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Estratégias complexas de reabilitação urbana O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação Madalena Perestrelo de Lemos Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura Júri Presidente: Prof. a Maria Alexandra de Lacerda Nave Alegre Orientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves Vogal: Dr. João Wengorovius Ferro Meneses Outubro 2014 Orientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves

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Estratégias complexas de reabilitação urbanaO efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Madalena Perestrelo de Lemos

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Arquitetura

Júri

Presidente: Prof.a Maria Alexandra de Lacerda Nave AlegreOrientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves

Vogal: Dr. João Wengorovius Ferro Meneses

Outubro 2014

Orientador: Prof. Jorge Manuel Gonçalves

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

I. Agradecimentos

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Jorge Gonçalves, pelo apoio, interesse, disponibilidade e orien-tação ao longo de todo o trabalho.

Aos Arquitetos Maria Cristina Pinto Cardoso Neves e Paulo Mendes Gonçal-ves, responsáveis pelo projecto de requalificação do Largo do Intendente, pela documentação fornecida, pela disponibilidade e troca de ideias nas en-trevistas realizadas.

À Doutora Estela Gonçalves, pelo contributo positivo e ajuda.

À directora do LARGO Residências, Marta Silva, pela informação partilhada e perspectiva enriquecedora para o trabalho.

À minha família e amigos, pelo acompanhamento e motivação.

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REABILITAÇÃO URBANA

CRIATIVIDADE

ESPAÇO PÚBLICO

NOBILITAÇÃO

INTERVENÇÃO INTEGRADA

RESUMO

Actualmente, os processos de reabilitação urbana dão resposta a um cres-cente número de objectivos, que vão para além da preservação do edificado e do espaço público, nomeadamente a integração de princípios sociais, cul-turais e de sustentabilidade. A reabilitação urbana tornou-se assim num pro-cesso de desenvolvimento urbano complexo e num tema central das políti-cas urbanas para a competitividade e coesão das cidades. Assiste-se assim a soluções diversificadas, cada vez mais integradas e multidimensionais. O presente trabalho procura contribuir para o enquadramento e entendimento das dinâmicas complexas de reabilitação urbana, a nível do espaço publico, criatividade e nobilitação.

Numa primeira parte, apresenta-se a reabilitação urbana no contexto inter-nacional e nacional e demonstra-se a evolução do conceito e das políticas. A segunda parte foca-se na cidade de Lisboa, servindo de enquadramento ao caso de estudo, o Largo do Intendente. Por último, pretende-se compre-ender o processo em curso neste Largo, começando por enquadrá-lo nos programas e planos em vigor na zona. De seguida, analisa-se as diferentes dinâmicas e sinergias que contribuem para a reabilitação e reversão do es-paço, nomeadamente a nível do espaço público e de estratégias assentes na criatividade e nobilitação.

A elaboração deste trabalho permitiu constatar a importância da combina-ção destas dinâmicas e do espaço público para a reabilitação de uma zona degradada e desqualificada, da parceria entre as diversas entidades, públi-cas e privadas, assim como da participação das associações e população locais no processo. As questões que surgiram com a presente dissertação prendem-se com a integração dos residentes da envolvente nas actividades que ocorrem assim como a sustentabilidade da intervenção a nível social e económico, e a sua ligação com o resto da cidade. Pretendeu-se contribuir para um dos principais desafios que hoje se colocam à reabilitação urbana: a integração, a compatibilidade e a coordenação das diversas áreas sectoriais e saberes disciplinares.

II. Resumo

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

URBAN REHABILITATION

CREATIVITY

PUBLIC SPACE

GENTRIFICATION

INTEGRATED INTERVENTION

III. Abstract

ABSTRACT

Currently, the processes of urban rehabilitation address a growing number of objectives that go beyond the preservation of the buildings and the public space, namely the integration of social, cultural and sustainable principles. That way, the urban rehabilitation became a complex urban development process and a central topic in the urban policies about the competitiveness and cohesion of the cities. Therefore, it was possible to observe diversified solutions, more integrated and multidimensional than before. The purpose of this dissertation is to frame and understand the complex dynamics of urban rehabilitation, in terms of public space, creativity and gentrification.

The first part of the work addresses the urban rehabilitation in the internatio-nal and national context, and presents the evolution of the concept and the policies. The second part focuses in the city of Lisbon, contextualizing the object of study, the Largo do Intendente. Finally, the ongoing process in this area will be studied, starting by framing it in the programs and plans in place in this zone. An analysis of the different dynamics and synergies that contri-bute to the rehabilitation and reversion of the space will then be conducted, namely in terms of the public space and strategies based on creativity and gentrification.

This dissertation showed the importance of the combination between these dynamics and the public space to the rehabilitation of a neglected and dis-qualified zone, of the partnership between the diverse entities, public and private, and also of the participation of the associations and local population in the process. The main questions that have arisen from the dissertation are related to the integration of the surrounding residents in the activities that take place, the sustainability of the intervention in social and economic ter-ms, and its connection with the rest of the city. This work aims to contribute to one of the biggest challenges posed to the urban rehabilitation nowadays: the integration, the compatibility and the coordination between the different sectorial areas and disciplinary knowledge.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

ÍNDICE

I. AGRADECIMENTOS II. RESUMOIII. ABSTRACTIV. ÍNDICEV. ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROSVI. LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

00 INTRODUÇÃO

0.1 Motivação e pertinência temática

0.2 Objectivos

0.3 Metodologia

0.4 Organização

01 REABILITAÇÃO URBANA: POLÍTICAS E PROGRAMAS

1.1 Da expansão à reabilitação

1.2 Reabilitação urbana: um caminho

1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana: casos exemplares

1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

02 A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico

2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa

2.2.1 Olhar retrospectivo

2.2.2 Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa

2.2.3 Programas de apoio à reabilitação urbana

2.3 O futuro próximo da Reabilitação em Lisboa

2.3.1 A reabilitação nos instrumentos de planeamento territorial

2.3.2 Lisboa 2020

03 A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

3.1 Génese e caracterização do bairro da Mouraria

3.1.1 Quadro histórico-urbanístico

3.1.2 Tecido social

3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica

3.2 Orientação do Planeamento Urbano

3.2.1 Plano Director Municipal

3.2.2 Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

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IV. Índice

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução

3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade

3.3.2 Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria

3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana

04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

4.1 A construção histórica de um espaço central

4.2 O processo de reabilitação

4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental do

Largo do Intendente

4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação

4.3 A sustentabilidade da intervenção

05 CONCLUSÕES

06 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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IV. Índice

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

V. Índice de figuras e quadros

01. REABILITAÇÃO URBANA: POLÍTICAS E PROGRAMAS

Fig. 01.1- Ágora cidade gregaensinodahistoria1.blogspot.pt [04.05.2014]

Fig.01.2- Diagrama esquemático da cidade jardim. Ebenezer Howard. www.library.cornell.edu/Reps/DOCS/howard.htm [10.05.2014]

Fig.01.3- Maquete do plano para Paris, Le Corbusiersedulia.blogs.com/sedulias_quotations/2011/10/barthelme-le-corbusier-and-paris.html [10.05.2014]

Fig.01.4- Cidade de Barcelona

Fig. 01.5- Periferia de Lisboawww.estudoprevio.net/artigos/12/bruno-ferreira-.-optimist-suburbia [20.05.2014]

Fig. 01.6- Edifício em elevado estado de degradação em Lisboacidadanialx.blogspot.pt/2011/02/postais-da-graca-largo-da-graca.html [24.05.2014]

Fig. 01.7- Imóvel no Bairro Alto reabilitado www.reabilita.pt [07.06.2014]

Fig.01.8- John Ruskinwww.commons.wikimedia.org/wiki/File:John_Ruskin_1870.jpg [04.06.2014]

Fig. 01.9- Gustavo Giovanoniwww.tecniarte.wordpress.com/figuras-ilustres-do-restauro/o-restauro-cientifico/ [15.06.2014]

Fig. 01.10- Cidade de Berlim após 2ª Guerra Mundialwww.spiegel.de/fotostrecke/photo-gallery-a-century-long-project-fotostrecke-56372.html [14.06.2014]

Fig. 01.11- Praça Maggiore em Bolonhawww.bolognawelcome.com [20.06.2014]

Fig. 01.12 – Centro histórico do porto, património mundial desde 1996 www.revistame.wordpress.com [22.06.2014]

Fig. 01.13- Edifício abandonado no centro de Lisboawww.voxeurop.eu/pt/content/article/312171-lisboa-cidade-abandonada [24.06.2014]

Fig. 01.14- Edifício vencedor do prémio RECRIA 2005, Lisboa www.portaldahabitacao.pt [04.07.2014]

Fig. 01.15- Intervenção desenvolvida no âmbito do POLIS em Leiriawww.parqueexpo.pt/conteudo.aspx?caso=projeto&lang=pt&id_object=580&name=Polis-Leiria [04.07.2014]

Fig. 01.16- Apropriação do espaço público pelas crianças, Helsínquia

Fig. 01.17- A praça do Museu de Arte Contemporânea em Barcelona é utilizada por skaters

Fig. 01.18- Performance na Av. da Catedral, Barcelona

Fig. 01.19- Requalificação Ribeira das Naus www.cm-lisboa.pt [06.09.2014]

Fig.01.20- Terreiro do Paço www.cm-lisboa.pt [06.09.2014]

Fig. 01.21- Requalificação do Miradouro de Sta Catarina, Lisboa www.proap.pt/pt-pt/projecto/miradouro-de-santa-catarina/ [06.09.2014]

Fig. 01.22- Requalificação da Av. Duque d’Ávila, Lisboainfohabitar.blogspot.pt/2014/03/requalificacao-da-cidade-imagem-urbana.html [06.09.2014]

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 01.23- Jan Gehlwww.streetswiki.wikispaces.com/Jan+Gehl [15.07.2014]

Fig. 01.24- Praça medieval em Siena www.pinterest.com [05.07.2014]

Fig. 01.25- Loja na Embaixada em Lisboawww.lisbonlux.com/lisbon-shops/embaixada-palacete-ribeiro-da-cunha.html [12.09.2014]

Fig. 01.26- O espaço público é apropriado por actividades criativas, Barcelona

Fig. 01.27- Charles Landry www.moviespictures.org [15.06.2014]

Fig. 01.28- Richard Florida www.obj.ca [15.06.2014]

Fig. 01.29- Projecto de intervenção artística em espaços públicos no Porto www.saberviver.pt/etc/verao-na-cidade-entre-margens/#.VDBEWvldW8A [22.09.2014]

02. A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

Fig. 02.1- Armazéns do Chiado após o incêndio de 1988 www.tsf.pt [05.08.2014]

Fig. 02.2- Armazéns do Chiado actualmentewww.facebook.com/armazenschiado?fref=ts [03.08.2014]

Fig. 02.3- Residências EPUL Jovem, Martim Monizwww.epul.pt/concursos/residenciasmartimmoniz/?idc=129 [27.09.2014]

Fig. 02.4 Edifício de habitação e comércio na Rua do Benformoso, Mouraria www.epul.pt/concursos/benformoso/?idc=107 [11.09.2014]

Fig. 02.5- Plano de reconstrução do Chiado, Siza Vieira www.aviagemdosargonautas.net [15.07.2014]

Fig. 02.6- Utilização do interior do quarteirão no Chiadowww.flickr.com/photos/fadb/5490368736/in/photostream/ [03.08.2014]

Fig. 02.7- Bairro de Alfama www.lisbon-tourism.com [02.09.2014]

Fig. 02.8- Bairro da Mouraria www.forumlisboa2009.parlamento.pt/img/mosaico/pasta/pages/09.htm [02.09.2014]

Fig. 02.9- Construção da EXPO’98www.tsf.pt/multimedia/Galeria/?content_id=3452211&PageIdx=0 [11.07.2014]

Fig. 02.10- Vista aérea do Parque das Naçõeswww.tsf.pt/multimedia/Galeria/?content_id=3452211&PageIdx=0 [11.07.2014]

Fig. 02.11- Zona da Baixanoticiasdearquitectura.blogspot.pt/2008_12_01_archive.html [11.07.2014]

Fig. 02.12- Praça D. Luís, Cais do Sodréwww.guiadacidade.pt/pt/poi-praca-d-luis-e-estatua-do-marques-sa-da-bandeira-24352 [25.09.2014]

Fig. 02.13- Escola Rainha D. Leonor, Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura 2011 www.novaescola.min-edu.pt/np4/e1106454.html [25.09.2014]

Fig. 02.14- Fachada da fábricawww.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/0/ [01.08.2014]

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 02.15- Fachada da fábricawww.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/23/ [07.09.2014]

Fig.02.16-Espaço interior: livre e polivalentewww.lxfactory.com/PT/lxfactory/#prettyPhoto[‘galeria’]/3/ [07.09.2014]

Fig. 02.17- Livraria Ler Devagar

Fig. 02.18- Restaurante 1300 Tabernamyguide.iol.pt/profiles/blogs/comercio-para-la-e-para-ca-na-lx-factory [07.09.2014]

Fig. 02.19- Espaço de trabalho partilhado www.facebook.com/Coworklisboalx [07.09.2014]

Fig. 02.20 - Exposiçãowww.facebook.com/media [07.09.2014]

Fig. 02.21 – Mercado semanal de produtos em 2ª mãomyguide.iol.pt/profiles/blogs/comercio-para-la-e-para-ca-na-lx-factory [07.09.2014]

Fig. 02.22- Rua antes da intervenção www.joseadriao.com/ [10.09.2014]

Fig. 02.23- Proposta do atelier José Adrião Arq. www.joseadriao.com [10.09.2014]

Fig. 02.24- Rua Cor-de-Rosawww.cm-lisboa.pt [10.09.2014]

Fig. 02.25- Pensão Amorcool-lisbon.blogspot.pt/2012/03/cool-bars.html [10.09.2014]

Fig.02.26- Obras no Martim Monizwww.skyscrapercity.com/showthread.php?p=91474244 [12.08.2014]

Fig. 02.27- Praça Martim Monizwww.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento [12.08.2014]

Fig. 02.28- Praça Martim Monizwww.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento [12.08.2014]

Fig. 02.29- MEO OUT JAZZ no Martim Monizwww.facebook.com/outjazz2012?fref=ts [12.08.2014]

Fig. 02.30- A Linha, um dos projectos vencedores do programa BIP/ZIP 2012, Alfama alinhaalfama.wordpress.com/2013/03/18/paragem-no-24-stop-no-24/ [13.07.2014]

Fig. 02.31- Carta BIP/ZIP 2010habitacao.cm-lisboa.pt/index.htm?no=2720001 [01.06.2014]

Quadro 02.32-Número de candidaturas e montante disponível para a estratégia BIP/ZIP por ano habitacao.cm-lisboa.pt/index.htm?no=2730001 [01.06.2014]

Fig. 02.33- Exposição Dentro de ti ó cidade, MUDE www.mude.pt [05.07.2014]

Fig. 02.34- Esquema síntese da estratégia de reabilitação na cidade de Lisboa

Fig. 02.35- Esquema das intervenções, relações entre estas e objectivos a que dão resposta Equipa de Missão Lisboa, 2012

03. A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

Fig. 03.1- Planto geral de Lisboa em 1833www.museudacidade.pt/Coleccoes/Cartografia/paginas/Planta-geral-de-Lisboa.aspx [12.09.2014]

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 03.2- Cerca fernandina sobreposta à planta de Lisboa de 1856/1857 revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=135 [01.08.2014]

Fig. 03.3 – Fontanário entre 1898 e 1908 Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 03.4 – Uma das diversas escadas do bairroventaniasrosadas.blogspot.pt/2013/07/ai-mouraria.html [08.09.2014]

Fig. 03.5- Rua do Benformoso e Rua do Terreirinho, 1950 revelarlx.cm-lisboa.pt [08.09.2014]

Fig. 03.6–Comércio na Mourariawww.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/quantas-mourarias-tem-lisboa [21.09.2014]

Fig. 03.7- Centro Comercial da Mourariawww.bestguide.pt/centro-comercial-da-mouraria/ [21.09.2014]

Quadro 03.8- População residente INE, Censos 1991, 2001, 2011

Quadro 03.9- Percentagem de habitantes por faixa etáriaINE, Censos 2011

Quadro 03.10- Nível de escolaridade INE, Censos 2011

Fig. 03.11- Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego

Fig. 03.12- Edifício de habitação na Rua do Benformoso, no101-103www.cm-lisboa.pt/equipamentos [13.09.2014]

Fig. 03.13- Limite da área do Plano e área edificada Adaptado de AML, 2014

Fig. 03.14- Requalificação do espaço público www.porlisboa.qren.pt/np4/634.html [11.09.2014]

Fig. 03.15- Obras de melhoria da acessibilidade e mobilidadewww.aimouraria.cm-lisboa.pt/requalificacao-do-espaco-publico.html [11.09.2014]

Fig. 03.16- Interior do Quarteirão antes da intervenção quarteiraodoslagares.blogs.sapo.pt/306.html [11.09.2014]

Fig. 03.17- Vista da entrada principalwww.aimouraria.cm-lisboa.pt/quarteirao-dos-lagares/descricao.html [11.09.2014]

Fig. 03.18- Modelo tri-dimensional da propostawww.aimouraria.cm-lisboa.pt/quarteirao-dos-lagares/descricao.html [11.09.2014]

Fig. 03.19- Edifício antes da intervençãowww.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao [25.08.2014]

Fig. 03.20- Casa da Severawww.aimouraria.cm-lisboa.pt/valoracao-das-artes-e-dos-oficios [25.08.2014]

Fig. 03.21- Interior da Casa da Severawww.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao [25.08.2014]

Fig. 03.22- Sinalética do Percurso Turístico-Cultural

Fig. 03.23- Percurso Mouraria dos Povos e das Culturaswww.renovaramouraria.pt/percurso-mouraria-dos-povos-e-das-culturas/ [11.09.2014]

Fig. 03.24- Outdoor de divulgação do PA Mouraria aimouraria.com-lisboa.pt [11.08.2014]

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 03.25- Imagem do vídeo de apresentação do projecto de requalificação da Mouraria, Set. 2011 vimeo.com/29968011 [03.09.2014]

04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

Fig.04.1- Rua dos Anjos, uma das saídas mais importantes de Lisboa lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012/09/rua-dos-anjos.html [23.08.2014]

Fig.04.2- Planta1856-58Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.3- Planta1911Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.4- Planta 1950Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig. 04.5 – O Largo do Intendente lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012_09_01_archive.html [16.08.2014]

Fig. 04.6- Palacete Pombalino Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.7- Chafariz do Desterrolisboahojeeontem.blogspot.pt/2012_09_01_archive.html [16.08.2014]

Fig.04.8- Lado poente

Fig.04.9- Lado nascente

Fig.04.10- Taça usada como bebedouro para os animais, início século XX Neves e Gonçalves, 2011

Quadro 04.11- Pop. Residente, no famílias, alojamentos e edifícios por quarteirão. INE, Censos 2011

Fig.04.12- Evolução da pesquisa pelo tópico “Largo do Intendente” google.com/trends [18.09.2014]

Fig.04.13- Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

Fig.04.14- Obras no Largo do Intendente www.aimouraria.cm-lisboa.pt/ [16.08.2014]

Fig. 04.15– Limite da área de intervenção Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04. 16- Circulação viária existente e proposta Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.17- Largo antes da intervenção: um todo viário e uma ilha pedonal Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.18- Estereotomia de pavimento da rua do Benformoso Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.19- Estereotomia de pavimento da rua do Largo do Intendente Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.20- Estrutura pavimentada do Largo Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.21- Pormenor do pavimento: calçada de vidraço branco e lajetas em pedra lióz

Fig. 04.22- Elemento água no largo

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 04.23- Poema de Fernando Pessoa gravado nas lajetas do pavimento Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.24- Plátano que existia no Largoprojetotoca.wordpress.com/2011/01/10/intendentando/ [20.08.2014]

Fig. 04.25- Árvores existentes e respectiva sombra

Fig. 04.26- Iluminação e mobiliário urbano

Fig. 04.27- Mobiliário urbano

Fig. 04.28- Sistema de drenagem integrado no pavimento

Fig. 04.29- Kit Garden

Fig. 04.30- Conclusão do projecto de requalificação em 2012fugas.publico.pt/Noticias307495_revolucao-do-intendente-passa-pela-musica-e-artistas-esplanadas-e-turis-tas [16.08.2014]

Fig. 04.31- Concerto orquestra TODOS e ORCHESTRA DI PIAZZA VITTORIO, Set. 2012 todoscaminhadadeculturas.blogspot.pt [18.09.2014]

Fig. 04.32- Imagem da iniciativa, Julho 2012boasnoticias.pt/noticias_Lisboa-Intendente-renasce-e-est%C3%A1-em-festa [16.08.2014]

Fig. 04.33 –Yorn Intendente Skate Jam, Junho 2013www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/quantas-mourarias-tem-lisboa [06.09.2014]

Fig. 04.34- MEO Out Jazz, Julho 2013 www.facebook.com/outjazz2012 [05.09.2014]

Fig. 04.35- Red Bull o Santos Vertical www.redbull.pt [02.09.2014]

Fig. 04.36- Proposta de residência de estudantes www.publico.pt/local/noticia/vai-nascer-uma-residencia-de-estudantes-no-intendente [21.09.2014]

Fig. 04.37- Cartazes que estiveram na origem do projectowww.renovaramouraria.pt/category/projectos/jornal-rosa-maria/ [21.08.2014]

Fig. 04.38- Jornal ROSA MARIA no2 e no7www.renovaramouraria.pt/category/projectos/jornal-rosa-maria/) [21.08.2014]

Fig. 04.39- Actividades na Mouradia www.facebook.com/renovar.a.mouraria [16.09.2014]

Fig. 04.40- Mercado na Mourariawww.facebook.com/renovar.a.mouraria [16.09.2014]

Fig.04.41 - Pátio da Casa Independente timeout.sapo.pt/artigo.aspx?id=1642 [16.09.2014]

Fig. 04.42 - Iniciativas no Largov-miopia.blogspot.pt/2013/07/casa-independente-sai-rua-iv.html [18.09.2014]

Fig.04.43- Bike-pop

Fig.04.44- Actividades promovidas pela cooperative POSTwww.facebook.com/bikepop/photos_stream?tab=photos_stream [18.09.2014]

Fig.04.45- Entrada LARGO residências

Fig. 04.46- Yoga no Largo

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

V. Índice de figuras e quadros

Fig. 04.47- Sonhos em ObraLargo Residências, 2012

Fig.04.48- Entrada LARGO Café e LARGO Estúdio

Fig. 04.49- Esplanada do LARGO Café

Fig. 04.50 – Reunião do projectowww.facebook.com/media/set [24.09.2014]

Fig. 04.51- O das Joanas Café

Fig. 04.52- Produtos de criação portuguesa

Fig. 04.53- Debates no interior da loja www.facebook.com/media/set [24.09.2014]

Fig. 04.54- Painel na fachada da loja

Fig. 04.55- Sport Clube Intendente

Fig. 04.56- Espaço SOUwww.facebook.com/souassociacaocultural [14.09.2014]

Fig. 04.57 -Agenda B.I. de Maiowww.facebook.com/bairrointendente/info [16.06.2014]

Fig.04.58- “B.I. Cerâmico”, realizado num atelier de cerâmica no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festa. www.facebook.com/bairrointendente/info [14.09.2014]

Fig.04.59- Mandela Day no Largo do Intendente no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festavimeo.com/101288597 [30.08.2014]

Fig. 04.60- Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

Fig. 04.61- Esquema síntese do processo de reabilitação no Largo do Intendente

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

VI. Lista de abreviaturas e acrónimos

LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

ACRRU – Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística

AML – Área Metropolitana de Lisboa

ARM – Associação Renovar a Mouraria

ARU – Área de Reabilitação Urbana

BIP/ZIP – Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária

CIAM – Congresso Internacional de Arquitectura Moderna

CML – Câmara Municipal de Lisboa

DGOTDU – Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano

EPU – Espaços Públicos Urbanos

GABIP - Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária

GTL – Gabinetes Técnicos Locais

IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana

INE – Instituto Nacional de Estatística

OP – Orçamento Participativo

PIPARU – Programa de Investimentos Prioritários em Acções de Reabilitação Urbana do Município

PDCM – Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria

PDM – Plano Diretor Municipal

PRAUD – Programa de Recuperação de áreas Urbanas Degradadas

PRID – Programa para a Recuperação de Imóveis Degradados

PRU – Programa de Reabilitação Urbana

PUNHM – Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional da Mouraria

RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados

RECRIPH – Regime Especial e Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios Urba-

nos em Regime de Propriedade Horizontal

REHABITA – Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas Antigas

RJRU – Regime Jurídico da Reabilitação Urbana

SRU – Sociedades de Reabilitação Urbana

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00 INTRODUÇÃO

0.1 Motivação e pertinência temática

0.2 Objectivos

0.3 Metodologia

0.4 Organização

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00INTRODUÇÃO

“We created cities to celebrate what we have in common. Now they are designed to keep us apart” (Rogers, R., 1997).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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0.1 Motivação e pertinência temática

A reabilitação urbana tem actualmente um papel central na revitalização das cidades, contribuindo para o reforço da sua coesão e competitividade. No início surgiu como uma intervenção técnica em edifícios tendo-se agora tor-nado num processo de desenvolvimento urbano complexo e integrado. A complexidade das questões locais e a incerteza que rodeia as forças globais actualmente exigem fórmulas de intervenção multidimensionais que se tra-duzem na necessidade de considerar, de modo integrado, domínios diversos no processo de reabilitação, dos físicos aos imateriais, dos urbanísticos aos sociais e culturais.

A motivação para a escolha do tema da presente dissertação nasce do in-teresse em aprofundar o processo da reabilitação urbana numa perspectiva multidimensional e com uma maior incidência no espaço público e conse-quente qualidade de vida nos espaços mais desqualificados e marginaliza-dos das cidades. Estas zonas resultam muitas vezes num espaço público desqualificado e inseguro, tendo assim tanto a arquitectura como os instru-mentos de planeamento urbano um papel fundamental na reversão destes espaços. Consequentemente, torna-se muito relevante a reversão destes espaços social e urbanisticamente desqualificados para a coesão, competi-tividade e efeito multiplicador noutras áreas da cidade. A escolha do espaço público prendeu-se pelas transformações e interações que nele convergem, como a relação entre as pessoas, elemento fundamental para a vitalidade de qualquer espaço.

O Largo do Intendente, espaço inserido na requalificação da Mouraria, foi escolhido para ilustrar as relações complexas que se estabelecem nos pro-cessos de reabilitação urbana entre espaço público, criatividade e atracção de residentes, mas também pelo interesse que esta zona central e histórica de Lisboa tem despertado, sobretudo pelos ciclos que foi sucessivamente sofrendo- de zona nobre a zona de abandono e decadência- e que procura agora através da revolução urbana que está a ocorrer reinventar-se. A pecu-liaridade do bairro da Mouraria, com o seu traçado orgânico e o seu tecido social tão característico, são também motivos que reforçaram a selecção do objecto de estudo. Finalmente, o facto deste processo de reabilitação estar em curso é um factor influenciador desta escolha, pelos desafios e potencia-lidades que isso traz.

0.2 Objectivos

O objectivo principal desta dissertação é compreender e estudar os efeitos e potencialidades da adopção de estratégias de reabilitação urbana integra-das e multidimensional na regeneração de áreas centrais deprimidas, tendo como objecto de estudo o Largo do Intendente.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Como objectivos específicos pretende-se:

- Contribuir para uma avaliação crítica dos processos multidimensionais de reversão sócio-urbana.

- Estabelecer um quadro teórico em torno do declínio e marginalização das áreas centrais urbanas.

- Determinar os motores (políticos, económicos, financeiros e culturais) da inversão/reversão destes tempos e espaços recessivos.

- Estudar o efeito combinado de criatividade, espaço público e nobilitação, apoiado no caso do Largo do Intendente.

- Perceber, apoiado no caso de estudo, de que forma a arquitectura e o de-senho urbano se articulam com as dinâmicas sociais.

0.3 Metodologia

A recolha documental foi a base da investigação teórica, sendo que é ne-cessário em primeiro lugar definir conceitos como os de reabilitação urba-na, criatividade e espaço público e, em seguida, compreender o quadro da reabilitação urbana quer internacional como nacionalmente, a evolução dos programas de reabilitação assim como a legislação que a acompanha. A re-colha bibliográgica foi assim fundamental para a actualização dos conceitos e das dinâmicas que afectam o fenómeno da reabilitação urbana e conse-quentemente para a forma como foi estudado o caso prático.

O caso prático foi baseado numa primeira fase em recolha documental acer-ca dos programas e planos relativos àquela zona, de modo a entender a evolução dos mesmos assim como a fase em que estes se encontram.

Será desenvolvida depois uma análise da reabilitação urbana do Largo do Intendente recorrendo-se à observação directa, com recolha fotográfica e levantamentos in situ de modo a perceber a forma como foi aplicado o con-ceito de reabilitação urbana. Este método permitiu experimentar e sentir o espaço e as suas dinâmicas em diferentes alturas e entender como se arti-culam todos estes acontecimentos.

Recorre-se também à realização de entrevistas semi-directivas aos arqui-tectos e socióloga responsáveis pelo projecto de requalificação do espaço público e à directora do LARGO Residências. Estas entrevistas contribuem para a reflexão que se propõe fazer na medida em que apresentam diferen-tes visões e um olhar global sobre este processo.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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0.4 Organização

Este trabalho organiza-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo contextu-aliza a reabilitação urbana quer internacional como nacionalmente, e descre-ve os programas que foram e estão a ser desenvolvidos de apoio à reabilita-ção em Portugal. Paralelamente, são descritos os conceitos de criatividade, espaço público e nobilitação, reconhecendo a importância que estes facto-res têm tido nas estratégias adoptadas em todas as cidades.

O segundo capítulo refere-se à cidade de Lisboa, primeiramente com um olhar retrospectivo acerca da reabilitação seguido da apresentação de al-guns exemplos de reabilitação cuja estratégia se baseia em alguns dos con-ceitos descritos no capítulo anterior. Procurou-se ainda definir os programas e estratégias de apoio à reabilitação em vigor na cidade de Lisboa. Este capí-tulo é finalizado com uma análise aos documentos estratégicos que definem o futuro da reabilitação para Lisboa.

No terceiro capítulo é feito um enquadramento histórico do bairro da Mou-raria, assim como uma caracterização económica e demográfica do bairro. Este enquadramento é seguido da descrição do processo de reabilitação em curso na Mouraria, no qual se insere o caso de estudo da dissertação.

O quarto capítulo refere-se à “revolução” em curso no Largo do Intendente e está dividido em três partes: o antes, o agora e o depois. Na primeira parte é descrita a transformação do Largo ao longo do tempo, quer ao nível da configuração do espaço público como a nível social. A segunda parte refere o projecto de requalificação urbanística e ambiental do Largo do Intendente, inserida no Programa de Acção da Mouraria, seguida do estudo das dinâ-micas que revitalizam o Largo do ponto de vista social. A última parte deste capítulo, o depois, analisa a sustentabilidade da intervenção e revolução em curso.

O quinto e último capítulo diz respeito às conclusões que derivam da elabo-ração do trabalho, assim como à revisão dos objectivos deste e o seu de-senvolvimento. É elaborado um quadro crítico em relação ao caso de estudo e são também discutidos diferentes desenvolvimentos que este processo poderá ter.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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01 REABILITAÇÃO URBANA: ENQUADRAMENTO E POLÍTICAS

1.1 Da expansão à reabilitação

1.2 Reabilitação urbana: um caminho

1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana: casos exemplares

1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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REABILITAÇÃO URBANA: ENQUADRAMENTO E POLÍTICAS

A importância da reabilitação é actualmente reconhecida globalmen-te na medida em que constitui o motor de desenvolvimento, elemen-to de coesão e contribui para a competitividade das cidades.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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1.1 Da expansão à reabilitação

“We created cities to celebrate what we have in common. Now they are de-signed to keep us apart.” (Rogers, R., 2007)A importância dada às cidades remete aos gregos e ao longo dos tempos existiram muitas concretizações propostas urbanísticas do conceito secular de “cidade ideal” - desde o forúm romano às cidades medievais, passando pela cidade-jardim de Ebenezer Howard e a cidade funcional de Le Corbu-sier, terminando nas cidades periféricas à cidade central reabilitada e revitali-zada (cf. Fig. 01.1; 01.2; 01.3) – que ainda marcam muitas cidades europeias desde há mil anos. O Renascimento marca a transição entre as cidades de crescimento espontâneo e as planeadas: “la ciudad dejó de ser una mera herramienta y se convertió, en mayor medida, en una obra de arte, concebi-da, percibida y realizada como un todo” (Gehl, 2006: 49).

A industrialização levou à segregação das funções urbanas e a uma conse-quente monotonia das cidades, o que resulta numa fraca actividade e inte-racção entre os seus habitantes. diminuindo assim a possibilidade de rece-ber estímulos provenientes de outras pessoas (Gehl, 2006). Actualmente a hierarquia das cidades não é mais definida pela dimensão da população mas pela densidade de interacções que estas permitem (Rodrigues, 2010). Walter Rodrigues defende que as metrópoles iniciaram o processo de reestrutura-ção urbana em 1980, sendo que não foi o fim das cidades mas o fim de como eram conhecidas até ao momento (Rodrigues, 2010), contudo a cultura e o lazer continuam a ter como factor central a presença humana, ao contrário dos negócios e da ciência.

O ano de 2001 corresponde à altura em que mais metade dos habitantes reside nas cidades, sendo que em 1950 estes representavam apenas um terço da população mundial, 800 milhões. A população que vive nas cidades consome mais de dois terços da energia disponível mundialmente e ocupa cada vez mais um papel central nas políticas urbanas. Segundo João Ferrão, existe “uma crescente complexidade das realidades urbanas”, pelo que se torna “cada vez mais difícil delimitar esse objecto a que chamamos cidade, tanto do ponto de vista conceptual como do ponto de vista geográfico ou das políticas públicas” (Ferrão, 2003: 219). Observa-se também uma grande mudança social e demográfica nessa mesma população, que se reflecte no número de pessoas a viverem sozinhas, na fraca percentagem de população em idade activa, bem como uma população envelhecida e um índice de na-talidade que vem decrescendo, em parte devido ao aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho.

Fig. 01.1 Ágora: expressão máxima da esfera pública gregaFonte: www.ensinodahistoria1.blogspot.pt

Fig.01.3 Maquete do plano para Paris, Le Corbusier Fonte: http://sedulia.blogs.com/

Fig.01.2 Diagrama esquemático da cidade jardim. Ebenezer Howard. Fonte: http://www.library.cornell.edu

Fig. 01.4- Cidade de Barcelona

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 01.5 Periferia de LisboaFonte: www.estudoprevio.net

Fig. 01.6 Edifício em elevado estado de degradação em LisboaFonte: cidadanialx.blogspot.pt

Segundo Oliveira das Neves (Neves, 1996), a crise que se fez sentir nos anos 70 contribuiu para o agravamento das dificuldades de gestão e ordenamento do território face às tensões que se manifestaram nas grandes cidades, no-meadamente “o declínio das actividades tradicionais, que induziu a morte de vastas zonas da cidade com reflexo nos índices de envelhecimento e de de-gradação urbana; a opressão imobiliária e a espiral inflacionária do custo do solo, que expulsaram a habitação e as actividades tradicionais, com reflexos sobre a desertificação humana de inúmeros espaços” (Neves, 1996: 103).

O abandono e degradação dos centros das cidades é acompanhado pelo alargamento exponencial dos perímetros urbanos e a consequente expansão irracional das infraestruturas no território na maior parte dos países europeus (Cf. Fig. 01.5; 01.6). Ao longo das décadas de 1950 e 1960 o desenvolvimen-to económico traduziu-se espacialmente “na criação de espaços industriais, residenciais e comerciais na periferia das cidades, constituindo os três prin-cipais elementos estruturantes destes territórios” (Magalhães, 2008:19).

Segundo Gonçalo Byrne, “estas zonas são marcadas por ambientes muito diferentes dos que se fazem sentir nas áreas centrais, pela sua homogenei-dade, tipologia, morfologia e usos. Enquanto essas periferias se iam desen-volvendo, os centros iam-se degradando e tornando abandonados” (Inter-venção de Byrne, G., 2014). Este crescimento das cidades levantou diversas inquietações e críticas em relação ao futuro e sustentabilidade das cidades assim como à destruição e ausência de espaço público. Ferreira e Salgueiro afirmam que “a urbanização acelerada é um fenómeno muito recente e vai continuar. [...] Se nós vamos viver em cidades, se cada vez mais gente vai vi-ver em cidades, temos de tornar as cidades espaços mais agradáveis. Como é que vamos conseguir fazer com que as cidades sejam centros económicos importantes e, simultaneamente, sítios agradáveis para se viver?” (Ferreira e Salgueiro, 2000).

