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ILUSTRAÇÃO DE MÀRIO CAMEIRA FOTOGRAFADA POR ENRIC VIVES-RUBIO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7274 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Sexta-feira 5 Março 2010 www.ipsilon.pt 20 anos de prémios da Academia Assalto aos Óscares

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Sexta-feira 5 Março 2010www.ipsilon.pt

20 anos de prémios da Academia

Assalto aos Óscares

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 3

Desta história é possível dizer, mesmo antes de estar escrita: é uma grande história. É mesmo uma das grandes histórias do nosso tempo de vida. E Salman Rushdie vai escrevê-la pela melhor das razões: foi ele quem sobreviveu para a contar. É oficial desde há dias: os 10 anos que o escritor inglês passou a fugir da “fatwa” lançada pelo ayatollah Khomeini vão mesmo dar um livro.“É a minha história, e em algum momento tinha de ser contada. Esse momento aproxima-se, penso eu.” Foi assim que Rushdie fez o anúncio do futuro livro aos repórteres que acompanhavam a abertura de uma grande exposição com cartas, e-mails, cadernos, fotografias, desenhos e manuscritos dos últimos 30 anos do escritor na Universidade de Emory,

em Atlanta, Estados Unidos da América.O que é que Rushdie, 62 anos, está a fazer em Emory? Uma temporada de cinco anos como professor convidado, que neste momento vai a meio. E foi esta universidade que de alguma maneira deu um empurrão ao livro, ao organizar e digitalizar o espólio que Rushdie lhe entregou. “Se tudo estivesse em caixas nos armários e em computadores mortos, teria sido muito, muito difícil [escrever o livro], mas agora está tudo organizado”, explicou o escritor.Salman Rushdie foi condenado por Khomeini em 1989. O líder religioso iraniano considerou que o romance “Os Versículos Satânicos” ofendia o profeta Maomé, decidiu que a pena era a morte, e incitou todos

os muçulmanos a cumprirem essa

“fatwa”, obrigando Rushdie a iniciar uma década de vida subterrânea. O que o livro mostrará é como se sobrevive a isto, e se sobrevive criativamente, porque Rushdie escreveu vários romances e ensaios durante esse período.“Ele teve de lutar por cada milímetro, para ir ao cinema, à ópera, ao teatro”, disse ao diário britânico “The Independent” Frances D’Souza, uma amiga de Rushdie. “Os responsáveis pela segurança teriam ficado muito mais felizes em tê-lo em casa fechado à chave. Mas ele pensou sempre em conservar relações muito próximas com os seus amigos. Nunca cedeu a supostas ameaças. A gente da segurança dizia sempre: ‘Não, não faça isso, não vá aí.’ E ele dizia sempre: ‘Tenho de’”.Em 2008, um ex-guarda-costas escreveu um livro em que contava como ele e os colegas tinham trancado Rushdie e ido a um “pub”. Mas Rushdie impediu a publicação do livro ao listar 11 incorrecções, incluindo essa, e recebeu um pedido de desculpas do autor.Entretanto, o prémio pela sua cabeça ia subindo (dois milhões de euros), e várias cabeças caíram: o tradutor japonês foi assassinado, um atentado contra o tradutor turco levou à morte de 37 intelectuais – e os tradutores italiano e norueguês escaparam por pouco.Segundo D’Souza, Rushdie disse aos amigos “que se não tivesse uma vida interior [não teria sido possível] aguentar com sanidade o tipo de vida” que foi obrigado a ter.

Alexandra Lucas Coelho

Rushdie vai escrever um livro sobre os seus dez anos de “fatwa”

Rolling Stones reeditam um “Exile on Main Street” aumentadoO disco que os Rolling Stones lançaram em 1972, “Exile on Main Street”, vai voltar a ser editado - mas desta vez, com 10 temas, produzidos no mesmo ano, que o mundo desconhece.A ideia não é propriamente inédita - é a terceira vez que o disco é reeditado - mas o histórico disco de 1972 aparecerá agora revisto e aumentado com faixas acabadinhas de sair de um baú que Mick Jagger, Keith Richards e companhia encheram na altura. No princípio da década de 70, os pesadelos causados pela morte de Brian Jones e pela tragédia de Altamont já eram coisa do passado. No entanto, a banda precisava rapidamente de angariar fundos que lhe permitissem pagar os impostos em atraso e concretizou dois dos discos mais bem-sucedidos da sua longa carreira: “Sticky Fingers” (1971) e, no ano seguinte, o disco que se tornou número um de vendas um pouco por todo o mundo. Apesar de já terem passado quase três décadas desde que as canções que estamos prestes a conhecer foram compostas, Richards revelou ao “The Guardian” que a banda não quer “interferir com a Bíblia. [As canções] continuam a ter um grande som de base”. Jagger revelou que as pequenas alterações a fazer agora passam por “um pouco de percussão numas faixas, um pouco de guitarras noutras”. A reedição de “Exile on Main Street” tem lançamento previsto para 17 de Maio e estará disponível em três versões: um CD com as 18 faixas originais, uma edição deluxe com as dez faixas extra e um pacote especial que também inclui vinil, livro de coleccionador e um documentário em DVD, “Stones in Exile”, que contará com imagens e entrevistas exclusivas organizadas pelo produtor oscarizado John Battsek.

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Director Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

SumárioÓscares 1020 anos não exactamente como os outros

Tim Burton 10O País das Maravilhas está dentro de nós

Filipe Melo 22Pôs Lisboa no mapa da BD

Nuno Ramos 28“Ó”, a cosmogonia que venceu o Prémio PT

Knife 32Foram à ópera com “Tomorrow, In an Year”

Lourdes Castro 38Em Serralves, como na vida, sempre com Manuel Zimbro

Filipa César 42Para além do Prémio BES Photo

Rui Horta 48Na tempestade das cidades adutores

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pelo produtor oscarizado John Battsek.

A nova reedição de “Exile on Main Street” incluirá uma série de faixas inéditas de 1972

Com a morte do ayatollah Khomeini, milhares de iranianos saíram às ruas para pedir ao regime a continuação da “fatwa” aplicada nove anos antes a Salman Rushdie pela publicação de “Os Versículos Satânicos”

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Penélope Cruz troca von Trier pelos “Piratas das Caraíbas”Há dois anos, Penélope Cruz revelou-se seguidora de Lars von Trier. Em tom de resposta ao piropo, o dinamarquês escreveu um guião para um filme que, por conflitos de agenda, a espanhola acabou de rejeitar. Neste caso, não se trata de abandonar, mas de saltar para o barco: Cruz preteriu “Melancholia” em favor do quarto episódio da saga “Piratas das Caraíbas”.O filme do realizador de “Anticristo” focará o comportamento dos humanos perante a catástrofe da colisão de um planeta enorme com a Terra. Segundo o “El País”, fontes próximas de Cruz garantem que a actriz fez tudo para poder conciliar ambas as rodagens. E também von Trier, dentro das limitações impostas pelo compromisso de apresentar o filme na edição de 2011 do Festival de Cannes, tentou contornar o imprevisto com novas datas.A Buenavista, produtora das aventuras do capitão Jack Sparrow, acabou por pôr um ponto final a todos estes esforços. O início da pré-produção do filme foi antecipado para que a actriz possa melhorar a destreza em actividades como a esgrima. Ainda assim, o maior culpado pelo imbróglio acaba por ser Rob Marshall. Ao ser convidado para dirigir o próximo “Piratas das Caraíbas”, o coreógrafo convertido em director de cinema viu na espanhola, pela qual não esconde admiração, a actriz ideal para suceder a Keira Knightley. O sentimento é recíproco e, entre dois amores, Penélope Cruz escolheu embarcar.

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Depardieu no centro do aff aire DumasGérard Depardieu já foi Obélix, Rodin, Jean de Florette, Cyrano de Bergerac e Tartufo, mas está a ser mais difícil ser Alexandre Dumas. A sua escolha para protagonista do filme“L’Autre Dumas”, de Safy Nebbou, gerou uma veemente polémica em França. Pode um grande actor interpretar uma outra figura maior do imaginário francês, Alexandre Dumas? Pode uma mulher interpretar um homem, um homem interpretar uma mulher, um negro interpretar um branco ou um branco interpretar um

negro? E um mestiço? É disso que aqui se trata. O papel que Gérard Depardieu interpreta no filme do Safy Nebbou (que tem ascendência basca e argelina) é o de um mestiço que descendia de escravos e nas suas memórias se descreveu a si próprio como “um negro de cabelos crespos” que falava com “um sotaque ligeiramente crioulo”. Por causa desse “casting”, o “Le Monde” escreveu que se há filme que mostra que a França em 2010 tem dificuldades em aceitar a sua própria diversidade, num

momento em que se discute a identidade nacional, é este. A decisão de colocar um actor branco, Gérard Depardieu, com uma peruca e uma espessa camada de maquilhagem para parecer negro é “incompreensível e grotesca”, escreve naquele jornal Patrick Lozès, que é co-autor com Bernard Lecherbonnier do livro “Les Noirs Sont-ils des Français à Part Entière ?”. “Imaginar-se-ia alguma vez por um instante que a actriz negra Aïssa Maïga fosse escolhida para interpretar Marguerite Duras ou que o actor

Jimmy Jean Louis fizesse de Emile Zola? A escolha dos produtores do filme, Frank Le Wita e Marc de Bayser é grave”, argumenta. Véronique Cayla, presidente do Centre National de la Cinématographie, veio também a público dizer que “a mestiçagem, bem real, da sociedade francesa não se reflecte nem no cinema nem na televisão”. Os mais optimistas esperam agora que, pelo menos, a polémica sirva para aumentar a diversidade no cinema francês.

amores, Penélope Cruz escolheuembarcar.

Atoms For Peace, a nova banda de Thom YorkeThom Yorke criou uma nova banda e baptizou-a Atoms For Peace. Os inúmeros fãs dos Radiohead podem dormir descansados, pois trata-se de um projecto paralelo, um supergrupo que irá tocar temas originais e extraídos de “The Eraser”, o álbum a solo lançado em 2006 por Yorke. Para os menos familiarizados com os termos do dicionário “musiquês”, supergrupo é o termo utilizado para nomear uma banda constituída por elementos oriundos de diversos projectos musicais. A prática não é nova e já originou bandas como os Cream (Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Barker), os Traveling Wilburys (Bob Dylan, George Harrison e Roy Orbison) ou os mais recentes Them Crooked Vultures (Dave Grohl, John Paul Jones e Josh Homme). No que toca aos Atoms For Peace, ao lado de Yorke reúnem-se o baixista Flea (Red Hot Chili Peppers), o baterista Jay Waronker (que já colaborou com Beck ou com os REM), o percussionista

brasileiro Mauro Refosco e Nigel Godrich na guitarra,

instrumento do qual já havia tomado conta aquando do

lançamento de “The Eraser”. O novo projecto adopta o nome de um tema do mesmo disco, que

também foi título de um discurso a favor da utilização

da energia nuclear para fins pacíficos feito pelo presidente Eisenhower em 1953, na sede das

Nações Unidas, em Nova Iorque. Para a mesma cidade está marcado, no dia 5 de Abril no

Roseland Ballroom, o primeiro concerto da digressão norte-

americana dos Atoms For Peace.

