estranhos

3

Click here to load reader

Upload: fundacao-edp

Post on 25-Jun-2015

115 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: Estranhos

Tiragem: 45640

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Informação Geral

Pág: 30

Cores: Preto e Branco

Área: 26,33 x 31,39 cm²

Corte: 1 de 3ID: 49377013 23-08-2013 | Ípsilon

Expo

siçõ

es

Mulheres fatais e outras que taisUma visita ao museu

surrealista através

da colagem.

Luísa Soares de Oliveira

Estranhos jardins de papel/Queer paper gardensDe Maria Lusitano e Paula Roush.

Lisboa. Museu da Electricidade — Sala

Cinzeiro 8. Av. Brasília. 3ª a Dom., das 10h às

18h. Até 8/09.

Instalação.

mmmmm

São duas artistas que, como é cada

vez mais habitual acontecer, vivem

fora de portas, neste caso na Grã-

Bretanha: Maria Lusitano e Paula

Roush, que expõem juntas desde

2009, optaram por razões

profissionais (um doutoramento

para a primeira, um trabalho como

docente universitária para a

segunda) por deixar o país, o que

não significa que abandonem a

apresentação periódica do seu

trabalho em instituições

portuguesas. Se Lusitano nos

habituou ao seu trabalho em vídeo,

sempre com uma componente

narrativa intensa e ancorado nas

memórias próprias ou históricas,

de Paula Roush conhecíamos o seu

gosto pelo livro de artista, uma

prática que, nos últimos dois ou

três anos, tem interessado cada vez

mais adeptos entre as jovens

gerações de artistas. Nesta

exposição, intitulada Estranhos

jardins de papel, encontramos estas

duas disciplinas aliadas à

componente educativa que é agora

tão presente na vida das duas: a

mostra inclui ateliers criativos

destinados ao público, que pode

experimentar o processo da

colagem, o mesmo que está na

base do trabalho aqui exposto.

A sala do Cinzeiro 8, no Museu da

Electricidade, possui as dimensões

que habitualmente associamos a

uma galeria, mais do que a um

museu. Por isso, os trabalhos, todos

sobre papel, com base em imagens

antigas retiradas de alguma revista

ilustrada ou de álbuns de

fotografias de desconhecida

proveniência, quando não de

desenhos a tinta sobre papel,

podem ser vistos com cuidado, e

inclusive ser objecto de uma

montagem onde as peças se

sobrepõem, amontoam e exibem

obsessivamente. Como num sonho.

A comparação não é

involuntária. Lusitano e Roush

procuraram antecedentes ilustres

na colagem, nomeadamente Max

Ernst e Valentina Penrose, dois

artistas surrealistas que praticaram

a colagem e a criação de novelas

em imagens, e a associação

inusitada de formas e motivos para

despertar a imaginação, como era

caro aos seguidores de Breton. Max

Ernst, primeiro, logo desde 1921

mas sobretudo a partir de 1929,

quando publica La Femme 100

Têtes, criou peças onde a figura

feminina surge na ambiguidade dos

estereótipos associados pela

cultura burguesa à imagem da

mulher, simultaneamente Eva e

Lilith; este projecto seria mais tarde

desenvolvido em Une semaine de

bonté, de 1934, obra a que as

autoras de Estranhos jardins de

papel se referem mais

especificamente. Quanto a Penrose,

que foi casada com o poeta e pintor

britânico do mesmo nome,

publicou (entre outros) Dons des

féminines em 1951, adoptando o

mesmo tipo de colagem de Ernst

mas atribuindo ao seu trabalho

uma visão feminista que estava

ausente das obras e das vidas dos

surrealistas da época.

As colagens sobre papel das

artistas, e também o vídeo ou os

livros que mostram, relevam desta

última obra: afinal, o filme, vídeo

ou não, procede de um processo

fundamental de editing que mais

não é do que a colagem de

sequências díspares para a

obtenção de um resultado final

significante. Imagens de mulheres

cristalizadas pelo cinema,

relevando da dupla acepção que

citámos acima, entre a femme fatale

e a jovem ingénua, sucedem-se em

dupla sequência rápida,

acentuando o princípio da colagem

surrealista, que também é

reforçado pela presença de uma

colecção de cadeiras díspares, em

ruína, onde o espectador é

implicitamente convidado a sentar-

se. Noutras situações, trata-se

nitidamente de fotografias pessoais

que foram trabalhadas pelas

artistas com vista à obtenção dessa

abertura difícil para um universo

outro que o Surrealismo procurava.

E não falta uma nota de humor,

sempre presente em qualquer

exposição de um surrealista em

meados do século XX: um lobo de

peluche vestido de calças e casaco

está sentado em cima de uma das

mesas da exposição.

Pressinto que as artistas se

divertiram a realizar estas obras. É

impossível não as ver com um

sorriso, muito mais do que com a

surpresa ou o escândalo que as

suas antepassadas suscitavam na

época em que foram criadas. É que

a colagem surrealista possui um

tempo histórico preciso. Não se

trata aqui de assumir a pertença a

um movimento que teve a sua

época e o seu contexto, e que é

hoje irrecuperável. Lusitano e

Roush sabem-no. A sua proposta é

outra: a de actualizar a liberdade

de criação artística de Ernst e

Penrose, uma liberdade que

passava também pela escolha de

uma técnica que não pertencia às

ilustres pintura ou escultura. De

resto, o livro, como meio de

difusão artística, também estava

longe do peso do museu ou da

galeria de arte. É interessante notar

que, em termos de mercado, as

coisas não mudaram assim tanto

nestes quase 100 anos que nos

afastam de Max Ernst; nem o

trabalho sobre papel, nem o vídeo,

nem o livro de artista atingem as

cotações de outras técnicas. O que

mudou, mesmo, ou pelo menos

começou a mudar

significativamente, foi a condição

da mulher, e a distância cada vez

maior que nos separa, a nós

mulheres, das imagens originais

que inspiraram as artistas.

