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Estética e Cultura das Mídias 1 DA CULTURA DAS MÍDIAS À CIBERCULTURA A cultura das mídias não se confunde nem com a cultura das massas, nem com a cultura virtual ou cibercultura, de outro. Ela é uma cultura intermediária, situada entre ambas. Quer dizer, a cultura virtual não brotou diretamente da cultura de massas, mas foi sendo semeada por processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais a que chamo de “cultura das mídias”. Esses processos são distintos da lógica massiva e vieram fertilizando gradativamente o terreno sociocultural para o surgimento da cultura virtual ora em curso. Para compreender essa passagem de uma cultura para outra tenho utilizado uma divisão de eras culturais em seis tipos de formação: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Antes de tudo, deve ser declarado que essas divisões estão pautadas na convicção de que os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais não passam de meros canais para transmissão de informações. Por isso não devemos cair no equivoco de julgar que as transformações culturais são devidas apenas ao advento das novas tecnologias e novos meios de comunicação e cultura. São tipos de signos que circulam nesses meios, os tipos de mensagens e processos de comunicação que neles se engendram os verdadeiros responsáveis não só por moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também por propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais. Certamente, algo de McLuhan nessa minha postulação. Entretanto, diferentemente de McLuhan, ou daquilo que se passou considerar como sendo mcluhiano, creio que devemos tirar a ênfase que se costuma colocar nos meios e nas mídias em si para trazer à baila outras determinações que tendem a ser ocultadas pelo fetiche das mídias. Entre essas determinações aquela que é central à comunicação e à cultura é a determinação da linguagem . Nem mesmo McLuhan com sua célebre provocação “o meio é a mensagem” (1964) tão criticada há algumas décadas e hoje transformada em axioma para todos os plugados, chegou ao nível de obliteração da linguagem que o fetiche das mídias tem alcançado. Ao contrário, com sua afirmação McLuhan estava justamente se desviando da tendência comum nas teorias da comunicação de sua época, que separavam de um lado, o modo como a mensagem é transmitida e de outro o conteúdo da mensagem. Ao colocar ênfase nos meios, McLuhan insistia na impossibilidade de se separar a mensagem do meio, pois a mensagem é determinada muito mais pelo meio que a veicula do que pelas intenções do seu autor. Portanto, ao invés de serem duas funções separadas, o meio é a mensagem. Ora, mídias são meios, e meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam. Por isso mesmo, o veiculo, meio ou mídia de

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  • Esttica e Cultura das Mdias

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    DA CULTURA DAS MDIAS CIBERCULTURA

    A cultura das mdias no se confunde nem com a cultura das massas, nem com a

    cultura virtual ou cibercultura, de outro. Ela uma cultura intermediria, situada

    entre ambas. Quer dizer, a cultura virtual no brotou diretamente da cultura de

    massas, mas foi sendo semeada por processos de produo, distribuio e

    consumo comunicacionais a que chamo de cultura das mdias. Esses processos

    so distintos da lgica massiva e vieram fertilizando gradativamente o terreno

    sociocultural para o surgimento da cultura virtual ora em curso.

    Para compreender essa passagem de uma cultura para outra tenho utilizado uma

    diviso de eras culturais em seis tipos de formao: a cultura oral, a cultura escrita,

    a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mdias e a cultura digital.

    Antes de tudo, deve ser declarado que essas divises esto pautadas na convico

    de que os meios de comunicao, desde o aparelho fonador at as redes digitais

    no passam de meros canais para transmisso de informaes. Por isso no

    devemos cair no equivoco de julgar que as transformaes culturais so devidas

    apenas ao advento das novas tecnologias e novos meios de comunicao e cultura.

    So tipos de signos que circulam nesses meios, os tipos de mensagens e processos

    de comunicao que neles se engendram os verdadeiros responsveis no s por

    moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas tambm por

    propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais.

    Certamente, h algo de McLuhan nessa minha postulao. Entretanto,

    diferentemente de McLuhan, ou daquilo que se passou considerar como sendo

    mcluhiano, creio que devemos tirar a nfase que se costuma colocar nos meios e

    nas mdias em si para trazer baila outras determinaes que tendem a ser

    ocultadas pelo fetiche das mdias. Entre essas determinaes aquela que central

    comunicao e cultura a determinao da linguagem.

