estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAUJO ESTÉTICA EM LUKÁCS: REVERBERAÇÕES DA ARTE NO CAMPO DA FORMAÇÃO HUMANA FORTALEZA CEARÁ 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAUJO

ESTÉTICA EM LUKÁCS:

REVERBERAÇÕES DA ARTE NO CAMPO DA

FORMAÇÃO HUMANA

FORTALEZA – CEARÁ

2013

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1

ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAUJO

ESTÉTICA EM LUKÁCS:

REVERBERAÇÕES DA ARTE NO CAMPO DA FORMAÇÃO

HUMANA

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado Acadêmico em Educação do

Centro de Educação, da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial

para obtenção do grau de mestre em

Educação. Área de concentração:

Formação de Professores.

Orientadora: Profª. Drª. Ruth Maria de

Paula Gonçalves

Coorientador: Prof. Dr. José Deribaldo

Gomes dos Santos

FORTALEZA – CEARÁ

2013

Page 3: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário Responsável – Francisco Welton Silva Rios - CRB-3/919

A663e Araujo, Adéle Cristina Braga

Estética em Lukács: reverberações da arte no campo da formação

humana / Adéle Cristina Braga Araujo. — 2013.

CD-ROM. 114 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol.

―CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)‖.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de

Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Formação de Professores.

Orientação: Profa. Dra. Ruth Maria de Paula Gonçalves.

Co-orientação: Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos.

1. Estética. 2. Arte. 2. Formação humana. 3. Crise estrutural do

capital. 4. Cotidiano. I. Título.

CDD: 370.1

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4

―/.../ As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida

prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam

(os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em

que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação‖

Carlos Drummond de Andrade

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AGRADECIMENTOS

Aos queridos orientadores, pela oportunidade da convivência nesses dois anos e pelos

valiosos ensinamentos. À Profª. Ruth, por me acompanhar desde a graduação, como

pesquisadora de Iniciação Científica, por me fazer entender, de forma mais leve, que toda essa

contradição em que estamos inseridos é passível de mudança; uma transformação radical, a

partir de outra sociabilidade e, também, por toda desmesurada assistência e considerações a

respeito do objeto. Ao Prof. Deri, por me ver engatinhar nos primeiros estudos sobre estética,

a estética marxiano-lukacsiana, por me ver dar tropeços e, em retorno, dar apoio, por acalmar

as angústias e por toda a imensa contribuição com sua leitura mais apurada.

Aos professores que aceitaram o convite para o exame deste trabalho, por todas as

contribuições dadas. À Profª. Susana, por fazer o ―coração desta dissertação bater‖, tendo em

vista a necessidade de inserir na discussão a gênese da estética. À Profª. Betânia, que traz, de

maneira clara e objetiva, dados e questionamentos suficientemente pertinentes e oportunos

para qualquer objeto de estudo. Ao Prof. Valdemarín (Mário), por ter aceito, mesmo sem ter

participado do exame de qualificação, analisar o texto final.

Ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO, que, na figura de seus

professores e pesquisadores, desde 2008, confere minha formação no campo do marxismo,

proporcionando-me a compreensão da importância do gênero humano, da emancipação

humana e da luta em favor da classe trabalhadora.

À minha família, por colaborar e entender que o conhecimento é de fundamental necessidade

para o homem. Peço desculpas pelas ausências, agradeço o apoio e a compreensão. Digo,

ainda, que meu amor a eles é irrestrito, assim como a arte é para o desenvolvimento da

humanidade. À Ise e Jabson, meus artistas contemporâneos preferidos, pela inspiração dada

no desenvolvimento deste trabalho e também pelas propícias discussões sobre a política dos

editais de arte, sobre a arte singular e universal.

Aos grandes amigos que fiz durante o decurso de minha vida, especialmente àqueles que

estiveram mais próximos nesses dois anos, que me permitiam as discussões sobre arte,

imersas nesse cotidiano tão embrutecedor, que, contudo, torna-se mais leve quando há pessoas

que primam por uma sociedade efetiva e irrestritamente igualitária a todos, diferente desta em

que estamos inseridos. Não citarei nomes para não correr o risco da ausência momentânea de

algum.

Aos professores, alunos e profissionais do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual do Ceará – PPGE/UECE. À Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela concessão da bolsa de estudos sem a qual seria

menos viável o desenvolvimento do estudo.

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RESUMO

Este trabalho tem como premissa compreender o estudo das relações entre a estética e o processo de

formação humana, a partir da tradição concebida por Marx-Engels-Lenin, recuperada por Lukács, que

reverbera o trabalho como ato-gênese do ser social. Enceta-se a pesquisa, no primeiro capítulo,

intitulado: Gênese, evolução e contexto da Estética I de Lukács: uma síntese, a qual reconhece o

pensamento estético lukacsiano como um contraponto às demais formas de pensar a estética e

considera, ademais, um delineamento da trajetória de Lukács sobre suas elaborações no campo de

reflexão artística. O segundo capítulo apresenta como título: Súmula da estrutura da Estética I: das

condições humanas que se expressam na realidade cotidiana às objetivações superiores, e trata da

cotidianidade como solo de rebatimento das atividades realizadas pelo homem em meio às categorias:

antropomorfização e desantropomorfização; imanência e transcendência; homem inteiro e homem

inteiramente, as quais comprovam que Lukács está tratando de outra estética, uma nova estética, uma

vez que esta é articulada ao complexo histórico e social. Por fim, o terceiro capítulo, denominado: A

arte e a capacidade de refletir: ―o aqui e agora‖ histórico traz elementos sobre a sociedade

contemporânea e sua arte precária na conjuntura capitalista em crise profunda, o qual apresenta como

se desenvolve a fragmentação dos sentidos humanos. O estudo caracteriza-se como bibliográfico-

documental, tendo como base teórica a ontologia marxiano-lukacsiana e alguns de seus interpretes

centrais. Este debate pretende, apoiado nas leituras e na análise da obra lukacsiana, sustentar ser a arte

uma atividade espiritual superior que confirma a humanidade do homem. Em uma conjuntura de crise

aguda do sistema capitalista, vivenciada nos dias atuais, assistimos, a reboque dessa crise, o complexo

artístico se empobrecer fortemente. Apesar de reconhecer que apenas a superação radical da sociedade

dividida em duas classes poderá levar o homem a desfrutar de um estado pleno do desenvolvimento

dos sentidos estéticos e, consequentemente, do deleite artístico, a arte, mesmo que imersa em um

cotidiano tão embrutecido, pode, através de sua reverberação, enriquecer o indivíduo, soerguendo-o a

determinados aspectos que potencializam sua condição de partícipe do gênero humano. Nesse sentido,

a pesquisa intenta, sumariamente, dar um passo em direção ao aclaramento da existência da Estética

Marxista, recuperada e formulada, em grande medida, pelo esteta húngaro Georg Lukács.

Palavras-chave: Estética; Arte; Formação Humana; Cotidiano; Crise Estrutural do Capital.

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ABSTRACT

This work intends to understand the relationships between the study of aesthetics and the process of

human formation, from the tradition conceived by Marx-Engels-Lenin, reclaimed by Lukács,

reverberating work as act-genesis of social being. We Initiate the research, in the first chapter, entitled:

Genesis, evolution and context of the Lukács‘ Aesthetic I: a synthesis, which recognizes the Lukács‘

aesthetic thought as a counterpoint to the other ways of thinking about aesthetics, and considers,

moreover, a delineation of the trajectory of Lukács on their elaborations in the field of artistic

reflection. The second chapter presents the headline: Summary of the structure of Aesthetics I: from

human conditions that are expressed in everyday reality to superior objectivations, and deals with

everyday life as ground of controverting the activities performed by man into the categories:

anthropomorphization and desanthropomorphization; immanence and transcendence; whole man and

man entirely, which show that Lukács is coping with another aesthetic, a new aesthetic, since this is

hinged to the historical and social complex. Finally, the third chapter entitled: Art and the ability to

reflect, historical "here and now" brings elements on the contemporary society and its precarious art

onto the conjuncture of the deep capitalist crisis, which shows how it develops the fragmentation of

the human senses. The study is characterized as bibliographic-documentary research, based on the

theoretical Marxian-Lukacsian ontology and some of its central performers. This discussion aims,

supported by readings and analysis of Lukacsian work, to sustain being arts a superior spiritual activity

that confirms the humanity of man. In a situation of acute crisis of the capitalist system, as it is

experienced nowadays, we watch as consequence of this crisis, the complex of art impoverish

strongly. However, despite the recognition that only a radical overcoming of the society which is

divided into two classes can lead man to enjoy a state of full development of the aesthetic senses and

consequently, the artistic delight, art itself, even when it is immersed in such a brutalized routine, is

able to, through its reverberation, enrich the individuals, raising them to certain aspects which

approach them to the condition of human race participant. In this sense, the research attempts, briefly,

to take a step toward clearing the existence of Marxist Aesthetics, largely recovered and formulated by

Hungarian esthete Georg Lukács.

Keywords: Aesthetics; Art; Human formation; Everyday; Structural Crisis of Capital.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 09

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10

2 GÊNESE, EVOLUÇÃO E CONTEXTO DA ESTÉTICA I: UMA SÍNTESE ........ 20

2.1 Reconhecimento da estética marxista como autônoma e universal: um contraponto

às demais formas de pensar a teoria do sensível ...................................................... 22

2.2 Um esboço da gênese da estética lukacsiana ........................................................... 36

2.3 Percurso de Lukács sobre seus estudos estéticos ..................................................... 41

3 SÚMULA DA ESTRUTURA DA ESTÉTICA LUKACSIANA: DAS CONDIÇÕES

HUMANAS QUE SE EXPRESSAM NA REALIDADE COTIDIANA ÀS

OBJETIVAÇÕES SUPERIORES ........................................................................................ 50

3.1 Decurso do conhecimento cotidiano: aproximações preliminares .......................... 51

3.2 Arte e devir na Estética I de Lukács: a imanência humana como ponto modal do ser

social. ....................................................................................................................... 62

4 A ARTE E SUA CAPACIDADE DE REFLETIR: O “AQUI E AGORA”

HISTÓRICO ........................................................................................................................... 76

4.1 Estética e sociedade: notas sobre o realismo ........................................................... 77

4.2 A problemática da estética na conjuntura capitalista: a fragmentação dos sentidos

humanos .................................................................................................................. 85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 97

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 105

ANEXO ........................................................................................................................ 110

Anexo A – Lei Rouanet aprova Rita Lee e Cláudia Leitte (O POVO) ......................... 111

Anexo B – A arte de valor (ISTOÉ dinheiro) ............................................................... 112

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – As proporções do corpo humano segundo Vitruvio c. 1490, ponta metálica, bico

de pena e tinta, traços de aquarela sobre papel branco. 34,4 X 24,5. Veneza: Galeria da

Academia .................................................................................................................................. 74

Figura 2 – Gioconda (1503-1505), óleo sobre painel. 77 X 53. Paris: Museu do Louvre ...... 75

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1 INTRODUÇÃO

A pesquisa constitui um desdobramento das investigações iniciadas na graduação,

nas quais analisamos, ainda que de modo introdutório, categorias presentes na Estética de

Lukács, bem como o ensino da arte na educação brasileira contemporânea, em específico o

documento oficial: Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, volume seis, no que tange ao

ensino da arte, evidenciando os rebatimentos da crise estrutural do capital na formação

humana.

Os substratos das indagações feitas no trabalho monográfico1 nos impulsionaram

a expandir o objeto. Na perspectiva dessa ampliação, apresentamos como proposta de

investigação estudar com mais afinco, a partir da ontologia do ser social, a estética lukacsiana,

visto que se trata de um objeto com amplo terreno para estudos do caráter do que ora

pretendemos desenvolver, uma vez que se situa no projeto coletivo2 de recuperação do legado

marxiano-lukacsiano nesta área da formação humana.

Nossa temática surge e evolui a partir dos questionamentos refletidos para a

produção de nossa monografia de graduação, onde começamos a frequentar grupos de estudos

acerca da arte e seus desdobramentos na educação, nos quais participavam alunos da

graduação, professores de graduação, pós-graduação e de arte do ensino fundamental. Esses

últimos, muitas vezes, apresentavam inquietações relacionadas à desvalorização do professor,

pois se sentiam, perante a comunidade escolar, como decoradores, animadores, etc.

Pensávamos em como deveria ser constituído o ensino da arte e como se dava a formação

desse professor.

Não havíamos, até então, estabelecido relação entre trabalho e arte na formação

do ser social, pois situávamos as indagações no ―como‖ em detrimento do ―o que‖ ensinar. A

1 Monografia intitulada: A arte na educação contemporânea e seus limites à formação humana: um estudo à luz

da ontologia marxiano-lukacsiana, trabalho orientado pela profa. Ruth Maria de Paula Gonçalves, que

impulsionou a escrita desta dissertação, trabalho este que pretendeu se articular e se somar aos estudos coletivos

desenvolvidos no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.

2 Referimo-nos ao contexto do IMO, com o desenvolvimento de projetos de pesquisas, monografias, dissertações

e teses sobre as categorias: trabalho, alienação, ideologia, dentre outras, bem como estudos que perpassam a

estética lukacsiana, amparados na ontologia marxiano-lukacsiana.

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partir das leituras e discussões, proporcionadas durante a pesquisa de iniciação científica

―Atividade e formação do ser social: quando os trabalhadores são alunos‖, bem como nos

grupos de estudo e disciplinas abrigados no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento

Operário – IMO, passamos a compreender os fundamentos de uma formação efetivamente

integral, o estatuto ontológico da humanização dos sentidos, na formação no campo da arte,

alinhada à perspectiva da totalidade, tão cara à apreensão do real e à proposta onto-marxista.

Pela carência de investigações de uma estética nos marcos do marxismo,

sobretudo, alinhado à ontologia do ser social, buscamos cercar-nos de pesquisas e grupos que

se propõem estudar a estética lukacsiana. Desse modo, avaliamos importante apontar um

breve panorama dos estudos que alimentam a pesquisa sobre a estética marxista, o que nos

leva a traçar, a seguir, alguns pesquisadores e/ou grupos que consideramos de maior

relevância.

Optamos por iniciar essa sintética revista pelas elaborações do pesquisador

romeno Nicolas Tertulian, já que ele possui uma considerável produção sobre o filósofo

húngaro, especialmente no tocante aos estudos sobre a estética lukacsiana. Dentre suas

publicações, destacamos Georg Lukács: Etapas do pensamento estético, publicado no Brasil,

em 2008, pela Editora UNESP. A escrita deste livro, de acordo com Tertulian, iniciou-se em

1969, contudo, somente foi publicado em 1980. A longa demora à publicação se deu,

especialmente, pelos seguintes motivos: primeiro, os estudos de Lukács somarem uma obra

elevadamente ampla, ainda com muitos textos inéditos descobertos postumamente. Em

segundo lugar, pelo fato de que o grupo de pesquisadores, junto ao estudioso romeno, ter

acesso à versão manuscrita de Para uma ontologia do ser social, desse modo, o período foi

voltado às pesquisas e estudos, analisando cuidadosamente as principais obras, para compor

uma apreciação mais detalhada do pensamento lukacsiano. O objetivo principal de Tertulian

foi a valoração das obras de síntese desenvolvidas por Lukács, já que o pensamento do

filósofo húngaro foi deturpado no que tange as obras de juventude, sem receber o seu real e

devido reconhecimento.

Enfatizamos as organizações de traduções da obra lukacsiana publicada por

Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, os quais, durante os anos de 1961 e 1970

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trocaram correspondência3 com o filósofo húngaro, que se dispôs a discutir o marxismo com

os jovens estudiosos brasileiros interessados na teoria que melhor explica a realidade. Durante

a troca de cartas, conseguiram o aval de Lukács para a publicação de algumas obras, dentre as

quais, destacamos: Ensaio sobre literatura (organizada por KONDER, 1965a); Introdução a

uma estética marxista (tradução de COUTINHO e KONDER, 1968a); Marxismo e teoria da

literatura (organizado por COUTINHO, 1968b); Literatura e vida (tradução de COUTINHO

da entrevista concedida por Georg Lukács a Istvan Simon e Erwin Gyertyan. In: Conversando

com Lukács, 1969).

A análise do professor da Escola de Comunicação e Artes - ECA/USP Celso

Frederico, merece destaque nesta síntese, pois seu estudo sobre a obra lukacsiana é

vastíssimo. Relevamos dois livros que nos foi possível analisar, os quais versam sobre a

Estética de Lukács. No primeiro: Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica (2005), no

qual o autor apresenta considerações sobre Manuscritos Econômico-Filosóficos, de Marx, no

que compete a arte, para em seguida apresentar o percurso de Lukács, explicitando detalhes

da obra Estética do filósofo húngaro; o segundo livro intitula-se Lukács: um clássico do

século XX (1997) que, além de trazer estudos literários, tem um capítulo destinado a examinar

a Estética, entre outros artigos publicados que versam sobre a temática.

Ester Vaisman, docente da Universidade Federal de Minas Gerais vem, desde

1983, desenvolvendo estudos com base na ontologia lukacsiana e presentemente coordena

projeto de pesquisa intitulado: Lukács – Estética e Ontologia, investigação de caráter

interinstitucional, entre a UFMG e a UBA (ARG), objetivando a análise do pensamento de

Lukács, especificamente acerca da última fase de sua obra, de 1961 até sua morte, em 1971.

Foi orientadora da tese: A relação sujeito-objeto na Estética de Georg Lukács: reformulação

e desfecho de um projeto interrompido, defendida por Rainer Câmara Patriota, em 2010, que

teve como escopo principal estudar a Estética madura, ainda que resgate o esboço incompleto

e interrompido da estética de Lukács desenvolvida em Heidelberg (1912-1918).

3 A correspondência pode ser encontrada em dois livros, quais sejam: Lukács e a atualidade do Marxismo

(2002), organizado por Pinassi e Lessa. Além das cartas, os organizadores do livro fazem uma entrevista com

Konder e Coutinho, na qual relatam como sucedeu o processo de inserção da obra lukaciana no Brasil. Outro

livro onde podemos encontrar as cartas é de autoria de Coutinho: Lukács, Proust e Kafka: literatura e sociedade

no século XX (2005).

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Os estudos recentes de Newton Duarte, professor da Universidade Estadual

Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP, aparam o projeto de pesquisa titulado: Arte e

formação humana em Lukács e Vigotski, apresentando como um dos principais objetos do

projeto referido: avaliar as possíveis proximidades e afastamento entre Lukács e Vigotski no

que tange ao papel formativo da arte.

A pesquisadora Belmira Rita da Costa Magalhães, desde 1995, vem

empreendendo estudos sobre a estética lukacsiana, hoje, professora e coordenadora do

Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Alagoas

(UFAL), vem escrevendo artigos que perpassam a estética lukacsiana, sobretudo sobre

literatura. Nesse sentido, chamamos atenção para o livro intitulado Os desejos de sinhá

Vitória (2001), que resgata a obra Vidas secas, de Graciliano Ramos, fazendo circular no

texto, fundamentada pela teoria do filósofo húngaro, a categoria da particularidade.

Nesse contexto, inserimos o interesse pelo estudo da Estética de Lukács, ainda

como aluna da graduação, tendo como preocupação aquelas apresentadas no início deste

texto, bem como a ânsia de estudar pelo viés marxista a busca pela compreensão da totalidade

do complexo da arte. Referimo-nos, desse modo, ao IMO. Especificamente, citamos o grupo

de estudos: Estética de Lukács: Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social,

o qual se abriga no referido instituto, sob o prisma da crítica marxiana, onde, a partir de 2008,

iniciei meus estudos sobre a Estética de Lukács. O mencionado grupo vem estabelecendo

estudos e traduções, desde 2006, da Estética de Lukács, sob orientação do professor

Deribaldo Santos. Atualmente temos o volume 14, da versão espanhola, traduzido para nosso

idioma, servindo-nos a fins didáticos. A procura pelo grupo de estudos da Estética é bastante

diversificada: alunos da graduação de vários cursos, entre eles, participam ou já participaram,

da Pedagogia, Serviço Social, Educação Física, Ciências Sociais, bem como alunos da Pós-

Graduação em Educação e Filosofia, pois a obra lukaciana dá conta de indagar

questionamentos da grande área da formação humana, onde é possível trazer contribuições

para cada pesquisa de maneira coletiva. Das contribuições aludidas no seio do IMO, foi

4 Anunciamos que trabalharemos com a edição espanhola da Estética I, traduzida por Manuel Sacristán,

autorizada por Lukács, publicada em 1965. A publicação espanhola foi dividida em quatro volumes, pela

Ediciones Grijalbo. A edição que utilizamos para o desenvolvimento desta dissertação foi impressa em 1982.

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publicado, no ano de 2012, o livro: Ontologia, estética e crise estrutural do capital: uma

coletânea de estudos classistas, organizado por Santos, Costa e Jimenez.

Do grupo de estudos sobredito, podemos destacar, ainda, outros resultados: a

pesquisa A obra de Jackson do pandeiro: o cotidiano na estética do rei do ritmo, coordenada

pelo professor Deribaldo Santos, da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão

Central – FECLESC/UECE, a qual se propõe analisar como se constituiu a trajetória do artista

considerado o rei do ritmo da Música Popular Brasileira. Tal pesquisa é ancorada no método

materialista histórico-dialético. Nesse contexto, destacamos, ademais, trabalhos

monográficos, desenvolvidos na FECLESC, sob o prisma da estética lukacsiana, citamos o

trabalho da recentemente graduada em Pedagogia, Antônia Cleidivania Pinheiro, intitulado A

arte como elemento de humanização: aproximações à luz da estética I de George Lukács,

orientada pelo professor Deribaldo Santos. Santos foi, também, professor da disciplina:

Lukács: Da Estética à Ontologia, ofertada no Programa de Pós-Graduação em Educação, da

Universidade Estadual do Ceará. Presentemente, no semestre 2013.1, o Programa supracitado,

oferta a disciplina Estética, Cotidiano e Formação Humana em Lukács, sob a orientação do

mesmo professor.

Também é oportuno realçarmos Marcus Flávio Alexandre da Silva, professor da

Universidade Estadual Vale do Acaraú UVA/CE, que defendeu em 2011, na Universidade

Federal do Ceará, a tese: Estética e Audiovisual no Ceará: uma aproximação crítica à luz da

ontologia marxiana, além de publicar artigos que tratam da estética lukacsiana.

Consideramos, para efeito deste texto dissertativo, os estudos que concernem à

Estética (1982) de Lukács, as leituras que nos permitiram abarcar o curso do filósofo húngaro,

aqueles traduzidos por Konder e Coutinho (1965a; 1968a; 1968b; 1969; 1999), de modo que

possamos ser rigorosamente fiéis ao pensamento do esteta húngaro; Tertulian (2008), com o

intuito de compor o resgate de alguns elementos que restauram o desenvolvimento dos

estudos de Lukács; Frederico (2005), por entendermos que suas sistematizações se

apresentam concernentes ao que compete o estudo da obra Estética; tendo em vista o

enriquecimento do conjunto de estudos desenvolvidos no Instituto de Estudos e Pesquisas do

Movimento Operário. É necessário enfatizar, ainda, que diversos autores emprestaram

consideráveis contribuições a esta investigação, optamos, pois, por indicar essas necessárias

informações no início da cada capítulo.

Page 16: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

15

Após expormos brevemente o propósito do conjunto de estudos, noticiamos

segundo Frederico (2005), que um dos primeiros comentadores da Estética de Lukács, foi o

crítico literário George Steiner, em 1964, logo após sua publicação. O esteta húngaro ficou

lisonjeado pelo interesse e relatou que sua obra, por ser minuciosa, necessitaria de alguns anos

para incubação. Passados quase cinquenta anos, Frederico (2005. p. 91), salienta que a obra

tem poucos estudos dedicados a ela: ―O único livro inteiramente dedicado à Estética de

Lukács, que conheço, foi feito por KIRÂLYFALVI, Béla. The aestheticis of György Lukács.

New Jersey: Princeton University Press, 1975‖.

Desse modo, a presente dissertação encontra sua relevância por contribuir para o

entendimento do papel da atividade criadora/receptora no aprimoramento dos sentidos,

apontando para a possibilidade de elevadas expressões no processo de humanização, a partir

da superação da sociabilidade regida pelo capital, na qual a maioria do conjunto da

humanidade é privada de desenvolver potencialmente suas essenciais capacidades humanas.

Gostaríamos de salientar que as valiosas contribuições dadas pelos avaliadores,

por ocasião do exame de qualificação, fizeram-nos refletir melhor sobre o objeto. Desse

modo, procuramos seguir as orientações no sentido de explicar porque a Estética desenvolvida

por Lukács, no que diz respeito ao entendimento do homem como um ser social, tem a

dimensão da singularidade e que, através da particularidade, se articula com a universalidade.

Por isso, a importância de tratarmos da gênese da atividade estética e, assim, avançar para

uma exposição mais límpida das categorias trabalhadas anteriormente.

Acatamos a orientação da banca, no sentido de elucidarmos melhor o complexo da

estética, trabalhar as categorias de modo mais intenso, entendendo a educação como formação

humana, sem entrar especificamente no complexo da educação em sentido stricto, a não ser

de modo alusivo, com exemplos dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte, para

especificarmos a situação atual da arte. É preciso ponderar, ademais, a exclusão dos estudos

sobre o reflexo e a consciência, projetados inicialmente, uma vez que a necessidade de uma

investigação mais detalhada da categoria reflexo, inclusive recorrendo a estudos psicológicos

sobre o tema, demandaria um tempo maior que os dois anos de mestrado.

No entorno dessa discussão, o objetivo dessa pesquisa é estudar das relações entre

a estética e o processo de formação humana, a partir do postulado marxiano-lukacsiano,

Page 17: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

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reverberando o trabalho como ato-gênese do ser social. Para atender a proposta geral,

elencamos nossos objetivos específicos, quais sejam: 1) analisar e resgatar uma síntese das

contribuições da estética lukacsiana no que compete à sua gênese, desenvolvimento e

contexto; 2) descrever a estrutura proposta pelo esteta húngaro, tendo em vista as condições

humanas objetivas, bem como as objetivações superiores; 3) elucidar a forma como a arte

reflete o ―aqui e agora‖ histórico, investigando como e por quais mediações dá-se a

fragmentação dos sentidos, diante da conjuntura capitalista.

Para responder às indagações que cercam o objeto, partimos do entendimento que

considera o trabalho protoforma da atividade humana, e que tem o papel fundamental na

démarche histórica, bem como no desenvolvimento do homem como ser social. Por meio de

uma concepção onto-histórica da essência humana, Marx estabelece a intrínseca relação entre

o surgimento do trabalho e a formação do ser social, relação dialética que se dá entre o

homem e a natureza. Baseando-nos nesse princípio, utilizaremos o método marxiano, uma vez

que, para a compreensão do objeto, partiremos da gênese, onde procuraremos evidenciar as

contribuições da estética lukacsiana para a formação humana. Nesse sentido, como fez Lukács

(1982) em sua grande Estética, buscaremos estabelecer os fundamentos autênticos da

dialética, contemplando o objeto paulatinamente, de modo que possamos penetrar às raízes da

problemática analisada.

Com o intuito de alcançar uma investigação o mais rigorosa possível, já que o

máximo que podemos pleitear é uma maior aproximação ao real, pois devido ao fato de que

―/.../ quanto mais uma coisa é complexa, tanto mais ilimitado, /.../ é o objeto diante do qual se

encontra a consciência do homem, de modo que mesmo o melhor saber só pode ser um

conhecimento relativo ou aproximativo‖ (LUKÁCS, 1969, p. 17, itálico do autor). Isto posto,

optamos por realizar uma pesquisa teórico-bibliográfica, fundamentada no materialismo

histórico-dialético, particularmente, na compreensão do legado marxiano da ontologia do ser

social, o qual traz o trabalho como premissa basilar, entendendo-o como ―/.../ uma posição

teleológica do trabalhador e a colocação em movimento de uma ordem causal‖ (LUKÁCS,

1969, p. 16). O trabalho é, portanto, categoria fundante do mundo dos homens e,

consequentemente, de todos os complexos que o circunscrevem. Dessa maneira, Lukács

(1969), na esteira de Marx, certifica a importância de se compreender a totalidade, a partir da

gênese:

Page 18: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

17

/.../ se quero compreender os fenômenos sociais, devo considerar a

sociedade, desde o princípio, como um complexo composto de complexos.

/.../ Não se trata, como disseram alguns, das determinações sociológicas,

etc., que vêm sempre depois, mas da compreensão genética da origem e da

formação destes complexos. (LUKÁCS, 1969, p. 16, itálico do autor).

Como anunciado, nossa proposta investigativa tem como base a ontologia.

Naturalmente, esta exposição traçou seu caminho embasado na tradição clássica que compõe

o marxismo, ou seja, Marx-Engels-Lenin. Por se tratar de um estudo que pretende aprofundar

o debate ontológico sobre o estético, como já ficou claro, teria que priorizar as pesquisas do

pensador húngaro Georg Lukács. No plano inicial, pretendíamos ler criticamente o volume 1,

das quatro partes da edição espanhola. Não obstante, as primeiras aproximações ao objeto

mostraram que teríamos de avançar, mesmo que cotejadamente, sobre alguns traços dos

outros tomos. Portanto, informamos que nosso texto, embora tenha como prioridade o volume

1, acabou, como forma de uma melhor compreensão leitora, lançando mão de pontos

abordados nos demais volumes.

Nesse sentido, pleiteamos, de modo geral, compreender o debate que cerca a

estética marxista, a partir do postulado marxiano-lukacsiano. Optamos por expor a análise dos

objetos específicos divididos nos capítulos da pesquisa. Isto é, para que possamos dar maior

claridade expositiva ao texto e assim, aumentar a compreensão leitora. Adiantamos, a seguir,

a sequência de cada um dos capítulos que, por sua vez, procuram dar conta de cada um dos

objetivos específicos que compõem esta dissertação.

Iniciamos nossa leitura com as categorias discutidas nos espaços que nos

proporcionaram configurar o objeto, tendo em vista a necessidade de um melhor exame

desses conceitos, encetamos nosso trabalho, com o primeiro capítulo, titulado Gênese,

evolução e contexto da Estética I5: uma síntese, reconhecendo a estética lukacsiana como um

contraponto às demais formas de pensar a estética. Em seguida fazemos um esboço da

trajetória de Lukács sob as questões estéticas.

