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112 ARTIGO DE REVISÃO o estetoscópio Erika Cristian Camargo de SouzaI Alessandra Carvalho Goulartl Feres Eduardo Aparecido Chaddad Netol Fernando Mello Portal Heraldo José Vivarelli Curti2 Paulo César Ribeiro Sanches3 Silvio Santos Carvalhal4 RESUMO Apesar da evoluçãodos métodosdiagnósticos, o estetoscópiocontinua sendo importante ferramenta de trabalho médico. Em vista disso, essarevisão bibliográfica (1941 - 1994) tem por objetivo demonstrar aos estudantes de Medicina e aosprofissionaisde saúde, aspectoshistóricose técnicossobreo estetoscópio. Desde o séculoXlV, quando o estetoscópio foi inventado, várias pesquisas vem sendo desenvolvidas na buscade um aparelho de ausculta mais adequado. Basicamente, um estetoscópioideal, até o momento, deve possuir as seguintes peças, com suas características: otivas - que devem estar bem ajustadas no ouvido e com o seu eixo paralelo ao canal auditivo externo, para evitar escape de ar ou entrada de ruídos externos; hastes - paralelas ao maior eixo do canal auditivo; tubo - comprimento de 25 - 30 cm, diâmetro de 3mm para evitar distorção do som; câmara receptora (campânula + diafragma) - a campânula deve ser usada preferencialmente para sons de baixa freqüência e o diafragma para os de alta freqüência. Conclui-se que não há até o momento, um estetoscópio que englobe todas as características consideradas comoideais para uma melhor ausculta; contudo existem várias pesquisas em andamento com o intuito de uma performance acústica mais acurada. Uni termos: estetoscópio,ausculta, coração,literatura de revisão. INTRODUÇÃO Apesar de estarmos em plena era da ecocardiografia, do cateterismo e da medicina nuclear, o estetoscópio continua sendo indispensável ao médico na realização de um exame físico cuidadoso, onde a ausculta nos presta importantes informações nos (I) Inrernos do Curso de Medicina da l'aculdade de Ciências Médicos da PUCCAMP. (2) Coordenador do Departamento de Anammia Pa[Ológica da racukl:tdc de Ciências Médicas da PUCCAMP. (3) Pós-graduando, IncOt - Hospital das Clínicas da faculdade de Medicina da USI'. (4) Livre-Docenre do Dcparrarncnro de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da PUCCAMP. ajudando a fazer diagnósticos, principalmente no que diz respeito às patologias torácicas. Infelizmente hoje, os estudantes e novos profissionais não tem a mesma intimidade com o manejo desta importante "ferramenta" de trabalho, quando comparada aos nossos mestres do passado. Nenhum outro objeto ilustra de maneira tão perfeita a imagem do médico, ou o prestígio de um estudante de medicina do que o estetoscópio. Aparelho que do grego significa "olhar dentro do peito" (derivado do Grego, stethos = peito, skopos = olhar), de maneira que todo paciente aguarda seu uso, como se lhe oferecesse um certo alívio, e Revista de Ciências Médicas - PUCCAMP, Campinas, 4 (3): 112 - 118, setembro/dezembro 1995

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ARTIGO DE REVISÃO

o estetoscópio

Erika Cristian Camargo de SouzaIAlessandra Carvalho Goulartl

Feres Eduardo Aparecido Chaddad NetolFernando Mello PortalHeraldo José Vivarelli Curti2Paulo César Ribeiro Sanches3Silvio Santos Carvalhal4