Os Doors têm novo documentário

John Densmore, o baterista dos Doors, diz

que “todas as novas gerações têm um rito de

passagem dos Doors”. O rito de passagem desta geração

chega a 9 de Abril: “When You’re Strange”, o novo

documentário sobre a mítica banda de Jim Morrison realizado por Tom DiCillo, estreia daqui a um mês nos cinemas americanos.Segundo os jornais que estiveram

presentes nos primeiros visionamentos do filme, “When You’re Strange” não traz praticamente nada de novo para um amante dos Doors, a não ser uma sequência de imagens inéditas captadas pelo próprio Jim Morrison enquanto aluno de cinema na Universidade da Califórnia, em 1969. Mas a inteligência cinematográfica de DiCillo, diz a “MoJo”, faz valer a pena ver a história outra vez. E a narração minimalista de Johnny Depp é a cereja em cima do bolo. Densmore diz que Depp “é um ícone como Jim”, e que por isso nos aproxima dele. DiCillo, por seu turno, espera que o seu documentário “permita às pessoas ver melhor os Doors como eles eram”: “Esqueçam a parte do mito, das drogas, do sexo e do álcool, e olhem bem para a banda e para o que ela alcançou”.

“When You’re Strange” inclui uma sequência de imagens inéditas captadas por Jim Morrison enquanto jovem aprendiz de cineasta

A actriz espanhola não vai poder conciliaras fi lmagens do quartoepisódio de “Os Piratas das Caraíbas” com o fi lme-catástrofe de von Trier

Yorke chamou Flea, dos Red Hot Chili Peppers,para o seu supergrupo

No fi lme de Safy Nebbou, o escritor “negro de cabelos crespos” é o branco (e portanto muito polémico) Gérard Depardieu

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Apoio:

Consulte a agenda cultural Fnac em

AGENDA CULTURAL FNACentrada livre

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO

EXPOSIÇÃO

NOCTURNOSDesenhos da trilogia As Aventuras de Filipe SeemsPor António Jorge Gonçalves e Nuno Artur SilvaO universo de Filipe Seems, um detective muito particular que é na realidade um programador de histórias, centra-se no espaço da Cidade – uma Lisboa futura que cruza épocas e referências literárias.

01.03. - 19.05.2010 FNAC NORTESHOPPING

LANÇAMENTO

AS INCRÍVEIS AVENTURAS DE DOG MENDONÇA E PIZZABOYde Filipe Melo e Juan CaviaUma novela gráfica que conta a história de um distribuidor de pizzas, um ex-lobisomem e um demónio.

APRESENTAÇÃO

JIMI HENDRIX - 40 ANOS DEPOISCom Álvaro Costa e Zé Pedro (Xutos&Pontapés)O jornalista Álvaro Costa e o músico Zé Pedro vão estar à conversa, no Fórum Fnac, com muita música e vídeos à mistura, sobre um dos maiores músicos de todos os tempos.

AO VIVO

LUFA LUFAFoledadLufa Lufa é um projecto de música instrumental para concertina e percussão que percorre distintas linguagens musicais, com uma forte componente visual e cénica.

AO VIVO

CAFÉ ZIMMERMANND.Quixote, Cantatas para Salão do Século XVIIIConsiderado um dos melhores agrupamentos de música clássica do Mundo, o Café Zimmermann vem à Fnac apresentar o seu último trabalho.

08.03. 17H00 FNAC CHIADO

08.03. 21H30 FNAC ALFRAGIDE09.03. 18H30 FNAC CHIADO10.03. 21H30 FNAC COLOMBO

06.03. 18H00 FNAC STA. CATARINA06.03. 21H30 FNAC BRAGA

10.03. 21H30 FNAC COIMBRA11.03. 20H00 FNAC CHIADO

10.03. 22H00 FNAC NORTESHOPPING

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6 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

A ambição é a de produzir em 2010 uma cerimónia dinâmica e sem “palha”; o próprio sistema de votação foi revisto para procurar que os resultados sejam mais representativos do ano cinematográfico

Ca

pa A 26 de Março de 1990, tinha lugar no

Dorothy Chandler Pavilion, em Hollywood, a 62.ª entrega dos Ósca-res da Academia.

Das cinco produções nomeadas para Melhor Filme, os espectadores portugueses apenas tinham ainda ti-do oportunidade de ver três. “Clube dos Poetas Mortos” tinha sido o único a estrear antes das nomeações. “Miss Daisy”, o vencedor do ano, e “Nasci-do a 4 de Julho” estrearam-se no mês entre as nomeações e a cerimónia. Os outros dois candidatos, “O Meu Pé Esquerdo”, que valeria a Daniel Day-Lewis o Óscar de Melhor Actor, e “Campo de Sonhos”, só se estreariam já depois dos prémios atribuídos. Mas todos eles haviam chegado a Portugal com uma “décalage” de semanas, quando não meses, sobre a estreia original americana.

Vinte anos depois, os Óscares já não têm os mesmos segredos que tinham quando ainda só havia um canal pú-blico que exibia apenas o “compacto” da cerimónia no dia a seguir e não sabíamos quem eram Daniel Day-Lewis, Morgan Freeman, Denzel Wa-shington ou Julia Roberts, todos eles vencedores ou nomeados para pré-mios em 1990. A globalização trazida

pela Net, pela televisão por cabo, pe-la velocidade com que as imagens e as notícias viajam pelo mundo fora tornaram impossível chegarmos aos Óscares ignorando o percurso que os filmes fizeram até serem nomeados, as controvérsias que possam ter atra-ído, o sucesso ou fracasso que encon-traram nas bilheteiras.

O próprio modo como a distribui-ção e a exibição evoluíram significa que hoje já não podemos chegar “vir-gens” aos Óscares. As grandes produ-ções passaram a chegar às salas de todo o mundo em simultâneo com a estreia americana, e o modo como os estúdios começaram a posicionar os filmes em função das eventuais no-meações e os agentes de vendas ne-goceiam os contratos de distribuição passou a pesar no modo como o “ma-rketing” internacional é coordenado. Hoje, seria impensável que dois em cinco nomeados para melhor filme apenas se estreassem depois dos pré-mios já terem sido entregues.

Vejamos: a dois dias da entrega dos Óscares 2010, que este ano retoma pela primeira vez em 60 anos dez can-didatos a melhor filme, só um dos nomeados ainda não chegou às salas portuguesas. “The Blind Side”, de Jo-

hn Lee Hancock, é ambientado no meio do futebol americano, temática que tem peso nas bilheteiras dos EUA mas é problemática nos mercados globais. E só depois da vitória de San-dra Bullock como melhor actriz dra-mática nos Globos de Ouro é que o filme entrou nos mapas de estreias internacionais, quando o estúdio per-cebeu que tinha uma “âncora” a que se agarrar para vender o filme nos mercados estrangeiros.

Dos restantes nove nomeados, três estrearam-se em Portugal no mês que decorreu desde as nomeações e a en-trega – “Precious”, “Um Homem Sé-rio” e “Uma Outra Educação” – e to-dos os restantes já tinham chegado alinhados com o lançamento interna-cional (dois deles, “Estado de Guerra” e “Distrito 9”, até já saíram em DVD).

Mas, mesmo que um ou outro filme possa ter chegado mais cedo ou mais tarde, a verdade é que já todos sabe-mos os detalhes sobre os nomeados. Já sabemos que os funcionários que George Clooney despede em “Nas Nuvens” são verdadeiros desempre-gados, que “Precious” levantou con-trovérsia nos EUA pelo retrato da co-munidade negra, que “Avatar” tem

têm pés de bOs Óscares

É um ano crucial para os Óscares: pela primeira vez desde 1943 há dez candidatos a Melhor Filme, tentativa de abrir os

prémios a fi lmes mais populares e “estancar” a hemorragia das audiências televisivas. À beira da cerimónia – dia 7 – olhámos

para os últimos 20 anos de Óscares. O que é que mudou? Têm agora pés de barro? Jorge Mourinha

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Tarantino quando ainda era um “cão danado” para o “establish-ment”, situação que “Inglourious Basterds” tratou de corrigir; o Hannibal de Anthony Hopkins (Óscar em 1992)

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8 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

sido chamado de antiamericano pelos conservadores mais renhidos.

Há vinte anos, não teríamos sabido nada disto. Chegávamos aos nomea-dos com outra inocência: víamo-los pelo seu valor enquanto filme, alheios às controvérsias ou à sensação que tivessem criado internacionalmente. Víamo-los com um outro distancia-mento e um outro prazer, sem agen-das nem meses de cobertura mediá-tica que nos revelava os segredos das rodagens.

Mas, mesmo nessa altura em que sentíamos que os Óscares eram um prémio que reflectia verdadeiramen-te o grande cinema, não tínhamos conhecimento de toda a história. Por-que o facto de recebermos a informa-ção “filtrada” preservava a magia e o “glamour” dos prémios. Tínhamos a ideia dos Ósca-

res como “o” prémio de cinema por excelência. E à medida que começá-mos a saber cada vez mais sobre o processo, que começámos a compre-ender o peso dos lóbis e da indústria e do sucesso, a magia foi-se diluindo. Hoje, sabemos mais do que alguma vez soubemos sobre o modo como um filme chega às nomeações – e por que é que um filme chega às nomea-ções. Acompanhamos todo o proces-so de antecipação, de aposta e previ-são e sugestão, que começa logo no final do ano quando os estúdios po-sicionam o lançamento dos filmes que gostariam de ver em Fevereiro nos nomeados e se prolonga pelos galar-dões das associações de críticos e téc-nicos e actores e jornalistas e realiza-dores, e pelos Globos de Ouro que continuam a ser vistos como o melhor “barómetro”. E quando as nomeações finalmente saem já todos vimos ou ouvimos falar dos filmes, já temos a opinião formada ou concebida sobre eles. No processo, perdemos o misté-rio e a distância que nos permitiam olhar para os filmes enquanto fil-mes.

A televisão comandaMas se já não conseguimos ver os Ós-cares nesse vazio que nos permitia olhar apenas para o cinema, continu-amos, paradoxalmente, a achar que eles são a última palavra sobre os me-lhores do ano, que o seu vencedor é intocável, como se fossem a bitola global pela qual qualquer filme deve ser medido.

Olhemos para os dez melhores fil-mes de sempre segundo o American Film Institute.

O melhor filme de sempre é “O Mundo a Seus Pés” (1941), de Orson Welles, seguido de “O Padrinho” (Francis Ford Coppola, 1972), “Casa-blanca” (Michael Curtiz, 1942), “O Touro Enraivecido” (Martin Scorsese, 1980), “Serenata à Chuva” (Gene Kelly & Stanley Donen, 1952), “E Tudo o Vento Levou” (Victor Fleming, 1939), “Lawrence da Arábia” (David Lean, 1962), “A Lista de Schindler” (Steven Spielberg, 1993), “A Mulher que Viveu Duas Vezes” (Alfred Hitchcock, 1958) e “O Feiticeiro de Oz” (Victor Fleming, 1939). Filmes clássicos, unânimes.