Antes de tudo, julgamos necessário anunciar que Marx não escreveu um tratado

sobre a Estética, mas seu arcabouço teórico deu indicações a uma estética marxista. Lukács,

sustentado pelo lineamento marxiano, pode dar forma a uma nova ontologia e a configuração

5 Mencionamos como Estética I, no decorrer do trabalho, o título da primeira parte da obra de Lukács, única

publicada do projeto inicial, o qual conteria três partes. No Capítulo 1, desta dissertação, explanaremos melhor

esse assunto.

Page 19: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

18

de uma estética marxista. Destarte, extraímos do arcabouço marxiano e das formulações de

Lukács, uma nova estética, distinta de todas as estéticas que lhe antecederam e que,

sobretudo, lhe sucederam. A estética marxiano-lukacsiana, por assim dizer, se distingue das

outras porque apanha a atividade estética, articulada ao complexo histórico e social, não como

atividade absolutamente autônoma, embora ele percorra todo o raciocínio para explicar como

essa atividade estética tem sua autonomia na sua base material cotidiana espontânea, onde o

trabalho tem seu devido lugar. E também não como uma atividade auto-fundada, mas como

uma atividade imanentemente e eminentemente vinculada ao homem.

O segundo capítulo apresenta como título: Súmula da estrutura da Estética

lukacsiana: das condições humanas que se expressam na realidade cotidiana às objetivações

superiores, nele tratamos da cotidianidade como solo de rebatimento das atividades realizadas

pelo homem, registrando o trabalho como ato fundante em meio às categorias:

antropomorfização-desantropomorfização; imanência-transcendência; homem inteiro-homem

inteiramente, do primeiro volume da obra Estética, categorias estas que comprovam que

Lukács está tratando de outra estética, uma nova estética, que tem como fundamento uma

compreensão muito distinta desde Aristóteles, passando por Kant, Hegel, além de muitos

outros teóricos que trataremos neste capítulo.

Por fim, o terceiro capítulo, denomindo A arte e sua capacidade de refletir: o

“aqui e agora” histórico traz elementos sobre a sociedade contemporânea e sua arte em

estado de precariedade na conjuntura capitalista, uma vez que apresentamos como se depara a

fragmentação dos sentidos humanos. Aqui consideramos a política perpassada em

Documentos Oficiais, como: a Lei Rouanet, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o

ensino de artes, entre outros contextos, pelos quais a arte e o artista são submetidos. Lukács

(1982) assevera que a atividade estética, na sua peculiaridade, como atividade superior do

espírito, interrompe a marcha do cotidiano fazendo como que haja um processo de elevação.

Entretanto, vivemos em um cotidiano tão embrutecido que não sabemos quais são as

possibilidades embutidas nele, quais são as possibilidades estéticas existentes.

Pretendemos com esse debate, baseados nas leituras e análises lukacsianas,

sustentar, em nossas considerações finais, que um determinado tipo de atividade espiritual

confirma a humanidade do homem. No momento em que nos é dado um cotidiano tão

embrutecido, uma atividade estética pode se deslocar e reverberar no cotidiano de modo que

possa enriquecer o indivíduo, como partícipe do gênero humano. Nesse sentido, almejamos

Page 20: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

19

dar um passo na direção do entendimento da Estética Marxista, recuperada e formulada, em

grande medida, por Georg Lukács.

Page 21: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

20

2 SÍNTESE GÊNESE, EVOLUÇÃO E CONTEXTO DA

ESTÉTICA I: UMA SÍNTESE

O primeiro capítulo de nossa dissertação consta de elaborações em torno do que é

estética e das primeiras razões que nos despertaram o pensar nessa categoria. Se fizermos uma

pesquisa rápida em sites de busca na internet, encontraremos, de maneira geral, algo

vinculado a produtos de beleza, fitas métricas, clínicas de tratamento, e, até mesmo, cursos de

estética, intitulados ‗Estética e Cosmética‘, presenciais e também à distância, nos quais o

aprendiz de estética se especializará em cuidar do corpo, pois a imagem6, na atualidade, vale

muito.

Nunca Platão foi tão atual7, considerando a valorização do belo

8 defendida pela

concepção de estética a que nos referimos no parágrafo anterior, veiculada em larga escala.

No entanto, o ‗cuidar‘ do corpo se aplica aos padrões ditados pela sociabilidade vigente,

irmanados com a grande indústria do comércio. Isso reflete aspectos da crise estrutural9 que

atinge o sistema metabólico do capital, o qual dissimula todas as relações e a totalidade de

complexos, em favor da conservação dos padrões por ele estipulados e do próprio preceito

conduzido pelo capital.

Contudo, a origem do vocábulo estética vem do grego, αισθητική ou aisthésis, que

significa sensível ou aquilo que se relaciona com a sensibilidade. A expressão tem como

6 As teorias pós-modernas tem se apegado às representações, ao simbólico, ao apelo imagético, inóspito,

desvinculado da materialidade, da base histórica e social que engendra a estética, para examinar o que quer que

seja, em nome da pluralidade, advogando que a ontologia marxiana ―já não dá respostas‖.

7 Tonet (2007) afirma que foi entre os gregos e romanos que se iniciou a necessidade de formar o corpo e o

espírito, através de exercícios que visavam possibilitar o completo desenvolvimento das propriedades espirituais.

Entretanto, tal formação estava apenas ao alcance daqueles que podiam dedicar seu tempo integral a essas

atividades, ou seja, o abismo contraditório entre o dedicar-se ao espírito ou ao trabalho material.

8 Platão sintetizou o ensaio do Belo concebido pela cultura até seu tempo, o que deu a esta experiência uma das

mais cabais interpretações filosóficas sobre o tema (NUNES, 2010).

9 De acordo com Mészáros (2000, p.7), o mundo passa por uma crise jamais vista. ―/.../ Sua severidade pode ser

medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as

vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital‖.

Page 22: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

21

fundamento e julgamento o curso do belo, o aprazível e aquilo que causa o deleite. Foi por

volta de 1750, entretanto, ao tornar publico o livro Aesthetica, que Baumgarten10

estabeleceu

a terminação no campo filosófico (SANTOS, 2003). O filósofo alemão Baumgarten, também

professor da Universidade de Frankfurt, sistematizou a Estética, diante das outras disciplinas,

definindo o Belo como ‗percepção do conhecimento sensível‘. Assim, constituiu uma divisão

da Estética em duas partes, a primeira teórica, ―/.../ onde estuda as condições do conhecimento

sensível que corresponde à beleza‖ e a segunda prática, a qual se atribui a ―/.../ criação

poética, chega a esboçar uma espécie de lógica da imaginação, que contem os princípios

necessários à formação do gosto e da capacidade artística‖ (NUNES, 2010, p. 13).

O complexo estético, que pretendemos estudar, parte da análise teórica

fundamentada na estética lukacsiana, de modo que almejamos excursionar, brevemente, pela

história da arte, para que possamos ter elementos que nos possibilitem chegar a Lukács11

e ao

estudo de sua Estética. Faremos uma breve, porém necessária revisão para chegarmos ao

arcabouço marxiano da estética do pensador húngaro.

Para tanto, procuramos resgatar uma síntese dessa história, tendo como guia o

método que nos orienta o filósofo húngaro. Como meta, dar conta ao que o nosso primeiro

capítulo propõe, qual seja, a síntese da gênese e desenvolvimento dos estudos estéticos do

autor. Primeiramente, devemos alertar o leitor de que não encontramos muitos trabalhos que

aclarassem melhor a história da Estética. Todavia, dentro destes limites, utilizamos o livro

Estética Máxima (2003) de Fausto dos Santos, no qual versa sobre a filosofia da estética;

empregamos também o livro Introdução à filosofia da arte (2010), de Benedito Nunes, que

traz um conciso panorama da história da arte. Sobre a carreira literária de Lukács, recorremos

ao próprio filósofo húngaro, em seus textos e entrevistas concedidas (1968a; 1968b; 1969;

1982; 1999; 2000; 2009), bem como em alguns autores que tratam de suas obras, como:

Tertulian (2002; 2007; 2008), pela rica contribuição de seus estudos acerca da obra de

10

Geoffrey Alexander Baumgarten, filósofo alemão nascido em 1714, autor da conhecida obra Metafísica, a qual

foi adotada por Kant como manual para suas aulas acadêmicas. Mas sua obra mais importante foi Aesthetica

(1750-1758), que o converte como fundador da estética alemã e em um dos mais eminentes representantes da

estética do século XVIII (ABBAGNANO, v.2, 1994).

11 Para melhorar a compreensão leitora e evitar repetições textuais, utilizaremos, ao longo do texto, estas quatro

denominações para o trato ao autor principal: Lukács, esteta húngaro, filósofo húngaro, filósofo da Escola de

Budapeste.

Page 23: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

22

maturidade de Lukács; no plano nacional, citamos autores que nos ajudaram a traçar um

panorama geral do contexto lukacsiano, são eles: Paulo Netto (1983), Coutinho e Konder

(1968a), Pinassi e Lessa (2002), Frederico (2005), Coutinho e Paulo Netto (2009); Vaisman e

Fortes (2010).

Lukács dedicou-se, desde o início de sua vida, como crítico literário, aos estudos

sobre estética, a partir dos primeiros textos escritos, antes mesmo de 1910, com História do

desenvolvimento do drama moderno, passando pelo desenvolvimento de sua Estética

sistematizada, publicada em 1963, até seus últimos dois escritos literários, acerca do

romancista russo Alexander Soljenitsin, escritos nos anos de 1964 e 1969, ambos publicados

em 1970, trabalhos estes que escreveu concomitante à Ontologia. (COUTINHO; PAULO

NETO, 2009). Para compreender o conjunto de sua obra, faz-se necessário entender o

contexto e mediações nos quais Lukács estava inserido. Para efeito desta dissertação,

reportamo-nos até o período de sua derradeira obra publicada em vida: Estética, na qual o

esteta húngaro teve a faculdade necessária para expor seu pensamento maduro acerca de sua

compreensão de uma teoria geral da gênese de todas as formas do espírito, da arte em

específico.

2.1 Reconhecimento da estética marxista como autônoma e universal: um

contraponto às demais formas de pensar a teoria do sensível

Nesse sentido, fazemos um decurso – reconhecendo que, desde 1908, em meio a

autocríticas e críticas veladas sob ‗citações protocolares‘12

– a exemplo do que é visto em sua

primeira obra: História da Evolução do Drama Moderno, já é notável o envolvimento de

12

De acordo com Paulo Netto (1983), ‗citações protocolares‘ referem-se ao recurso utilizado por Lukács, através

do qual podia proteger suas ideias, recorrendo às ‗autoridades‘, assim podia dispor seu pensamento em ensaios,

conferências, debates etc. De acordo com o próprio autor, é preciso levar em conta o contexto que se

desenvolveram seus estudos. Suas considerações só podem ser entendidas se nos atentarmos aos acontecimentos

que rebateram suas ideias, como por exemplo, pelo o uso de citações no período stalinista. Lukács relata que era

uma forma dos textos serem publicados, segundo ele: ―/.../creio que não havia nada publicado sem algumas

citações de Stalin. O leitor advertido de hoje pode certamente perceber o que os censores da época não notavam:

que tais citações pouco tinham a ver com o conteúdo real, essencial dos artigos‖ (LUKÁCS, 2009, p. 28). Como

exemplo, destas citações, podemos ver o artigo A estética de Hegel, publicado no livro: Arte e sociedade:

escritos estéticos 1932-1967(LUKÁCS, 2009).

Page 24: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

23

Lukács com as questões estéticas. Ainda que não traga uma leitura ontológica, Lukács já

esboça indícios em seus escritos da sua Estética em germe, a qual teve sua publicação no ano

de 1963.

Antes de tudo, consideramos necessário um breve resgate sobre a filosofia da arte,

especialmente no que se refere à categoria estética. Resguardamos a tradição composta pelo

filósofo alemão Baumgarten, que apresenta a Estética como a teoria da sensibilidade, palavra

derivada do grego, aithetiká, a qual expressa tudo aquilo que é apreendido pelos sentidos

humanos, estes, por sua vez, nos dão a possibilidade de entender o mundo (SANTOS, 2003).

Assim, tomamos o conceito de Estética13

para melhor compreender as orientações e

formulações a respeito dessa categoria nos diversos campos teórico-filosóficos.

De acordo com Nunes (2010), a arte, para Aristóteles, tem como objetivo geral a

imitação da realidade, o ato de imitar com o propósito de apreender o real. O filósofo grego

traz o belo para a esfera mundana, sob o escudo humano. Lukács (1982) já assinalara que

Aristóteles foi o verdadeiro descobridor da peculiaridade do estético e que seu pensamento se

situa longe da concepção mecânica, de modelo e cópia, instituída por Platão. Sua reflexão

surge na dialética da catarse14

, a qual se coloca defronte a toda transcendência teológica, pois

―/.../ la fuerza pedagógica social del arte nace de su propia consumación estética, y no, como

en el pensamiento platónico, de la momificación o la simple supresión de los principios

propiamente estéticos‖ (LUKÁCS, 1982, v.4, p. 381).

Lukács (2009), ainda, indica que foi no campo na filosofia clássica alemã que

ocorreu a primeira intenção de se criar uma história da literatura e da arte. Anteriormente,

pautava-se apenas na experiência vivida, sem levar em conta sua fundamentação, o que não

permitia o devido entendimento dos preceitos da arte. No final do século XVII e início do 13

Primeiramente, fazemos uma ressalva com relação aos termos: estética e arte. Estética, do grego Aisthésis, que

significa sensação, segundo a transmissão, anteposta por Baumgartem, designou a ciência que trata do

conhecimento sensorial que chega à apreensão do belo e se expressa nas imagens da arte. A arte é, como bem

esclarecem Santos e Costa (2012), em todos os seus aspectos, ‗fenômeno social‘ e tem como escopo e base a

própria existência humana.

14 Recorremos à Vigotski para melhor explicar a arte como objetivação superior humana, e a catarse, nesse

sentido como encontro do homem com suas emoções mais autênticas, pois a ―arte sempre é portadora desse

comportamento dialético que reconstrói a emoção e, por isso, sempre envolve a mais complexa atividade de uma

luta interna que é resolvida pela catarse‖ (VIGOTSKI, 2003, p. 235).

Page 25: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

24

século XVIII, a burguesia passou a reclamar o amparo da nova arte e literatura. Será durante o

Iluminismo, a então chamada ‗Era da razão‘, que surgirão movimentos, no campo teórico, no

que concerne a justificativa dessa nova arte, bem como ideias históricas de concepção da

literatura e da arte.

O esteta húngaro faz um percurso histórico, pretendendo trazer os principais

filósofos e seus fundamentais pensamentos acerca dos conceitos estéticos. Para Lukács

(2009), Rousseau via claramente a existência do equívoco e da incoerência da arte instituída

na propriedade privada, portanto, o filósofo suíço não dava o devido apreço a arte em geral.

Por outro lado, Herder, outro filósofo trazido por Lukács, buscou, ainda, elaborar um

panorama histórico geral da cultura humana, entretanto, não alcançou uma reconstituição de

seu julgamento histórico junto à concepção materialista da própria arte, ou seja, não foi

possível um desenlace metodológico-filosófico.

Immanuel Kant, por sua vez, ao apresentar a divisão entre atividade útil e

atividade estética, se distancia do método de análise lukacsiano. Lukács, segundo Tertulian

(2008), baseia-se na gênese da atividade estética, que lhe permite ultrapassar a cisão inflexível

proposta pelo filósofo prussiano. Lukács esclarece que é pelo processo de trabalho onde se

perde a significação de utilidade para uma dimensão estética e esse processo é mediado pela

consciência. Como explica Tertulian:

/.../ O conceito de consciência de si, verdadeira pedra angular da estética

lukácsiana, é constantemente tomado em sua dupla acepção corrente:

exprime tanto a estabilidade e a autonomia do homem solidamente

estabelecido em seu ambiente concreto com a iluminação da consciência (e

da existência a ele subjacente) por sua própria reflexibilidade interna, por

volta da força mental sobre si mesma (TERTULIAN, 2008, p. 217).

O estudioso romeno, com clara inspiração na Estética de Lukács, aponta que a

‗consciência de si‘ está junto ao sentimento prazeroso – puramente estético, mas que se

desprende de uma satisfação apenas utilitária. O modelo estético lukacsiano elucida que é

possível ver com nitidez o processo de transição do útil ao puramente estético, não

esqueçamos: com a mediação do trabalho, consequente de um procedimento histórico. Essa

transição é o elemento chave que o difere da proposta estética do pensamento kantiano.

Page 26: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

25

O exemplo do ritmo15

é bem ilustrativo para esse caso, pois é, para Lukács, uma

forma primária da atividade estética. Inicialmente, o ritmo tinha a função de ‗suavizar o

labor‘16

, o movimento contínuo, propriamente dito, torna-se autônomo a partir do momento

que proporciona a sensação de bem-estar, tornando-se, mais tarde, independente, por

exemplo, de modo evocativo, usado em rituais primitivos de dança, magia, etc.

Outro exemplo empregado por Lukács (1969) é o do homem primitivo ao recorrer

ao uso da pedra que pode ser usada para determinado fim ou não. O trabalho permite a

utilidade ou a inutilidade do objeto. Este ó o ponto de vista, sob o qual o filósofo húngaro

estabelece como ―/.../ fonte ontológica daquilo que chamamos de valor‖ (LUKÁCS, 1969, p.

28), pois a partir do momento, em tempos remotos, que a pedra não serve para ser utilizada

como ferramenta, poderá ser agregada a esta um valor estético, por exemplo. Desse modo,

temos o término da atividade de utilidade imediata, já que ―/.../ los elementos estéticos

representan un exceso que no aporta nada a la utilidad efectiva, fáctica, del trabajo‖

(LUKÁCS, 1982, v.1, p. 251).

Destarte, temos elementos para explicar que o surgimento do complexo universal

da arte é tardio e paulatino, com relação ao trabalho, tendo em vista que o estético nos faz

presumir que exista certa elevação técnica, além da ocupação do agradável, no processo de

criação. Ademais, a arte, no sentido ontológico, é uma maneira do homem compreender a

própria vida na natureza e na sociedade. Nos termos de Lukács, é, também, encargo da arte

―/.../ uma continuidade do comportamento do homem em relação à sociedade e à natureza‖

(LUKÁCS, 1969, p. 29).

Kant é considerado por Lukács (2009), como um ‗idealista subjetivo‘ porque sua

elaboração aplica-se ao indivíduo isolado, desse modo, não contempla em sua estética a

função social da arte. Já Hegel, é, para Lukács, um ‗idealista objetivo‘, pois reconhece a

verdade objetiva absoluta das categorias estéticas, o próprio movimento do desenvolvimento

histórico. Hegel supera o dualismo kantiano ao entender que a estética se transforma numa

15

Lukács (1982, v.1) revela as chamadas formas abstratas do reflexo estético, a exemplo do ritmo, supracitado,

aborda, do mesmo modo, simetria, proporção e ornamentação, todos relacionados à realidade objetiva.

16 Vale destacar que, o sistema capitalista extrai tudo o que se dirige ao humano. O ritmo no manejo das

máquinas, na linha de produção, é essencial, uma vez que, por dentro dele, está o tempo de trabalho.

Page 27: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

26

expressão de convicções humanistas, e que a grande tarefa objetiva da arte é constituir o

homem: ―/.../ desenvolvido em todas as suas dimensões, não mutilado, não fragmentado pela

desfavorável divisão do trabalho; a expressão do homem harmonioso‖ (LUKÁCS, 2009, p.

56).

Com base nessa discussão, é possível indagar se Hegel elaborou uma síntese

histórica e filosófica do desenvolvimento da arte, baseado nas formulações do que de mais

crítico precedeu sua teoria. É preciso considerar, entretanto, os limites do idealismo objetivo.

Não se trata, com isso, de atear fogo em suas formulações, mas de utilizá-las com base na

ontologia marxiano-lukacsiana. Com efeito, para usarmos uma expressão lukacsiana (1969), é

necessário averiguar sob o aspecto da ‗fossa comum das idéias‘, nesse caso, o pensamento

burguês, cravado em Hegel.

Sem o resguardo do método certificado por Marx, cair-se-ia, como Hegel, no erro

de considerar que há identidade entre objeto e sujeito. Assim, a estética hegeliana entende

―/.../ como uma fase do processo de busca e de encontro de si mesmo do sujeito-objeto

idênticos‖ (LUKÁCS, 2009, p. 62), de modo que significa um nível superior da consciência, a

expressão do ‗Espírito Absoluto‘. É nesse plano elevado que Hegel vai diferenciar três

estágios: a arte, a religião e a filosofia.

Esses estágios irão representar, no sistema hegeliano, um atrelamento ao

desenvolvimento histórico, de modo que determinado período da história receba um estágio

citado. Hegel, por ser um profundo admirador da arte grega clássica, considerava-a como a

única verdadeira. Para Lukács (2009), amparado pela leitura de Marx e Engels, Hegel não

compreendeu que a antiguidade, a arte grega, pertence ao passado.

Segundo Marx (apud Lukács, 2009), a arte e a epopéia da Antiguidade eram

consideradas normas e modelos inacessíveis, mas não se tratava de direcionar a arte do

presente ou do futuro ao imperfeito ou, ainda, de que se devesse reproduzir como modelo, de

modo acadêmico, como proclamava Hegel. Ao contrário, pela ―/.../ perspectiva socialista da

evolução da humanidade, o conhecimento de que a luta de classes leva inevitavelmente à

ditadura do proletariado, ilumina corretamente, pela primeira vez, as perspectivas do passado,

do presente e do futuro da evolução da arte‖ (LUKÁCS, 2009, p. 75). De acordo com a

formulação de Marx, readquiridas por Lukács (1969), podemos compreender Homero e outros

Page 28: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

27

poetas antigos como nosso passado e não como os homens de hoje. Nesse sentido, através da

arte, é possível chegarmos ao passado e entendermos o seguimento da conduta do homem,

através de uma apreensão onto-histórica da arte.

Hegel, de acordo com o esteta húngaro (2009), relaciona a manifestação do

‗espírito absoluto‘ a certos períodos históricos, de modo que avalia o período da arte grega

como forma de revelação do espírito no nível da intuição, e que a revelação do espírito

compete ao estágio da arte. De modo semelhante, no período medieval, tal aparição do

espírito tem o nível da representação, que cabe ao estágio da religião. Por fim, no seu

contexto, Hegel estabelece, como manifestação do espírito, o nível do conceito o qual incube

a filosofia.

Hegel, ainda, assinala que a arte oriental ―/.../ não alcançou o nível da intuição, e a

arte medieval e a moderna lhe aparece como aquela na qual o Espírito já ultrapassou o nível

da intuição‖ (LUKÁCS, 2009, p. 63). Há um esforço, por parte de Hegel, de alicerçar e

sistematizar as categorias estéticas, contudo, sua teoria esbarra sempre no idealismo filosófico

– mesmo que objetivo –, limitando a objetividade real e o processo histórico.

Com essa crítica em tela, reafirmamos nossa intenção de considerar qualquer

análise social, sobretudo a estética, na firmeza da leitura marxiano-lukacsiana, dada sob o

exame dialético materialista da história. Para esta investigação, como já afirmamos em outras

ocasiões, a teoria que oferece direção à solução dessas questões e que nos permite desviar do

terreno das simples intuições e adentrar ao tratamento científico é a ontologia.

Sabemos que Marx17

não tem um tratado específico sobre Estética; como relata

Lukács (2009), existiram, apenas, algumas intenções a serem escritas: Sobre a arte religiosa

(1841) e Sobre o romantismo (1842), ―/.../ no entanto, as numerosas anotações e observações

sobre livros de estética e história da arte revelam como ele levava a sério estes projetos‖

(LUKÁCS, 2009, p. 68). Entre esses planos, destaca-se um anseio de escrever um vigoroso

estudo sobre Balzac, um dos autores favoritos de Marx, mas nunca se efetivou. Contudo, na

extensão de sua obra, bem como no conjunto de escritos em parceria com Engels, foi possível

17

Convém destacarmos que a obra de Marx foi sobre a materialidade do mundo, sobre sua totalidade e, qualquer

que seja o assunto, terá que ser procurado na totalidade de sua obra, seja: Filosofia, Economia, Educação, dentre

outros complexos.

Page 29: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

28

fazer uma compilação dos que mencionam a arte e a literatura, extraídos de textos sobre

variados temas, cartas e anotações de conversas, organizados por Lifschitz18

.

Lukács vai se acercar da teoria marxiana para desenvolver sua Estética e seu

pensamento sazonal. No início da década de 1930, ao estagiar no Instituto Marx-Engels-

Lênin, o filósofo húngaro passa a ter contato com fundamentais obras para rever seu

pensamento com relação a algumas concepções idealistas e a estabelecer algumas

considerações a serem descritas.

O filósofo húngaro assegura que, o filósofo húngaro assegura que, do ponto de

vista marxiano, nem a ciência nem, tampouco, a arte ou qualquer outro complexo, tem uma

história autônoma que dependa apenas de si próprio para se efetivar. O desenvolvimento de

qualquer complexo se desdobra pelo movimento da história, cabe salientar que não consta

aqui, a indeferimento de uma autonomia relativa, mas que ―/.../ a existência e a essência, a

gênese e a eficácia da literatura [por exemplo] só podem ser compreendidas e explicadas no

quadro histórico geral de todo o sistema‖ (LUKÁCS, 2009, p. 89). Desse modo, é necessário

atribuir à dependência ontológica que esses complexos têm perante o trabalho, protoforma da

atividade humana, o que vai diferir o ser social das outras esferas biológicas.

O exame histórico de Marx e Engels, no que compete a arte e a literatura, abarca,

de modo geral, o desenvolvimento do ser social. O campo de estudo volta-se às determinações

contemporâneas, nas quais os teóricos alemães estavam inseridos: o sistema capitalista. A

sociabilidade regida pela égide do capital representava, para eles, a escala econômica mais

enobrecida estabelecida no processo evolutivo do homem até então. No entanto, devido à

exploração de uma classe sobre outra, inerente ao sistema capitalista, o nobre solo de

desenvolvimento econômico é desfavorável à efetivação máxima e irrestrita às objetivações

do gênero humano.

A teoria marxiana, em meio a outras teorias que destacam e até descrevem a

problemática da fragmentação de uma sociedade na qual a maioria das pessoas compõe um

abismo entre a vida espiritual e material, é a única que consegue ir às raízes existentes de

modo integral. Além de assinalar a problemática, repulsa a força que combate, despreza e 18

Falaremos um pouco mais a frente da relação que o crítico literário russo Lifschitz teve com Lukács, por

ocasião do período que ambos estiveram no Instituto Marx-Engels-Lênin, no inicio da década de 1930.

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29

corrompe o homem, própria de um sistema de exploração, tal como é, inumano. Inúmeras

tentativas, com representações burguesas e/ou idealistas, foram feitas no sentido de lutar em

nome de uma base humanista, todavia

/.../ só a concepção materialista da história é capaz de reconhecer que a

verdadeira e mais profunda lesão ao princípio do humanismo, a dilaceração e

mutilação da integridade humana, é apenas a conseqüência inevitável da

estrutura econômica, material da sociedade. A divisão do trabalho na

sociedade de classe, a cisão entre cidade e campo, a divisão entre trabalho

físico e trabalho espiritual, a exploração e a opressão do homem pelo

homem, a fragmentação do trabalho nas condições anti-humanas da ordem

capitalista de produção – todos estes processos são processos econômicos,

materiais (LUKÁCS, 2009, p. 116).

Diante disso, só apenas por esse viés, através do entendimento irrestrito ao

desvelamento econômico, social e espiritual proposto pela teoria marxiana e recuperado, em

grande medida, por Lukács, é possível indicar a maneira que poderá se esmerar outra forma

de sociabilidade. Para tanto, é preciso lutar contra o sistema de exploração que não permite a

livre consciência, de modo que se possa almejar um novo homem e uma nova sociabilidade.

Para Lukács,

/.../ o humanismo socialista insere-se no centro da estética marxista, da

concepção materialista da história /.../ é preciso sublinhar com ênfase que, se

esta concepção penetra nas raízes mais profundamente entranhadas no solo,

nem por isso nega a beleza das flores. Ao contrário, é a concepção

materialista da história, a estética marxista, e somente ela, que fornece os

instrumentos para uma justa compreensão deste processo na sua unidade, na

sua orgânica conexão entre raízes e flores (LUKÁCS, 2009, p. 117).

Lukács foi buscar, na teoria e estética marxista, o fundamento para compreender

profundamente o real e, assim, entender que outra sociabilidade é indispensável. O homem é

um ser social, na medida em que tudo de humano existente nele resulta da vida em sociedade,

ou seja, do contexto cultural que vem sendo criado pelos homens em sua prática, e, de acordo

com essa prática, é que os homens poderão abrir caminho para o alcance de outra sociedade,

propriamente humana.

Mesmo com considerações ainda elementares, já podemos indicar que foi

imprescindível o estudo da teoria marxista para que Lukács pudesse elaborar sua Estética.

Infelizmente, foi pouco compreendido em seu tempo, tendo em vista que os teóricos

contemporâneos a ele buscavam seu pensamento inicial. Sobre essa questão, seguimos com as

Page 31: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

30

palavras de Tertulian (2008, p. 189) relatando que ―/.../ a Estética permanece o monumento

mais expressivo dos textos publicados durante sua vida‖. Para Tertulian, na década de 1960,

era moda criticar Lukács, as depreciações eram feitas, principalmente, com base em suas

obras iniciais, sem levar em conta sua obra de maturidade fundamentada na teoria marxiana.

A seguir, trazemos a tona alguns exemplos dessas restrições à obra madura do esteta húngaro.

Ernst Bloch, por exemplo, acusou Lukács de se utilizar do sociologismo como

método. Para Bloch, Lukács ―/.../ teria permanecido prisioneiro de uma relação de aderência

estreita demais entre o condicionamento econômico social e a estrutura da obra de arte,

insensível à emergência de sua dimensão utópica‖ (TERTULIAN, 2008, p. 190-191), ou seja,

ele teria prendido a estética ao curso da economia, em última instância, sem tratar essa relação

de autonomia relativa, de autonomização crescente da atividade estética ao posicionamento

econômico. As críticas apontadas sobre a inculpação de sociologismo evidenciam ensaios que

Lukács escrevera anteriores à Estética.