    Nem mesmo McLuhan com sua clebre provocao o meio a mensagem (1964)

    to criticada h algumas dcadas e hoje transformada em axioma para todos os

    plugados, chegou ao nvel de obliterao da linguagem que o fetiche das mdias

    tem alcanado. Ao contrrio, com sua afirmao McLuhan estava justamente se

    desviando da tendncia comum nas teorias da comunicao de sua poca, que

    separavam de um lado, o modo como a mensagem transmitida e de outro o

    contedo da mensagem. Ao colocar nfase nos meios, McLuhan insistia na

    impossibilidade de se separar a mensagem do meio, pois a mensagem

    determinada muito mais pelo meio que a veicula do que pelas intenes do seu

    autor. Portanto, ao invs de serem duas funes separadas, o meio a mensagem.

    Ora, mdias so meios, e meios, como o prprio nome diz, so simplesmente meios,

    isto , suportes materiais, canais fsicos, nos quais as linguagens se corporificam e

    atravs dos quais transitam. Por isso mesmo, o veiculo, meio ou mdia de

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    comunicao o componente mais superficial, no sentido de ser aquele que

    primeiro que aparece no processo comunicativo. Entretanto, para o estudo desse

    processo, veculos so meros canais, tecnologias que estariam esvaziadas de

    sentido no fossem as mensagens que nelas se configuram. Conseqentemente,

    processos comunicativos e formas de cultura que nelas se realizam devem

    pressupor tanto as diferentes linguagens e sistemas sgnicos que se configuram

    dentro dos veculos em consonncia com o potencial e limites de cada veiculo

    quanto devem pressupor tambm as misturas entre as linguagens que se realizam

    nos veculos hbridos de que a televiso e, muito mais, a hipermdia so

    exemplares.

    Embora sejam responsveis pelo crescimento e multiplicao dos cdigos e

    linguagens, meios continuam sendo meios. Deixar de ver isso e, ainda considerar

    que as mediaes sociais vm das mdias em si incorrer em uma ingenuidade e

    equivoco epistemolgicos bsicos, pois a mediao primeira no vem das mdias,

    mas dos signos, linguagem e pensamento que elas veiculam.

    O segundo aspecto fundamental que o fetiche das mdias encontra-se no fato de

    que quaisquer mdias, em funo dos processos de comunicao que propiciam so

    inseparveis das formas de socializao e cultura que so capazes de criar, de

    modo que o advento de cada novo meio de comunicao traz consigo um ciclo

    cultural que lhe prprio e que fica impregnado de todas as contradies que

    caracterizam o modo de produo econmica e as conseqentes injunes polticas

    em que tal ciclo cultural toma corpo. Considerando que as mdias so

    conformadoras de novos ambientes sociais, pode se estudar sociedades cuja

    cultura se molda pela oralidade, pela escrita, mais tarde pela exploso das imagens

    na revoluo eletrnica.

    A diviso das seis eras pode tambm parecer excessiva, mas, se no as levarmos

    em considerao, acabamos perdendo especificidades importantes. Por exemplo: a

    cultura impressa no nasceu diretamente da cultura oral. Foi antecedida por uma

    cultura da escrita no alfabtica. A memria dessas escritas trouxe grandes

    contribuies para a visualidade da arte moderna. Ela sobrevive na imaginao

    visual dos tipos grficos, na diagramao do jornal, na visualidade da poesia, no

    design atual das paginas da web.

    Assim tambm, embora a grande maioria dos autores esteja vendo a cibercultura

    na continuidade da cultura de massa, considero que o reconhecimento da fase

    transitria entre elas, a saber, o reconhecimento da cultura das mdias,

    substancial para se compreender a prpria cibercultura.

    2. Cultura das Mdias

    Por volta dos anos 80, comearam a se intensificar cada vez mais as misturas entre

    linguagens e meios, misturas essas que funcionam como um multiplicador de

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    mdias. Essas produzem mensagens hibridas como se pode encontrar, por

    exemplo, nos radio e telejornais, revistas culturais, etc.