Destes dez, apenas cinco recebe-ram o Óscar de Melhor Filme. “O Mundo a Seus Pés” foi nomeado, mas perdeu para “O Vale Era Verde” (1941), de John Ford. “O Touro Enraivecido” foi nomeado, mas perdeu para “Gen-te Vulgar” (1980), de Robert Redford. “Serenata à Chuva” e “A Mulher que Viveu Duas Vezes” apenas foram no-meados para categorias técnicas (nes-ses anos, ganharam “O Maior Espec-táculo do Mundo”, de Cecil B. de Mil-le, e “Gigi”, de Vincente Minnelli). “O Feiticeiro de Oz” perdeu para “E Tu-do o Vento Levou”.

A verdade é que os Óscares nunca foram um prémio da crítica. Nem nunca reflectiram os gostos das audi-ências globais. Quem vota nos Ósca-res são os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, ou seja, os profissionais do cinema americano (actores, reali-zadores, argumentistas, directores de fotografia, cenografistas, figurinistas, sonoplastas, técnicos), e os filmes ele-gíveis para as nomeações têm de ter tido exibição em sala nos circuitos americanos, com excepções pontuais (o prémio de melhor filme estrangei-ro é atribuído a partir de uma “elimi-

natória” de filmes seleccionados pelos seus países de origem).

Os Óscares nunca tiveram, em su-ma, pretensões a serem mais do que um prémio da indústria americana, atribuído às produções americanas por um júri de pares, e dirigido prio-ritariamente para aquilo que ficou conhecido como “filme de prestígio”, de tema sério e abordagem artística.

E se ganharam importância global ao longo dos anos, isso deve-se à po-derosa máquina mediática dos estú-dios, ao peso crescente que o cinema americano foi ganhando na exibição global após a II Guerra, ao “star-sys-tem” que Hollywood impôs e que os países com indústrias mais resistentes foram decalcando à sua imagem. Num “loop” de “feedback” que se foi refi-nando com o tempo, a popularidade do cinema americano e a importância dos Óscares foram-se alimentando mutuamente, sobrevivendo à lenta erosão do sistema de estúdios que alimentou a indústria durante a pri-meira metade do século XX. E a pró-pria televisão, que foi a certa alturta “alvo a abater” pelo cinema, acabou por trazer o seu apoio à “festa do ci-nema”, vendo na transmissão em di-recto da cerimónia a oportunidade

Em 1998, a vitória de “Titanic” foi a cerimónia mais vista de sempre, 57,2 milhões de espectadores; dez anos mais tarde, vitória para “Este País Não é Para Velhos”, audiências de 31,7 milhões, as mais baixas em 20 anos; no ano passado, 36,9 milhões celebraram com “Quem Quer Ser Bilionário”

Em 1990, “Miss Daisy” foi o grande vencedor dos Óscares e a cerimónia foi vista por 40,22 milhões de espectadores

Há vinte anos chegávamos aos nomeados com outra inocência: víamo-los pelo seu valor enquanto filme, alheios às controvérsias ou à sensação que tivessem criado internacionalmente. Víamo-los com um outro distanciamento e um outro prazer, sem agendas nem meses de cobertura mediática que nos revelava os segredos das rodagens

Michael Moore: Óscar para o Melhor Documentário em 2003, mas falhou a nomeação para “Fahrenheit 09/11”

conhecimento de toda a história. Por-que o facto de recebermos a informa-ção “filtrada” preservava a magia e o “glamour” dos prémios. Tínhamos a ideia dos Ósca-

das rodagens

Era 1995, logo após “A Lista de Schindler”, a Academia precisou de um bálsamo à maneira de James Stewart, “Forrest Gump”, e fugiu a sete pés de “Pulp Fiction”

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 9

1. Qual foi o Óscar mais mal entregue na história da Academia?2. Qual a maior injustiça da Academia, o Óscar que nunca foi dado e deveria ter sido?3. Qual a sua aposta emocional para este ano? Quem ou que filme gostaria ver receber um Óscar?

Victor Afonso, autor do blogue O Homem Que Sabia Demasiado1. Em 1981, o melodrama meloso de Robert Redford, “Gente Vulgar”, arrecadou o Óscar de Melhor Filme. Como foi possível ter sido o vencedor

quando na competição estavam obras como “Raging Bull” de Scorsese e “The Elephant Man” de Lynch?2. Jerry Lewis é um génio subvalorizado. Recebeu em 2009 o “Jean Hersholt Humanitarian Award”, mas deveria ter recebido

também, e sobretudo, um “Honorary Oscar” pelo conjunto da sua carreira como actor e realizador. O compositor Danny Elfman foi nomeado 4 vezes na categoria Melhor Banda Sonora e nunca ganhou (e deveria ter ganho, pelo menos, com a música que compôs para “Eduardo Mãos de Tesoura”).3. Se é uma aposta “emocional”, então gostaria de ver Kathryn Bigelow levar para casa o Óscar de Melhor Realizador pelo excelente “The Hurt Locker”, em detrimento do seu ex-marido James Cameron e do próprio Quentin Tarantino por “Inglorious Basterds”.

Herman José, humorista1. No ano em que nasci, 1954, o Óscar para a melhor actriz foi para a frágil

Grace Kelly em vez de premiar o desempenho da Judy Garland em “A Star Is Born”.2. A Gloria Swanson merecia o Óscar em 1950 pela sua Norma Desmond no meu filme de culto, “Sunset Boulevard”. Ganhou uma tal de Judy Holliday. Já o Óscar para o melhor filme desse ano

calhou a uma outra obra prima, “All About Eve”, com a genial Bette Davis.3. Adorei o “District 9”. Acho uma obra-prima de ficção.

João Tordo, escritor1. Quanto ao Óscar mais mal entregue, vou já antecipar os resultados deste ano e avanço com o Óscar de Melhor Filme para “Avatar”, uma estopada de duas horas e meia que quase me fez vomitar por causa das três dimensões. Sobretudo num ano em que há um filmezinho chamado “An Education”

que é brilhante e mereceria essa estatueta. Mas enfim.2. A maior injustiça é evidente para todos, “Taxi Driver”, em 1976. Em vez deste ganhou “Rocky”, um filme

e os meus óscares iriam para...

de aproveitar o “star-system” em seu favor. Ao ponto em que, hoje, é a te-levisão que comanda os Óscares.

Há vinte anos, quando “Miss Daisy” ganhou, 40 milhões de pessoas assis-tiram em directo à cerimónia de en-trega. Em 1998, quando “Titanic” ganhou, a transmissão teve 57 milhões de telespectadores. Em 2009, o ano da vitória de “Quem Quer Ser Bilio-nário?”, apenas 37 milhões de espec-tadores assistiram à cerimónia – e isto quando muitos países estrangei-ros (Portugal inclusive) já exibem a transmissão em directo durante a ma-drugada e cada vez mais gente sabe dos vencedores instantaneamente.

Para onde foram os vinte milhões perdidos em dez anos, ainda por cima numa altura em que a audiência glo-bal potencial da transmissão é maior do que nunca? Para o cabo? Para a Internet? Para o DVD? Ou, tão-só, pa-ra a concorrência televisiva dos “re-ality-shows”, das “sitcoms” ou do desporto, desinteressados de uma ocasião que parecia apostada em pre-miar filmes que pouco ou nada ti-nham ressoado fora de um nicho de espectadores?

A busca do consensoA verdade é que, ao longo dos últimos vinte anos, Hollywood mudou mais do que tínhamos reparado. Há vinte anos, os estúdios estavam já a deixar de funcionar à imagem da sua “era de ouro”, em que ofereciam uma gama completa de produções de todos os géneros para todos os públicos, e co-meçavam a concentrar-se nas “tent-poles” – os “blockbusters” cheios de efeitos visuais e/ou estrelas que ga-rantem um mínimo de sucesso global e que, por isso, precisam de ser redu-zidos ao mínimo denominador co-mum – ou em fitas de género de pro-

dução barata que pudessem ser rentabilizadas facilmente.

O “meio termo” do fil-me de prestígio ou do

drama adulto, dirigido a um público mais di-fícil de convencer a ir ao cinema, foi “cedi-do” pelos estúdios

às divisões subsi-diárias ou às independen-tes ambiciosas

nascidas durante a ascensão do cine-

ma “indie” america-no, que começou por

ser feito à margem e mos-trado no festival de Sun-

dance. Filmes osca-rizados como “O

Paciente In-glês” (An-

thony Min-g h e l l a , 1996), “O

Pianista” (Roman Polanski, 2002), “Capote” (Bennett Miller, 2005), “Tra-ffic” (Steven Soderbergh, 2000), “O Segredo de Brokeback Mountain” (Ang Lee, 2005), “A Paixão de Shakes-peare” ( John Madden, 1998), “Chica-go” (Rob Marshall, 2002), “Colisão” (Paul Haggis, 2004) ou “Quem Quer Ser Bilionário?” (Danny Boyle, 2008) vieram precisamente dessa “falsa in-dependência”. E os bons ofícios dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, fun-dadores da Miramax, a pequena in-dependente que se tornou numa in-dústria de filmes de prestígio, foram em simultâneo a melhor e a pior coi-sa que podia acontecer ao cinema americano, revelando cineastas im-portantes (Steven Soderbergh, Quen-tin Tarantino) mas também conver-tendo o “indie” num centro de for-mação para uma futura carreira “mainstream”.

Ora, a maior parte dos filmes que a Academia escolheu nomear ao lon-go dos últimos anos vieram precisa-mente dessa “segunda divisão” de obras aclamadas pela crítica mas com resultados comerciais modestos. Já sabíamos que há coisas que não se podem esperar dos Óscares: as comé-dias raramente são nomeadas, os fil-mes de género e “blockbusters” dão por si cantonados às categorias técni-cas. Mas 2008, o ano em que a trans-missão teve a sua pior audiência de sempre – apenas 30 milhões de teles-pectadores –, foi também o ano em que os cinco filmes nomeados foram os menos vistos de sempre (“Este Pa-ís Não É para Velhos”, dos irmãos Co-en, “Expiação”, de Joe Wright, “Ha-verá Sangue”, de Paul Thomas Ander-son, “Juno”, de Jason Reitman, e “Michael Clayton”, de Tony Gilroy, quase todos provenientes das subsi-diárias independentes dos grandes estúdios). E, em 2009, um dos poucos filmes recentes a conseguirem conci-liar o êxito comercial e o respeito dos críticos, “O Cavaleiro das Trevas”, de Christopher Nolan, não foi sequer nomeado para melhor filme.

Como comentava Patrick Goldstein, colunista do jornal “Los Angeles Ti-mes”, “o que conta mais para os vo-tantes nos Óscares é a aspiração ar-tística, não o aplauso dos espectado-res que enchem os multiplexes americanos”.