Lukács, no prefácio à Estética, faz um agradecimento à Bloch, e não só a ele, mas

também a Weber e Lask, pelo interesse crítico que esses intelectuais alemães prestaram a seu

trabalho. Faz, entretanto, a ressalva de que sua última obra publicada em vida toma posição

oposta ao idealismo filosófico, distanciando do que foi sua obra juvenil, alvo de críticas

desses autores sobre citados, pois, segundo o esteta húngaro,

/.../ a principios de los años cincuenta, pude pensar en volver, con una

concepción del mundo y un método completamente distintos, a la realización

de mi sueño juvenil, y realizarlo con contenidos completamente distintos y

con métodos totalmente contrapuestos (LUKÁCS, 1982, v. 1, p. 30).

Bloch, ainda censurou Lukács de neoclassicista. Tal repreensão deu-se devido ao

esmero à forma presente na obra inicial do filósofo húngaro, bem como por ele ser leal às

reminiscências da estética clássica. Bertold Brecht, por sua vez, sobre outro aspecto, também

dirigia a Lukács a mesma crítica de Bloch. O teatrólogo alemão não concordava com a

posição do esteta húngaro, pois ―/.../ Brecht, visivelmente, então no que se chamava o

‗segundo período‘ – médio – de sua obra, estava excluído pelos critérios lukacsianos do

realismo‖ (TERTULIAN, 2008, p. 197)19

. Não se pode afirmar, tendo em vista a concepção

19

Tendo em vista que, segundo Lukács: ―/.../ toda grande literatura, toda literatura autêntica, é realista. Não se

trata aqui de estilo, mas do ângulo de visão da realidade, da posição tomada diante dela /.../ A questão que se

coloca é a de saber até que ponto pode se qualificar de realistas certas tendências ‗modernistas‘ ou de

Page 32: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

31

lukacsiana, de acordo com Tertulian, se os textos de Brecht possuíam o caráter de

universalidade ou se eram escolhas puramente particulares, daí o próprio juízo de gosto.

Assim, Brecht, no término de seu texto, titulado Die Essays Von Georg Lukács, declarou que

para Lukács: mais vale o ‗prazer desinteressado de Kant‘ do que uma arte dita revolucionária.

Tertulian (2008) alega, por outro lado, que Lukács lamentava não ter conseguido

dedicar à obra de Brecht um estudo crítico. O que fez, e, mesmo assim, considerava

insuficiente, foram as poucas páginas dedicadas no seu livro La signification presente du

réalisme critique, bem como no prefácio a uma outra edição da obra Brève histoire de la

littérature allemande, uma ligeira dedicação aos estudos do teatrólogo alemão. Para deixar

mais amena tal polêmica, convém trazer o relato de Tertulian (2008), sobre a visita que Brecht

fez à Lukács, durante sua passagem em Moscou, em 1941:

/.../ naquela ocasião, Brecht lhe teria dito que havia pessoas que tentavam, a

qualquer preço, aumentar suas divergências e semear a discórdia entre eles,

mas que ambos deviam opor-se a tentativas semelhantes e fazer um pacto de

solidariedade (TERTULIAN, 2008, p. 299-300).

Não se sabe ao certo se Lukács tomou conhecimento acerca de tais afirmações

encontradas nos textos do poeta alemão sobre ‗o prazer desinteressado de Kant‘. O que se tem

conhecimento é que ambos tiveram uma relação próxima nos últimos anos de vida de Brecht,

pois foi encontrada, nas correspondências de Lukács, uma carta na qual Hélène Weigel,

esposa de Brecht, o convidava para o enterro de seu marido, expressando o desejo que apenas

os amigos mais íntimos estivessem presentes (TERTULIAN, 2008).

Sobre o modo como a específica mediação artística, especialmente as obras de

vanguarda, influencia, sob os aspectos humanos, Lukács tem uma posição crítica e firme, uma

vez que acreditava que a sucessão artística deveria manter uma posição crítica e acesa com a

tradição. Ressaltamos, ademais, que a estética marxista prima por um alcance da humanidade

ao que de melhor o homem conseguiu constituir. Equivocam-se aqueles que entendem que o

pensamento marxista busca uma inovação irrestrita ou um movimento intelectual de

‗vanguarda‘. Onde eu começo a não estar mais de acordo é quando a literatura, como que desorientada, renuncia

a toda pintura pluridimensional, a toda marca de universalidade; não somente em seu conteúdo, mas também na

forma /.../ Por sua natureza mais profunda, a arte possui várias dimensões. Ora, as ultimas décadas manifestam

uma tendência muito marcada para a arte de uma só dimensão. Sou contra.‖ (LUKÁCS, 1969, p. 185-186).

Falaremos com mais propriedade sobre o realismo no terceiro capítulo desta dissertação.

Page 33: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

32

vanguarda artística, mais ainda aqueles que apreendem a emancipação da classe trabalhadora

como uma disposição que deseja renunciar o que foi criado anteriormente, muito pelo

contrário, ―/.../ devem herdar todo o conjunto de valores reais elaborados pela evolução

plurimilenar da humanidade‖ (LUKÁCS, 2009, p. 102).

Já Adorno o acusa de não dar a devida importância a função mediadora da

subjetividade estética e de confundir a lógica do pensamento científico com a lógica da

criação artística. Entretanto, quem teve acesso à leitura da Estética, destaca com louvor tal

querela. Nesse sentido, Tertulian interdita o ataque: ―Ora, o sistema estético de Lukács é

amplamente consagrado a estabelecer, de modo constante, a distinção entre dois tipos de

atividade espiritual‖ (TERTULIAN, 2008, p. 193). O filósofo húngaro se utiliza, no que

compete sua obra Estética, o recurso de aproximação e distanciamento da arte com relação à

religião, como ficará aclarado no decorrer da presente discussão, a luta de libertação da arte

com relação ao complexo religioso.

Mais um ponto a ser destacado, em meio às críticas adornianas, refere-se aos

estudos de Lukács em relação à gênese da arte. Segundo Tertulian (2008), o anexo da obra

póstuma Aesthetische theorie, de Adorno, intitulado ‗Teorias das origens da arte‘, leva a

seguinte afirmação categórica: ―As tentativas que visam fundamentar a estética a partir da

origem da arte como sua essência são necessariamente decepcionantes‖ (TERTULIAN, 2008,

p. 202). Lukács tem como fio condutor de sua teoria, na esteira de Marx, o exame da gênese e

evolução da arte, apresentando o ‗método genético-ontológico‘20

. Ademais, no que tange a

sua obra madura, o filósofo húngaro sistematizou um verdadeiro e rigoroso estudo sobre o ser

social; e seu método lhe consentiu entender a condição humana que se expressa na realidade

cotidiana.

Adorno acreditava que Lukács havia renunciado a seu pensamento anterior, assim,

teria imolado o cerne de seu pensamento estético ao recusar sua obra de juventude. Sartre,

pensador marxista de relevo, vai nessa mesma corrente, ao afirmar que ―/.../ um verdadeiro

filósofo que tem seu pensamento em evolução não sente necessidade de renegar suas obras

anteriores‖ (SARTRE, 1949 apud TERTULIAN, 2002, p. 28). Em resposta a Adorno e Sartre,

consideramos o que o filósofo húngaro contestou à Vezér, sobre a unidade de seu

20

Termo utilizado por Tertulian (2008).

Page 34: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

33

pensamento. Na obra Pensamento vivido – autobiografia em diálogo, Lukács expôs que não

se deve mudar de opinião constantemente, mas que se houverem motivos para fazê-lo deve-se

estar propenso à alteração, se faltar tal disponibilidade, consequentemente faltará integridade

intelectual, porque sem esse parâmetro, ―/.../ sem isso não há evolução humana‖. (LUKÁCS,

1999, p. 125).

Convém ainda, relatar que Lukács foi apresentado como submisso ao partido

comunista, onde deveria seguir as orientações de um ‗dogmatismo leninista‘. Trazemos como

exemplo dos motes formulados a esse respeito, o jornalista e historiador François Fejtö, o qual

relatou que ―/.../ depois que Lenin identificou traços de idealismo hegeliano em sua História e

consciência de classe, Lukács tratou logo de se ‗deshegelianizar‘, de tirar de seus textos tudo

que poderia escandalizar seus censores‖ (FEJTÖ, 1985 apud TERTULIAN, 2002, p. 28).

O fato é que, mesmo muito tempo depois da escrita de sua obra História e

consciência de classe, já na Estética, como destacado anteriormente, Lukács reconhece o

universalismo e o modo histórico-sistemático hegeliano de sintetizar a arte, todavia, questiona

sua fundamentação baseada no idealismo filosófico. Desse modo, rompe com as

definições/delimitações mecânicas e hierárquicas, propostas pela teoria hegeliana, porém não

deixa de trazer a tona o mérito da teoria.

O filósofo húngaro teve como pretensão evidenciar, através do método genético-

ontológico, ―/.../ a arte como forma autônoma do sincretismo com as outras formas

espirituais‖ (TERTULIAN, 2008, p. 203). O método utilizado por Lukács é profícuo no

sentido de proporcionar, em relação aos outros métodos clássicos da teoria do conhecimento,

o fato de que:

/.../ As propriedades constitutivas da arte e do fato estético apresentam, numa

tal perspectiva vertical, um relevo e uma profundidade bem diferentes;

adquirem um coeficiente de necessidade que as analises estritamente

epistemológicas do idealismo filosófico estavam longe de poder assegurar-

lhes (TERTULIAN, 2008, p. 203).

Lukács não intentava, não intentava, através de seu método, recompor a história

inicial da arte, mas analisar suas articulações consecutivas dos distintos tipos de atividade

espiritual, estudando até sua forma circunspecta. Mais adiante exploraremos melhor essa

questão.

Page 35: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

34

Ainda com relação ao pensamento de Sartre, enfatizamos que, na Introdução de

Crítica da visão dialética, o filósofo francês sanciona sua crítica a Lukács tentando evidenciar

que ele teria sacrificado as mediações complexas que ligam as estruturas de certos fenômenos

espirituais a seu substrato sócio-histórico. Tertulian (2008) ratifica que Lukács, ao

desenvolver sua Estética, no que compete à teoria geral da subjetividade estética, desde sua

gênese e estrutura, nos leva a compreender uma teoria geral da origem de todas as formas do

espírito, o que nos permite localizar o próprio método lukacsiano.

Vale destacar que, tanto Sartre quanto Lukács, lutavam para desmascarar a

vulgarização e a dogmatização sofrida pelo marxismo, tendo como objetivo resgatar o legado

original marxiano, apesar de se aterem a métodos distintos. Nas palavras de Tertulian a

respeito dos filósofos: ―/.../ Ambos procedem a um exame radical das categorias fundamentais

do pensamento de Marx, cujo reexame crítico lhes parecia necessário depois da longa

hegemonia do dogmatismo stalinista‖ (TERTULIAN, 2002, p. 36).

Além disso, Sartre e Lukács vibravam considerações positivas um sobre o outro.

Sartre, por exemplo, após ler a obra assinada por Lukács A destruição da razão (1954),

relatou que o filósofo húngaro era ―/.../ o único na Europa que buscava explicar as causas dos

movimentos do pensamento contemporâneo‖ (SARTRE, 1964 apud TERTULIAN, 2002, p.

34). Por outro lado, Lukács se debruçou na obra Crítica da razão dialética e, apesar de

discordar de pontos estruturais da obra, reconheceu resultados alcançados pelo autor francês,

no que compete ao materialismo histórico. Todavia, teve como ressalva a junção indevida da

teoria hegelo-marxista à filosofia kierkegaardiana, indicada por Sartre.

Outras críticas dirigidas a Lukács, mais recentemente, partem do estudioso

literário alemão Hans Mayer, que, embora admitisse que em Lukács fosse fácil compreender

as relações que ligam as correntes literárias à vida social, criticava-o no concernente a sua

visão simplificadora da relação condicionamento sócio-histórico/arte, bem como uma relativa

carência quanto à decifração das particularidades estritamente estéticas das obras. Bernard

Teyssèdre, filósofo e escritor francês, foi o primeiro a bradar contra a ideia de que havia uma

divisão metodológica entre materialismo dialético e materialismo histórico, presente na obra

lukacsiana Introdução a uma estética marxista, pois segundo Teyssèdre, não havia

possibilidade de tratamento da arte dialeticamente sem considerar a história. Todavia, ambos

Page 36: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

35

os julgamentos foram feitos sem o acesso a leitura da Estética de Lukács (TERTULIAN,

2008).

No final da década de 1960, alguns dos alunos de Lukács, mais conhecidos por

fazerem parte da então titulada Escola de Budapeste, dentre eles Agnes Heller, Ferenc Feher e

Mihail Vadja, abandonaram o marxismo propalado por Lukács, tendo como escopo a renuncia

da Ontologia (PINASSI; LESSA, 2002). Vaisman e Fortes (2010) seguem a mesma linha de

pensamento de Pinassi e Lessa, ao se referirem ao texto publicado na revista Aut aut, cujo

título Anotações sobre a Ontologia para o companheiro Lukács, de autoria dos três

budapesteanos, além de Márkus, os quais afirmavam que a Ontologia de Lukács permitia

vários problemas não somente em relação a determinados aspectos exatos, mas também

impugnaram o próprio desígnio de Lukács de instituir uma ontologia com embasamentos

materialistas.

Outras polêmicas se fundem nesse imbróglio, porquanto os destacados intérpretes

da obra lukacsiana, e em especial a Estética, discordam em seus julgamentos finais. Frederico

(2005) excursiona sobre eles: para Nicolas Tertulian, há um escopo ontológico em toda

caminho do autor húngaro, isso fica evidente nas últimas obras. Considerando a análise de

Jose Chasin, Lukács apenas conseguiu desfazer a aparência hegeliana, ainda de modo

inacabado, na Ontologia. Miklós Almasí assevera que a Estética proposta por Lukács vai

além da esfera gnosiológica, mesmo que a finalidade ontológica seja inconsciente. Heller,

como já atendemos, engrandece a Estética e danifica a Ontologia. Mészáros aprecia a Estética

como um esboço e não como uma síntese concluída. Por fim, Frederico atesta que, a Estética

se configurou como uma inclinação rumo à ontologia e é exatamente dessa maneira que o

esteta húngaro considera, na entrevista concedida a Vézer: ―A Estética, na verdade, era a

preparação para a Ontologia, na medida em que se trata do estético como momento do ser, do

ser social‖ (LUKÁCS, 1999, p. 139).

Avaliamos, desse modo, que o debate sobre essa questão está longe de terminar, mas é

preciso reconhecer, com base nas leituras feitas no grupo de estudos ‗Estética de Lukács:

Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social‘, que Lukács já trazia em sua

Estética o germe da Ontologia, destacando, em diversos pontos, o trabalho como ato

fundante. Considerada obra madura pela maior parte dos estudiosos, o que acordamos, a

Estética foi um passo importante para que o filósofo húngaro entendesse que precisaria

Page 37: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

36

fundamentar uma Ética, com base nos estudos ontológicos. Infelizmente, não teve o tempo

histórico necessário para a conclusão de seus estudos, apesar de ter seguido incansavelmente

com tal propósito até os derradeiros dias de sua vida.

2.2 Um esboço da gênese da estética lukacsiana

A partir desse breve curso sobre a estética inserida no percurso teórico de Lukács,

damos início ao esforço teórico de Lukács de ir, a partir da gênese da atividade estética, à

elaboração sugerida e indicada por Marx, não só de uma nova Estética, mas também de uma

nova Ontologia. Desse modo, inicialmente nos debruçamos sobre as elaborações referentes a

uma nova Estética fundada em uma nova Ontologia, para, em seguida, problematizarmos e

articularmos algumas categorias de modo que possamos compreender melhor o conceito de

arte em Lukács.

Encetamos a discussão, assumindo que Marx fundou uma nova ontologia, uma

ontologia distinta de todas as outras, fundamentada na história. Marx formulou, nas palavras

de Lukács (1999, p. 145), ―/.../ a tese segundo a qual a categoria fundamental do ser social, e

isto vale para todo o ser, é que ele é histórico‖. Com base nesse pressuposto, consideramos

que o mundo dos homens é marcado por uma série de complexidades desenvolvidas durante o

decurso da história. Compreendemos, a partir da leitura profícua dos estudos de Lukács, na

esteira de Marx, a existência de três representações singulares, as chamadas bases ontológicas

do ser social, que caracterizam a processualidade histórica do homem, as quais, embora se

apresentem distintas no plano ontológico, são articuladas, uma vez que o ser social demanda

uma contínua troca com o natural. Desse modo, como assegura o próprio filósofo húngaro:

/.../ Ora, historicamente, é indubitável que o ser inorgânico aparece primeiro

e que dele – não sabemos como, mas sabemos mais ou menos quando –

provém o ser orgânico, com suas formas animais e vegetais. E desse estado

biológico resulta depois, através de passagens extremamente numerosas,

aquilo que designamos como ser social humano, cuja essência é a posição

teleológica dos homens, isto é, o trabalho (LUKÁCS, 1999, p. 145, grifo

nosso).

Nesse sentido, podemos constatar um salto entre uma forma mais simples e o

início de uma forma mais complexa, pois é através desse salto que se aprimora uma nova

Page 38: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

37

forma de ser. Entretanto, há que se levar em conta o fato de que a esfera do ser social é a

única capaz de produzir o novo, àquela que modifica a natureza e a si mesma, através do

trabalho, e, a partir deste, originam-se os demais complexos atrelados à organização da vida.

Consideramos, dessa maneira, que a orientação metodológica marxiano-

lukacsiana atribui ao trabalho um papel preponderante no desenvolvimento histórico do

homem. Para Lukács (2009), o homem cria a si mesmo com a mediação do trabalho, ―/.../

cujas características, possibilidades, grau de desenvolvimento, etc., são, certamente,

determinados pelas circunstancias objetivas, naturais ou sociais‖ (LUKÁCS, 2009, p. 91).

Advertimos ainda que, independente do objeto de estudo, em especial o das

ciências humanas, é indispensável o estudo da ontologia enquanto gênese, pois

/.../ se quisermos compreender os fenômenos no sentido genético, o caminho

da ontologia é inevitável, e que se deve chegar a extrair das várias

circunstancias que acompanham a gênese de um fato qualquer os momentos

típicos necessários para o próprio processo (LUKÁCS, 1969, p. 14, itálico

do autor).

Por conseguinte, seguindo esse método de análise, é pela dialética que, ao

retornarmos aos fatos iniciais da vida, podemos entender os fatos mais complexos. Conforme

expusemos resumidamente, Marx certificou uma compreensão da realidade, radicalmente

nova diante das antecessoras21

. Ainda nessa linha de raciocínio, Tertulian (2008) ressalta que

Lukács sustenta a importância de reconhecer as origens da atividade estética como meio

imprescindível à sua explicação, por meio do exame da sucessão lógica que vai se

distinguindo, avançando em sua variedade conferindo às atividades espirituais originais.

Todavia, há que destacar que este trabalho não é isento de dificuldades, visto que, mesmo que

o material facultado pela arqueologia e etnografia seja abastado22

, no que concerne às formas

de arte primitiva, é incomensurável a existência de lacunas.

21

Consideramos, com base no próprio pensamento lukacsiano, que Lukács apesar de afirmar a constituição de

uma estética marxista sistemática, não rejeita o acúmulo anterior ao marxismo, já que ―/.../ também nesse terreno

o marxismo é herdeiro das melhores tradições do passado cultural e não as nega nem as pode negar, se é que

pretende efetivamente superá-las‖ (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009, p.13).

22 Alexis Leontiev, em sua obra O desenvolvimento do psiquismo (1978), abrange um riquíssimo conteúdo

acerca da démarche histórica no que tange ao desenvolvimento biológico e sócio-histórico do homem. Podemos

contar também estudos de pesquisadores que tratam da origem da vida, contextualizando com a história social, o

documentário Como nos tornamos humanos (2009), produzido pela NOVA/PBS, mostra a evolução humana,

buscando considerar recentes descobertas sobre o homem primata, por meio de entrevistas com renomados

Page 39: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

38

Outro fator que pode ser levado em conta é que posto que haja a ausência de

material histórico, e, embora existam essas brechas no que se refere aos nossos conhecimentos

acerca das origens, ―/.../ elas não são consideráveis o bastante para impedir a reconstituição,

em grandes linhas, das etapas decisivas da evolução do espírito‖. Lukács se utilizará do

lineamento marxiano para autenticar sua própria teoria com ―/.../ a célebre tese de Marx

contida na introdução aos Fundamentos da crítica da economia política: ‗A anatomia do

homem dá a chave da anatomia do macaco‘‖ (TERTULIAN, 2008, p. 201).

Assim como Marx, que partiu da análise da forma de sociabilidade capitalista para

reconstituir o processo de origem e desenvolvimento dos sistemas sociais antecedentes, o

filósofo húngaro teve a pretensão de evidenciar que a origem da atividade estética do homem

foi antecedida, em seu germe, por um movimento que foi se transformando, no qual pôde

examinar os elementos contínuos da atividade estética desde o salto ontológico até as

configurações maturadas de seu tempo.

Isto posto, temos elementos para imputar considerações a respeito de uma nova

estética, uma estética marxiana23

. Embora Marx não tenha escrito nenhum tratado sobre

estética, poderíamos extrair do arcabouço marxiano e das formulações de Lukács, uma nova

estética, articulada a essa nova ontologia, distinta de todas as formulações e orientações que a

humanidade conheceu até hoje.

De acordo com Lukács, a concepção marxiana não é apenas uma teoria

econômico-social, no entanto sua ontologia dá conta de uma visão universal do mundo. Nas

palavras do autor:

cientistas e imagens feitas nas escavações em sítios arqueológicos da África e da Europa. Ainda no campo da

sétima arte podemos citar como exemplo o filme A guerra do fogo (1991), de Jean-Jacques Annaud, pois ―A

imagem criada artisticamente a partir de dados científicos da realidade nos leva a refletir diversas dimensões da

reprodução intelectual da realidade que os hominídeos tiveram que realizar até alcançarem a condição de homo

sapiens sapiens. Executando seus atos e refletindo sobre eles os hominídeos conseguem um constante progresso

de iluminação e de riqueza da determinação do que investigam (o fogo) e de sua conexão sistemática‖

(SANTOS, CARMO, FRAGA, 2009).

23 O termo ‗estética marxiana‘ é utilizado por Lukács na entrevista concedida no livro ―Pensamento vivido‖,

edição brasileira de Edições Ad Hominem. Para além dos problemas de tradução, consideramos, baseados em

Paulo Netto, o termo estética marxiana elaborada pelo próprio filósofo alemão, bem como a terminação estética

marxista, feita por outros autores que tratam da teoria marxiana.

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39

/.../ devia haver uma estética marxiana própria, que o marxismo não tomava

nem de Kant nem de nenhum outro. Essas idéias foram elaboradas por

Lifchitz e por mim. Naquele tempo eu trabalhava com ele no Instituto Marx-

Engels. Com a elaboração dessas idéias teve início todo o nosso

desenvolvimento subseqüente. A constatação não é comum hoje na historia

da filosofia, no entanto o fato é que fomos os primeiros a falar de uma

estética marxiana específica, e não desta ou daquela estética que completasse

o sistema de Marx /.../ Sobre esta base começamos a desenvolver a idéia de

que existe uma estética marxiana e que para desenvolvê-la era necessário

partir de Marx (LUKÁCS, 1999, p. 87-88).24

Com efeito, a ontologia marxiano-lukacsiana se distingue das outras porque ela

contorna a atividade estética, articulada ao complexo histórico e social. Lukács percorre todo

o raciocínio para explicar que essa atividade estética é autônoma da sua base material

cotidiana espontânea. Porém, não é uma atividade auto-fundada, mas uma atividade imanente

e elevada do homem.

Para melhor explicar a origem da atividade estética, a qual tem seu aparecimento

enquanto complexo tardio, nos apoiamos em Tertulian (2008), ao elucidar que determinada

situação, na qual se compunha um caráter mágico/religioso de cunho prático e factual, passa a

desenvolver certa autonomia, ocasião que estabelece um desprendimento do transcendente e

que principia a realização de um estado de imanência, o principio de uma efetivação

genuinamente do ser social. Destarte, se edifica, de acordo com Tertulian, fundamentado em

Lukács, o

/.../ Momento em que a produção ou a narrativa, dança ritual ou mágica

recebem, além de sua função original, uma nova função, que surge

involuntariamente, a função estética (TERTULIAN, 2008, p. 209).

Nessa ocasião, ocorre o que Lukács considera uma fase distinta da ‗consciência de

si‘ do desenvolvimento humano. Aquilo que é avaliado como necessidade antropomórfica,

todavia, sem o apelo ao transcendente, atinge o estágio da imanência, a dialética entre

objetividade-subjetividade, próprio do complexo da arte. A estética, nos termos de

Baumgarten, é a faculdade do sentir – modo como podemos nos desenvolver na realidade –

pois é da vida cotidiana que se extraem as sensações que mais tarde serão objetivadas na

forma de reflexos superiores. Sendo a arte uma abstração superior, não é produzida de modo

24

Sobre esse período, no qual Lukács teve acesso aos Manuscritos Econômico-Filosóficos, bem como os textos

de Lenin, falaremos com mais afinco adiante.

Page 41: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

40

cotidiano. Contudo, tem seu nascedouro neste e volta ao mesmo, quando autêntica25

, de

maneira enriquecida.

Não obstante, mesmo sem poder ainda enfrentar com devida profundidade e rigor

o que expressaria ser uma arte autêntica, ousamos, apoiados em Lukács, considerar, mesmo

que de forma assumidamente sintética, nosso entendimento sobre a categoria da autenticidade,

pois nela ancora o enriquecimento do homem enquanto ser social ao retornar ao cotidiano26

. O

filósofo húngaro afirma que

/.../ el hecho es que, en la medida en que sus obras son artísticamente

auténticas, nacen de las más profundas aspiraciones de la época en que se

originan; el cotenido y la forma de las creaciones artísticas verdaderas no

pueden separarse nunca – estéticamente – de ese suelo de sus génesis. La

historicidad de la realidad objetiva cobra precisamente en las obras del arte

su forma subjetiva y objetiva (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 25).

Deste modo, vale a pena registrar que toda arte genuinamente profunda, guarda

uma interação recíproca com seu aspecto temporal histórico e universal ou aquilo que Lukács

chamou de hic et nunc, expressão latina que significa, grosso modo o ‗aqui e agora‘, que vai

garantir a autenticidade de uma obra. Ainda de acordo com Lukács (1982, v. 1, p. 260), a arte

―/.../ no se limita a fijar simplemente un hecho en sí, como la ciencia, sino que eterniza un

momento de la evolución histórica del género humano‖. A arte autêntica prende-se ao gênero

humano – aquilo que o homem produziu de mais acabado na historia da humanidade até

então, as objetivações humano-genéricas.

Assim, a arte, produto do desenvolvimento social, institui um patrimônio para o

porvir: a arte mágica dos povos primitivos, expressa nas cavernas, dá conta de explicar como

foi a vida naquele tempo; os templos, os palácios, a arquitetura do oriente; a arte grega e

25

Antes de tudo, é preciso frisar que não compete a esta dissertação fazer apontamentos relacionados ao juízo de

gosto no que se refere à arte autêntica, pois a arte por ser antropomorfica (explicaremos mais adiante essa

categoria) permite individual apreciação, de acordo com o desenvolvimento histórico do sentido/sentimento de

cada indivíduo. Claro que, em tempos propícios ao desenvolvimento de uma arte vazia de sentido, que passe a

largo de seus receptores, só poderá galgar à mediocridade. De todo modo, consideramos que mesmo neste estado

relatado, há possibilidade para que o homem consiga trazer ao solo cotidiano uma arte plena de sentido, pois,

nesta circunstância, a arte pode negar, denunciar, expressar a contradição ou mesmo, apontar o devir, em meio

ao processo do real.

26 Antecipamos que adiante discutiremos a conceitualização da arte a partir das categorias: antropomorfização,

desantropomorfização, imanência e transcendência.

Page 42: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

41

romana; os grandes artistas do Renascimento; etc. Com base nesse quadro, acrescentamos as

palavras de Lukács, ao explanar sobre a verdade artística:

/.../ La verdad artística es, pues, como verdad, histórica; su verdadera génesis

converge con su verdadera vigencia, porque ésta no es más que el

descubrimiento y manifestación, el ascenso a vivencia de un momento de la

evolución humana que formal y materialmente merece ser así fijado

(LUKÁCS, 1982, v. 1, p. 260).

Com esse contexto em tela, através do qual Lukács principia seus estudos acerca

das questões estéticas, ressaltamos que sua produção intelectual se aplica sobre a análise das

formas culturais, especialmente a literatura. Desse modo, percorremos o trajeto intelectual de

Lukács, pois este nos ajuda a explicar melhor a importância da estética para o autor, no

sentido de compreensão da realidade. Voltar aos estudos iniciais, tomando por base seu

pensamento de maturidade, é outra maneira de abarcar o método empregado anteriormente.

Nesse sentido, pretendemos resgatar o caminho pelo qual Lukács traçou seus

estudos estéticos, pois dessa forma, acreditamos ser possível apresentar como se dissipa sua

concepção metodológica. Não aspiramos realizar uma biografia, nosso intuito é entrelaçar a

polêmica história do intelectual militante com sua trajetória teórica até o encontro com o

marxismo, que, a nosso ver, foi decisivo para que Lukács formulasse sua concepção estética.

Faremos uma compilação de autores que se debruçaram sobre esse assunto, de modo que

possamos compreender melhor como se estabeleceu as bases para a escrita de uma nova

Estética e, posteriormente, para a inconclusa Ontologia. Cabe afirmar, mais uma vez, que

trataremos apenas de alguns dos textos escritos pelo filósofo húngaro referentes à estética.

2.3 Percurso de Lukács sobre seus estudos estéticos

A primeira grande obra de Lukács, titulada História da Evolução do Drama

Moderno recebeu o prêmio da Sociedade Kisfaludy em 1908, mas passou por uma revisão e

foi editada em 191127

. Isso demonstra a grande envergadura intelectual de Lukács aos vinte e

27

Segundo Macedo (2000), essa obra nasceu no contexto e sob influência da companhia teatral Thalia, da qual

Lukács era integrante e fundador. Nesta ocasião, o referido grupo traz em cena peças de Strindberg, Hebbel,

Wedekind, Gorki e Ibsen, e deste último o filósofo húngaro traduziu a peça O pato Selvagem, mantendo contato

pessoal com o dramaturgo norueguês no ano de 1902.