RESUMO

Apesar da evoluçãodos métodosdiagnósticos, o estetoscópiocontinua sendo importante ferramenta detrabalho médico. Em vista disso,essarevisãobibliográfica (1941 - 1994) tem por objetivo demonstraraosestudantes deMedicina e aosprofissionaisde saúde, aspectoshistóricose técnicossobreo estetoscópio.Desde o séculoXlV, quando o estetoscópiofoi inventado, várias pesquisas vem sendo desenvolvidas nabuscade um aparelho de ausculta mais adequado. Basicamente, um estetoscópioideal, até o momento,deve possuir as seguintes peças, com suas características: otivas -que devem estar bem ajustadas noouvido e com oseu eixo paralelo ao canal auditivo externo, para evitar escape de ar ou entrada de ruídosexternos; hastes - paralelas ao maior eixo do canal auditivo; tubo - comprimento de 25 - 30 cm,diâmetro de 3mm para evitar distorção do som; câmara receptora (campânula + diafragma) - acampânula deve ser usada preferencialmente para sonsde baixa freqüência e o diafragma para osdealta freqüência. Conclui-se que não há até o momento, um estetoscópioque englobe todas ascaracterísticas consideradascomoideaispara uma melhor ausculta; contudo existem várias pesquisasem andamento com o intuito de uma performance acústica mais acurada.Uni termos: estetoscópio,ausculta, coração,literatura de revisão.

INTRODUÇÃO

Apesar de estarmos em plena era daecocardiografia, do cateterismo e da medicina nuclear,o estetoscópio continua sendo indispensável ao médicona realização de um exame físico cuidadoso, onde aausculta nos presta importantes informações nos

(I) Inrernos do Curso de Medicina da l'aculdade de Ciências Médicos da PUCCAMP.(2) Coordenador do Departamento de Anammia Pa[Ológica da racukl:tdc de Ciências

Médicas da PUCCAMP.

(3) Pós-graduando, IncOt - Hospital das Clínicas da faculdade de Medicina da USI'.(4) Livre-Docenre do Dcparrarncnro de Anatomia Patológica da Faculdadede

Ciências Médicas da PUCCAMP.

ajudando a fazer diagnósticos, principalmente no quediz respeito às patologias torácicas.

Infelizmente hoje, os estudantes e novosprofissionais não tem a mesma intimidade com omanejo desta importante "ferramenta" de trabalho,quando comparada aos nossos mestres do passado.

Nenhum outro objeto ilustra de maneira tãoperfeita a imagem do médico, ou o prestígio de umestudante de medicina do que o estetoscópio. Aparelhoque do grego significa "olhar dentro do peito"(derivado do Grego, stethos = peito, skopos =olhar), de maneira que todo paciente aguarda seuuso, como se lhe oferecesse um certo alívio, e

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o ESTETOSCÓPIO

influenciando de maneira importante na relaçãomédico-paciente. Novos estetoscópios vem sendodesenvolvidos há mais de um século e meio, pormédicos e engenheiros, desde que Laennec em 1816improvisou o primeiro estetoscópio da história.

HISTÓRICO

Os sons cardíacos provavelmente já eramreconhecidos séculos antes do século XVII, ondeWillian Harvey apresentou em 1616 suas "palestrassobre vísceras" (Cardiovascular Sound - Dr. VictorMcKusick). No passado, os médicos auscultavamcolocando o ouvido diretamente no tórax do paciente,sendo este método descrito por Corvisart em 1818,citado por HURSP.9.

René Laennec, discípulo de Corvisart, tem omérito de ter sido o inventor do estetoscópio, poisachava inconveniente e às vezes repugnante a técnicade ausculta direta, principalmente em mulheres comseios grandes. Em certa ocasião, em 1816, frente auma jovem paciente com sintomas de cardiopatia,onde a ausculta direta era inconveniente e apalpaçãopouco esclarecedora, teve a idéia de enrolar um blocode papel, colocando uma extremidade no precórdioda paciente e a outra em seu ouvido, onde para suasurpresa ouviu as bulhas cardíacas de forma maisclara. Nascia aí o estetoscópio, ou a técnica de auscultaindireta. O próprio Laennec desenhou umestetoscópio de madeira em 18198.12.15.

Aproximadamente em 1852, o Dr. George P.Cammam (1804 - 1863) desenhou o estetoscópiobiauricular flexível, onde havia um tecido tubular(espirais de fio coberto de seda), olivas de marfim,campânula de madeira, tubos metálicos para osouvidos e mola para segurar as olivas. Este modelo foium grande desenvolvimento em relação aosestetoscópios rígidos e monoauriculares (quepossuíam apenas uma oliva para se encaixar em umouvido), sendo considerado semelhante aos usadoshoje em dia. Porém, não havia sido inventado aindaa membrana diafragma.

