradicional, na qual a montadora é responsável pela montagem e pelo atendimento da demanda e precisa solicitar aos fornecedores novas providências, sempre que houver alguma variação na demanda.

As melhorias da produtividade e da qualidade (conformidade), originárias, principalmente, das mudanças de processo (design for assembly), somadas ao controle dos gastos dos fornecedores (matéria-prima, mão-de-obra, energia elétrica etc), exercido pela montadora, e a centralização das compras, tiveram reflexos diretos na prioridade custo. As reduções de custo obtidas possibilitaram à montadora aumentar a margem de lucro e reduzir os preços dos produtos, gerando, portando, melhores resultados financeiros e aumento da competitividade.

Outra prioridade competitiva responsável pelo desempenho das vendas da montadora nos últimos anos, segundo os entrevistados, é a velocidade de entrega. A montadora reduziu o tempo de entrega pela metade ao longo dos últimos anos. Nesse quesito as melhorias de processo através do design for assembly também tiveram papel primordial.

A melhoria da flexibilidade do sistema de produção também é reconhecida pelos administradores da empresa como um fator essencial para justificar seu bom desempenho nos últimos anos. Novamente, as mudanças implementadas no processo foram as principais responsáveis pela melhoria da flexibilidade do sistema. Deve-se ressaltar que, como o processo de montagem é intensivo em mão-de-obra, a forma de organização do trabalho também foi uma variável importante utilizada para melhoria da flexibilidade. Dentre as dimensões trabalhadas pela empresa nesse quesito, as principais foram: volume (capacidade de responder a súbitas mudanças no volume requerido pelo mercado), mix de produtos (habilidade de produzir uma variedade de produtos em um curto intervalo de tempo) e customização (capacidade de projetar um produto para atender as especificações de um cliente particular).

Observamos assim que as estratégias de produção da montadora e dos modulistas estão alinhadas e que, além disso, as mudanças implementadas pelos modulistas, especialmente para o aperfeiçoamento dos processos de montagem, produziram melhorias significativas nas dimensões competitivas custo, entrega, qualidade e flexibilidade. É preciso examinar ainda de que modo esses modulistas demandam ações de seus fornecedores diretos e especialmente daqueles que são proprietários dos módulos. 7. Análise – Conclusões

Considerando-se o conjunto de empresas entrevistadas nesta pesquisa, observa-se que a maior parte delas implementa estratégias de produção que priorizam objetivos relacionados à redução de custos, à melhoria de qualidade de produto e de processo e à entrega dentro do prazo estipulado. Isso indica como as organizações vêm respondendo ao acirramento da concorrência no setor automobilístico, implementando, em geral, programas e ações na gestão

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da produção e da qualidade consoantes com o modelo de organização denominado “produção flexível” ou “produção enxuta”.

Nas duas cadeias observa-se, ao longo dos últimos anos, o crescimento da importância relativa da flexibilidade de produção, concretizado nas duas montadoras pela ampliação do mix de produtos e de produção. Mas as configurações iniciais das cadeias condicionaram as formas com que esse aumento de flexibilidade foi implementado por montadora e fornecedores. No caso da cadeia de caminhões, o aumento de flexibilidade (mais tipos de caminhões e menores prazos de entrega) teve de ser concretizado por mudanças na própria planta montadora, em primeiro lugar, mas daí decorrendo mudanças também no nível 1,0 de fornecedores dos modulistas. Houve essencialmente um aumento de flexibilidade interno às plantas. Já no caso da cadeia de motores, o aumento de flexibilidade ocorre pela ampliação do número de fornecedores no primeiro nível e pelo aumento da flexibilidade interna de alguns fornecedores.

Há que se observar que nas duas cadeias, nos primeiros níveis de fornecimento, os fornecedores instalam estruturas dedicadas, particularmente nos estágios finais dos processos de produção, aos seus clientes. No consórcio modular, o módulo é uma instalação dedicada à montadora de caminhões. Na cadeia de motores, boa parte dos fornecedores, em suas próprias plantas, têm linhas ou células de produção (nas etapas finais dos processos) dedicadas à montadora de motores. Isso significa que as características iniciais da (configuração da) cadeia vão condicionar as possibilidades e formas de valorização/melhoria das prioridades competitivas, o que aqui é ilustrado com o caso do aumento necessário de flexibilidade.