Page 43: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

42

três anos de idade. O trabalho supracitado foi dedicado à ―/.../ produção dramática, do século

XVIII ao século XIX, cobrindo o drama alemão clássico (Lessing, Schiller, Goethe), Hebbel,

Ibsen, Strindberg, Hauptmann, Tchecov, Maeterlinck, Shaw, Wilde, D'Annunzio e

Hofmannsthal‖ (PAULO NETTO, 1983, p. 17), obra considerada pelo próprio filósofo

húngaro como opositora de correntes literárias positivistas, impressionista subjetivista, pela

crítica francesa etc. Havia certa influência do marxismo, mas com preponderância de

Simmel28

. Para Lukács (2009), seus textos até então, traziam uma característica idealista-

burguesa, pelo fato de não partirem das relações diretas entre a sociedade e a literatura, pois

apenas buscavam apreender e objetivar uma súmula da Sociologia e da Estética que se

ocupavam do objeto.

A obra A Alma e as formas foi publicada em 1910. Nela é evidente a crescente

influencia da filosofia hegeliana, ―/.../ seu esforço de concretização se limitava‖ como

confirma o próprio Lukács (LUKÁCS, 2009, p. 22), ―/.../ ao intento de apreender a estrutura

interna, a essência geral de determinadas formas típicas do comportamento humano, e, em

seguida, vinculá-las às formas literárias, mediante a figuração e a análise dos conflitos da

vida‖. Esses escritos, de acordo com Paulo Netto (1983, p. 20): ―/.../ são textos que se centram

na crítica literária, abordando autores que, em sua maioria, representam o anticapitalismo

romântico‖. A advertência de Paulo Netto sobre essa questão é que o ―/.../ enfoque de Lukács

não é sociológico-estético‖ como em História da Evolução do Drama Moderno, ―/.../ mas

filosófico, ético-estético‖ (PAULO NETTO, 1983, p. 20), o que constitui um salto, pois

Lukács buscava organizar um escólio menos abstrato dos elementos literários.

No ano de 1912, Lukács se desloca para Alemanha, cidade de Heidelberg, onde

passa a manter contato com o grupo de Max Weber. A Primeira Guerra exacerba sua

preocupação com a calamitosa situação mundial e isso reflete em seus escritos. Para Coutinho

e Paulo Netto (2009), esse período é caracterizado, no jovem filósofo húngaro, como uma

clara vinculação entre estética e ética. Tal atrelamento é objeto de estudos que desenvolveu

28

O sociólogo alemão que exerceu influência no pensamento inicial de Lukács. Segundo o esteta húngaro, sobre

o peso de tal influência, ―/.../ Simmel trouxe à baila o caráter social da arte, transmitindo-me um ponto de vista

sobre cuja base tratei da literatura, indo muito além de Simmel. A verdadeira filosofia do meu livro sobre drama

é a filosofia de Simmel‖ (LUKÁCS, 1999, p. 38).

Page 44: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

43

entre 1912 e 1917, entre eles destacam-se os incompletos29

Filosofia da arte, de 1912-14 e a

apontada como Estética de Heidelberg, de 1914-1730

.

A vinculação entre estética e ética, anteriormente mencionada, deságua no

encanto pela obra de Dostoiévski. Ao estudar a obra do escritor russo, Lukács relata que,

dentro dos limites da literatura burguesa, o realismo russo, tanto de Dostoiévski como de

Tolstoi, o instruíram como na literatura se pode desaprovar em bloco todo o sistema (NETTO,

1983). Nesse debate, segundo o esteta húngaro, não se discute se o capitalismo tenha esta ou

aquela aberração, mas, que, de maneira geral, todo ele é desumano (LUKÁCS, 1969).

O filósofo húngaro escreve Teoria do romance31

entre 1914-1915. Esse livro,

segundo o próprio Lukács, dirige-se mais aos problemas histórico-filosóficos. Em 1916,

publica a obra supracitada na Revista de Estética e de História Geral da Arte – de Max

Dessoir, e, em forma de livro, posteriormente, em 1920, pela editora de P. Cassier. De acordo

com o prefácio, ainda do mesmo livro reeditado, escrito pelo autor em 1962, a obra nasce num

contexto de "/.../ permanente desespero com a situação mundial" (LUKÁCS, 2000, p. 8).

Lukács revela, ainda, que a eclosão da Primeira Guerra, e o que o levou a ser contrário a ela

se distingue da maioria pacifista, se deveu ao fato do esteta húngaro ser avesso ―/.../ tanto às

democracias ocidentais quanto às potencias centrais‖ (LUKÁCS, 2009, p. 24) e que a saída

para toda aquela crise era a via revolucionária. Decerto que a visão de Lukács caia no plano,

segundo o próprio autor, idealista, e foi o que deu base para a escrita do trabalho supracitado.

29

Para Coutinho e Paulo Netto (2009), a insuficiência desses trabalhos se deve a insatisfação do esteta com

relação aos pressuposições metodológicas que orientavam seus estudos, as quais tinham uma preponderância

neokantiana.

30 Patriota (2010) relata que Lukács, nesse momento, buscava ―/.../ transplantar o princípio hegeliano para o

contexto da filosofia transcendental do neokantismo‖ (PATRIOTA, 2010, p.7). Lukács, ao encontrar na obra

marxiana fundamento teórico, ―/.../se despede de seu passado intelectual e desautoriza publicamente textos que

lhe haviam rendido a celebridade‖ (PATRIOTA, 2010, p. 14-15). Todavia, há um resgate por parte do escritor e

historiador de arte budapesteano Arnold Hauser que, na década de 1960, envia à Lukács três capítulos de sua

estética anterior. Durante uma conversa com seus alunos, na década de 1970, o filósofo húngaro pensa na edição

húngara de sua obra de juventude, mas nada se concretiza. Depois de seu falecimento ―/.../ vêm à tona novos

capítulos, sobre os quais o filósofo jamais havia mencionado. Lukács havia sepultado sua obra inacabada sob

camadas profundas de esquecimento‖ (PATRIOTA, 2010, p. 14-15).

31 Esta obra tinha a intenção de ser uma introdução aos estudos sobre Dostoiévski, mas acabou tornando-se um

trabalho independente (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009).

Page 45: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

44

Lukács relata, ainda, que se encontrava num período de transição do kantismo

para o hegelianismo. Reconhece, inclusive, as limitações do método que constituíra até então

e revela que somente:

/.../ uma década e meia mais tarde me foi possível – já em solo marxista, é

claro – encontrar um caminho para solução. Quando nós com A. Lifschitz,

em repúdio à sociologia vulgar, da mais variada extração, do período

stalinista, tencionávamos desentranhar e aperfeiçoar a genuína estética de

Marx, chegamos a um verdadeiro método histórico-sistemático (LUKÁCS,

2000, p. 13).

No período de 1930-193132

, Lukács estagia no Instituto Marx-Engels-Lênin, em

Moscou, onde estabelece uma relação com Mikhail Lifschitz33

, que, conforme comenta Paulo

Netto (1983, p. 51), era ―/.../ pesquisador do mesmo Instituto, que estava analisando os textos

em que Marx e Engels tratavam de questões estéticas‖. É nesse momento que Lukács tem seu

primeiro contato com os Manuscritos Econômico-Filosóficos, bem como pelos Cadernos

Filosóficos de Lenin. Paulo Netto (1983) indica que esta leitura fez com que Lukács revisse

algumas posições anteriores e rompesse de vez com algumas concepções hegelianas34

. Sobre

32

De acordo com Vaisman e Fortes (2010, p. 10): ―/.../ Alguns intérpretes de Lukács, como Oldrini e Tertulian,

consideram que a fase de maturidade de Lukács tem início em 1930, data a partir da qual o filósofo passa a se

dedicar aos seus estudos sobre a arte, tendo como orientação uma chave analítica fundada no pensamento de

Marx‖. Vale destacar, segundo Coutinho e Paulo Netto (2009), que, na década de 1920, Lukács dedicou-se aos

estudos literários e estéticos, publicando textos no famoso jornal alemão, criado por Karl Liebknecht e Rosa

Luxemburgo, Rote Fahne, no qual tratou de escritores como Lessing, Balzac, Dostoievski, Bernard Shaw,

Hauptmann, etc, além de temas relacionados ao marximo e teoria da literatura, ―/.../ muitos deles foram

selecionados e publicados por Michael Löwy em G. Lukács, Littérature philosophie marxisme (1922-1923),

Paris, PUF, 1978‖ (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009, p. 18).

33 Nesse período, 1930-31, Lukács e Lifschitz se debruçavam sobre os textos de Marx e Engels, concernentes às

questões estéticas. A título de ilustração, alguns textos da obra de Vigotski, os quais tomam como referência a

obra marxiana, foram escritos nesse mesmo período: A transformação socialista do homem (1930) e Historia del

desarrollo de las funciones psíquicas superiores (1931) (CARMO, 2008). Lifschitz, assim como Vigotski, era

russo. Contudo, não encontramos registros de que tenham tido algum contato. Entretanto, vale ressaltar que

Vigotski também teve como base a teoria marxiana e concluiu a tese Psicologia da arte em 1925, e ―/.../

conforme relato de Leontiev (1996, p. 433), procurou realizar duas tarefas, a saber: tanto ‗uma análise objetiva

da obra literária quanto uma análise objetivo-materialista das emoções humanas que surgem ao ler a obra de arte‘

(CARMO, 2008, p. 35). Outra questão que gira em torno do filósofo russo e que julgamos importante destacar

refere-se à entrevista concedida a Eörsi e Vezér, na qual Lukács atribui a ele próprio e a Lifschitz a divulgação

do desenvolvimento da ideia de existir uma estética marxista. A opinião do esteta húngaro sobre Lifschitz ―/.../ é

a de que ele era um dos maiores talentos que vivia naquela época, sobretudo no plano puramente literário. Via

com grande clareza o problema do realismo, mas não o entendeu às outras partes da cultura /.../ Assumi a

posição entre irracionalismo e racionalismo, qualquer que fosse a forma destes, idealista ou materialista, ou seja,

naquela época eu ultrapassei tematicamente a linha de Lifschitz. O pobre Lifschitz ficou na Rússia, não o levei a

mal por isso. O que é que ele podia fazer na Rússia? Apoiou a linha que condenava a literatura moderna. Sua

concepção se tornou totalmente conservadora‖ (LUKÁCS, 1999, p. 88).

34 Celso Frederico em seu livro Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica nos fornece elementos para

compreender, especialmente no Capítulo 3: Sujeito, objeto, totalidade, que o pensamento de Lukács está

Page 46: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

45

essa questão, Lukács (2009, p. 27), explica que ―/.../ O reconhecimento da autonomia da

originalidade da estética marxista foi meu primeiro passo na direção da compreensão e da

realização de uma nova inflexão ideológica‖35

. E complementa escrevendo:

/.../ O estudo desses materiais contribui para modificar o meu pensamento.

Até então, eu procurara interpretar corretamente Marx à luz da dialética

hegeliana; a partir daquele momento, procurei utilizar para o presente os

resultados de Hegel e do pensamento filosófico burguês – que, com ele,

alcançara seu apogeu –, mas com a crítica dos seus limites, com a base na

dialética materialista de Marx e Lenin (LUKÁCS, 2009, p. 27).

Com efeito, Lukács dedica-se, nas décadas de 1930 a 1950, a larga produção

intelectual atrelada ―/.../ já no campo marxiano, à estética e aos princípios humanizadores da

atividade artística e literária constituindo-se o ponto alto de sua produção‖ (PINASSI;

LESSA, 2002, p. 187). Datam, desse período, publicações como: o ensaio Narrar ou

descrever (1936); o livro O romance histórico (1937); o escrito Marx e o problema da

decadência ideológica (1938); edita estudos sobre o Fausto, de Goethe (1941); Goethe e sua

época, Literatura e democracia, Arte livre ou arte dirigida? (1947); Existencialismo ou

marxismo?, Thomas Mann, O realismo russo na literatura universal (1949); Realistas

alemães do século XIX, Literatura e arte como superestrutura (1951); Balzac e o Realismo

Francês (1952); A Destruição da Razão, Nova História da Literatura Alemã e Contribuições

à História da Estética (1954); Problemas do realismo (1955). (NETTO, 1983; PINASSI e

LESSA, 2002; FREDERICO, 2005)36

.

Aqui, cabe uma importante constatação, declarada por Lukács, no prefácio do

livro Problemas do realismo, na edição espanhola de 1965. O filósofo húngaro (1968b)

afirma que seus escritos de 1934-40 e muitos reunidos na obra citada foram divulgados na

articulado ao postulado hegeliano, principalmente em História e Consciência de Classe, e, a partir do contato

com a obra de Marx: Manuscritos Econômico-Filosóficos, o filósofo húngaro reconhece o seu processo de

transição e revisa o alicerce que amparava seu pensamento anterior.

35 Coutinho e Paulo Netto (2009) asseveram que tanto Lukács quanto Lifschitz colocavam-se em oposição a

marxistas como Plekhanov e Mehring, entre outros marxistas da época da Segunda Internacional, já que estes

não acreditavam na criação de uma estética própria, a partir do legado de Marx. A maior parte dos dirigentes da

Segunda Internacional enxergavam apenas a teoria marxiana revolucionária da economia política. A partir de

então, Lukács teceu sua obra baseado no fundamento de uma estética marxista sistemática.

36 Essa larga produção sobre assuntos literários confere o fato do encontro de Lukács com a estética marxista.

Page 47: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

46

revista Literaturnii Kritik37

, publicação esta que tinha como objetivo barrar as tendências

rappistas38

, com intuito contrário ao sectarismo literário e ao modernismo burguês.

Consideramos que esse grande impulso teórico-literário implicou à Lukács o

sentido do encontro com a estética marxista, contudo, deve-se levar em conta que, segundo o

próprio Lukács, em muitos aspectos, se difeririam o que ele escreveria em 1965, não só pelas

citações protocolares39

, mas em termos da estrutura do conteúdo. Mas não se pode negar o

caráter rudimentar que os ensaios trouxeram aos textos posteriores.

Em 1957, foi publicada Introdução a uma estética marxista40

. No prefácio da

obra, Lukács afirma que o estudo desse livro foi planejado para ser um capítulo da parte

dialético-materialista41

da sua Estética, já que para o projeto inicial, o filósofo húngaro

supunha uma divisão em três partes: I – A peculiaridade do estético; II – A obra de arte e o

comportamento estético; III – A arte como fenômeno histórico-social, das quais apenas a

primeira foi publicada. Introdução a uma estética marxista analisa a gênese filosófica do

princípio estético, tendo como principal categoria: a particularidade – o particular como

mediação (purificação) entre o singular e o universal. Para o filósofo húngaro, o papel da

particularidade na estética é o ato de refletir a realidade objetiva, mediação via reflexão

37

Em 1940 a revista foi dissolvida e Lukács não teve mais acesso à imprensa literária russa, apesar de nada

dizerem sobre ele. A única opção de Lukács foi a contribuição para duas revistas, a Internationale Literatur,

editada em alemão e a Uj Hang, húngara (LUKÁCS, 2009).

38 Lukács (1968b) relata que existiu uma organização oficial chamada RAPP (Associação Russa de Escritores

Proletários), a qual reunia escritores revolucionários da URSS, porém esta foi abolida em 1932, pois seguia uma

tendência sectária. No seu lugar, em 1934, foi criado outro grupo de escritores chamado de União dos Escritores

Soviéticos, que tinha a intenção de abranger outras tendências e ideologias. Todavia vale lembrar que a URSS

estava sob regime stalinista, e não tardou posições partidárias e censura dentro dessa nova organização.

39 Lukács afirma que à época não se publicava nada sem referência à Stalin, e que muitas vezes, tais citações

nada tinham a ver com o conteúdo dos textos.

40 De acordo com Coutinho e Konder (LUKÁCS, 1968a), tradutores da Introdução a uma estética marxista, a

primeira edição do livro foi publicada na Itália em 1957, sob o título: Prolegomeni a un estetica marxista –

Editora Riuniti. O texto em alemão vinha sendo examinado cuidadosamente pela Republica Democrática Alemã.

Por ocasião da participação de Lukács nos acontecimentos que terminaram com a intervenção soviética na

Hungria, a publicação foi suspensa. Apenas em 1967, dez anos depois da edição italiana, apareceu uma edição

integral alemã.

41 Contudo, essa divisão proposta na obra que, posteriormente, viria se tornar a Estética, como explica o tradutor,

não é uma dicotomia entre o materialismo histórico e o materialismo dialético: as duas primeiras partes da obra

tendiam a elaboração de um sistema de categorias do estético e, a última, se propunha estudar a realização dessas

categorias (SACRISTAN, 1982, vol. 3, contracapa).

Page 48: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

47

consciente. No prefácio dessa obra, Lukács se convence que tal estudo necessita de uma

publicação a parte, portanto não entraria na obra Estética, pois, segundo ele, principalmente

/.../ por ser o problema da particularidade um dos mais negligenciados, tanto

do ponto de vista lógico como do ponto de vista estético. Ao mesmo tempo,

êste constitui, a meu ver, um dos problemas centrais da estética. O presente

estudo, portanto, só em um sentido bastante limitado há de ser considerado

como um prolegomenon à minha estética: êle contém, todavia, a abordagem

sumária e, no entanto, sempre monográfica de um dos problemas mais

importantes de tôda a estética. E é isso que pode justificar-lhe a publicação

(LUKÁCS, 1968a, p. 3).

Finalmente, é no ano de 196342

que o mundo conhece a primeira das três partes do

projeto inicial da Estética lukacsiana. No prefácio da obra, o esteta húngaro assevera que, de

fato, desde a estética hegeliana, nenhum filósofo tentou sistematizar a essência da estética.

Sobre a divisão de sua Estética, Lukács relata que a primeira parte comporta um esboço geral.

Teve como objeto descobrir, de modo amplo, os dados da vida cotidiana, as categorias do

estético, intitula-se: A peculiaridade do estético. A segunda deveria especificar essas

categorias, com o resultado principal detalhar a estrutura da obra de arte, teve como título

provisório: A obra de arte e o comportamento estético. Por fim, caberia à terceira parte

esclarecer a presença real dessa estrutura na vida cotidiana: A arte como fenômeno histórico

social. (SACRISTAN, 1982, v. 3). Ainda no Prólogo da obra, o autor justifica que a parte

precedente se faz compreensível sem as outras duas, pois ―/.../ esta parte constituye un todo

cerrado, plenamente comprensible sin necesidad de tener en cuenta las partes que le siguen‖

(LUKÁCS, 1982, v.3, p. 11).

Sobre Lukács ter interrompido o ideário de sua obra completa, Frederico indica

que não se deve buscar um esclarecimento na interrupção, pois ―/.../ um dos fatores básicos

explicativos está na própria evolução interna de seu pensamento‖. Para Frederico, as

evidencias dos estudos do esteta húngaro demonstram que a ―/.../ inflexão ontológica presente

em sua estética conduziu o autor às fronteiras da ética e à necessidade de buscar uma

fundamentação teórica para ela (FREDERICO, 2005, p. 92).

42

Segundo Paulo Netto (1983, p. 76), ―/.../ O esforço dedicado à redação desta obra, justifica, em boa medida, o

silêncio lukacsiano entre 1958 e 1961: é neste período que o pensador concentra todas as suas energias para

escrever a suma da sua reflexão estética‖.

Page 49: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

48

Quanto à organização dos capítulos nas diferentes publicações, vale ressaltar

primeiramente que a publicação alemã, intitulada: Ästhetik. Die Eigenart des Ästhetischen, foi

impressa no ano de 1963 pela editora Luchterhand Verlag, na cidade de Berlim, e foi dividida

em dois volumes.

Já a edição espanhola, publicada pela editora Grijalbo em 1965, entretanto

composta por quatro tomos, quais sejam: I- Cuestiones preliminares y de principio; II-

Problemas de la mímesis; III- Categorías psicológicas y filosóficas básicas de lo estético e

IV- Cuestiones liminares de lo estético. Os dois primeiros títulos foram propostos pelo

tradutor, Manuel Sacristan, e aceitos por Lukács, já os dois últimos foram indicados pelo

próprio filósofo da Escola de Budapeste. A publicação espanhola foi divida nos quatro livros

supracitados, compreende 1842 páginas, totalizando dezesseis capítulos, os quais seguem uma

ordem numérica no decorrer dos quatro tomos. Vale ressaltar que a redação da obra teve

início em 1957 e, em fevereiro de 1960, Lukács já fazia sua revisão. Lukács relatou à

Tertulian (2008), que encontrou entraves para ter a autorização para enviar a editora alemã,

uma vez que só seria possível a publicação na Alemanha Federal, caso o esteta húngaro

deixasse o país de origem.

A Estética foi sua última obra publicada em vida, entretanto, Lukács com mais de

oitenta anos, almejava escrever a Ética. O filósofo húngaro esclarece, acerca do lineamento da

Ética: ―Na verdade eu planejei a Ontologia como fundamento filosófico da Ética, e nesse

sentido a Ética foi suplantada pela Ontologia, já que se trata da estrutura da efetividade e não

de uma forma separada‖ (LUKÁCS, 1999, p. 139). Com efeito, Lukács buscou uma

fundamentação ontológica para melhor compreender o ser social. Nesse sentido, Tertulian

(2007, p. 227-228) descreve que:

/.../ a Ontologia do ser social nasceu de um vasto campo de pesquisas. Após

vários anos de investigações consagrados aos problemas da ética /.../, ele se

deu conta de que a especificidade da atividade ética não pode ser

estabelecida sem uma reflexão de conjunto, de caráter polifônico, sobre os

principais componentes da vida social (economia, política, direito, religião,

arte, filosofia): a Ontologia do ser social representa a concretização deste

vasto programa totalizante, destinado a preparar a Ética que, infelizmente

não foi escrita.

Destarte, podemos destacar que, na Estética, já há vários indícios da ontologia, na

afirmação constante do trabalho como ato fundante, além da dialética hominização-

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49

humanização, desenvolvimento dos sentidos, etc. O filósofo da Escola de Budapeste, assim,

produziu incansavelmente sua Ontologia até o ano de sua morte, 1971. A obra inacabada foi

publicada em italiano, em 1976, a partir das notas em alemão (FREDERICO, 2005).

No próximo capítulo, trataremos especificamente da obra Estética I de Lukács.

Nosso esforço se dará no sentido de sistematizar um conjunto de categorias, quais sejam:

atropomorfização, desantropomorfização, imanência, transcendência, homem inteiro, homem

inteiramente, discutindo o complexo da arte anunciada no cotidiano e, em seguida, elevada à

objetivação superior humana.

Page 51: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

50

3 SÚMULA DA ESTRUTURA DA ESTÉTICA LUKACSIANA:

DAS CONDIÇÕES HUMANAS QUE SE EXPRESSAM NA

REALIDADE COTIDIANA ÀS OBJETIVAÇÕES SUPERIORES

Consideramos esmiuçar algumas das principais categorias presentes no texto de

1963, sistematizado por Lukács, de modo que possamos compreender como se desdobra esta

nova estética. Mas, antes, apreciamos necessário, sob pena de uma melhor compreensão das

categorias, um sucinto curso sobre a conjectura do conhecimento do cotidiano, como a

necessidade de aprofundar um pouco mais a relação que se estabelece entre a cotidianidade e

as objetivações superiores do mundo dos homens.

Entendemos, com o esteta húngaro, como vai ficar claro, no decorrer da

argumentação, que as escassas pesquisas sobre o cotidiano levam a diversas interpretações

equivocadas sobre a importância desse campo para o desligamento e evolução das

objetivações que, em essência, confirmam a imanência humana. Para esse campo de estudo,

buscamos fundamentação na Estética de Lukács (1982), bem como em Frederico (2005) e

Paulo Netto (1987), entre outros autores, os quais ingressam na discussão da cotidianidade por

intermédio do esteta húngaro.

Em seguida, com base na cotidianidade, configurada e desenvolvida pelo trabalho,

estudaremos as categorias: antropomorfização e desantropomorfização, imanência e

transcendência, bem como a conceituação dialética entre o homem inteiro e de homem

inteiramente, a partir da caracterização por aproximação e distanciamento entre Arte, Ciência

e Religião. A escolha dessas categorias justifica-se por serem elas as que edificam e

perpassam a obra Estética. Não obstante, há muitas outras, impossíveis de um texto, nos

marcos de nossa investigação, abarcar.

Page 52: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

51

3.1 Decurso do conhecimento cotidiano: aproximações preliminares

Se observarmos com atenção o título da derradeira obra lukacsiana publicada em

vida, veremos que ela traz consigo o subtítulo: A peculiaridade do estético, o que segundo o

autor, significa: ―/.../ posição do princípio estético no quadro da atividade espiritual do

homem‖ (LUKÁCS, 1969, p. 12). Contudo, o autor deixa claro que a atividade estética,

considerada por ele como atividade espiritual, suspende o indivíduo do seu cotidiano. Essa

atividade, entretanto, não pode ser entendida, para que fique logo aclarado desde o início,

como algo referente à alma, mas que se relaciona às formas de necessidade e constituição da

vida concreta do homem situado historicamente em seu mundo.

O esteta húngaro considera que sua Estética norteia-se de acordo com o

conhecimento da peculiaridade do estético. Lukács (1982), ademais, tem a convicção de que,

somente a partir da dinâmica da gênese desse complexo, o desligamento, a autonomia e a raiz

da vida humana podem apontar para as peculiares categorias, bem como para as estruturas das

reações científicas e artísticas dos homens à realidade que estão inseridos.

Como já mencionado, a Estética não foi elaborada sobre a égide de um método

original fora do marxismo. Pelo contrário, Lukács (1982) leva em conta que suas

investigações não querem ir além de uma aplicação, o mais completa possível, do legado

clássico do marxismo aos problemas do campo estético.

Para Lukács, antes dos estudos de Lênin43

, o marxismo se restringiu quase que

somente aos problemas do materialismo histórico. Com as investigações sistematizadas por

Lifschitz, houve um esclarecimento dessa controvérsia, porém, ainda encontraríamos o

paradoxo de que, segundo Lukács (1982, v.1, p. 16), ―/.../ hay o no hay una estética marxista,

de que hay que conquistarla, creala incluso, mediante investigaciones autônomas‖. Mas esse

paradoxo se dissolve, como já afirmamos, ao consideramos ―/.../ todo el problema a la luz del

método de la dialéctica materialista‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 16)44

. Ou seja, somente

43

Lukács cita Plejánov e Mehring como representantes teóricos que se dedicaram aos estudos situados no

materialismo histórico, o que acabou gerando alguns mal entendidos acerca desse questionamento (LUKÁCS,

1982, v.1, p. 15).

44 Santos e Costa (2012), em exegese sobre o Prólogo da Estética de Lukács, sugerem que o esteta resolve tal

paradoxo com o método. Isto é, para aqueles autores ao optar pelo materialismo histórico e dialético, como esse

é o único modelo correto de análise da realidade, Lukács abandona qualquer distanciamento do marxismo

Page 53: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

52

realizando e mantendo, mediante a própria pesquisa, tal método, ―/.../ la orientación de esos

caminos, se ofrece la posibilidad de tropezar con lo buscado, de construir correctamente la

estética marxista, o, por lo menos, de acercarse a su esencia verdadera (LUKÁCS, 1982, v.1,

p. 16).

Desse modo, entendemos, sob o escudo do materialismo histórico dialético, que a

verdadeira arte se firma sob o que acontece na própria realidade objetiva. Tertulian, em seus

estudos sobre as etapas do pensamento estético de Lukács, afirma que este apresentou, na sua

obra madura, o axioma de que:

/.../ cada manifestação da subjetividade humana se encontra condicionada, de

múltiplas formas, por suas relações concretas com a realidade objetiva; não

é, simplesmente, o objetivo de uma atividade humana, por mais elementar

que essa atividade seja, a qual é criada pelos problemas surgidos no curso do

processo de produção e reprodução da existência; sua própria realização,

porém, não é possível senão a partir da observação cuidadosa das

propriedades causais objetivas (TERTULIAN, 2008, p. 198).

Com efeito, a arte dá-se de modo concreto, a partir da realidade objetiva.

Considerando, ainda, o modelo lukacsiano apresentado por Tertulian como um ‗método

genético-ontológico‘, isso porque a estrutura de qualquer atividade, segundo o postulado

lukacsiano, na esteira marxiana, tem seu esclarecimento na gênese. Tertulian afirma que:

―Finalmente, nenhum esteta moderno deu tanta atenção às origens da atividade estética do

espírito como único meio válido para sua decifração/.../‖, pois a possibilidade tanto de

conceber, quanto a de apreciar a arte ou a teoria do sensível, não consiste como, prossegue

Tertulian (2008, p. 200), ―/.../ qualidades constitutivas, inatas, do espírito‖, mas nascem no

cotidiano concreto do homem, enquanto ser social, a partir de estações de seu alargamento

histórico.

É o que podemos comprovar, diante da pesquisa do próprio Lukács, perante a qual

é possível avaliar que a verdadeira estrutura categorial de cada fenômeno está vinculada

intimamente à sua gênese. Para o pensador húngaro, ―/.../ sólo es posible mostrar, de un modo

completo y en su proporcionalidad correcta, la estructura categorial si se vincula

orgánicamente el análisis temático con la aclariación genética‖. Desse modo, e aqui

autêntico e, portanto, a estética como é um complexo social, apenas, como os demais complexos fundados pelo

trabalho, pode ser entendida à luz do marxismo ontológico.

Page 54: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

53

demonstramos sua base perante os estudos marxianos e registramos que seu método se

justifica, conclui, exemplificando que ―/.../ la deducción del valor al comienzo del Capital de

Marx es el ejemplo modélico de este método histórico-sistemático (LUKÁCS, 1982, v.1, p.

24).

Isto posto, recuperamos a gênese de toda e qualquer atividade do homem, baseada

no método marxista de compreensão da realidade e a importância que o filósofo húngaro dá

ao cotidiano45

para atender a especificidade de seu método, ou seja, para esse autor, a

cotidianidade é começo, bem como fim de toda e qualquer atividade humana, e tem como

base a realidade concreta do ser social. Para melhor esclarecimento, o autor faz uma fina

analogia entre o cotidiano e um rio, com base em Heráclito de Éfeso46

:

Si nos representamos la cotidianidad como un gran río, puede decirse que de

él se desprenden en formas superiores de recepción y reproducción de la

realidad, la ciencia y el arte, se diferencian, se constituyen de acuerdo con

sus finalidades específicas, alcanzan su forma pura en esa especificidad –

que nace de las necesidades de la vida social – para luego, a consecuencia de

sus efectos, de su influencia en la vida de los hombres, desembocar de nuevo

en la corriente de la vida cotidiana (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 11-12).