Um aluno de Laennec, Dr. Charles J.B.Willians,de Londres, havia inventado um monoauricularflexível, com tubo de guta-percha(l>, em 1829. Ostubos de borracha passaram a ser usados a partir de1844, com os processos de vulcanização.

Os estetoscópios de funil de ouvido, idealizadospor Biony, em 1928, apresentavam olivas que cobriam

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todo o ouvido externo, encobrindo o pavilhão daorelha. Com os tubos flexíveis disponíveis, surgiramolivas menores e com encaixe no canal do ouvido,tornando-se mais práticas.

Em 1894, um engenheiro de Massachusetts,R.C.M. Boules, inventou a membrana diafragmáticamoderna. Após vários estudos e debates, entre odiafragma e a cabeça ressonante, ficou decidido queambas eram necessárias. Em 1926, Dr. Spraguecombinou a cabeça campânula - diafragmática (ondeem uma peça havia campânu1a associada a diafragma),ainda em uso com o nome de Sprague - Bowles. Oesfigmomanômetro veio a fazer parte da clínica diáriaem 1905, onde o russo Nikolai S. Korotkoff, usandoo esfigmo de Riva -Rocci, posicionou o estetoscópiosobre a artéria braquial durante o exame.

Muitas controvérsias à respeito do melhorestetoscópio foram levantadas, como por exemplo, oDr. Willian S. Thayer, aluno de Os ler, que defendiaa idéia dos tubos curtos (curtoscópios). Em 1940, oDr. Sprague e Maurice B. Rappaport,daCo. Sanborn,Massachusetts, estudaram princípios físicos econcluíram que a campânula concentra os sons etransmite para os tubos. Vários modelos já foramdesenhados pelos princípios de Sprague eRappaport14, como por exemplo, o famoso modeloAcústico Rappaport - Sprague de 1960. O Dr. DavidLittman, em 1961, desenhou um aparelho leve, deum fio (de aço, liga leve ou ouro 24). Em 1958, ocardiologista britânico Aubreg Leathan inventou umestetoscópio pediátrico, que possuía duas campânulas,que colapsava uma para dentro da outra. Devemosnos lembrar também do aparelho desenhado porHarvey, da Georgetown University, em 1962, comtrês cabeças (uma campânula, um diafragma padrão,e um diafragma ondulado)6.

Alguns estetoscópios elétricos, comamplificadores foram idealizados, porém devido asdistorções do som pela eletricidade e alto custo, nãoforam utilizados na prática diária. Porém, podemamplificar o som até 100 vezes, podendo ser útilno ensino, para médicos deficientes e nofonoaudiograma, para localizar a área a ser gravada.

O estetoscópio de Laennec até os modelos quedispomos atualmente apesar da tecnologia existentehoje para se fazer diagnósticos, permanece seu papelcomo importante instrumento semiológico, para sefazer diagnósticos como símbolo médico e emblemada relação médico - paciente.

(1) gura. pcrcha: subst3ncia plástica csponjos:1, não elástica, 3cin7.cnradaobdda da seiva da PalalJu;",gutta (Malásia).

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PRINCÍPIOS FÍSICOS DA AUSCULTA

A base científica da ausculta relaciona-se com

as vibrações transmitidas através das várias estruturassobrepostas, como a pele, tecido celular subcutâneo,músculos, estruturas ósseas e tendinosas, parede degrandes vasos, sangue entre outras. As ondasvibratórias colocadas em movimento numa coluna de

ar são transmitidas ao cérebro, cuja interpretaçãosubjetiva origina o som.

Existem vários fatores que influenciam o som:Freqüência é o número de ciclos de onda por

segundo geradas por um corpo em vibração, quedetermina a tonalidade. Um maior número de

vibrações por segundo caracterizam os sons de altafreqüência (agudos) e um menor número os de baixafreqüência (graves).

Os sons cardíacos são compostos de freqüênciasmistas, ou seja, uma junção de freqüências altas ebaixas. Em vista disso a transmissão de um som em

particular pode não relatar a transmissão de umafreqüência pura ou fundamental (a qual é formadapor um corpo que vibra sob uma única freqüência).