A resposta a essa pergunta surge nos anos 80 e 90 com um novo pensa-mento e objectivo: o “renascer da cidade” (Gehl, 2006), nomeadamente ao nível do desenho de espaços públicos. Observa-se o back-to-the-city-mo-vement (movimento de regresso ao centro) caracterizado por um urbanismo de contenção, de crescimento de dentro e pela colmatação dos perímetros urbanos apostando-se na renovação das cidades com a reabilitação urbana. Procura-se atrair e fixar a população para os centros das cidades, apostando assim nos pull factors que os centros apresentam em relação às periferias, nomeadamente as infraestruturas existentes, os equipamentos que esta ofe-rece a quem vive na mesma, assim como a identidade e património histórico e arquitectónico que a caracterizam (cf. Fig. 01.7).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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Fig.01.7 Imóvel no Bairro Alto reabilitado Fonte: reabilita.pt

Fig.01.8 John RuskinFonte: commons.wikimedia.org

Fig.01.9 Gustavo Giovannoni

Fonte: tecniarte.wordpress.com

Resumidamente, o arquitecto Gonçalo Byrne considera a ocupação do cen-tro das cidades paradoxal, e depende de estratégias intermunicipais “se por um lado o centro é mais apetecível, pela sua proximidade e carga histórica, as outras zonas não são tão atractivas, algo normal devido às dinâmicas das cidades, porém isso constitui um “entrave” para a reabilitação, pois esta pro-cura uma intervenção justa e equilibrada” (Intervenção de Byrne, G., 2014). No contexto deste fenómeno, surge então com mais força a reabilitação ur-bana, tema deste trabalho, que se posiciona assim como um método para contrariar esta tendência de desertificação e degradação das cidades e os efeitos desse processo são cada vez mais visíveis em diversas cidades eu-ropeias assim como em Lisboa.

Apesar das evidentes melhorias que a reabilitação urbana traz às cidades, esta traz consigo também alguns problemas e desafios, pelo que em deter-minados contextos um dos princípios que incentivou o desenvolvimento de operações de reabilitação urbana- a manutenção do conteúdo social das áreas intervencionadas- “foi de alguma forma adulterado” (Magalhães, 2008: 41). As intervenções com fins lucrativos, como por exemplo de desenvolvi-mento turístico, trouxeram por um lado melhorias económicas e de conser-vação da área, e por outro, repercussões sociais negativas como a expulsão da população e segregação social, inclusivamente devido à nobilitação que ocorre em certas zonas, sendo que este efeito será estudado mais à fren-te. Observa-se assim uma valorização imobiliária e simbólica dos territórios abrangidos.

1.2 Reabilitação urbana: um caminho

A reabilitação urbana nasce do paradigma da conservação do património no século XIX, com a tomada de consciência do interesse de certos mo-numentos como património arquitectónico, sendo que até essa altura eram apenas “monumento histórico”, como Françoise Choay afirma na sua obra A Alegoria do Património (Choay, 1999). John Ruskin, nos finais do século XIX, já defendia a conservação do tecido histórico na sua totalidade porém esta preocupação só se generalizou e estendeu a todas as áreas da cidade cem anos mais tarde (cf. Fig. 01.8). Durante este século ocorre também a revolu-ção industrial que tem como consequência grandes assimetrias ao nível da ocupação urbana, que exigem diferentes políticas de intervenção. A expan-são das cidades, descrita no ponto anterior, resulta na decadência das áreas centrais, e consequentemente em graves problemas culturais e sociais.

As primeiras preocupações aparecem em 1925, e são abordadas em 1931 na Conferência Internacional de Atenas. O teórico italiano Gustavo Giovan-noni (1873-1947) foi o responsável pelas primeiras teorias integradoras de reabilitação, defendendo a preservação do tecido antigo de um ponto de vista integrado, pela sua morfologia e escala e valor artístico e histórico (cf. Fig. 01.9).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 01.10 Berlim após a 2a Guerra MundialFonte: www.spiegel.de

Fig.01.11 Praça Maggiore em BolonhaFonte: www.bolognawelcome.com

A Carta de Atenas, adoptada no seguimento do IV Congresso Internacional de Arquitectura (CIAM) em 1933, surge como resultado dessa tomada de consciência e define os princípios orientadores das intervenções quer do ponto de vista urbanístico como do ponto de vista do património histórico. As operações são assim mais integradas e “é este o princípio para a emer-gência do conceito de planeamento urbano, em que se atribui uma compo-nente social aos espaços, caracterizando-os como territórios de vivência, de cultura, de história, de uso e especialmente de habitat humano. Esta ideia inovadora só mais tarde foi valorizada pois entendeu-se que, com a contínua degradação da cidade, os tecidos urbanos históricos de interesse deviam ser conservados e mantidos” (Silva, 2011: 7).

A II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, originou diversas transformações sociais, económicas e políticas que alteraram a configuração de muitas ci-dades europeias, parcialmente ou totalmente destruídas (cf. Fig. 01.10). Sur-giram assim grandes investimentos na reconstrução que geraram dois mo-vimentos: por um lado, a demolição das áreas atingidas e a substituição por conjuntos edificados modernos que estavam muitas vezes em desacordo com o traçado urbano existente, e por outro a expansão das cidades para a periferia. As estruturas pré-existentes eram consideradas um obstáculo ao progresso económico, sendo muitas vezes destruídas e iniciadas interven-ções de renovação urbana, prevalecendo assim a ideia urbanística de que “a demolição do tecido urbano existente era a única forma de revalorizar e rentabilizar essas áreas” (Magalhães, 2008:21).

As operações de renovação urbana conduzem a alterações na forma e no conteúdo das áreas urbanas intervencionadas a nível físico, funcional e so-cial, sendo que a reconstrução rápida e “o desejo de construir e revitalizar as cidades destruídas resultou numa fragmentação e descontinuidade no tecido urbano que provocou uma perda de identidade do território e dos espaços públicos” (Rosário, 2010: 23). Em reacção a estas acções surge em 1954 a definição de uma política internacional de reabilitação na Convenção Cultural Europeia, com a reabilitação a ganhar importância no contexto das políticas de urbanização.

A Carta Internacional sobre a Conservação e o Restauro dos Monumentos e dos Sítios, mais conhecida por Carta de Veneza, aprovada em 1964, inclui o património urbano no conceito de monumento a preservar, sendo que “até essa altura a reabilitação não abarcava sequer todos os edifícios do tecido urbano antigo” (Pinho, 2009: 82). A reabilitação estava muitas vezes limitada à melhoria da dimensão física dos edifícios com algum interesse patrimonial, designadamente “edifícios com valor social, histórico, arqueológico, científi-co ou artístico, ou com carácter típico ou pitoresco, que formassem um todo coerente ou fossem notáveis pela forma como se integravam na paisagem” (Pinho, 2009: 82). A cidade de Bolonha é um exemplo da nova abordagem introduzida pela Carta de Veneza tendo sido desenvolvido um processo de

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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recuperação urbana que privilegiou a manutenção do conteúdo social (cf. Fig. 01.11).

A partir da década de 60 vão surgindo na Europa instrumentos de reabili-tação urbana assentes na Lei Malraux, uma legislação francesa de 1962, que privilegiava a recuperação de conjuntos urbanos com valor histórico e arquitectónico, em detrimento das estratégias de renovação urbana e definia os “secteurs sauvegardés”. Paralelamente às acções de reabilitação, surge o despovoamento de certos espaços da cidade, nomeadamente as periferias, que se degradam e deterioram à medida que a sociedade evolui e a mobili-dade e acessibilidade aumentam (Silva, 2011: 8). A reabilitação estava assim ainda associada apenas aos edifícios com interesse patrimonial, seja pelo seu valor histórico, social, arqueológico ou científico, e não abrangia todos os edifícios do tecido antigo. Esta não tinha como preocupação o desen-volvimento socioeconómico das zonas afectadas, preocupando-se apenas com a intervenção física.

Na década de 80, esse pensamento viria a ser alterado pois esse património é valorizado como memória colectiva, adoptando-se uma política de revita-lização baseada numa reabilitação integrada. Os anos 80 caracterizam-se assim pela consolidação da dimensão urbana da reabilitação. O surgimento de problemas como o desemprego, pobreza, insegurança e más condições do ambiente urbano, favorecem a tomada de consciência da diversidade de sectores envolvidos na melhoria da vida urbana, não se restringindo assim à economia. Na “nova política urbana” reconhece-se que “a intervenção ur-banística é um dos elementos da dinâmica social onde agem actores com expectativas, interesses e inserções diferenciais na sociedade e na cidade” (Guerra e Vilaça, 1994: 85). A Campanha Europeia para o Renascimento das Cidades, lançada pelo Conselho da Europa em 1980, marca o início desta viragem, tendo como mote uma “melhor vida nas cidades” e sensibilizando tanto o público em geral como os governantes para a necessidade de me-lhorar de uma maneira global a qualidade de vida das cidades.

Os planos de reabilitação futuros têm já presente a integração da reabilita-ção do espaço físico com a coesão social, ambiental e de habitação. Este conceito, proveniente da política de salvaguarda do património, evoluiu muito rapidamente relativamente aos objectivos, ao âmbito de actuação e abordagem, sendo que a crescente importância dos tecidos urbanos anti-gos levou à necessidade da sua reabilitação e conservação (cf. Fig. 01.12). Esta abordagem aparece na Carta Europeia de Património Arquitectónico de 1975, que serviu de base à Carta de Amesterdão, onde o termo reabilitação é reconhecido.

O paradigma do alastramento, anteriormente descrito, com a expansão pe-riférica descontrolada, a desertificação dos centros urbanos e o fomento industrial, é invertido nos anos 80 e 90, sendo que a indústria desaparece dos centros urbanos e o sector terciário cresce. A Nova Carta de Atenas, adoptada em 1998 pelo Concelho Europeu de Urbanistas, identificou alguns

Fig. 01.12 Centro histórico do Porto, patri-mónio mundial desde 1996Fonte:www.revistame.wordpress.com

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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problemas das cidades, entre outros a falta de condições de habitabilidade, de espaços verdes, o mau estado de conservação dos edifícios, o cresci-mento das áreas periféricas sem organização e planeamento e a distribuição da população no espaço. A reabilitação passou a ser “entendida como um instrumento que incita à boa gestão urbana, à criação de parcerias público--privadas e à participação e integração da população na definição de estra-tégias de intervenção no território” (Silva, 2011: 9). Esta Nova Carta difere da primeira, de 1933, pela proposta de uma visão coerente da cidade, centrada nos seus habitantes e os utilizadores e nas necessidades destes.

Passou-se assim de uma preocupação central com a recuperação física das estruturas edificadas, ou seja o património físico urbano, para o entendimen-to de que o aspecto social e cultural era indissociável dessa preocupação, conceito que está na base da reabilitação. O património foi conciliado com o desenvolvimento de modo a deixar de ser visto como um entrave à moder-nização (Magalhães, 2008).

Explicação de conceitos

A evocação do conceito de reabilitação urbana faz referência a intervenções distintas e a sua definição é ainda por vezes equívoca devido à evolução e complexidade do termo o que levou inicialmente ao desprezo dos pres-supostos subjacentes ao conceito principal assistindo-se muitas vezes à concretização de uma mera intervenção física. O termo reabilitação urbana, que vai ser abordado, deve ser distinguido de conceitos como renovação ou requalificação.

Segundo a Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimen-to Urbano (DGOTDU) a renovação urbana implica a demolição das estrutu-ras morfológicas existentes numa área degradada onde não se reconheça nenhum valor como património arquitectónico ou histórico, seguida da sua substituição por novas edificações que constituem um novo padrão. Ao con-trário da renovação, a reabilitação representa não a destruição mas a “habi-litação” do tecido.

Relativamente à requalificação, esta permite revitalizar os centros históricos que se encontram ou seguem um caminho de decadência e abandono mas também as zonas envolventes. Esta intervenção possibilita uma reestrutu-ração no tecido físico e social e a criação de uma nova imagem em função do existente. Ferreira et al. consideram que a “requalificação urbana é um processo social e político de intervenção no território que visa essencial-mente (re)criar qualidade de vida urbana, através de uma maior equidade nas formas de produção (urbana), de um acentuado equilíbrio no uso e ocupação dos espaços e na própria capacidade criativa e de inovação dos agentes envolvidos nesses processos” (Ferreira et al, 1999). Este conceito está então mais ligado à função do espaço e ao estabelecimento de novos padrões de organização e utilização (Moura, 2005).

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De acordo com Dec. Lei n.o 307/2009 de 23 de outubro, que define o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana,

“A reabilitação urbana é a forma de intervenção integrada sobre o tecido ur-bano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios.”

O Dec. Lei n.º 307/2009, actualizado pelo DL n.º 32/2012 de 14/08, defi-ne ainda que compete às Câmaras Municipais desenvolverem a estratégia de reabilitação assumindo-se esta “como uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objetivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque ha-bitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação con-digna.”

O Conselho da Europa de 2005 propôs uma definição do conceito de reabili-tação urbana, após 30 anos da primeira definição desse termo:

“A reabilitação urbana é um processo de revitalização ou regeneração urba-na a médio ou a longo prazo. É acima de tudo um acto político, com vista à melhoria dos componentes do espaço urbano e do bem-estar e qualidade de vida de toda a população. Os seus desafios humanos e territoriais requerem a implementação de políticas locais (e. g. política do património cultural e de conservação integrada, política de coesão territorial e de ordenamento do território, política ambiental e de desenvolvimento sustentável). A reabi-litação, portanto, é parte de um projecto urbano/plano de desenvolvimento urbano, que implica uma abordagem integrada, envolvendo todas as políticas urbanas” (Council of Europe, 2005).

As definições propostas de reabilitação na literatura são múltiplas, referindo apenas a definição de Gonçalo Byrne, que afirma que “a reabilitação é uma resposta à “desabilitação” da cidade, uma perda de vida, sendo que a habi-litação é definida como a ligação entre o corpo construído e a vida.” Pode-mos então concluir que a reabilitação surge principalmente como resposta a esta ausência de relação entre o espaço físico e a vida. Para o arquitecto a reabilitação deve ter em conta o corpo da cidade, mas acima de tudo a sua base e os pressupostos inerentes a esta: fixar população, qualificar o espaço público, fomentando a sua partilha e convergência, uma vez que a cidade é feita pelas pessoas, sendo que a falta de interacção destas com a arquitec-tura, “contentores de vida”, retira-lhe a vida (Intervenção de Byrne, G., 2014).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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1.3 Programas de apoio à reabilitação urbana: casos exemplares

Reabilitação urbana em Portugal

De modo a analisar correctamente a reabilitação urbana em Portugal foi ne-cessário perceber o contexto internacional anteriormente descrito. A reabili-tação em Portugal teve um percurso ligeiramente diferente do resto da Euro-pa devido à chegada tardia da revolução industrial e ao facto do país não ter sofrido tão intensamente as consequências da II Guerra Mundial. Contudo, é possível definir uma linha comum e nos anos 60, tal como no resto da Europa, surgem as primeiras abordagens integradas de reabilitação e por conseguinte o surgimento de uma nova perspectiva de intervenção urbana.

O Estado Novo, período que marcou o país até 1974, privilegiou a reabilita-ção dos monumentos com valor histórico, sendo que se procuravam “sinais da cultura arquitectónica portuguesa original que muitas vezes implicavam remover traços de outras culturas e destruição de importantes contribuições artísticas de outras épocas” (Silva, 2010: 10). Relativamente à habitação, era dada pouca importância às necessidades qualitativas das habitações, prevalecendo as necessidades quantitativas. O êxodo rural aumenta e nos anos 50 há um forte défice habitacional, que leva à adopção do Plano de Melhoramentos para a Cidade do Porto e do Plano de Construção de Novas Habitações da Cidade de Lisboa.

O conceito de reabilitação urbana vê alargado o seu significado nos anos 60, tal como aconteceu na Europa, e o reconhecimento estratégico de recupe-ração do património é demonstrado em políticas que surgem nessa década. Nessa altura nasce a Secção de Defesa e Recuperação da Paisagem Urbana (SDRPU) que dará origem à Divisão de Estudos de Renovação Urbana, per-tencentes à Direcção Geral do Planeamento Urbanístico (DGPU).

Após o 25 de Abril de 1974, as intervenções efectuadas integram os aspec-tos sociais, culturais e ambientais. Progressivamente, tal como aconteceu na Europa- ainda que com algum atraso- observa-se uma mudança de atitude em relação às áreas urbanas mais antigas, valorizando-se o tecido social e voltando a atenção das práticas e políticas urbanísticas para a cidade exis-tente, em detrimento das áreas de expansão. Dois anos depois, a Lei dos Solos estabelece a Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística (ACRRU) e medidas preventivas, que incidem em intervenções no património edificado de zonas históricas das cidades, sendo que nessa altura o papel e poder dos municípios são alargados.

As Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) surgiram em 2004, no segui-mento da aprovação no Decreto-Lei nº 104/2004, uma vez que a responsabi-lidade pelo procedimento da reabilitação urbana cabe aos municípios,

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podendo estes constituir as SRU. “Às SRU é permitido expropriação por utilidade pública, o licenciamento e autorização de operações urbanísticas e a sua fiscalização, o que contribui para simplificação e encurtamento dos prazos legais e, consequentemente, para a maior celeridade dos processos. Estas sociedades desempenham um papel fulcral na regeneração urbana das cidades porque permitem, também, uma maior interacção entre o sector público e o sector privado” (Madeira, 2009: 79). As operações que sejam executadas pelas SRU apenas necessitam da aprovação da câmara muni-cipal, estando isentas dos procedimentos de licenciamento e autorização. Algumas SRU existentes actualmente têm o apoio do IHRU, outras foram constituídas com capitais privados. Este novo enquadramento nacional das práticas de reabilitação revela uma vontade política de impulsionar esta prá-tica, contrariando a tendência que prevalece de construção nova.

Segundo Santa-Rita, a preocupação com a reabilitação urbana foi tendo especial atenção nos últimos dois anos sendo que esta foi adiada durante anos. O arquitecto define a reabilitação urbana como “um acto de responsa-bilidade histórica sobre um tecido já existente” (Intervenção de Santa-Rita, J., 2014). Para o arquitecto, os anos 80 teriam sido uma boa oportunida-de para começar esse processo, com a entrada na União Europeia, porém Santa-Rita considera que as condições eram escassas e os problemas de degradação agravaram-se “exponencialmente nesses anos” (Intervenção de Santa-Rita, J., 2014).

Estas declarações surgiram no âmbito das conferências da Semana da Re-abilitação Urbana de Lisboa em Março de 2014. Estas conferências junta-ram e demonstraram o interesse de diversos actores na reabilitação urbana, desde entidades públicas, associações, construtores, ou arquitectos. Este evento abrangeu um público de 10.000 pessoas, alcançando assim uma grande escala e amplitude e cumprindo o objectivo de envolver e sensibilizar a população no movimento de reabilitação.

Neste contexto, o engenheiro João Appleton considera que para além da reabilitação se sustentar por razões económicas e ambientais, esta é um acto de cultura, na medida em que contribui para “a recuperação de algo que passa a ser património comum”, referindo ainda que “esta intervenção não é só preservar o existente, é dar uma nova vida a partir de uma realidade existente, criando uma nova unidade, identidade, com o compromisso de não alterar desvirtuando mas alterar melhorando.” Foi ainda feita uma crítica relativamente a quem se dirige esta intervenção, argumentando que esta intervenção “deve ser para todos, porém actualmente dirige-se só a alguns pois a lógica da reabilitação foi subvertida, encarecendo os objectos da rea-bilitação” (Intervenção de Appleton, J., 2014).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Regime jurídico da reabilitação urbana

O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana surge da necessidade de encon-trar soluções para os desafios que se colocam à reabilitação urbana e foi aprovado pelo decreto-Lei nº 307/2009. Este parte de um conceito amplo de reabilitação urbana e conferindo especial relevo “não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes en-tre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar” (DL 307/2009). Este decreto-lei procura substituir um mo-delo de gestão centrado nas atribuições e poderes das SRU, por um regime que enquadre normativamente a reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução e veio dar um impulso a este domínio.

Este documento estabelece assim que as operações de reabilitação urba-na são promovidas pelos municípios, através da delimitação de áreas de reabilitação urbana, num instrumento próprio ou através de um plano de reabilitação urbana. A delimitação de áreas de reabilitação urbana é uma res-ponsabilidade da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, que deve ter em conta o IHRU.

O RJRU define ainda que a cada área de reabilitação urbana existe uma operação de reabilitação urbana correspondente que pode ser simples ou sistemática. A primeira diz respeito a uma intervenção integrada de reabilita-ção urbana de uma área focando-se na reabilitação do edificado, orientada por uma estratégia de reabilitação urbana. A segunda é dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público. Esta é orientada por um programa estratégico de reabilitação urba-na (Decreto Lei nº307/2009).

As operações de reabilitação urbana podem seguir diversos modelos, po-dendo ser por iniciativa de particulares, sendo que a execução pode ser feita por estes ou através de administração conjunta. No caso de serem execu-tadas por iniciativa de entidades gestoras, a execução pode ser feita quer directamente pela entidade gestora, quer através de administração conjunta, ou ainda através de parcerias com entidades privadas, nomeadamente con-cessão de reabilitação urbana e contrato de reabilitação urbana. A entidade gestora pode ser o município ou uma empresa pública do sector empresarial local, que adquire a designação de sociedade de reabilitação urbana no caso de ter por objecto social exclusivo a gestão de operações de reabilitação urbana. A entidade gestora de uma operação de reabilitação urbana siste-mática pode celebrar contratos de concessão de reabilitação com entidades públicas ou privadas.

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Relativamente às políticas urbanas, actualmente observamos que a actu-ação integrada à escala local e regional tem mais importância do que as intervenções tradicionais nacionais e sectoriais, bem como “um mais amplo envolvimento institucional de actores públicos e privados em substituição do anterior papel dominante da administração pública” (Rosmaninho, 2002: 24).

Em 2012 este decreto de lei foi alterado através do Decreto nº 55/ XII, vi-sando a implementação de medidas destinadas a dinamizar a reabilitação urbana.

Os programas de apoio à reabilitação urbana

Os primeiros programas de intervenção urbana em Portugal surgiram nos anos 80, porém a área definida de requalificação só foi posta em prática na segunda metade da última década do século XX, altura em que a renova-ção urbana aparecia nos campos de intervenção do Quadro Comunitário de Apoio junto de temas como ambiente e saúde. Contudo, tal como Ferreira e Salgueiro afirmam, esta concretização nem sempre foi conseguida pois as jurisdições exercidas nos espaços urbanos são muito complexas (Ferreira e Salgueiro, 2000). Actualmente existe um consenso quanto à necessidade de reabilitação, em particular nas zonas mais antigas e históricas, áreas onde o património é mais valioso. Esta preocupação tem aumentado ao longo dos anos, quer a nível das entidades privadas como das públicas sendo que em dois anos passou-se de uma obra de reabilitação para duzentos alvarás concedidos em 2009.

As contradições e a fragilização do Estado-Providência, a globalização e a livre troca de bens, e a circulação de pessoas e capitais na União Europeia são, entre outras, características que marcam a pós-modernidade urbana, porém a atenção dirige-se principalmente para as cidades, “já que as exclu-sões (social, étnica-religiosa, espacial) ameaçam minar, pela dimensão que atingiram, os objectivos da competitividade urbana, assentes no desenvol-vimento, coesão social e territorial” (Gonçalves, 2006: 81). O Estado tem a responsabilidade de corrigir os desvios que ocorrem no desenvolvimento urbano, actuando e regulando os programas que devem não só responder às exigências dos cidadãos e da nova sociedade como assumir uma nova dimensão estratégica que consiste em reinventar a cidade. A partir da déca-da de 80 foram assim definidos alguns programas de política da cidade com o intuito da requalificação urbana, numa altura em que se observava uma ausência de planeamento.

O primeiro instrumento de apoio financeiro - PRID

O Programa para a Recuperação de Imóveis Degradados (PRID) é lançado no final dos anos 70 com o intuito de criar linhas de crédito para subsidiar a recuperação de imóveis habitacionais degradados. O primeiro ano de exe-cução deste programa foi marcado pela participação de um grande número

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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de municípios e o volume de empréstimos excedeu as verbas disponíveis. Este programa, que se assumiu como o primeiro apoio nacional à reabili-tação urbana, estava apenas orientado para a intervenção do parque edi-ficado, o que se tornou incompatível com a crescente importância dada à estrutura urbana envolvente e foi extinto por falta de verbas, sendo que viria a ser substituído pelo Programa de Reabilitação Urbana (PRU).

PRU E PRAUD- instrumentos para um processo integrado

O primeiro Programa de Reabilitação Urbana (PRU) surge em 1985 e foi cria-do com o objectivo de apoiar do ponto de vista financeiro as autarquias, para realizarem processos de reabilitação urbana. Apareceram assim os Gabinetes Técnicos Locais (GTL), que funcionavam maioritariamente a uma escala local localizando-se junto da área a reabilitar, de modo a obter maior conhecimento dos problemas da cidade. Estes gabinetes deviam realizar os projectos de reabilitação quer dos espaços comuns quer dos edifícios, acompanhando essas mesmas obras, realojar os seus habitantes, estabe-lecer a ligação com os proprietários e moradores, fornecer ainda o relatório de actividades, o orçamento e programação de três anos para aprovação da autarquia. A chefia destes Gabinetes era feita por arquitectos com a parti-cipação de engenheiros, economistas, assistentes sociais, desenhadores e topógrafos. A linha de actuação era essencialmente física, sendo que a área social não procurava a criação de oportunidades ou promover o desenvol-vimento socioeconómico, mas sim unicamente a resposta a necessidades. A população não tinha ainda um papel na tomada de decisões, sendo que a sua importância se resume ao facto dos GTL se localizarem no local de in-tervenção, como anteriormente referido. As operações realizadas no âmbito do PRU não tiveram uma grande envergadura e não se conseguiu inverter a degradação dos centros urbanos porém criou-se uma dinâmica municipal de reabilitação e as mentalidades mudaram. Os GTL tiveram a responsabilida-de, atribuída em 1988, de elaborar o Plano de Salvaguarda e Valorização da zona a intervir quando fosse necessário (Pinho, 2009).

O PRU foi reformulado em 1988- passando a ter o nome de Programa de Recuperação de áreas Urbanas Degradadas (PRAUD) - olhando para as ex-periências que mais sucesso tiveram (as que recorreram a uma abordagem integrada e mais abrangente do que o descrito legalmente com uma relação de proximidade com a população) e considerando as boas práticas euro-peias relativamente à integração de vários actores e implementação de prá-ticas de boa governança.

O PRAUD permanece em vigor há já duas décadas e foca-se no centro histó-rico e centro urbano em estado de degradação considerando a reabilitação destas áreas um factor importante na política de ordenamento do território não só pelo seu valor histórico, social e cultural que é importante preservar mas também pela economia do solo.

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O PRAUD procura a cooperação entre o Estado e as autarquias locais de modo a melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos, contando com uma compartição do Estado, no máximo de 20%, para obras de reabilitação de infraestruturas ou equipamentos, ou estudos e projectos a desenvolver. O apoio financeiro e o técnico deixam de estar ligados, sendo que a candidatu-ra ao apoio técnico é independente do apoio financeiro, pelo que este último é concedido desde que as obras de renovação ou reabilitação preencham os critérios de candidatura. A reformulação do PRAUD na década de 90 altera apenas a comparticipação do Estado nas operações de reabilitação, sendo que o nível do financiamento é aumentado em 5%. A segunda fase do pro-grama teve um fraco nível de candidaturas, passando de 70 para 27 porém somente 13 foram aprovadas (Pinho, 2009).

Os financiamentos do PRU e do PRAUD, atrás descritos, dependiam dos orçamentos disponíveis da Administração Central, o que fez com que os programas ficassem aquém das expectativas. O lançamento destes instru-mentos marca uma tomada de consciência que a área urbana em que os edifícios se inserem deve ser tida em conta e deve-se actuar sobre a mesma, não se restringindo somente à recuperação dos edifícios e ao reforço dos instrumentos de apoio à reabilitação de edifícios. A reabilitação urbana é re-conhecida como um importante factor para o desenvolvimento das cidades e a manutenção das estruturas sociais.

RECRIA, REHABITA E RECRIPH

Os problemas urbanos suscitaram distintas formas de intervenção, sendo que os esforços feitos para recuperar o parque habitacional tiveram des-taque ao longo dos últimos 30 anos (cf. Fig. 01.13). O Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA) criado em 1988 estabelece financiamentos destinados a obras de recuperação e conservação de habitações degradadas. A criação deste programa foi acom-panhada do Prémio RECRIA (cf. Fig. 01. 14), com o objectivo de divulgar o trabalho da Administração central e das Câmaras Municipais e sensibilizar os promotores, público ou privado, e “a população em geral para a protec-ção e revitalização do património le promover o seu interesse e envolvimento nestas operações” (Magalhães, 2008: 71).

O Programa de Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Ur-banas Antigas (REHABITA) é criado em 1996 e é uma extensão do programa anterior. A reabilitação rondava à volta de 6% do volume de intervenções em 2002 tendo crescido para 15% em 2004, valores que indicam uma mudança de atitude apesar de ser uma dimensão ainda pouco relevante. O programa REHABITA, à semelhança do RECRIA, não teve os resultados previstos para assegurar a reabilitação do parque edificado. Ainda no ano de 1996 apare-ce o Regime Especial e Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal (RECRIPH) que apoia as obras nas partes comuns dos edifícios antigos que são ocupados

Fig. 01.13 Edifício abandonado no centro de LisboaFonte: www.voxeurope.eu

Fig. 01.14 Edifício vencedor do prémio RECRIA 2005, LisboaFonte: www.portaldahabitacao.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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geralmente por agregados familiares com fraco poder económico. Este pro-grama teve uma aplicação bastante moderada, facto que talvez se deva à burocracia exigida para aceder ao mesmo.

O balanço negativo dos programas descritos anteriormente não retirou a im-portância da reabilitação, sendo que se efectuaram muitos esforços para reabilitar os tecidos construídos, onde se insere o parque habitacional, como estratégia para a qualificação e competitividade das cidades. Os programas habitacionais despertaram a sensibilização em relação à reabilitação, privile-giando-se esta em detrimento de construção nova, e a habitação passa a ser considerada como um elemento fundamental da qualidade de vida.

Em 1990 é criada a Direcção Municipal de Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa (DMRU) com o objectivo de estender a todos os núcleos históricos o que já tinha sido começado pelos GTL. A Câmara decidiu alargar os limites do núcleo considerado central e criar novos Gabinetes noutros núcleos históricos que se localizem na zona central da cidade ou na zona periférica, num serviço com capacidade tanto para tornar mais eficientes as intervenções em curso como para desenvolver outras.

Nos anos 90 volta a ser dada importância aos equipamentos culturais, sendo que a arte é vista como um forte factor simbólico, impulsionada pela revo-lução dos cravos, em que se assume como uma fonte de canalização da democracia e liberdade. Foi assim valorizada a proximidade dos habitantes com a rua e a arte, em detrimento dos museus e galerias.

Programa de iniciativa comunitária URBAN

O Programa de Iniciativa Comunitária URBAN é lançado pela Comissão Eu-ropeia em 1994 e é a primeira acção comunitária centrada em cidades. Este programa surge em duas fases, sendo que a primeira ocorre entre 1994 e 1999, e visa apoiar a revitalização e requalificação das áreas urbanas, nome-adamente os centros urbanos e as periferias que se encontrem degradados, em declínio económico e urbano e com fenómenos de exclusão social e insegurança. Esta iniciativa é co-financiada pelo Fundo Europeu de Desen-volvimento Regional (FEDER) e pelo Fundo Europeu Social (FSE) e outros financiamentos públicos e privados.

A segunda fase deste programa, URBAN II, decorre entre os anos 2000 e 2006 e procura promover a melhoria da qualidade de vida das populações de centros urbanos ou de subúrbios através da aplicação de estratégias inova-doras de revitalização sócio-económica sustentável. A abordagem URBAN consiste assim numa abordagem territorial integrada envolvendo uma sólida parceria local e integrando as dimensões económica e social através de uma série de operações. Em Portugal as zonas Urban II propostas são: Porto/Gondomar, Lisboa/Vale de Alcântara e Amadora/Damaia- Buraca (Quadro Comunitário de Apoio III, 2000).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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Programa POLIS

O programa POLIS, Programa de Requalificação Urbana e Valorização Am-biental das Cidades, em vigor de 2000 a 2006, beneficia da experiência de programas comunitários como o URBAN e foi inspirado no projecto da Expo ’98. Este programa “visa promover intervenções nas vertentes urbanística e ambiental, por forma a promover a qualidade de vida nas Cidades, melho-rando a atratividade e competitividade dos polos urbanos” (RCM, 2000) e baseia-se em parcerias entre o poder central e o poder local. É um programa fechado, pelo que todas as acções a realizar já estão selecionadas e encon-tram-se em curso ou finalizadas. Foram escolhidas vinte e oito cidades para serem intervencionadas de modo a tornarem-se atractivas e competitivas, tendo sido criados instrumentos de gestão para serem aplicados eficazmen-te as linhas de intervenção do Programa Polis (cf. Fig. 01.15).

Em seguimento deste mesmo programa, criou-se o POLIS XXI, implementa-do desde 2007 e previsto terminar em 2015. Este programa desenvolve-se segundo quatro vectores de política de intervenção, nomeadamente o ins-trumento de política intitulado «Parcerias para a Regeneração Urbana», que apoia acções dirigidas à revitalização integrada de espaços intraurbanos, tendo como suporte uma estrutura de parceria local alargada. Este progra-ma procura assim a qualidade de vida da população em aspectos como habitação, reabilitação, revitalização urbana, coesão social, mobilidade ou ambiente. Estão previstas até 2015 sessenta operações de regeneração ur-bana e setenta e cinco projectos inovadores, dotando assim as cidades com espaços de competitividade, cidadania e qualidade de vida. O financiamento deste instrumento é assegurado pelos Programas Operacionais Regionais.

1.4 O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

Actualmente assistimos a uma grande diversidade de estratégias e políticas de reabilitação urbana, sendo que é importante perceber que cada cidade, ou parte dela, é única e tem características próprias, não se devendo adoptar uma solução simplesmente copiando. Foi dado maior enfoque às estratégias que optam pela criatividade, sendo que interessa perceber o conceito de criatividade, e o papel do espaço urbano no desenvolvimento de dinâmicas criativas, assim como algumas consequências possíveis desses fenómenos, tendo sido dada maior importância ao efeito da nobilitação, ou gentrificação, termo mais conhecido.

A relação entre espaço urbano e actividades culturais e criativas tem ganho importância nos últimos anos devido às lógicas de regeneração e revitaliza-ção urbana que se sucedem em todas as cidades. Estas estratégias

Fig. 01.15- Intervenção desenvolvida no âmbito do POLIS em LeiriaFonte: www.parqueexpo.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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assumem-se assim como a atracção de classes e actividades criativas para a competitividade e desenvolvimento das cidades, sendo que a competitivi-dade tem vindo a aumentar com a crise que se faz sentir actualmente. Para além de constituir um desafio, esta crise constitui também uma oportunidade para o aparecimento de novas abordagens, mais inovadoras e criativas, e de um novo desenho e gestão urbana, que em tempos “normais” seriam consi-deradas demasiado arriscadas.

O papel do espaço público

Desde a Àgora em Atenas que o espaço público desempenha um papel de espaço de encontro, partilha, discussão e debate, porém o seu aspecto hoje em dia é fragmentado e diluído. No século XX o espaço público era o espaço escolhido dos acontecimentos históricos, sendo que a Carta de Atenas con-sidera-o um novo veículo de uma nova vida social. Contudo, a configuração da cidade contemporânea alterou a função da esfera pública nas dinâmicas urbanas: “não só os espaços públicos deixam de ser o elemento formal-mente ordenador dos tecidos urbanos da cidade, como perdem o seu papel estruturante das interacções sociais urbanas. (...) A esfera pública perde pro-gressivamente o seu papel de elemento estruturador das rotinas urbanas, enquanto que o espaço público urbano representa, em muitos casos, ape-nas um espaço residual entre edifícios e vias” (Graça, 2005: 6).