Perante estes dados, a Academia viu-se forçada a repensar o sistema de nomeações. Sem filmes que o pú-blico reconheça, as audiências televi-sivas sofrem. Sem audiências, as re-ceitas da Academia caem a pique, porque são essas receitas que mantêm a associação a carburar. E, como ex-plicou ao PÚBLICO o crítico britânico David Thomson, essas receitas man-têm vivo um dos mais riquíssimos arquivos cinematográficos do mundo, possibilitam o restauro e o arquivo em boas condições de obras clássicas do cinema americano, contribuem para a construção do Museu do Cinema que decorre actualmente em Los An-geles. Logo, é no interesse da Acade-mia que a transmissão televisiva tenha audiência e ressonância pública, é no interesse da Academia que os filmes nomeados sejam conhecidos.

Evidentemente, isso depende tam-bém do ano cinematográfico mas, de repente, percebemos que aquilo que está em jogo nos Óscares, este ano mais do que em anos anteriores, tal-vez até mais do que nunca, não é, nunca foi, nunca será “o melhor filme do ano”, “a melhor actriz do ano”, “o melhor realizador do ano”. O que es-tá em jogo é, apenas, a relevância de uma cerimónia que se tornou num “farol” à volta do qual se busca um consenso entre o êxito e o prestígio, a qualidade e a quantidade, o “gla-mour” e a seriedade. E, paradoxal-mente, é dessa relevância mediática que depende o prosseguimento de um trabalho historiográfico rigoroso – é como se, mal comparado, o traba-lho de restauro do ANIM estivesse inteiramente dependente da audiên-cia dos Globos de Ouro da SIC.

Por isso, 2010 é um ano determi-nante para os Óscares. Pela primeira vez desde 1943, há dez candidatos a Melhor Filme, numa tentativa de abrir os prémios a filmes mais populares e de maior sucesso e assim prosseguir a subida de audiências que se sentiu em 2009, garantindo, como dizia fon-te da Academia ao “New York Times”, que “havia um pouco de tudo para todos os gostos”. A ambição é a de produzir uma cerimónia dinâmica e sem “palha” – os prémios honorários foram já despachados num jantar pri-vado, e um dos produtores, Bill Me-chanic, disse ao “New York Times” que idealmente a entrega não deveria durar mais de três horas – e o próprio sistema de votação foi revisto para procurar que os resultados sejam mais representativos do ano cinema-tográfico. Tudo em nome de “estan-car” a hemorragia das audiências que ameaça o futuro da Academia e, por extensão, dos Óscares.

Tudo porque os Óscares não mu-daram: insistem em premiar uma ideia de cinema popular de qualida-de, acessível sem ser esotérico e co-mercial sem ser imbecil, um “meio termo” que consiga agrupar à volta uma larga faixa de espectadores. Con-tinuam a procurar um consenso que, nestes dias intensamente mediatiza-dos onde quase já nem há tempo pa-ra pensar, talvez seja tão utópico co-mo a ideia de que ainda é possível reunir 50 milhões de espectadores à volta de um ecrã televisivo para uma ocasião única e irrepetível. Talvez te-nham razão. Mas a verdade é que os Óscares não mudaram. Nós, sim.

As datas indicadas dizem respeito ao ano da carimónia, da efectiva entrega

No ano de “Taxi Driver” ganhou “Rocky”

Gloria Swanson no seu “come back”, “Sunset Boulevard”

Jerry Lewis: um génio subvalorizado

mum – ou em fitas de género de pro-dução barata que pudessem ser

rentabilizadas facilmente.O “meio termo” do fil-me de prestígio ou do

drama adulto, dirigido a um público mais di-fícil de convencer a ir ao cinema, foi “cedi-do” pelos estúdios

às divisões subsi-diárias ou às independen-tes ambiciosas

nascidas durante a ascensão do cine-

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ser feito à margem e mos-trado no festival de Sun-

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Os Óscares continuam a procurar um consenso que, nestes dias intensamente mediatizados, talvez seja tão utópico como a ideia de que ainda é possível reunir 50 milhões de espectadores à volta de um ecrã televisivo para uma ocasião única e irrepetível

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com um argumento decente mas que tinha a infelicidade de ter Stallone como protagonista. “Rocky” melhor filme do que “Taxi Driver” é como dizer que a novela da TVI é melhor que “Os Sopranos”.3. Uma vez mais: “An Education”. Um filme brilhante sobre uma rapariga adolescente e um homem mais velho, em Inglaterra, que tem um “twist” emocional magnífico e uma interpretação notável de Peter Saasgard e Carey Mulligan.

Lauro António, crítico e realizador1. Julgo que se têm de perceber os Óscares por aquilo que são e não por aquilo que gostaríamos que fossem. Destinam-se a premiar os melhores numa dupla perspectiva: de arte e de indústria. Numa perspectiva de entretenimento, de espectáculo e também de cultura cinematográfica. Pedir outra coisa aos Óscares é como chegar a um consultório médico e pedir para nos defenderem na barra do tribunal. Ou se aceitam como são, como a grande festa de Hollywood, ou não se aceitam. Há muito por onde escolher. Depois, cada atribuição de prémios, Óscares ou não, tem muito de circunstancial, depende do “estado do tempo”, da conjuntura, dos interesses que se jogam nesse momento. Por mim, poderia dizer que há dezenas e dezenas de Óscares mal atribuídos, e depois? Fernando Pessoa não foi preterido por um poeta de que hoje ninguém se recorda? Algum mal resultou disso?2. O processo que leva à atribuição dos Óscares – votação de membros da Academia, por categorias, ou na globalidade (melhor filme do ano), ou por comissão (melhor filme em língua não inglesa) – não permite o que se pode chamar justiça ou injustiça. É o resultado de uma soma, e a esta soma não pode ser assacada qualquer responsabilidade moral. Quanto maior o número de votantes, menor a responsabilidade individual, logo a possibilidade de julgamento. Pode haver injustiças praticadas pelo inconsciente (ou consciente) colectivo, mas acontecem. As deliberadamente cometidas são muito mais graves.Mas que há lacunas graves, lá isso há. Falando só de realizadores norte-americanos, ou que, sendo estrangeiros, trabalharam abundantemente nos EUA, houve vários que nunca receberam um Óscar. São alguns dos maiores nomes da História do Cinema: Robert Altman, Richard Brooks, Tim Burton, John Cassavetes, Charles Chaplin, D.W. Griffith, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Buster Keaton, Stanley Kubrick, Fritz Lang, Ernst Lubitsch, George Lucas, David Lynch, Terrence Malick, F.W. Murnau, Alan J. Pakula, Sam Peckinpah, Arthur Penn, Otto Preminger, Robert Rossen, King Vidor, Josef von Sternberg, Orson Welles, e tantos outros. Alguns foram compensados com Óscares de

1. Qual foi o Óscar mais mal entregue na história da Academia?2. Qual a maior injustiça da Academia, o Óscar que nunca foi dado e deveria ter sido?3. Qual a sua aposta emocional para este ano? Quem ou que filme gostaria ver receber um Óscar?

Num dos anos mais fortes, 2000, “Beleza Americana” derrotou “Magnólia”

George W. Bush dizia que a História se encarregará de o julgar (positiva-mente, crê) pelos seus oito anos à frente de um país e a correr atrás de um punhado de outros – do Iraque ao Afeganistão, do Irão ao Paquistão. Daqui a 20 anos, o mundo achará o que bem entender do reinado de D. “Dubia” I, embora se preveja que a coisa não lhe saia como desejaria. É o mesmo tipo de sentimento que ti-veram, já em 1991, os espectadores de uns Óscares mais agregadores de massas, mais transversais e pré-Inter-net, ao perceber que, em ano de “Goodfellas – Tudo Bons Rapazes” ou “O Padrinho III”, o grande vencedor foi “Danças com Lobos”. Há momen-tos assim, em que, mesmo sem a dis-tância ou o Google que nos dão pers-pectiva sobre as coisas, sabemos logo que estamos perante perversões da realidade. Que, um dia, serão tema de compêndio.

Ora a História do cinema não se faz de Óscares e prémios lustrosos pre-cedidos por passadeiras vermelhas e sessões de intensa preparação esté-tica. Mas se por vezes são sintomas sociais, noutras são sinais de circuns-tância, cataventos comerciais. Só as-sim se explica que o melhor filme do ano 1999 tenha sido o “crowdpleaser” “A Paixão de Shakespeare” (1998), feito para os domingos à tarde na te-levisão mas que nem aí tem sido vis-to, num ano em que havia “A Vida É Bela”, “Barreira Invisível” ou “Ho-mem na Lua”. “Shakespeare” venceu numa América à beira de um “impe-achment” com o escândalo Lewinski sobre Clinton e Gwyneth Paltrow, chorosa e cor-de-rosa, foi marcante para a Academia. Mas é Jim Carrey que fica para a posteridade – foi Ro-berto Begnini que venceu na catego-ria de melhor actor.

Anos antes, em 1995, o mesmo acontecia com a caixa de chocolates que simbolizava a vida de um homem simples: era mais doce do que o ham-burguer mal passado com cocaína à

mistura de “Pulp Fiction”, e por isso “Forrest Gump” tudo recebeu. “Pulp Fiction” foi deixado para trás pela sacarina “feel good” de Forrest.

Foi passar do preto ao branco. A Academia emergia do niilismo, do “grunge”, do minimalismo e da cul-tura anti- “glamour” dos 90s. Em 1992 premiara “O Silêncio dos Inocentes”, protagonistas e realizador. No ano seguinte, o crespuscular “Imperdoá-vel”, de Eastwood. Em 1994, o co-inventor dos “blockbusters” regres-sava às suas origens judaicas: “A Lis-ta de Schindler” de Spielberg, comoveu o planeta com o íman dra-mático, para as massas, que é o na-zismo, o Holocausto e o preto e bran-co. Na mesma cerimónia, “Filadélfia”, Óscar para Tom Hanks e laços verme-lhos anti-sida, discurso emotivo, e Holly Hunter seca e dorida em “O Pia-no”. E foi assim que, depois disso, houve o tal Prozac para a Academia: 1995, “Forrest Gump”, Óscares para o filme, Tom Hanks e Robert Zeme-ckis.

A televisão e o DVDO problema está em nós, provavel-mente, pelas expectativas criadas. Afinal, é só uma cerimónia de pré-mios, é só uma linha numa capa de DVD. Claro que há um efeito nas bi-lheteiras e nas vendas de DVD. Mas uma lista de 20 anos de Óscares é ape-nas a soma das “respostas viscerais de seis mil votantes” a cada ano, lem-bra Robert Thompson. O director do Centro Bleier de Cultura Popular da Universidade de Syracuse frisa ao Íp-silon que estes prémios são “um fes-tival sagrado de Hollywood” e que é difícil querer aferir tendências a par-tir deles – são circunstanciais. E têm uma âncora fortíssima – são um dos maiores eventos televisivos mundiais – e a Academia sabe que nos anos em que muito nomeia um filme popular, consegue belas audiências.