A intensidade é determinada pela amplitude(ou altura) da onda vibratória. A intensidade com queuma estrutura vibra determina grandes amplitudes(ruídos fortes) e baixas amplitudes (ruídos suaves).N a prática, o decibel significa uma unidade de medidada intensidade do som e corresponde a um décimo debel (um logarítmico único)9.1l.

A amplitude independe da capacidade auditivae seus fatores de terminantes são a fonte de produçãode energia, o meio de transmissão, a freqüência dasvibrações e a distância entre gerador e receptor.

A sensação subjetiva de "altura" depende daintensidade e da freqüência das vibrações e dasensibilidade dos ouvidos8.

A qualidade está relacionada intimamente coma freqüência e a intensidade das vibrações fundamentaiscomo também com as vibrações que se sobrepõem(harmônicos) .

A inter-relação entre a freqüência fundamentale a freqüência dos harmônicos produz uma nuancemusical, e quando estas não se relacionam há aprodução de ruídos. Os sons produzidos pelo coraçãoapresentam ruídos e músicas, mas principalmenteruídos.

Existem sons de intensidade e freqüência iguaismas que possuem origens diferentes, por exemplo asbulhas cardíacas (Bl e B2) e os sons derivados dopulmão.

A duração é o tempo de propagação de umruído, sendo que as bulhas cardíacas se apresentamcomo uma série de vibrações e uma série longa devibrações como o sopro.

O comprimento de onda é a distância entre doispicos ou depressões sucessivas das ondas vibratórias.Baixas freqüências se propagam através decomprimentos menores. Freqüência x Comprimentode Onda = Velocidade de Propagação (que variaconforme o meio por onde irradiam as ondas sonoras) 9.

A compreensão desses fenômenos físicosmantêm íntima relação dinâmica de auscultação, comos seguintes fatores:

-Aparelho auditivo

O limite de audibilidade é bastante variável na

espécie humana e se correlaciona com a freqüência ea intensidade das ondas vibratórias que constituirãoo som. O ouvido humano é melhor detecto r de

mudanças de freqüência do que de intensidade 10.O aparelho auditivo é mais sensível a uma

freqüência que varia de 1000 a 5000Hz apesar dealguns sons cardíacos situarem-se na faixa de 3000a 4000Hz, estes não chegam ao ouvido com estasfreqüências devido a interposição de várias estruturas,as quais vibram diferentemente entre si devido às suasmassas e elasticidade.

A faixa de freqüência média audível de sonsproduzidos pelo corpo humano situa-se entre 50-500Hz (baixa freqüência: 50-200Hz / alta freqüência200-500Hz). Esta faixa situa-se bem abaixo doslimites ideais do ouvido humanos, 9.10.

A percepção auditiva das freqüências mais altasdiminui com o avanço da idade e com alguns processoscomo a otoesclerose e presbiacusia, mas estes fatosnão interferem de maneira significativa na auscultacardíaca pois os sons cardíacos situam-se numafreqüência mais baixa que a capacidade humanacostuma detectar. A perda situa acima do espectro útilde alguns estetoscópios3,s,9. Processos gripais (comobstrução nasal) não complicados, não interferem naauscultação.

Com relação à intensidade, para o aparelhoauditivo, as freqüências mais altas parecem mais fortesque as freqüências mais baixas, mesmo ambas sendoiguais de intensidade.

A capacidade do ouvido em perceber sonsbreves é proporcional a sua duração, quanto menor aduração do som menor a habilidade de percepção. O

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lo ESTETOSCÓl'IO

ouvido humano é capaz de diferenciar sons de umaduração de até 0,02 segundosS,

Diante desses aspectos vistos anteriormente, éessencial a abordagem dos efeitos mascaradores quesignificam uma redução da habilidade do ouvido emdetectar certos sons na presença de outros 11, Naausculta cardíaca percebemos a influência dessesfatores, pois as freqüências advindas do coração sãomistas; e em sons complexos mais intensos, asfreqüências mais baixas tornam-se mais proeminentesdevido ao fato das mais altas serem mascaradas7,1l.