À beira da catástrofeResultante de uma

residência artística de três

meses com 17 artistas, a

nova exposição colectiva

da ZDB suspende autorias

e assinaturas, para se

materializar como doloroso

e frágil gesto de resistência.

José Marmeleira

Jaz aqui, na pequena praia extremaDe Alexandre Rendeiro, David

Guéniot, Lúcia Prancha, Gustavo

Sumpta, Sílvia Prudêncio,

Yonamine, entre outros.

Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca,

59. Tel.: 213430205. 4ª a 6ª das 18h às 23h;

Sáb. das 15h às 23h. Até 28.09.

Escultura, Instalação, Outros.

MMMmm

Não faltam sensações

desagradáveis na exposição

colectiva que transformou as

fundações da Galeria Zé dois Bois

(ZDB). A dureza do entulho sob os

pés. O pó do cimento que vai

cobrindo as pernas. O medo da

queda (está escuro). Convidando a

uma deambulação cautelosa, só as

obras iluminam certas áreas ou

passagens. A projeção de uma luz é

interrompida, a um ritmo regular,

por um objecto (uma peneira?),

Os trabalhos de Estranhos jardins de papel, criados a partir de fotografias ou ilustrações antigas, sobrepõem-se, amontoam-se e exibem-se obsessivamente, como num sonho

Page 2: Estranhos

Tiragem: 45640

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Informação Geral

Pág: 31

Cores: Cor

Área: 26,33 x 16,02 cm²

Corte: 2 de 3ID: 49377013 23-08-2013 | Ípsilon

ícone da violência, mas limita-se a

exprimir a bestialidade e o

desespero anónimos.

Diante da transitoriedade que os

trabalhos carregam (parecem estar

sempre a beira de desabar sobre o

entulho, e este sobre a sala

esvaziada), Jaz aqui, na pequena

praia extrema pode ser confundida

com uma exposição pessimista,

quase catastrófica. Valerá a pena

hoje continuar a fazer arte? De que

modo pode esta ser um trabalho

anónimo e, assim, desarmar a

mercantilização ou a mediatização

que lhe estão associadas? Os

artistas que passaram pela ZDB não

oferecem quaisquer respostas, mas

aquilo que fizeram nos dois pisos

traduz um doloroso gesto de

resistência.

Porém, não há qualquer intenção

lúdica. Não se propõe um jogo ao

espectador mais informado. As

obras revelam-se antes na relação

que se desenha entre os dois pisos

da galeria. No primeiro, só restam

vigas de madeira, toscas, nuas, que

assinalam a presença da

construção humana, e sustêm

aquilo que descobrimos no piso

superior: as obras sobre o entulho,

frágeis, frugais ou inacabadas. A

luz suspensa pelo movimento do

desentendimentos) que resultou

em três obras anónimas.

Pode ser um exercício

interessante tentar descobrir

marcas autorais ou formas de fazer

nas instalações. Alguns nomes

integraram a anterior colectiva da

ZDB (Tem calma o teu pais esta a

desaparecer) e, tal como nessa

ocasião, repete-se a presença de

dispositivos pré-cinemáticos.

Advinha-se, por isso, aqui e ali, a

preponderância de certos artistas.

câmaras obscuras criam, sobre as

duas faces da mesma superfície,

imagens de uma caveira e de um

rosto mumificado. Um colosso

segura nas mãos a sua própria

cabeça, como se tivesse acabado

de a arrancar.

São estas as peças de Jaz aqui, na

pequena praia extrema (o título é

retirado de A Mensagem, de

Fernando Pessoa). Apenas três,

escondidas nas galerias

escurecidas e tornadas “devolutas”

da ZDB. Mas é na sua história

pretérita, no processo, que a

exposição se desvela. Tudo

começou durante a quinta

residência de artes visuais da Rua

da Barroca, com o labor de 17

artistas que compunham um

conjunto heterogéneo de

sensibilidades, interesses e

práticas. Com efeito, não se

divisam parentescos óbvios entre

os universos de Patrícia Almeida e

Lúcia Prancha, ou de Yonamine e

Sílvia Prudêncio (todos

participantes), pelo que se pode

imaginar a pluralidade de questões

debatidas durante e no fim da

residência. Ora, foi exactamente

para “capturar” a energia desse

quotidiano que os artistas

aceitaram diluir as suas

singularidades numa experiência

colectiva, abolindo autorias e

assinaturas. Não fizeram cadavre

exquis nem dividiram o trabalho,

mas entregaram-se a uma

produção lenta, complexa

(porventura até marcada por

objecto concorre com uma

sombra. Espreitamos as câmaras

obscuras e a caveira transforma-se

no rosto de um homem

mumificado. Menos “interactiva”,

a escultura espera-nos na última

sala e não há perigo de a deitarmos

ao chão. É um ídolo enorme,

discretamente iluminado, feito de

barro que exige manutenção

devido à ameaça constante da

humidade. Não representa deuses

ou deusas, nem pretende ser um

Os artistas desta quinta residência da Zé dos Bois aceitaram diluir as suas singularidades numa experiência colectiva: da sua produção lenta, complexa, resultaram três obras anónimas

Page 3: Estranhos

Tiragem: 45640

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Informação Geral

Pág: 19

Cores: Cor

Área: 4,93 x 8,67 cm²

Corte: 3 de 3ID: 49377013 23-08-2013 | Ípsilon

Exposições

Aventura surrealista na Fundação EDP

30