Um dos fenómenos do início do século foi “O Senhor dos Anéis” e em

2004 o Óscar de melhor filme e rea-lizador foi para o derradeiro capítulo “O Regresso do Rei”. Reconhecimen-to avassalador (onze prémios; a certa altura o anfitrião Billy Crystal atestou: “É oficial. Já não resta ninguém a quem agradecer na Nova Zelândia”), tudo pela adaptação de uma trilogia de “pedigree” literário e ressonância mundial. Mais uma vez, o espectácu-lo televisivo recuperou o fôlego per-dido desde 2001 (43,5 milhões de espectadores).

Os Óscares de “Forrest Gump” fo-ram os segundos mais vistos da déca-da (48,87 milhões de espectadores), só suplantados pela cerimónia de 1998, campeã dos últimos 20 anos – 57,25 milhões, número tão impres-sionante como as onze estatuetas do filme desse ano: “Titanic”, o iceber-gue que bateu “Boogie Nights”, “Ja-ckie Brown” e “O Futuro Radioso”.

“Titanic”, com vários barris de me-lodrama a bordo, era também açuca-rado e o filme-mais-visto-de-sempre. Isto até o seu realizador reincidir (des-ta vez em 3D) e dar “Avatar” ao mun-do, à Academia e à cadeia televisiva ABC – todas dependentes dele para tentar nova subida nas audiências do espectáculo, para valorizar a cerimó-nia, para a tornar num evento global em que todos podem dizer “Eu vi es-te filme” e agora partilho os seus lou-ros, como no desporto. Como só umas centenas de milhares viram “Um Homem Singular”, de Tom Ford, o filme não chega à lista alargada de dez candidatos a melhor filme?

“‘Titanic’ não foi de forma alguma um dos melhores filmes de sempre”, comenta Thompson, e “o Óscar foi para um enorme ‘blockbuster’ que toda a gente foi ver seis vezes. Esses Óscares são os menos úteis, porque ninguém precisava de ser apresenta-do a ‘Titanic’. Se ‘Avatar’ receber os Óscares... se alguém ainda não viu ‘Avatar’, não serão os Óscares a con-vencê-lo. Quem ainda não viu, obvia-mente não quer ver”.

O Óscar no baNo ano de “Goodfellas” ganhou “Danças com Lobos”. Forrest Gump r

na Lua”. Vamos a tribunal. Joana Amaral “Goodfellas”: preterido em favor de “Danças com Lobos” - 1991

Stanley Kubrick: a galeria dos notáveis sem Óscares

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carreira, mas nunca um filme seu justificou uma estatueta. Em vez dos Óscares que não deviam ter sido atribuídos, prefiro sublinhar os que deveriam e não foram. Mas a Academia, em muitos casos, corrigiu a aritmética, com os “Honorary Award” ou os “Thalberg Award”.3. Há vários candidatos possíveis. Julgo que o rei da noite vai ser “Avatar” e, de alguma forma, com justiça. É uma revolução no campo do cinema e um grande filme. A indústria precisa de renovação, de trazer de volta os espectadores às salas, e filmes como “Avatar” conseguem-no, com inteligência, sensibilidade e curiosas motivações políticas e ambientalistas. Ficará como um dos símbolos da era Obama. Depois há filmes de que gosto muito, “Estado de Guerra”, “O Laço Branco”, nalgumas categorias “Nas Nuvens”, “Sherlock Holmes”, “Nine”, “Julie & Júlia”, e entramos nos actores, Colin Firth, Jeff Bridges ou George Clooney, Meryl Streep ou Sandra Bullock, Christoph Waltz ou Vera Farmiga. E a fotografia de Christian Berger, do “Laço Branco”. Gostava de ver reconhecido o talento de Kathryn Bigelow.

valter hugo mãe, escritor1. Em 1976 o “Rocky” ganha o melhor filme contra o “Taxi Driver” de Scorsese. Parece uma anedota, pena que não seja.2. Vários. Para considerar apenas a categoria de melhor filme, o “Citizen Kane”, de Orson Welles (em 1941), a

“Laranja Mecânica” do Kubrick (em 1971), o “Taxi Driver” do Martin Scorsese (em 1976) ou o “Pulp Fiction” do Tarantino (em 1994).3. O candidato mais valioso, para mim, é o “Inglorious

Basterds” do Quentin Tarantino. Tarantino é um mestre da acção, conseguindo criar uma fórmula excelente que não perde nunca o pendor mais inteligente do argumento junto a uma componente de grande entretenimento. Eu gostava de o ver ganhar absolutamente. E Cristoph Waltz tem de levar a estatueta de melhor actor secundário para que está nomeado. O seu desempenho é glorioso. Sem isto, os Óscares serão, mais uma vez, uma porcaria.

Albuquerque Mendes, artista plástico1. O Óscar mais mal entregue do cinema vai para...em 1956 ano em que concorreu “Gigante” com James Dean o Óscar foi para... “A volta ao mundo em 80 dias”.2. Stanley Kubrick nunca teve um Óscar3. Tarantino sempre...

1. Qual foi o Óscar mais mal entregue na história da Academia?2. Qual a maior injustiça da Academia, o Óscar que nunca foi dado e deveria ter sido?3. Qual a sua aposta emocional para este ano? Quem ou que filme gostaria ver receber um Óscar?

2. Stanley Kubrick nunca teve umÓscar3. Tarantino sempre...

Uma lista de 20 anos de Óscares é apenas a soma das “respostas viscerais de seis mil votantes” a cada ano,lembra Robert Thompson, director do Centro Bleier de Cultura Popular da Universidade de Syracuse

anco dos réusp roubou Quentin Tarantino. A Jim Carrey faltou o Óscar por “Homem al Cardoso

Depois de “Titanic” (1998), as águas mudaram novamente. Aquilo que foi filmado em 1999, em clima de fim de milénio com medo do vírus Y2K, e aquilo que chegou às mãos dos mais de seis mil membros da Academia foi algo completamente diferente da sa-fra da década anterior. Um mês antes de serem conhecidas as nomeações, uns Rage Against The Machine em fim de vida tocavam “Sleep Now in The Fire” em frente à bolsa de Nova Ior-que, em frente a câmara de Michael Moore. Em Abril do ano anterior, Co-lumbine entrava no mapa do mundo pelo tiroteio que um dia Gus Van Sant viria a reimaginar. O Napster tinha meses de vida e a guerra no Kosovo e a intervenção da NATO ainda chei-rava a fresco. Filmes para os Óscares nesse ano de transição? A Academia escolheu “Beleza Americana” (filme, actor, realizador), uma América de-generada mas ajardinada. Escolheu também “Os Rapazes Não Choram” (o primeiro Óscar para Hillary Swank), “Vida Interrompida” (Angelina Jolie a suplantar Winona Ryder) e, fora es-tes ícones da exclusão, o resto foi pai-sagem. Esse não foi o ano de “Mag-nólia”, mas podia ter sido. Nomeado para três estatuetas (actor secundário – Tom Cruise –, argumento original e canção original), Paul Thomas Ander-son não conseguiu deixar a sua mar-ca na Academia. E o mesmo aconte-ceu ao “one off” de David Lynch, “Uma História Simples”.

Em 2000 fizeram-se escolhas qua-se tão sintomáticas quanto as do ano passado, 2009, com “Quem Quer Ser Bilionário?” a enternecer um planeta assustado pela recessão; ou quanto as de 2006, com as “questões fractu-rantes” na mira da Academia: “Coli-são”, com o tema da discriminação racial, foi considerado o melhor fil-me, os vaqueiros “gay” deram o Óscar do melhor realizador a Ang Lee (“O Segredo de Brokeback Mountain”) e George Clooney pôs o Médio Oriente em “Syriana” (melhor secundário) –

ainda assim, a leitura feita à época foi a de falta de coragem ou vontade dos votantes em ver “Brokeback Moun-tain” a triunfar como melhor filme. Mas, lá está: a transmissão televisiva foi das menos vistas de sempre. Não reflectia um ano de 2005 carregado de fantasia – os dez filmes mais vistos foram fornadas de “Harry Potter”, “Guerra das Estrelas”, “Nárnia” ou “Charlie e a Fábrica de Chocolate”, “Guerra dos Mundos”, “Batman” e “Madagáscar”. O mundo, na ressaca dos atentados de Bali, do sismo em Caxemira, da morte do Papa João Paulo II e do julgamento de Saddam Hussein, pedia escapismo e a Acade-mia, como diz Robert Thompson, terá votado no que achava que devia ganhar.

E, claro, não se pode falar de “zei-tgeist” sem olhar para 2001 e dese-nhar ali a barreira invisível que dis-tingue o antes e o depois do 11 de Setembro. Em 2002 era preciso ele-var ânimos, mostrar contenção e, simultaneamente, mostrar que nin-guém punha os EUA a um canto – e dois Óscares fizeram do país nova-mente a terra dos livres e corajosos, da igualdade, o prenúncio do início da era pós-racial assinalada pela elei-ção de Obama em 2008: Halle Berry por “Depois do Ódio” e Denzel Wa-shington por “Dia de Treino”.

Condensado num momento Os Óscares obedecem a critérios vo-láteis, pessoais, viscerais como diz Robert Thompson. Por vezes coinci-dem com o que deixa marcas na cul-tura popular e contribuem para o legado cinematográfico histórico. Outros prémios, como o de 2007 pa-ra “The Departed – Entre Inimigos”, nascem de outras circunstâncias, co-mo a qualidade aliada a uma longa carreira, um elenco de prestígio e um legado que tem de ser validado, final-mente. Scorsese levou o Óscar para casa depois de ter perdido com “Toi-ro Enraivecido” em 1981 para “Gen-

No ano de Roberto Benigni (“A Vida é Bela”), havia Jim Carrey e “Homem na Lua”, uma interpretação de colocar nas alturas

“Laranja Mecânica”, de Kubrick, como “O Toiro Enraivecido”, de Scorsese, como “Citizen Kane”, de Welles

James Dean, “Gigante”

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A cada ano, tenta-se fazer uma leitura sobre os Óscares – a relevância, o que dizem sobre a América. “Continua a ser uma cerimónia centrada nos EUA. Quando alguém vê a cerimónia na China, é uma grande cerimónia de prémios americana”, diz Robert Thompson, director e fundador do Centro Bleier para a Cultura Popular da Universidade de Syracuse. “Não quero ser totalmente cínico. Os fi lmes de Hollywood são, desde há um século, uma das produções culturais mais versáteis do mundo”, explica este especialista na forma como os produtos culturais moldam a cultura contemporânea. “Hollywood lembra-me a helenização da Europa e da Ásia depois da morte de Alexandre, o Grande, em que uma língua e uma cultura se espalharam por uma parte do mundo. Hollywood é consumível em grande parte porque nasceu quando o país estava cheio de recém-chegados que ainda não falavam inglês.” Agora, os Óscares podiam perder o seu poder agregador, o seu brilho. Mas Thompson acredita que, pelo contrário, eles serão um farol, o nosso momento de comunhão pop num mundo em rápida mudança.