Quando um som de intensidadecomparativamente maior precede imediatamente umsom consideravelmente de menor intensidade, oresultado é o mascaramento do som menos intenso.

- Interferências externas

Um ambiente silencioso é de extrema

importância para a realização de uma auscultaadequada, Ruídos externos podem interferirsobremaneira na auscultação, ainda mais se as olivasnão estiverem ajustadas de maneira confortável eadequadamente ao canal auditivo externo doexaminador.

- Paciente

As características do biotipo, assim como asdos tecidos que constituem o corpo humano possuemgrande influência nas vibrações sonoras, desde a suaorigem até o ouvido do examinador,

Os sons advindos do coração e tórax atravessamvárias camadas do corpo humano até chegarem asuperfície. Como resultado deste fato, uma grandeporcentagem de energia sonora nunca alcança o ouvidohumano por interferência da viscosidade sangüínea,elasticidade, densidade, extensão, reflexão e refraçãoperdidas 11.

A ausculta se torna mais nítida em indivíduos

de tórax delgado ou de diâmetro AP menor; pois ainterposição de tecido celular subcutâneo ou tecidobastante aerado (como ocorre nas DPOCs) dificultama ausculta por serem a gordura e o ar maustransmissores de ondas sonoras.

A parede ventricular sólida, a aorta (ou vasosde grande calibre) e os ossos são eficientes meios depropagação sonora. A viscosidade sangüínea, por suavez, é outro fator preponderante na ausculta, pois háum aumento do hematócrito ou proteínas plasmáticas

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com uma atenuação significativa na transmissão dasvibrações dos sons a partir de sua fonte de origemS,6,

o estetoscópio

Apesar da evolução dos métodos de examescomplementares, o estetoscópio continua sendo umaimportante ferramenta de trabalho médico naelucidação diagnóstica. Não há até o momento oprotótipo do estetoscópio ideal, contudo existemvárias pesquisas em andamento com o intuito de umaperformance acústica mais acurada.

Basicamente, o estetoscópio é constituído dasseguintes peças que descrevemos a seguir:

Otivas: são as peças para os ouvidos, as quais devemajustar-se firmemente ao canal auditivo, a fim de nãopermitir escape de ar ou entrada de ruídos externos;as suas pontas devem ser feitas de material plásticopara se adequarem perfeitamente ao canal auditivo,sem causar pressão intensa, originando dor e impossi-bilitando uma ausculta adequada.

Vários estetoscópios, atualmente, apresentamuma grande variedade de tipos de olivas, buscandoum maior conforto para o examinador no momentoda ausculta. A performance de um estetoscópio estárelacionada com o tipo de oliva, a fim de que evitevazamento de ar, pois mesmo que este seja mínimoacarreta um prejuízo na audibilidade das freqüênciasbaixas. Além disso, é fundamental que o eixo dasolivas seja paralelo ao canal auditivo, para não obstruira passagem do som3.Hastes: são os arcos metálicos, os quais devem seajustar de tal modo que o eixo de cada uma das peçasseja paralelo ao maior eixo do canal auditivo externo.O arco da parte metálica que faz conexão entre os doisouvidos são bem ajustados, a fim de que proporcioneo ajuste adequado ao canal auditiv04,7.Tubo: é uma conexão de material plástico entre ashastes metálicas e a câmara receptora, ou seja, é oresponsável pela transmissão sonora dos ruídoscorpóreos até o aparelho auditivo.

Vários estudos tem demonstrado que existemfatores que influenciam muito em relação ao tipo detubo, como por exemplo: seu comprimento, diâmetro,tipo de lúmem (duplo ou único)4,S,8,

O estetoscópio ideal deve ter um comprimentoentre 10 - 12 polegadas (25 - 30 cm), pois a distânciaprovoca distorções na sua trajetória, como tambémum tubo muito curto prejudica a ausculta devido auma distorção entre a haste e a oliva em relação ao

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aparelho auditivo. Verifica-se este fato pois as hastese as olivas não se posicionam paralelamente ao canaldo ouvido, prejudicando a ausculta. No tocante aodiâmetro este deve ter 1/8 de polegada (3 mm); se osdiâmetros forem muito pequenos pode ocorrer ofechamento do lúmem quando o tubo ficarligeiramente encurvado, ou dobrado sobre si. A parededo tUbo deve ser grossa para minimizar o ruído doambiente, diminuindo a influência externa4,s.