Em decorrência de alguma necessidade que desponta na cotidianidade, e, antes de

tudo, no trabalho, o homem recorre às formas superiores de objetivação, seja na ciência ou na

arte, para que possa, assim, retornar ao cotidiano de maneira enriquecida. Desse modo, vão se

propagando efeitos favoráveis à cotidianidade do ser social. Nas palavras de Lukács (1982,

v.1, p.35), as formas superiores de objetivação precisam dar respostas aos problemas nascidos

na cotidianidade, e ao voltar a esta, ―/.../ hacen a ésta más amplia, más diferenciada, más rica,

más profunda, etc., llevándola constantemente a superiores niveles de desarrollo‖. Com

estudo fundamentado na teoria lukacsiana, Paulo Netto prossegue, asseverando que as

suspensões que ocorrem na vida cotidiana que produzem as objetivações, permitem que o

45

Queremos, aqui, atentar para o fato da importância do cotidiano como solo comum para as objetivações

superiores, visto que o mesmo é tido com preconceito. Como bem expressa o autor húngaro (1982), o

pensamento cotidiano se manifesta impresso ao materialismo espontâneo, pois a vida é material, é concreta,

vivemos o em-si. O cotidiano, dessa forma, não pode ser considerado de modo pejorativo, pois é necessário

edificar esse materialismo (espontâneo), elevá-lo, assim, a uma categoria sistemática, a uma condição filosófica,

sob relação dialética entre sujeito e objeto para compreender a realidade.

46 "Tudo flui como um rio", assim ficou conhecido o famoso preceito do filósofo pré-socrático, no que se refere

ao movimento do devir. Frederico (2005, p. 111) considera essa analogia própria dos dialetas, pois ―/.../ o

cotidiano é visto como um rio em seu permanente fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se

espalha e retorna a seu leito‖.

Page 55: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

54

homem torne-se ‗humano-genérico‘, ou seja, a ―dialética cotidianidade/suspensão é a dialética

da processualidade da constituição e do desenvolvimento social‖ (PAULO NETTO, 1987, p.

70).

Segundo o marxista húngaro, o cotidiano é um campo de suma importância, pois

abarca a maior parte da vida social. Destarte, o todo que compõe a vida humana, sua prática e

reflexão, necessita de processos de objetivação. Para tanto, é primordial alocarmos o trabalho

como ato que constitui o ser social, assim como uma forma autêntica de objetivação. Mais

adiante, o filósofo húngaro confirma sua tese asseverando que:

/.../ El origen, la formación y el despliegue de las actividades humanas no

pueden entenderse más que en su interación con el desarrollo del trabajo, con

la conquista del mundo circundante, con la transformación del hombre

mismo gracias a esa conquista (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 237).

Com efeito, consideramos o seguinte pensamento elaborado por Marx (1997, p.

21): ―Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem

sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente,

legadas e transmitidas pelo passado‖. Desse modo, em concordância ao legado de Marx,

corroboramos com Lukács quando este afirma que há um enriquecimento das atividades

humanas, em consonância ao trabalho, imprimida pelo legado onto-histórico. O trabalho,

portanto, é a primeira ação histórica pela qual o homem diferencia-se dos outros animais, e

também o fato que permitiu o salto ontológico. Pois, como indica o filósofo húngaro,

Sabemos que a base ontológica do salto foi a transformação da adaptação

passiva do organismo ao ambiente em uma adaptação ativa, com o que a

sociabilidade surge como uma nova maneira de generidade e aos poucos

supera, processualmente, seu caráter imediato puramente biológico

(LUKÁCS, 2010, p. 79).

O cotidiano é aqui apresentado como movimento histórico que, também no enceto

da vida social, apresenta-se de modo espontâneo. É categoria relevante, pois é composta de

atividades necessárias para a reprodução humana, além de se encontrar como solo comum

para as objetivações superiores. É necessário deixar claro que não se trata de um discurso

laudatório ao cotidiano. Contudo, é na cotidianidade que os problemas surgem de maneira

imediata, apenas se deve atentar a submissão de ―/.../ uma crítica fundada no ser mesmo as

manifestações mais elaboradas do ser social, precisa mobilizar constantemente esse método

crítico também em relação à vida cotidiana‖ (LUKÁCS, 2010, p. 69).

Page 56: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

55

Vale destacar, ainda, de acordo com o exame lukacsiano (1982), o carecimento de

estudos filosóficos acerca da teoria do cotidiano, mesmo sendo extremamente necessária para

entendermos melhor a lógica da vida humana. O que temos, para além do tempo de Lukács,

na perspectiva hegemônica, de modo geral, com raras exceções, são pesquisas rasteiras, que

valorizam o cotidiano em detrimento de uma análise séria e ontológica do mesmo. O filósofo

da Escola de Budapeste considerava que o ponto cardeal dessa insuficiência poderia ser

porque ―/.../ la vida cotidiana no conoce objetivaciones tan cerradas como la ciencia y el arte‖

(LUKÁCS, 1982, v.1, p. 39). A cotidianidade, para Lukács, exige objetivações, porquanto é

na vida cotidiana que os complexos como a ciência, a arte, entre outros, vão se materializar

até alcançar um andarilho culminante.

A vida cotidiana se manifesta nos arquétipos do materialismo espontâneo pela

própria objetividade que a constitui. Lukács (1982) certifica que todo exame circunspecto,

livre de alusão e imparcialidade necessita desvendar que o homem, situado na lógica da vida

cotidiana, contesta sua realidade de modo prontamente materialista. Cabe o exemplo clássico,

tantas vezes retomado por Lukács:

/.../ Quando um automóvel vem ao meu encontro numa encruzilhada posso

vê-lo como um fenômeno tecnológico, como um fenômeno sociológico,

como um fenômeno relativo à filosofia da cultura, etc.; no entanto, o

automóvel real é uma realidade, que poderá me atropelar ou não (LUKÁCS,

1969, p. 14).

O pensador húngaro prossegue, ao destacar que nenhum ponto de vista, em

especial a concepção idealista, consegue barrar a espontaneidade circunscrita na objetividade.

Mas o automóvel existente é, por assim dizer, sempre primário em relação

ao ponto de vista sociológico a seu respeito, já que o automóvel andaria

mesmo que eu não fizesse sociologia alguma sobre ele, ao passo que nenhum

automóvel será posto em movimento a partir de uma sociologia do

automóvel (LUKÁCS, 1969, p. 14).

Sobre a importância do cotidiano, Paulo Netto (1987, p. 65) considera que,

apoiado na proposição lukacsiana, ―/.../ não há sociedade sem cotidianidade, não há homem

sem vida cotidiana‖. A cotidianidade é ineliminável sob qualquer aspecto/contexto da vida

dos homens, pois, como mencionado anteriormente, é nela que se estabelece o solo de

rebatimento para as objetivações elevadas. Paulo Netto segue seu raciocínio, considerando

que

Page 57: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

56

/.../ se em toda sociedade existe e se põe a cotidianidade, em cada uma delas

a estrutura da vida cotidiana é distinta quanto ao seu âmbito, aos seus ritmos

e regularidades e aos comportamentos diferenciados dos sujeitos coletivos

(PAULO NETTO, 1987, p. 65).

O cotidiano não se desliga do histórico, mas cada momento de disposição das

sociedades permite suas particularidades. Seguiremos uma breve contextualização histórica

do cotidiano, para compreendermos melhor sua importância no sentido ontológico. De tal

modo, recorreremos ao método seguido por Lukács, o qual permite apossar-se do sentido dos

fenômenos mais complexos partindo dos mais simplórios, presentes na cotidianidade do ser

social.

Validamos o pensamento do filósofo húngaro ao relatar que, nas sociedades

primitivas, o desenvolvimento do cotidiano se deu de forma espontânea. Lukács (1982) expõe

que na condição inicial do ser social, em estado de hominização, aquela na qual o homem

primitivo não produzia ainda suas ferramentas, limitava-se apenas a tomar pedaços de paus,

ou mesmo algumas pedras de determinadas formas para a utilização, seguindo algum fim

guiado por alguma necessidade específica. Nessa situação, é possível perceber, claramente,

que o homem já disponibilizava de um cotidiano espontâneo e material, agindo, assim, de

acordo com suas necessidades.

Lukács persiste, afirmando que o homem primitivo, naquele momento com

inferior nível de desenvolvimento das forças produtivas, considerava "/.../ ya ciertas

observaciones acerca de las piedras que por su dureza, su forma, etc. son adecuadas para

determinadas operaciones" (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 47). Com efeito, é compreensível o fato

de que, no desenvolvimento e na prática das ações do homem em processo de humanização,

imerso no cotidiano primitivo, já se consignava suas finalidades, mesmo que ainda em baixo

nível de objetivações.

Ademais, o filósofo da Escola de Budapeste insere, nessa discussão, o fato de que

a cotidianidade primitiva apresentava um desenvolvimento das forças produtivas muito

rudimentar, criando uma dependência até mesmo aos fenômenos sobrenaturais. Logo, como

indica Lukács, inclusive quando aquela formação social atribui à observação de fenômenos

materiais explicações de caráter alheio ao próprio homem, fazem-na com vivência, a esse

nível de primitividade, de uma forma completamente materialista. Com efeito, esse

Page 58: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

57

materialismo é tão próximo da realidade mesma, com baixo nível de sistematização filosófica,

que é espontaneamente materialista.

Portanto, mesmo nesta situação, considerada metafísica, o contexto desses

indivíduos dá-se na própria materialidade. O exemplo ilustrado pelo filósofo húngaro,

relacionando a este período evolutivo do homem é bastante esclarecedor:

/.../ el hombre es más o menos consciente de que tiene que actuar en un

mundo externo que existe independientemente de él y que, por tanto, tiene

que intentar entender y dominar lo más posible con el pensamiento,

mediante la observación, ese entorno que existe independientemente de él,

con objeto de poder existir, de poder sustraerse a los peligros que le

amenazan. También el peligro, como categoría de la vida interior humana,

muestra que el sujeto es más o menos consciente de encontrarse frente a un

mundo externo independiente de su consciencia (LUKÁCS, 1982, v.1, p.

47).

O homem primitivo, como esclarecido, apresentava uma consciência basilar,

entretanto teve que exercer funções imersas no seu cotidiano de maneira espontânea,

relacionando-se aos elementos da prática, de todo modo, restritos. O filósofo húngaro

sublinha que, embora diversos pesquisadores que se ocupam da pré-história indiquem

semelhanças entre os princípios da magia e o materialismo espontâneo, essa menção não tem

validade, na medida em que a objetividade estabelecida no materialismo espontâneo supera o

caráter emocional proposto pela magia.

Quando o ser social deixa de ser nômade e torna-se sedentário, com a

domesticação de animais, de modo que lhe oportuniza aumentar a produção da agricultura, há

um desprendimento dos fenômenos naturais e o homem passa a exercer maior controle e

domínio sobre a natureza. Certamente, esse domínio era ainda incipiente e, decerto,

cambiante, pois, como registra a historiografia confiável, nas sociedades primitivas, e até na

escravista, havia muitos entraves, entre estes, como enumera Lukács (1982, v.1, p. 171), a

causa de tais limitações, a base científica do reflexo desantropomorfizador da realidade ―/.../

tenía que ser desde el principio estrecha, sin la posibilidad social de una ampliación resuelta‖.

Com a sociedade passando para o modo de produção escravista, na qual o homem

passava a dominar outro homem, não era interessante, por exemplo, uma ‗racionalização

científica do trabalho‘, como assevera Lukács (1982, v.1, p. 171):

Page 59: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

58

/.../ Esto a su vez tenía que impedir que las geniales generalizaciones de los

primeros estadios consiguieran fecundarse en el contacto con hechos,

conexiones y normalidades particulares, penetrando en los detalles de la

realidad objetiva para poder levantarse hasta el nivel de una universidad

concreta, de una amplia metodología.

Seguindo a linha de pensamento lukacsiano, a economia escravista interrompeu

uma interação abundante entre as atividades produzidas pelo homem e a ciência, razão pela

qual até as conquistas mais extraordinárias que se liberavam do pensamento tiveram que se

limitar a generalizações abstratas e filosóficas, sem poder penetrar às raízes da vida e do

pensamento humano. Por isso, consideramos não ser oneroso ressaltar os grandes

impedimentos que humanidade encontrava nesse período, no que compete ao avanço

científico, bem como a alguns outros complexos inseridos na vida cotidiana.

Somente a partir da Grécia antiga, é que há um alcance de uma nova metodologia

do pensamento científico, ainda que não fosse ao ser genérico, um novo tipo de reflexo da

realidade, ―/.../ mediante el ejercicio, la costumbre, la tradición, etc., se convirtiera en un

modo de comportamiento humano general y de funcionamiento permanente‖ (LUKÁCS,

1982, v.1, p. 148). Um progresso de experiências que resultaram em diversas ciências muito

desenvolvidas, especialmente relacionadas à Matemática, à Geometria e à Astronomia; as

quais, por razão de seus resultados, deveriam ―/.../ influir enriquecedoramente en la vida

cotidiana, permitieran una influencia también de sus métodos y hasta una acción

parcialmente transformadora de los mismos sobre la práctica cotidiana‖ (LUKÁCS, 1982, v.1,

p. 148). Porém, esse avanço, também, foi contraditório, na medida em que impossibilitou a

generalização do método cientifico em forma de concepção de mundo, uma vez que

/.../ si el método científico no se generaliza filosóficamente ni se pone en

contraposición respecto de las concepciones generales mágicas y religiosas,

insertarse en ellas, con lo que el efecto del progreso científico de los diversos

campos especiales sobre la vida cotidiana será prácticamente nulo

(LUKÁCS, 1982, v.1, p. 148).

Com a lenta e também contraditória evolução das forças produtivas, a Idade

Média assiste ao desmoronamento da economia escravista. O que foi chamado pela história de

‗Idade das trevas‘ deu lugar ao Renascimento, envolto em descobrimentos científicos e

técnicos, cuja existência possibilitou, finalmente, uma nova reorientação até a cientificidade.

Destarte, todo desenvolvimento técnico e tecnológico supõe também que haja alterações

básicas na vida cotidiana, no entanto, nesse caso, não se operou uma transformação radical na

Page 60: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

59

estrutura essencial da cotidianidade. Visto que, apesar do avanço científico posto na vida dos

homens, isso não se concretizou como uma verdadeira transformação. Melhor, como sintetiza

Lukács (1982, v.1, p. 212-213), não foi ―/.../ universal y completo, capaz de transformar

profundamente la práctica de la vida cotidiana en ciência conscientemente aplicada‖.

Apesar dessa contradição, a história é irreversível47

. Não se pode negar o

desenvolvimento das forças produtivas nesse dado momento da evolução humana. Assim,

aproveitamos e registramos outra tese cara ao marxismo: o caráter progressista do

capitalismo. Sobre essa questão, vejamos o diálogo que Lukács, trava com Marx e Engels, ao

assinalar que:

/.../ Marx e Engels jamais negaram o caráter progressista do sistema

capitalista de produção, mas, ao mesmo tempo, desmascararam-lhe

desapiedadamente os aspectos desumanos. Êles compreenderam claramente,

e claramente o exprimiram, que sòmente trilhando tal estrada a humanidade

poderia alcançar as condições materiais básicas para a sua libertação real e

definitiva, no socialismo (LUKÁCS, 1965a, p. 22).

Todavia, a cotidianidade, pautada já na Idade Moderna, segundo Lukács (1965a),

foi propícia à dependência de fenômenos idealistas, religiosos, supersticiosos; porém não do

mesmo modo que foi em tempos iniciais da origem do ser social. O estatuto moderno, e,

sobretudo, o atual – contemporaneidade – se refere a um homem submisso: ―/.../ con

representaciones superticiosas, sin que lo grotesco de esa vinculación llegue a ser en absoluto

consciente‖ (1982, v.1, p. 49), isso porque tal anseio de acatamento místico fundado no medo

ou ignorância acarreta a verificação de falsos deveres ou quimeras.

/.../ Así, por ejemplo, la superstición del hombre moderno - que a veces

puede estar arraigada - suele ir acompañada por una mala consciencia

intelectual, o sea, con la consciencia de que se está tratando con un mero

producto de la consciencia subjetiva, y no con una realidad objetiva y de

existencia independiente, de acuerdo con el materialismo espontáneo de la

cotidianidad (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 49).

De tal modo que, por essas dependências estarem subjetivamente enraizadas, o

que Lukács reconhece como ‗consciência subjetiva‘, deixam de esclarecer importantes

questões do pensamento humano. A vida cotidiana, perpassada pela sociabilidade capitalista,

47

A irreversibilidade da história humana é uma tese cara ao marxismo. Lukács se ocupou alongadamente em sua

comprovação sistemática no Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010).

Page 61: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

60

estabelece relações onde os conhecimentos tendem a estar firmados no subjetivismo, a

consciência é apresentada como rainha absoluta e a existência como se estivesse aos seus

pés48

.

Autores contemporâneos alegam que a cotidianidade é determinada por uma nova

espécie de irracionalismo, de mistificação da vida. Para Costa (2001, p. 35), a ausência de

conhecimento, bem como a não valorização da origem e causalidade dos processos sociais

advogam uma ―/.../ construção de explicações contraditórias sobre a vida cotidiana‖. Em

tempos de ‗crise estrutural do capital‘49

, há uma tendência de desvalorização do conhecimento

universal, historicamente constituído, tendo em vista que, nas palavras de Costa, (2004, p. 72)

/.../ inicia-se o período de liquidação do materialismo e da dialética

espontâneos dos representantes da fase ascensional da burguesia. Destaca-se

cada vez mais a fuga da realidade, o ecletismo, a ideologia "pura", o jogo

dos conflitos formais, a mera reprodução dos fenômenos superficiais, a

depravação das conquistas passadas, a oposição dogmática entre a vida e a

teoria, a negação dos problemas centrais da sociabilidade burguesa e do

capitalismo, o que representa em ultima instância o domínio crescente da

divisão capitalista do trabalho e a deformação do individuo.

Reconhecemos, ademais, a partir das palavras de Lukács, que em um sistema de

exploração, assim como é a sociabilidade regida pelo processo de produção capitalista, as

formas de organização do trabalho e da produção são negadas ao trabalhador, uma vez que

elas priorizam a acumulação de lucro em detrimento da satisfação das necessidades humanas.

Logo, entendemos que o enriquecimento humano, seja intelectual, cultural, espiritual e

material, próprio da humanidade, se faz necessário à máxima assimilação de tudo de melhor

constituído pelo homem, a fim de tornar para si o próprio conhecimento. Por conseguinte,

ainda na esteira marxiano-lukacsiana, Lessa (2005) afirma, conforme já mencionamos:

48

Vale a pena acompanhar a discussão que o filósofo húngaro relata sobre o neo positivismo e o neo

existencialismo, novamente nos Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010), onde as perspectivas

filosóficas passam a abreviar as pesquisas a ―um compêndio puramente prático, meramente eficiente, das

pesquisas singulares, como uma metodologia inteiramente subordinada a elas‖ (LUKÁCS, 2010, p. 140).

49 Mészáros (2008) assevera, que a indisciplinável lógica do capital tem sido vastamente inserida em todos os

percalços da vida humana, desse modo, é necessário ―/.../ o rasgar da camisa de força da lógica incorrigível do

sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo

capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham o

mesmo espírito‖ (MÉSZÁROS, 2008, p. 35).

Page 62: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

61

/.../ os homens fazem a sua história de tal forma que nela nada existe que não

seja resultado das ações dos homens. Os homens constroem até mesmo sua

essência. Por isso, a essência humana apenas determina o que nós somos

hoje, mas de modo algum determina o limite ao desenvolvimento futuro dos

homens. Tal como deixamos de ser escravistas e medievais, poderemos

também deixar de ser capitalistas – tudo depende de como nós, a

humanidade, construiremos nossa história a partir das possibilidades e

necessidades históricas do presente (LESSA, 2005, p. 69).

Ao apresentarmos uma síntese excursionada pelo cotidiano de períodos históricos,

destacamos ainda que a cotidianidade é enriquecida pelo trabalho e pelas objetivações

superiores da vida humana, as quais partem das necessidades artísticas, científicas, éticas etc.,

e, dessa maneira, julgamos que tenha estabelecido melhor entendimento do processo de

ampliação do desenvolvimento do homem, a partir do elemento fundante: o trabalho.

Esclarecido, mesmo que sinteticamente, a importância do cotidiano para a vida

humana, partiremos agora para uma nova etapa de nossa exposição. Com essa categoria

exposta, portanto, entendemos ser possível avançar sobre o que propomos. Mas, para que

essa evolução se materialize, precisaremos discutir algumas categorias anunciadas, quais

sejam: antropomorfização, desantropomorfização, imanência, transcendência, e a dialética

homem inteiro e homem inteiramente. Como já adiantado, julgamos importante esse debate,

pois aprofundar essas categorias possibilitar-nos-á uma compreensão mais aproximada do que

é arte para o legado marxiano-lukacsiano. Com efeito, na medida em que acreditamos, na

esteira do marxismo clássico, que o fato artístico contribui para a elevação do homem que

vive imerso em seu cotidiano, conectando-o ao seu ser humano-genérico, precisamos trazer

elementos que possam contribuir para a compreensão da arte para uma formação rica de

sentido, abarcada pela defesa de uma formação humana que seja efetivamente integral,

propriamente humana (no sentido stricto do termo), na qual o homem tenha condições de

desenvolver plenamente todas as suas possibilidades, elevar-se no sentido mais radical e

extenso de sua humanidade.

Page 63: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

62

3.2 Arte e devir na Estética I de Lukács: a imanência humana como

ponto modal do ser social

Com base na cotidianidade, configurada e desenvolvida pelo trabalho, Lukács vai

apontar, a partir do recurso de aproximação e distanciamento, características entre a arte e a

ciência, e também a religião. O esteta húngaro procura demonstrar o que faz da arte sua

peculiaridade na vida social. Para essa empreitada, Lukács utiliza-se de algumas categorias

que lhe permitem tal exposição; as principais são: antropomorfização, desantropomorfização,

imanência e transcendência. Para melhorar a compreensão leitora sobre esses conceitos,

tomamos emprestado do autor sua dialética entre homem inteiro e homem inteiramente.

Optamos, portanto, por seguir essa ordem expositiva, fazendo incursões com

outros autores sempre que consideramos enriquecedor para o aclaramento da comunicação.

Dito isso, para que possamos compreender basicamente a diferenciação entre

antropomorfização e desantropomorfização, entremeados pelo autor na sua Estética,

necessitamos levar em conta que os conceitos separam-se no seguinte ponto: "/.../ o se parte

de la realidad objetiva, llevando a consciencia sus contenidos, sus categorías, etc., o tiene

lugar una proyección de dentro hacia afuera, del hombre a la naturaleza"(1982, v.1, p. 227).

Sendo assim, a antropomorfização se expressa no procedimento de compreensão da realidade

objetiva, utilizando-se de princípios subjetivos que tem sua base na cotidianidade, enquanto

que, a desantropomorfização, procura entender o movimento do real, o que está fora do

sujeito, distanciando-se ao máximo dos impulsos puramente subjetivos.

Os complexos presentes na vida social, dos quais Lukács (1982) utiliza-se para

aproximar e distanciar as categorias supracitadas, desenvolvem-se no cotidiano, enriquecendo

o mundo dos homens com base na própria objetivação, tais como Ciência, Arte, Religião etc.

Lukács, já no Prólogo da Estética, certifica que a essência do estético não pode ser definida

em um conceito, nem de modo aproximado, mas por meio de constantes aferições entre

complexos. Nas palavras do esteta húngaro, a mais importante comparação com o estético

―/.../ es con la ciencia; pero también es imprescindible descubrir la relación de lo estético con

la ética y la religión (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 12).

Por esse motivo, Frederico (2005, p. 111) afirma que Lukács privilegia a ciência e

a arte como ―/.../ formas desenvolvidas de reflexo, de recepção, da realidade objetiva na

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63

consciência dos homens‖, pois na vida cotidiana são estabelecidos apelos necessários que

clamam a esses complexos, os quais enriquecem a cotidianidade, alcançando uma elevação

refinada na realidade.

Como nossa intenção é a especificação do fato estético e, dentro deste, extrair o

reflexo artístico da realidade, pois precisamos entender como a arte atua nesse processo de

hominização-humanização; adotaremos, para que nossa redação seja melhor compreendida, o

mesmo recurso de aproximação e distanciamento entre as categorias aludidas, como apontada

por Lukács em sua grande Estética. O complexo científico e religioso serão usados com a

finalidade de expor suas especificidades com relação ao complexo artístico e, assim, facilitar

as diferenciações possibilitando, por fim, uma melhor compreensão do que é arte para Lukács.

Evidentemente, como escreve o esteta húngaro, já mencionado aqui, de todas as

formas superiores de objetivação, a que mais deve ser trabalhada para que se compreenda o

funcionamento da arte na vida humana é a ciência. Lukács (1982) caracteriza-a como

desantropomorfizadora, ou seja, uma tentativa consciente de apreensão da realidade. A

ciência é, portanto, em-si; é o sujeito quem faz sistematizações dos fenômenos que observa,

pois os elementos da natureza existem independentes da vontade do homem.

Como exemplo para melhor clarear a questão, o filósofo da Escola de Budapeste

cita a religião, pois em seus argumentos esse complexo é antropomorfizador. Isto é, o homem

está no centro de todo comportamento religioso, refere-se diretamente a sua conduta a

respeito de si mesmo. Na religião, o homem considera seu próximo e o que advém do mundo,

tendo nesse campo uma constante busca pela salvação. A arte, da mesma maneira que a

religião é entendida como antropomorfizadora, pois é o homem que a cria. O princípio

artístico é parte da conduta humana, é um modo peculiar de totalização dos conhecimentos

obtidos historicamente pelo mundo dos homens.

Mesmo havendo essa proximidade, a querela primordial entre a arte e a religião,

no que se refere à antropomorfização, não constitui uma humilde limitação da arte perante a

religião. A finalidade objetiva da arte propõe uma renuncia a toda transcendência – própria da

religião. Em sua intenção objetiva, a arte é tão contrária à religião tal como a ciência é. Desse

modo,

Page 65: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

64

La autolimitación a la reproducibilidad cismundana implica, por una parte, el

derecho soberano del criador artístico a tranformar la realidad y los mitos

según sus propias necessidades (Y el que esa necesidad esté determinada y

condicionada socialmente no altera el hecho básico). Por otra parte, el arte

convierte artísticamente en cismundanidad toda trascendencia, la pone, como

cosa a representar, al mismo nivel que lo propiamente cismundano

(LUKÁCS, 1982, v.1, p. 144).

Para posicionar a arte como parte do real, imersa no cotidiano, diferentemente da

religião, esse autor se utiliza do conceito cismundano, ou seja, posição de quem está aqui,

refere-se à vida no mundo (com os pés e pensamentos terrenos), por conseguinte não sagrado,

não serve ao sagrado. Dessa maneira, a arte, diferentemente da religião, alude ao que acontece

na vida terrena, na vida concreta dos seres sociais.

Sobre a distinção entre arte e o complexo da ciência, o autor húngaro diz que

aquela não precisa ser avaliada e comprovada exaustivamente. A ciência, por seu turno, tem

necessidade de total rompimento com a antropomorfização, conferindo o caráter de

desantropomorfização, tanto do objeto quanto do sujeito do conhecimento. Do objeto, no

sentido de ―/.../ limpiar su en-si de todos los añadidos del antropomorfismo (en la medida de

lo posible)‖, e, do sujeito com o intuito de fazer com que o comportamento deste, com relação

à realidade, ateste um exame firme a respeito de ―/…/ sus propias intuiciones,

representaciones y formaciones conceptuales‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 154), de modo que se

possa ―/.../ evitar la penetración de actitudes antropomorfizadoras que deformaran la

objetividad en la captación de la realidad‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 154).

Logo, entende-se por antropomorfização a resposta ao processo de auto

propagação do sujeito, ao passo que a desantropomorfização se empenha em apreender o

objeto, sem tencionar no mesmo, subsídios próprios do sujeito, todavia, isso não significa que

o sujeito não constitua parte, ontologicamente, da composição objetiva do ser social que a

ciência trata de afirmar, pois não se pode eliminar o papel do sujeito na construção da vida

social.

Com esses dois conceitos aclarados, seguimos agora em busca de uma melhor

compreensão, como anunciado, das categorizações imanência e transcendência. Para iniciar o

debate, continuamos com as palavras de Lukács: ―/.../ el inmanentismo es una exigencia

insoslayable del conocimiento científico y de la conformación artística‖ (LUKÁCS, 1982, v.1,

p. 26), pois tanto a ciência, quanto a arte são complexos que se fundam na relação objeto-

Page 66: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

65

sujeito50

. Todavia, a averiguação relativa apresenta o homem primitivo sob grande vinculação

com a transcendência, atrelamento que se deu sob os estágios iniciais do desenvolvimento

humano51

. Ambos os complexos, ciência e arte, com a ampliação das faculdades

intelectuais52

, paulatinamente, foram construindo uma independência com relação ao sublime.

Dessa maneira, o autor ressalta sobre o complexo da arte:

La estructura categorial objetiva de la obra de arte hace que todo

movimiento de la consciencia hacia lo trascendente, tan natural y frecuente

en la historia del género humano, se transforme de nuevo en inmanencia al

obligarle a aparecer como lo que es, como elemento de vida humana, de vida

inmanente, como síntoma de su ser-así de cada momento (LUKÁCS, 1982,

v.1, p. 28).

A arte, dessa forma, é um exemplo por excelência da imanência humana, pois é

um fenômeno social, inseparável do sujeito, é um produto da evolução social do homem que

se faz homem mediante seu trabalho. Através da arte, é permitido, a partir da categoria da

particularidade, transitar do singular, purificando-o, ao universal53

, e, assim, causar no sujeito

50

A relação objeto-sujeito se dá com base nas necessidades imersas no cotidiano, de onde parte as necessidades

e para onde retornam as soluções e elevações, proporcionadas de um sujeito para o outro.