Nos últimos 20 anos, a cultura popular mudou. O que signifi cam os Óscares hoje?Primeiro há que dizer que o principal papel dos Óscares é o de dispositivo promocional. Há a ideia de que é a indústria a reconhecer as criações dos seus pares. É verdade. E sabemos aquilo de que as pessoas comuns gostam porque vemos isso nas bilheteiras. Mas os Óscares são sobretudo uma ferramenta promocional da indústria.

Bruno de Almeida, cineasta1. “Dances” with Wolves”, Kevin Costner (no mesmo ano que “Goodfellas” e “The Godfather III”)2. “Ragging Bull”, Martin Scorsese3. Tenho por regra não ver os filmes premiados aos Óscares a não ser muito depois (geralmente acabam por passar nos aviões e coisa do género). Prefiro ir a um pequeno cinema e descobrir um documentário que esteja a passar em sala

Dario Oliveira, director do Festival Internacional de Curtas de Vila do Conde1. Foram de facto vários mas o que mais me incomodou pelo efeito bola de neve que proporcionou foi entregar o Óscar ao “Rocky” em vez de o atribuir ao “Taxi Driver”, vergonhoso simplesmente.2. Também houve várias injustiças, muitas vezes encobertas com a entrega de prémios menores como o Óscar pelas carreiras, em jeito de consolação mas o mais estridente e absurdo para mim foi o Alfred Hitchcock nunca ter recebido Óscares pelos seus filmes – como foi isto possível com obras próximas da perfeição umas atrás das outras ao longo da sua longa carreira?3. Sem sombra de dúvida o “Single Man” de Tom Ford, merece prémios para Melhor Realizador, Melhor Actor, Melhor Actriz, Melhor Filme, Melhor Banda Sonora, Melhor Guarda Roupa. Mas como habitualmente vamos ser surpreendidos pelo gosto mediano e ultraconservador dos membros da Academia, quem me dera estar errado!

Samuel Úria, músico1. Consta que “O Vale Era Verde” bateu “O Mundo A Seus Pés” e “A Relíquia Macabra” em 1941. Um filme familiar do Ford a bater o vanguardismo do Welles e o carrossel do Huston. Nunca uma estatueta dourada foi tão mal entregue. Sem diamantes incrustados, sem banho de platina, sem cerimónia de Estado, sem feriado decretado. Ford merecia mais.2. Falem-me em Hitchcok, falem-me em Chaplin, falem-me em Cary Grant, falem-me em Richard Burton. De acordo com tudo, mas a verdade é que os Óscares nunca ganharam um Peter Sellers.3. Literalmente emocional, digo “Up - Altamente”, que só com balões coloridos me fez um verdadeiro “blitzkrieg” aos sacos lacrimais. Mas, quanto ao meu favorito, estou dividido entre os dois filmes de guerra nomeados:

A caixa de chocolates de Forrest Gump era mais doce do que o hamburguer mal passado com cocaína à mistura de “Pulp Fiction”, e por isso Forrest tudo levou

1. Qual foi o Óscar mais mal entregue na história da Academia?2. Qual a maior injustiça da Academia, o Óscar que nunca foi dado e deveria ter sido?3. Qual a sua aposta emocional para este ano? Quem ou que filme gostaria ver receber um Óscar?

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Peter Sellers

te Vulgar” de Redford – quem se lembra de um e quem se lembra de outro?

Há anos assim, em que convivem candidatos fortes e a escolha é dispu-tada: veja-se 2008, quando a conten-da entre “Este País Não É para Ve-lhos” e “Haverá Sangue” deu a vitória aos Coen e deixou para trás uma be-la lista de perdedores, com “Sweeney Todd”, “No Vale de Elah” ou “Perse-polis”. E depois há outros em que nada parece fazer sentido ou em que certos títulos atestam que não supor-taram o passar do tempo, a validação da História: caem pelas brechas para o oblívio. Que memória, que marca deixou o melhor filme de 2003, “Chi-cago”, no ano de “O Pianista”, de Po-lanski, “Inadaptado”, de Spike Jonze, ou “Gangues de Nova Iorque”, de Scorsese? Manteve aberto regato por onde ainda hoje viaja o musical? Não, o género está morto, independente-mente do sucesso comercial ou artís-tico de um filme em particular. E que imagens ficam desse ano: Adrien Bro-dy e Day-Lewis? Ou Zeta Jones e Zellwegger? Talvez nenhum, talvez “Bowling for Columbine”, premiado com o Óscar documental e promo-vendo Michael Moore a porta-estan-darte do que viria a ser a droga pre-ferida da geração Y, os “webdocu-m e n t á r i o s ” d e t e o r i a d a

conspiração.E, claro, estes olhares retrospecti-

vos, com maior ou menor distância em relação a filmes, actores, argu-mentistas, ícones, produzem redes-cobertas... curiosas. É ver Meryl Stre-ep ano sim, ano não, ano sim como candidata. É redescobrir que “O Por-quinho Babe” foi um sério candidato a melhor filme e melhor realizador em 1995. E ver quão sábio é Billy Crys-tal quando, em 2004, recordava a

última vez que fora anfitrião dos Ós-cares – em 1993: “As coisas eram tão diferentes na altura. Sabem quão di-ferentes? O Presidente era Bush, a economia estava a afundar-se e tínha-mos acabado uma guerra com o Ira-que.” Cíclico ou não, Sally Field ex-pressou o que são os Óscares melhor do que ninguém em 1985, quando aceitou, extasiada, o prémio por “Um Lugar no Coração”: “Vocês gostam de mim, neste momento, vocês gos-tam de mim!” É tudo condensado num episódico momento.

Sally Field expressou o que são os Óscares em 1985, quando aceitou o prémio por “Um Lugar no Coração”: “Vocês gostam de mim, neste momento, vocês gostam de mim!” É tudo condensado num episódico momento

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 13

Nos últimos 20 anos as coisas mudaram e nos últimos anos tivemos fi lmes muito bons de que a maioria das pessoas não tinha ouvido falar até serem nomeados. Nesse sentido, os Óscares têm ajudado a dar a conhecer trabalhos feitos fora dos EUA ou pequenos fi lmes independentes. Mesmo “O Segredo de Brokeback Mountain”: foi visto por muito mais pessoas graças ao facto de se ter saído tão bem nos Óscares.Mas indissociável dos Óscares é a sua transmissão televisiva, e nesses anos em que fi lmes menos conhecidos são as estrelas da cerimónia, as audiências são mais baixas...Isso não é surpreendente e por isso é que este ano temos dez nomeados para Melhor Filme. É verdade que se não conhecermos quatro dos cinco nomeados, sentimo-nos menos envolvidos. Mas as más audiências envolvem outros elementos. Em geral, se as audiências baixaram nos últimos 20 anos isso deve-se ao facto de passarmos de ter quatro canais à escolha para 300 canais à escolha... Assim, tudo perde audiências.Não acha que a net, enquanto mais um fornecedor de informação sobre celebridades, contribui para a perda do brilho dos Óscares?Não acho que esteja a causar a baixa das audiências – não nos EUA. Mas tem razão numa coisa: nos anos 1960, por exemplo, não se sabia muito sobre as estrelas a não ser quando iam ao programa do Johnny Carson. Ver as estrelas na passadeira, nos discursos de agradecimento... era um acontecimento. Raramente víamos as estrelas fora das personagens. Agora, claro, não conseguimos fugir-lhes. E metade delas têm “reality-shows”... Agora, não só a proliferação de informação, mas também a proliferação de cerimónias de prémios, tornou-nos um pouco cínicos. Apesar disso, os Óscares continuam a ser a mãe de todas as cerimónias – se só se pudesse receber um prémio, era este que se quereria.Nos últimos 20 anos podemos encontrar prémios e nomeações sintomáticos de um momento. Mas também pode parecer tudo aleatório, fruto dos votos distintos de 6000 pessoas.

São votantes e por isso infl uenciados por muita coisa. E multiplique-se isso por dez por serem artistas, ainda mais propensos a coisas [risos]. É difícil fazer um cálculo. Olhando para os últimos 20 anos, não acho que se possam tirar conclusões sobre a qualidade artística real. O que esse olhar nos dá é uma silhueta, delineada de maneira ampla e difusa, do que a cultura está a fazer. Penso que é o mais próximo que conseguimos chegar. Nos anos 1960 temos um ano [1965] uma freira que canta a ganhar, com “Música no Coração”, e passados

poucos anos [1969] “Midnight Cowboy”, sobre um prostituto urbano, vence. Sabemos que nessa altura a cultura estava a mudar. Mas nem sempre é tão óbvio. Há tantas coisas que informam essas listas – as mudanças culturais afectam o tipo de fi lmes que são feitos, que respondem ao contemporâneo, e daí há nomeações; e em segundo lugar nunca sabemos o que passa pela cabeça dos votantes. Existe a sensação de que as pessoas que votam não viram todos os nomeados e que votam no que acham que devia ganhar e não na melhor actuação ou no melhor fi lme. “Gandhi” ganhou no ano de “ET” [1982]. Era um bom fi lme, mas era sobre Gandhi. Acho que o ser humano Gandhi é que ganhou o Óscar. [risos] E há os Óscares entregues aos nomeados que já o foram muitos anos. Tudo isto se funde nessa tal forma amorfa da cultura num dado momento. E como é que se lida, mesmo olhando para essa forma difusa, com o facto de no ano de “Pulp Fiction” se ver “Forrest Gump” a ganhar?Só podemos olhar para isso assim: nesse ano, a comunidade de Hollywood decidiu apostar num fi lme “feel-good”. Era 1995 [logo a seguir à “Lista de Schindler”] e tinham um fi lme “avant-garde”, inovador e comercialmente viável contra um fi lme à Jimmy Stewart. Escolheram o último e penso que as bilheteiras são mais conclusivas do que os Óscares [“Gump” foi o mais visto do ano e “Pulp Fiction” o décimo mais visto]. Nos Óscares teve mais votos. Se em 2004 “Fahrenheit 9/11” tivesse sido nomeado para melhor fi lme e tivesse ganho [ano de eleições presidenciais nos EUA], aí podíamos dizer que havia uma mensagem agressiva. Quanto à “Lista de Schindler”, era um bom fi lme e tinha um tema tão sagrado que produz o efeito Gandhi. No ano seguinte, olhando para “Forrest Gump”, será que era o sorvete de que precisávamos para limpar o palato? [risos]Há 20 anos ainda não conhecíamos alguns dos nomeados e o “hype” era muito maior. Hoje, sendo tudo tão acessível, estaremos a caminhar para a irrelevância dos Óscares?Não, acho que é possível que isso torne os Óscares ainda mais relevantes. A cultura popular está tão fragmentada... Os Óscares já não são o grande acontecimento de antes, mas à medida que a cultura se fragmenta, quando há tantas opções, fi lmes, televisão, cabo, produtos para a Net, os Óscares podem servir como um “Top Ten”. Os Óscares organizam o caos dando pistas. E acho que o que mais mudou nos últimos anos na forma como interagimos com os fi lmes foi o vídeo. Agora, os Óscares tornaram-se num gigantesco anúncio de aluguer de DVD. É ver o que mais se aluga ou se procura na Internet na manhã seguinte aos Óscares.

scares organizam o caos”m cultura popular, acredita que os prémios da Academia serão um farol: o nosso momento de comunhão pop o fragmentado, em constante mudança. Joana Amaral Cardoso

“Sacanas sem Lei” e “Estado de Guerra”. Arrisco o segundo, para que James Cameron se sinta um frágil paraplégico ao pé da ágil, magnífica, enorme, azul, extraterrestre e ex-mulher Kathryn Bigelow.