Diversos autores consideram que o espaço público é o reflexo da sociedade e o retrato da cidade (Santos, 2008; Graça, 2005; Portas, 2003), sendo que a ligação dos cidadãos com os lugares é muito importante bem como a partici-pação daqueles na criação e manutenção destes. Esta apropriação e uso di-ferem consoante a época, contexto sócio-cultural, político e económico em que se insere, e podem não corresponder ao uso para o qual foi criado pois os padrões de comportamento mudam (cf. Fig. 01.16; 01.17; 01.18). Segun-do Nuno Portas, o espaço público tornou-se num “valor urbano em si mes-mo, como algo capaz de suportar ou desencadear processos económicos ou culturais” (Portas, 2003). Estela Gonçalves, socióloga, afirma que “é no espaço público que todos estabelecemos trocas mais equitativas, é aí que se podem estabelecer as dimensões do estar em conjunto, no fundo onde partilhamos e reforçamos o colectivo maior da cidade” (Gonçalves, 2013: 4).

A primeira geração de projectos de intervenção no espaço público localiza--se nas zonas centrais e faz parte do programa de recuperação destas zonas e surge no seguimento da consciência do papel de contaminação positiva do espaço público como “indutor de investimento”. Na década de 80 a re-novação do espaço público torna-se numa política urbanística com grande

Fig. 01.16 Apropriação do espaço público pelas crianças, Helsínquia

Fig. 01.17 A praça do Museu de Arte Contemporânea em Barcelona é utilizada por skaters

Fig. 01.18 Perfomance na Av. da Catedral, Barcelona

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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importância, sendo possível observar uma variedade de intervenções devido ao contexto em que se inserem porém todas têm como denominador co-mum: o reconhecimento da praça e da rua nas suas tipologias tradicionais como o espaço mais importante das cidades (cf. Fig. 01.19; 01.20).

Na obra “O espaço público na reconfiguração física e social da cidade”, Gonçalves refere que a relação da cidade com os espaços públicos nem sempre é clara, “pois se nalguns períodos históricos essa presença é va-lorizada, noutro é marginal ou mesmo apagada” (Gonçalves, 2006: 26). O autor afirma que “as cidades reconhecem e reconhecem-se nos espaços públicos” (Gonçalves, 2006: 28) sendo que estes se alteram consoante a so-ciedade, passando pela ágora grega, pelo fórum romano ou o adro da igreja ou o largo da feira. O desenvolvimento tecnológico, com o avanço da infor-mação e comunicação introduziu não só novos paradigmas urbanos mas também influenciou a morfologia social e urbana, nomeadamente nos espa-ços públicos, pois tal como Gonçalves afirma, “a manifestação da sociedade do conhecimento através da desmaterialização dos contactos subtraiu aos Espaços Públicos Urbanos (EPU) mais uma das suas funções centrais: a da comunicação e publicitação da informação. (...) O EPU passa a participar do acréscimo de competitividade a diferentes escalas” (Gonçalves, 2006: 26), referindo ainda que “foi tornando-se desnecessário recorrer aos espaços tra-dicionais” (Gonçalves, 2006: 52), na medida em que as razões essenciais da existência dos EPU- comunicação e sociabilidade- deixam de estar ligadas.

Actualmente, alguns espaços públicos não oferecem as condições que pro-movem o desenvolvimento da vida colectiva, por vezes provocado pelas condições em que se encontra o edificado que delimita esse mesmo espaço: a sua degradação e abandono geram insegurança e não conferem as con-dições ambientais que os cidadãos consideram necessárias. “Os espaços públicos têm sido, em simultâneo, alvo de intervenção por parte dos poderes públicos, no sentido da sua (re) qualificação e do renovar do seu histórico protagonismo, mas até agora não têm sido capazes de promover, de forma consolidada e generalizada, o retorno à praça, à rua, ao largo, caminhan-do, pelo contrário, na direcção da pura estetização do espaço” (Gonçalves, 2006: 52). Como diversos autores defendem, devolver essas características às praças, ruas ou jardins pode não ser suficiente, sendo que faz falta uma mudança de mentalidade, uma “revolução cultural”. A preocupação com a dimensão simbólica do espaço público tem vindo assim a aumentar, pois para muitos autores, “símbolo perene da urbanidade, o espaço público é o elemento, por excelência, que transforma a cidade no contrário do somatório de bairros e de pequenos universos herméticos” (Gonçalves, 2006) (cf. Fig. 01.21,22).

Foi consultado uma obra de Jan Gehl (cf. Fig. 01.23), La Humanización Del Espacio Urbano: La Vida Social Entre Los Edificios, em que este arquitecto, interessado em melhorar a qualidade de vida urbana através do planeamen-to, distingue três tipos de actividades exteriores: “actividades necessárias”

Fig.01.19 Requalificação da Ribeira das NausFonte: www.cm-lisboa.pt

Fig.01.20 Terreiro do PaçoFonte: www.cm-lisboa.pt

Fig.01.22- Requalificação da Av. Duque d’Ávila, LisboaFonte: infohabitar.blogspot.pt

Fig. 01.21 Requalificação do Miradouro de Sta Catarina, Lisboa Fonte: www.proap.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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que são actividades “obrigatórias”, que acontecem independentemente da envolvente e das características físicas do espaço; “actividades opcionais”, que estão dependentes da vontade e do lugar; e por último “actividades sociais”, que acontecem de maneira espontânea e são resultantes das duas anteriores. Gehl defende que os arquitectos e urbanistas podem influenciar as possibilidades de contacto que dão aso a esta última actividade, propor-cionando condições ao encontro, contacto e relação. Para Gehl, a qualidade física de um espaço influencia o grau de aparecimento dessas actividades, sendo que as actividades opcionais estão mais dependentes dessa mes-ma qualidade. “la vida entre los edifícios es más importante y también más interesante de observar que cualquier combinación de hormigón coloreado y formas edificatorias impactantes” (Gehl, 2006: 30). Para o arquitecto, as zonas medievais das cidades são mais adequadas às actividades exteriores, pela sua morfologia, geometria e conhecimento da escala humana, do que os espaços urbanos posteriores a essa altura (cf. Fig.01.24).

Relativamente à cidade de Lisboa, a qualificação do espaço público é consi-derada o eixo fundamental da política de regeneração urbana actual, sendo que o espaço público é visto como o elemento impulsionador para o investi-mento da reabilitação urbana, reforçando a importância do aprofundamento deste tema, como será visto mais à frente.

Criatividade

A relação entre criatividade e desenvolvimento urbano é debatida com mais intensidade desde o início do século, tendo ganho uma maior legitimidade pública graças ao reconhecimento demonstrado por diversas organizações internacionais (ONU, UE). Segundo Costa e Seixas a criatividade urbana é um conceito contemporâneo, e implica assim “uma renovação no pen-samento sobre o urbano” (Costa e Seixas, 2010: 31), tendo rompido com “ideias preconcebidas” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 2).

A criatividade é considerada como um factor importante para o desenvolvi-mento e criação de valor na economia contemporânea, transversal a todas as práticas sociais e um potencial que deve ser explorado com uma política e lógica que promovam a vitalidade e competitividade, um impulso para o desenvolvimento urbano, desde a eficiência económica, equidade social e expressão cultural (Costa et al, 2009, 2011).

O discurso criativo destacou-se face às formas mais tradicionais de pensar e actuar sobre a cidade pela possibilidade de assumir intervenções mais transversais, que combatessem dictomias e conflitos na forma de actuação, nomeadamente na dictomia entre público e privado ou economia e cultura (Seixas e Costa, 2010). A criatividade permite também introduzir contem-poraneidade nos estilos de vida e deu “sinais a uma cidade que retornar ao centro” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 2).

Fig. 01.23 Jan Gehl Fonte: http://streetswiki.wikispaces.com

Fig. 01.24 Praça medieval em Siena Fonte: www.pinterest.com

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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Um território criativo ganha atracção através da diversidade de actores e ligações que ocorrem com a partilha de informação e ideias em espaços que devem ter as características propícias para isso acontecer, sendo que estes podem ser espaços públicos, cafés ou galerias, e assumem-se como recep-tores e transmissores de conhecimento (cf. Fig. 01.25; 01.26). Os lugares, es-paços e projectos são cruciais para os processos de criatividade, na medida em que definem a qualidade do middleground, enriquecendo e estimulando a capacidade de ligar os diferentes actores (Cohendet, et ad, 2011). Na obra The Creative City de Charles Landry, este autor enumera alguns factores fun-damentais para que uma cidade seja criativa, tais como: qualidades pesso-ais, vontade e liderança, diversidade humana e acesso a diversos talentos, identidade local, espaço urbano e dinâmicas de networking.

Os conceitos de creative cities e creative industrie, ainda ambíguos e pouco consensuais, surgiram no discurso académico e político e ganharam popu-laridade substituindo conceitos como indústrias ou actividades culturais e actividades artísticas, impulsionado por autores como Charles Landry (1948) (cf. Fig. 1.27) e Richard Florida (1957) (cf. Fig. 01.28). O conceito de Creative Cities tem sido bastante utilizado em estratégias de desenvolvimento urba-no, adoptando assim iniciativas que promovam um desenvolvimento econó-mico para o crescimento e vitalidade das cidades. Segundo Costa (Costa et al, 2007) a consciência da importância do conhecimento e da inovação como aspectos fundamentais para uma sociedade competitiva e atractiva mudou radicalmente a maneira de pensar e actuar. As actividades culturais, criativas por natureza, passam assim a ser o pilar dessas intervenções e assumem um papel crucial (cf. Fig. 01.29).

Segundo Charles Landry, existe actualmente uma noção global de que a criatividade é um recurso essencial que vai determinar o sucesso futuro das cidades, porém a criatividade por si não resolve todos os problemas da ci-dade: “muitos destes problemas não requerem criatividade, mas sim uma mente suficientemente aberta para ser criativa quando necessário” (Landry, 2000). Para este, as condições sociais e demográficas afectam a capacidade criativa de uma cidade e os centros das cidades e os espaços públicos como espaços neutros, ajudam o surgimento de ideias criativas. O autor defende que a arte traz diversos benefícios para as cidades, na medida em que intro-duz uma visão mais estética sobre as cidades e gera interesse e vitalidade, definindo a imagem, identidade e percepção da cidade.

A criatividade assumida como elemento do desenvolvimento estratégico das cidades influencia a governança local, sendo que a relação entre estes dois elementos é ainda frágil e sugere novas formas de intervenção sociopolítica sobre e com a cidade, “reconhecendo o papel da experimentação como essencial para a própria criatividade social e política, e como tal colocando a governança como ativo político também central para o catalisar da criativi-dade na cidade” (Seixas e Costa, 2010: 40). Segundo estes mesmos autores, o reforço da governança e da criatividade dependem de diversos elementos

Fig. 01.25 Loja na Embaixada em Lisboa, uma galeria comercial situada num antigo palacete que combina tradição, criatividade e inovação Fonte: www.lisbonlux.com

Fig. 01.26 O espaço público é apropriado por actividades criativas, Barcelona

Fig. 01.27 Charles Landry Fonte: moviespictures.org

Fig. 01.28 Richard Florida Fonte: www.obj.ca

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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estruturantes como a diversidade de actores, uma estrutura governativa aberta, flexível e pró-activa assim como o debate e a disseminação de infor-mação.

A criatividade representa assim um papel interrogador sobre os lugares que habitamos, cria oportunidades através de projectos, e promove a mistura de culturas e etnias, incentivando a motivação e participação dos indivíduos na comunidade, tal como será observado no objecto de estudo desta dis-sertação. Este estudo reforça ainda a ideia defendida por diversos autores: a solução criada deve-se basear nos recursos para o meio urbano em que se insere, não se devendo transferir soluções adoptadas noutras situações, apesar dos espaços apresentarem características semelhantes. Não basta assim atrair as actividades ou classes criativas, é necessário ter capacidade para densificar essas mesmas actividades ou grupos, tirando partido do am-biente criativo criado (Costa et al, 2007).

Nobilitação

Associado ao paradigma da cidade, já descrito anteriormente, e às mu-danças sociais, económicas e culturais resultantes das operações de rea-bilitação, aparece o fenómeno de nobilitação. Tal como Mendes afirma “a nobilitação urbana é, em última instância, um dos efeitos nefastos mais con-sensualmente apontados pelas análises da teoria urbana crítica em torno da ideia e prática da produção da cidade criativa e branding dos distritos criativos” (Mendes, 2012: 52).

O conceito gentrification decorre de um fenómeno occorrido em Londres em 1964 e foi utilizado para designar a mobilidade da classe média para áreas dessa mesma cidade. Este dizia principalmente respeito à recuperação do parque habitacional degradado por uma classe social que vem substituir a população que vivia anteriormente nessa zona.

O termo nobilitação surgiu com mais frequência a partir da década de 70 e tem vindo a expandir-se, abordando alguns aspectos da reabilitação do es-paço público e comércio. Tendo no início sido relacionado por alguns autores com um “movimento de regresso à cidade”, esta correlação perde força com os estudos feitos ao longo dos anos que defendem que “os gentrifiers são, na sua maioria, urbanitas, tratando-se, desta forma, não de uma migração de fora para dentro da cidade, mas sim de movimentos operados no seio do espaço urbano-metropolitano e dentro deste com maior incidência nos bairros centrais” (Mendes, 2006: 63). Para Mendes, nobilitação é o processo pelo qual alguns grupos se tornaram centrais para a cidade (Mendes, 2012), pois fizeram desta um local central para eles mesmos, quer do ponto de vista residencial e quer da sua apropriação, reinventando-se social e culturalmen-te através do valor histórico e arquitectónico dos bairros (Mendes, 2006). A socióloga Sharon Zukin defende que este movimento reflecte as

Fig. 01.29 Projecto de intervenção artística em espaços públicos no PortoFonte: http://www.saberviver.pt/etc/verao-na-cidade-entre-margens/#.VDBEWvldW8A

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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reestruturações urbanas decorrentes da mudança dos estilos de vida, mar-cados pela junção da esfera de trabalho e lazer bem como de local de traba-lho e local de residência (Magalhães, 2008 e Mendes, 2006).

Walter Rodrigues, na obra Cidades em Transição, identifica diferentes fases deste processo, sendo que a primeira vaga dá-se na década de 60, altura em que a nobilitação é a expressão espacial das transformações sociais e culturais. Nesta fase o empreendimento de reabilitação dos edifícios nobili-tados era protagonizado pelos “gentrifiers”. Surge o crescimento de um 4º sub-sector económico ligado à informação/conhecimento e cultura que se incrementa na reestruturação económica e urbana. A segunda vaga aconte-ce de 1970 a 1980, altura em que deixa de ser um fenómeno esporádico e espontâneo e passa a ser uma manifestação concreta de processos vastos de reestruturação económica e urbana. Em Londres e Nova Iorque, os pode-res públicos locais direccionam a sua atenção para as políticas de reabilita-ção ou renovação urbana. A terceira vaga tem início na década de 1990 até à actualidade, à qual Neil Smith chama de nobilitação generalizada e diz que a nobilitação expressa as particularidades do lugar pois é uma expressão específica de relações sociais, económicas e políticas (Rodrigues, 2010).

O crescimento da presença de imigrantes veio reforçar a complexidade dos processos de nobilitação urbana. A presença de outsiders, e consequentes vantagens e desvantagens para o crescimento da cidade, tem sido discutida por diversos autores. Landry considera que a intervenção exterior deve ser moderada pois as cidades operam segundo os seus hábitos e tradições. Este afirma que “the inside looking out, rather than the outsider looking in”. Contudo, Landry considera que estes têm um diferente ponto de vista que pode identificar potencial não visto pelos locais, que deve ser tido em aten-ção (Landry, 2000).

Segundo Rodrigues, este conceito já não se limita à sua formulação mais primitiva- a dimensão residencial- mas ao ponto de vista global da reestru-turação da cidade. A percepção que se tem da nobilitação já não é apenas de rendas altas, ou deslocação dos trabalhadores, mas sim espectáculos de rua, bares e cafés que estão na “moda” e diversidade social (Rodrigues, 2010). Esta nova generalização de nobilitação urbana que tem vindo a surgir foi considerada por Loreta Less como “tamanho único” pois não atende às especificidades de cada local. O movimento de regresso às cidades exige mais do que um investimento na renovação ou reabilitação de habitação, mas também um conjunto de facilidades para atrair novos residentes e no-vos consumidores (Rodrigues, 2010).

Como foi anteriormente referido, a revitalização da cidade interior não é maioritariamente um movimento migratório da periferia para o centro, mas sim um reinvestimento na cidade interior. Robert Park defende que a popula-ção que protagoniza o retorno às zonas centrais antigas é uma população da

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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cidade interior e não das periferias sendo que os grupos sociais pioneiros da nobilitação valorizam a cidade interior histórica com mais relações de proxi-midade e vizinhança pois esta possibilita uma maior tolerância à diversidade por estes grupos sociais com valores que requerem essa tolerância.

Relativamente à identidade cultural do bairro, a entrada de novos residentes e visitantes pode ser considerada uma ameaça para o equilíbrio da identi-dade sociocultural e a expulsão dos autóctones. Por outro lado, contribui para o processo de reabilitação, sendo que estes novos residentes têm mais sensibilidade para questões de salvaguarda do património que os atraiu, com mais qualificações e uma melhor situação socioprofissional (Magalhães, 2008).

Concluindo, estas transformações- o estabelecimento de novos residentes, a implantação de novas actividades, a criação de uma nova ordem simbóli-ca- conferem uma nova centralidade aos espaços e permitem a sua inserção nas principais dinâmicas. Contudo, deve se garantir a manutenção do tecido social local, através de mecanismos apropriados, designadamente legais. Como veremos no objecto de estudo desta dissertação, o equilíbrio entre os impactos positivos e negativos da nobilitação constitui uma preocupação e a sua governança é por vezes complexa.

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02 . A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico 2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa 2.2.1- Olhar retrospectivo 2.2.2- Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa 2.2.3- Programas de apoio à reabilitação urbana

2.3 O futuro próximo da reabilitação em Lisboa 2.3.1- A reabilitação nos Instrumentos de planeamento territorial 2.3.2- Lisboa 2020

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A REABILITAÇÃO NA CIDADE DE LISBOA: UMA APOSTA ESTRATÉGICA

“Até 2011 a cidade perdeu 100 mil hab. por década. Isto mostra que é indispensável tomar medidas para repovoar a cidade, que só será sus-tentável se tiver mais gente a viver e a trabalhar. Isso implica reabilitar muito do que está estragado” (Salgado, M., 2014).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

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2.1 Novas dinâmicas e desafio estratégico

“Cities are the product of time. (...) By the diversity of its time structures, the city in part escapes the tyranny of a single present, and the monotony of a future that consists of repeating only a single beat heard in the past...”(Mumford, L., 1938)

A cidade de Lisboa teve um grande crescimento populacional entre 1864 e 1960 passando de quase 200.000 habitantes para 800.000. Em 1981 teve o maior registo de habitantes, com 807.000. As últimas duas décadas do século XX são marcadas pelo início da perda populacional, sendo que a ci-dade perdeu à volta de 100.000 habitantes cada dez anos, passando de 800.000 para 500.000 habitantes, o que corresponde a um decréscimo de 1,9% da população residente cada ano. Esta perda de população deve-se à transferência residencial dos jovens para as periferias suburbanas por razões maioritariamente económicas e à emigração por razões laborais. Este pro-cesso é acompanhado por um maior envelhecimento da população, sendo que os habitantes com mais de 65 anos representam 25% da população. Estes factores traduzem-se numa distribuição pouco homogénea, com a população mais jovem a instalar-se nas periferias, enquanto os mais velhos permanecem nos centros das cidades. As periferias caracterizam-se muitas vezes por fragilidades sociais, económicas, ambientais e paisagísticas, com uma perda de vitalidade urbana e de complexidade social, e zonas mono-funcionais.

A composição do tecido social da cidade reflecte o posicionamento face aos processos de globalização da economia e da cultura sendo que a população com qualificações elevadas, e consequentemente mais recursos, tem vindo a aumentar significativamente na cidade de Lisboa, com a percentagem de profissionais com qualificação superior a crescer de 14% para 22%. Segun-do Rodrigues (Rodrigues, 2010), o eixo urbanístico principal da cidade, que vai desde São Mamede ao Lumiar passando por Alvalade, concentra a maior percentagem de população com qualificação académica superior, por volta de 30%, enquanto no centro histórico, como Mouraria e Alfama, esta não ultrapassa os 6%.

O paradigma de suburbanização é seguido do retorno às cidades por parte da população com novos estilos de vida e com um interesse pelo centro his-tórico, valorizando o valor cultural e histórico desse e o ambiente urbano do centro da cidade. Para Byrne, a cidade é o produto cultural mais complexo e de mais longa duração, que se transforma continuamente, “o plasmar de uma cultura compartilhada” (Intervenção de Byrne, G., 2014). O arquitecto refere que é importante perceber o que é a centralidade e o que faz com que as cidades sejam policêntricas, sendo que o centro de Lisboa foi perdendo um misto de usos, factor importante para as vivências ao longo do dia. “Exis-te a ilusão de que as cidades permanecem no tempo, que são ad aeternum. Estas dependem de diversos factores, como as catástrofes, sendo que um é crucial: a perda de vida.” Byrne considera Lisboa uma cidade resiliente,

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 02.1 Armazéns do Chiado após o incêndio de 1988 Fonte: www.tsf.pt

Fig. 02.2 Armazéns do Chiado actualmente Fonte: facebook.com

Fig. 02.3 Residências EPUL Jovem, Martim Moniz Fonte: www.epul.pt

Fig. 02.4 Edifício de habitação e comércio na Rua do Benformoso, Mouraria Fonte: www.epul.pt

pois introduziu ciclos de reabilitação e teve a capacidade de reagir quando confrontado com situações anómalas, como o caso do tempo de Pombal, ou do incêndio do Chiado (cf. Fig. 02.1, 02.2), “porém, foi incapaz de responder aos ciclos naturais da cidade, que são persistentes e silenciosos. O exemplo de humanização da topografia da cidade, herança árabe, deve ser um exem-plo” (Intervenção de Byrne, G., 2014).

Ao contrário do que aconteceu nos anos 90, a estratégia actual de toda a ci-dade tira partido das dinâmicas que ocorrem na mesma, assentes em carac-terísticas que sempre marcaram a nossa cidade: a sua posição geográfica, o seu património e riqueza, a sua história. Esses factores aliados à crise que vivemos potenciam um novo pensamento.

2.2 A reabilitação urbana na cidade de Lisboa

2.2.1 Olhar retrospectivo

Apesar das tendências de declínio e desertificação, a cidade de Lisboa pos-sui elementos a nível morfológico e urbanísticos geradores de vitalidade ur-bana, bem como alguns bairros com estruturas dinâmicas que “continuam a ser verdadeiros espaços de cidade” (Seixas, 2008: 18). Como descrito no ponto anterior, a densidade de habitação e emprego, a qualidade dos espa-ços públicos que caracterizam estes bairros e as alterações que sofreram, exigiu que a cidade acelerasse ”a sua capacidade de inovação e identificar novas abordagens e soluções que respondam aos desafios sociais que en-frentam” (Gonçalves e Vilhena da Cunha, 2012: 80).

Lisboa tem uma grande riqueza nos seus elementos patrimoniais e em cada um dos seus espaços e bairros com uma identidade espácio-cultural e vi-vencial, porém esta encontra-se em transformação e em alguns casos em fragilização devido à degradação do edificado e desertificação. No final dos anos 60, o desenvolvimento da cidade encontra-se marcado por interven-ções de iniciativa privada avulsas. O processo de urbanização foi guiado pela especulação imobiliária que ocupou terreno junto à periferia da cidade, nomeadamente Benfica, Carnide, Lumiar, assim como “nos concelhos limí-trofes de Lisboa (...) onde os níveis de segregação social e urbana são rela-tivamente elevados” (Magalhães, 2008: 93). Em reacção a este processo foi criada a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) que desenvolve intervenções integradas e planeadas em terrenos municipais que lhe são atribuídos e as receitas dessas operações destinavam-se ao município. Atra-vés do programa EPUL Jovem surgem habitações em Entrecampos e Martim Moniz destinadas a segmentos mais jovens do mercado (cf. Fig. 02.3, 02.4).

Os anos 80 foram marcados por um boom imobiliário, onde a habitação e os escritórios são privilegiados, sendo que em paralelo ocorreram operações de reabilitação nos bairros históricos, iniciadas em 1986 pela CML. Considera--se que o espaço público tem um papel estruturante como gerador de forma urbana, realizando-se operações de melhoria da acessibilidade pedonal,

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 02.5 Plano de reconstrução do Chiado, Siza Vieira Fonte: aviagemdosargonautas.net

Fig. 02.6 Utilização do interior do quarteirão no Chiado Fonte: www.flickr.com

Fig.02.7 Bairro de Alfama Fonte: www.lisbon-tourism.com

Fig.02.8- Bairro da Mouraria Fonte: www.forumlisboa2009.parlamento.pt

equipamento nos espaços verdes, iluminação dos monumentos e mobiliário urbano. As intervenções deixaram de ser pontuais, para serem actuações lineares, dentro de uma visão estrutural e integradora. Segundo Byrne, o in-cêndio do Chiado em 1988 veio despoletar essas intervenções, com o plano de intervenção integrada do Arq. Álvaro Siza Vieira (Intervenção de Byrne, G., 2014). Siza Vieira optou pela revalorização do espaço público através da criação de percursos e da utilização do interior dos logradouros. A última etapa deste plano foi terminada em 2008 (cf. Fig. 02.5, 02.6).

As políticas de contenção de nobilitação urbana acontecem no fim da dé-cada de 1980 porém não existiu uma política integrada para as chamadas “cidades interiores”. Observa-se nessa altura uma reduzida mobilização e uma crescente degradação urbanística da zona histórica acompanhadas de um declínio populacional. O centro histórico começou a ser recuperado pela CML na década de 90, altura em que se começou a preparar a cidade para a Expo 98, através da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana (DMRU) que define uma mudança de orientação política na CML. A DMRU procurava re-centralizar algumas competências e coordenar a acção dos GTL existentes: Alfama, Mouraria e Bairro Alto (cf. Fig. 02.7, 02.8).

Este movimento originou um regresso ao centro, contrariando o fenómeno de saída para a periferia que se tinha vindo a verificar, o que levou ao aumen-to do custo no centro, reconhecendo as vantagens de viver nesta zona da cidade, quer em termos de comodidade, devido à proximidade com o local de trabalho, como de qualidade de vida e diversidade.

A reabilitação urbana faz parte da estratégia urbanística da cidade de Lisboa desde 2007, tendo ocorrido diversas acções desenvolvidas quer pela Direc-ção Municipal de planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística (DMPR-GU), como pela Direcção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Social (DMHDS) e pela Direcção Municipal de Ambiente Urbano (DMAU). Esta mu-dança de foco na estratégia urbanística deve-se ao facto de se ter “esgotado o território municipal com as grandes intervenções planeadas nos anos 90 na EXPO e na Alta de Lisboa e os conjuntos dos loteamentos que preen-cheram a coroa norte entre S. Domingos de Benfica e o Lumiar”, (cf. Fig. 02.9, 02.10) sendo que “a prioridade a partir de 2007 foi dada à intervenção na cidade existente” (CML, 2014: 4). A prioridade dos planos, programas e intervenções do município foi a regeneração dos bairros, a reabilitação do edificado, dos equipamentos e do espaço público. O crescimento do turismo que se observa nos últimos anos está associado a este processo, na medida em que o investimento em unidades hoteleiras contribui para a requalifica-ção das zonas históricas e centrais da cidade (cf. Fig. 02.11).

Nos anos de 2007 e 2008 foram concluídos alguns Planos em elaboração, como a Avenida da Liberdade, e iniciaram-se outros projectos como a Baixa

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 02.12 Praça D. Luís, Cais do Sodré Fonte: www.guiadacidade.pt

Fig. 02.9 Construção da EXPO’98 Fonte:www.tsf.pt

Fig. 02.10 Vista aérea do Parque das Nações Fonte: www.tsf.pt

Fig. 02.11 Zona da Baixa Fonte: noticiasdearquitectura.blogspot.pt

Pombalina e o Parque Mayer. A cidade de Lisboa adquire uma nova visão, presente na Carta Estratégica 2010/2024 apresentada em 2009. Propõe-se “uma cidade para as pessoas, aberta, intercultural, e solidária, investindo na qualidade de vida, no ambiente urbano e na segurança, com uma actividade intensa, capaz de reter e atrair recursos humanos qualificados e com uma vida rica e diversificada” (CML, 2014: 4). As obras realizadas são em alguns casos pouco visíveis, porém “optou-se pelas pequenas grandes obras gera-doras de sinergias, para que Lisboa possa ser uma cidade de pessoas para as pessoas e com as pessoas”. O empreendedorismo, a criatividade, a par-ticipação e o diálogo têm sido impulsionados e fomentados, alinhados com os objectivos e a visão pensada para Lisboa.

Em 2012 foi aprovada a Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa de 2011/2014, que cobre quase a totalidade da área municipal, reconhecendo a importância de intervir através da recuperação de edifícios e espaços públi-cos. Nesse mesmo ano foi aprovado o PDM, com toda a cidade de Lisboa a ser classificada como histórica, e a reabilitação como primeira prioridade. O alargamento da Área de Reabilitação Urbana (ARU) a quase toda a cidade foi um factor importante para que os proprietários tivessem acesso a alguns be-nefícios fiscais em obras de requalificação. Diversos programas adoptados promoveram a venda e reabilitação de prédios devolutos, nomeadamente o Programa de Investimentos Prioritários em Acções de Reabilitação Urbana do Município (PIPARU) e Programa Reabilita Primeiro Paga Depois. Este úl-timo tem-se revelado eficaz, e promove a parceria com promotores privados na reabilitação de edifícios municipais nos bairros históricos.

O município investiu directamente 130 milhões de euros nos últimos cinco anos com o PIPARU, o QREN e verbas do Turismo, sendo que foram ela-borados 61 planos de urbanização, salvaguarda, e unidades de execução. O processo de reabilitação do edificado, que actualmente ultrapassa larga-mente o número de obras de construção nova, deve-se ao “investimento municipal na reabilitação do seu património e na requalificação do espaço público: condição necessária para tornar atractivos os investimentos no edi-ficado da cidade” (Carneiro, 2014).

Como referido por Carneiro na revista Municipal LISBOA, actualmente a re-qualificação do espaço público incidiu em “quase toda a totalidade dos mi-radouros, boa parte dos jardins, praças como o Terreiro do Paço e D. Luís (cf. Fig. 02.12), largos como os do Intendente e do Coreto (Carnide), arté-rias importantes como as avenidas Duque d’Ávila ou Ribeira das Naus, ruas como a do Ouro, e percursos pedonais como os da Mouraria.” (Carneiro, 2014) É importante referir e ter em conta que o Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura foi atribuído nos anos 2010, 2011 e 2012 a projectos de re-abilitação, designadamente renovação de escolas e edifícios de habitação (cf. Fig. 02.13).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 02.15 Fachada da fábrica Fonte: www.lxfactory.com

Fug. 02.14 Fachada da fábrica Fonte: www.lxfactory.com

Fig. 02.16 Espaço interior : livre e polivalente Fonte: www.lxfactory.com

Fig. 02.13 Escola Rainha D. Leonor, Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura 2011 Fonte: www.novaescola.min-edu.pt

Governança

As operações de reabilitação urbana não se confinam à realização de obras de urbanização e edificação: a sua governação é essencial para o sucesso, sendo que esta exige diversas competências, desde técnicas e tecnológicas a económicas, jurídicas e políticas. A cooperação entre diversos actores é muito importante para a condução das operações.

O incentivo à participação e a melhoria do modelo de governação fazem parte das prioridades do Plano Director Municipal de Lisboa, sendo que é considerado imperativo que os cidadãos adquiram controlo no processo, pois estes tornaram-se mais activos e exigentes em relação às opções e definição do desenvolvimento da cidade, o que demonstra uma nova relação entre a câmara e os residentes. Os cidadãos podem participar em todos as fases da elaboração do plano e têm acesso através de uma base de dados às intervenções urbanas, tornando o processo de planeamento mais trans-parente (CML, 2012a).

Os sistemas de governança procuram assim aproximar os diferentes actores da cidade, e responsabilizá-los, tornando-os mais activos nos processos de decisão e reflexão da cidade. A participação social é vista como fundamental para os processos e a resolução de problemas, que exigem não só recursos materiais, mas também culturais e simbólicos. Esta estrutura deve incentivar a participação em diversos domínios e escalas.

O decreto-lei nº 22/2012 de 30 de Maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, estabelece os objectivos, os princípios e os parâmetros desta reorganização e enquadra os termos da participação das autarquias locais na concretização do processo. Segundo este decreto-lei, os órgãos das freguesias vêm assim as suas competências serem reforçadas, sendo que estas “podem ser diferenciadas em função das suas específicas características demográficas e abrangem, designada-mente, os seguintes domínios: manutenção de instalações e equipamentos educativos; Construção, gestão e conservação de espaços e equipamentos coletivos; Licenciamento de atividades económicas; Apoio social; Promoção do desenvolvimento local”.

2.2.2- Exemplos de reabilitação urbana na cidade de Lisboa

São diversos os exemplos de iniciativas públicas e privadas que têm vindo a contribuir para transformar Lisboa, melhorando assim a sua qualidade para os que nela vivem, trabalham ou visitam. A reconversão das zonas históricas tem vindo a gerar interesse quer por parte dos moradores quer por parte dos investidores privados que tiram partido do potencial de valorização que o investimento nesta área poderá ter. São apresentados em seguida alguns exemplos de reabilitação urbana em que as estratégias utilizadas relacionam quer a criatividade, a nobilitação e o espaço público, não se limitando à rea-bilitação do edificado.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig.02.17 Livraria Ler Devagar

Fig. 02. 18 Restaurante 1300 Taberna Fonte: myguide.iol.pt

Fig. 02.19 Espaço de trabalho partilhado Fonte: facebook.com

Fig. 02.20 ExposiçãoFonte: www.facebook.com

Lx Factory

A Lx Factory situa-se na zona ribeirinha de Alcântara numa antiga área de produção fabril ocupada desde 1846 pela Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonenses (cf. Fig. 02.14, 02.15). Este espaço foi uma das fábricas mais importantes no século XIX, tendo albergado várias empresas ao longo dos anos, e é constituído por onze edifícios cuja composição interior reproduz um espaço livre e polivalente, que se adaptava a qualquer tipo de actividade e maquinaria (cf. Fig. 02.16).

Este conjunto de imóveis industriais foi adquirido pela Mainside em 2005 aos anteriores proprietários que utilizavam as instalações como gráfica, numa altura em que já decorria um projecto de requalificação para esta zona pro-movido pela CML, o plano Alcântara XXI. A Mainside é uma empresa priva-da que desenvolve projectos ligados maioritariamente à reabilitação urbana, como descreve João Queirós Carvalho, administrador desta empresa, numa entrevista à revista “A Europa nas nossas Mãos”: “compramos imóveis edi-ficados para os quais desenvolvermos projectos, que lhe dão um uso adap-tado ao presente” (Carvalho, 2010). O administrador da Mainside considera que a reabilitação é um potencial de negócio difícil mas que resulta em mais--valias que não se obtêm num negócio imobiliário tradicional.

Em 2008 este espaço foi revitalizado e aberto ao público, e desde esse ano que têm vindo a instalar- se nesta área diversas empresas ligadas à área de arquitectura, design, restauração, publicidade, moda, artes plásticas, músi-ca, entre outros, originando assim uma mistura de conhecimento e experi-ências (cf. Fig. 02.17, 02.18, 02.19). Os espaços ligados ao comércio visam fazer a promoção cultural do que se passa dentro e fora da antiga fábrica, sendo que ocorrem também muitos eventos desde exposições, concertos, festas, feiras (cf. Fig. 02.20, 02.21).

Este é um exemplo de reabilitação integrada oferecendo à cidade um es-paço público de cultura e lazer, com uma gestão dos espaços proactiva. A Lx Factory é também um exemplo de um projecto inovador e diferente, que aposta nas indústrias criativas e nas potencialidades que a mesma traz a nível económico com a criação de sinergias internas e a promoção do em-preendedorismo. Como o administrador da Mainside afirma “graças a este espaço, as pessoas puderam concretizar as suas ideias e passar à acção, o que num contexto de crise, como o actual, também é importante” (Carvalho, 2010). Procurou-se demonstrar um exemplo de reabilitação urbana maiorita-riamente ligada à criatividade uma vez que o edificado existente foi alvo de uma intervenção pontual.

