estrangeirização e domesticação sem radicalismos

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Reginaldo Francisco - Tradutor Bacharel Letras Hab. Tradutor (UNESP) Mestre Estudos da Tradução (UFSC) * Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

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Estrangeirização e domesticação sem radicalismos - Reginaldo Francisco

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Page 1: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

Reginaldo Francisco - Tradutor Bacharel Letras Hab. Tradutor (UNESP)

Mestre Estudos da Tradução (UFSC)

*Estrangeirização e

domesticação sem

radicalismos

Page 2: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Dicotomias * verbum pro verbo x sensum exprimere de sensu

* literal x livre

* correspondência formal x dinâmica

* domesticação x estrangeirização

* ...

* Bem x Mal

* Deus x Diabo

*mocinho x vilão

* polícia x bandido

* Mumm-Ra x ThunderCats

O mundo parece mais simples quando dividido em duas

categorias opostas e excludentes.

Page 3: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Lawrence Venuti

* The Translator's Invisibility: A History of Translation

* The Scandals of Translation: Towards an Ethics of

Difference

* domestication: práticas tradutórias que ocultam

as diferenças culturais, adaptando tudo à cultura de

chegada

X

* foreignization: práticas tradutórias que mantêm a

estranheza do texto original e da cultura de partida

Page 4: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Antoine Berman * A tradução e a letra ou o albergue do longínquo

(1985/1999/2007)

* a prática da tradução tradicional: ato culturalmente

etnocêntrico, “que traz tudo à sua própria cultura, às suas

normas e valores, e considera o que se encontra fora dela —

o Estrangeiro — como negativo ou, no máximo, bom para ser

anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura”

(p. 28).

X

* Proposta de uma prática de tradução “ética”, cujo objetivo

estaria em “reconhecer e em receber o Outro enquanto

Outro” (p. 68), em lugar de esconder o elemento estrangeiro

da obra traduzida.

* Fidelidade à “letra” do original — “essência última e

definitiva da tradução”

Page 5: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Friedrich Schleiermacher (Fred)

*Dos diferentes métodos de traduzir

(1985/1999/2011)

“Mas e quanto ao verdadeiro tradutor, que quer

realmente aproximar estas duas pessoas

completamente separadas que são o seu autor e o seu

leitor, [...] que caminhos pode ele trilhar? Ao meu

ver, há somente dois. Ou o tradutor deixa o autor o

mais possível em paz e leva o leitor ao seu encontro,

ou deixa o leitor o mais possível em paz e leva o

autor ao seu encontro.” (p. 22)

Page 6: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Semelhanças e diferenças

*Defesa de uma tradução que não apague a

estranheza do estrangeiro, estrangeirizante / da

letra / que leve o leitor até o autor

X

*Contextos linguísticos / culturais / tradutórios

diferentes entre si (e também do nosso)

*Alemanha, século XIX: nacionalismo, unificação

* França: tradição das belles infidèles

* EUA: cultura hegemônica com poucas traduções de

outros idiomas para o inglês

Page 7: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Resultado *Muitos estudos partem das reflexões desses

autores, para pensar a tradução como

dividida nessas duas possibilidades

* estrangeirização como a maneira correta, ideal e

perfeita de traduzir

X

* estrangeirização como impossível, prejudicial à língua

de chegada e obscura para os leitores finais da

tradução

Page 8: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

“Ignorar o leitor, esse ator importante da tríade formada com

o autor e o tradutor, é o que não confessa quem defende

entusiasticamente a fidelidade à letra.”

(Ivone C. Benedetti)

“Ser estrangeirizador, no caso brasileiro (desculpem) não é

nada original, para não dizer revolucionário. Está longe da

temeridade que representa derrubar os ícones de sua própria

cultura ou desafiar os de uma cultura hegemônica. Significa,

justamente, ir-maria-com-as-outras, em vez de enfrentar a

maré. Afirmar conscientemente as características da própria

língua, buscá-las no que há de mais genuíno, conhecer suas

estruturas mais fluidas e elegantes, optar por uma

terminologia mais apropriada e criativa são atitudes mais

corajosas e originais, mais dignas de uma nação que se preze.”