    Ao mesmo tempo, novas sementes comearam a brotar no campo das mdias com o

    surgimento de equipamentos e dispositivos que possibilitaram o aparecimento de

    uma cultura do disponvel e do transitrio: fotocopiadoras, videocassetes,

    equipamentos do tipo walkman, acompanhados de uma indstria do vdeo clipes,

    videogames, vdeo locadoras e TVs a cabo. Essas tecnologias e equipamentos e as

    linguagens criadas para circularem neles tem como principal caracterstica

    propiciar a escolha e consumo individualizados, em oposio ao consumo massivo.

    Foram eles que nos arrancaram da inrcia da recepo de mensagens impostas de

    fora e nos treinaram para a busca de informao e entretenimento. Foram esses

    meios e os processos de recepo que eles engendraram que prepararam a

    sensibilidade dos usurios para a chegada dos meios digitais cuja marca principal

    esta na busca dispersa, no linear, fragmentada, mas, certamente, uma busca

    individualizada de mensagem e de informaes.

    A proliferao miditica provocada pelo surgimento dos novos meios cujas

    mensagens tendem para a segmentao e diversificao e a hibridizao das

    mensagens provocadas pela mistura entre meios, foram sincrnicos aos acalorados

    debates dos anos 80 sobre a ps-modernidade. Por isso mesmo, em contraposio

    a alguns autores que consideram a ps-modernidade como face identificadora da

    cibercultura; tenho a concebido como sinais de alerta crticos para um perodo de

    mudanas profundas a partir da cultura das mdias e pelo hibridismo tanto nas

    artes quanto nos fenmenos comunicativos em geral que essa cultura propicia.

    3. A cultura digital

    Enfim, cultura de massas, cultura das mdias e cibercultura embora convivam num

    imenso caldeiro de misturas, apresentam cada uma delas caractersticas que lhes

    so peculiares. Uma diferena gritante entre cultura das mdias e cultura digital,

    esta no fato de que nesta ultima esta ocorrendo uma convergncia miditica,

    fenmeno distinto da convivncia das mdias do momento anterior.

    Por outro lado, a era digital tambm vem sendo chamada de cultura do acesso, uma

    formao cultural esta nos colocando no seio de uma revoluo tcnica, mas

    tambm de uma sublevao cuja propenso se alastrar tendo em vista que a

    tecnologia dos computadores tende a ficar cada vez mais barata. Esse crescimento

    indicador fundamental porque a produo, o arquivamento e a circulao da

    moeda corrente da informao dependem do computador e das redes de

    telecomunicao.

    Questes resultantes da maneira como o computador esta recodificando as

    linguagens, as mdias, as formas de arte e estticas anteriores, assim como criando

    as suas prprias, a relao entre imerso e velocidade, a dinmica frentica da

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    WWW com seus sites que pipocam e desaparecem instantaneamente, os

    mecanismos de distribuio, a dinmica social dos usurios, a contextualizao

    desses novos processos de comunicao na sociedade do capitalismo global so

    alguns dos temas que aparecem na ponta do iceberg deixando entrever a

    complexidade das questes que a residem.

    A tecnologia no apenas penetra nos eventos, mas se tornou um evento que no

    deixa nada intocado. um ingrediente sem o qual a cultura contempornea

    trabalho, arte, cincia e educao na verdade, toda a gama de interaes

    impensvel. A cibercultura tanto quanto quaisquer outros tipos de cultura so

    criaes humanas. No h separao entre uma forma de cultura e o ser humano.

    Ns somos essas culturas. Elas moldam a nossa sensibilidade e nossa mente, muito

    especialmente, as tecnologias digitais que so as tecnologias da inteligncia,

    conforme Pierre Lvy e Derrick de Kerckhove. Por isso so tecnologias auto-

    evolutivas, pois as maquinas esto ficando cada vez mais inteligentes. Mas tanto

    quanto posso ver, no h porque desenvolver medos apocalpticos. As mquinas

    vo ficar cada vez mais parecidas com o ser humano, e no ao contrrio.