Em relação ao tipo de lúmem verifica-se que otUbo único apresenta um padrão irregular de distorçãoe uma perda considerável de potência nas altasfreqüência. ContUdo, o estetoscópio de duplo lúmemé considerado melhor devido ao volume interior dostUbos ser menor individualmente (cada tUbo),diminuindo as distorções durante a sua trajetória,além de que se considerarmos suas paredes tão rígidasquanto possíveis compatíveis com a maleabilidade, odeslocamento de volume é convertido em flutUaçãomáxima de pressão, proporcionando uma audibilidademaior4,s.

As freqüências são modificadas nos tUbos osquais se comportam como um órgão, e ressoam certasfreqüências determinadas sobretudo por seucomprimento de onda. Considerando-se a borrachacomo o material utilizado para a construção dostubos, estes apresentam uma complacênciarelativamente baixa, amortecendo os picosressonantes.

Assim sendo, concluiu-se que o tUbo ideal seriao mais curto e rígido possível (que diminui a perda detransmissão, mas flexíveis o suficiente para mover acâmara receptor a sem mover as olivas), como tambémcom duplo lúmem para melhor transmissão das altasfreqüências4,s.

Câmara receptara

o estetoscópio direciona praticamente todaenergia derivada do precórdio através de uma câmarareceptora diretamente até o conduto auditivo doexaminador.

A maior parte das vibrações sonoras ocorremneste compartimento, que possui como peças básicasum sistema de campânula e diafragma,

O "sino" ou campânula é a estrutUra responsávelpela transmissão dos sons de todas as freqüências,mas o seu uso na prática evidencia uma maior utilidadepara freqüências baixas, Fator fundamental para queisso ocorra é a colocação da campânula levementesobre o tórax do paciente. A pele do mesmo circundada

pelo sino torna-se um "diafragma natUral" havendoum amortecimento médio facilitando assim a

propagação de sons de baixa freqüência14,ls. Um sinocom um grande diâmetro é o ideal para a transmissãode sons de baixa freqüência e possui perda na respostade freqüências mais altas,

Além disso, uma campânula grande aumenta aintensidade do som transmitido devido ao maior

contato com a pele do paciente, mas possui oinconveniente de não obter um bom encaixe no tórax

de indivíduos magros ou crianças, deixando ruídosexternos e mesmo o ar interferirem na transmissão

dos sons cardíacos, O ideal portanto é possuir duascampânulas (uma grande e outra pequena) para poderoptar conforme for necessário.

Ruídos de baixa freqüência que podem sercaptados pela campânula ou sino, são terceira e quartabulhas os sopros de ejeção.

A razão pela qual o sino não deve ser utilizadopara a transmissão de freqüências altas, é devido oinconveniente de se apertar muito a pele do paciente.(para que esta se transforme num diafragma maisrígido) e acabar machucando o mesmo.

Devido ao que foi explanado acima, noestetoscópio há o diafragma que é uma membranarígida e ressona principalmente com os sons de altafreqüência transmitindo-os ao tímpano doexaminador. Ele deve ser rígido (aço inoxidável deO,7mm é o ideal até o momento) e pode limitar umagrande área do tórax,

A membrana do diafragma deve ser apoiadafirmemente evitando sua movimentação sobre a peledo paciente, permitindo preferencialmente a auscultapara sons de alta freqüência com mínima interferênciapossíveL Diafragmas frouxos e grandes transmitemsons em volume maior, mas sem tanta eficácia.

Os sons cardíacos que possuem alta freqüênciasão por exemplo, primeira e segunda bulha, os soprosde regurgitação, os de ejeção da valva pulmonar eaórtica, além do "click" sistólico.