(Ivone C. Benedetti)

Page 9: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Problemas de dicotomias radicais * impossível ser apenas estrangeirizante ou apenas

domesticador:

* complexidade de cada situação tradutória

* infinidade de decisões que o tradutor precisa tomar

*Categorias não são estanques:

* combinações de ambas na tradução de um mesmo texto

* estratégias híbridas

* soluções que não representam nem uma nem outra

“Enfim, estrangeirização ou domesticação? Nenhum

dos dois. Jogo de cintura é a resposta.”

(Ivone C. Benedetti)

Page 10: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*O diário de Gian Burrasca * Il giornalino di Gian Burrasca, Vamba (Luigi Bertelli)

* Tradução do italiano para o português

* Infantojuvenil do início do século XX

Projeto de tradução expresso no prefácio:

“[...] quis dar ao leitor a oportunidade de se divertir observando as diferenças e as semelhanças de que falei acima. Por isso,

procurei não adaptar demais o livro: não quis criar um Giannino moderno, não trouxe a história para o Rio de Janeiro ou São Paulo, não transformei o Gian Burrasca em João Borrasca ou

Joãozinho Vendaval. Considerei como minha tarefa não transformar o texto italiano num texto brasileiro, mas tornar o texto italiano acessível para os leitores brasileiros como você.”

* OK, mas sem assustar as crianças, por favor...

Page 11: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Provérbios e expressões idiomáticas

Mi accorsi una volta di più che il mio babbo aveva ragione a dir corna del servizio ferroviario [...] (p. 27)

Percebi mais uma vez que meu pai tinha razão em falar o diabo do serviço ferroviário [...] (p. 35)

— Ehi, dico! Rispondete; e ditemi dove siete stato e che avete fatto in quell'ora! —

Io a questo punto fissai lo sguardo sulla carta dell'America appesa alla parete a destra della scrivania e... seguitai a far l'indiano. (p. 186-187)

— Ei, estou falando! Responda! E diga onde esteve e o que fez naquela uma hora!

Eu nessa altura fixei o olhar no mapa da América pendurado na parede à direita da escrivaninha e… continuei me fazendo de índio. (p. 215)

Page 12: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Provérbios e expressões idiomáticas Eccomi a casa mia, nella mia cameretta, che ho rivisto tanto

volentieri!... È proprio vero quel che dice il proverbio:

Casa mia, casa mia,

Per piccina che tu sia,

Tu mi sembri una badia. (p. 40)

Aqui estou, na minha casa, no meu quartinho, que fiquei tão feliz

de rever! É mesmo verdade o que diz o provérbio italiano:

Casa minha, casa minha,

mesmo tão pequenininha,

para mim é uma abadia. (p. 48)

Quando mi sono destato ho visto nel divano difaccia il signor

Clodoveo che dormiva, russando come um contrabbasso. (p. 99)

Quando despertei, vi no assento em frente o senhor Clodoveo

dormindo, roncando mais que a locomotiva. (p. 113)

Page 13: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Palavras e expressões no idioma original

— Dio mio! Se eu pudesse saber quem foi, como

queria me vingar! (p. 29)

[...] e o Maralli, branco como uma folha de papel,

sacudia a barbona e saltava pela sala repetindo:

— Mamma mia, um terremoto! Mamma mia, um

terremoto! (p. 100)

— [...] Enquanto o motorista estiver lá dentro, você

sobe no automóvel e eu te levo pra dar uma volta ao

redor da praça, pra você ver se eu consigo ou não. Va

bene?