Cais do Sodré

A zona do Cais do Sodré foi, nos anos 70, um ponto de referência como zona de diversão e espaço de entretenimento para os marinheiros que atracavam

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 02.21 Mercado semanal de produtos em 2º mão Fonte: myguide.iol.pt

Fig. 02.22 Rua antes da intervenção Fonte: www.joseadriao.com

Fig. 02.23 Proposta do atelier José Adrião Arq. Fonte: www.joseadriao.com

Fig. 02.24 Rua Cor-de-Rosa Fonte: www.cm-lisboa.pt/

em Lisboa. Após esse período passou por um tempo de abandono e foi vista durante décadas como uma zona de droga e prostituição. Após a ameaça de desabamento de um edifício na Rua Nova do Carvalho, ou “rua cor-de-rosa” como é mais conhecida, a mentalidade e visão desta área alterou-se. Esta rua foi fechada ao trânsito, e após um conjunto de sinergias por parte da Câ-mara, dos comerciantes e dos clientes, iniciou-se o processo de reabilitação da zona.

A Associação Cais do Sodré foi criada por vários comerciantes locais, no-meadamente os da Rua Nova do Carvalho, e procura minimizar o choque entre as várias valências do bairro assim como promover a dinâmica social e cultural e financiar medidas ao nível da segurança, limpeza e recuperação urbanística.

O concurso promovido por esta Associação foi ganho pela José Adrião Ar-quitectos. Segundo o Arq. a pintura da rua criou um espaço dinâmico e in-clusivo e proporciona o acesso à informação, na medida em que se produz, partilha e consome cultura na Rua Cor-de-Rosa (cf. Fig. 02.22, 02.23, 02.24).

Paralelamente a essa recuperação física observou-se a abertura de novos espaços de restauração, hostels e espaços comerciais fortemente ligados às artes os quais atraíram mais pessoas à zona. O ano de 2011 marcou o pro-cesso de reconversão urbana desta zona, com a compra e remodelação por parte da imobiliária Mainside, responsável pela recuperação da Lx Factory, de um prédio pombalino situado no nº 19 da rua do Alecrim. Este projecto resultou na Pensão Amor, um edifício de 5 pisos com espaços dedicados à restauração e animação nocturna e ainda espaços de trabalho ligados a ac-tividades criativas e culturais (cf. Fig. 02.25). Como sucedeu na Lx Factory, o projecto foi pensado dando ênfase ao conceito e imagem dos espaços numa ótica de regeneração urbana.

Este é mais um exemplo de reabilitação urbana, através da consolidação do espaço público, em constante mudança e actividade, tendo como protago-nistas as pessoas.

Martim Moniz

O Martim Moniz é um espaço central na cidade de Lisboa, fazendo parte da extensão da Mouraria, e portanto tal como este bairro, foi o espaço destina-do à localização dos Mouros. O comércio grossista liderado por empresários de várias nacionalidades instalou-se na zona na década de 70, sendo que muitos destes viviam perto do local.

Na década de 80 foi aberto um concurso público para a reconfiguração da praça, vencido por Carlos Duarte e José Lamas porém o projecto não foi construído totalmente, sendo que apenas foram concluídos dois centros comerciais e a praça acabou por apresentar “pouca afirmação local” (José Augusto França cit. por Guterres, 2012).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 02.25 Pensão Amor Fonte: cool-lisbon.blogspot.pt

Fig. 02.26 Martim Moniz em obras. Fonte: www.skyscrapercity.com

Fig.02.27 Praça Martim Moniz Fonte: www.cm-lisboa.pt

Fig.02.28 Praça Martim Moniz Fonte: www.cm-lisboa.pt

A praça sofreu outra remodelação em 1997 e foram instalados quarenta quiosques na praça com o objectivo de “revitalizar economicamente o lo-cal a partir do desenvolvimento de um comércio de retalho especializado em artigos regionais, antiguidades e artesanato” (Menezes cit. por Guterres, 2012) (cf. Fig. 02.26). Estes quiosques não tiveram o efeito esperado a nível comercial, sendo que em 2000 são retirados pela Câmara Municipal de Lis-boa, o que resulta num espaço amplo e na sua apropriação enquanto espaço público.

Em 2011, a Câmara Municipal de Lisboa, em parceria com a EPUL, realiza um concurso público para a concessão da praça que viria a ser ganho pela NCS, uma empresa dedicada à organização de eventos. Os quiosques exis-tentes no Martim Moniz são de restauração com uma oferta variada (chinesa, indiana, japonesa, africana, entre outras) à volta dos quais surgem interven-ções artísticas, instalações, cinema, exposições e workshops (cf. Fig. 02.27, 02.28, 02.29). A feira semanal do Mercado de Fusão ocorre no primeiro e úl-timo sábado de cada mês e reúne uma grande variedade de negócios oriun-dos de diferentes pontos da cidade desde artesanato, produtos biológicos, mercearias, roupa, livros, etc (cf. Fig. 02.30).

José Filipe Rebelo Pinto, mentor de projectos como o OUT JAZZ e a revita-lização do Cais do Sodré e administrador da NCS, afirma que “a ideia não é só tornar a praça étnica nem misturar um pouco de toda a gente, mas juntar o projeto à requalificação do bairro e trazer-lhe sangue novo, um toque de modernidade. Não queremos trabalhar só a praça, queremos fazer crescer uma nova cidade dentro da cidade”. Neste projecto observamos a gestão do espaço público ser entregue a empresas privadas, e as suas vantagens para a recuperação do próprio espaço quer na recuperação do espaço quer na dinamização do comércio local são visíveis.

Estamos assim perante novas áreas criativas, distintas umas das outras. O cais do Sodré manteve- se como espaço nocturno, mantendo assim sua função, mas o público e as formas de consumo são contemporâneas. A Lx Factory alterou a sua função, passando da industrial para a cultural, requa-lificando o edificado e tornando-se num espaço atractivo para a cidade. No Martim Moniz observa-se uma apropriação mais informal, sendo que a Praça assume-se como um lugar de estada ou passagem pelas diversas culturas presentes naquele território.

2.2.3- Programas de apoio à reabilitação urbana

Numa altura em que toda a cidade construída pertence à Área de Reabilita-ção, todas as obras de reabilitação feitas na cidade de Lisboa podem assim beneficiar dos incentivos e apoios dos diversos programas promovidos pela CML.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 02.30 A Linha, um dos projectos ven-cedores do programa BIP/ZIP 2012, Alfama Fonte: alinhaalfama.wordpress.com

Fig. 02.29 MEO OUT JAZZ no Martim MonizFonte: www.facebook.com/outjazz

BIP/ZIP

A estratégia BIP/ZIP incide nos bairros e zonas de intervenção prioritária de Lisboa e nasce da ideia de que “a mudança está em nós próprios. É mo-bilizando essa energia cidadã, que mudamos os nossos bairros e fazemos uma cidade de todos” (Costa, 2013: 11). A proposta de um Programa para a requalificação destes BIP/ZIP surge no âmbito dos objectivos definidos no Programa Local de Habitação (PLH), aprovados no final de 2009.

Segundo Helena Roseta, ex-vereadora da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, a criação desta estratégia foi inspirada no processo SAAL, um programa pioneiro de participação popular na habitação lançado por Nuno Portas após o 25 de Abril. Tal como Roseta afirmou, “o resultado ultrapas-sou todas as expectativas: imaginação, generosidade, saber, criatividade e energia surgiram um pouco por todos os BIP/ZIP, ao mesmo tempo que sur-giam ou se reforçavam parcerias locais muito diversas” (Roseta, 2013: 13). Os temas que impulsionam os projectos BIP/ZIP são “construídos à medida das vontades que em cada território se organizam para o mudar” (Roseta, 2013: 13) nomeadamente a promoção da cidadania, competências e empre-endedorismo, a melhoria da vida no bairro, a prevenção e inclusão social, reabilitação e requalificação de espaços (cf. Fig. 02.30).

A primeira preocupação desta estratégia foi a determinação do conceito de Bairro de Intervenção Prioritária (BIP), estendendo depois o conceito a Zonas de Intervenção Prioritária (ZIP). Esta definição apoiou-se em delimitações municipais existentes, identificadas no âmbito do PLH, e que se enquadras-sem no conceito de Bairro Prioritário, nomeadamente: ACRRU (Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística); AUGI (Área Urbana de Génese Ilegal); Bairros Municipais (sob gestão da GEBALIS) com problemáticas es-peciais; Zonas Remanescentes do PIMP e do PER (Programas Especiais de Realojamento); Bairros ex-SAAL com problemas graves pendentes; Área de intervenção da SRU Ocidental – Sociedade de Reabilitação Urbana Ociden-tal; Área de intervenção do Programa Viver Marvila.

Paralelamente a essa análise utilizaram-se também dados estatísticos de modo a localizar as zonas com indicadores socioeconómicos, ambientais e urbanísticos mais fracos, o que permitiu construir um índice social e um ur-bano com expressão à escala de quarteirão. “Da sobreposição cartográfica deste índice composto com as delimitações municipais já analisadas, resulta a determinação de uma “mancha” na cidade que define a sua fractura sócio--territorial, evidenciando assim as áreas da cidade onde, com maior proba-bilidade, se encontram os bairros e zonas de intervenção prioritária.” (CML, 2010: 4) O BIP/ZIP incentiva a que os moradores assumam o local onde vivem como seu, transformando as casas e prédios onde vivem em bairros, “espaços de vida colectiva, de vida em comunidade” (Costa, 2013: 11).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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A carta Bip-Zip de 2010, elaborada pela Assembleia Municipal de Lisboa, foi aprovada pela deliberação municipal 363/2010 em 14 de Julho e identificou 61 bairros e zonas prioritárias submetidos a debate público até Setembro de 2010 (cf. Fig. 02.31). Esta carta insere-se no Plano Director Municipal de Lisboa (PDM) e representa um compromisso de 10 anos por parte do muni-cípio. A Carta é revista periodicamente, consoante a evolução destas áreas identificadas, mantendo-a assim em aberto.

As entidades que participam nas candidaturas podem ser promotoras ou parceiras, sendo que as primeiras celebram o protocolo com a Câmara Mu-nicipal de Lisboa, recebem as verbas e são responsáveis pela gestão finan-ceira do projecto. As entidades parceiras são apenas associadas do projecto e não possuem responsabilidades directas na gestão financeira do mesmo.

AnoNumero de

CandidaturasCandidaturas

AceitesMontante Disponível (Milhões)

2011 80 33 12012 106 28 12013 108 52 1,52014 146 59 >1,6

Como é possível observar (cf. Fig. 02.32), o ano de 2014 teve o maior número de candidaturas com 146 participações. O ano de 2013 ficou marcado pela realização de uma exposição no MUDE, chamada “Dentro de ti ó cidade” (cf. Fig. 02.33), divulgando à cidade o que acontece nos bairros e associações da mesma e documentando o processo participativo em curso, todos eles projectos inovadoras e vitais. Os projectos reconhecem a importância do espaço público, e devolvem-no aos habitantes da cidade, de modo a que estes interajam, partilhem experiências e criem cumplicidade, “valorizando a qualidade do ambiente urbano e a dimensão antropológica de cada lugar” (Coutinho, 2013: 15).

As propostas apresentadas assumem diferentes formulações, porém como Bárbara Coutinho defende, “são estratégias bottom-up e partilham valores comuns: procuram a sustentabilidade económica, social e ambiental; colo-cam a tónica na participação e sentimento de vizinhança; aspiram a induzir a criatividade em todos os lugares e tempos do nosso quotidiano, recupe-rando os tradicionais pontos de encontro e as relações de proximidade. Fo-mentam uma cidadania activa (entendida como um direito, um dever e uma responsabilidade), valorizando a iniciativa local e o compromisso colectivo em projectos concretos e utilitários, em lugar de gestos individuais, mais ou menos sensacionais” (Coutinho, 2013: 15). O contributo dos projectos para este reforço da coesão social, quer no interior de cada BIP/ZIP quer na

igura 02.31 Carta Bip-Zip 2010. Fonte: habitacao.cm-lisboa.pt

Quadro 02.32 Número de candidaturas e montante disponível para a estratégia BIP/ZIP por anoFonte: habitação.cm-lisboa.pt

Fig. 02.33- Exposição Dentro de ti ó cidade, MUDE Fonte: www.mude.pt

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

integração desse território na cidade, é um dos critérios de avaliação das candidaturas, assim como a sustentabilidade do projecto e a inovação do mesmo.

Relativamente ao bairro da Mouraria foram estudados os indicadores sociais e urbanos de modo a enquadrar a zona em estudo nesta estratégia. os quais serão apresentados no capítulo seguinte.

A estratégia BIP/ZIP assume-se assim como um importante programa de revitalização e reabilitação de diversas zonas urbanas, na medida em que procura “recuperar o significado da res pública e da política através de uma vivência plena destes conceitos, ao incentivarem a participação dos cida-dãos na definição, planeamento, gestão, implementação e avaliação de ac-ções simples e específicas, em diferentes escalas do território comum: no condomínio, na rua, no bairro” (Coutinho, 2013:15).

Orçamento Participativo

Lisboa foi a primeira capital europeia que implementou o Orçamento Partici-pativo com o intuito de aprofundar a relação da autarquia com os munícipes. A primeira edição ocorreu em 2008, distinguindo-se de outras experiências pela sua veracidade no processo de deliberação, conferindo poder de deci-são aos cidadãos quer para apresentar propostas quer para votar nos pro-jectos que considerem prioritários. Os planos mais votados, com um valor até 5% do Orçamento de Investimento, integram a proposta de Orçamento e o Plano de Actividades do Município no ano seguinte. A Carta de Princípios do Orçamento Participativo do Município de Lisboa foi aprovada em 2008, sendo que esta define os objetivos deste processo e indica os princípios pelos quais este se deve reger. Está prevista uma avaliação anual dos seus resultados e a introdução das alterações pertinentes para o aperfeiçoamen-to, aprofundamento e alargamento progressivo do Orçamento Participativo. Este carácter evolutivo foi distinguido e mereceu reconhecimento interna-cional.

O número de participantes tem aumentado exponencialmente, assim como o tipo de participantes e propostas, que se têm diversificado e enriquecido. Passado cinco anos o “OP assume-se como uma marca emblemática de um novo método de governação da cidade, no qual os cidadãos se empenham e se envolvem, de modo activo e interessado, para alcançar as melhores solu-ções, criando uma nova dinâmica de cogestão e coprodução com o executi-vo municipal” (CML, 2012b: 2). O número de votantes aumentou de 1.101 em 2008 para 29.911 em 2012 e os projectos submetidos a votação passaram de 28 em 2008 para 231 em 2012. Contudo as verbas disponíveis não acom-panham esse progresso, tendo sido atribuído na edição anterior o montante global de 2,5 milhões de euros. Para compensar esta redução e alcançar um público mais abrangente foram criados dois grupos de Projectos de OP, um para projectos com valor até 150.000 euros e outro até 500.000.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Relativamente ao ano de 2012-2013, e seguindo a tendência dos anos an-teriores, as áreas predominantes dos projectos de valor superior a 150.000 euros foram Espaço Público e Espaços Verdes e Infraestruturas Viárias, Trân-sito e Mobilidade. Os projectos com impacto na Mouraria serão apresenta-dos no capítulo seguinte.

RE9- 9 vantagens para reabilitar em Lisboa

O programa RE9 é promovido pela CML com diversos parceiros, como a Or-dem dos Arquitectos ou dos Engenheiros, e apoia operações de reabilitação de pequena e média escala. Este programa propõe nove benefícios às inter-venções de reabilitação urbana. Nomeadamente: menos 17% de IVA na mão de obra e materiais; Isenção de Imposto Municipal sobre Imóvel durante 5 anos em imóveis reabilitados após 1 de Janeiro de 2008 e até 31 de Dezem-bro de 2020; Isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onero-sas de Imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente que se localizem em área de reabilitação urbana; Outros Benefícios Fiscais ( -30% no IRS, Isenção de IRC para fundos de investimento imobiliário e redu-ção sobre as mais-valias para 5%); Isenção de Taxas Municipais (Isenção da taxa de ocupação da via pública nos primeiros 4 meses, Isenção da taxa ad-ministrativa de apreciação do processo ei senção da TRIU até 250m2 de área acrescentada); Projetos de arquitetura e engenharia acessíveis a todos para obras de reabilitação a realizar em Lisboa, com o devido acompanhamento de modo a obter a melhor qualidade e economia das obras, graças a parce-rias entre a Câmara Municipal de Lisboa, e as Ordens dos Arquitectos, dos Engenheiros e dos Engenheiros Técnicos; Financiamento com condições es-peciais; Parcerias com empresas e descontos nos materiais de construção; Uma rápida via da Reabilitação Urbana.

Reabilita Primeiro Paga Depois

O programa Reabilita Primeiro Paga Depois consiste na venda de edifícios municipais devolutos com a obrigação de realizar obras de reabilitação por parte de quem o adquire, sendo que este está autorizado a “diferir o pa-gamento do preço até ao termo do prazo contratual, que terá em conta o licenciamento, a execução das obras e a colocação do imóvel no mercado” (CML). Este programa é considerado muito importante no contexto actual, sendo que é um contributo municipal para promover a reabilitação do pa-trimónio municipal em mau estado de conservação, sem que se recorra a capitais próprios ou endividamento, e para optimizar a sustentabilidade da gestão do parque habitacional atraindo população para os bairros históricos. O programa representa ainda um incentivo à economia e permite dinamizar o sector da construção, essencial para a manutenção e criação de novos postos de trabalho.

A revista municipal LISBOA de Julho de 2014, refere o êxito deste programa sendo que é possível contabilizar “4 hastas públicas para um total de 53

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

prédios traduziram-se na arrematação de 49 deles, (representando um en-caixe financeiro de quase 9 milhões de euros para os cofres municipais) - para os quais deram entrada 30 pedidos de licenciamento 15 estão já em obra, envolvendo um investimento privado em obra de cerca de 4 milhões de euros.” (Carneiro, 2014).

RE-HABITA LISBOA- programa de reabilitação de devolutos

Este programa está em estudo e é direcionado aos edifícios de privados que se encontrem integralmente devolutos e em muito mau estado de con-servação e se localizem em locais emblemáticos e estratégicos da cidade. O principal objectivo é impulsionar a reabilitação urbana, o mercado de ar-rendamento e o retorno das famílias à cidade. O seu funcionamento está previsto através de obras convencionadas nas condições acordadas com os privados ou através de obras coercivas onde o Município assume o papel de “Senhorio Temporário”.

De seguida apresenta-se um quadro síntese da estratégia de reabilitação urbana na cidade de Lisboa nas últimas duas décadas.

1986-1990

Início, mais recente, da reabilitação urbana na cidade. Lançamento dos GTL de Alfama e Mouraria de modo a proceder à requalificação física, social e funcional dos bairros e obter um contacto mais directo com a realidade local promovendo uma gestão de proximidade.

1990-2001

Mudança orientação política na CML e criação da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana. Estratégia baseada na acção dos Gabinetes Locais: pequenas intervenções dispersas nos bairros históricos. Os GTL têm a responsabilidade da gestão urbanística, e apoio social aos moradores.

2002- 2007

Estratégia centrada em grandes intervenções concentradas em 18 eixos pré-definidos da cidade que procuravam induzir processos de reabilitação de maior escala e legibilidade no todo da cidade. Lançamento de 6 megaempreitadas para obras de conservação e recuperação de edifícios de propriedade municipal ou particular, das quais cinco foram suspensas por falta de pagamento.

A escassez de meios financeiros obriga a repensar a estratégia, com vista a dar uma nova dinâmica ao processo de reabilitação. A amplitude dos problemas da cidade consolidada justifica que a estratégia de desenvolvimento territorial defina a sua reabilitação/revitalização como uma prioridade estratégica. 2007 - 2012

A reabilitação urbana faz parte da estratégia urbanística da cidade de Lisboa que define como prioridade: a regeneração dos bairros e a reabilitação do edificado, dos equipamentos e do espaço público.

As candidaturas ao programa QREN (Mouraria, Ribeira das Naus, Padre Cruz e Boavista) procuram dar prioridade à reabilitação dos equipamentos municipais. O Programa de Intervenções Prioritárias de Reabilitação Urbana (PIPARU) procura encontrar os meios financeiros para terminar as empreitadas interrompidas. O programa BIP/ZIP integra o Programa Local de Habitação e representa um compromisso de 10 anos por parte do município de desenvolver intervenções prioritárias de melhoria de condições de vida e do ambiente urbano.

2012- Toda a cidade de Lisboa é

classificada como Área de Reabilitação Urbana (ARU) e a reabilitação urbana é definida como primeira prioridade. A participação social é vista como fundamental para os processos e a resolução de problemas, que exigem não só recursos materiais, mas também culturais e simbólicos. A oferta de um espaço público de qualidade é também uma preocupação por parte do PDM de Lisboa, para potenciar a capacidade de atrair pessoas e empresas.

Programas de apoio e incentivo à reabilitação urbana promovidos pela CML: Reabilita Primeiro Paga Depois: Contributo municipal para promover a reabilitação do pa-trimónio municipal em mau estado de conservação. RE9: Apoio a operações de reabilitação de pequena e média escala. RE-HABITA LISBOA: Reabilitação de edifícios privados devolutos e se localizem em locais emblemáticos e estratégicos da cidade.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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2.3 O futuro próximo da reabilitação em Lisboa

2.3.1 A reabilitação nos instrumentos de planeamento territorial

O Plano Director Municipal (PDM), enquanto documento de planeamento estratégico e normativo, define o modelo de cidade pretendido para Lis-boa, a estratégia utilizada e os objectivos bem a concretizar num período de dez anos, com uma monitorização permanente que permite ajustamentos de modo a que surjam novas oportunidades e se possam corrigir possíveis erros. O modelo de cidade pretendido é “uma cidade que pensa, antes de mais, nas pessoas que aqui vivem, trabalham e estudam, na sua segurança e conforto, no reforço dos laços comunitários que emergem dos bairros e no desenvolvimento do potencial criativo e de geração de riqueza” (CML, 2012: 11).

O PDM de Lisboa de 2012 foi concebido numa altura em que o município de Lisboa possuía grande parte das infraestruturas construídas e 84,3% de território consolidado, paralelamente a uma crise que coloca novos desafios e questões num contexto de maior incerteza (CML, 2012). Nesse contexto, pretende-se criar uma cidade mais coesa e eficiente e sustentável do ponto de vista social, económico e ambiental e com mais oportunidades. Sendo um dos objectivos do PDM atrair famílias, é necessário aumentar a ofer-ta de habitação a custo acessível, preferencialmente para arrendamento, e construir espaços verdes e equipamento bem como espaços públicos de qualidade e um ambiente com baixos níveis de ruído, reforçando a coesão em torno dos bairros. Procura-se também atrair empresas e postos de traba-lho, apostando na competitividade, incentivando o turismo e proporcionando espaços por toda a cidade para o acontecimento de novas actividades pro-dutivas e ligadas à cultura.

Fig. 02.34- Esquema síntese da estratégia de reabilitação na cidade de Lisboa

1986-1990

Início, mais recente, da reabilitação urbana na cidade. Lançamento dos GTL de Alfama e Mouraria de modo a proceder à requalificação física, social e funcional dos bairros e obter um contacto mais directo com a realidade local promovendo uma gestão de proximidade.

1990-2001

Mudança orientação política na CML e criação da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana. Estratégia baseada na acção dos Gabinetes Locais: pequenas intervenções dispersas nos bairros históricos. Os GTL têm a responsabilidade da gestão urbanística, e apoio social aos moradores.

2002- 2007

Estratégia centrada em grandes intervenções concentradas em 18 eixos pré-definidos da cidade que procuravam induzir processos de reabilitação de maior escala e legibilidade no todo da cidade. Lançamento de 6 megaempreitadas para obras de conservação e recuperação de edifícios de propriedade municipal ou particular, das quais cinco foram suspensas por falta de pagamento.

A escassez de meios financeiros obriga a repensar a estratégia, com vista a dar uma nova dinâmica ao processo de reabilitação. A amplitude dos problemas da cidade consolidada justifica que a estratégia de desenvolvimento territorial defina a sua reabilitação/revitalização como uma prioridade estratégica. 2007 - 2012

A reabilitação urbana faz parte da estratégia urbanística da cidade de Lisboa que define como prioridade: a regeneração dos bairros e a reabilitação do edificado, dos equipamentos e do espaço público.

As candidaturas ao programa QREN (Mouraria, Ribeira das Naus, Padre Cruz e Boavista) procuram dar prioridade à reabilitação dos equipamentos municipais. O Programa de Intervenções Prioritárias de Reabilitação Urbana (PIPARU) procura encontrar os meios financeiros para terminar as empreitadas interrompidas. O programa BIP/ZIP integra o Programa Local de Habitação e representa um compromisso de 10 anos por parte do município de desenvolver intervenções prioritárias de melhoria de condições de vida e do ambiente urbano.

2012- Toda a cidade de Lisboa é

classificada como Área de Reabilitação Urbana (ARU) e a reabilitação urbana é definida como primeira prioridade. A participação social é vista como fundamental para os processos e a resolução de problemas, que exigem não só recursos materiais, mas também culturais e simbólicos. A oferta de um espaço público de qualidade é também uma preocupação por parte do PDM de Lisboa, para potenciar a capacidade de atrair pessoas e empresas.

Programas de apoio e incentivo à reabilitação urbana promovidos pela CML: Reabilita Primeiro Paga Depois: Contributo municipal para promover a reabilitação do pa-trimónio municipal em mau estado de conservação. RE9: Apoio a operações de reabilitação de pequena e média escala. RE-HABITA LISBOA: Reabilitação de edifícios privados devolutos e se localizem em locais emblemáticos e estratégicos da cidade.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Este Plano Director Municipal de Lisboa promove ainda a intervenção mu-nicipal, através de um processo participativo, com o Programa BIP/ZIP, an-teriormente explicado. Esta preocupação, interesse e enfoque é explicado pelos estudos de caracterização territorial, realizados no processo de revisão do PDM, que “vieram confirmar a importância e o interesse na reabilitação urbana, enquanto instrumento de captação de novos habitantes para a Cida-de, na medida em que mais de 50% dos novos residentes de Lisboa vieram residir para edifícios com mais de 30 anos” (CML, 2012: 27).

A oferta de um espaço público de qualidade é também uma preocupação por parte do PDM de Lisboa, para potenciar a capacidade de atrair pessoas e empresas. “A qualificação do espaço público é uma tarefa fundamental para tornar a Cidade mais amigável para quem vive, trabalha e a visita. Constitui um objetivo que se articula intimamente com o impulso à reabilitação urba-na, à captação de habitantes, de mais empresas e empregos e à promoção da mobilidade sustentável” (CML, 2012: 29). Esta qualificação é conseguida reordenando o trânsito, removendo o tráfego de atravessamento do centro histórico e bairros residenciais e reduzindo as áreas reservadas à utilização de automóvel, qualificando assim o espaço público e aumentando as áreas permeáveis do espaço público.

2.3.2 Lisboa 2020

A reabilitação e regeneração urbana fazem parte dos objectivos estratégi-cos do PDM aprovado em 2012, bem como a expansão da área histórica a toda a cidade consolidada, defendendo e valorizando assim o seu patri-mónio histórico, cultural e paisagístico. Na sequência deste instrumento de gestão territorial, surge o documento “LX-Europa 2020: Lisboa no quadro do próximo período de programação comunitário” que visa definir as priorida-des e as áreas de intervenção estratégicas e defender assim os interesses nacionais, e “identifica questões que são consideradas como fundamentais para promover o desenvolvimento de Lisboa, e, pelo papel que esta assume, contribuir para o desenvolvimento de Portugal” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 2). Este documento foi elaborado no contexto da discussão europeia acerca do novo ciclo de programação comunitária 2014-2020, e demonstra a consciência das responsabilidades que a cidade de Lisboa possui e “a relevância que os instrumentos de apoio comunitário podem ter na imple-mentação da estratégia de desenvolvimento da cidade, assumida em docu-mentos como, por exemplo, o Plano Diretor Municipal (PDM) recentemente aprovado” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 2). O planeamento estratégico assume-se mais uma vez como fundamental “enquanto instrumento para aproveitar as oportunidades e responder às ameaças, explorando os pontos fortes e superando as fraquezas”.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Partindo do conhecimento de que as cidades podem constituir um importan-te contributo para atingir as metas estabelecidas na Estratégia Europa 2020, foi atribuída uma maior centralidade às questões urbanas no contexto das políticas da UE, assumindo-se que “é de facto nas cidades que há a massa crítica necessária à competitividade, se concentram os desafios à susten-tabilidade e, com mais intensidade, se sente a necessidade de inclusão” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 5). São reservados cerca de 5% dos recur-sos nacionais do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) com destino a intervenções integradas de desenvolvimento urbano sustentável geridas pelas cidades.

Os objectivos para o futuro da cidade de Lisboa são “uma Melhor Cidade, com Mais Pessoas e Mais Emprego”. A primeira depende, de entre outros, da melhoria da qualidade de vida, reabilitando a cidade, reforçando a coe-são, e promovendo a cultura e a criatividade não só para atrair nova popu-lação como para manter a população existente. “Neste âmbito, Lisboa tem de aproveitar todo o seu potencial e reforçar as vantagens oferecidas pela centralidade, pelo seu património cultural, edificado e paisagístico, diminuin-do, simultaneamente, os seus inconvenientes” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 29).

Os instrumentos propostos promovem intervenções descentralizadas e apoiadas em lógicas bottom-up, reforçando a participação de diversos ac-tores e impulsionando acções integradas que permitem explorar sinergias entre diversos programas e intervenções, permitindo responder a desafios multifacetados. A governança, um ponto já falado anteriormente, tem espe-cial enfoque neste documento, sendo que a execução da Estratégia Europa 2020 pressupõe uma parceria ativa dos cidadãos, empresas e instituições sociais, assim como o envolvimento dos diferentes níveis de governação.

Fig. 02.35- Esquema das intervenções, relações entre estas e objectivos a que dão resposta Fonte: Equipa de Missão Lisboa, 2012

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Como é possível observar no esquema (cf. Fig.02.34), a regeneração dos BIP/ZIP, bem como a reabilitação do parque edificado fazem parte das interven-ções previstas e consideradas estruturantes para Lisboa. Estas intervenções envolverão actores diversos e exigirão fontes de financiamento distintas. Se-gundo o documento, “os instrumentos de apoio financeiro comunitários, a negociar no quadro do Acordo de Parceria, mas também os demais instru-mentos que integram o Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020 constituirão, necessariamente, instrumentos fundamentais para a implementação destas intervenções” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 37). No âmbito dos BIP/ZIP, pretende-se fomentar a coesão social e promover um desenvolvimento in-clusivo, continuando e reforçando as intervenções nos Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária. “Nestas intervenções em territórios prioritários de-vem ser contempladas abordagens integradas, congregando instrumentos de Desenvolvimento Liderado pelas Comunidades Locais com investimen-tos territoriais integrados” (Equipa de Missão Lisboa, 2012: 39).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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03 . A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

3.1 Génese e caracterização do bairro da Mouraria 3.1.1 Quadro histórico-urbanístico 3.1.2 Tecido social 3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica

3.2 Orientação do Planeamento Urbano 3.2.1 Plano Director Municipal 3.2.2 Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução 3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade 3.3.2 Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria 3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana

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A MOURARIA NOS INSTRUMENTOS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E URBANO

“A divergência ou convergência de visões da Mouraria, por dentro e por fora, de quem visita e de quem a retrata, não deixa de ser um re-trato real e imaginado de um bairro” (Simplício, S., 2013).

03

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

3.1 Génese e caracterização do bairro

Neste capítulo procura-se caracterizar o bairro da Mouraria, enquadrando o território do Largo do Intendente. Apesar da Mouraria e do Largo do In-tendente pertencerem a duas áreas administrativas distintas, Santa-Maior e Arroios respectivamente, estas zonas pertencem à mesma Unidade Ope-rativa de Planeamento e Gestão (UOPG), definida em PDM, que aglutina as áreas com identidade urbana e geográfica. O Largo pertence ainda ao núcleo histórico da Mouraria, fazendo assim parte da área do Plano de Urbanização da Mouraria.

Para além destes factos, a requalificação do Largo está integrada no Pro-grama de Acção da Mouraria, pelo que foi considerado importante caracte-rizar este território da Mouraria, utilizando neste capítulo dados estatísticos relativos à Mouraria. Os limites da Mouraria estão ligados e dependentes de pertenças sociais, culturais e espaciais, que estendem e alteram assim o território do bairro (Ferro, 2012).

3.1.1 Quadro histórico-urbanístico

A Mouraria situa-se na encosta Norte do Castelo, desenvolvendo-se entre a Praça do Martim Moniz, a Graça e o Castelo e estabelece uma relação visual privilegiada com a cidade de Lisboa, (sistema de vistas consagrado no PDM) (Neves e Gonçalves, 2011: 3). Do núcleo original, este bairro cresceu subindo pela colina de declive acentuado e expandindo-se para Norte. A Mouraria situava-se fora da Cerca Fernandina, mandada construir por D. Fernando no século XIV, apesar de ser uma zona bastante habitada (cf. Fig. 03.1, 03.2). Esta zona obteve este desígnio após D. Afonso Henriques expulsar os Mou-ros da sua cidadela para aquele local após a Reconquista Cristã, passando a viver numa zona isolada do resto da cidade. Estes conservaram os seus costumes, praticando a sua religião, mantendo a sua língua, árabe, e a sua governança por um alcaide. Os Mouros foram expulsos de Portugal em 1497 por D. Manuel I, juntamente com os judeus que estavam confinados aos bairros do Castelo, contudo a sua herança e o legado árabe mantêm-se até hoje (Fidalgo, 2012).

Fig. 03.1 Planta geral de Lisboa em 1833Fonte: www.museudacidade.pt

Fig. 03.2 Cerca fernandina sobreposta à planta de Lisboa de 1856Fonte: revelarlx.cm-lisboa.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 03.4 Uma das diversas escadas do bairro. Fonte: ventaniasrosadas.blogspot.pt

A actividade económica, nomeadamente comercial e artesanal, desenvol-vida naquela zona era bastante intensa, atraindo assim alguns cristãos que se instalaram nas áreas envolventes do bairro (Menezes, 2003). Contudo, a Mouraria mantece-se fora das muralhas da cidade “constituindo-se como uma espécie de espaço intersticial que, mesmo após a extensão da cidade, com a urbanização dos campos e o derrube da Cerca Fernandina, condicio-nou-o do ponto de vista simbólico e urbano à elaboração de um complexo processo de estigmatização territorial” (Menezes, 2012: 72).

A morfologia do território, denominado ao longo da história de “Vale dos Ven-cidos”, “Horta”, “Olaria”, caracterizava-se por uma “terra ribeirinha e um vale alagadiço” (Ferro, 2012: 18) e foi a impulsionadora do seu desenvolvimento histórico, político e social. A água dos ribeiros existentes regava os terrenos férteis de hortas e quintas que alimentavam a população da cidade. A arte da olaria implantada pelos romanos e continuada pelos mouros serviu-se desta mesma água abundante (cf. Fig.03.3).

Esta zona distingue-se das outras áreas da cidade pelas suas características arquitectónicas, que identificam uma época, e o modo de ocupação do ter-ritório, que lhe confere uma identidade e expressão urbanística próprias. A sua malha urbana de génese mourisca é das mais antigas da cidade e com-plexa ao nível espacial pela sua irregularidade (cf. Fig.03.4). À semelhança de outras ocupações muçulmanas, as habitações estão dispostas ao longo da rua formando uma frente urbana e caracterizam-se por compartimentos de reduzida dimensão organizados geralmente em torno de um pátio, com um jardim, um quintal e um poço do outro lado da casa. Estas características tornam o bairro numa das mais notáveis áreas históricas da cidade.

A malha orgânica e morfologia acentuada do terreno criam grandes dificul-dades a nível das acessibilidades e mobilidade viária, existindo um grande défice de estacionamento e as zonas de circulação exclusivamente pedonal eram praticamente inexistentes. Este facto teve como consequência o afas-tamento das pessoas de um espaço concebido essencialmente para o seu usufruto mas que a partilha com o automóvel não permite percepcioná-lo como tal, bem como a impossibilidade de viaturas de socorro e prioritárias acederem ao local, pondo em risco pessoas e bens pois alguns locais da Mouraria só possuem uma maneira de acesso (Neves e Gonçalves, 2009).