Nota-se nas duas cadeias que há certa influência da estratégia de produção da montadora sobre as estratégias de produção dos fornecedores, mas novamente as características das cadeias são condicionantes importantes.

No caso da cadeia de caminhões, as novas necessidades são comunicadas imediatamente, havendo uma possibilidade concreta de colaboração entre montadora e modulista, e entre modulistas, dentro dos contornos estabelecidos pelo “contrato” no consórcio. Não há nesse caso, nenhuma dúvida de que os modulistas estão subordinados diretamente à montadora e esforçam-se para atingir os objetivos de produção por ela estipulados. Cabe ressaltar aqui que a lógica empregada pela Montadora de Caminhões é a do Sistema Toyota de Produção.

Como os modulistas estão vinculados aos seus fornecedores (e seus proprietários) mais importantes, no que tange à estratégia de produção (e a outros aspectos importantes do negócio), funcionam como “correntes de transmissão”, repassando a eles suas necessidades e eventualmente as oportunidades que vislumbram como participantes diretos do processo de produção (montagem) da montadora. O “espaço” de sua atuação está delimitado no consórcio modular: fornecer “adequadamente” o serviço de montagem do “módulo especificado” que é projetado e produzido pelo(s) seu(s) fornecedor(es)-proprietário(s). Aparentemente, no que tange à estratégias de produção, do ponto de vista da montadora, não há segmentação dos modulistas (são tratados de modo homogêneo).

No caso da cadeia de motores, a possibilidade de influência da montadora, para além de sua influência como “cliente importante”, depende das características do componente fornecido (se é projetado ou não pela montadora e de seu conteúdo tecnológico) e dos fornecedores (se possuem capacidade tecnológica e de seu porte). A influência da montadora é relativamente pequena sobre os fornecedores multinacionais, de grande porte, com ampla capacidade tecnológica e que projetam os componentes a partir das necessidades (especificações) da montadora; é relativamente grande sobre os fornecedores pequenos, nacionais, com capacidade tecnológica limitada e que acabam por ter grande parcela de sua produção destinada à montadora. Fornecedores deste tipo assemelham-se no que se refere ao grau de dependência da montadora, aos modulistas na cadeia de caminhões.

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As observações acima constituem indícios de que (1) o grau de influência da estratégia de produção sobre as estratégias de produção de seus fornecedores diretos depende de características dos produtos/serviços fornecidos, de características dos fornecedores (como organizações) e de características das relações mais gerais entre montadora e fornecedores; (2) as configurações das cadeias condicionam as relações entre estratégias de produção na cadeia, particularmente entre montadoras e seus fornecedores diretos. Quanto menor o número de fornecedores diretos da montadora e quanto maior o grau de exclusividade de fornecimento desses fornecedores, maior terá de ser o alinhamento de suas estratégias de produção à estratégias de produção da montadora. Referências Bibliográficas ALVES Fo., A.G., RACHID, A., DONADONE, J.C., MARTINS, M. F., TRUZZI, O. S., BENTO, P.E.G e VANALLE, R.M. Prioridades competitivas e organização do trabalho: relações entre uma montadora de motores e seus fornecedores. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 22., 2002, Curitiba. Anais eletrônicos...Curitiba: ENEGEP, 2002. CD-ROM. ANFAVEA. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. Anuário Estatístico da Anfavea. São Paulo: 2002. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br>. BAUM, J. A. C; DUTTON, J. E. Advances in strategic management: the embeddedness of strategy. New York: JAI Press, Vol. 13, 1996. HAYES, R; WHEELWRIGHT, S. C.; CLARK, K. B. Dynamic manufacturing: creating the learning organization. New York: The Free Press, 1988. HUMPHREY, J.; LECLER, Y.; SALERNO, M.S. Global strategies and local realities: the auto industry in emerging markets. London: Macmillan, 2000. GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v.91, p. 491-501, 1985. ZUKIN, S.; DIMAGGIO, P. Structures of capital. London: Cambridge University Press 1990.