Miguel Esteves Cardoso, cronista3. “An Education” é um bom filme de televisão. “District 9” é um bom filme de baixo orçamento, estragado pelo final. “Avatar” é um assalto tecnológico, que vai ser tecnologicamente ultrapassado. “The Hurt Locker” [“Estado de Guerra”] é bom por ser realista e por ter a coragem de reconhecer a guerra - mas não é um grande filme. Os únicos bons filmes nomeados foram “A Serious Man”; “Inglorious Basterds”; “Up”, “Das Weisse Band” (o melhor filme estrangeiro) e “Fantastic Mr.Fox”, o mais original de todos. Gostei muito de “Up In The Air”, mas, se não fosse George Clooney, não tanto. Mostra que Ivan Reitman é muito inteligente. “Nine” é a pior nomeação de sempre. Os documentários são todos uma desilusão. Só não vi “Precious”, mas só por resistência familiar. Jeff Bridges em “Crazy Heart” é muito bom mas é um Jeff Bridges que já conhecíamos dos filmes de Peter Bogdanovich e dos irmãos Coen. Quentin Tarrantino e “Inglorious Basterds” são os mais prejudicados. O pior filme nomeado é “The Imaginarium of Doctor Parnassus”, do pior realizador de sempre, Terry Gilliam.

André Murraças, encenador, dramaturgo e cenógrafo

1. Oh, há tantos. Preferências à parte, talvez a Gwyneth Paltrow no “Shakespeare in Love” em vez da Cate Blanchett no “Elizabeth”. Ou o “Gigi” ganhar em vez do “Vertigo”...2. Terei de dizer: Montgomery Clift. Ao longo da sua

carreira foi nomeado três vezes para Melhor Actor com “The Search”, o meu predilecto “A Place In The Sun” e “From Here To Eternity”, e ainda uma vez para Melhor Actor Secundário naqueles minutos perturbantes do “Judgment At Nuremberg”. 4 nomeações. 0 estatuetas.3. Colin Firth porque gostei muito daquela contenção, num papel fora das palhaçadas que ele costuma fazer. Este ano as minhas apostas estão também no “Up in the Air” e no “Precious”. No primeiro pelo texto, no segundo por aquelas duas mulheres monstrosamente perturbantes.

Raquel Freire, realizadora1. “Titanic”2. Gena Rowlands (2 nominations, 0 wins)3. Gabourey Sidibe - melhor actriz -, por “Precious: Based on the Novel ‘Push’ by Sapphire”. Realizadora: Kathryn Bigelow.

“Os Óscares já não são o grande acontecimento de antes, mas à medida que a cultura se fragmenta, quando há tantas opções, filmes, televisão, cabo, produtos para a Net, os Óscares podem servir como um “Top Ten” Robert Thompson

Os Óscares, defende Robert Thompson, têm ajudado pequenos filmes como “O Segredo de Brokeback Mountain”: foi visto por muito mais pessoas por se ter saído bem nos Óscares

1. Qual foi o Óscar mais mal entregue na história da Academia?2. Qual a maior injustiça da Academia, o Óscar que nunca foi dado e deveria ter sido?3. Qual a sua aposta emocional para este ano? Quem ou que filme gostaria ver receber um Óscar?

Robert Thompson

Montgomery Clift: 4 nomeações. 0 estatuetas

Gena Rowlands: 2 nominations, 0 wins

Robert Thompson

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14 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

O actor singular

Nomeado para o Óscar de Melhor Actor por “Um Homem Singular”

“Toda a gente sabe quem Colin Firth é. É o sr. Darcy.” Não somos nós que o dizemos, é Isabel Lloyd, da revista “The Economist Intelligent Life”, referenciando a adaptação televisiva de “Orgulho e Preconceito” que tornou o actor inglês de 49 anos em objecto de desejo das balzaquianas. E continua, mais à frente: “Comparado com os seus contemporâneos – Kenneth Branagh, Rupert Everett, Daniel Day-Lewis – Firth passou a maior parte da sua carreira a fugir do seu próprio talento. Porquê?”

Não deixa de ser verdade que Colin Firth é um grande actor sério – sabe quem o viu em “Valmont” ou “Rapariga com Brinco de Pérola” - mas contam-se pelos dedos os filmes em que exercitou os seus talentos dramáticos. São as comédias “descartáveis” em que passeia a sua elegância e reserva identificadas com a expressão “actor inglês” que primeiro vêm à cabeça.

Coisas como “O Diário de Bridget Jones”, “O Amor Acontece”, “A Paixão de Shakespeare” ou “Mamma Mia!”.

É isso que torna “Um Homem Singular” tão singular: é um daqueles presentes que qualquer actor só tem a espaços raros. O papel de uma vida, a oportunidade de reconhecermos como Firth é um notável actor sério. “Um Homem Singular” pode ser o primeiro passo para deixar de ser o “actor inglês” e ser, apenas, o grande actor que só a espaços vimos no grande écrã.Mas, logo este ano que podia ser de Firth, é Jeff Bridges que todos apostam que vai ganhar. Não é impossível que Colin leve o Óscar para casa – é apenas improvável. Haverá outra oportunidade assim? J. M.

Um casal perfeitoNomeados para o Óscar de melhor realizador e melhor actor secundário por “Inglou-rious Basterds”

Christoph Walz, no seu nazi refinadamente calculista e

desapiedado, é genial nos “Inglourious Basterds”. Se há alguma renitência – por exemplo quando se escreve

sobre o filme – em destacar a presença de Walz ela justifica-se

pelo risco de, removido do contexto, o seu nazi ficar apenas um “boneco” (com certeza, espectacular), e desarticular-se o delicado equilíbrio maniqueísta (ou melhor: equilíbrio sobre o maniqueísmo) que norteia toda a construção do filme de Tarantino. Curiosamente, ao nomeá-lo para o Óscar de melhor actor

secundário, a Academia parece ter percebido isto

bem e tratado “Inglourious Basterds” como um filme sem “protagonistas”,

assente em figuras trabalhadas para além da sua ressonância “humanista”, em perfeita convulsão

dos mecanismos de adesão do espectador.Dito isto (mas até por isto), é claro que Walz é fabuloso. Como projecção ou cristalização de um estereotipo de nazi (“verdadeiro” ou “falso”, é irrelevante) tal como consagrado por dúzias de ficções cinematográficas ao longo de décadas; ou como “incorporação” da miscelânea de repulsa e atracção que estão na chave de todos os fascismos (é a questão do “carisma” do nazismo que a personagem de Walz põe). Resumindo: Tarantino ou Walz? Os dois: um Óscar só para Walz será tão justo como, digamos, superficial. L.M.O.

A guerra dos ex-cônjugesNomeados para melhor realizador

O “hype” não podia deixar de pegar nisto: dois ex-cônjuges em competição directa pelo Óscar de melhor realizador (e os seus filmes competem na respectica categoria). Foram só dois anos de casamento (entre 1989 e 1991), mas deve ser inédito na história dos Óscares. A relação profissional entre eles, pelo menos essa, retira alguma “pimenta” ao potencial confronto: um dos melhores filmes (se não o melhor) de Kathryn Bigelow, “Strange Days”, de 1995, teve argumento e produção de James Cameron. Diferentes são as histórias do reconhecimento de cada um. Ambos vieram de “submundos” (Cameron formou-se na“oficina” de Roger Corman, Bigelow no circuito da “avant-garde”), ambos se fizeram notar por um gosto do cinema acção com vários pontos em comum. Mas se a Cameron nunca faltou público – imediatamente conquistado pela saga do “Exterminador Implacável” – Bigelow teve sempre mais estima crítica do que bombas de bilheteira (pelo contrário, encontrou alguns “flops” importantes). Se há um “confronto” entre os dois nestes Óscares ele é menos significativo do que o facto de “Avatar” e “Estado de Guerra” simbolizarem duas mecânicas diferentes do processo de reconhecimento da Academia: Cameron e “Avatar” (para este efeito, como que um “Titanic 2”), o muito grande e muito megalómano, o filme que se impõe pela simples existência; e Bigelow e “Estado de Guerra”, a “miniatura” que se impõe pela insistência, pela caução de qualidade e seriedade garantida pela recepção da crítica e dos festivais. Uma coisa não é necessariamente melhor do que a outra. Mas “Estado de Guerra” é muito melhor filme do que “Avatar”. Luís Miguel Oliveira

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 15

Depois das últimas edições dos Óscares terem sido dominadas por fi lmes que, na sua maioria, os espectadores não viram, na edição 2010 o fi lme de

maior êxito de sempre, “Avatar”, parte à “cabeça do pelotão” empatado com “Estado de Guerra”, de Kathryn Bigelow. Jorge Mourinha

São dez os nomeados para Melhor Filme nos Óscares 2010, pela primei-ra vez desde 1943. Para garantir que a transmissão televisiva atrai o máxi-mo de audiência possível, mas tam-bém para possibilitar uma reconcilia-ção com os espectadores - depois das últimas edições serem dominadas por filmes que, na sua maioria, eles não viram.

Nesse aspecto, saiu a “sorte gran-de” à Academia de Hollywood: o filme de maior êxito de sempre, “Avatar”, de James Cameron, parte para a ceri-mónia à “cabeça do pelotão” empa-tado com “Estado de Guerra”, de Ka-thryn Bigelow.

Ambos somaram nove nomeações e estão nomeados para Melhor Filme e Melhor Realizador. Mas fora dessas duas categorias-chave, “Avatar” está presente exclusivamente nas catego-rias técnicas: as nomeações reconhe-cem o êxito do filme e o perfeccionis-mo e a inovação técnicas, mas não o consideram uma obra artisticamente “séria”. Já as nomeações de “Estado de Guerra”, equitativamente distri-buídas pelas categorias artísticas e técnicas, colocam-no na longa tradi-ção dos Óscares reconhecerem temas sérios contemporâneos, e a unanimi-dade crítica tornava quase impossível que o filme não fosse nomeado. Difi-cilmente um deles não sairá vencedor da noite, mesmo que dos dois seja “Estado de Guerra” quem pode ga-

nhar mais com a vitória (mais ao nível das vendas do DVD).

Com oito nomeações, segue-se “Sa-canas sem Lei”, de Quentin Taranti-no, igualmente repartido entre cate-gorias técnicas e artísticas. Tarantino foi previamente ignorado pela Acade-mia (“Pulp Fiction” ganhou o prémio de argumento, e foi só), e a sua aven-tura revisionista sobre a II Guerra é o seu primeiro grande sucesso de bilhe-teira – as nomeações surgem, assim, como uma espécie de “aceitação” do cineasta na “primeira divisão” hollywoodiana. Mas o único prémio que já lhe está garantido cabe ao aus-tríaco Christoph Waltz, nomeado na categoria de melhor secundário.