51 Recorremos aos estudos de Lessa (2005) para expor a disposição que vincula o homem primitivo à

transcendência, a qual se deve ao fato de que naquela ocasião, ―/.../ Em primeiro lugar, de que os homens

dependiam tanto dos eventos naturais que a história era determinada em larga medida por forças não humanas,

pelas forças cegas da natureza. Em segundo lugar, a concepção religiosa é também um reflexo na consciência do

fato de que a história das sociedades é diferente da história dos indivíduos particulares, de tal modo os desejos e

vontades dos indivíduos raramente comparecem diretamente no desenvolvimento histórico‖ (LESSA, 2005, p.

86). Desse modo, ainda de acordo com Lessa, a religião aparece como pano de fundo, o homem e a natureza são

criações de um mundo não real. Apenas com o desenvolvimento das forças produtivas, o homem vai adquirindo

outras capacidades humanas, que as diferem daquele período primitivo, ―/.../ aumenta portanto o poder dos

homens frente a natureza diminuindo, no mesmo grau, a dependência dos homens frente aos processos naturais.

Pense-se, por exemplo, em como a descoberta da agricultura possibilitou aos homens acumularem reservas de

alimentos e, por esta via, como aumentou a possibilidade de sobreviverem a secas, inundações, incêndios, etc. A

agricultura, por sua vez, depende das decisões em se plantar ou não, o que plantar, quando plantar, ou seja,

depende das decisões humanas, enquanto não cabe aos homens decidirem se a estação será chuvosa ou se o

inverno será mais rigoroso‖ (LESSA, 2005, p. 87).

52 Remetemo-nos à Engels (2004), ao expor que com o desenvolvimento dos sentidos e com o aumento da

consciência, justificados pelo trabalho, o ser social passa a alcançar cada vez mais o entendimento sobre si

mesmo. Nas palavras do autor: ―/.../ estamos em condições de prever e, portanto, de controlar cada vez melhor as

remotas consequências naturais de nossos atos na produção, pelo menos dos mais correntes. E quanto mais isso

seja uma realidade, mais os homens sentirão e compreenderão sua unidade com a natureza, e mais inconcebível

será essa ideia absurda e antinatural da antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o

corpo‖ (ENGELS, 2004, p. 24-25).

53 Lukács (2009), afirma que as categorias: particularidade, singularidade e universalidade são categorias

objetivas próprias da realidade.

Page 67: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

66

uma reflexão elevada, tanto para o criador, que se realiza na criação, quanto para o receptor.

Assim sendo,

/…/ en el terreno de lo estético, no puede tratarse del concepto abstracto de

la especie, sino de hombres individuales concretos, objetos sensibles, en

cuyos carácter y destino estén contenidas concreta y sensiblemente,

individual e inmanentemente, las cualidades de cada caso y nivel evolutivo

alcanzado (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 262).

Sobre o caráter de imanência na ciência, o pensador húngaro relata que para essa

ser considerada imanente precisa ser conceituada em suas propriedades e legalidades, já que

no campo científico há necessidade de comprovação, negação, aferição, superação, etc. De

todo modo, sabemos que, no cotidiano, a grandeza de compreensões se dá de modo

aproximado (teoria e prática estão muito unidas), uma vez que não é possível ―/.../ concebir

como absolutamente definitivo ningún conocimento, en ninguma forma, ni pensar que pueda

estar exento alguna vez de correciones, limitaciones, ampliaciones etc.‖ (LUKÁCS, 1982, v.1,

p. 26).

Destarte, a ciência foi, muitas vezes, submetida a interpretações errôneas, sendo

caracterizada como transcendente. Porém, isso não se aplica de fato, pois as questões

desenvolvidas pela ciência manifestam-se primeiramente, como dito anteriormente, na vida

cotidiana, o que a torna enriquecida, devido à aplicação de soluções elaboradas pelo homem

cientificamente aos outros homens, portanto assinalada como imanente.

Lukács assegura que o verdadeiro campo de batalha entre a imanência e a

transcendência é a ética54

. De forma sistemática, o autor explana sobre o materialismo

mecanicista e a doutrina hegeliano-marxiana, relacionando os conceitos citados:

/…/ el viejo materialismo – desde Demócrito hasta Feuerbach – conseguió

concebir la inmanencia del mundo sino de un modo mecanicista, razón por la

cual, por una parte, no podía entender el mundo sino como una maquinaria

de relojería que necesitaba una acción – trascendente – para ponerse en

marcha; y, por otra parte, en una tal imagen del mundo el hombre no podía

presentarse más que como producto necesario y objeto de las legalidades

inmanentes: su subjetividad, su práctica quedaban sin explicar por esas

leyes. La doctrina hegeliano-marxiana de la autoproducción del hombre por

54

Destacamos, mais uma vez, a intenção do filósofo húngaro de desenvolver uma obra sobre a Ética, o que não

foi permitido devido o término de sua vida, apenas dentro do que lhe foi permitido, a elaboração de uma

ontologia do ser social, plano inicial de sua Ética.

Page 68: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

67

su propio trabajo – doctrina felizmente formulada por Gordon Childe con la

expresión "man makes himself" – consuma finalmente la inmanencia de la

imagen del mundo, da la base teórica de una ética inmanentista, cuyo

espíritu alentaba ya desde antiguo en las geniales concepciones de

Aristóteles y Epicuro, Spinoza y Goethe (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 27).

A partir do estudo hegeliano-marxiano, segundo Lukács (1982), Gordon Childe

relata que o ato do homem produzir e se desenvolver são provas da imanência, a base teórica

de uma ética imanentista, que fez surgir o pensamento de filósofos admiráveis. Entretanto, o

materialismo mecanicista vinculava o imanente ao transcendente, se utilizando de aspectos

subjetivos e imediatistas do homem. Isso fica claro ao tratar do complexo da religião, visto

que:

/.../ Cuando el comportamiento del hombre está subjetivamente vinculado,

como en la cotidianidad, en la religión, en el idealismo subjetivo, es

inevitable que la frontera concreta del comportamiento, concebida en su

inmediatez y no según su lugar en el proceso histórico del conocimiento, se

absolutice como trascendencia (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 205, grifo nosso).

Nesse sentido, a religião é compreendida como transcendente, e faz com que o

sujeito concreto e sua necessidade imediata, se apresentem não como mero desconhecido, mas

como uma realidade incognoscível. Lukács assinala a religião no que alude ―/.../ El fenomeno

y la esencia se refieren directamente al sujeto en busca de salvación, y sólo a través de esa

referencia cobran su propia objetividad religiosa‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 126).

Consequentemente, é uma necessidade subjetiva, mas que tem sua solicitude na vida prática,

portanto, objetiva. É por esse motivo que:

/.../ Con esto quedan claramente delimitados la objetividad y el ámbito de la

trascendencia: lo trascendente ha dejado de ser lo fácticamente desconocido

y es ya lo incognoscible por principio la trascendencia es ya un absoluto. Es

elemento de la esencia constitutiva de la esfera religiosa el reivindicar para sí

misma, para sus propios modos de comportamiento la posibilidad de una

superación más o menos completa de la trascendencia, y el estabelecer entre

el hombre entero y la trascendencia religiosa – a pesar del sentido mismo de

'trascendencia' – una vinculación inmediata e íntima, y a veces hasta una

unidad (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 128).

Em contraposição à imanência, destarte, a religião recebe o conceito de

transcendência, já que a mesma está além do objeto, em outro patamar de elevação. Assim, na

religião, aquilo que não se pode conhecer, surge na figura de algo fantástico, não-material.

Onde objeto e sujeito se desenvolvem numa hierarquia, na qual há uma superioridade

absoluta, para além do mundo terreno.

Page 69: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

68

Comparando os complexos: arte, ciência e religião, temos na arte e na ciência o

conceito de imanência, pois na relação do objeto com o sujeito, o objeto é inseparável, quando

arte e ciência retornam ao cotidiano, ajustam-se suas propriedades imanentes, uma vez que

são do gênero humano, se objetivam para esclarecer questões ou para elevar e fazer refletir a

condição humana, enriquecendo, nesse sentido, o próprio cotidiano. Dessa maneira, na

ciência, há a possibilidade de verificação. Enquanto que, na arte, não há o compromisso de

aferição, mas apenas uma intenção como ponto de partida e não como ponto de chegada na

cotidianidade.

É necessário compreender, como já exposto, que através do salto ontológico, o ser

social deriva da esfera inorgânica/orgânica. Assim, o homem vem da natureza. De tal modo

que não podemos deixar de destacar o sobredito por Marx, na Ideologia Alemã, pois, em

última instância, a existência sobrepõe-se à consciência, a primeira relação objeto-sujeito é a

natureza, ainda que não haja identidade, pois o objeto muda o sujeito e vice-versa. Lukács

(1982, v.1, p. 19), na esteira de Marx, afirma que tal precedência sucede de fato: ―/.../ hay ser

sin consciencia, pero no hay consciencia sin ser‖. O esteta húngaro assegura ainda, que não

há, de modo algum, uma sujeição hierárquica da consciência ao ser, uma vez que

/.../ sino que determina simplemente las condiciones concretas en las cuales

se hace posible una práctica eficaz, con lo que, ciertamente, determina al

mismo tiempo sus límites concretos, aquel ámbito de juego y despliegue que

el ser social de cada situación ofrece a la consciencia. En esa relación se

manifesta, pues, un dialéctica histórica, en modo alguno una estructura

jerárquica (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 20).

Dito isso, já temos elementos suficientes para discorrer sobre a dialética: homem

inteiro e homem inteiramente55

. Depois, portanto, de apresentarmos melhor a estruturada arte,

que é, repetimos, imanente e antropomórfica, e para que possamos enfim nos aproximar de

forma mais rigorosa da discussão de como essa objetivação superior se manifesta no mundo

dos homens. Chegamos agora ao momento de um maior aprofundamento ao que Lukács

chama homem inteiro e homem inteiramente. A relação entre esses dois momentos da vida

que se relacionam reciprocamente tem na arte, como graduação elevada por excelência do

gênero humano, a síntese de ocasionar ao ser social a possibilidade de se transferir da

55

No texto escrito em 1936: A fisionomia intelectual dos personagens artísticos, Lukács relata que Ralph Waldo

Emerson, famoso escritor, filósofo e poeta estadunidense, afirmou que ―o homem inteiro deve se mover

inteiramente de uma vez‖ (LUKÁCS, 1968b, p. 213).

Page 70: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

69

condição de homem inteiro ao momento de homem inteiramente na interconexão também

recíproca entre criador e receptor. A arte, na medida em que acessa os elementos constitutivos

da elevação humana, soergue o homem em sua forma superior de abstração, pois o distancia,

mesmo que seja somente em poucos instantes, da forma de ser da vida cotidiana. Isso bem

entendido, que o trabalho, repetimos, é o complexo que contorna todas as categorias, o que

não é diferente com a arte.

Com o escopo de esclarecer melhor aquela relação, entendemos que a vida

cotidiana se manifesta sob o materialismo espontâneo, pois a mesma é imediata, na união

quase inseparável de teoria e prática. Nessa perspectiva, processo pelo qual se desenvolve os

complexos perante o cotidiano. Nas palavras de Lukács:

Todo análisis serio y algo libre de prejuicios tiene que mostrar que el hombre

de la vida cotidiana reacciona siempre a los objetos de su entorno de un

modo espontáneamente materialista, independientemente de cómo se

interpreten luego esas reacciones del sujeto de la práctica (LUKÁCS, 1982,

v.1, p. 46).

A vida cotidiana é imediata, repetimos, une teoria e prática, e por mais dialética

que seja, vivemos no materialismo espontâneo porque a própria vida é material. Assim, o

homem inteiro está centrado nessa realidade. O autor húngaro, em diálogo com Leibniz56

,

relata que ―/.../ otro importante rasgo esencial de la vida cotidiana, a saber: que el que está

comprometido en ella es siempre el hombre entero‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 65). De tal

modo, o homem inteiro,

/.../ el cual vive en sociedad con sus semejantes, desarrolla en esa sociedad

sus más elementales manifestaciones vitales, y consiguientemente tiene en

sus sentidos elementos y tendencias profundamente comunes con las de esos

otros hombres (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 245).

Consideramos importante a relação do homem inteiro e do homem inteiramente

para a arte, tendo em vista que o homem inserido no meio homogêneo, ou seja, ―/.../ depurado

das ‗impurezas‘ e acidentes da heterogeneidade próprias do cotidiano‖ (FREDERICO, 2005,

p. 113) é capaz de estabelecer uma ascensão do cotidiano, assim, o sujeito é fincado ao gênero

humano, de modo inteiramente, acercado pelo conhecimento, que uma vez estabelecido,

56

Leibniz foi um filósofo alemão do século XVII. Lukács afirma, que as argumentações de Leibniz clareiam o

problema do pensamento e da linguagem e indicam alguns apontamentos sobre o homem no cotidiano, porém

faz algumas ressalvas a respeito de suas ideias serem, muitas vezes, confusas (LUKÁCS, 1965a).

Page 71: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

70

institui a fruição intelectual e espiritual. Entretanto, enfatizamos que o homem inteiro e o

homem inteiramente vivem em uma dialética insuprimível no imediato do cotidiano.

O homem inteiro amplia, nessa coletividade, suas mais incipientes manifestações

fundamentais, quando vive em condições favoráveis ao desenvolvimento dos sentidos. Assim,

o homem inteiro elevava-se ao homem inteiramente e retorna ao inteiro enriquecido. Nas

palavras de Lukács, ―/.../ el comportamiento del hombre entero pasa al del 'hombre

enteramente', sino que, además, se precisa la fundamentación de éste en aquél, su recíproca

fecundación y elevación evolutiva‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 80).

Em relação desses dois momentos, Lukács exemplifica:

Piénsese, por ejemplo, en el deporte como simple ejercicio somático, en el

cual esa relación puede tener un carácter puramente inmediato, según ocurre

en la marcha o el mero paseo, y, al mismo tiempo, en las mediaciones

complicadas, y a veces muy amplias, que se presentan en el entrenamiento

sistemático comparado con aquellas formas simples (LUKÁCS, 1982, v.1, p.

80).

Para indicar outro exemplo, com base na leitura lukacsiana, no qual o homem

inteiro se eleva a inteiramente, por ocasião sobrevinda da cotidianidade, recorrendo ao sentido

da audição, isolando o sentido da visão:

/.../ por ejemplo, en la vida cotidiana, el hombre cierra los ojos para percibir

mejor determinados matices audibles de su mundo circundante, esa

eliminación de una parte de la realidad a reflejar puede permitirle captar el

fenómeno que en aquel momento le interesa dominar más exacta, más

plenamente y con más aproximación que la que habría podido conseguir sin

ese prescindir del mundo visual (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 36).

Os exemplos mencionados por Lukács revelam que o homem inteiro desenvolve

atividades genuinamente imediatas. No caso do esportista, ao desenvolver atividades

elevadas, se desprende da esfera do cotidiano, de modo inteiramente, este traz consigo

elementos que o diferenciam do homem inteiro. Da mesma maneira, o homem que necessita

capturar um momento, eleva-se ao concentrar-se plenamente em um só sentido.

A respeito da diferenciação entre inteiro e inteiramente, Lukács (1982) afirma que

a separação de ambos, ainda que desfocada por situações de mediação, leva em conta o

direcionamento da vida cotidiana do homem inteiro, para que se possa fazer perceptível em

um mundo qualitativamente distinto. O salto de origem a esse outro modo de comportamento

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71

é considerado por ele, de homem inteiramente. Patriota, de acordo com as elaborações de

Lukács, esclarece, nesse sentido que o

/.../ homem inteiro da vida cotidiana – isto é, com interesses práticos que

brotam da totalidade de sua personalidade – surge o homem inteiramente

entregue à vivência homogênea, concentrada, delimitada formal e

conteudisticamente, da obra de arte. Uma entrega que redunda em nova

posse espiritual (PATRIOTA, 2010, p. 266).

No entanto, é necessário ter claro que o homem inteiramente nunca deixa de ser

inteiro, quer dizer, isso bem entendido sob efeito da natureza dialética dessa relação. As duas

configurações convivem no mesmo indivíduo, em alguns momentos uma pode se destacar

com relação à outra. Vale ressaltar que, nos tempos atuais, trafegar entre o homem inteiro e o

inteiramente é um momento raríssimo, dada as condições objetivas que fragmentam o

homem, desferindo profundos golpes em sua humanização.

Com intuito de melhor esclarecer as aproximações e distanciamentos entre os

complexos da arte e da ciência, deixando mais evidentes seus pontos modais como as

categorias da antropomorfização, desantropomorfização e imanência, transcendência, pra que,

por fim, possamos melhor exemplificar o momento de transição do homem-inteiro para

homem-inteiramente, escolhemos a obra de Leonardo Da Vinci57

.

A nossa escolha por esse homem-inteiro do Renascimento dar-se por ele ter sido

cientista e artista. Assim, podemos citar seu exemplo, que enquanto cientista foi responsável

por grande avanço do conhecimento nos campos da ciência, matemática, engenharia,

anatomia, etc. Nesse sentido, os objetos de interesse independem da consciência humana, são

desantropomórficas, mesmo dependendo da imanência humana para sua revelação; há um

compromisso com a verdade, uma vez que a ciência, ao voltar para o cotidiano, deve ser

comprovada. O clássico trabalho As proporções do corpo humano segundo Vitruvio (figura

1), de Da Vinci, esquematiza tal complexo58

.

57

Leonardo di Ser Piero da Vinci, ou simplesmente Leonardo da Vinci, nasceu em 1452, foi um polímata

italiana, um dos maiores representantes do Renascimento. Destacou-se como cientista, matemático, engenheiro,

inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico.

58 Como modo de ilustrar melhor essa evidência no campo científico, o conteúdo e o estilo dos manuscritos não

explicam por si só a verdadeira paixão do artista ante os novos conhecimentos, revelam também, seu interesse

por escrevê-los e expô-los. Recorremos ao trabalho As proporções do corpo humano segundo Vitruvio. Este

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72

Na posição de pintor, escultor, poeta, músico etc, esse homem-inteiro transmuta-

se, agora, para sua condição homem-inteiramente por intermédio de outra abstração superior:

a arte, capaz de elevar o ser do cotidiano para uma privilegiada condição de artista, onde este

complexo revela a condição de se fazer uma reflexão para que se possa criar elementos dessa

elevação. Como no caso científico, o artístico também é imanente, pois depende dos homens e

das contradições sociais existentes em seu entorno para que possa ser existência e propagação.

Entretanto, por ser a arte um complexo que trafega do homem para o homem, sua

conformação é antropomórfica, diferentemente do campo científico que, repetindo, independe

das consciências humanas. Com efeito, o reflexo artístico da realidade não carece de aferição,

no sentido de que não possui uma verificação, como é o caso da ciência. Para continuar com a

obra davinciana, exemplificamos sua tão conhecida criação Gioconda (figura 2)59

.

Finalizamos o segundo capítulo, em tom de resumo, considerando que a arte é

obra do ser social, da necessidade nascida deste. A esfera artística, como um incremento do

trabalho, desprende-se deste, mantendo com ele uma dependência ontológica e uma

autonomia relativa. É considerada imanente, uma vez que é próprio do gênero humano, e

dirige-se ao espírito deste, além de guardar em si elementos onde há comprovação das

propriedades, mesmo que não precise provar, como é o caso da ciência. Ademais é

antropomórfica, visto que é o homem que cria e depende, exclusivamente, de sua vontade.

Adiantamos que o capítulo seguinte tem como escopo apresentar a arte e sua

capacidade de refletir o hinc et nunc, expressão latina muito utilizada por Lukács, que quer

dizer, grosso modo, aqui e agora. Procuramos expor, as barreiras, pelas quais, a arte e o artista

desenho ilustra a interpretação de Leonardo da Vinci, com base no texto do terceiro livro de De Architectura de

Vitruvio, que examinou as proporções do corpo humano usando como unidade de medida o dedo, o palmo, o pé

e o antebraço, e representou a imagem do homem bene figuratus, em pé, com os braços e as pernas estendidos,

cuja posição se inscreve exatamente nas formas geométricas mais perfeitas, quer dizer, a circunferência, cujo

centro coincide com o umbigo, e o quadrado, cujo centro é a altura dos genitais. Nesta ilustração, ele corrigiu

inconsistências nas medições de Vitruvio da figura humana, guiado por suas próprias observações e deduções

com base no estudo de modelos vivos (SÁNCHEZ, 2007).

59 Pouco se sabe a respeito da pintura enigmática Mona Lisa, iniciada em 1503 e provavelmente concluída anos

mais tarde, possivelmente em 1516. A modelo é identificada como Lisa Gherardini, esposa de um proeminente

comerciante florentino de seda Francesco del Giocondo, que pode ter encomendado por ocasião do nascimento

de seu filho (Louvre). A intensidade atmosférica obtida através do efeito esfumaçado adiciona o tom de mistério

que permeia todos os elementos da pintura. Sorriso de Mona Lisa ou Gioconda – em alusão ao esposo – tem

intrigado os estudiosos por séculos e seu verdadeiro significado continua a iludir-nos (UNIVERSAL

LEONARDO, 2012).

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73

se veem acuados no curso de uma sociedade que obstaculariza a elevação do homem-inteiro,

enquanto ser genérico, a plenitude de homem-inteiramente. Como exemplo da problemática

analisada, utilizaremos os Parâmetros Curriculares Nacionais, diretrizes elaboradas pelo

Estado brasileiro para orientar a educação, separados por disciplina. No caso, nos atemos ao

documento que versa sobre a arte, bem como os editais de arte, Lei Rouanet etc. Contudo, não

podemos deixar de ressaltar, que a arte, por ser universal, guardará, enquanto existir o

homem, a capacidade de refletir a vida, mas, se as condições objetivas dispostas na sociedade

forem miseráveis, a maioria do conjunto dos homens ficará colada ao homem inteiro, sem

elevar-se ao homem inteiramente.

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74

FIGURA 1 – As proporções do corpo humano segundo Vitruvio (SÁNCHEZ, 2007, p.14).

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75

FIGURA 2 – Gioconda (SÁNCHEZ, 2007, p.68).

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76

4 A ARTE E SUA CAPACIDADE DE REFLETIR: O “AQUI E

AGORA” HISTÓRICO

A função social da arte atua como um fenômeno histórico-social, não apenas na

gênese, mas em todo o seu desenvolvimento, com seu conteúdo e forma imanentes. Para o

esteta húngaro, a veracidade da arte ―/…/ es la verdad de la autoconsciencia del género

humano, o sea, una verdad que siempre y en todas las partes /…/ tiene que quedar

inseparablemente vinculada al hic et nunc histórico‖ (LUKÁCS, 1982, v. 4, p. 370-371).

Explicitamos, no capitulo anterior, que a arte, enquanto complexo universal, tem sua

veracidade no ―aqui e agora‖ histórico e retomamos pela importância da arte ser inteiramente

vivenciada no mundo do ser social, compreendendo que a arte é criação do homem, portanto é

antropomórfica, e nasce das relações humanas, consequentemente, é imanente.

Também, há que se levar em conta, como assevera Lukács, na esteira de Marx e

Engels, que ―/.../ não é de maneira alguma necessário que a cada florescimento econômico e

social corresponda infalivelmente um florescimento da literatura e da arte‖ (LUKÁCS, 2009,

p. 93), ou seja, não necessariamente o fato de uma sociedade ser mais desenvolvida

proporcionará uma arte mais evoluída, se comparada a uma sociedade desprovida

economicamente. O esteta húngaro cita Marx, ao afirmar que algumas obras só foram

possíveis dentro de contextos específicos, pois não há como definir mecanicamente que uma

ou outra sociedade possa desenvolver ou não uma arte autêntica. Contudo, é óbvio que em um

contexto histórico favorável a um melhor desenvolvimento do homem, poderá proporcionar

aos seres genéricos melhores condições de fazer da arte suas melhores expressões.

A concepção de arte e literatura em Marx e Engels, de acordo com o filósofo da

Escola de Budapeste, se eleva ao entendimento integral de uma sociedade propriamente

humana, abrindo possibilidades para a compreensão concreta das circunscrições efetivas desta

sociedade, da própria evolução da mesma e, se assim for apreendido, teremos mais nitidez

para analisar uma discussão acerca da desigualdade do desenvolvimento da arte no que toca o

socialmente histórico.

Ao final deste capítulo, procederemos a uma breve análise de alguns documentos

destacados à título de ilustração, o ―aqui e agora‖ histórico: Os Parâmetros Curriculares

Page 78: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

77

Nacionais (1997); A Lei Rouanet (1991) e os Editais de arte em geral60

. Em termos de

tragédia da arte, essa política tende a estar colada ao pragmatismo, utilitarismo, subjetivismo.

Para análise teórica dos documentos citados, teremos como base os estudos de Lukács

(1965b) sobre a tragédia da arte inserida no capitalismo. Vigotski (2003) sobre a importância

da educação estética. A discussão profícua de Mészáros (2000; 2003; 2006) sobre a crise

estrutural do capital, bem como a respeito de seus escritos estéticos em Marx. Tonet (2002;

2005; 2009), que nos traz uma belíssima reflexão sobre o socialismo, sobre arte elevada às

formas superiores de objetivação. Trazemos também as contribuições de Simon e Dantas

(1985), que descrevem que, se a poesia é ruim, a sociedade se reflete e torna-se pior.

4.1 Estética e sociedade: notas sobre o realismo

Tendo em vista a discussão perpassada no primeiro e segundo capítulos desta

dissertação, consideramos que a ontologia marxiano-lukacsiana atribui ao trabalho uma

função preponderante no desenvolvimento histórico do homem. Recuperamos e insistimos na

centralidade do trabalho, considerando que, apenas a partir deste complexo, foi dada a

condição primeira para a hominização-humanização do homem, ocasionando, posteriormente,

a modificação do cérebro e dos outros órgãos dos sentidos.

As formas superiores de comportamento formaram-se graças ao desenvolvimento

histórico da humanidade, fundado no trabalho, e, consequentemente, nas formas de relações

entre os homens. De acordo com Lukács, tal compreensão serve tanto ao entendimento do

sujeito no sentido histórico e social, bem como à elucidação de como o marxismo dá conta de

explicar cada momento distinto da historia do ser social.

Todavia, o trabalho, inserido na lógica capitalista, derivado de uma crise

profunda61

, caracteriza-se por apresentar determinações62

que se afastam cada vez mais da

60

Vale destacar a tese desenvolvida por Silva (2011), que teve objeto a análise critica da imposição de modelos

de política cultural baseado em editais de cinema e vídeo no estado do Ceará, os quais são subordinados aos

interesses da sociabilidade capitalista.

61 O capitalismo, envolto a uma crise estrutural, que ―/.../ deverá tornar-se mais profunda. E, também, deverá

reverberar através do planeta, até mesmo nos mais remotos cantos do mundo, afetando cada aspecto da vida,

desde as dimensões reprodutivas diretamente materiais às mais mediadas dimensões intelectuais e culturais‖

Page 79: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

78

base da atividade humana. Trata-se de um trabalho que não potencializa a atividade do

homem e de uma formação que se dá de maneira aligeirada e fragmentada. Nesse sentido,

evidenciamos que as formas de organização do trabalho e da produção na forma social-capital

apresentam-se ariscas ao proletário, primando pelo amontoamento de capital em avaria ao

contentamento do ser social.

Entendemos que esse não é o fim, o homem não está fadado ao desprazer de não

ter um efetivo atendimento em todos os seus aspectos. Pelo contrário, a situação atual é

passível de mudança, com vistas ao afloramento do sujeito revolucionário, em outra forma de

sociabilidade, o socialismo. Como afirma Tonet (2009), tendo como alicerce a filosofia

marxiana, a batalha pelo socialismo é a batalha pela permanência da vida humana63. Assim,

nos é dada a alternativa de reverter tal situação, qual seja: encerrar a exploração do homem

pelo homem.

Com base nos estudos marxianos, Lukács (1982) assevera que a sociedade

capitalista é aquela que antecede a sociedade socialista e, para tanto, aquela que apresentará à

nova sociedade qualidades precedentes para que se efetivem mudanças urgentes, assim:

/.../ Como última sociedad basada en la explotación, como la sociedad que

no sólo produce las condiciones previas económico-materiales del

socialismo, sino que suscita además a sus propios enterradores, la sociedad

capitalista tiene que producir, en el seno de las fuerzas que deforman y

desfiguran al hombre, también aquellas otras fuerzas que se orientan al

futuro, las cuales se vuelven cada vez más conscientemente contra ella

(LUKÁCS, 1982, v.1, p. 68).

Instruídos pelo arcabouço marxista ontológico lukacsiano, consideramos que o

modo de produção capitalista é o passo economicamente mais evoluído no decurso das

sociedades divididas em classes. Não quer dizer com isso, que chegamos ao fim da história!

(MÉSZÁROS, 2000, p. 15). Voltaremos a expor mais claramente a este respeito no item seguinte, pois nos

ocuparemos ao tratamento da estética diante da crise profunda do capitalismo.

62 Marx (2004), em sua obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, nos apresenta a base material, na qual se

caracteriza o estranhamento da sociedade capitalista em quatro determinações do trabalho, quais sejam: 1) o

produto que decorre do trabalho é estranho ao homem; 2) o homem não tem domínio sobre o processo do

trabalho; 3) o homem não reconhece a natureza como seu corpo inorgânico e 4) o homem vê no outro homem

seu maior obstáculo.

63 Além do esclarecimento que o texto de Ivo Tonet traz a respeito da crise do capitalismo e a alternativa que é o

socialismo, indicamos, outro livro, do mesmo pesquisador, que elucida melhor as questões acerca de outra

sociabilidade: Sobre o socialismo, publicado pela HDLivros, no ano de 2002.

Page 80: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

79

Com o decorrer do capitalismo, o desenvolvimento das forças produtivas deu-se de maneia

inimaginável: os recursos, as técnicas, a educação, o conhecimento, enfim, o próprio

desenvolvimento humano, com vistas a um progresso universal da humanidade alcançou

patamares inigualáveis64

.

Contudo, na medida em que esse desenvolvimento foi se firmando, mais

fortemente foi ratificando a distinção entre os interesses de classes. É preciso frisar que a

barbárie humana atinge a todas as pessoas, independente da classe social. Todavia, em

proporções diferenciadas, pois a maioria dos homens, a classe trabalhadora, não tem acesso ao

progresso historicamente acumulado e permanece encurralada ao infortúnio.