A rua do Benformoso foi até 1862, altura em que a rua da Palma abriu, uma das ruas mais movimentadas da cidade por onde todo o trânsito era efectu-ado e possui dois Imóveis de Interesse Público, nomeadamente um edifício seiscentista, que mantem algumas das características pitorescas de Lisboa antiga e um edifício oitocentista de arquitectura romântico revestido a azule-jo (cf. Fig. 03.5). Esta rua é actualmente um eixo viário importante do bairro, porém a reduzida dimensão dos passeios provoca uma dificuldade de mobi-lidade dos peões. A rua do Benformoso desemboca no Largo do Intendente, um espaço de descompressão que resulta de diversas transformações

Fig. 03.3- Fontanário entre 1898 e 1908 Fonte: Neves e Gonçalves, 2011

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Fig. 03.5 Rua do Benformoso e Rua do Terreirinho, 1950Fonte: revelarlx.cm-lisboa.pt

Fig. 03.6 Comércio na Mouraria Fonte: www.cm-lisboa.pt

operadas no território. As diversas actividades comerciais existentes produ-zem uma dinâmica socioeconómica importante (cf. Fig. 03.8). A rua Marquês de Ponte de Lima e a rua das Farinhas são também importantes eixos viários que abrangem um grande nível de circulação automóvel e foram alvo de re-qualificação de modo a aumentar a mobilidade dos peões.

O Largo do Intendente, objecto de estudo da dissertação, é considerado um dos largos mais interessantes do ponto de vista urbanístico e patrimonial, preservando as características da época em que os edifícios que o delimitam foram construídos. Existia junto a este um cemitério muçulmano, localizado fora das muralhas da cidade, e extinto nos finais do século XV. Os restantes terrenos eram um arrabalde cristão pertencendo à freguesia de Santa Justa, composto por hortas, olivais e quintas (Neves e Gonçalves, 2011).

A Mouraria é uma área predominantemente habitacional, marcada pela de-gradação de algumas estruturas físicas, em situação de ruína eminente ou mesmo total e pela sobreocupação de alguns fogos. Os edifícios têm vindo a sofrer algumas alterações ao longo dos anos, designadamente o aumento de número de pisos ou a instalação de blocos sanitários, que foram efectuadas sem a preocupação das características estruturais ou construtivas. A altera-ção da tipologia dos pisos térreos para adequar a comércio, e a ligação de fogos de dois edifícios, separados originalmente, levaram também ao estado de ruína de muitos edifícios.

O escasso mobiliário urbano existente encontra-se também em mau estado e desqualificado. A área verde é residual e integra apenas pontualmente al-gumas árvores, algumas já tendo sofrido um corte. As intervenções feitas no pavimento foram pontuais e pouco criteriosas utilizando materiais que por vezes não se adequavam aos locais em causa, o que resulta na degradação do estado do pavimento.

Esta zona sobreviveu às acções demolidoras efectuadas no período do Es-tado Novo, entre os anos 30 e 60, com uma visão de higienização e embe-lezamento com vista a renovar certas zonas da cidade alterando as suas dinâmicas socioculturais, populares e urbanas. De entre as demolições des-taca-se a extinção de quase toda a baixa da Mouraria, que resultou no largo do Martim Moniz que mais tarde se transformou em praça, bem como do mercado da antiga Praça da Figueira entre 1930 e 1960. Segundo Marluci Menezes, “esta destruição desencadeou um processo de desarticulação de toda aquela área da cidade, prejudicando o núcleo de atividades e de fun-ções que lhes davam vida e os caracterizavam, reforçando um processo de marginalização funcional, física e social” (Menezes, 2012: 76).

Após a criação da Praça do Martim Moniz pretendia-se reconverter a Mou-raria num espaço de passagem composto por grandes avenidas e prédios modernos e de grande prestígio de modo a isolar na periferia da cidade

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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os moradores que comprometessem o ideal de modernização. Foi também apresentada uma intervenção na composição social do bairro, expulsando os indivíduos socialmente incompatíveis com os ideais que a cidade propu-nha para aquele lugar. Todas estas intenções por parte do Estado Novo não passaram disso mesmo, e a Mouraria permaneceu um conjunto socio-espa-cial segregado e estigmatizado.

Entre os anos 70 e 80, o bairro e as áreas adjacentes estão nos interesses das políticas de modernização da cidade, e os espaços vazios deixados pela destruição converteram-se em dois centros comerciais, o Centro Comercial da Mouraria e o Centro Comercial Martim Moniz, que alteraram as dinâmicas sociais, culturais e económicas do território (cf. Fig. 03.7). Este facto facilitou a instalação do comércio grossista por parte de comerciantes provenientes da Índia, China e África. A vinda de imigrantes nos anos 70, reconfigura so-cialmente o bairro com a instalação de comércio de revenda controlado por estes. Este fenómeno contribui assim para a consolidação da multietnicida-de e multiculturalidade que caracterizam a Mouraria.

A instalação do Gabinete Local da Mouraria em 1985 marca o início de uma nova relação entre o território e a cidade, sendo que é repensado o papel que aquele representa no contexto urbano e redirige-se a atenção para os pormenores na reconstrução social do simbolismo e da imagem urbana do bairro. Este torna-se assim num alvo da reabilitação urbana na sequência da evolução processual e conceitual da dinâmica de intervenção na cida-de existente, como acontecia noutros núcleos históricos europeus. Não se aponta para a destruição mas sim para a requalificação do tecido urbano, implementando equipamentos funcionais que melhorem os recursos sociais que o território oferece, valorizando o património histórico-cultural, definindo regras que permitam a transmissão da herança histórica e “ a responsabiliza-ção dos diferentes actores sociais no processo de manutenção e conserva-ção do património” (Menezes, 2012: 85). Os projectos realizados em Lisboa no final do século passado (por exemplo a EXPO’98 e consequente requali-ficação da zona oriental da cidade ou a reconstrução do Chiado) colocaram a cidade na rota das capitais europeias e consolidaram a assimetria e segre-gação do bairro. Como Menezes afirma, “numa Lisboa que se modernizava a passos rápidos, pouco a pouco, a Mouraria tornar-se-ia o mártir esquecido dos efeitos drásticos de uma proposta desastrosa de tentativa de limpeza e ordenação urbana” (Menezes, 2012: 75).

3.1.2 Tecido social

O quadro social complexo da Mouraria é “caracterizado por um lado, por uma grande precariedade socioeconómica da população residente, e por outro, por uma apropriação marginal do espaço público por parte de uma população flutuante que contribui para a deterioração da imagem e ambiên-cia urbana” (Neves e Gonçalves, 2009: 4).

Fig. 03.7 Centro Comercial da MourariaFonte: www.bestguide.pt

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O tecido social que define o bairro é composto por duas realidades com dife-rentes características que coexistem, sendo que encontramos no eixo da rua da Mouraria/ Martim Moniz/ rua do Benformoso uma vivência social ligada ao comércio por parte da população imigrante, nomeadamente paquista-neses, indianos, chineses, com diferentes culturas e práticas económicas. A outra realidade, mais tradicional e vernacular, é definida por uma vida de bairro e dinâmicas que de um modo de geral caracterizam os bairros histó-ricos de Lisboa. Esta zona acolheu no século XX vários imigrantes chineses, indianos, paquistaneses, bengalis e africanos que com a onda de imigração que marcou aquela altura se instalaram no bairro (Neves e Gonçalves, 2011).

A identidade que a Mouraria possui deve-se assim aos modos de vida da po-pulação do bairro e a sua estrutura socioeconómica, marcada por uma gran-de diversidade étnica e cultural. Este bairro é também caracterizado pela profunda cultura popular portuguesa, assumindo-se como o berço do Fado, onde nasceram alguns fadistas populares, como Maria Severa, Fernando Maurício ou Mariza. Embora a potencialidade e recursos endógenos que a Mouraria possui, esta é historicamente um território vulnerável em termos sociais, com grupos em risco ou em situação de pobreza ou exclusão social e onde os índices de qualidade de vida são baixos. Existe ainda alguma insegurança e os níveis de “guetização” territorial estão acima da média ve-rificada em Lisboa.

O desenvolvimento da intervenção urbana de que a Mouraria foi alvo nos úl-timos anos desencadeou diversas dinâmicas sociais e urbanas, modificando assim as rotinas quotidianas existentes há muito tempo. A nobilitação faz-se sentir na Mouraria, porém como refere Estela Gonçalves “não houve uma expulsão, mas sim uma entrada de grupos jovens com habilitação superior, os “gentrificadores”, que neste caso têm outra conotação, sendo chamados de “geração ERASMUS”. Esta população é potenciadora da revitalização, criando novos estímulos para a população local, inclusivamente a nível es-colar uma vez que o nível de insucesso escolar da Mouraria é alto e tem inte-resse pela tradição de bairro, com um ambiente acolhedor e de proximidade, pela diversidade e troca de culturas” (Entrevista a Neves, M., 2014).

3.1.3 Caracterização sociodemográfica e socioeconómica

A Mouraria combina por um lado a preservação da tradição e dos mitos do bairro típico e por outro a criação da comunidade multicultural que se veio instalar. Esta diversidade resulta numa visão algo difusa do que é verdadei-ramente a Mouraria (Menezes, 2013), demonstrado num inquérito realizado pelo Jornal Rosa Maria, editado pela Associação local Renovar a Mouraria, onde foi evidente a fraca percepção do que é a Mouraria, a nível do território, dos seus limites ou falta de identificação com as imagens construídas. “A divergência ou convergência de visões da Mouraria, por dentro e por fora, de quem visita e de quem a retrata, não deixa de ser um retrato real e imagina-do de um bairro” (Simplício, 2013). De facto, a Mouraria de quem aqui vive, trabalha ou visita, caracterizada pela degradação, reabilitação, mudança, e

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tradições, é diferente de uma Mouraria idealizada e turística, sendo que am-bas coexistem. Marluci Menezes afirma que este é um espaço singular e plural, não existindo uma identidade mas imagens identitárias construídas através de imagens internas e externas (Menezes, 2012). Torna-se assim im-portante caracterizar este bairro demográfica e economicamente.

Trajectória demográfica

A Região de Lisboa teve entre 1991 e 2001 um crescimento demográfico semelhante ao resto do País e 5,5% acima do verificado na década anterior, essencialmente devido aos movimentos migratórios que registaram um sal-do de 4,2%, enquanto que o crescimento natural foi apenas de 0,5%. Em relação a 2011, os Censos indicaram um crescimento de 5,1% face a 2001. O crescimento populacional é uma mais-valia para a adopção e aplicação de programas de regeneração urbana.

Relativamente à Mouraria, esta apresenta alguns índices de vitalidade, ape-sar do decréscimo da população residente e do acentuado envelhecimento desta. De facto, a Mouraria possui, relativamente a outros bairros históricos, a maior proporção de adultos em idade activa, um baixo índice de depen-dência de jovens e idosos e um razoável índice de rejuvenescimento da po-pulação.

A nova população residente no bairro não tem um peso muito significativo, porém corresponde ao grupo de jovens adultos, dos quais 40% são de ori-gem estrangeira. Existe uma grande concentração de população asiática e comparativamente a outros bairros de Lisboa, a percentagem de residentes estrangeiros é elevada. Grande parte desta vaga de imigração está ligada a actividades comerciais, nomeadamente as de origem chinesa.

Relativamente aos dados dos Censos de 2001 e 2011, observamos os se-guintes valores, relativamente à Mouraria (composta pela antiga freguesia do Socorro, S. Cristóvão e S. Lourenço e quarteirões dos Anjos, Graça e Santa Justa):

Quadro 03.8 População ResidenteFonte: INE, Censos 1991, 2001, 2011

Quadro 03.9- Percentagem de habitantes por faixa etáriaFonte: INE, Censos 2011

Lisboa Mouraria

0-14 11,6% (65 549) 10% (588)

15-24 12,7% (71 634) 9% (526)

25-64 52,1% (294 171) 56% (3264)

65 ou mais 23,6% (133 304) 24% (1366)

Pop. total 545 245 5824

Lisboa Mouraria

1991 663 394 8 617

2001 564 657 5 681

2011 545 245 5824

Evolução pop.

(2001/2011)

-3,4% +3 %

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O índice de envelhecimento na Mouraria é 2,37, sendo que a média obser-vada em Lisboa é aproximadamente de 1,72. Contudo, este valor diminuiu de 2001 para 2011, passando de 2,91 para 2,37. Relativamente aos outros grupos etários, a população entre os 0 e 14 anos e a população entre os 25 e os 64 anos aumentou sensivelmente 10% nesse período de tempo.

Relativamente à caracterização das famílias, são predominantes as famílias de uma única pessoa (44%), tal como acontece na cidade de Lisboa porém com uma percentagem menos expressiva (35%) e relativamente próximas das famílias de 2 pessoas (33%). Em ambos os casos existem poucas famí-lias com 5 ou mais pessoas residentes.

O nível de escolaridade na área de intervenção é muito baixo, contrariamen-te ao que acontece na Região de Lisboa, porém o número de jovens sem escolaridade é inferior a outros bairros da cidade. A população empregada pertence maioritariamente aos grupos profissionais mais desqualificados, sendo ainda de notar que a zona da Mouraria tem uma taxa de analfabetismo de 8%, um número muito elevado.

Caracterização socioeconómica

A cultura das freguesias da Mouraria é popular urbana sendo que a identi-dade bairrista e as rivalidades entre os bairros são um traço sociocultural importante. A malha orgânica e o seu carácter fisicamente fechado que ca-racterizam o bairro induzem uma forte relação entre a rua e a casa, sendo que a rua torna-se num prolongamento das habitações pelas suas reduzidas dimensões e os hábitos da população.

Relativamente às dinâmicas sociais da Mouraria, esta pode ser dividida em três zonas distintas. A primeira, a zona baixa, liga o bairro à Baixa de Lisboa e à Avenida Almirante Reis e é o palco da principal actividade e movimento

Lisboa Mouraria

Nenhum Ciclo 15% (84 132) 19% (1 089)

1º Ciclo do Ensino Básico Completo 19% (106 411) 25% (1 444)

2º Ciclo do Ensino Básico Completo 9% (48 746) 11% (644)

3º Ciclo do Ensino Básico Completo 13% (72 400) 15% (862)

Ensino Secundário 14% (75 166) 14% (808)

Ensino Pós- Secundário 2% (10720) 2% (103)

Ensino Superior 27%(150 056) 13% (745)

Quadro 03.10 Nível de escolaridade Fonte: INE, Censos 2011

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de pessoas. Nesta zona encontra-se um comércio de natureza popular e étnica, e por vezes ligado a produções e redes de trocas comerciais mais informais, cujos clientes vêm de diversos locais da cidade, e alguns comer-ciantes residem no próprio bairro. A segunda, a zona do bairro, corresponde ao principal núcleo habitacional de malha mais fechada e labiríntica, cujo es-tado de conservação do edificado está bastante degradado. A terceira zona é constituída pelos espaços mais resguardados relativamente ao comércio da droga, e mais expostos no caso da prostituição, situados estrategicamen-te nos eixos de ligação entre os níveis de acessibilidade da cidade.

A desertificação da função residencial das casas é a mais elevada entre os bairros históricos de Lisboa, sendo um bairro com um regime de arrenda-mento maioritário. Apesar do decréscimo de população, a densidade de ocupação territorial é elevada, tal como acontece nos restantes bairros his-tóricos.

O comércio grossista sedimentado ao longo dos anos 70 e 80, e a imigra-ção que se fez sentir desde essa altura, com a instalação dos habitantes e comerciantes vindos das rotas migratórias europeias e intercontinentais, nomeadamente de países como a Ásia, África e América do Sul, distingue a Mouraria dos restantes bairros históricos de Lisboa. O levantamento feito ao comércio na área de intervenção da Unidade de Projecto da Mouraria entre 2000 e 2002 indicava que cerca de 57% do comércio era efectuado por por-tugueses, 32% por indianos, 2% por paquistaneses, 4% por chineses e 5% por africanos (Fidalgo, 2012).

3.2 Orientação do Planeamento Urbano

O projecto de requalificação do espaço público que incide sobre o Largo do Intendente, bem como na rua do Benformoso, tem em conta os instrumentos de planeamento em vigor aplicáveis a esta área, nomeadamente o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria (PUNHM) e o Plano Director Municipal de Lisboa (PDML). Desta forma, será enquadrada de seguida a intervenção no contexto legal e administrativo.

3.2.1- Plano Director Municipal

Enquadramento no PDM: componentes ambientais e patri-moniais

A área objecto de requalificação de espaço público é composta por três freguesias: a dos Anjos, actualmente freguesia de Arroios, que abrange o Largo de Intendente e as travessas adjacentes, e a de Santa Justa e do So-corro, actualmente a freguesia de Santa Maria Maior, limitadas pela Rua do Benformoso.

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No âmbito da gestão urbanística, esta zona de intervenção insere-se na Uni-dade de Projecto da Mouraria e integra a Área Crítica de Recuperação Re-conversão Urbanística da Mouraria, “limitada a norte pela rua dos Anjos, a poente pela Av. Almirante Reis/ rua da Palma, a sul pela rua dos Cavaleiros e a nascente pela encosta Este do vale da Av. Almirante Reis” (Neves e Gon-çalves, 2011: 6). A área intervencionada insere-se na Área Histórica Habita-cional (zona a nascente do Largo e a nascente da rua do Benformoso e zona a poente da Rua do Benformoso desde o troço inicial até ao no 153), e na Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva Mista (composta pelo Largo do Intendente, Travessa Cidadão João Gonçalves e a área a poente da rua do Benformoso a partir do edifício número 153) (Neves e Gonçalves, 2011).

Foram identificadas as componentes ambientais e patrimoniais de modo a analisar os condicionamentos à intervenção no espaço. Relativamente às componentes ambientais, este é um núcleo de Interesse Histórico- zona de Vale da Avenida Almirante Reis- e confina com um eixo arborizado, denomi-nado Sistema de Corredor da Av. Almirante Reis/ rua da Palma. Em relação ao sistema de vistas, esta zona encontra-se no Subsistema de Vistas de Vale (CML, 2012). No que diz respeito às componentes patrimoniais, esta é uma área de Nível Arqueológico II que significa uma área de potencial valor arque-ológico elevado e onde se deve privilegiar uma metodologia de intervenção arqueológica prévia ao projectos de operações urbanísticas tinham impacto ao nível do subsolo.

Ainda relativamente às componentes patrimoniais, a zona de intervenção consiste numa Zona de Protecção (ZP) do IGESPAR, com quatro edifícios classificados: a fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, nos nº 24 a 25 no Largo do Intendente (cf. Fig. 03.11), o edifício de gaveto nº2 da Av. Almirante Reis com o Largo do Intendente e os edifícios nº244 e nº101-103 na rua do Benformoso (cf. Fig. 03.12). A envolvente à área de intervenção também é composta por zonas de protecção de edifícios classificados, nomeadamente a Garagem Liz no edifício da Palma, o Chafariz do Desterro e o edifício nº 1 da Av. Almirante Reis.

Para além dos edifícios assinalados nas zonas de protecção do IGESPAR existem outros edifícios classificados no Carta Municipal do Património Edi-ficado como Imóvel de Interesse Público como o Palácio do Intendente Pina Manique, no Largo do Intendente nº 49-55, o Palácio no Largo do Intendente 57-58, o edifício nº 278-294 na rua do Benformoso e as Escadinhas das Ola-rias. Relativamente aos conjuntos arquitectónicos encontramos o Conjunto Arquitectónico Av. Almirante Reis, 2 a 6, Largo do Intendente Pina Manique 1 a 58, rua do Benformoso 278 a 294 e rua da Palma 310 a 318.

Fig. 03.11 Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego

Fig. 03.12- Edifício de habitação na Rua do Benformoso, nº 101-103 Fonte: www.cm-lisboa.pt

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Objectivos gerais do PDM para a Mouraria

O bairro da Mouraria, juntamente com o Bairro Alto e São Paulo, Baixa, Cas-telo e Alfama e Pena, pertencem à Unidade Operativa de Planeamento e Gestão do Centro Histórico (UOPG 7). Como descrito no capítulo anterior, as UOPG são definidas pelo Plano Director Municipal, que aglutina as áreas territoriais “com identidade urbana e geográfica, apresentando um nível sig-nificativo de autonomia funcional e constituindo as unidades de referência para efeitos de gestão municipal” (PDM, 2012).

Os objectivos para a UOPG 7 definidos em PDM e afectos à Mouraria são: dimensionar a oferta de estacionamento visando suprir carências preexisten-tes e promover o incremento e reabilitação da função habitacional.

Os Programas e Projectos Urbanos Transversais da UOPG 7 descritos em PDM de Lisboa são:

“- Programa de dinamização do arrendamento;- Programas de intervenção prioritária nas áreas de maior vulnerabilidade à exclusão social, que potenciem as parcerias sociais e institucionais;- Programa de espaços de recreio infantil;- Programa de requalificação de fontes, lagos e chafarizes;- Programa de melhoria da gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos;- Programa de remodelação da sinalética pedonal de informação e orienta-ção cultural;” (PDM, 2012)

Relativamente aos Programas e Projectos Urbanos Específicos definidos em PDM para esta UOPG 7 estes são: “programa de intervenção estratégica de reabilitação urbana em conjuntos edificados; programa de melhoria da qua-lidade dos espaços públicos de estadia e sociabilização, e dos de elevado valor histórico” (PDM, 2012).

3.2.2- Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria

O regulamento do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria, DR 239, II série, Declaração 265/97 de 15 de Outubro de 1997, regula a ocupação, o uso e a transferência do solo da área de intervenção do mes-mo. Este plano foi alterado em fevereiro de 2014 com a revisão do PDM, aprovada a 24 de Julho de 2012 na Assembleia Municipal de Lisboa. A área de intervenção abrange parte das UOPG nº 6 e nº 7, e é delimitada como a figura 03.13 demonstra.

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Este Plano de Urbanização predomina sobre o Plano Director Municipal de Lisboa na correspondente área de intervenção relativamente aos assuntos que ambos regulamentam e define que todas as intervenções quer sejam de iniciativa pública ou privada devem obedecer às disposições que constam neste mesmo regulamento (AML, 2014). Nos termos do PDM, a área de es-tudo é de traçado urbano A, que “ correspondem a traçados orgânicos ou regulares que abrangem essencialmente o centro da formação da cidade, as frentes ribeirinhas e os antigos núcleos rurais. Os traçados orgânicos carac-terizam-se por um traçado de carácter espontâneo adequado às condições e topografia do terreno com ruas estreitas e sinuosas: Castelo, Alfama, Mou-raria; os traçados regulares caracterizam-se pela implementação de quartei-rões retangulares que sofrem torções pela adaptação da sua implantação à topografia e preexistências: Bairro Alto, Madragoa e Lapa” (CML, 2012: 78).

Esta área é considerada globalmente “como área histórica habitacional dota-da de infraestruturas urbanísticas consolidadas, de formação pré-pombalina, em geral configurada até final do século XVIII” (AML, 2014). A área abrangida pelo plano de urbanização divide-se em oito zonas: seis zonas de área his-tórica habitacional (zona de vestígios medievais, zona comercial, zona alta, zona do antigo arrabalde, zona pombalina e zona de expansão linear), uma zona de área consolidada de edifícios de utilização colectiva e uma zona de usos especiais. Segundo essa Carta de Zonamento, a área do Largo do Intendente é situada na zona AHH6 e ACEUCM1. A primeira é uma Zona de Área Histórica Habitacional 6, uma zona de expansão linear e “abrange uma área que se caracteriza por um tecido urbano pré-pombalino e gaioleiro, ao longo do eixo Benformoso-Intendente, constituída por terrenos de média di-mensão. Os edifícios, de tipologias pombalina e gaioleira, estão geralmente em mau estado de conservação. O uso do espaço é na sua maioria de ha-bitação, comércio, armazéns e escritórios” (AML, 2014). A segunda é uma

Fig. 03.13 Limite da área do Plano e área edificadaFonte: Adaptado de AML, 2014

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Zona de Área Consolidada de Edifícios de Utilização Colectiva mista 1 e “trata -se do conjunto de edifícios situados nos quarteirões com frente para a avenida Almirante Reis, que apresentam maioritariamente tipologias de gaioleiros do início do século XX mas também algumas estruturas de betão armado dos anos 50/60, em lotes de dimensão média. A ocupação é mista de comércio, serviços e habitação” (AML, 2014).

O PUNHM define que se deve privilegiar a predominância do uso habitacio-nal, sendo que a ocupação habitacional deve ser superior a 50% da superfí-cie de pavimento, a conservação e reabilitação do edificado existente garan-tindo “a preservação dos elementos arquitetónicos e patrimoniais, evitando - se a sua substituição, potenciando e reforçando a imagem singular desta área histórica” (AML, 2014). Os materiais e acabamentos só devem ser subs-tituídos em caso de degradação irreversível, devendo-se nesse caso utilizar materiais compatíveis. Está estabelecido ainda que a remoção dos azulejos, acabamento predominante na zona, é interdita.

Relativamente ao espaço público, este plano decreta que não é permitida, salvo se houver um projecto aprovado que justifique, a execução de quais-quer construções com excepção das que completem a utilização do espaço relativamente a salubridade, descanso ou lazer (AML, 2014).

3.3 A reabilitação na Mouraria: um processo em evolução

Desde o final de 2011 que a Mouraria está envolvida numa intervenção ur-banística com o intuito de restaurar o tecido arquitectónico e reorganizar o território a nível social e económico. Esta acção procura requalificar os equi-pamentos, proporcionando uma melhoria de qualidade, bem como introduzir novas práticas de utilização e apropriação do espaço público através de ac-tividades artísticas e culturais e novos modelos de desenvolvimento econó-mico. Este projecto é aplicado através do Quadro de Referência Estratégica Nacional da Mouraria (QREN), que visa a requalificação do espaço público e reabilitação de edifícios de interesse histórico e cultural, e do Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM), que complementa o primeiro e previne fenómenos de risco e pobreza e impulsiona eventos e actividades artísticas desenvolvendo projectos de acção social que incenti-vem uma nova forma de participação na vida pública do bairro. O Programa de Acção da Mouraria, intitulado “as cidades dentro da cidade” mereceu financiamento FEDER através do QREN. Estes programas serão explicados no próximo ponto.

Nesta intervenção de regeneração do território, participaram diversas es-truturas da CML, entre elas o GABIP Mouraria, as Unidades de Intervenção Territorial, a Direcção Municipal de Projectos e Obras, a Direcção Municipal de Ambiente Urbano, a Polícia Municipal bem como o programa BIP/ZIP. Algumas destas unidades já actuavam na Mouraria antes da criação do GA-BIP Mouraria, em 2011. Para além destas estruturas da CML, a intervenção contou ainda com a participação de outras actividades com actuação local:

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juntas de freguesia, associações cooperativas, clubes, Santa Casa da Mise-ricórdia, entre outras.

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, a importância dada à requalifica-ção do espaço público “como o elemento polarizador da esperada sinergia revitalizadora do bairro da Mouraria” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014) e a ligação de tecidos sócio urbanos interrompidos, contribuiu para a mudança de atitude perante o espaços público. Este foi apropriado enquanto espaço de “interacções e sociabilidades públicas e menos como espaços de mo-numentalidade e, nessa medida, reforçando a sua capacidade para promo-ver interacções socialmente mais equitativas” (Gonçalves, 2013: 3). A falta de co-responsabilização pelo espaço e pelo conforto públicos que existia na Mouraria alterou-se, com a ajuda também do trabalho de associações e serviços municipais e de acções que apelaram à responsabilidade comum pelos espaços públicos.

3.3.1 Mouraria: as cidades dentro da cidade

No início do ano de 2009 foi promovida, pela Câmara Municipal de Lisboa, uma Candidatura ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), de-signadamente ao Eixo 3: Coesão Social Política de Cidades/ Parcerias para a Regeneração Urbana- Programas Integrados de Valorização de Áreas Urba-nas de Excelência Inseridas em Centros Históricos. Esta candidatura visava requalificar o território da Mouraria, que abrange a área compreendida entre o Largo do Intendente e o Largo Adelino Amaro da Costa, mais conhecido por Largo do Caldas. A 11 de Agosto de 2009 foi celebrado o Protocolo de Financiamento que determinou o início da execução do Programa de Acção (PA) da Mouraria “As cidades dentro da cidade”. A Câmara Municipal de Lisboa ficou responsável por cinco operações: requalificação do espaço pú-blico; extensão da junta de freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço no Largo dos Trigueiros: Sítio do Fado na Casa da Severa; refuncionalização e reabi-litação do Quarteirão dos Lagares para a instalação do Centro de Inovação da Mouraria; plano de divulgação (UPM, 2009).

O Programa de Acção da Mouraria assenta num Protocolo de Parceria Local, com um grupo de parceiros constituído pela Associação Casa da Achada- Centro Mário Dionísio (CMD), a Associção Renovar a Mouraria (ARM), a As-sociação de Turismo de Lisboa (ATL), a Câmara Municipal de Lisboa (CML), o Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária (GABIP), a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL), o Instituto da Droga e Toxicode-pendência (IDT) bem como as juntas de Freguesia.

A requalificação do espaço público é a intervenção mais visível e indutora de novos comportamentos, através de um percurso longitudinal que atravessa a Mouraria entre o Largo do intendente e o Largo do Caldas e outros espa-ços contíguos da responsabilidade da Câmara Municipal. Melhoraram-se as condições de acessibilidade e mobilidade, em função da população

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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residente envelhecida. A reforçar esta iniciativa intensificaram-se as acções municipais de higiene urbana, criando equipamentos e meios mecânicos que realizem exclusivamente a limpeza, remoção orgânica e recolha selectiva no bairro, sensibilizando também a população local, particularmente a juvenil (UPM, 2009).

Estrutura do Programa de Acção “As cidades dentro da cidade”

A estrutura do Programa de Acção da Mouraria “As cidades dentro da cida-de” é composta por cinco eixos estruturantes e instrumentais, concretizados em operações e respectivas acções. As duas primeiras operações são con-sideradas “eixos estruturantes desencadeadores de novas oportunidades de mudança e de desenvolvimento” para o bairro. As três últimas operações são “eixos instrumentais integradores dos valores de identidade, memória e tradição” (UPM, 2009) e relacionam- se “através de estruturas destinadas a um uso social e da promoção do património histórico e cultural da zona” (Ferro, 2012: 40).

Eixos estruturantes:

A sustentabilidade ambiental e eficiência energética fazem também parte de um dos princípios estruturantes, sendo que se procurou reutilizar os mate-riais existentes, como basalto, calcário e granito, bem como adoptar solu-ções que reduzem os consumos energéticos.

Operação 1: Requalificação do espaço público e do ambiente urbano (CML)

Relativamente ao espaço público procurou-se que as soluções de projecto fossem coerentes, tendo

como princípio estratégico “a criação de espaços exteriores de qualidade, multifuncionais e com

soluções conceptuais que se adequem ao tecido histórico, urbanístico e patrimonial da Mouraria e

atentas às necessidades da população residente (e dos seus visitantes), assente num conjunto de

princípios estruturantes” (QREN Mouraria, 2010).

Acção 1.1 Requalificação do

Espaço Público

- Melhoria do conforto e segurança; - Requalificação da imagem urbana; - Introdução de mobiliário urbano e equipamentos adequados (cf. Fig. 03.14).

Acção 1.2 Melhoria de

Acessibilidade e Mobilidade

- Redefinição das zonas de circulação pedonal e automóvel com a criação de zonas de estadia mais funcionais e apelativas; - Condicionamento da circulação e estacionamento automóvel. A redefinição de zonas de circulação e estacionamento propostos e a requalificação urbana permitiram a disponibilização de áreas mais qualificadas para a implantação de esplanadas de apoio a estabelecimentos já existentes ou que venham a surgir (cf. Fig. 03.15).

Acção 1.3 Sinalética Acção 1.4 Estrutura de Gestão e Manutenção do Espaço Público

Fig. 03.14 Requalificação do espaço público Fonte: www.porlisboa.qren.pt/np4/634.html

Fig. 03.15- Obras de melhoria da acessibilida-de e mobilidade Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt

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Operação 2: Refuncionalização e reabilitação do Quarteirão dos Lagares para criação do Centro de Inovação da Mouraria (CML)

O Quarteirão dos Lagares é considerado um dos edifícios, juntamente com a Casa da Severa, onde a marca histórica da Mouraria se faz sentir. Neste quarteirão “foram encontradas estruturas de um jardim datável do séc. XV e cujo edificado apresenta uma planta com características identificáveis com o período islâmico-medieval.” (UPM, 2009). O conjunto edificado localiza-se entre a Rua dos Lagares e a Travessa dos Lagares (cf. Fig. 03.16, 03.17).

A intervenção é proposta com o objectivo de criar um edifício multifuncional com actividades preferencialmente de carácter económico, cultural e social: o Centro de Inovação da Mouraria (CIM). Espera-se que o CIM seja um novo pólo de atracção não só do bairro como da cidade, configurando a estraté-gia de geração de estruturas identitárias e de referência urbana na área de intervenção do Programa de Acção Mouraria (UPM, 2009). Pretende-se que sejam mantidas as “características tipológicas (a organização das depen-dências em torno do pátio, dimensões e proporções dessas dependências e sua interligação e as comunicações horizontais e verticais), morfológicas (alçados que constituem frentes urbanas, contribuindo para a unidade do tecido urbano onde se insere o quarteirão) e construtivas (técnica de taipa)” (UPM, 2009) e permitir o usufruto público do logradouro (cf. Fig. 03.18). É ainda proposta a integração das estruturas arqueológicas existentes. O pro-jecto ainda não está terminado, sendo que a sua conclusão está prevista para Outubro deste ano, segundo a Camara Municipal de Lisboa.

Fig.03.16 Interior do Quarteirão dos Laga-res antes da intervençãoFonte: quarteiraodoslagares.blogs.sapo.pt/306.html

Fig. 03.18 Modelo tri-dimensional da proposta Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt

Fig. 03.17 Vista da entrada principalFonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Eixos instrumentais:

Fig. 03.19 Edifício antes da intervenção Fonte: www.idealista.pt

Fig. 03.20 Casa da Severa Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt

Fig. 03.21 Interior da Casa da Severa Fonte: www.idealista.pt

Operação 3: Valoração das Artes e dos Ofícios (CML, e outros)

Esta operação visa a reabilitação de diversos edifícios emblemáticos da Mouraria bem como o

desenvolvimento de acções e iniciativas culturais, respondendo assim a algumas necessidades do

bairro, nomeadamente a falta de equipamentos sociais para crianças e idosos, e tentando também

resolver alguns problemas sociais preocupantes.

Acção 3.1 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia de São Cristóvão e São Lourenço em

edifício no Largo dos Trigueiros (CML). Esta acção encontra-se concluída.

Acção 3.2 Extensão das Instalações da Junta de Freguesia do Socorro em edifício na Rua da Guia

Acção 3.3 Sítio do Fado na Casa da

Severa (CML)

A Casa da Severa, onde terá vivido a fadista Severa, localiza-se no Largo da Severa e foi reabilitada para dar lugar ao Sítio do Fado. O arquitecto José Adrião foi o responsável pelo projecto. Esta obra foi concluída em 2013 e pretende reforçar o carácter identitário da Mouraria e realçar a génese da comunidade, vista como o berço do fado (cf. Fig. 03.19) Em Agosto deste ano instalou-se na casa da Severa a Maria da Mouraria que funciona como restaurante com actividades ligadas ao fado de modo a valorizá-lo e divulga-lo. Este espaço articula-se com o Museu do Fado em Alfama e está sob gestão deste (cf. Fig. 03.20, 03.21).

Acção 3.4 Acções de Redução de Riscos e de Minimização de Danos de Toxicodependência

Acção 3.5 Conhecimento e Criatividade (Instituto da Droga e Toxicodependência)

Acção 3.6 Publicação Gastronomia da Mouraria (Associação Renovar Mouraria- ARM)

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

Operação 4: Valorização Sócio - Cultural e Turística (CML, e outros)

As iniciativas desenvolvidas por associações culturais ou privados desempenham um papel importante na promoção e divulgação da Mouraria no contexto turístico. A inclusão da Mouraria nas rotas turísticas da cidade é permitida pela operação estruturante: requalificação do Espaço Público e do Ambiente Urbano. Acção 4.1 Restauro de Troço da Cerca Fernandina (CML)

O restauro do troço da Cerca Fernandina iniciou-se no âmbito da intervenção em monumentos nacionais de modo a configurar o centro histórico como atracção turística.