— Benissimo! (p. 108)

Page 14: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Palavras e expressões no idioma original

— Canaglia, eu tinha te proibido de vir aqui! (p. 128)

— Tome as duas liras… [...] Você é um bravo ragazzo e

faz bem em sempre falar a verdade! (p. 145)

O senhor Venanzio é enfadonho, concordo, mas tem lá

suas qualidades. Comigo, por exemplo, é cheio de

gentilezas e diz sempre que sou “un ragazzo originale”

e que se diverte um monte me ouvindo falar. (p. 148)

Page 15: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Nomes próprios

Ora non diranno più che son la rovina della casa! Non

mi chiameranno più Gian Burrasca di soprannome, che

mi fa tanta rabbia! (p. 13)

Agora não vão mais dizer que sou a ruína da casa! Não

vão mais me chamar de Gian Burrasca!” Burrasca quer

dizer “tempestade”, e esse apelido me irrita muito!

(p. 15)

Porém, Mascherino > Mascarado

Giannino Stoppani

Ada

Luisa

Virginia

Collalto

Capitani

Maurizio

Venanzio

Geltrude

Stanislao

Page 16: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Nomes próprios

[...] questo ragazzo che è Mario Betti, ma noi si

chiama il Mi'lordo perché va vestito tutto per

l'appunto e all'inglese, mentre invece ha sempre il

collo e gli orecchi così sudici, che pare proprio uno

spazzaturaio travestito da signore. (p. 66)

O nome dele é Mario Betti, mas a gente chama ele

de Nojentleman, porque anda todo bem vestido, à

inglesa, mas está sempre com o pescoço e as orelhas

tão sujos que parece até um varredor de rua vestido

de aristocrata. (p. 75)

Page 17: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Nomes próprios

Che tipo buffo è il signor Clodoveo!

Prima di tutto vuol far sempre il forestiero, e s'è

cambiato gli i del suo cognome, che sarebbe

Tirinnanzi, in tanti ipsilonni facendone un

Tyrynnanzy, perché dice che nel suo commercio,

rappresentando le principali fabbriche d'inchiostri

dell'Inghilterra, gli giova presentarsi ai clienti con

tre ipsilonni... (p. 98)

Estrangeirizar? Tyrynanzy?

Domesticar? Sylva? Olyveyra? Pereyra da Sylva?

Page 18: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Nomes próprios

Que tipo gozado é o senhor Clodoveo!

Em primeiro lugar, quer bancar sempre o

estrangeiro, e trocou os is do próprio

sobrenome, que seria Vicentini, por um monte

de ípsilon, pra ficar Vycentyny, porque diz que

no trabalho dele, como representante das

principais fábricas de tinta da Inglaterra, é

vantajoso se apresentar aos clientes com três

ípsilons… (p. 112)

Page 19: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Então...

* Nenhuma teoria da tradução é

* receita

* lei

* dogma

* A tradução não pode ser representada

de forma binária

Page 20: Estrangeirização e domesticação sem radicalismos

*Referências BENEDETTI, Ivone C. A estranheza do mito. Disponível em: http://ivonecbenedetti.wordpress.com/2010/09/07/a-estranheza-do-mito/. Acesso: em 25 mai 2013.

______________. O mito da estranheza. Disponível em: http://ivonecbenedetti.wordpress.com/2010/08/07/o-mito-da-estranheza/. Acesso: em 25 mai 2013.

BERMAN, Antoine. A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad. Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras/PGET-UFSC, 2007.

FRANCISCO, Reginaldo (tradução). BERTELLI, Luigi. O diário de Gian Burrasca. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

SCHLEIERMACHER, Friedrich. Dos diferentes métodos de traduzir.

Trad. Mauri Furlan. Scientia Traductionis. Florianópolis, n. 9, p. 3-70, 2011. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/1980-

4237.2011n9p3/18329>. Acesso em: 25 mai 2013.

VENUTI, Lawrence. The translator’s invisibility: a history of translation. London/New York: Routledge, 1995.

______________. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrini, et. al. Bauru, SP: EDUSC, 2002.