De acordo com a tradição clássica do marxismo, não há apologia referente a um

suposto retorno ao mundo igualitário primitivo, próprio do que é proposto pelos

anticapitalistas românticos, a exemplo, cada um ao seu modo, de Georg Simmel e Martin

Heidegger, para ficarmos apenas com esses dois nomes em uma lista bastante extensa. O que

defendemos, no sentido ontológico, é a divisão irrestrita do que de melhor foi e será

produzido pela humanidade a proveito de todos.

Nossa advertência deve ser entendida precisamente assentada na assertiva de que,

sem o desenvolvimento das forças produtivas, o ócio, a tecnologia, bem como a arte não

alcançariam as estupendas alternativas apresentadas hoje. Sobre a importância da

contraditória evolução social produzida pelo conjunto humano, o filósofo da Escola de

Budapeste, em erudito diálogo com o historiador M. L. Gothein, que descreve a história da

jardinaria, indica a interessante passagem do jardim à horta. Escreve Lukács (1982, v.2):

Alrededor de la habitación surgen - pública y privadamente - fragmentos de

naturaleza primero simplemente elegidos, luego incluso formados

intencionadamente, en los cuales la naturaleza misma aparece ya tan

sometida que empieza a desempeñar el papel dominante, el aspecto por el

cual la naturaleza se convierte en portadora de vivencias, sentimientos, etc.,

humanos (setos, jardines, etc.). Aunque probablemente en tiempos de

Homero incluso los jardines más lujuosos hayan sido esencialmente huertos,

sus descripciones homéricas muestran que las relaciones del hombre con

ellos no se limitan ya al aprovechamiento material de los frutos; esas

64

Santos (2013), com base nas pesquisas do filósofo brasileiro Vieira Pinto, debate a importância crescente da

técnica e da tecnologia para a vida dos homens. Aquele autor indica que posterior a criação das primeiras

ferramentas, os homens tornaram-se socialmente técnicos, depois desse momento, cada fase histórica posterior,

necessariamente, terá que possuir um construto tecnológico mais rico que a anterior.

Page 81: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

80

descripciones evocan vivencias diversísimas. (LUKÁCS, 1982, v.2, p. 164-

165).

Avaliamos que apenas através de um elevado nível de desenvolvimento das forças

produtivas é possível o aparecimento de uma sociedade que prime pelo melhor

desenvolvimento social. Uma sociabilidade que satisfaça as necessidades humanas e permita

ao indivíduo desenvolver de maneira livre suas mais autênticas possibilidades. Não se pode

negar que a sociedade capitalista tem altivo grau do desenvolvimento das forças produtivas,

capaz de proporcionar ao homem uma liberdade plena, entretanto, como ratifica Tonet,

apoiado em Marx, nesse modo de produção ―/.../ quem é livre efetivamente não é o homem,

mas o capital‖ (TONET, 2005, p. 176). Não obstante ao caráter de desenvolvimento

progressista, proposto nessa lógica nefária, é, sem sombra de dúvida, o que menos pode

proporcionar a criação e o deleite artístico, tendo em vista o esmagamento e a exploração do

homem pelo homem que este sistema exige e cultua.

Retomamos aqui, de maneira breve, a questão acerca do desenvolvimento

histórico do homem e seus desdobramentos até os percalços da sociabilidade contemporânea,

por entender, embasados no estudo marxiano-lukacsiano, que outros complexos, apesar de

manterem sua dependência ontológica em relação ao trabalho, conduzem, do mesmo modo,

uma autonomia relativa65, como é o caso da arte.

O filósofo húngaro revela que ―/.../ cada esfera de atividade se desenvolve

espontaneamente – por obra do sujeito criador – vinculando de modo imediato às suas

criações precedentes e desenvolvendo-as ulteriormente‖ (LUKÁCS, 2009, p. 92). A

autonomia é para a arte, conforme Lukács (1965b), categoria imprescindível à sua essência.

Lukács situa, ainda, que a autonomia, disposta em uma sociedade que extingue o

amor pela vida, contrai-se uma inditosa independência diante da vida, de modo que podem

emergir duas funções, a saber: ―/.../ a que é um momento da vida, que é a exaltação da sua

riqueza e de sua contraditória unidade, e a que é um enrijecer-se, um estéril dobrar-se sôbre si

mesmo, um apartar-se da móvel conexão do todo‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 271). Percebemos

que a arte, disposta na sociabilidade do capital, pode, por um lado, registrar a contradição,

65

Já abordamos anteriormente os termos: dependência ontológica e autonomia relativa (capítulo 2). Para uma

melhor compreensão recomendamos a leitura da dissertação: Trabalho, reprodução social e educação, de

Marteana Ferreira Lima, defendida em 2007, no Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade

Estadual do Ceará.

Page 82: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

81

denunciar e perspectivar o devir, e, por outro, perder-se do atrelamento com a totalidade,

esmiuçando-se em fragmentos que não alcançam a generidade humana. Expressamos a

importância que Lukács confere a grande arte, no sentido de expressar a totalidade dos

complexos das relações sociais, de modo que, uma autonomia da arte que não abarque tal

integridade está fadada a adormecer ante o fio condutor da realidade.

Partindo do que de mais puro constitui uma arte autêntica, Lukács (2009) relata a

importância de um estudo da essência humana, a humanitas, contudo, além da precisa

consideração do curso da arte, é necessário, como afirmado anteriormente, a defesa da

integridade do ser social, contrária a toda e qualquer disposição que agrida a essência da

humanidade, e, por conseguinte, a essência da arte. Para tanto, faz-se necessário um desenlace

que contorne o real de modo integral e verdadeiro, que consista numa representação universal

da vida, ou seja, nos termos do esteta húngaro, uma criação artística realista.

Com efeito, vale ressaltar que a arte aplicada ao realismo, de acordo com Lukács,

nada tem a ver com estilo artístico, mas com a reprodução artística da realidade, à fidelidade

ao real, ―/.../ o esforço apaixonado para reproduzi-lo na sua integridade e totalidade‖

(LUKÁCS, 2009, p. 102). Este é um princípio basilar asseverado por Lukács, embasado pela

concepção marxiana. A arte realista batalha contra a reprodução mecânica, vazia e superficial

da realidade.

O realismo é ponto chave para entendermos a estética marxista, fato recorrente na

obra de Lukács, isso porque, para Marx, nas palavras de Mészáros:

/.../ o realismo não é apenas uma entre as inúmeras tendências artísticas,

confinadas a um período ou outro (como ‗romantismo‘, ‗imagismo‘, etc.),

mas o único modo de reprodução da realidade adequado aos poderes e meios

específicos postos à disposição do artista (MÉSZÁROS, 2006, p. 180).

Mészáros ratifica, como exemplo, fazendo uma menção ao juízo de gosto dos

filósofos Marx e Engels, que os artistas gregos são grandes realistas, do mesmo modo que foi

considerado Balzac. Estes são arquétipos de distintos períodos históricos, mas o que faz deles

grandes realistas se deve ao fato de que obtiveram uma abrangência artisticamente apropriada

das relações humanas essenciais de cada momento histórico.

A arte, quando autêntica, aponta para uma maior apreensão da existência em sua

totalidade, de modo que, para o esteta húngaro, a legítima arte procura compreender o

Page 83: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

82

andamento mais essencial dos fenômenos, porém não de modo abstrato. É um processo

dialético, pelo qual a arte pode proporcionar a realidade de modo integral, demonstrando todo

seu desenvolvimento. A essência se revela em fenômeno e este se manifesta em movimento,

em sua essência, tendo em vista que ambos – fenômeno e essência – são desenvolvidos e

membros no cerne da realidade objetiva.

Ainda de acordo com o pensamento de Mészáros (2006), o realismo desvenda

aquilo que está camuflado na superfície falaz da realidade cotidiana, mas que é essencial para

compreensão do ser social no decurso da história. Por esse motivo, compreende-se não ser

possível a qualquer indivíduo que dispõe de envergaduras e recursos artísticos, principalmente

inseridos na sociabilidade do capital em crise, tornarem-se artistas realistas. O que faz de um

artista realista é o fato do mesmo conseguir destacar, em meio a uma série de experimentos

particulares, a representação da realidade em sua plena totalidade ―humanamente

significativa‖ (MÉSZÁROS, 2006).

Distinta da concepção marxista, a estética burguesa, segundo Lukács (2009),

preza por uma ‗pseudounidade‘ entre fenômeno e essência, compondo uma nebulosa

combinação que vitima a essência, ao colocar no lugar desta uma superficialidade mistificada.

Por outro lado, a filosofia idealista da arte permite entender a antítese entre fenômeno e

essência, porém não consegue distinguir a dialética que existe entre ambos, como esclarece o

esteta húngaro, ao citar como exemplo os ensaios estéticos e a prática poética de Schiller, que

apesar de apresentar ensaios densos e importantes, peca por seguir uma linha de generalização

idealizante.

Vale destacar, novamente, o fato de que todo grande artista realista é circunscrito

pela ―/.../ tentativa apaixonada e espontânea de captar e reproduzir a realidade tal como ela é,

objetivamente, na sua essência‖ (LUKÁCS, 2009, p. 108). Sendo assim, a estética marxista,

prima por uma arte que ostenta o processo social universal a ponto de torná-lo sensível e

apreensível, por meio da dialética do fenômeno e da essência. Nesse sentido, o artista deve ser

incorruptível com a realidade, devendo levar a cabo até as últimas conseqüências, ―/.../ sem se

perturbar com o fato de que suas mais profundas convicções viram fumaça por estarem em

contradição com a autêntica e profunda dialética da realidade‖ (LUKÁCS, 2009, p. 113).

Tendo em vista escritores, considerados por Marx e Engels, como grandes

realistas, a exemplo de Balzac, como já o citamos, e que se afastou de uma posição política de

Page 84: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

83

esquerda, ao contrário, de acordo com Engels, assumiu uma posição política legitimista, e,

apesar de seu encanto pela classe abastada, o escritor francês não deixou de escrever contra

seus cômodos fascínios. Sobre tal declarado mérito de Balzac, Engels afirmou que conheceu

muito mais a história da sociedade francesa em seus escritos do que em considerações de

especialistas e considerou, a respeito de sua obra, que ―/.../ sua sátira nunca é tão aguda, nem a

sua ironia é mais amarga, como quando faz agir os homens que mais o atraem: os

aristocratas‖ (MARX; ENGELS, 2010, p. 69). Assim, entendemos que o realismo pode se

desenvolver independentemente dos fascínios de quem o emprega.

A arte, autenticamente realista, para Lukács, repele a concepção trivial da

importância da obra a partir da visão política do criador, todavia, isso não quer dizer que o

sistema de ideias proposto pelo artista seja indiferente. O que deve ser levado em conta, como

é o caso de Balzac e muitos outros grandes nomes da literatura mundial, citados por Lukács,

como o próprio Shakespeare, ou Cervantes, Goethe e Tolstoi, cada qual com suas

peculiaridades, é a preservação da inteireza humana.

Aqui vale um parêntese a respeito do desenvolvimento da humanidade do

particular ao universal. Com base nos estudos de Lukács e conforme o pensamento

vigotskiano, a arte é própria do gênero humano, portanto objetivação humana. Nas palavras

de Vigotski ―/.../a arte não é um complemento da vida, mas o resultado daquilo que excede a

vida no ser humano‖. Nesse sentido, para lembrarmos os termos utilizados por Lukács, a arte

é antropomórfica e imanente, pois ―/.../ toda obra de arte é portadora de algum tema material

real ou de alguma emoção totalmente corrente no mundo‖ (VIGOTSKI, 2003, p. 233). A

partir do exposto, compreendemos que é possível aos homens o desenvolvimento da inteireza

humana e que as mais amplas possibilidades inventivas estão presentes no gênero humano.

Como assevera Vigotski, é provável a cada um de nós a transformação em coparticipantes nas

tragédias de Shakespeare ou nas sinfonias de Beethoven. Deste modo, temos ―/.../ o indicador

mais claro de que em cada um de nós existe potencialmente tanto um Shakespeare quanto um

Beethoven‖ (VIGOTSKI, 2003, p. 244).

Um exemplo que nos permite observar um verdadeiro artista realista é

Shakespeare, ao traduzir de modo sublime ―/.../ a integridade e a indivisibilidade do homem,

isto é, a absoluta primazia do que se passa no interior do homem sobre todas as suas

Page 85: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

84

realizações objetivas‖ (LUKÁCS, 1965a, p. 140) e a conseguir desvelar as querelas das

ordens desiguais de sua época. O esteta húngaro descreve a ideia da seguinte maneira:

A trágica sabedoria que permitiu a um Shakespeare criticar com a mesma

eqüidade tanto o feudalismo em declínio quanto o atribulado nascer do

capitalismo, indicando naquele a trágica faustosidade, e neste as forças

demoníacas a chafurdarem no sangue e na imundice, tem profundas raízes na

vida popular de seu tempo (LUKÁCS, 1965b, p. 269).

O dramaturgo inglês só conseguiu seu reconhecimento como tal, relativamente

tarde, sendo ―/.../ na época burguesa que, pela primeira vez, o tornou um escritor de renome

mundial‖ (LUKÁCS, 1965a, p. 142) e seu reconhecimento vivo até os dias atuais, devido à

complexidade e clareza do alcance irrefutável de sua grandiosa obra.

Iniciamos essa breve inserção do realismo no texto por compreendermos sua

importância no que toca a uma arte efetivamente autêntica, sobretudo, por entendermos que

essa discussão torna-se imprescindível ao abordamos uma sociedade precária, a sociedade

capitalista, por ser cada vez mais difícil um artista refletir sua realidade de modo integral.

Nesse sentido, o realismo penetra nas aberrações da ordem econômica do sistema capitalista,

em favor de disposições abstratas e parciais, e, em grande medida, envolto em uma profunda

contradição, inserido na crise do sistema do capital.

O amor pela vida, no artista, torna-se indiferente, os problemas de seu tempo

histórico são apáticos a ele, o recurso inspirador está turvo ―/.../ de sentimentos dúbios e

mesclados, de caos e paixão, gozo e horror, sedução e solidão, simpatia e rancor, vitalidade

pessoal e anonimato geral‖ (SIMON; DANTAS, 1985, p. 54). Segundo os autores

supracitados, em meio a esses anseios, pode-se constatar um discurso improfícuo e genérico,

―/.../ uma espécie de figuração poética de um fenômeno objetivo (histórico?), estilizado com

descompromisso e futilidade, um certo gosto hedonista de brincar com a desqualificação da

própria sensibilidade‖ (SIMON; DANTAS, 1985, p. 54-55).

Com efeito, entendemos, a partir dos estudos do esteta húngaro, que o modo de

produção capitalista é hostil à arte e compreende uma divisão da totalidade concreta do

homem em ―especializações abstratas‖66 (LUKÁCS, 2009, p. 28 Conforme afirma Lukács

(1982, v.1, p. 181), o ―/…/ ser social, especialmente en las condiciones del capitalismo

66

Lukács (2009) confere ao termo ‗especializações abstratas‘ à ausência de direção à integridade humana, tendo

em vista o caráter minimizante proposto pela falta de objetividade que lhe é dado.

Page 86: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

85

decadente, produce una creciente opacidad de la vida (de la vida social) como totalidad‖. O

homem é condenado a um processo de deformação humana em favor da desumanização dos

sentidos.

Não podemos deixar de explicitar que o programa filosófico de Marx tem, como

um dos eixos principais, a emancipação dos sentidos humanos, desse modo, Mészáros (2006)

posiciona filosoficamente o lugar da sensibilidade. Mészáros questiona: qual é o local que os

sentidos humanos devem ocupar na escala de valores humanos? O mesmo responde que é

necessária uma restituição dos sentidos humanos, tendo em vista o que se dissipa na

sociedade cindida em classes. O homem não consegue desenvolver plenamente seus sentidos,

na relação homem-natureza, homem-homem, o ser social torna-se cada vez mais

desumanizado.

4.2 A problemática da estética na conjuntura capitalista: a fragmentação

dos sentidos humanos

Vivemos um momento histórico de intensa barbárie, para usarmos os termos de

Mészáros (2003), a crise estrutural que se difere, em contraste com períodos anteriores de

crises cíclicas, tendo em vista a gravidade de problemas sociais vividos pela humanidade. O

início da crise estrutural incide na década de 1970, a busca por equacionar o problema da

baixa das taxas de lucro estendeu-se por todas as esferas da vida social. De lá pra cá as

condições objetivas de desenvolvimento humano se encontram cada vez mais deterioradas. É

cada vez mais difícil conciliar ―/.../ o desenvolvimento universal das forças produtivas com o

desenvolvimento abrangente das capacidades e potencialidades dos indivíduos sociais‖

(MÉSZÁROS, 2003, p. 17).

Fincada pela própria lógica da sociabilidade capitalista, a crise que a atravessa

conduz incisivas coronhadas à classe trabalhadora, engendradas pelas relações sociais de

dominação de uma classe sobre a outra. Fundamentalmente antagônico, o capital busca, diante

da crise de seu sistema, reformar não só o domínio produtivo, mas também as esferas

ideológica e política, que implicam no aumento das condições de opressão ao trabalhador; no

acréscimo colossal dos espaços de mercantilização, etc.

Page 87: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

86

No que diz respeito à forma de sociabilidade hodierna, na qual se estabelece na

bifurcação de classes, há um obstáculo para que a maioria dos homens desenvolva suas

potencialidades de maneira livre e criadora. O ser social sofre sucessivamente o indeferimento

da faculdade do sentir, enfrentando diariamente entraves ao desenvolvimento de uma vida

plena de sentido. Supomos que a arte, inserida nesta lógica, sobretudo em sua crise estrutural,

pode compactuar com desenlaces desumanizadores e embrutecedores, de modo a distanciar a

humanização dos sentidos na perspectiva do gênero humano.

Verificamos, nesse sentido, que, no campo educacional, essas relações apresentam

as mesmas configurações, cujas deliberações educativas hegemônicas colaboram, em larga

medida, para a desumanização, já que não admitem a apreensão do real em sua totalidade. As

determinações das práticas educativas hegemônicas contribuem, em grande medida, para a

alienação humana, uma vez que não permitem a compreensão do real na sua inteireza. A

educação, circunscrita às penúrias locais, sustenta sua evidência no cotidiano localizacionista.

Em específico, a arte, inserida nessa lógica alienante, contribui no mesmo sentido. Podemos

citar o exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)67 – volume que versa sobre a

arte, o qual aborda a questão da função da arte na educação. Segundo o referido documento,

Dentre as várias propostas que estão sendo difundidas no Brasil na transição

para o século XXI, destacam-se aquelas que têm se afirmado pela

abrangência e por envolver ações que, sem dúvida, estão interferindo na

melhoria do ensino e da aprendizagem de arte. Trata-se de estudos sobre a

educação estética, a estética do cotidiano, complementando a formação

artística dos alunos (BRASIL, 1997, p. 31, grifo nosso).

A educação para o século XXI, de acordo com o documento oficial, tem como

ponto relevante ‗a estética do cotidiano‘ enquanto proposta de progresso na transformação do

homem. No entanto, a base do cotidiano, constantes das políticas educacionais hegemônicas,

equivale a uma apelação ao mais puro e rebaixado nível do cotidiano, na qual, este perde seu

poder de soerguer e afixar a memória da humanidade, focalizando em uma direção rasteira,

67

Durante a graduação no curso de Pedagogia, como já descrito anteriormente, fizemos, por ocasião do trabalho

monográfico, uma análise do ensino da arte na educação brasileira contemporânea, evidenciando os rebatimentos

da crise estrutural do capital. Para tanto, além do estudo teórico sobre a gênese e a processualidade histórica do

ser social e o exame bibliográfico de algumas das principais categorias presentes na obra Estética I de Georg

Lukács, apresentamos uma breve contextualização das diretrizes do Movimento de Educação para Todos,

examinando, outrossim, a filiação dos princípios que norteiam os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais –

como documento oficial em foco, especificamente o volume seis, intitulado: arte. Nele discutimos aspectos

como: mercantilização, pragmatismo, economicismo, subjetivismo, flexibilidade do ensino da arte na sociedade

contemporânea. Neste texto, consideramos preliminarmente, que esses aspectos priorizam a acumulação de

capital em detrimento da satisfação das necessidades humanas.

Page 88: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

87

sem qualquer tipo de elevação do homem. O cotidiano, disposto pelo sistema do capital, não

serve como solo de rebatimento para que o gênero humano se enriqueça.

A maioria do conjunto dos homens tem sido privada da ascensão do conhecimento

e retirada do processo de fruição, pois a ordem do capital defende a oferta de conhecimentos

imediatos, pragmáticos e aligeirados. Simon e Dantas (1985) discutem acerca do tema ‗se a

arte é ruim, a sociedade é pior‘ e, nesse sentido, colaboram com nossa discussão ao relatarem

que ―/.../ o princípio de prazer da poesia rende-se ao princípio de realidade do cotidiano, e a

banalização é a sua mais literal e satisfeita ilustração‖ (SIMON e DANTAS, 1985, p. 60).

Compreendemos que a formação absoluta do homem, em todos os seus aspectos, repetimos,

tem seu rebatimento no solo da vida cotidiana, no entanto, é necessário um processo de

elevação, uma vez que as objetivações da vida não-cotidiana são elementos constitutivos de

uma efetiva compreensão do real em todos os seus feitios.

Ainda de acordo com Simon e Dantas (1985), ―/.../ a expressão poética hoje não

toma qualquer distância da experiência e da linguagem cotidianas, nem mais aspira a

idealizações formais‖ (SIMON; DANTAS, 1985, p. 48). O conhecimento primoroso, aquilo

que de melhor o homem conseguiu elaborar é deixado de lado em favor do imediato, do

conhecimento raso, aquele que não ultrapassa a esfera cotidiana. No sentido de complementar

o que dissertamos sobre a relevância da riqueza constituída pela humanidade, apoiamos-nos

em Vigotski (2003) ao versar sobre a importância da educação estética da criança associada

ao que foi melhor organizado pelo ser social. Segundo o psicólogo russo:

/.../ quando se fala de educação estética dentro do sistema da formação geral,

sempre se deve levar em conta, sobretudo, essa incorporação da criança à

experiência estética da humanidade. A tarefa e o objetivo fundamentais são

aproximar a criança da arte e, através dela, incorporar a psique da criança ao

trabalho mundial que a humanidade realizou no decorrer de milênios,

sublimando seu psiquismo na arte (VIGOTSKI, 2003, p. 238).

Para o esteta húngaro, o ―/.../ profundo conhecimento da vida jamais se limita à

observação da realidade cotidiana‖. É necessário apreender elementos fundamentais, ―/.../ à

luz da suprema dialética das contradições, as tendências e as fôrças operantes, cuja ação é

dificilmente perceptível na penumbra da vida de todos os dias‖ (LUKÁCS, 1968b, p. 175).

Direcionamos nosso enfoque, agora, ao artista, pois quanto mais intenso for seu

conhecimento tão menos rasteiro será o nível de sua expressão. O artista, inserido também

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88

nessa lógica conveniente ao sistema capitalista, tende a estagnar no cotidiano paupérrimo,

sendo cada vez mais difícil a possibilidade de elevação.

A sociedade conduzida sob o amparo do capital exige do artista formas de

adequação, de modo que o mesmo se especialize ―/.../ na arte de criar tensão e o interesse, de

anestesiar e tranqüilizar‖, assim, portanto, torna-se ―/.../ um produto da divisão capitalista do

trabalho‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 265). Em súmula, a arte transforma-se em instrumento da

burguesia a fim de confirmar o sistema que exclui, e, este decreta uma arte configurada por

uma: ―Adaptação ornada de excitação, mortificação tornada saborosa pelo desvario‖

(LUKÁCS, 1965b, p. 265), com o objetivo simples de mistificar o real.

Nesse sentido, temos a arte e o artista como artefatos de uso quase que exclusivo

da burguesia. Mesmo apresentando essas considerações de Lukács do século passado,

poderíamos citar muitos exemplos do que acontece no século XXI. Apresentamos a lei nº

8.313 – Lei de incentivo à cultura, também conhecida como Lei Rouanet, a qual surgiu com a

intenção de captar recursos de pessoa física ou jurídica com a finalidade de patrocinar a

cultura e a empresa por meio de incentivo fiscal e divulgação da marca empresarial junto ao

público. Confirmando o exposto, citamos o que o Art. 18 da referida lei, referente ao

incentivo a projetos culturais, apresenta:

Com o objetivo de incentivar as atividades culturais, a União facultará às

pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto

sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto no apoio direto a

projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas

de natureza cultural /.../ (BRASIL. Lei nº 9.874, 1999, art.18).

Como podemos perceber a lógica de mercado dita os meios pelos quais a cultura

será estabelecida, ou seja, a arte é usada para fins mercadológicos, ou como bem afirmou

Lukács, um produto da divisão capitalista do trabalho. Em matéria publicada pelo Jornal O

Povo (ANEXO A), no dia 25 de fevereiro de 2013, lê-se que a Lei Rouanet aprovou mais de

500 projetos para o ano de 2013, isso em diversas áreas culturais. O que é destaque neste

tópico do jornal confere no tocante à área musical, uma vez que, a avaliação propalada pela

Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) relata que:

/.../ o maior valor da área musical é destinado para shows de Claudia Leitte.

Após ajuste orçamentário que diminuiu R$ 594 mil do projeto original, a

cantora de axé poderá captar R$ 5.883.100,00 para apresentações pelo Brasil

em uma turnê prevista para maio, junho e julho de 2013 (LEAL, 2013, s/p).

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89

Apesar da aprovação do projeto, ainda não se constitui o patrocínio, tendo em

vista que esta aceitação serve de apoio para que o artista passe a deter recursos junto às

empresas, as quais terão o valor do patrocínio descontado em impostos. O que não é muito

difícil de ser efetivado, tendo em vista as regalias que a lei dispõe a essas empresas.

Permanece, portanto, nas mãos de empresários, a decisão sobre quais projetos culturais devem

chegar ao público e, é claro, que projetos que façam uma mínima crítica profunda ao que é

posto não passam nem à margem desses patrocínios.

Como podemos observar, vivemos a mercê das avarias do mercado, do que é mais

rentável ao capitalista, nesse contexto, há uma limitação em torno da arte. Apropriadamente

Mészáros afirma que ―/.../ a falta de um consumo estético adequado é um sintoma do

empobrecimento humano em geral‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 190). A carência da estética

significa, cada vez mais, não só o estranhamento da arte, como também o estranhamento do

público em relação ao artista, ou ainda, o estranhamento recíproco entre todos os elementos

constitutivos da arte.

A presente discussão não tem intenção, de maneira alguma, apresentar juízo de

gosto ou de valor do que seja arte, até porque, como já explicamos, o artista, acuado em um

especialismo apelativo, imerso no cotidiano com base na sua aparência, não consegue ir às

raízes da problemática, não entende o complexo de determinações e objetivações superiores e

fica a mercê da lógica capitalista. Não é a toa que a ―/.../ experiência vivida, a ‗nota pessoal‘,

tornou-se o valor de uso absolutamente indispensável para que a obra literária possa

conquistar um mercado e adquirir um valor de troca‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 266), sob pena de

expirar, caso não acate o mercado de trabalho explorador. Denota-se aqui uma das muitas

artimanhas da sociabilidade do capital, a tal ―nota pessoal‖, a experiência vivida, constitui

uma face do subjetivismo, não da elevação das formas superiores da humanidade, uma vez

que o artista e sua arte estão cada vez mais sufocados pela teia mercantil da arte, numa prova

contundente que o cotidiano de exploração, decorrente do modo de produção material da

existência, repercute na fragmentação da subjetividade. A propósito de tal aspecto,

recorremos novamente a Mészáros, ao afirmar que:

/.../ As necessidades que se desenvolvem nessas condições são aquelas que

correspondem diretamente ao imediatismo da utilidade privada. O resultado

geral é o empobrecimento humano em escala maciça, correndo

paralelamente ao enriquecimento material do indivíduo isolado

(MÉSZÁROS, 2006, p. 184).

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90

A ordem societal do capital suga tudo o que pode da arte, do artista e do receptor a

seu favor, renunciando, desse modo, a totalidade e primando pela ordem privada. O

desenvolvimento estético em todos os seus aspectos, sob essa lógica, se converte a uma

satisfação limitada. O sistema de exploração capitalista estilhaça a juntura entre subjetividade-

objetividade.

A fruição estética, em meio à arte aprisionada ao mercado, fica a mercê desta

lógica nefasta, fazendo com que o gênero humano quase não tenha alcance às objetivações

superiores nesse campo da formação humana. O acesso ao melhor da riqueza produzida, seja

ela material ou cultural é restrito e a fruição estética fica longe da aquisição da maioria dos

homens.

Especificamente no campo estético-artístico, o artista não consegue desenvolver-

se integralmente, este é vinculado às ―/.../piores qualidades das ‗ciências particulares‘ da

decadência ideológica: um empirismo rastejante, um especialismo burocrático, um

desligamento, um alheamento completo do vivente tecido da totalidade‖ (LUKÁCS, 1965b, p.

266). Entendemos que é pelo amplo processo de humanização dos sentidos, orientado no

trabalho, que temos a evolução do ser social. Sabemos que o homem tem possibilidade real de

desenvolvimento efetivamente integral, no campo objetivo e subjetivo. Nas palavras de Marx

(2004, p. 110),

/.../ apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a

riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho

para a beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam

sentidos capazes, sentidos que se confirmam como forças essenciais

humanas, em parte recém cultivados, em parte recém engendrados. Pois não

só os cinco sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os

sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra o sentido humano, a

humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente pela existência do seu

objeto, pela natureza humanizada. A formação dos sentidos é um trabalho de

toda a história do mundo até aqui.

Sobre essa questão, afirma Mészáros (2006, p. 182): ―/.../ os sentidos humanos

não podem ser considerados como simplesmente dados pela natureza. O que é

especificamente humano neles é uma criação do próprio homem‖. Isto posto, avaliamos que o

modo como o indivíduo é disposto na sociedade, a partir de como se desenvolve através do

trabalho, é que terá condição ou não para um pleno desenvolvimento dos sentidos. Para que o

homem possa alargar inteiramente suas potencialidades é imprescindível, de acordo com

Mészáros (2006, p. 185, negrito e itálico do autor), a ―/.../ ‗emancipação completa de todas as

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91

qualidades e sentidos humanos‘ a raizon d’être do socialismo‖. A plenitude dos sentidos só

pode ser contemplada em outra forma de sociabilidade, baseada em princípios igualitários e

na abolição do privado.