Acção 4.2 Reabilitação da Igreja de São Lourenço (CML)

Está prevista a reabilitação da Igreja de S. Lourenço ao abrigo do programa PIPARU, porém esta obra não se concretizou (CML, 2014).

Acção 4.3 Corredor Intercultural (CML) O “Corredor Intercultural” é o eixo da rua dos Cavaleiros e rua do Benformoso, e concentra comércio ligado à gastronomia e hábitos culturais das comunidades não ocidentais, que introduzem novos consumos e gostos e conferem ao espaço um ambiente de troca e aprendizagem. A requalificação física deste eixo procura incitar a inclusão social e valorizar a interculturalidade desde sempre patente na Mouraria.

Acção 4.4 Festival Multicultural “Há Mundos na Mouraria” (ARM)

Acção 4.5 Percurso Turístico - Cultural (ATL) Este Percurso foi criado de modo a permitir a divulgação da Mouraria nas rotas turísticas da cidade, sustentado pela colocação de sinalética direcional e de identificação dos edifícios com valor patrimonial, classificados como Monumento Nacional e como Imóvel de Interesse Público e outros integrados na Carta do Património (cf. Fig. 02.22). A Associação de Turismo de Lisboa é um parceiro da candidatura e insere a Mouraria nos seus itinerários culturais, divulgando nacional e internacionalmente o Percurso Turístico-Cultural (QREN Mouraria, 2010).

Acção 4.6 Visitas Guiadas ao Património

Histórico e Cultural da Mouraria (ARM)

Estas visitas são promovidas pela Associação Renovar a Mouraria e estão divididas consoante o interesse do visitante: percurso Mouraria dos Povos e das Culturas; Percurso Mouraria das Tradições; Percurso Mouraria do Fado; Percurso do Castelo à Mouraria; Visita à História dos Azulejos do Colégio dos Meninos Orfãos. O lema das visitas é História e estórias com gente dentro (cf. Fig. 03.23).

Acção 4.7 Publicação História da Mouraria em banda desenhada (ARM)

Acção 4.8 Edição em CD de música com referência à Mouraria (ARM)

Acção 4.9 Jornal Bimestral sobre a Mouraria “Rosa Maria” (ARM)

Este jornal teve início em 2010 e envolve não só jornalistas, fotógrafos, ilustradores e designers gráficos mas também voluntários e moradores, sendo assim produzido por todos os que queiram participar. O jornal é distribuído gratuitamente duas vezes por ano pelo bairro e está disponível on-line.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Operação 4: Valorização Sócio - Cultural e Turística (CML, e outros)

As iniciativas desenvolvidas por associações culturais ou privados desempenham um papel importante na promoção e divulgação da Mouraria no contexto turístico. A inclusão da Mouraria nas rotas turísticas da cidade é permitida pela operação estruturante: requalificação do Espaço Público e do Ambiente Urbano. Acção 4.1 Restauro de Troço da Cerca Fernandina (CML)

O restauro do troço da Cerca Fernandina iniciou-se no âmbito da intervenção em monumentos nacionais de modo a configurar o centro histórico como atracção turística.

Acção 4.2 Reabilitação da Igreja de São Lourenço (CML)

Está prevista a reabilitação da Igreja de S. Lourenço ao abrigo do programa PIPARU, porém esta obra não se concretizou (CML, 2014).

Acção 4.3 Corredor Intercultural (CML) O “Corredor Intercultural” é o eixo da rua dos Cavaleiros e rua do Benformoso, e concentra comércio ligado à gastronomia e hábitos culturais das comunidades não ocidentais, que introduzem novos consumos e gostos e conferem ao espaço um ambiente de troca e aprendizagem. A requalificação física deste eixo procura incitar a inclusão social e valorizar a interculturalidade desde sempre patente na Mouraria.

Acção 4.4 Festival Multicultural “Há Mundos na Mouraria” (ARM)

Acção 4.5 Percurso Turístico - Cultural (ATL) Este Percurso foi criado de modo a permitir a divulgação da Mouraria nas rotas turísticas da cidade, sustentado pela colocação de sinalética direcional e de identificação dos edifícios com valor patrimonial, classificados como Monumento Nacional e como Imóvel de Interesse Público e outros integrados na Carta do Património (cf. Fig. 02.22). A Associação de Turismo de Lisboa é um parceiro da candidatura e insere a Mouraria nos seus itinerários culturais, divulgando nacional e internacionalmente o Percurso Turístico-Cultural (QREN Mouraria, 2010).

Acção 4.6 Visitas Guiadas ao Património

Histórico e Cultural da Mouraria (ARM)

Estas visitas são promovidas pela Associação Renovar a Mouraria e estão divididas consoante o interesse do visitante: percurso Mouraria dos Povos e das Culturas; Percurso Mouraria das Tradições; Percurso Mouraria do Fado; Percurso do Castelo à Mouraria; Visita à História dos Azulejos do Colégio dos Meninos Orfãos. O lema das visitas é História e estórias com gente dentro (cf. Fig. 03.23).

Acção 4.7 Publicação História da Mouraria em banda desenhada (ARM)

Acção 4.8 Edição em CD de música com referência à Mouraria (ARM)

Acção 4.9 Jornal Bimestral sobre a Mouraria “Rosa Maria” (ARM)

Este jornal teve início em 2010 e envolve não só jornalistas, fotógrafos, ilustradores e designers gráficos mas também voluntários e moradores, sendo assim produzido por todos os que queiram participar. O jornal é distribuído gratuitamente duas vezes por ano pelo bairro e está disponível on-line.

Fig. 03.22 Sinalética do Percurso Turístico-Cultural

Fig. 02.23 Percurso Mouraria dos Povos e das Culturas Fonte: www.renovaramouraria.pt

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Operação 5: Plano de Divulgação e Comunicação do Programa de Acção (CML)

Este plano pretende dar a conhecer, junto de uma vasta população, as ini-ciativas do Programa de Acção (PA) da Mouraria, o seu desenvolvimento e concretização através de diferentes meios e suportes. O património cultural é também divulgado, pois tal como defendem algumas cartas internacionais (Atenas ou Veneza) “a melhor estratégia para a salvaguarda do património é a promoção do seu conhecimento para que as populações possam dele apropriar-se” (UPM, 2009). O site onde foi consultado o PA é o maior agente de divulgação, “com identificação e descrição das operações que integram o PA, bem como de todos os projectos e relatórios produzidos no seu qua-dro; identificação do Protocolo de Parceria Local com link para os sites dos parceiros; notícias sobre iniciativas e estado dos trabalhos; divulgação dos calendários de eventos das diferentes comunidades presentes no bairro e de iniciativas promovidas pela Parceria; os apoios à reabilitação existentes; pro-moção de um guia de recursos da Mouraria; e apresentação de uma galeria multimédia” (UPM, 2009).

A divulgação no terreno do PA Mouraria, “as cidades dentro da cidade” foi feita através de outdoors, com a sua descrição e identificação em planta e a descrição do programa nos edifícios intervencionados (cf. Fig. 03.24).

3.3.2- Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM)

O compromisso de realizar este PDCM, de uma forma aberta e participada, deu-se em 2010 numa reunião realizada pela Associação Renovar a Moura-ria, a organização comunitária que opera na Mouraria desde 2008, e a Câ-mara Municipal de Lisboa assim como algumas das instituições que actuam na Mouraria, nomeadamente associações locais, juntas de freguesia e pa-róquias. Este programa de desenvolvimento procurou colmatar a carência de um plano social integrado para este território e dar coerência à actuação

Fig. 03.24 Outdoor de divulgação do PA Mouraria Fonte: aimouraria.com-lisboa.pt

Fig. 03.25 Imagem do vídeo de apresentação do projecto de requalificação da Mouraria, 30 Setembro 2011Fonte: http://vimeo.com/29968011

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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do Programa de Acção da Mouraria, dando assim um rumo ao impacto da in-tervenção e às mudanças que ocorreram no bairro. O orçamento inicial foi de um milhão de euros, procurando posteriormente reforçar essa quantia atra-vés de candidaturas a financiamentos públicos nacionais e internacionais. O arranque das acções foi previsto inicialmente para Maio de 2012, sendo que a primeira versão do PDCM foi concluída em 2011, tendo-se depois validado o mesmo junto da população de modo a obter detalhadamente o plano de acção de 2012. Foi promovida a capacitação das instituições e população locais e um desenvolvimento comunitário pois acredita-se que “a liberdade e a cidadania plena só se atingem com o desenvolvimento integral dos indi-víduos e comunidades” (CML, 2011b).

Os desafios com que se deparou o Programa de Desenvolvimento Comu-nitário da Mouraria, sendo que alguns permanecem actuais, são “uma per-cepção generalizada de insegurança, um elevado número de pessoas em situação de prostituição, toxicodependência e/ou sem-abrigo, as consequ-ências de uma população envelhecida, a forte presença de comunidades imigrantes, o tráfico de droga, um certo fechamento face ao exterior e algu-ma degradação urbana e do espaço público” (CML, 2011b). Estes factores colocam alguns problemas, pois por um lado, os elevados níveis de pobreza e exclusão social limitam a felicidade, a liberdade, a participação e a mobili-dade dos habitantes da Mouraria. Por outro lado, o estigma de degradação urbana e social são cerceadores do potencial da Mouraria para atrair novos investidores, visitantes e habitantes.

De uma maneira genérica, o que se visa alcançar com o PDCM é a “diminui-ção dos fenómenos de exclusão e pobreza, a melhoria da qualidade de vida e uma maior abertura do território à cidade” (CML, 2011b). Pretende-se que a reabilitação urbana tenha uma repercussão positiva nos habitantes e nas comunidades, definindo-se assim um conjunto de objectivos:

“A médio prazo: 1 Melhores oportunidades de emprego; 2 Maior formação e qualificação; 3 Maior capital social e participação; 4 Maior utilização e fruição do espaço público (por parte de moradores e visitantes); 5 Maior acesso à saúde; 6 Promoção da identidade e valorização da Mouraria (interna e externa); 7 Capacitação das instituições da sociedade civil a actuar na Mouraria.A longo prazo: 8 Maior coesão social e qualidade de vida na Mouraria; 9 Maior auto-estima da população (individual e colectiva); 10 Maior diversidade socio-económica da população da Mouraria (moradora e visitantes); 11 Maior sentimento de segurança; 12 Instituições da sociedade civil mais robustas e participativas.”

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O Programa de Acção Mouraria e o PDCM abrangem um território muito vas-to, e “expandem o território do bairro exponencialmente, delineando novos limites e abrangendo novas zonas” (Ferro, 2012: 66). De facto, o Largo do Intendente não era considerado parte da Mouraria até à implementação des-tes planos. Estes dois planos redefiniram territorialmente a Mouraria, trazen-do consigo “importantes significados simbólicos e sócio-espaciais” (Ferro, 2012: 68) e criam uma nova entidade e identidade “dentro da qual os seus habitantes reproduzem práticas e representações que definem o bairro” (Fer-ro, 2012: 68). Esta quebra de barreiras sugere também um atenuar da ideia de segregação de bairro fechado, “esta, pelo contrário, renova a introdução de uma acção exógena, que favorece novos modelos de apropriação dos recursos materiais e imateriais que o bairro tem” (Ferro, 2012: 68).

3.3.3 Incentivos à reabilitação urbana

BIP/ ZIP

Como foi explicado no capítulo anterior, a estratégia BIP/ ZIP incide nos bair-ros e zonas de intervenção prioritária de Lisboa definidos por delimitações municipais existentes e indicadores sociais e urbanos. Relativamente ao pri-meiro, a Mouraria localiza-se na Área crítica de recuperação e reconversão urbanística. Procurou-se estudar os indicadores sociais e urbanos de modo a enquadrar a zona em estudo na estratégia BIP/ZIP. Foram analisados os indicadores pertencentes às freguesias anteriores à reorganização, ou seja Anjos e Socorro, por se tratarem dos dados que levaram à limitação destas zonas como BIP/ZIP.

Indicadores socioeconómicos: índice social

O ATLAS do Programa Local de Habitação, relativo aos Censos de 2001, ser-viu de apoio à caracterização dos indicadores socioeconómicos. Destaca-se que a freguesia do Socorro tem das percentagens mais altas de prestações sociais, 23%, enquanto o resto da cidade apresenta valores de 10%, e as freguesias de Anjos e Socorro, correspondentes ao Largo do Intendente e Mouraria, têm um total de subsídio de desemprego de entre 5 a 8 %. Relati-vamente à concentração de beneficiários do complemento social de idosos ,estas duas freguesias apresentam o nível mais elevado da cidade, entre 2 a 5%. Estes dados podem ser explicados pelo facto de se tratarem de duas das freguesias históricas mais envelhecidas da cidade.

O índice social é calculado a partir da seguinte fórmula:Concentração de população não empregada + concentração de população residente menos qualificada.

A zona da Mouraria e Largo Intendente possuem um índice social que se en-contra aproximadamente entre -0,432753 e 1,797918, um valor relativamen-te elevado, visto que o intervalo mais baixo é entre - 5,8 e -1,5 (CML, 2010).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Indicadores socioeconómicos: índice urbano

Tal como no ponto anterior, O ATLAS do Programa Local de Habitação serviu de base ao cálculo do índice urbano. As freguesias de Socorro e dos Anjos possuíam, em 2001, 588 e 1000 edifícios respectivamente, com idade média de 47,6 e 65,3 anos, sendo que entre estes 128 e 146, respectivamente, ne-cessitavam de reparação. Relativamente aos alojamentos vagos, a freguesia do Socorro tem 867 alojamentos vagos e a dos Anjos 1387. A cobertura de rede de transportes públicos, de equipamentos de proximidade de creches e pré-escolar foi também analisada.

O índice urbano é calculado a partir de:Taxa de esforço de recuperação de edifícios+ Concentração de alojamentos vagos+ Idade média dos edifícios,

A zona da Mouraria e do Largo do Intendente caracterizam-se por um eleva-do índice urbano (CML, 2009).

De modo a delimitar os BIP/ZIP foi elaborada a Carta da fractura sócio-terri-torial, através da filtragem destes índices, para apurar as zonas mais defici-tárias do ponto de vista socioeconómico e urbanístico, e da sobreposição da carta das delimitações municipais.

A área envolvente ao eixo da Av. Almirante Reis não constava na primeira carta BIP/ZIP, porém foi incluída após o debate público da Carta por apre-sentar carências sociais e urbanísticas relevantes, merecedoras de inclusão na Carta dos Bip/Zip (CML, 2010).

Orçamento Participativo

No âmbito do orçamento participativo, diversas propostas para o território da Mouraria fizeram parte dos projectos mais votados nas edições de 2011 e 2012. Estes projectos surgem como um complemento às obras que se desenvolveram, assumindo-se como a vertente humana da obra física da Mouraria e dando assim uso às infraestruturas criadas.

A proposta Há Vida na Mouraria foi a vencedora do Orçamento Participativo na sua quarta edição, de 2011/2012, e visa melhorar o quotidiano de quem vive no bairro lisboeta executando medidas sociais em paralelo com o pro-grama de reabilitação do espaço. Este projecto tem um custo de um milhão de euros que foi aplicado no PDCM.

O Centro de Inovação da Mouraria (CIM) venceu na categoria de projectos de maior dimensão, entre 150.000 e 500.000 euros, na edição de 2012/2013. Terá um custo de 400.000 euros e propõe um centro de desenvolvimento so-cial, económico e cultural no Quarteirão dos Lagares. O CIM visa promover e desenvolver a aprendizagem e formação profissional, dando um enfoque à

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

recuperação dos ofícios tradicionais em Lisboa.

Este centro insere-se no projecto de reabilitação do Quarteirão dos Lagares realizado no âmbito do QREN e ainda se encontra em desenvolvimento. A conclusão do projecto para este quarteirão está prevista para o fim do mês de Outubro deste ano.

A Casa da Mobilidade da Mouraria foi o projecto mais votado na categoria de projectos até 150.000 euros, e visa promover a mobilidade através de estágios de formação e de trabalho efectivo, para a comunidade e em pro-jectos da comunidade, contribuindo assim para a experiência internacional e o empreendedorismo cívico dos trabalhadores.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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04. O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

4.1 A construção histórica de um espaço central

4.2 O processo de reabilitação 4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental do Largo do Intendente/ Rua do Benformoso 4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação 4.3 A sustentabilidade da intervenção

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O LARGO DO INTENDENTE: UMA REVOLUÇÃO EM CURSO

“O espaço público deve ser considerado fundador da cidade; no fun-do, o espaço público é a cidade” (Indovina, F., 2002).

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

4.1 A construção histórica de um espaço central

O Largo do Intendente pertence à freguesia de Arroios, antiga freguesia dos Anjos criada por volta de 1563, cujo nome se deve à sua sede que foi uma ermida sob a invocação dos “Santos Anjos”. A freguesia dos Anjos era uma zona importante da cidade na medida em que fazia a ligação de uma manei-ra privilegiada com os arredores de Lisboa através de uma marcante via de comunicação; a designada Estrada de Sacavém (cf. Fig. 04.1). Este factor, juntamente com a sua riqueza em barro e água, foi importante para a fixação da população na área. O Largo resulta, em termos urbanísticos, do alarga-mento da Rua dos Anjos, por volta de 1810, com o objectivo de solucionar o estrangulamento viário que existia no principal acesso Norte da cidade (Neves e Gonçalves, 2011) (cf. Fig. 04.2, 04.3, 04.4).

O Largo do Intendente Pina Manique deve o seu nome ao Palácio do Inten-dente Geral da Polícia, Diogo de Pina Manique, construído no reinado de D. Maria I entre a Rua Direita dos Anjos e o Beco dos Emprenhadores. A construção do Palácio torna o Largo num lugar atractivo ao estabelecimento por parte dos nobres da sua residência (cf. Fig. 04.5, 04.6). “Com os novos edifícios o largo ganha forma e beleza, acabando o nome do palácio do In-tendente a identificar o local” (Neves e Gonçalves, 2009: 18). As grandes casas nobres sofreram algumas alterações ao longo do tempo, sendo que o espaço foi subdividido em compartimentos de pequenas dimensões e sem condições de habitabilidade, e foram posteriormente ocupados por arma-zéns ou escritórios que não contribuíram para a sua valorização.

O Largo vai-se consolidando ao longo do século XIX, ganhando maior mo-numentalidade em 1824 com a construção do chafariz do Intendente, cons-truído para abastecer esta zona bastante movimentada (cf. Fig. 04.7). Este foi transferido em 1917 para a actual Almirante Reis, na altura Av. D. Amélia,

Fig.04.1 Rua dos Anjos, uma das saídas mais importantes de Lisboa Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt

Fig. 04.5 O Largo do Intendente Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt

Fig. 04.2 Planta1856-58Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.3 Planta1911Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses

Fig.04.4 Planta 1950Fonte: Gabinete Estudos Olisiponenses

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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possivelmente devido à confusão e ao trânsito existentes no Largo. Em 1849 é construída a Fábrica de Produtos Cerâmicos António da Costa Lamego entre o muro que delimitava o Convento do Desterro e a Quinta dos Caste-linhos, onde algumas das obras mais significativas da azulejaria portuguesa do século XX foram realizadas e que representa a revolução industrial no Largo. Em 1978 parte da fábrica foi classificada como Imóvel de Interesse Público.

Júlio de Castilho descreve esta zona, na sua altura mais movimentada e vivida, como “O nosso largo do Intendente, de bulhenta e insuportável me-mória. É dos sítios mais trilhados e rumorosos da Lisboa moderna. (E se não calcule-se) Por ali passam sempre, a toda a hora, inumeráveis pessoas a pé, a cavalo, em burro, em tilbury, em coupé, em dog-cart, em caleche, em landau, para o campo, e para todos aquêles hoje povoadíssimos arrabaldes. Além disso passam todos os carretos que por aquela banda vêm abastecer os mercados da capital, todos os leiteiros, todos os hortelões, todas as la-vadeiras, todos os moleiros, todos os almocreves, do têrmo dos lados do norte. Passam mil vendeiros de hortaliça, de petróleo, de azeite, de água, de peixe, de fato velho, de tudo enfim. Passam os estridentes caldeireiros, e os que deitam gatos; cada qual com o seu pregão diverso. Passam os padeiros de carroça, com a sua matraca infernal. Passam constantemente, para baixo e para cima, os americanos, os carros de bois, os churriões, as caleças, as diligências, e os charc-a-bancs, que seguem viagem para o Lumiar, o Cam-po Grande, Odivelas, Benfica, o Rêgo, Caneças, o Jardim Zoológico, etc., etc. Toda esta faina indescriptível começa às duas da madrugada, e (sem interrupção de um segundo) acaba ... às duas horas da madrugada do dia seguinte; por outra: não acaba“ (Castilho, 1936: 248).

O largo torna-se num importante local de passagem e de muito trânsito, quer pedonal como de mercadorias de abastecimento à cidade, até a abertura da Avenida Almirante Reis. Em meados do século XX a prostituição que se ins-tala no largo e nas ruas envolventes acentua o processo de degradação da zona, sendo que os toxicodependentes e o tráfico de droga que existiam no Casal Ventoso se instalam no largo após a intervenção camarária que ocor-reu naquela zona. O Intendente torna-se num dos locais mais degradados da cidade do ponto de vista social e do seu edificado.

Relacionando com a intervenção, as potencialidades locais existentes são assim “a potencialidade cultural resultante do encontro de gentes de di-versas culturas e o valor patrimonial urbanístico e ambiental resultante da singularidade da sua envolvente arquitectónica a par de uma origem rela-cionada com a presença do elemento água” (Neves e Gonçalves, 2011: 5). Neste espaço coexistem várias épocas distintas e existem diversos imóveis classificados e inventariados. O lado nascente é marcado por um traçado medieval modelado pelo respeito da sinuosidade da via pré-existente que finda no Largo com a existência de edifícios apalaçados setecentistas. O lado nascente confronta-se com o lado poente, de época posterior, com

Fig. 04.6 Palacete Pombalino Fonte: Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.7 Chafariz do Desterro Fonte: lisboahojeeontem.blogspot.pt

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influência parisiense e uma estrutura, “rectilínea, onde dominam construções de meados do século XIX e um dos ícones da Arte Nova lisboeta, o edifício de gaveto datado de 1907, da autoria do Arquitecto Adães Bermudes” (Ne-ves e Gonçalves, 2009: 19) (cf. Fig. 04.8, 04.9).

A presença de água, cuja importância para o projecto e valorização será descrita mais à frente, é visível com a presença de uma infraestrutura de saneamento no subsolo, e um colector com dimensões significativas, de-signado o “Cano” do Intendente. Estes aspectos estão relacionados com a passagem da Ribeira dos Anjos devido à inserção do largo no sistema de vale da Avenida Almirante Reis. Esta forte presença pode ainda ser visualiza-da na zona Sul do Largo com a presença de uma fonte “Taça”, em calcário, colocada no Largo no início do século XX como bebedouro para os animais (cf. Fig. 04.10). A existência de quatro plátanos de grande porte reforça esse elemento da água.

Enquadramento sócio demográfico do tecido urbano onde se integra o Largo do Intendente

De modo a analisar e estudar o processo de requalificação do Largo do In-tendente, foi considerado importante caracterizar este território do ponto de vista socio demográfico tendo em conta a análise feita anteriormente, re-lativamente à Mouraria, sendo que o Largo faz parte da área do Plano de Urbanização da Mouraria assim como do Programa de Acção da Mouraria.

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, “o pequeno espaço residencial em volta do Lg. do Intendente em 2011 apresentava um conjunto interessante de indicadores de vitalidade demográfica. O nível de ocupação residencial aumentou, tendo baixado o número de alojamentos familiares vagos, pos-suindo agora perto de 20% de alojamentos vagos quando em 2001 eram perto de 30%” (Gonçalves, 2013: 2).

O número de residentes em idade activa aumentou consideravelmente, sen-do que entre 2001 e 2011 o número de residentes homens duplicou, “deten-do em 2011 uma capacidade regenerativa da população ativa ao contrário das freguesias dos Anjos e S. Cristóvão, que detêm um elevado índice de envelhecimento. Mas simultaneamente no tecido do Intendente a taxa de de-semprego é mais elevada (17,90%) no conjunto das freguesias de inserção e vizinhança” (Gonçalves, 2013: 2). A escolaridade dos residentes mantém--se baixa, porém a percentagem de residentes com nível de escolaridade superior aumentou 6% entre 2001 e 2011, passando de 8% para 14%. Este número é mais elevado do que a freguesia de Socorro, com 12%, e inferior às freguesias de S. Cristóvão e Anjos, com 20%.

Relativamente à convivialidade e segurança, o Largo apresentava um elevado

Fig. 04.8 Lado poente

Fig.04.9 Lado nascente

Fig.04.10 Taça usada como bebedouro para os animais, início século XX Fonte: Neves e Gonçalves, 2011

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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deficit entre 2002 e 2009, “embora ali funcionassem alguns serviços de es-pectro largo - centro de Saúde da área dos Anjos, uma escola profissional ligada e atividades económicas e comércio - as práticas de tráfico de droga e prostituição eram consideravelmente perturbadoras, com a consequente concentração de consumidores toxicodependentes” (Gonçalves, 2013: 2).

De modo a obter uma análise mais sustentada e profunda deste Largo, pro-curou-se estudar os edifícios que o delimitam e dão lugar à ocorrência de dinâmicas variadas. Recorrendo aos censos de 2011, recolheu-se assim os dados relativos a cada quarteirão que constitui a envolvente do Largo.

Como é possível observar através dos dados relativos aos Censos de 2011 e de uma observação local, os edifícios que definem o Largo apresentam um número relativamente baixo de ocupantes permanentes, prevalecendo assim a população flutuante nas residências e hostels. Essa situação deverá manter-se, uma vez que estão previstos uma residência de estudantes e uma unidade hoteleira. Este facto é importante quer para a dinâmica do Largo quer para a sua sustentabilidade.

Factores indutores da transformação do Largo do Intendente

Segundo a socióloga Estela Gonçalves, a progressiva saída da “guetização” que marcava o Largo “resultou na conjugação de um conjunto de factos que em associação foram congregando sinergias sociais positivas, alterando a atitude dos políticos, técnicos e dirigentes municipais, associações e insti-tuições, residentes, os cidadãos; no fundo, o conjunto dos diversos actores públicos e da sociedade civil e dos lisboetas em geral para com este lugar da cidade” (Gonçalves, 2013: 3).

Estes factores são a oportunidade do programa QREN, que apresenta ob-jectivos a curto prazo, integrando vários projectos e comprometendo a par-ticipação conjunta de diversos actores pois sustenta-se num protocolo de parceria.

Quarteirão A

Quadro 04.11 Pop. Residente, no famílias, alojamentos e edifícios por quarteirão. Fonte: INE, Censos 2011

Quarteirão B

Quarteirão C

Quarteirão D

CAPITULO 04

Quarteirão População

residente Famílias Alojamentos Edifícios

A 12 5 19 4

B 10 5 13 4

C 39 22 26 9

D 182 95 136 42

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Ganhou-se assim um “espaço novo de confiança, nomeadamente o interes-se público e privado.” As associações localizadas no território, com diversos objectivos sociais, e descritas mais à frente, articulam-se com as associa-ções existentes mais tradicionais e antigas, o que constitui outro factor muito positivo. O Festival Todos, que ocorreu pela primeira vez em 2009, revelou o interesse político municipal pelo bairro da Mouraria, e trouxe “consigo a prática de consumo cultural urbano da multiculturalidade” (Entrevista a Gon-çalves, E., 2014). Finalmente, a diversidade de culturas, presente na forte densidade étnica da Mouraria, e a sua história, são muito importantes para a caracterização do bairro antigo, que tem vindo a ganhar importância como estilo de vida e prática urbana por alguns segmentos sociais.

O Largo na comunicação social

Foi considerado importante a análise da opinião e informação da comuni-cação social antes da reabilitação do Largo, na medida em que para muitas pessoas o conhecimento que possuíam deste local era através deste meio devido à estigmatização a que esteve associado.

Segundo o Google Trends, o tópico “Largo do Intendente” foi pesquisado com maior frequência a partir do ano de 2012, altura em que foram conclu-ídas as obras no Largo. Este factor não é uma avaliação porém é represen-tativo.

Fig. 04.12 Evolução da pesquisa pelo tópico “Largo do Intendente” Fonte: Google.com/trends

Fig.04.13 Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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4.2 O processo de reabilitação

4.2.1 Projecto de requalificação urbanística e ambiental do Largo do Inten-dente/ rua do Benformoso

O projecto de Requalificação do Largo do Intendente/ Rua do Benformoso é da autoria dos Arquitectos Maria Cristina Neves e Paulo Gonçalves da Direc-ção Municipal de Projectos e Obras da Câmara Municipal de Lisboa, em co-laboração pluridisciplinar com técnicos de vários departamentos da Câmara Municipal de Lisboa, desde a sociologia à história e património. Os autores do projecto têm vindo a trabalhar em habitação social, nomeadamente em Chelas, Olivais, Alcântara, e por consequência no espaço público das no-vas áreas residenciais. A vasta experiência e o trabalho efectuado levaram à encomenda do projecto por parte da Câmara, sendo que já tinham sido efectuadas diversas propostas por parte de arquitectos da Câmara porém nenhuma obteve a aprovação pois “eram mais marcantes e considerou-se que entravam em colisão com o espaço” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014). As obras começaram no final de 2011 e terminaram em 2012 (cf. Fig. 04.14).

Na entrevista realizada aos arquitectos, foi questionada a colaboração e dis-cussão com outros actores ou locais e a sua aceitação. O arquitecto Paulo Gonçalves refere que “a comunicação e o contacto com a população foram constantes e uma preocupação. Foi feita uma leitura do local e ouvido o feedback por parte dos actores locais (...) porém foi feita uma triagem, sem a qual não havia projecto” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014). O projecto foi bastante discutido por vários actores, e apresentado às pessoas do bairro e Junta de Freguesia, “nomeadamente as questões do trânsito, um elemento fulcral para as pessoas em geral” (Entrevista a Gonçalves, P. 2014). Segundo os arquitectos, a proposta foi muito bem aceite por parte dos habitantes do bairro, tendo estes feito algumas sugestões que foram tidas em contas no projecto, nomeadamente como a existência de estacionamento no Largo.

Este projecto tem por base os princípios que orientam o Programa Preliminar elaborado no âmbito da candidatura ao QREN, assim como os Instrumentos de Planeamento em vigor aplicáveis à área de intervenção, nomeadamente o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria e o Plano Direc-tor Municipal de Lisboa, descritos no capítulo anterior. A área afectada pelo projecto de requalificação tem cerca de 8450 m2 e é composta pelo Largo do Intendente, a Rua do Benformoso, a Travessa do Benformoso, a Travessa Cidadão João Gonçalves e a Travessa da Cruz dos Anjos (cf. Fig. 04.15).

Fig. 04.14 Obras no Largo do Intendente Fonte: www.aimouraria.cm-lisboa.pt/

Fig. 04.15 Limite da área de intervenção Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

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A candidatura ao QREN, como já foi descrito no capítulo anterior, tem como objectivo requalificar urbanística e ambientalmente o espaço público de uma grande parte da área da Unidade de Projecto da Mouraria, abrangendo dois eixos do território. O primeiro é composto por pequenos largos e arruamen-tos articulados em torno da rua do Marquês de Ponte de Lima e da rua das Farinhas, um eixo estruturante do bairro, e é alvo de um projecto de requalificação de autoria privada. O segundo, mais linear, abrange a Rua do Benformoso e Largo do Intendente e é da responsabilidade da Câmara Mu-nicipal de Lisboa. Paralelamente à reabilitação do edificado, a intervenção no espaço público irá contribuir para a revitalização das actividades econó-micas presentes, como restaurantes, e proporcionará uma nova atratividade ao comércio tradicional. A requalificação do espaço público da Mouraria foi a vencedora do prémio IHRU 2013 na categoria de reabilitação de espaço público.

A proposta de requalificação do espaço público tem implícita a necessidade de uma intervenção estrutural que qualifique o meio urbano. Esta baseia-se no pressuposto de que a curto e médio prazo, “a introdução de mais-valias ao nível do espaço público se repercutirá, inevitavelmente, no tecido social do Bairro, quer pelo incremento das condições de utilização do espaço pe-los actuais moradores, como pela possibilidade de, melhorando as infra-es-truturas e salvaguardando as excepcionais condições naturais e ambientais presentes, atrair novos visitantes, revitalizando a vivência e a interacção so-cial do Bairro, importantes indicadores da qualidade de vida urbana” (Neves e Gonçalves, 2011: 8). As acções devem assim dignificar e humanizar os es-paços tornando-os mais atractivos do ponto de vista habitacional, turístico e lúdico e contribuir para uma leitura homogénea do local. O projecto visa assim uma actuação integrada, sustentável e fundamentada, que se articule com as entidades intervenientes no local.

Foi apresentado um programa de intenções, “enquadrar um espaço versátil, multifuncional que permitisse eventos, a instalação de esplanadas, favore-cendo um certo tipo de comércio e restauração” a partir do qual os arquitec-tos estabeleceram prioridades, sendo que “a primeira prioridade, proposta nossa, foi reformular o trânsito.” Tendo em conta todos os elementos presen-tes, “procurou-se fazer uma leitura contemplativa, não tanto proactiva, uma leitura de quem está a olhar para o exterior. Um espaço que se diluísse no espaço existente” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014).

A melhoria das acessibilidades é uma das premissas do projecto, tendo sido propostas soluções construtivas que melhorem a acessibilidade e capaci-dade de usufruto do espaço por parte de pessoas com mobilidade reduzida apesar da impossibilidade de aplicar na íntegra o Decreto-Lei nº 163/2006 de 8 de Agosto, que diz respeito à promoção da acessibilidade na medida em que constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas. As características físicas e morfológicas, bem como a qualificação como área histórica da cidade que afecta um conjunto de pré- existências e impõe condicionamentos ao nível da preservação da imagem, dificultam o cumpri-mento dessa lei.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Segundo a memória descritiva cedida pelos arquitectos responsáveis pelo projecto, este desenvolve-se em torno da água, o elemento mais importante de qualquer povo. “Presença constante tanto à superfície como no subsolo, constitui o elemento simbolicamente unificador do projecto – representa a travessia mas também o porto de chegada sendo o denominador comum da história de todas as culturas oriundas de diferentes geografias que viveram e vivem no bairro da Mouraria, tanto por opção como por força das circuns-tâncias” (Neves e Gonçalves, 2011:9).

Circulação automóvel e estacionamento

A circulação pedonal em condições de segurança e conforto é muito difícil no bairro da Mouraria devido às zonas de conflito na estrutura viária, nome-adamente o perfil transversal irregular das vias de circulação e os passeios estreitos.

A melhoria do sistema de acessibilidade e mobilidade constitui assim um dos principais objectivos do projecto, na medida em que a rede de circulação é um impedimento à qualidade do espaço público do bairro e contribui para “um isolamento socioeconómico, penalizador da vivência urbana” (Neves e Gonçalves, 2011: 10). O estacionamento ilegal e abusivo, que resulta da in-definição dos limites do espaço viário e das áreas reservadas ao estaciona-mento, prejudica as condições de segurança no usufruto do espaço público.

O sentido do tráfego é alterado de modo a reduzir os pontos de conflito da estrutura viária e facilitar o acesso ao Largo. Anteriormente o tráfego proce-dia-se de Sul para Norte e o acesso ao Largo era feito pela rua do Benformo-so, sendo que actualmente a saída do Largo é efectuada a Sul, através do troço Norte da rua do Benformoso (cf. Fig.04.16).

Fig. 04. 16- Circulação viária existente e proposta Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

O perfil transversal das vias é alterado de modo a reestruturar a circulação pedonal criando uma faixa contínua de circulação para os peões. O perfil tipo é constituído por uma faixa de circulação automóvel com 3,5 metros de largura e faixas de estacionamento longitudinal com 2 metros de largura. Os passeis têm larguras variáveis, geralmente não inferiores a 1,20 metros, pois acompanham a irregularidade da implantação dos edifícios. O lancil de calcário que separa a via de circulação dos veículos, o estacionamento e os passeios possui 2 cm de desnível e uma espessura de 0,13 ou 0,30 metros.