Um estUdo recente sobre os estetoscópiospopulares foi realizado pelo Departamento deMedicina Interna dos Hospitais John, Detroit eMichigan2. Este estUdo teve por objetivo comparar aacústica de seis diferentes estetoscópios populares,como o Littmann Classic II, Littmann Cardiology II,Littmann Master Cardiology, Hewlett-Packard-Rappaport-Sprague, Tycos Harvey Triple Head eAllen Medical Seris 5A RPS BinauraL Assim, foianalisada a acústica do estetoscópio através do uso deum gerador de freqüência e um ouvido artificiaLDesse modo, esses estetoscópios foram comparados

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o ESTETOSCÓPIO

nos seus diversos modelos envolvendo o S1110e o

diafragma.A função de freqüência foi medida numa faixa

de 37,5 a 1000Hz, extensão onde se ausculta todos ossons gerados pelo coração e pulmão. Dessa formaconclui-se que os sons de baixa freqüência (37,5-11 ,2Hz) eram, na maior parte dos casos amplificadospelo sino e atenuados pelo diafragma, mas isto nãogerava diferenças significativas. Sendo que somenteos diafragmas que produziam amplificações nas baixasfreqüências foram o Littmann Classic lI, LittmannMaster Cardiology e o Littmann Cardiology lI.

O diafragma e o sino se mostraram pobrestransmissores na extensão de freqüências altas (125-1000Hz), no entanto houve uma menor atenuaçãonessa faixa de freqüência pelos sinos em relação aosdiafragmas. Os Tycos Harvey Triplc Head mostrou amaior atenuação do som através de seu diafragma.

Estatisticamente não houve diferençassignificativas entre os estetoscópios estudados, sendoque o Littmann Cardiology II tanto na parte do sinoquanro na parte do diafragma, foi o que,aparentemente se mostrou o mais próximo de umaperfonnance acÚstica aceidvel.

SUMMARY

The stethoscope

In spite of the development of diagnostic methods) thestethoscope has been an importan t medical tool.N evertheless) this literature revision (194 J - J 994) has

the purpose of presenting to medical students and healthprofessionals historical and technical aspects concerningauscultation. The authors have done a bibliographicrevision form J 94 J to 1994 on this subject. Since XIV

Century) when stethoscope was discovered) severalresearches had been done in an attempt to find a moresensitive one. Sofar) an ideal stethoscope ought to have thefolIowing characteristics: ear pieces must be welI adjustedto ear with their axles paralIel to the external auditive

canal in order to avoid air escape and noise from outside;hasted must bepar(1lIel to the bigger axles ofthe auditive

canal. The dimensions ofthe tube must be 25-30 cm longand diameter of 3 mm to avoid the distortion of sounds;receiver chamber (BelI+Diaphragma): the use ofthebelI is more apropriated for auscultation oflow frequencysounds and the diaphragma for high frequency ones. Theconclusion is that there is no stethoscope which fulfilIs ali

117

the characteristics considered to be ideal for auscultation.

Hmvever) there have been several ongoing researches toimprove accoustic performance ofthe stethoscopes.KeY1Vords: stethoscope) auscultation) heart) reviewliterature.

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118 E. C. C. DE SOUZA c[ a!.

11. RAPP APOR T, M.B.E., SPRAGUE, H.B. Physyologicand physicallaws that govern auscultation and theirclinical application. The American Heart Journal,Boston, v.21, n.3, p.261-279, 1941.

12. RAPPAPORT, J. Laennec and the discovery ofauscultation. ISR.]. Sei., v.22, p.597-601, 1986.

13. RAVIN, A. The stethoscope:auscultation of the heart.2.ed. Chicago : Year Book Medical Publishers,1967. p.19-22.

14. ROGERS, F.B. The development of the modernstethoscope:the theory and practive of auscultation.Philadelphia : F.A. Davis, 1964. p.43-49 (TheNinth Hahnemann Symposium).

15. SHERIDAN, J.J. The stethoscope: Laennec'smisnomer.Journal ofthe Royal College ofPhysiciansofLondon, London, v.24, nA, p.318, 1990.

Recebido para publicação em 26 de setembro e aceito em18 de dezembro de 1995.

Revista de Ciências Médicas - PUCCAMP, Campinas, 4 (3): 112 - 118, setembro/dezembro 1995

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