O desenvolvimento dos sentidos humanos, quando não imersos à lógica inumana,

tem a possibilidade de estabelecer uma imensa variedade de riqueza. Os sentidos humanos

não são apenas conectados entre si, mas também com as demais potencialidades humanas, as

objetivações superiores – raciocínio, por exemplo. O homem, quando se desenvolve na sua

integridade, pode se apropriar facilmente de sua totalidade (MÉSZÁROS, 2006).

O cerne da problemática na sociedade de classes é que toda a possibilidade

integral de fruição dos sentidos é obstacularizada, negada à grande maioria dos homens.

Homens que poderiam tornar-se grandes artistas (produtor-receptor) ficam à margem do

desenvolvimento integral de sua humanidade (os sentidos), pois o homem é apartado ―/.../ do

processo de conjunto da sociedade‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 268), relativo ao contrário do que

expressamos anteriormente, acerca da integridade do homem.

Apesar disso, de acordo com o esteta húngaro, dentro da mais perversa barbárie

burguesa, é possível manifestar-se ―/.../ esplêndidas ilhas de civilização humana‖ (LUKÁCS,

1965b, p. 265), o que pode ser considerado, em meio a toda contradição expressa no seio da

crise, um papel privilegiado da arte, pois são considerados dignos e engenhosos atos de

audácia que se fincam no imbróglio do sistema capitalista, mas que tendem a estar afastados

da totalidade, visto que o sistema capitalista, ―/.../ vitorioso economicamente, abate cada vez

mais a resistência dos autênticos paladinos da civilização‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 265). A arte

travada sob o crivo do capital tende a degenerar-se cada vez mais.

/.../ Nos germes espontâneos de onde surge a arte desta espécie pode, por

vezes, conter-se uma vontade de oposição. Mas quando quedamos

prisioneiros da espontaneidade e a exaltamos na teoria e na crítica, nenhuma

outra solução é possível além da monótona e estéril gangorra entre o

desvario e a insensibilidade (LUKÁCS, 1965b, p. 279).

Os efeitos do capitalismo para a vida do artista são os piores possíveis. De acordo

com Mészáros (2006), o artista é cada vez mais apartado de sua arte ao ter que se submeter,

como já abordamos, ao mercado vendável. Segundo o autor supracitado, ―/.../ a própria

produção de mercadorias – que deve ser eliminada, porque ela desumaniza todas as atividades

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92

– inclusive, é claro, a atividade artística, degradando-a a condição de meio subordinado aos

fins da economia capitalista de mercado‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 192, itálico do autor).

Essa discussão torna-se atualíssima, tendo em vista as políticas de editais, outro

exemplo no qual a arte, para fins particulares, visa o lucro. Em um texto, intitulado A arte de

valor, escrito por Guerra (2010), publicado pelo site Isto é dinheiro (ANEXO B), é descrito

que o cenário das artes plásticas brasileiras tem ganhado fundos de investimentos. Isso porque

um grupo de empresários criou o Brazil Gonden Art Investimentos, com o intuito de investir

no mercado da arte, uma vez que o negócio de aquisições de obras em leilões está aquecido,

principalmente fora do país. Na matéria supracitada há um quadrinho, com dicas de como

comprar uma obra de arte, a saber: 1) Gostar da obra que está comprando; 2) Analisar se a

carreira do artista terá relevância no futuro; 3) Ver se o artista está inserido em uma vertente

ou tendência de vanguarda e 4) Saber que se trata de um investimento de longo prazo.

O que fica claro nas dicas dadas é o pragmatismo afeito a lógica capitalista, onde

―gostar da obra de arte‖ sugere o mais puro subjetivismo, ―analisar a carreira do artista

levando em conta sua relevância futura‖ transborda o utilitarismo, a ―tendência de vanguarda‖

colada ao pós-modernismo vazio de sentido, ―saber que o investimento se dará em longo

prazo‖ afinal de contas, tempo é dinheiro. Cada vez mais a arte se encontra inserida a essas

condições perversas. O Governo quer saber se a verba destinada aos editais terá retorno aos

cofres, tanto do estado, quanto dos empresários. Ambos questionam o que vale mais a pena?

Daí a expressão da matéria ―Arte de valor‖ (GUERRA, 2010). O que os artistas realistas

autênticos entendem como arte de valor passa ao largo dessa lógica. A finalidade da arte

realista tem outra essência. Como tudo é bem alinhado, põem as comissões avaliadoras, os

artistas e a arte, tudo, em um mesmo balcão, para que o pragmatismo se alimente da lógica

mercantil.

De acordo com as considerações apresentadas, entendemos que a finalidade da

arte torna-se alheia ao artista, pois pertence ao capital. A arte está subjugada às ―leis gerais de

comercialização‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 187). No que tange a escolha do assunto a ser

abordado em uma obra, o artista atualmente tem mais ‗liberdade‘ do que tinham os artistas da

época renascentista, por exemplo. Porém, liberdade sob pena da suspeita da importância da

obra. O receptor, nessa conjuntura, é privado de entender o procedimento de criação,

assumindo o papel de ―consumidor passível‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 186). A arte, cuja

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93

principal função é firmar o lucro da grande burguesia, no curso dessa circunstância, ―/.../

desemboca toda no rio cujas águas deveriam proteger as periclitantes fortalezas do

imperialismo contra a sublevação dos trabalhadores. (LUKÁCS, 1965b, p. 279).

Quanto mais a burguesia se fortalece, os bens culturais se desenvolvem em

mercadorias, e quem as produz, na maioria das vezes, é considerado perito, dependente da

divisão capitalista do trabalho. Para ilustrar, recordemos novamente os PCNs, ao atribuir à

arte, um papel preponderante que visa atender ao mercado de trabalho explorador, a saber:

A arte também está presente na sociedade em profissões que são exercidas

nos mais diferentes ramos de atividades; o conhecimento em artes é

necessário no mundo do trabalho e faz parte do desenvolvimento

profissional dos cidadãos (BRASIL, 1997, p. 20).

Longe de ater-se em favor do desenvolvimento plenamente humano, o

conhecimento é necessário para alastrar a exploradora sociedade vigente. Nesse sentido, a

formação em artes, segundo os PCNs, embasados nas políticas hegemônicas, visa ao

atendimento ao mercado de trabalho, às necessidades do capital, em prejuízo de uma

formação integral dos sentidos, própria do gênero humano, uma vez que, o desenvolvimento

material e cultural produzido historicamente tem sido negado àqueles que sempre ocuparam

uma colocação de grande valor no processo de desenvolvimento histórico da humanidade: os

trabalhadores.

O esgotamento dos sentidos humanos, nessa lógica de exploração da sociedade

contemporânea se deve ao fato do homem estar inserido na esfera da utilidade68, de onde são

oportunos aspectos utilitaristas ao sistema capitalista, como bem relatou Marx em seu notável

argumento, ao relatar a perda de sentido do mais belo mineral, pelo minerador, que só

reconhece seu valor comercial. Em consonância ao pensamento de Marx, Mészáros (2006, p.

184) afirma que ―/.../ a significação geral do gozo humano é substituída pelo imediatismo

bruto da auto-satisfação privada‖. Portanto, entendemos que o desenvolvimento capitalista

priva o homem da humanização integral das propriedades mais evoluídas do ser social.

O que sobra à maioria dos homens é o conhecimento fragmentado, que serve à

roldana ajustada à corda capitalista. O sentido é perdido da totalidade e a formação encontra-

se dependente das forças econômicas, as quais priorizam a acumulação do capital em

68

Utilidade esta, que de acordo com Mészáros (2010) não é de uso social, mas de uso individual.

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detrimento da aquisição do conhecimento histórico cultural produzido pela humanidade. A

conjuntura posta pela sociabilidade capitalista, na contemporaneidade, traz à tona a

flexibilidade, decidindo que é necessário estar atento às transformações de acordo com os

ditames vigentes, ―/.../ é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível. Isso quer

dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental para

aprender‖ (Brasil, 1997, p. 21).

Entendemos que qualquer formação envolta pelo aligeiramento, afeta à

fragmentação e a flexibilização do processo educativo proposto pela lógica hegemônica

vigente, não acolhe, definitivamente, as necessidades humanas, mas sim à reprodução do

capital em crise, colaborando para a disseminação da mercantilização, do pragmatismo, do

economicismo, do subjetivismo e do objetivismo, presentes no ensino da arte. É cada vez

mais notória a premente mercantilização dos sentidos e dos significados, por conseguinte a

agudização da mercantilização da arte.

Embora haja esforço por parte de avulsos artistas, com vistas a eliminar o

alheamento à vida, lutando pela recomposição da integridade, a tragédia da arte, como nos

esclarece Lukács (1965b) toma corpo em tempos de crise do capital. A arte transforma-se em

mercadoria e lesiona o universalismo, uma vez que a sociedade do capital é contrária a um

desenvolvimento estético pleno, ao contrário, prima por uma abstração subjetivista-

objetivista, às piores qualidades que pode oferecer. Daí, torna-se mais difícil apreender o

conhecimento historicamente acumulado, a ordem das coisas, a concretude. O que está mais

alto no pedestal são um devaneio surreal do conhecimento e uma intensa decomposição da

arte.

O complexo da arte, por ser antropomórfico e imanente, parte da necessidade

humana e se influencia fortemente de acordo com o tempo histórico. Devido ao fato de

estarmos inseridos em um sistema que explora o homem de tal maneira que as necessidades

que surgem nessas circunstâncias ―/.../ são aquelas que correspondem diretamente ao

imediatismo da utilidade privada e da apropriação privada‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 184), o

que temos, nesse contexto, é a pauperização humana para a grande maioria. No entanto, como

já mencionamos, baseados na teoria marxiano-lukacsiana, as alterações das necessidades

humanas têm sua preponderância de acordo com os fenômenos históricos, e, portanto, a

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95

humanidade não está predestinada a perecer no mal capitalista. O homem requer mudanças, a

emancipação dos sentidos, em meio a essa crise profunda, se faz urgentemente necessária.

Com efeito, apenas o entendimento concreto da história, proposto pela teoria

marxiano-engelsiana, e recuperada por Lukács no complexo da estética, permite o

desvendamento do estrago que ocorre em conseqüência de um estado que retalha a

integridade do homem, consequente do sistema brutal capitalista. Somente em uma sociedade

distinta da atual, que preze por outros valores, que não o egoísmo, o desamor e o ódio, será

possível, para o artista, ampliar horizontes mais largos e mais distantes da superfície.

Através das laborações indicadas por Marx e Engels, por trazerem à tona as raízes

da problemática analisada, foi possível evidenciar, segundo o filósofo húngaro, ―/.../ de onde

provém e para onde se dirige o processo geral, bem como o modo pelo qual será possível

salvaguardar realmente a integridade humana, a integridade do homem real‖ (LUKÁCS,

2009, p. 116). Ademais, segundo a linha de pensamento lukacsiana, é possível apontar como

se fará uma alteração das bases materiais que hostilizam o homem em favor de uma

sociabilidade que prime por uma efetiva formação humana integral.

Cercados pela teoria desenvolvida por Lukács, com todo o mérito da teoria

marxiana, entendemos que a efetiva história da humanidade se dará a partir do momento em

que estivermos livres da propriedade privada e isso só se dará com o findar do capitalismo.

Apenas dessa forma, o ―humanismo socialista‖ permitirá ―/.../ à estética marxista a unificação

do conhecimento histórico e do conhecimento puramente estético‖ (LUKÁCS, 2009, p. 118),

união esta que não pode ser apartada.

Discorrer sobre a arte na sociedade capitalista é pensar em um degrau a mais na

vida da humanidade, para além da pré-história humana. Falar em aprimoramento dos sentidos,

arte, estética, o desenvolvimento das melhores e mais desenvolvidas faculdades humanas é

vislumbrar outro patamar de sociabilidade, uma vez que hoje, temos, para a gritante maioria

das pessoas, o mínimo: a barbárie estética.

Vivemos em uma sociedade miserável, que não prioriza condições objetivas para o

desenvolvimento estético. Sociedade esta que não nos permite vivenciar a dança, a pintura, a

escultura, as artes plásticas de maneira geral, a música, a não ser de forma mínima. Vale

ressaltar que se este grau ínfimo de elevação das formas superiores do humano não serve para

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96

a minoria detentora do poder, também não atende a maioria sufocada pelo sistema metabólico

do capital. Nesse sentido, o pleno evolver estético permanece fora do contexto da classe

trabalhadora. O desenvolvimento artístico tende a adormecer sob a lógica metabólica

capitalista, com isso, perdem-se ―Pinxinguinhas‖, "Zezinhos", ―Shakespeares‖, ―Tarcilas‖,

―Goethes‖, "Marias", ―Gonzagas‖, ―Buarques‖, ―Da Vincis‖, ―Machados‖, ―Clarices‖ e

muitos outros que, em meio à seleção classista e, por isso excludente, em que estamos

inseridos, pela crise profunda do capitalismo contemporâneo, são obstruídos da maravilhosa

viagem através da ascensão do homem inteiro ao homem inteiramente.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

/.../ As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a

vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o

espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não

adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem

mistificação (Carlos Drummond de Andrade, 2006, p. 80).

Nossa pesquisa apresentou como objeto de estudo as contribuições da Estética I

de Lukács para a formação humana, na firmeza da leitura marxiano-lukacsiana, dada sob o

exame dialético materialista da história. Para esta investigação, como já sobredito, a teoria

que oferece direção e que nos permite desviar do terreno das simples intuições e adentrar

profundamente ao tratamento científico é a ontologia. As leituras feitas nesse campo de

estudo nos permitiram uma reflexão consciente da realidade objetiva em torno das seguintes

questões: Como se compõe a gênese, o desenvolvimento e a conjuntura da estética

lukacsiana? Como se estrutura a estética proposta pelo esteta húngaro, tendo em vista as

condições humanas objetivas e as objetivações superiores? Em que sentido o complexo da

arte reverbera sobre os seres sociais na sociedade contemporânea em crise profunda?

Procuramos problematizar as indagações, no desenvolvimento desta dissertação,

organizando nossas elaborações em três capítulos, o que nos possibilitou uma profícua

discussão sobre gênese, evolução e estrutura da estética lukacsiana e sua reverberação na

formação do ser social, bem como nos permitiu discutir a arte traspassada pela lógica

capitalista, diante da fragmentação dos sentidos, imposta ao homem dentro deste contexto.

Buscamos destacar, a partir de então, alguns resultados avaliados por nós, de exímia

relevância para o objeto em foco.

Partimos do pressuposto que entende o trabalho como protoforma da atividade

humana, e que tem a importância fundamental na démarche histórica, por conseguinte, no

desenvolvimento do ser social. Desse modo, apreendemos com escopo na teoria marxiana

propalada por Lukács, que é pelo processo de trabalho onde se perde a significação de

utilidade para uma dimensão estética e esse processo é mediado pela consciência. Há um

desprendimento do utilitário ao agradável. Nesse sentido, o complexo universal da arte é

tardio e paulatino com relação ao trabalho, uma vez que o estético nos faz prever que exista

uma ascensão técnica, além do emprego do aprazível no processo de criação. A arte é o modo

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98

que faz com que o homem entenda a própria vida na natureza e na sociedade, assim,

consideramos a maior prova da imanência humana.

Amparados na ontologia marxiano-lukacsiana, compreendemos que nenhum

complexo, nem a ciência e tampouco a arte, tenha uma história independente do trabalho.

Como já dito, os complexos nascem por necessidade do trabalho. O desenvolvimento de

qualquer complexo se desdobra pelo movimento da história, consequentemente, é necessário

atribuir à dependência ontológica, que os complexos têm perante o trabalho, protoforma da

atividade humana, e o que vai diferir o ser social das outras esferas naturais.

Consideramos ademais, sob base da teoria marxiana, seguir nossa análise por

considerar esta direção a que melhor explicar a realidade, tendo em vista que esta teoria é a

única, até o momento, que abre possibilidades objetivas no sentido de apreender o real em sua

totalidade, sem deixar de lado o processo de subjetividade. Designadamente ao tratamento do

nosso objeto, Lukács reafirma: ―/.../ esta concepção penetra nas raízes mais profundamente

entranhadas no solo, nem por isso nega a beleza das flores‖. De modo oposto, é através do

entendimento da totalidade, que ―/.../ a estética marxista, e somente ela, que fornece os

instrumentos para uma justa compreensão deste processo na sua unidade, na sua orgânica

conexão entre raízes e flores‖ (LUKÁCS, 2009, p. 117).

A realidade objetiva se entrelaça à esfera particular do indivíduo, a unidade entre

raízes e flores, o que configura a relação entre objetividade e subjetividade. A teoria

marxiano-lukacsiana, atende aos aspectos subjetivos da existência humana, diferentemente de

outras correntes, as quais ajuízam erroneamente que aquela teoria apenas dá conta de explicar

a economia, às questões concernentes à objetividade.

Advertimos junto à Lukács (1982) a preocupação constante com o objeto e o

sujeito no campo da ontologia e também da estética, diversamente do que está estabelecido na

contemporaneidade, onde a interpretação sobre a realidade despreza a totalidade e o que

impera é o mais denso subjetivismo, vinculado ao pragmatismo e ao utilitarismo, envolto à

sociedade capitalista, apregoada ao pós-modernismo, se rende às representações, ao alegórico,

e que se desvincula, cada vez mais, da base histórica e social que engendra a estética. O que

temos no campo da arte, quando muito, são ―especializações abstratas‖, para usarmos os

termos do filósofo húngaro.

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99

Tendo como base os estudos sistematizados de Lukács (1982), avaliamos que a

necessidade antropomórfica, contudo, sem o apelo ao transcendente, atinge o estágio da

imanência, a dialética entre objetividade-subjetividade, que é própria do complexo da arte.

Com efeito, a historicidade da realidade objetiva cobra precisamente nas obras de arte sua

forma subjetiva e objetiva, na medida em que a autentica arte nasce da mais profunda

aspiração da época em que se origina.

A arte autêntica prende-se ao gênero humano e o que de melhor o homem

produziu artisticamente tem estreita ligação com sua gênese. É importante salientar que as

objetivações humano-genéricas são tomadas pela configuração objetiva e subjetiva da arte.

Contudo, advertimos que o homem apenas tem acesso à apropriação do patrimônio artístico

produzido pela humanidade dentro de limites drasticamente rebaixados, fato decorrente do

modo de produção da vida material próprio da sociedade cindida em classes, na qual o

interesse é apenas o lucro, sem dar a devida importância à fruição e à formação artístico-

estética. Na situação do sistema de classes, a minoria tem acesso restrito à riqueza cultural

historicamente acumulada, enquanto a maioria sobrevive à margem desta.

Dito isto, para melhor expor as considerações sobre o pensamento estético lukacsiano,

vale reapresentar, brevemente, o exame atento que explicitamos nesta dissertação, o encontro

de Lukács com a literatura, sobretudo, a partir daquela, feita no Instituto Marx-Engels-Lênin,

onde o filósofo húngaro passou a ter contato com essenciais obras formando, a partir de então,

seu pensamento maduro, a partir do qual foi possível descartar suas concepções idealistas,

uma vez que o esteta húngaro dedicou-se, nas décadas de 1930 a 1950, a uma vasta

contribuição intelectual alinhada à teoria marxiana. É importante lembrar o quanto essa

produção sugere o sentido do encontro com a estética marxista. Datam deste período,

publicações como: o ensaio Narrar ou descrever (1936); o livro O romance histórico (1937);

o escrito Marx e o problema da decadência ideológica (1938); edita estudos sobre o Fausto,

de Goethe (1941); Goethe e sua época, Literatura e democracia, Arte livre ou arte dirigida?

(1947); Existencialismo ou marxismo?, Thomas Mann, O realismo russo na literatura

universal (1949); Realistas alemães do século XIX, Literatura e arte como superestrutura

(1951); Balzac e o Realismo Francês (1952); A Destruição da Razão, Nova História da

Literatura Alemã e Contribuições à História da Estética (1954); Problemas do realismo

(1955).

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100

Aproximando-se da teoria marxiana, Lukács desenvolve sua Estética e seu

pensamento maduro. Assim como Marx, que partiu da análise da forma de sociabilidade

capitalista para reconstituir o processo de origem e desenvolvimento dos sistemas sociais

antecedentes, o filósofo húngaro teve o anseio de evidenciar que a origem da atividade

estética do homem foi antecedida, em seu germe, por um movimento que foi se

transformando, no qual pode examinar os elementos contínuos da atividade estética desde o

salto ontológico até as configurações maturadas de seu tempo. Ainda que Marx não tenha

escrito nenhum estudo sobre estética, poderíamos retirar do lineamento marxiano e das

formulações de Lukács, uma nova estética, articulada a essa nova ontologia distinta de todas

as direções estéticas que a humanidade apreciou até os dias atuais.

A Estética foi a última obra de Lukács publicada em vida, entretanto, o esteta

húngaro, com mais de oitenta anos, almejava escrever a Ética. Na medida em que a Estética

foi, segundo Lukács, a preparação para a Ontologia, pois é possível encontrar na primeira, em

muitos pontos, o estético como momento do ser social. A possibilidade de conceber, de

apreciar a arte ou a teoria do sensível nasce no cotidiano concreto do homem, enquanto ser

social, a partir de estações de seu alargamento histórico.

Incluímos, portanto, nesse debate, que cotidianidade é a fornecedora dos reflexos

posteriormente transformados em objetivações superiores. Isso ocorre por ser o cotidiano o

solo de rebatimento das atividades realizadas pelo homem. É da vida cotidiana que se extraem

as sensações que mais tarde serão objetivadas na forma de reflexos superiores. Sendo a arte

uma abstração superior, não é produzida de modo cotidiano, contudo, deriva-se neste e volta

ao mesmo, quando autêntica, de maneira engrandecida.

Não obstante, Lukács deixa claro em sua obra madura, que a atividade estética,

considerada por ele como atividade espiritual, suspende o indivíduo do seu cotidiano. Essa

atividade, entretanto, não pode ser entendida, como algo referente à alma, mas que se

relaciona às formas de necessidade e constituição da vida concreta do homem situado

historicamente em seu mundo.

A arte se dá de modo concreto, a partir da realidade objetiva, uma vez que a

estrutura de qualquer atividade, segundo o postulado lukacsiano, na esteira marxiana, tem seu

esclarecimento na gênese. Destarte, sumariando, a arte é atividade propriamente humana,

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101

imanente e antropomórfica. Por conseguinte, como escreveu Lukács, de todas as formas

superiores de objetivação, a ciência é o complexo que melhor se dispõe em comparação para

que se possa compreender o funcionamento da arte na vida humana.

Lukács (1982) caracterizou a ciência como desantropomórfica, ou seja, é o sujeito

quem faz sistematizações dos fenômenos que observa, mas os elementos da natureza existem

independentes da vontade do homem. Já a arte, ao contrário, depende exclusivamente a

existência humana, portanto antropomórfica. O esteta húngaro também considera a religião,

passível de comparação com o complexo da arte, ao apresentar que a querela primordial entre

esta e aquela, no que se refere à antropomorfização, não constitui uma humilde limitação da

arte perante a religião. A finalidade objetiva do complexo artístico propõe uma renuncia a

toda transcendência – própria da religião. Em sua intenção objetiva, a arte é tão antagônica à

religião tal qual a ciência. O que vai diferir os aspectos antropomórficos de ambos os

complexos, arte e religião, será o caráter cismundano que a arte possui, ou seja, a arte está no

plano terreno, material, logo, não serve ao sagrado, diferente da religião.

Categorizamos, como sugere Lukács (1982), as definições dadas às categorias

imanência e transcendência, uma vez que a imanência é uma exigência tanto do conhecimento

científico quanto da conformação artística, pois tanto a ciência quanto a arte são complexos

que se fundam na relação objeto-sujeito, com base na objetividade. Todavia, a averiguação

relativa apresenta o homem primitivo sob grande vinculação com a transcendência com

relação aos complexos ciência e arte, dependência que se deu sob os estágios iniciais do

desenvolvimento humano. Ambos os complexos, ciência e arte, com a ampliação das

faculdades intelectuais, paulatinamente, foram construindo uma independência com relação

ao sublime. Dessa maneira, o complexo da arte faz que todo o movimento da consciência ao

transcendente se transforme em imanência ao entendê-lo como elemento essencialmente da

vida humana, imanente, próprio do homem.

A arte, bem como a ciência, desse modo, é exemplo por excelência da imanência

humana, pois é fenômeno social, inseparável do sujeito, é produto da evolução social, do

homem que se faz homem mediante seu trabalho. Através da arte, é permitido, a partir da

categoria da particularidade, transitar do singular, purificando-o ao universal, acessando o

privilegiado espaço de exacerbação da subjetividade humana e assim causar no sujeito uma

Page 103: estética em lukács: reverberações da arte no campo da formação

102

reflexão elevada, tanto para o criador, que se realiza na criação, quanto para o receptor, que

aprecia o produto do artista.

Tal reflexão elevada pode ser explicada, baseado na estética lukacsiana, tendo

como apoio a relação dialética entre o homem inteiro e o homem inteiramente. A relação

entre esses dois momentos se dá pela possibilidade de se deslocar da circunstância de homem

inteiro ao andamento de homem inteiramente. A arte, na medida em que acessa os elementos

constitutivos da elevação humana, soergue o homem em sua forma superior de abstração, pois

o distancia, mesmo que seja somente em poucos instantes, apenas no espaço-temporal da

catarse, da forma de ser da vida cotidiana.

No entanto, é necessário ter claro que o homem inteiramente nunca deixa de ser

inteiro, dito de forma que fique muito bem entendido, sob efeito da natureza dialética dessa

relação. Vale ressaltar que as duas configurações convivem no mesmo indivíduo, em alguns

momentos, devido, sobretudo ao efeito catártico produzido pela arte, o homem inteiramente

pode destacar-se com relação ao seu homônimo do cotidiano. Com efeito, nos tempos atuais,

trafegar entre o homem inteiro e o inteiramente é um momento raríssimo, dada as condições

objetivas que fragmentam o ser social e sua relação com a realidade, desferindo profundos

golpes em sua humanização.

Presentemente, imersos em uma crise profunda, sem precedentes, a sociedade

capitalista e suas poderosas formas de opressão, raramente vai permitir uma suspensão

cotidiana. Muito dificilmente, permite ao indivíduo se apropriar do interesse da própria

condição humana historicamente situada. Situando nosso pensamento ao ―aqui e agora‖

histórico, vivemos numa imensa barbárie, no campo estético sob o amparo de políticas

hegemônicas educacionais, pelo resguardo de investimentos do Brasil Golden Art, debaixo de

incentivos como o da Lei Rouanet etc. Estamos imersos em uma cotidianidade tão

embrutecida que não sabemos quais são as possibilidades embutidas nesse cotidiano, o que

afeta diretamente as possibilidades estéticas.

Entendemos, nesse sentido, que o desígnio da arte torna-se alheio ao artista,

pertencendo primordialmente ao capital. A arte está subjugada às ―leis gerais de

comercialização‖. Aos apreciadores da arte, nessa conjuntura, designa a privação de entender

o procedimento de criação, assumindo o papel de ―consumidor passível‖ (MÉSZÁROS, 2010,

p. 186-7).

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103

Direcionamos nosso enfoque agora ao artista, uma vez que quanto menos intenso

for seu conhecimento tão mais rasteiro será o nível de sua expressão. O artista, inserido

também nessa lógica conveniente ao sistema capitalista, tende a estagnar no cotidiano

paupérrimo, sendo cada vez mais difícil a possibilidade de elevação, pois a sociedade,

conduzida sob o amparo do capital, exige do artista formas de adequação, tendo em vista sua

própria lucratividade.

Por outro lado, analisamos, com base nos estudos de Lukács, que mesmo neste

estado relatado, há possibilidade para que o homem consiga trazer ao solo cotidiano uma arte

plena de sentido, pois, na circunstância que nos encontramos, a arte pode negar, denunciar,

expressar a contradição ou mesmo, apontar o devir, inserido nessa realidade desumana. Para o

esteta húngaro, o ―/.../ profundo conhecimento da vida jamais se limita à observação da

realidade cotidiana‖. É necessário apreender elementos fundamentais, ―/.../ à luz da suprema

dialética das contradições, as tendências e as forças operantes, cuja ação é dificilmente

perceptível na penumbra da vida de todos os dias‖ (LUKÁCS, 2010, p. 196). Desse modo, é

possível pensar numa outra forma de sociabilidade.

Com efeito, de maneira sintética, repetimos as insuficientes possibilidades para a

realização de uma formação humana integral sob a forma capitalista, uma vez que a lógica de

exploração nega o acesso de todos à riqueza espiritual e material da sociedade, atendendo

minimamente às necessidades de reprodução humana, sob a lógica do capital. Pensar sobre o

complexo da arte perpassado pela lógica societal do capital é conjeturar outra forma de

sociabilidade, alicerçada na plena igualdade e efetiva formação humana no mundo dos

homens. Uma sociedade que tenha como prioridade condições humano-objetivas para o

desenvolvimento humano íntegro dos sentidos humanos.

Defendemos, aqui, uma proposição de estética voltada para o desenvolvimento

efetivamente integral dos sentidos humanos, que contemple a formação humana integral da

classe trabalhadora, no sentido da abrirmos possibilidades para a riqueza da faculdade do

sentir, tão limitada por força do capital, o qual, em nome de sua reprodução, atinge o homem

naquilo que ele tem de mais singular, fragmentando a inteireza humana.

Por fim, no estágio constrangedor de produção destrutiva de mercadorias, não

poderia ser possível à arte, bem como a nenhum outro complexo social, escapar a

pauperização sofrida pelas relações humanas regidas, em primeira ordem pela cobiça,

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104

individualismo, imediatismo e fragmentação, entre inúmeras outras formas sórdidas de

convivência humana. Na melhor das condições, quando muito, como muito bem mostrou a

obra monumento de Georg Lukács, a produção artística, das sempre bem vindas exceções

existentes, graças a independência relativa conquistada pela arte do complexo do trabalho

inserida na crise estrutural do capital (2000), poderá apenas refletir a desilusão dos grandes

artistas contra o estado de barbárie presenciado hoje, ou, como sensivelmente sintetizou nosso

poeta maior ―/.../achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer‖.

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ANEXOS

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ANEXO A – LEI ROUANET APROVA RITA LEE E CLÁUDIA LEITTE (O POVO)

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ANEXO B – A ARTE DE VALOR (ISTOÉ dinheiro)

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