O Largo era um todo viário com uma ilha pedonal e passeios muito estreitos, dificultando a mobilidade ao longo destes, que se processava de maneira deficiente e pouco funcional. Era dada maior predominância ao uso do es-paço público para circulação viária em detrimento da utilização pedonal (cf. Fig.04.17). “O projecto inverte esta situação com a localização de uma única faixa de circulação ao longo do conjunto nascente, ligando a rua dos Anjos à rua do Benformoso” (Neves e Gonçalves, 2011: 12).

São propostos 75 lugares de estacionamento, nomeadamente 25 no Largo do Intendente, 12 na Travessa Cidadão João Gonçalves, 10 na Travessa do Benformoso e 28 na rua do Benformoso. Este número é escasso relativamen-te às necessidades locais, pelo que a Unidade de Projecto da Mouraria está a estudar alternativas de estacionamento nas proximidades da intervenção.

A rua do Benformoso, como descrito acima, é uma das vias mais emble-máticas do bairro sendo que a sua geometria é definida pela implantação irregular do conjunto edificado. Propõe-se a introdução de uma faixa de es-tacionamento e passeios mais amplos no troço entre a Rua do Terreirinho e o Largo do Intendente. O espaço entre a rua do Terreirinho e a rua do Ben-formoso, onde se encontra um chafariz, é substituído introduzindo degraus permitindo atravessamentos sem obstáculos e uma leitura clara do espaço. O passeio é composto por calçada de vidraço e a circulação automóvel por blocos irregulares de basalto (cf. Fig. 04.18). De modo a promover a mobili-dade pedonal, que se processava no passeio e na via devido à reduzida área pedonal disponível, introduziu-se uma faixa lateral de cubos de granito com acabamento serrado aumentando o conforto e a segurança da circulação pedonal.

Os materiais utilizados no Largo do Intendente são blocos irregulares de basalto quer na circulação automóvel quer no estacionamento, calçada de vidraço no passeio e lancil calcário no lancil separador (cf. Fig. 04.19). A pas-sadeira é constituída por cubos de calcário.

Largo do Intendente

O espaço público do Largo permite a instalação de esplanadas e a ocorrên-cia de eventos, que dinamizarão a interacção social do bairro possibilitando

Fig. 04.17 Largo antes da intervenção: um todo viário e uma ilha pedonalFonte: Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.18 Estereotomia de pavimento da rua do Benformoso Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.19 Estereotomia de pavimento da rua do Largo do Intendente, circulação e estacionamento Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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assim o “exercício de uma cidadania plena”. (Neves e Gonçalves, 2011: 9)

A reestruturação viária descrita no ponto anterior cria espaços pedonais am-plos, o que permite a existência de sinergias funcionais. Os espaços de es-tada criados estão ligados com o edificado e as preexistências do espaço público. “Dada a geometria irregular do Largo, a concepção deste espaço deverá possibilitar uma apreensão formal clara e contextualizada pelos uti-lizadores, com pontos de referência que introduzam relações de escala e organização espacial. Por outro lado pretende-se que seja indutor dos objec-tivos funcionais expressos: atravessamento e estadia” (Neves e Gonçalves 2011: 12). O desenho do largo sintetiza estas duas ideias, dando importância ao eixo rua da Palma/ rua dos Anjos, que se inicia com o edifício de gaveto do Arq. Adães Bermudes e alterando o pavimento junto da Taça existente de modo a induzir a estadia nessa área, que posteriormente, e como previsto, foi ocupada por esplanadas. Existe uma faixa para veículos de emergência com cerca de 4,5 metros de largura integrada no espaço pedonal balizada nos seus acessos Norte e Poente por pilaretes amovíveis.

Os materiais utilizados foram escolhidos de modo a que se integrassem no conjunto das preexistências, sendo que o material predominante é a calçada de vidraço, pautada por um eixo composto por uma sucessão de lajetas de lioz dimensionadas e localizadas pela métrica dos plátanos existentes e re-produzidas nas novas plantações (cf. Fig. 04.20). O tratamento do pavimento influencia as diferentes formas de utilização do espaço, porém os arquitec-tos responsáveis pela proposta defendem uma atitude pouco intrusiva que respeite o desenho e os materiais tradicionais, os valores patrimoniais e a autenticidade do local: “esta opção traduz, não só uma preocupação com a sustentabilidade económica e ecológica, mas também com a preservação de uma imagem urbana associada ao espaço público nos bairros históricos, mesmo que, nalguns dos espaços da Mouraria, esta tenha sido criada de-pois de 1940” (Neves e Gonçalves, 2011: 8).

Fig. 04.20 Estrutura pavimentada do Largo Fonte: Adaptado de Neves e Gonçalves, 2011

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Como já foi descrito anteriormente, o “leit motiv” do projecto é o elemento água, presente em todo o bairro e vital para a vida da comunidade, que resistiu quer sob a forma de fontes escultóricas ou de simples fontanários, e ainda na antiga linha de água subterrânea que atravessa o Largo. Para os Arquitectos responsáveis pelo projecto, “o elemento água simboliza não apenas a convergência de diferentes povos oriundos de diferentes geogra-fias, ao longo dos séculos até à actualidade, mas também o percurso ou travessia que os conduziu até Lisboa e, especificamente, a este Bairro” (Ne-ves e Gonçalves, 2011: 12), sendo que se procurou “preservar e recuperar a pré-existência do elemento de água, associado à riqueza da zona em água, e todo o seu historial” (Entrevista a Neves, M., 2014). De modo a reforçar o simbolismo da água, os projectistas escolheram um extracto do poema de Fernando Pessoa intitulado “Esse Rio” para gravar nas lajetas do pavimento junta à Taça, que detém um carácter apenas ornamental e está a ser alvo de projectos de especialidade para recuperar a função de fonte (cf. Fig. 04.23).

Mancha verde

Inicialmente, foi prevista a manutenção do conjunto arbóreo existente, con-siderados uma “preexistência patrimonial” (Entrevista a Neves, M., 2014), plátanos de grande porte e crescimento rápido (cf. Fig. 04.24), que viria a ser complementado com cinco árvores em caldeira. “Esta árvore fazia parte da memória do espaço e é uma árvore grande e adaptada à cidade e a estrutura verde que se procurou implementar queria adicionar mais plátanos” (Entre-vista a Neves, M., 2014).

Projectou-se ainda a introdução de outra espécie relacionada com o ele-mento água e apropriada para o local, o freixo, “uma espécie autóctone, de carácter ornamental adaptada ao leito de cheia, uma reminiscência do que o local foi em tempos e que existe na cidade de Lisboa. Pretendeu-se favore-cer uma alternância, sendo que o freixo é a primeira árvore a ter folha. Tanto o freixo como o plátano são árvores de folha caduca” (Entrevista a Neves, M., 2014). Pretendia-se criar um espaço mais confortável e variado, “alter-nando áreas de sombra e de sol, alternância de tonalidade, tom de folhagem, porte, de desenho, época de folha, que permite alguma dinâmica no largo” (Entrevista a Neves, M., 2014). No decorrer da concretização do projecto os plátanos existentes foram atacados por uma doença e acabaram por ser reti-rados e substituídos por árvores mais jovens (cf. Fig. 04.25), “o que provocou algum choque à população, que estava habituada a ver e viver o largo com árvores de grande porte” (Entrevista a Neves, M., 2014).

A posição das árvores teve que ser repensada posteriormente, com a intro-dução da escultura da Joana Vasconcelos. Prevê-se que a rega das árvores seja manual, tendo-se instituído a execução de uma rede de rega no Largo a utilizar em caso de emergência.

Fig. 04.21 Pormenor do pavimento: calçada de vidraço branco e lajetas em pedra lióz

Fig. 04.22 Elemento água no Largo

Fig. 04.23 Poema de Fernando Pessoa grava-do nas lajetas do pavimento Fonte: Neves e Gonçalves, 2011

Fig. 04.24 Plátano que existia no LargoFonte: projetotoca.wordpress.com

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Iluminação e mobiliário urbano

O projecto de Iluminação visa proporcionar uma utilização em segurança do espaço destacando elementos que se considerem importantes para o cenário e simbologia do lugar. Os arquitectos optaram pelas Lanternas Lis-bonense, equipamento típico nos bairros históricos de Lisboa, colocadas em consola nas fachadas e que seriam dotadas de tecnologia actual que permite reduzir a potência e a poluição luminosa.

A introdução da contemporaneidade foi ponderada pelos projectistas sendo que o foco foi a melhoria que as novas tecnologias possibilitam em aspectos como os parâmetros luminotécnicos e os usos pretendidos, os índices de restituição cromática e a manutenção dos equipamentos, optimizando os consumos energéticos. A introdução de lâmpadas com tecnologia de baixo consumo, o correcto dimensionamento do feixe luminoso e a regulação da luminosidade com a utilização de sensores, são soluções que reduzem glo-balmente os consumos e que foram desenvolvidas. O tipo de solução deve ainda adequar-se ao tipo de uso, nomeadamente áreas de circulação viária ou pedonal, zonas de estada, coberto vegetal, edifícios ou outros aconteci-mentos, e estar integrada na linguagem arquitectónica.

Considerando todos os aspectos descritos, “prevê-se o recurso a diferentes dispositivos, suportes e/ou técnicas que permitam gerar tratamentos e efei-tos visualmente distintos, promovendo a relação do espaço público com a envolvente edificada e paisagística” (Neves e Gonçalves, 2009: 10). Foi tam-bém proposta a instalação de dispositivos em alguns locais, como escadas, que são fisicamente propícios à ocorrência de comportamentos marginais, de modo a aumentar os níveis de conforto e de segurança. A criação de uma imagem nocturna é também uma preocupação, devendo ser apelativa e induzir “a uma identificação com o espaço e a uma apropriação mais ade-quada do mesmo” (Neves e Gonçalves, 2009: 10).

Os bancos existentes no Largo, em pedra lioz, foram desenhados pelos ar-quitectos e estão dispostos aleatoriamente, de modo a revelar aos utiliza-dores as diversas perspectivas e pontos de vista que o Largo proporciona.

Drenagem

Relativamente à drenagem, esta é alvo de um projecto de infraestruturas viárias da especialidade da engenharia, bem como a implantação altimétrica do Largo do Intendente, reforçando a interdisciplinaridade existente. A dre-nagem superficial ao longo dos arruamentos processa-se através de duas linhas paralelas que se localizam entre a faixa de rodagem e o passeio ou o estacionamento, que recolhe as águas pluviais através de sumidouros liga-dos à rede unitária de colectores existente. O sistema de drenagem existente na zona pedonal do Largo complementa o sistema referido anteriormente e é composto por dois canais, um no sentido Norte/ Sul e outro no sentido

Fig. 04.27 Mobiliário urbano

Fig. 04.25 Árvores existentes e respectiva sombra

Fig.04.26 Iluminação e mobiliário urbano

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Poente/ Nascente, perceptíveis à superfície por uma tampa em aço galvani-zado com um rasgo de 1,25 centímetros de largura. Em profundidade estes canais devem ter uma pendente incorporada, nos casos em que o declive longitudinal seja inferior a 0,5%, como acontece no sentido Norte/Sul.

Adenda

Em 2012 foi realizada uma adenda ao Projecto de Requalificação Urbanís-tica e Ambiental do Largo do Intendente/ rua do Benformoso, na altura em fase de execução em obra, provocada pela introdução de uma alteração ao projecto.

Esta alteração consiste numa peça escultórica da autoria de Joana Vascon-celos, “Kit Garden”, desenvolvida no âmbito de um concurso de arte pública lançado em 2003, inicialmente prevista para o Largo da Academia das Belas Artes de Lisboa, e visava dotar o espaço de um equipamento urbano vivo e funcional. Esta peça é composta por dois espaços com bancos em ripado de madeira articulado delimitados por uma sebe que está contida por um gradeamento e cumpre simultaneamente os papéis de escultura, banco e jardim. Esta escultura tem aproximadamente 13,5 metros de comprimento, 6 metros de largura e 1,5 metros de altura e requer condições específicas de segurança.

O seguinte texto é a descrição da conceptualização da peça por parte da autora: “A obra é composta por um elemento vegetal - a Murta - um elemen-to arquitectónico - o ferro forjado - e um elemento de mobiliário - os bancos em ripado de madeira. Uma guarda em ferro forjado, abraça todo o elemento vegetal (a murta) assim como os diversos espaços de permanência criados para o utilizador (os bancos), conferindo à peça um carácter de envolvên-cia e protecção, capaz de transmitir a confiança necessária para convidar o transeunte a marcar uma pausa no seu percurso urbano. As qualidades aro-máticas da Murta acrescentam ainda uma outra dimensão à intimidade dos espaços que a geometria da peça encerra. A escolha dos materiais utilizados evoca de forma directa mas também irónica, o imaginário lúdico-romântico associado à ideia de jardim, enquanto momento de desafogo no contexto da vida urbana” (Neves e Gonçalves, 2012: 1).

Foi necessário então posicionar a peça no espaço de maneira a que esta estabelecesse uma relação volumétrica com os elementos, previstos e exis-tentes, do Largo. Alterou-se o pavimento da zona de implantação da peça, previsto em pavimento de lióz, para calçada de vidraço “por constituir o pa-vimento tradicional compatível com a concepção da peça e apresentar a versatilidade necessária à sua instalação” (Neves e Gonçalves, 2012: 2).

Questionados se actualmente fariam o mesmo projecto, os arquitectos afir-maram que, apesar de ainda não terem passado dois anos desde a conclu-são da obra, e ser portanto “difícil avaliar os efeitos sentidos, é muito cedo

Fig. 04.28 Sistema de drenagem integrado no pavimento

Fig. 04.29 Kit Garden

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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para tirar conclusões relativamente à dinâmica dos próprios espaços. A ci-dade muda, e não controlamos, as razões pelas quais as pessoas escolhem determinados espaços e movimentos” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014), po-rém utilizariam os mesmos princípios e ideias. Os arquitectos mostram-se surpreendidos pela positiva, sendo que o consideram um espaço “simples e modesto, sem nenhum elemento marcante, sendo que o esforço foi para subtrair e não para adicionar”. “O seu sucesso depende da apropriação do espaço. Esta utilização por parte dos habitantes é que torna os espaços vividos” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014). O espaço tem sido alvo de uma grande manutenção de higiene urbana e do espaço verde.

Esta zona está ainda em processo de reabilitação, e para o arquitecto Paulo Gonçalves este processo não é instantâneo, é lento e está em movimento. Espera-se uma revitalização do Largo e de toda a envolvente, com as in-tervenções quer ao nível do edificado, quer social. Foi referida a existência de um projecto da arquitecta Inês Lobo, na Rua do Benformoso, que con-siste numa mesquita com um programa complementar, que tem como um dos princípios a permeabilidade entre a Avenida Almirante Reis e a Rua do Benformoso. O Mercado do Forno do Tijolo está também a ser alvo de uma intervenção. Segundo os arquitectos estas intervenções que estão previstas vão valorizar a zona e contribuir para a sua mudança.

4.2.2 Estratégias complexas de reabilitação

O espaço público tem um papel central na revitalização desta zona, na medida em que a sua requalificação proporciona um espaço mais seguro, acolhedor, “limpo”, que não só traz mais gente a este bairro, reduzindo as-sim a estigma de “guetização”, como refere a socióloga Estela Gonçalves, mas também criando as condições ao aparecimento de actividades. Porém, como foi visto no segundo capítulo, não é suficiente a qualidade do espaço físico para que um local seja dotado de uma nova vida. São assim necessá-rios uma série de outros factores, que dependem desse espaço e dos quais o espaço também depende. Como Richard Rogers afirma na sua obra “Ci-ties for a small planet”, o espaço público cria a noção de interesse comum e responsabilidade (Rogers, 1997). Faz também parte da preocupação da entidade pública fixar a população residente e melhorar as suas condições de vida em relação com o tecido urbano.

Todos os actores envolvidos são assim muito importantes para a dinâmi-ca social, económica e cultural do espaço, e para a revitalização do bairro, reforçando a ideia de que não são suficientes as características do espaço público. Alves e Costa referem a importância dos diferentes actores sociais que estão directa ou indirectamente envolvidos no processo de reabilitação urbana e como podem potenciar ou condicionar os processos de reabilita-ção e definir as próprias linhas de acção (Alves e Costa, 1996).

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A zona do Intendente está a ser alvo de uma intervenção muito importante para a modificação da atitude face ao bairro, porém o passado desta zona, que afastou as pessoas da vivência do espaço, ainda está muito presente e marca inevitavelmente o dia-a-dia, sendo que este é ainda definido como um local inseguro. Por um lado, a segurança influencia a ocupação de um espaço, por outro depende dessa mesma ocupação da população. O de-senvolvimento deve portanto ser integrado, atendendo às dinâmicas sociais, e equilibrando a continuação das vivências mais autênticas e a necessária adaptação à crescente procura cultural e turística.

A socióloga Estela Gonçalves esteve responsável pelo estudo sociológico desde o ano de 2008 a 2011, tendo feito parte da equipa multidisciplinar que acompanhou o projecto de requalificação descrito no ponto anterior. Quando iniciou este estudo, o quadro que se apresentava era diferente do anterior, marcado pelos Gabinetes Técnicos Locais que surgiram com o intuito de contrariar o conceito de projecto macro, contudo as tarefas dos GTL eram cumpridas. Em conversa com a socióloga, esta revelou que o primeiro con-tacto com o bairro da Mouraria deu-se em 2002, altura em que a Mouraria atravessava um fase bastante complicada, “em condições adversas, com grande concentração de toxicodependentes e prostituição. Estes factores já existiam, tendo-se agravado não só com a intervenção feita no Casal Vento-so, que trouxe os toxicodependentes para o Largo, mas pela imigração da África negra, de língua não portuguesa, que se verificou naquela altura e as características do Largo, um espaço escondido e favorável a estas ocorrên-cias” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

O início do QREN veio, segundo a socióloga, criar uma sinergia positiva, sendo que foi um processo dinâmico que se foi reforçando a si próprio. “Foi um fenómeno fluido e rápido, com um extenso mapa de acontecimentos culturais” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014). Para esta, a diversidade de cul-turas existente no bairro pode ter bastantes efeitos positivos, como a apren-dizagem e conhecimento entre os grupos culturais, porém pode provocar a segregação dos grupos. Paralelamente a este, o programa de desenvolvi-mento comunitário da Mouraria, já descrito, não procura resolver o problema de tráfego e consumo limpando e banindo os toxicodependentes do Largo, mas sim minimizando as consequências negativas. Esta opção, segundo Estela Gonçalves, é a que deve ser tomada, assim como os bares de alter-ne, que foram reajustados e não eliminados. “Não se procura assim rejeitar os grupos sensíveis mas sim integrá-los. A consciência da responsabilidade que todos temos sobre o espaço público, sendo que este é o espaço mais equitativo, e que a gestão cabe a todos nós. A vontade política, mais do que a aplicação de um programa, foi muito importante” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014). Para Estela Gonçalves, a instalação do gabinete de António Costa no Largo foi também um factor crucial para a visibilidade do Largo, ganhan-do outra confiança por parte dos investidores.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Este processo de reabilitação urbana “induziu, (e induz) à criação de lógicas de uso, apropriação e percepção do espaço do bairro bem como de novas relações com a cidade. (...) Gradualmente o processo de reabilitação urbana apropria-se da imagem pública do bairro e, curiosamente, tradicional e histó-rico passam a ser associados a medieval, práticas antigas, multiculturalidade e multietnicidade” (Menezes, 2012: 86).

No cenário social da Mouraria é possível observar diversas associações e entidades não institucionais que agem nas diferentes dinâmicas sociais que caracterizam o território. Algumas destas instituições lutam contra a exclu-são social, com diversas iniciativas desde projectos que suportem as faixas sociais mais frágeis, a acções de prevenção dos fenómenos de risco e mar-ginalidade ou a promoção de actividades lúdicas e culturais para jovens e idosos. Paralelamente, outras promovem e valorizam o património cultural do território. Alguns dos promotores e colaboradores destas actividades não habitam no bairro mas têm uma longa experiência nesse campo e conhecem as dinâmicas sociais sobre as quais actuam.

Esse conjunto de parcerias é um dos objectivos principais desta intervenção, “que ajude a fortalecer no tecido social dinâmicas próprias que favorecem a regeneração dos territórios” (Costa, 2011).

Estruturou-se estas estratégias de reabilitação entre o domínio público e pri-vado, na medida em que todas elas combinam o efeito de criatividade, nobi-litação e espaço público, entendendo assim a relação entre os actores com um papel decisivo na reabilitação do Largo.

Domínio público

O projecto de Requalificação Urbanística e Ambiental do Largo do Intenden-te/ Rua do Benformoso, descrito anteriormente, é de investimento público, por parte da Câmara Municipal de Lisboa e a sua gestão e manutenção depende também do município. Foram criadas as condições, através do pro-jecto para o espaço público, à instalação e desenvolvimento de actividades e eventos. Foram inúmeros os eventos, exposições e feiras promovidos pela CML que ocorreram no Largo do Intendente nos últimos dois anos, sen-do que neste ano de 2014 estes acontecimentos intensificaram- se (cf. Fig. 04.30).

O festival TODOS- Caminhada de Culturas, aconteceu pela primeira vez em 2009, levando mais de 12000 pessoas ao Martim Moniz, e tem como prin-cipal objectivo celebrar a cidade de Lisboa bairro a bairro, estimulando o convívio entres os residentes, trabalhadores ou visitantes.

Fig. 04.30 Conclusão do projecto de requalificação em 2012, numa altura em que os projectos que revitalizam o Largo são escassosFonte:fugas.publico.pt

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Este festival elegeu o território delimitado pelo Largo de São Domingos e o Largo dos Anjos, com base na praça do Martim Moniz e passagem pelo bairro da Mouraria, Rua do Benformoso e Largo do Intendente, pelas suas características e tensões culturais, “riquíssimo para pensar a cidade e nela intervir de dentro para fora e não de fora para dentro” (Abreu, 2010).

As principais ambições do festival TODOS são: “combater o preconceito e o medo associado, convidar as pessoas de fora do bairro a visitá-lo calma-mente, porta a porta, estimular o convívio entre vizinhos de culturas diversas e desconhecidas, implicar o poder político a ponderar com a comunidade as suas políticas para o bairro”. A participação activa dos habitantes e traba-lhadores do bairro foi muito importante. Este acontecimento “parte da ideia de que apesar das diferentes culturas e hábitos, a Mouraria é um todo. Este é um festival de dimensão internacional, adaptado à escala do bairro, onde ao longo dos dias é proposto um contacto com as culturas que habitam o bairro, através de diversas artes, desde a música, ao teatro, à dança, assim como a existência de workshops. O Festival tem como objectivo ”combater o estigma da zona e a exclusão através de uma intervenção artística, aliada à reabilitação urbana e social, aproximando e promovendo assim o convívio entre as comunidades que habitam o bairro e as que o visitam” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

Em Julho de 2012 realizou-se um programa de dinamização e celebração da conclusão das obras de requalificação do Largo intitulado “Intendente - Re-nasce um Largo para a Cidade” promovido pela CML em colaboração com o LARGO Residências (cf. Fig. 04.32). Esta iniciativa incluiu música, teatro e exposições com o objectivo de atrair gente para o renovado largo, numa altura em que o projecto de reabilitação do espaço público fora concluído recentemente.

O Yorn Intendente Skate Jam ocorreu em Junho de 2013 e procurou dinami-zar o espaço público e atrair para aquele território população jovem assim como promover a inclusão de jovens em risco. Em Julho desse mesmo ano o Largo foi palco do MEO Out Jazz trazendo diversos grupos ao Largo e di-namizando o local (cf. Fig. 04.33, 04.34).

Ainda nesse mesmo ano teve lugar no Largo o “Red Bull Santos Vertical”, no âmbito dos Santos Populares onde o palco dos concertos é uma fachada pombalina cujas varandas são ocupadas pelas bandas. Este evento repetiu--se pela segunda vez este ano devido ao sucesso do primeiro ano, trazen-do muita gente a esta zona e contribuindo para a sua revitalização (cf. Fig. 04.35).

Fig. 04.31 Concerto Orquestra TODOS e alguns elementos da orchestra di piazza vit-torio, Setembro 2012, Largo do IntendenteFonte: todoscaminhadadeculturas.blogspot.pt

Fig. 04.32 Imagem da iniciativa, Julho 2012 Fonte: boasnoticias.pt

Fig. 04.33 Yorn Intendente Skate Jam, Junho 2013 Fonte: www.cm-lisboa.pt

Fig.04.34 MEO Out Jazz, Julho 2013 Fonte: www.facebook.com/outjazz2012

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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No mês de Março deste ano a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma proposta para a construção de uma residência de estudantes no Largo do Intendente apresentada pela Estamo, uma imobiliária do Estado de capitais exclusivamente públicos (cf. Fig. 04.36). Esta residência ocupa os números 57 e 58 do Largo do Intendente num palacete pombalino classificado como Imóvel de Valor Concelhio e prevê-se que seja constituída por 239 quartos. Num artigo do jornal Público, é feita referência à memória descritiva do pro-jecto: “haverá lugar à manutenção da actual fachada, inalterada e recupe-rada como uma ‘memória’ do antigo revestimento em azulejo, funcionando como ‘grande cenário’, atrás do qual se monta um edifício de características bastante regulares, de revestimento em superfícies de vidro e reboco” (Pú-blico, 2014). Segundo essa mesma notícia, os técnicos da Direcção-Geral do Património Cultural aprovaram o projecto e consideraram que “a obra pro-posta se harmoniza em termos volumétricos com a envolvente e não prejudi-ca a fruição visual dos bens imóveis classificados próximos” (Público, 2014).

O vereador da Reabilitação Urbana, Manuel Salgado, afirmou em declara-ções ao jornal PÚBLICO que este projecto é “importantíssimo” na medida em que vai permitir “trazer gente nova para a Mouraria e o seu rejuvenesci-mento”.

Domínio público / privado

Várias empresas público-privadas de regeneração urbana têm vindo a apa-recer em toda a Europa, criadas com o intuito de gerir e implementar mais efectivamente os projectos de regeneração urbana. Tem havido uma maior preocupação na cooperação entre público e privado, sendo que o investi-mento privado é um impulso importante para qualquer regeneração urbana e gerir capital nas zonas centrais das cidades.

O projecto “Mouraria: as cidades dentro da cidade” é composto por diver-sas obras e intervenções no âmbito do cruzamento de financiamentos dos programas PIPARU, BIP/ZIP e o plano de Acção da Mouraria, aprovado pelo QREN. Este investimento público teve o valor de doze milhões de euros, sendo que oito são da parte da CML e quatro do programa QREN, que com-participa os projectos em 40 %. Na impossibilidade de reabilitar todos os edifícios em Lisboa, criaram-se condições para os proprietários terem inte-resse económico na reabilitação. Estabelece-se assim uma relação público- privado, com o aumento da segurança, a requalificação do espaço público e de equipamentos para atrair assim o investimento privado. António Costa afirmou, numa notícia publicada no jornal Público em 21 Outubro 2011, que após a conclusão das intervenções do PIPARU, QREN e do programa muni-cipal BIP-ZIP haverá ainda “um trabalho ciclópico a desenvolver”. Mas esse, diz, “estará nas mãos dos privados” (Público, 2011).

Fig. 04.35 Red Bull o Santos Vertical Fonte: www.redbull.pt

Fig. 04.36 Proposta de residência de estu-dantesFonte: www.publico.pt

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Diversas medidas contribuíram para que a zona da Mouraria e do Intendente deixassem, aos poucos, de ter “má fama” e passarem a ser vistos como uma zona com potencial para investir e empreender. O programa BIP-ZIP, de investimento público e gestão privada, designou este, e outros bairros, de “bairro de intervenção prioritária” na sua Carta, ao contrário da denominação de “bairro crítico”. Esta designação incrementou a forma como o programa foi apreendido e apropriado. Nesta zona da cidade os projectos foram im-pulsionados por jovens que apresentaram propostas ligadas à cultura, res-tauração, eventos e ocupação do espaço público direccionados tanto para a comunidade como para visitantes. As condições do programa – um ano para propor o projecto, receber a aprovação e financiamento do mesmo, execu-tá-lo e inaugurá-lo – e o desígnio acima referido, levaram a que esta área recebesse várias candidaturas por parte de arquitectos, artistas plásticos ou gestores “com saberes e ideias importadas de experiências paralelas pela Europa, que viram no programa uma solução para a sua concretização nesta zona, histórica, mas durante algum tempo algo “crítica”” (BIP-ZIP, 2013).

De seguida serão apresentados as associações e projectos existentes no Largo do intendente ou com incidência neste. A descrição destes está feita sob forma de “ficha”, dividida entre contexto, relevãncia e importância para a revitalização desta zona e a dinamização proporcionada.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Associação Renovar a Mouraria

Contexto

A Associação Renovar a Mouraria nascida em Março de 2008 é considerada uma das associações mais actuantes no bairro e foi um dos pilares do pro-cesso de regeneração deste bairro. Ao longo dos anos tem sido procurada maioritariamente por imigrantes, porém os moradores participam nos even-tos de rua da associação. Esta tornou-se num parceiro estratégico da CML na aplicação sociocultural do financiamento ao abrigo do QREN e em 2012 instalou-se na Mouradia - Casa Comunitária, espaço que acolhe a associa-ção.

Relevância

Os objectivos desta associação são a dinamização social, cultural, turística e económica do território através do desenvolvimento de acções que promo-vam a revitalização urbanística do bairro e actividades artísticas, culturais e de lazer.

Dinamização

A associação promove acções de acolhimento da população imigrante, ten-do como base o princípio da integração intercultural e diversidade étnica, e serviços educativos e de apoio à utilização de tecnologias de informação e aulas de português para estrangeiros. O Gabinete da Cidadania visa ajudar gratuitamente os residentes ou trabalhadores do bairro com processos de legalização, traduções, preenchimento de IRS, arrendamento, etc. A asso-ciação promove ainda diversos workshops e serviços de saúde a preços mais acessíveis.

O jornal Rosa Maria é editado pela associação e existe desde 2010, sendo distribuído no bairro porta-a-porta e noutros pontos da cidade nomeada-mente em universidades, teatros e outros estabelecimentos culturais, co-merciais e institucionais. Este é produzido duas vezes por ano, em Junho e Dezembro e envolve não só jornalistas, fotógrafos, ilustradores e designers gráficos mas também voluntários e moradores, sendo assim produzido por todos os que queiram participar. Foi criado de modo a preservar e divulgar o património histórico, humano e cultural do território. É ainda possível con-sultá-lo on-line. Os primeiros quatro números do jornal foram financiados em 80% por fundos europeus através do programa do QREN. Os números seguintes foram suportados através de publicidade e pela Associação Re-novar a Mouraria.

Fig. 04.38 Jornal ROSA MARIA no2 e no7Fonte: www.renovaramouraria.pt

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O conteúdo do jornal incide sobre as pessoas e os acontecimentos da Mou-raria, incluindo reportagens sobre a actualidade do bairro, entrevistas a res-ponsáveis de organizações sociais, artigos sobre espaços de referência, curiosidades, roteiros ou artigos de opinião, e também assuntos nacionais e internacionais relacionados com os habitantes do bairro. A capa do jornal tem sempre como protagonista um residente local.

Segundo um inquérito realizado no bairro junto de cinquenta pessoas, no âmbito da avaliação “Contributo das intervenções do QREN para a inclusão social de indivíduos residentes em territórios urbanos problemáticos”, todos os habitantes da Mouraria conhecem o ROSA MARIA, sendo que 58% lê-em-no regularmente e 30% já participaram, quer através de entrevistas ou produzindo conteúdos. Relativamente aos motivos para ler o jornal, o acesso gratuito a informação sobre o bairro, conhecer os novos projectos e eventos no bairro e a ocupação do tempo livre são as principais razões, sendo que aprender sobre outras culturas presentes no bairro e relembrar as memórias do bairro e das suas gentes são as razões menos apresentadas (Barroso, 2013). 50% dos inquiridos têm conhecimento acerca da identificação das pessoas que fazem o jornal.

O projecto “Mouraria para Todos” realiza visitas guiadas pelo bairro da Mou-raria, e teve início em Março de 2014 com o apoio do programa EDP Solidá-ria da Fundação EDP. Este projecto tem uma especial atenção pelas pessoas com necessidades especiais assegurando por exemplo a instalação de ram-pas para pessoas com mobilidade reduzida.

É visível a diversidade de actividades que esta Associação desenvolve, as-sim como o número de elementos envolvidos na equipa, o que representa mais de uma dezena de postos de trabalho.

Fig. 04.39 Actividades na Mouradia Fonte:www.facebook.com/renovar.a.mouraria

Fig. 04.40- Mercado na MourariaFonte: www.facebook.com/renovar.a.mou-raria

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Casa independente nº45

Contexto

A Casa Independente encontra-se no Largo do Intendente, num antigo pala-cete “onde ainda no Século XIX se discutiam valores da livre expressão, da dessacralização da vida quotidiana e era promovida uma intensa actividade cívica”. Este palacete era uma antiga Associação do Registo Civil, uma ins-tituição anti-maçónica que foi encerrada em 1938 pelo regime ditatorial. A Casa Independente é um projecto artístico da Ironia Tropical, uma Associa-ção Cultural sem fins lucrativos, e fez parte do programa Bip-Zip do ano de 2012.

Relevância

Este projecto procura promover a participação dos cidadãos que vivem na cidade e, em particular, no bairro dos Anjos/Intendente, desencadeando o seu interesse, “apostando no desenvolvimento de estratégias colaborativas e de trabalho em rede que mobilizem estes cidadãos e tirem partido das tec-nologias (materiais e imateriais) disponíveis” (Casa Independente, 2012). A Casa Independente pretende autonomizar-se economicamente criando par-cerias com fundações, institutos e entidades, quer privadas quer públicas, nacionais ou internacionais, rentabilizando e promovendo assim os recursos.

O projecto pretende ainda “assumir-se como um projecto sustentável e inte-grado no desenvolvimento cultural e social da cidade a longo prazo” (Casa Independente, 2012). Como descrito na ficha de candidatura ao programa Bip-Zip, é objectivo deste projecto criar relações e fluxos culturais que am-pliem outros mundos para dentro do bairro, sempre numa lógica de envolvi-mento e assumindo um papel regenerador do tecido social.

Dinamização

A Casa Independente tem três espaços distintos: uma grande sala, salas de lazer e trabalho, uma cafetaria e um pátio (cf. Fig. 04.41). Desde a sua abertu-ra que há uma programação regular com concertos, exposições, workshops, encontros gastronómicos, procurando-se atrair os públicos a participar nos diversos eventos. A oferta distintiva de acontecimentos pretende posicionar

Fig. 04.41 Pátio da Casa Independente Fonte: timeout.sapo.pt

Fig. 04.42 Iniciativas no Largo, Julho 2013 Fonte: www.v-miopia.blogspot.pt

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o bairro Anjos/Intendente como um bairro exemplar e altamente atractivo para a classe criativa (cf. Fig. 04.42).

A Tasca Tropical é a cafetaria existente na Casa Independente com um espa-ço exterior e interior. Através da exploração deste espaço a Casa Indepen-dente pretende autonomizar-se economicamente.

Bike-Pop nº 21

Contexto e Relevância

A cooperativa Cultural POST abriu em Novembro de 2013 o seu projecto pioneiro, a Bike Pop, no Largo do Intendente. Este é um dos protocolos do programa BIP-ZIP e recebe apoio da CML sendo que procura divulgar a cul-tura da bicicleta enquanto meio de transporte em meio urbano.

Dinamização

A Bike Pop é constituída por uma oficina de manutenção de bicicletas, ac-tividades desportivas e recreativas, cursos de aprendizagem de condução e mecânica, aluguer de bicicletas e um posto selfservice de manutenção e reparação de bicicletas. Desde a sua abertura têm ocorrido diversos eventos como uma feira de bicicletas usadas, corridas e o espaço é cada vez mais procurado por ciclistas e não só. Rosa Félix, do projecto Bike.Pop afirma que “pessoas aqui do bairro, que não sabem andar de bicicleta, nos procuram porque querem experimentar, dar uma volta para aprenderem e temos tido uma boa receptividade” (RTP, 2014).

Fig.04.43 Bike-pop

Fig.04.44 Actividades promovidas pela cooperative POST Fonte: www.facebook.com/bikepop

Fig. 04.42 Iniciativas no Largo, Julho 2013 Fonte: www.v-miopia.blogspot.pt

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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LARGO Residências Artísticas e Turísticas nº 19

Contexto

O projecto LARGO Residências Artísticas e Turísticas surge com a parceria da Associação SOU, existente há uma década, e o programa Bip-Zip, do ano de 2011, e situa-se no edifício de quatro pisos nº 19 do Largo do Intendente, um edifício histórico que pertence aos herdeiros da Fábrica de Cerâmica Viú-va Lamego. Este edifício esteve fechado desde a transferência da actividade fabril para o exterior da cidade, há cerca de vinte anos e foi alvo de algumas obras de restauro devido ao perigo de colapso da estrutura. A reutilização do edifício foi diversas vezes discutida, sendo que se iniciaram as obras para convertê-lo num restaurante porém o empreendimento foi descartado por razões económicas.

A fachada é revestida a azulejos, uma parte com um padrão geométrico e outra com motivos animais, paisagísticos e florais. Esta fachada mantém a sua configuração original, excepto as janelas e a zona de entrada no piso térreo. Ao contrário do que é visível do exterior, a organização interior sofreu algumas alterações, de modo a se adaptar às exigências funcionais da resi-dência, que não se adequavam ao open space que cada piso apresentava. Na altura em que o Largo Residências se instalou no edifício ainda decorriam as obras do último andar, por iniciativa do proprietário. A continuação do projecto, ou seja o piso térreo e o primeiro andar, foi realizado pelo Atelier-mob, que reduziu os custos da obra e acompanhou e apoiou a mesma. Após o envolvimento dos arquitectos responsáveis, estes acabaram por se tornar colaboradores deste projecto.

O Largo Residências possui uma equipa permanente que realiza um movi-mento contínuo e horizontal, que habita o espaço público e se torna familiar aos habitantes, comerciantes e outras instituições que se movem no ter-ritório. Esta equipa tenta estabelecer uma ligação de familiaridade com as pessoas “que lhes permita tornarem simultaneamente observadores, inves-tigadores e interlocutores e que por isso fazem a ponte com actividades de criação, formação ou lazer a desenvolver com eles, dentro de duas lógicas: a mediação das vontades, ideias e desejos que os próprios manifestam e as intenções ou processos que os artistas se propõem a com eles desenvolver” (Largo Residências, 2013). Na carta de candidatura ao Bip-Zip, é referida a

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consciência da morosidade do trabalho e a intenção de realizar um trabalho profundo, em que o trabalho horizontal vai assegurar o trabalho vertical, dos artistas que não possuem por vezes tempo para estabelecer relações pro-fundas e alcançar a dimensão desejada dos projectos.

Relevância

O LARGO dá continuidade às actividades promovidas pela SOU, sendo que os dois espaços funcionam em parceria e as suas linhas de acção cruzam--se. Por um lado, as formações promovidas pela associação trazem conhe-cimento e mobilizam mais recursos humanos ao LARGO, por outro, as vi-vências que ocorrem neste trazem uma nova dinâmica ao SOU. O edifício é composto por residências artísticas com o objectivo de promover a cultura, a criatividade e o aprofundamento do conhecimento acerca dos processos de regeneração urbana sendo que proporciona as condições à criação de diversos trabalhos quer de natureza artística diversificada como dança, tea-tro, literatura, fotografia, quer em áreas do sector criativo mais geral, como a antropologia, à sociologia e arquitectura. Estes trabalhos “deverão intervir a vários níveis nesta zona de intervenção prioritária e ter como base de criação pelo menos um dos seguintes pontos de inspiração: o local, o património, a história, as pessoas, as comunidades e as instituições” (Largo Residências, 2011).

Estes factores são considerados determinantes para o sucesso e sustenta-bilidade dos processos de regeneração urbana, sendo que “a ideia central deste projecto é alimentar um edifício onde se vive em permanente criação, tanto para aqueles que estão de passagem num registo mais descompro-metido, como para aqueles que estão em plena permanência e residência (turistas e artistas)” (LARGO Residências, 2011). A abertura do bairro à ci-dade constitui um dos objectivos, através da atracção de novos públicos e a criação de novas vivências do espaço. Os recursos físicos existentes no território envolvente, considerados sub-aproveitados, incentivam a criação de actividades fora do LARGO, que potenciem as características naquele, alarguem as suas ofertas e abram-nas a um novo público.

Relativamente ao público que este local traz, a gestora do projecto Marta Sil-va afirmou numa entrevista realizada no âmbito da dissertação que o objec-tivo é que “pessoas de toda a parte do mundo e do país habitem este local por aquilo que aqui acontece, mas queremos que o trabalho abrace muito quem já cá está, porque é um bairro habitado e com uma variedade cultural e simbólica e social enorme” (Entrevista a Silva, M., 2014).

Dinamização

A sustentabilidade do projecto é assegurada pela actvidade comercial que inclui hotel, hostel e o café.

Fig.04.45 Entrada LARGO residências

Fig. 04.46 Yoga no Largo

Fig. 04.47 Sonhos em ObraFonte: Largo Residências, 2012

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Os eventos e espectáculos de grande escala propostos, e que têm vindo a acontecer, permitem a abertura do bairro à cidade e a criação de uma nova perspectiva face a esse lugar. A diversidade de público obriga a organização da oferta cultural em diferentes eixos temáticos de modo a atingir o principal objectivo: a utilização do espaço público (cf. Fig. 04.46). Este ano já tiveram lugar no Largo diversos eventos como a Poesia ao Largo, diversas mostras de artes africanas assim como exposições de artistas.

É de realçar os projectos que ocorreram na abertura deste espaço, numa al-tura em que o Largo ainda estava em obras, e que foram de certa forma uma alavanca para a revitalização da zona. O projecto INTENDENTE(S) foi conce-bido por uma antropóloga e contou com a participação de vários habitantes do Intendente. Estes retrataram através de fotografia o seu espaço diário exterior, tendo sido realizada uma instalação artística em Julho de 2012. Esta mesma antropóloga foi ainda responsável pela exposição ENTRE NÓS, re-alizada em simultâneo em Paris. O projecto Sonhos em Obra realizou-se de Setembro a Outubro desse ano e foi promovido por esta cooperativa e de-safiou os moradores e visitantes a projectarem o que consideravam ser um espaço ideal. Esta acção culminou numa exposição que ocorreu no número 23 do Largo, actual Vida Portuguesa (cf. Fig. 04.47).

Todo o edifício abrange os escritórios e as residências de artistas, com ex-cepção do primeiro piso constituído por quartos de hotel, onde anteriormen-te funcionava a pensão mais movimentada do Intendente, e do segundo piso que é composto por apartamentos para alugar.

Existem também residências turísticas, que promovem o intercâmbio de ex-periências, conhecimento e cultura e sustentam o projecto, criando um “ciclo de auto-sustentabilidade em que o que vem de fora- o turístico – alimenta o que está dentro – o artístico e vice-versa” (Largo Residências, 2011). Lisboa é um dos principais destinos de estadias curtas para descoberta cultural da cidade, sendo que este turismo representa 60% do turismo em geral. As re-sidências turísticas são assim um modelo de auto-sustentabilidade do ponto de vista interno do projecto e do externo, com o desenvolvimento turístico mais consolidado.

O LARGO Café-Estúdio situa-se no piso térreo, sendo que no lado esquerdo encontra-se o LARGO Estúdio e no lado direito o LARGO Café (cf. Fig. 04.48, 04.49). O primeiro é um estúdio onde os artistas da residência trabalham e expõem algumas criações, apesar do principal local programado para essas exposições ser o próprio Largo. Este projecto pretende apresentar os tra-balhos desenvolvidos por estes artistas ligando assim a comunidade com a arte, e envolver estas actividades com o largo e o público, requalificando assim o espaço físico. Paralelamente a esta requalificação procura-se mudar o paradigma das dinâmicas socioculturais, criar relações e fluxos culturais “que ampliem outros mundos para dentro do LARGO e para o largo, sempre numa lógica de envolvimento e assumindo um papel regenerador do tecido social” (Largo Residências, 2011).

Fig.04.48 Entrada LARGO Café e LARGO Estúdio

Fig. 04.49 Esplanada do LARGO Café

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O LARGO Café tem uma esplanada no Largo e está aberto aos envolvidos no projecto e a todos os utilizadores do Largo do Intendente, pretendendo “reconfigurar pontos de contacto entre os artistas e o público em geral, inte-grando-se constante e continuamente nas dinâmicas quotidianas do LARGO representando o ponto central de encontro entre todos.”

As duas frentes em que o projecto actua configuram o modelo de sustenta-bilidade relativamente à regeneração socio urbanística assim como à auto-nomização económica das actividades artísticas e culturais.

Avenida Intendente

Contexto

O projecto Avenida Intendente tem o apoio do Bip-Zip Lisboa 2013 e incide no eixo rua do Benformoso- Anjos com o objectivo de integrá-lo. A reabilita-ção do Largo do Intendente, que acolheu novos públicos e permitiu a insta-lação de novos projectos, acentuou as diferenças entre este novo lugar e as vias adjacentes. O eixo Benformoso – Anjos tem vindo a perder habitantes e visitantes, e os negócios de rua foram decaindo pois perderam o público tradicional e os pisos térreos foram abandonados. Este é um eixo pouco permeável e comprido, o que fomenta as condições de insegurança, e ainda marcado por uma fraca iluminação e pela degradação das fachadas e do espaço público (cf. Fig. 04.50).

Relevância

Pretende-se impulsionar a vivência na rua, dando maior visibilidade ao co-mércio, e potenciando um clima que favoreça a iniciativa local, o empreen-dedorismo e a coesão social e atrair novos públicos, “estimulando a fixação de mais actividades para esta zona da cidade expandindo a acção de re-qualificação do Largo” (Avenida Intendente, 2013). A entidade promotora, o atelier Artéria Arquitectura e Reabilitação Urbana, participa no Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria desde 2011, onde realizou um le-vantamento que envolveu a comunidade e apurou que “a rua não é atractiva para circular porque causa um sentimento de insegurança, sem referências orientadoras ao nível dos pisos térreos” (Avenida Intendente, 2013).

Dinâmização

É proposta a implantação de elementos de sinalização assim como poten-ciar a ocupação dos pisos térreos, captando novos usos e dinâmicas, de modo a criar novos pontos de interesse que contribuam para a revitalização económica.

Fig. 04.50 Reunião do projecto Fonte: www.facebook.com

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Domínio privado

Fig. 04.51 O das Joanas Café

O das Joanas Café nº 28

Contexto

Este café abriu em Julho de 2012 numa antiga taberna e foi dos primeiros espaços a se instalar no renovado Largo. Nessa altura já estava instalado no Largo o presidente da câmara António Costa. As duas sócias do projecto adaptaram o espaço procurando sempre abri-lo ao Largo e colocaram uma esplanada.

Dinamização

Neste espaço realizam-se diversos concertos, exposições e lançamento de livros. Todos estes eventos realizam-se no espaço público, dinamizando a vida do Largo. O das Joanas Café está aberto todos os dias, desde as 9 horas até as 23, ou 2 da manhã ao fim de semana.

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A Vida Portuguesa nº 23

Contexto e Relevância

A loja A Vida Portuguesa abriu no Largo do Intendente em Novembro de 2013, e vende produtos de criação e fabrico portuguesa (cf. Fig. 04.52), cujas marcas sobreviveram ao tempo. A loja ocupa o espaço onde funcionou a fá-brica e armazém da Viúva Lamego cujo carácter é mantido, nomeadamente os azulejos que revestem a parede. Catarina Portas, a gerente de A Vida Por-tuguesa, aposta em novos sítios, observa a sua transformação e participa na mesma. A intenção de Catarina Portas é trazer “os portugueses e os estran-geiros” até ao Intendente, porém esta considera que apesar da reabilitação e visibilidade que o Largo tem sido alvo “o Intendente ainda não é um circuito comercial” (Público, 2013).

Dinâmização

Esta loja promove maratonas de leitura, debates, exposições, conferências e visitas guiadas que têm divulgado o Largo e trazido mais gente a esta zona, incluindo muitos turistas (cf. Fig. 04.53).

Fig. 04.52 Produtos de criação portuguesa

Fig. 04.53 Debates no interior da loja Fonte: www.facebook.com

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig.04.54 Painel na fachada da Loja

Loja do intendente- Produtos e territórios nº 13

Contexto

A 19 de Julho de 2013 foi assinado no Largo do Intendente um protocolo en-tre seis associações de desenvolvimento regional que visa a abertura de um espaço promocional dos territórios no piso térreo do nº 13 do Largo do Inten-dente. A parceria entre as seis associações e o município de Lisboa aponta para o apoio do município quer para a promoção junto da Associação de Turismo de Lisboa e da EGEAC assim como apoio nos eventos que venham a decorrer no Largo. A abertura deste espaço estava prevista para Dezem-bro de 2013 porém nas diferentes idas ao Largo no decorrer da dissertação o número 13 encontrava-se ainda fechado, sendo que estava colocado um painel com a indicação da abertura da loja.

Dinamização

Prevê-se a existência de uma loja agroalimentar, uma cafetaria, uma zona de exposições e um programa de animação associado. Apesar da loja ainda não ter aberto, no dia 26 de Julho deste ano ocorreu um mercado de produ-tos locais no Largo, iniciativa inserida neste projecto.

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Sport Clube Intendente nº 52

Contexto

O Sport Clube Intendente situa-se no primeiro piso do nº 52 do Largo do Intendente, no antigo palácio do intendente da polícia Diogo Inácio de Pina Manique. Este clube nasceu em 1933 e actualmente é um espaço de conví-vio de todas as pessoas do bairro.

Dinâmização

Este espaço oferece snooker, jogos de cartas e bilhar e ainda um salão nobre para ensaios de bandas e outros projectos artísticos. O Clube conta ainda com noites de fado, e aluga o seu espaço para festas de empresa ou te-máticas. Este espaço funciona todos os dias à noite, excepto ao sábado e domingo que abre às duas da tarde.

Fig. 04.55 Sport Clube Intendente

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Fig. 04.56 Espaço SOU Fonte: www.facebook.com

Associação Cultural SOU - Movimento e Arte

Contexto

SOU é uma Associação Cultural sem fins lucrativas fundada em 2004 numa antiga loja dos Anjos. Em 2008 nasceu o espaço SOU com um estúdio, ca-fetaria, esplanada, expositores e espaço para exposições no nº 73 da rua Maria.

Relevância

Esta associação tem como principais objectivos oferecer formação nas áre-as das artes performativas, dinamizar e promover actividades culturais e acolher criadores de vários âmbitos artísticos. Como objectivos artísticos prioritários foi definido pela associação SOU: “fomentar projectos artísticos de qualidade, disponibilizar programação de qualidade e maioritariamente gratuita e promover a qualidade de vida e a cidadania das populações lo-cais” (SOU, 2008).

Dinamização

Uma das premissas deste espaço é a abertura das suas actividades a todos. Estas actividades procuram acolher colectivos e indivíduos para apresenta-rem neste espaços os seus trabalhos, ideias e criações. Este espaço desta-ca-se pelo facto de receber propostas criativas muito diversificadas, adap-tando-se assim a diferentes formatos. O Curso de Artes Performativas (CAP) foi criado em 2009 e desde então que promove a formação em diversas áreas nomeadamente a dança, teatro, música e performance. No ano lectivo de 2013/2014 o SOU criou o Curso Anual de Produção nas Artes do Espec-táculo, e proporcionou diversos workshops, como teatro, liderança e gestão de equipas, voz e movimento entre outros. O Largo Residências, já descrito, é uma iniciativa do SOU, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa.

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Bairro Intendente

Contexto

O Bairro Intendente assume-se como o B.I. da zona do Intendente: “O In-tendente cresceu e já tem B.I. é o Bairro Intendente. Tudo o que se passa no Intendente está aqui!” (Colectivo B.I., 2014). Este é um colectivo criado em Maio deste ano e constituído pelas entidades sócio-culturais e pelo co-mércio sediados no Largo do Intendente, na Rua dos Anjos e na Rua do Benformoso. O Colectivo integra não só os que se instalaram recentemente como os que já existem há muitos anos. “Entre o passado e o presente, e acompanhando a transformação urbana dos últimos anos, vivemos intensa e transversalmente um Intendente que gostaríamos de dar a conhecer em toda a sua multiplicidade” (Colectivo B.I., 2014).

Dinâmização

O Bairro Intendente comunica o que é oferecido no Bairro, o que é organiza-do pelo Colectivo e a programação cultural, publicando uma “AGENDA B.I.” mensal com todos os acontecimentos deste “bairro” (cf. Fig. 04.57).

O Festival “Intendente em Festa” decorreu no mês de Julho deste ano e foi promovido pela associação Bairro Intendente. Todas as sextas, sábados e domingos ocorreram diversas iniciativas no âmbito do cinema, dança, músi-ca, performances, teatro, exposições, ateliers e feiras (cf. Fig. 04.58, 04.59). O Festival surge com o objectivo de dar a conhecer aos moradores e visitan-tes o “Bairro Intendente”.

Fig. 04.57 Agenda B.I. de Maio Fonte: www.facebook.com/bairrointendente/info

Fig.04.59 Mandela Day no Largo do Intendente no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festa. Fonte: vimeo.com/101288597

Fig.04.58 “B.I. Cerâmico”, realizado num atelier de cerâmico no âmbito do Festival Bairro Intendente em Festa. Fonte: www.facebook.com/bairrointendente/info

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Sobre o largo

Tal como ocorreu no ponto anterior deste capítulo, considerou-se pertinen-te demonstrar a evolução que teve a divulgação do Largo na comunicação social, uma vez que para muitas pessoas esse é o único contacto que têm com este território, ainda distante no imaginário de cada um. Em 2012 inten-sificam-se as notícias acerca do Largo, e as opiniões sofrem uma mudança radical.

Fig. 04.60 Cronologia das notícias sobre o Largo do Intendente

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4.3 A sustentabilidade da intervenção

Actualmente passaram três anos desde o início da requalificação da Mou-raria e já são feitos alguns balanços. Os principais instrumentos de financia-mento desta transformação- o Programa de Acção do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e o Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM) - estão em vigor até ao fim deste ano e torna-se impor-tante não só avaliar a sua execução como reflectir acerca da sustentabilida-de deste processo.

A mudança sentida no bairro é visível e subjectiva porém é quantificada atra-vés das obras feitas e a iniciativas concretas no âmbito dos programas re-feridos anteriormente e do Programa de Investimento Prioritário em Acções de Reabilitação Urbana e do Programa BIP/ZIP. Foram investidos cerca de 13,5 milhões de euros: 2,5 milhões foram aplicados à revitalização urbana e 11 milhões destinaram-se à reabilitação física, nomeadamente 8 milhões em em edifícios e 3 milhões em espaço público. João Meneses, coordenador do

Fig. 04.61- Esquema síntese do processo de reabilitação no Largo do Intendente

O seguinte esquema sintetiza as principais fases do processo de reabilitação do Largo do Intendente, sendo que se destacou o que se considera ser mais importante para a revitalização da zona.

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária (GABIP), considera que o balanço é positivo e que a taxa de execução esteve na ordem dos 95%.

Está actualmente em curso uma segunda fase do plano de intervenção, que prevê a realização de algumas obras como a Praça da Mouraria e a Oficina da Guitarra Portuguesa assim como a extensão da intervenção às ruas ad-jacentes contagiando assim o território, tirando partido da dinâmica gerada e privilegiando o aspecto social. Foi proposto ainda alargar a reabilitação do espaço público do Largo do Intendente ao troço final da rua dos Anjos, actu-almente ocupada por vários bares e estabelecimentos associados à prática da prostituição.

Na tentativa de compreender a opinião dos habitantes e moradores acerca desta intervenção, consultou-se um inquérito realizado no fim do ano de 2012 pela Associação Renovar a Mouraria acerca das expectativas em re-lação às obras no bairro. As opiniões são diversas, sendo que a maior par-te dos inquiridos evocou a esperança que as obras tragam mais gente ao bairro, inclusive turistas, e que este ganhe mais alma. A circulação, quer automóvel quer pedonal, é também um ponto muito referido, sendo que é demonstrada satisfação com o impedimento de acesso ao trânsito em algu-mas ruas, porém a falta de estacionamento é um ponto negativo apontado por alguns comerciantes e moradores.

Numa entrevista realizada pelo Jornal Rosa Maria à Presidente da antiga Junta de Freguesia de Socorro, Maria João Correia, esta refere que a requali-ficação do Largo do Intendente foi uma obra que tardou a começar mas que trouxe muitos benefícios, tendo “sido transversal. Começou no Intendente mas tem vindo a descer até à Mouraria” (Correia, 2012). Paralelamente a essa requalificação, Maria João Correia refere que existia a ideia e preconceito de que nada acontecia naquela zona, “hoje a Mouraria é onde tudo acontece”. Questionada acerca da sua visão da Mouraria daqui a cinco anos, a Presi-dente afirma que “vejo-a como um sítio agradável para se viver. Estão a ser criadas as infraestruturas” (Correia, 2012).

Relativamente às declarações feitas há dois anos quer pelos habitantes quer pela presidente da Junta de Freguesia, verifica-se que as obras de reabilita-ção trouxeram efectivamente mais gente ao Largo, nomeadamente a vinda de estrangeiros que dinamizaram o bairro e abriram alguns horizontes (Cor-reia, 2012). Contudo, a falta de estacionamento continua a ser um ponto apontado por habitantes e trabalhadores do bairro.

O conceito de sustentabilidade vai para além do termo exclusivamente am-biental, na medida em que a sustentabilidade da intervenção de reabilitação e revitalização é muito importante para consolidar as condições urbanísticas, sociais, económicas e culturais necessárias à vitalidade e manutenção deste espaço.

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O processo de reabilitação deve assegurar a adaptação e revitalização não só das estruturas edificadas mas também dos elementos imateriais, dos ac-tores locais e das relações que ocorrem. Esta sustentabilidade está depen-dente, entre outros, da fixação da população residente, da preservação da integridade dos valores patrimoniais, da existência de actividades econó-micas que garantam a vitalidade desta zona, a utilização do edificado pre-sente, com usos variáveis, instrumentos de gestão territorial adequadas e a manutenção da qualidade ambiental urbana. Todos estes aspectos estão considerados nos planos em vigor, porém uma vez que estes terminem a sua continuação deve ser assegurada.

Actualmente, o Intendente faz parte da rota de turismo e da noite de Lisboa, “está na moda” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014) levantando assim algumas questões pertinentes.

Como referido pela socióloga, por um lado deve-se questionar qual o pú-blico-alvo desta intervenção, sendo que “a fluidez e quantidade de hostels que abriram recentemente é um elemento positivo na inserção e interação de culturas, porém pode colidir com a população existente, com tendência a envelhecer, apesar da população em idade activa ter aumentado nos últimos anos” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

Por outro lado, o facto de o bairro estar “na moda” pode ser perigoso e co-loca diversos desafios. Contudo a história do bairro é uma mais-valia para o turismo mais tradicional, como por exemplo com a existência da fábrica dos azulejos Viúva Lamego. Estela Gonçalves afirma que “actualmente as práti-cas sociais não são modeladas pela estrutura familiar, escolaridade, classe social, mas sim pelos fluxos de moda, pelo que o gosto pelo “exótico” deve ser vivido com respeito e com a consciência da dignidade humana” (Entre-vista a Gonçalves, E., 2014). A socióloga refere ainda o exemplo do Bair-ro Alto, que teve várias vagas, que se foram adaptando e sobrevivendo ao passar dos anos, ao contrário do que muitas pessoas defendiam, provando que este território se deve re-inventar e adapatar constantemente com as práticas e costumes das sociedades.

O segmento social que valoriza os “bairros antigos” para residir, privilegiando a procura da autenticidade e da cultura de vida de bairro e abertos à di-versidade e multiculturalidade é um factor de sucesso na transformação do Intendente. Este grupo é constituído geralmente por jovens adultos “com es-colaridades superiores correspondem às novas gerações que fizeram a sua escolaridade em ambiente aberto, preferencialmente posicionando-se como “europeus” e trazem consigo a experiência de convivialidade cosmopolita que o programa Erasmus lhes proporcionou, sendo já “socialmente mistu-rados” em torno de casais e grupos de amigos, detêm uma prática urbana permeável aos “outros”” (Gonçalves, 2013: 5).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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Os grupos presentes nas associações e implicados na intervenção local que contribui para o desenvolvimento social são um factor favorável à desgueti-zação e revitalização da zona e um factor positivo para a sustentabilidade da intervenção. Segundo Estela Gonçalves estes grupos possuem experiências profissionais ligadas “à nova economia do conhecimento, como professo-res, investigadores, professores universitários, trabalhadores das indústrias criativas, intelectuais “implicados”, profissionais da comunicação, da publi-cidade, arquitectura ou design, artes plásticas...” (Gonçalves, 2013: 4) e ad-miram as culturas populares, propondo até acções introduzindo contributos e revisitações estéticas das antigas tradições culturais.

Importa também perceber o cenário esperado para este território tendo pre-sente o contexto actual de acontecimentos que se sucedem semana após semana neste espaço.

Na entrevista realizada à socióloga Estela Gonçalves, questionada acerca de um possível cenário futuro para a Mouraria, a socióloga admite que a Mou-raria “já foi alvo de muitos processos que não tiveram continuidade, o que tornou as pessoas sépticas em relação a uma possível reabilitação do bairro. Apesar da crise que se faz sentir o processo decorrente não tem regredido e o efeito positivo do Intendente estende-se ao longo dos Anjos e da Almirante Reis, o que é um bom indício para o futuro da zona” (Entrevista a Gonçalves, E., 2014).

Em resposta a essa mesma pergunta, os arquitectos Paulo Gonçalves e Maria Cristina Neves afirmam que o facto de só terem decorrido dois anos desde a conclusão da obra torna difícil avaliar os efeitos sentidos, sendo que “a sustentabilidade do projecto vai depender da utilização por parte dos habitantes pois só isso torna o espaço vivido, assim como da manutenção de higiene urbana e do espaço verde” (Entrevista a Gonçalves, P., 2014).

Finalmente, assim como a instalação do Gabinete do Presidente da Câmara no Largo do Intendente foi um sinal de que a vida e configuração do Largo iriam ser alteradas assim como da vontade política em intervir nesta zona e o aumento da segurança e manutenção, a saída de António Costa em Março deste ano é vista como um retorno à normalidade da Mouraria, julgando-se que os desafios que esta zona irá enfrentar iniciaram-se nessa altura. Costa afirmou nessa altura que “é sinal que deixámos de viver um período de ex-cepção na Mouraria, que, depois de iniciada a intervenção de reabilitação, começa a voltar à normalidade” (O Corvo, Março 2014).

A preocupação com a sustentabilidade é demonstrada por todos os actores intervenientes directa ou indirectamente na revitalização da zona, sendo que em Julho de 2014 era noticiado que “António Costa quer ver o Largo do In-tendente com mais cafés para que assim possa garantir a continuidade do processo de reabilitação urbana em curso naquela zona” (O Corvo, Julho 2014).

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05 . CONCLUSÕES

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CONCLUSÕES

Neste capítulo são revistos os objectivos e o desenvolvimento do tra-balho e elaborado um quadro crítico em relação ao objecto de estudo, bem como o possível desenvolvimento deste processo.

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Estratégias complexas de reabilitação urbana | Madalena Perestrelo de Lemos

A presente dissertação teve como objectivo compreender e aprofundar os efeitos e potencialidades da adopção de uma estratégia de reabilitação ur-bana integrada e multidimensional na regeneração de áreas centrais depri-midas, tendo como objecto de estudo o Largo do Intendente em Lisboa. Pretende-se assim contribuir para uma avaliação crítica dos processos de reversão sócio-urbana, determinando os motores políticos, económicos, financeiros e culturais da inversão/reversão destes tempos e espaços re-cessivos e estudando o efeito combinado de criatividade, espaço público e nobilitação.

Num primeiro momento da dissertação enquadrou-se a reabilitação urbana estudando a evolução das suas políticas, nomeadamente a nível nacional, tendo-se passado depois ao nível da cidade de Lisboa. Procurou-se perce-ber a aposta estratégica desenvolvida pela CML e a intervenção municipal através de processo participativo em Bairros e Zonas de Intervenção Priori-tária assim como alguns exemplos de intervenção integrada.

Num segundo momento do trabalho foi dado enfoque ao objecto de estudo da dissertação: o Largo do Intendente. Procurou-se numa primeira parte en-quadrar o Largo no território em que se insere e no Plano de Urbanização e Programa de Acção da Mouraria. Esta intervenção desenvolve-se segundo dois eixos: o primeiro diz respeito à requalificação ambiental intervindo a ní-vel do espaço público, o segundo dirige-se à revitalização socioeconómica, assente num plano de desenvolvimento social.

A estratégia combinada que reúne espaço público, criatividade e nobilita-ção no sentido de tornar mais eficazes os processos de reabilitação urbana teve efeitos, ainda que sejam a curto prazo, bastante positivos supondo-se a possibilidade de utilizar a mesma abordagem concertada entre vários agen-tes, coordenados pela autarquia, para a reconversão de outras zonas de-gradadas da cidade (O Corvo, Março 2014). O Largo do Intendente ilustra a evolução do conceito de reabilitação urbana, apresentando uma perspectiva multidimensional deste, em contraposição a intervenções unidireccionais. As vantagens da adopção de estratégias complexas e integradas são visíveis, na medida em que espaço público e criatividade se complementam e criam sinergias indutoras de nova vida.

Relativamente ao caso estudado, considera-se que a componente artísti-ca tem um papel fundamental para a regeneração urbana, sendo que as actividades criativas criam diferentes dinâmicas e aglutinam grupos sociais com diferentes interesses. A população “artística” que se instala no Largo é potenciadora da revitalização, criando novos estímulos para a população local, por exemplo na educação uma vez que o nível de insucesso escolar da Mouraria é elevado. Esta nova população tem interesse pela tradição de bairro, com um ambiente acolhedor e de proximidade, pela diversidade e troca de culturas. Contudo, alguns destes novos moradores muitas vezes não participam desta vida de bairro pois durante a semana estão ocupados com as suas actividades profissionais e aos fins-de-semana saem do bairro (Menezes, 2011).

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O efeito combinado da criatividade, espaço público e nobilitação

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O uso do espaço público do Largo nas diversas actividades e esplanadas que nele se instalam é um factor importante para a revitalização da zona, pois tal como muitos autores defendem, é na esfera pública que se vive a cidade e a própria cidadania. A arquitectura tem aqui um papel importante, na medida em que proporciona o retorno ao Largo pela sua qualidade física: um espaço versátil.

Tendo como base outros exemplos na cidade de Lisboa, torna-se sonante a diferença relativamente à participação do domínio público, quer nas inicia-tivas da própria Câmara Municipal, quer nos apoios dados a projectos que se instalam na zona. Tomando o exemplo do Cais do Sodré, é visível que a maioria das iniciativas é de cariz privado. Esta questão demonstra, por um lado, a importância da participação pública nesta zona, em tempos degra-dada e no esquecimento de grande parte dos habitantes da cidade, atraindo a nova população e investimento privado; por outro lado, os programas de apoio à reabilitação, como a estratégia BIP/ZIP, exigem a responsabilidade por parte da entidade promotora, na garantia da sustentabilidade e financia-mento futuro dos projectos. Já com uma duração de aproximadamente dois anos, alguns destes projectos estão numa fase de autofinanciamento sendo, por isso, importante manter e criar instrumentos que garantam a continuida-de das estratégias que têm requalificado e revitalizado esta zona.

Dois anos após a conclusão do projecto de requalificação do Largo e do aparecimento sucessivo de projectos com o intuito de dar uma nova vida ao Largo, desde residências artísticas, hostels ou estabelecimentos comerciais e de restauração, o balanço é muito positivo e as vantagens que esta rea-bilitação produziu são visíveis. Marta Silva considera que este processo foi gradual, o que contribuiu para o sucesso do mesmo (Entrevista a Silva, M., 2014). É de ressaltar a importância que a população e as associações locais tiveram e têm neste processo, na discussão do plano, no estabelecimento de actividades e na própria gestão dos espaços. Esta participação demonstra uma mudança de atitude por parte dos poderes políticos, reconhecendo a mais-valia de trabalhar com os locais tirando partido da sua ligação e conhe-cimento do bairro e por consequência do seu tecido social. Nos diferentes estudos realizados a este território, a percepção dos habitantes da Mouraria acerca do projecto de requalificação é sempre positiva, dando importância ao trabalho desenvolvido no espaço público que lhes permitiu usufruir em pleno deste espaço.

É esperado que estes territórios históricos, uma vez reabilitados, tragam no-vos moradores, actividades económicas e em consequência o aumento dos valores imobiliários. o que leva à especulação imobiliária dos edifícios reabili-tados, levando à subida da renda que impossibilita a ocupação por parte dos habitantes, nomeadamente os jovens do bairro, que optam por deixar o bair-ro e residir em novas urbanizações. Podemos considerar que os gentrifiers são também a população que usufrui dos eventos e actividades que têm

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ocorrido nesta área, sendo que Marluci Menezes define-os de “gentrifiers efé-meros” (Menezes, 2011). Este aspecto coloca algumas questões relativamente à identidade comunitária que esta nova entidade terá, assim como as conse-quências que traz a entrada de novos indivíduos atraídos por novas possibili-dades de exploração e modos diferentes de apropriação do espaço público. A Associação Renovar a Mouraria tem um papel importante na moderação dos efeitos causados pela nobilitação, na medida em que alia e relaciona os novos moradores com os antigos, tirando assim partido das tradições e do tecido lo-cal com as vantagens que o fenómeno da nobilitação traz.

Esta vinda de novos indivíduos deve-se por um lado à atracção por zonas histó-ricas da cidade, pelo seu património e “vida de bairro”, por outro lado a existên-cia de equipamentos potenciadores de actividades criativas, nomeadamente a Casa Independente e o LARGO Residências, é factor de atracção de determi-nados grupos. Julga-se pertinente a interrogação acerca da gestão de imple-mentação de novos equipamentos assim como a acessibilidade aos mesmos por parte dos diferentes grupos sociais presentes no território. A directora do LARGO Residências, Marta Silva, afirma que o Largo é usufruído pelos habitan-tes da Mouraria e da freguesia do Socorro, que apesar de não viverem no local se apropriam deste.

Reflectindo acerca das questões que este estudo colocou, considera-se que a existência de serviços no Largo para a população envolvente (por exemplo um centro de saúde, uma repartição de serviços administrativos, etc) fosse talvez uma estratégia integradora de toda a população da zona envolvente, proporcio-nando a troca de conhecimento entre todos os que usufruem daquele território tão complexo. A preocupação com a integração e permeabilidade social com a envolvente, e a cidade, deve merecer uma atenção especial, de modo a que o Largo não se torne num lugar alienado do território que o envolve, apesar de estar espacialmente muito próximo deste.

Esta dissertação constitui apenas uma contribuição para o estudo do papel da reabilitação urbana e respectivas dinâmicas em zonas degradadas da cidade, pelo que se considera interessante a possibilidade de novos desenvolvimentos nesta área de modo a entender, com a distância temporal necessária, quais os contributos e sustentabilidade desta intervenção e a sua integração social e urbana com a cidade. A reabilitação implica um compromisso entre diversos actores pelo que seria interessante avaliar o papel que cada actor, público ou privado, representará futuramente neste espaço, assim como o papel das pró-prias dinâmicas.

A questão da reabilitação urbana, nas múltiplas dimensões e tempos que esta engloba, continuará a ganhar importância. O papel do arquitecto, em conjunto com outras áreas e estratégias de planeamento, revela-se muito importante na tentativa de encontrar soluções potenciadoras de nova vida nos espaços mais segregados da cidade, garantindo também a sustentabilidade das intervenções numa sociedade em constante evolução. É importante a colaboração entre ad-ministração pública, entidades privadas, arquitectos e outros actores de modo a dar resposta aos desafios cada vez maiores que as cidades colocam, pois estes inferem directamente na vida social e económica da cidade.

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Referências Bibliográficas 06

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Entrevista realizada à socióloga Maria Estela Gonçalves no âmbito da dissertação, 2014.

Entrevista realizada à directora do LARGO Residências, Marta Silva no âmbito da dissertação, 2014.

Entrevista realizada ao arquitecto Paulo Mendes Gonçalves no âmbito da dissertação, 2014.

Intervenção de Gonçalo Byrne na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.

Intervenção de João Appleton na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.

Intervenção de João Santa-Rita na conferência “Reabilitar Lisboa, Para quê e para quem?” no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana, Lisboa, 21 Março 2014.