Dois outros filmes, ambos com seis nomeações: “Nas Nuvens”, de Jason Reitman, comédia dramática que fala de temas sérios com um sorriso nos lábios, transportada por uma vedeta confirmada (Clooney) – podia ser um Capra dos velhos tempos; “Precious”, de Lee Daniels, a “problem picture” que gerou polémica e aborda uma in-justiça social com um olhar melodra-mático e a redenção como horizonte – podia ser uma produção de Stanley Kramer (ele de “Adivinha Quem Vem para Jantar”). “Nas Nuvens” ficou pa-ra trás no pelotão quando “Avatar” explodiu nas bilheteiras, “Precious” sempre foi considerado um “outsider” - embora, tal como Christoph Waltz, Mo’nique esteja praticamente garan-

tida como vencedora do prémio de actriz secundária. Mas ambos podem beneficiar com vitórias, pois ainda estão em exibição em sala.

Sobram os outros cinco nomeados – e as suas possibilidades de sairem do Kodak Theatre com a estatueta são quase (mas não inteiramente) nulas. A carta mais fora do baralho é “Um Homem Sério”, dos irmãos Coen (du-as nomeações), que parece ter resso-ado com os votantes da Academia mas não com o público nem com a crítica, e que parece estar na lista apenas de-vido ao triunfo de “Este País Não É para Velhos” há dois anos.

“Uma Outra Educação”, de Lone Scherfig (três nomeações), cumpre o

papel simbólico do “filme inglês” do ano, completo com nomeação para melhor actriz, e “Up – Altamente!” (cinco nomeações), a mais recente jóia animada da Pixar, torna-se no se-gundo filme de animação nomeado para melhor filme após “A Bela e o Monstro”. Mas “Up” parte favorito para o Óscar de melhor longa anima-da, o que anula as suas hipóteses. E “Uma Outra Educação”, cujos resul-tados comerciais são modestos, está demasiado próximo dos “pequenos filmes independentes” que domina-ram as nomeações em anos anteriores para ser candidato sólido. Finalmen-te, a presença de “Distrito 9” (quatro nomeações), a fita de ficção científica de Neill Blomkamp sobre alienígenas em Joanesburgo, e de “The Blind Si-de” (duas nomeações), o drama des-portivo de John Lee Hancock com Sandra Bullock, reconhece os grandes sucessos de dois filmes feitos com pouco dinheiro “à margem” do siste-ma de Hollywood. Mas “Distrito 9” pertence a um género (a ficção cien-tífica) que a Academia costuma igno-rar e todas as suas outras nomeações são técnicas. Por outro lado, os dra-mas inspiracionais desportivos têm tradição no cinema americano, sufi-ciente para que “The Blind Side” não possa ser inteiramente posto de lado – sobretudo porque uma vitória dar-lhe-ia um embalo para a estreia mun-dial que de outro modo não teria.

está nomeado, dir-te-ei porquê

São dez os nomeados para Melhor Filme, pela primeira vez desde 1943, para garantir que a transmissão televisiva atrai o máximo de audiência possível

“Avatar”, de Cameron, parte para a cerimónia à “cabeça do pelotão” empatado com “Estado de Guerra”, de Bigelow: nove nomeações cada, entre elas as de Melhor Filme e Melhor Realizador

Os dramas inspiracio-nais desportivos têm tradição no cinema americano, o que é suficiente para as hipóteses de Sandra Bullock em “The Blind Side”; Christoph Waltz terá a sua vitória garantida, embora Clooney seja Clooney...

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16 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

Todos aderem a GeorgeNomeado para o Óscar de Melhor Actor por “Nas Nuvens”

O escritor Nick Hornby, que está nomeado para o Óscar de Melhor Argumento por “An Education”, já recebeu em casa a papelada da Academia. Entre ela existe um formulário sobre os outros nomeados que gostaria de conhecer. “A minha mulher, depois de ter pensado nisso durante uns bons três segundos, respondeu ‘George Clooney’. Com um ponto de exclamação a seguir ao nome dele. Algures em Los Angeles, um funcionário da Academia está a pôr todos os pedidos para conhecer George Clooney numa pilha monstruosa”, escreveu Hornby no seu blogue.A senhora Hornby não está só. Clooney é isto. A natureza deu-lhe algo que não se aprende no Lee Strasberg Institute. No cinema, seja qual for a personagem, aderimos a Clooney. Ele está nesta gala por escolha dos votantes. E os motivos podem ir desde a interpretação num filme feito à medida do biénio 200910, sobre um homem que ganha a vida a despedir trabalhadores, até ao facto de Clooney ser um ingrediente que tudo liga numa gala deste tipo. A sua presença cinematográfica é cada vez mais a do sorriso ao canto da boca, qual Cary Grant ou Gary Cooper clássicos. A sua presença pública é a de uma estrela em torno da qual gravitam os “paparazzi” do universo. Depois do Óscar de actor secundário por “Syriana”, depois do prestígio de “Michael Clayton” e depois de ter feito o seu “papel feio” em “Irmão, Onde Estás”, traz aos Óscares um efeito nivelador. Como um homogeneizador, transforma “Nas Nuvens”, filme supostamente sobre a deprimente actualidade, em algo como “Ocean’s Eleven”. No fundo, um infalível efeito Nespresso. J. A. C.

O “Dude”Nomeado para o Óscar de Melhor Actor por “Crazy Heart”

Quando venceu o Óscar em 1992 por “Perfume de Mulher”, Al Pacino queixava-se: “Estão a quebrar a minha onda” [de derrotado], depois de sete nomeações sem vitórias. Quando Jeff Bridges recebeu o Globo de Ouro de melhor actor dramático por “Crazy Heart”, há semanas, queixou-se, perante uma plateia que lhe dava uma ovação em pé: “Estão mesmo a lixar o meu estatuto de subvalorizado”.Jeff Bridges tem 60 anos, nenhum Óscar, quatro nomeações, um Globo, três outras nomeações. Foi “Starman” em 1984 (uma nomeação), um “Contender” (2000, outra nomeação), um dos “Fabulosos Irmãos Baker” (1989) e esteve em dois filmes de culto – “Tron” (1982) e “O Grande Lebowski” (1998). O papel do “slacker” anestesiado Jeffrey Lebowski (que prefere ser chamado de Dude ou El Duderino) é parcialmente retomado este ano em “Homens que Matam Cabras com o Olhar”. Mas é “Crazy Heart”, a história de Bad Blake, cantor de country alcoólico em queda, que o coloca como favorito em 2010. O “underdog” é agora um opositor de estrelas (Clooney), vacas sagradas (Morgan Freeman), nichos (Colin Firth) e semi-desconhecidos (Jeremy Renner, “Estado de Guerra”). O herdeiro da linhagem Bridges – Lloyd, Beau -, o actor que os outros actores admiram mas que permanece sempre na segunda linha surge numa corrida que podia não ser a sua. O filme estava fadado a ir para DVD mas a Fox lá o estreou e de repente criou-se a vaga que começa a considerar que Bridges pode ser o homem da categoria. Al Pacino recebeu um prémio de consolação em 1992. Bridges pode receber o prémio de consagração em 2010. É que os Óscares também precisam destas coisas. J. A. C.

Outras imagensNomeadas para o Óscar de Melhor Actriz e Melhor Actriz Secundária por “Precious”

“Numa altura em que Michelle, Sasha e Malia e Obama estão na Casa Branca, e numa era pós-‘Cosby Show’ [a popular sitcom televisiva sobre uma família afro-americana de classe média], já ninguém pode dizer que as imagens negativas da comunidade afro-americana são as únicas visíveis. Os negros já podem dizer que ‘Precious’ representa algumas das nossas crianças, mas outros frequentam a universidade de Yale.”Quem o diz é Sapphire, a autora do romance que inspirou “Precious”, de Lee Daniels. A controvérsia que o filme tem atraído deve-se precisamente à recusa dos estereótipos, à insistência de que há uma realidade que escapa em preferir as zonas cinzentas às dicotomias tradicionais e mutuamente exclusivas. Daí que as suas actrizes também não encaixem nos estereótipos.Gabourey Sidibe, nova-iorquina de 26 anos, não tinha a mínima experiência de representação antes da sua audição para o papel de uma adolescente obesa escravizada pela sua monstruosa mãe, mas trouxe-lhe um pouco da sua própria auto-confiança. Mo’nique, comediante e apresentadora de talk-shows, 42 anos, que interpreta a mãe, não hesitou em aceitar um papel nos antípodas da sua imagem pública.Hoje, os Óscares fizeram de mãe e filha heroínas de uma história da Cinderela: Sidibe foi nomeada para Melhor Actriz, Mo’nique para Melhor Secundária (e, segundo quase todos os observadores, já tem a vitória garantida, apesar de se recusar a fazer campanha pela vitória (“a interpretação está no écrã, que mais é preciso fazer para convencer as pessoas a votar em mim?”). Oito anos depois da vitória de Denzel Washington e Halle Berry, já ninguém pode dizer que as únicas imagens negras que chegam aos Óscares são essas. J. M.

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18 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

“Now you’re almost Alice”. Quando a Lagarta diz esta frase já estamos a caminho do fim em “Alice no País das Maravilhas”, o filme de Tim Burton. Saber se a rapariga de 19 anos, cabelos encaracolados e vestido azul, que au-menta e diminuiu à medida das ne-cessidades, é ou não a “verdadeira Alice” é uma dúvida que atravessa todo o filme. Desde que ela, a correr atrás de um Coelho Branco, cai por um interminável buraco – e é um bu-raco mais negro e inquietante do que o de qualquer outra história de Alice –, até esse momento perto do fim em que a Lagarta lhe revela que, final-mente, ela é já “quase Alice”.

Muitos anos depois da sua primeira ida ao País das Maravilhas (o Wonder-land que ela esqueceu completamen-te), são os habitantes deste mundo – que afinal se chama País Subterrâneo

(Underland) – que precisam dela. O Coelho é enviado à superfície para a encontrar, mas é preciso saber se ele trouxe consigo a Alice certa. “És a ver-dadeira Alice?”, perguntam-lhe. “Isso tem sido objecto de alguma discus-são”, responde, sinceramente confun-dida, a rapariga.

Terá a dúvida atravessado também a cabeça de Tim Burton desde que decidiu lançar-se a filmar – em 3D e para a Disney – o clássico de Lewis Carroll (1832-1898), que junta “Alice no País das Maravilhas” e “Alice do Outro Lado do Espelho”? Terá o rea-lizador de “Eduardo Mãos de Tesou-ra” e “O Estranho Mundo de Jack” pensado alguma vez “a minha Alice será a verdadeira Alice?”.

Há uma semana, em Londres, em conversa com os jornalistas, Burton, óculos enormes, cabelo despenteado,

gestos disparados como se o corpo não tivesse controlo sobre as extre-midades, explicava que Alice é mais um universo do que uma história com princípio, meio e fim. “Nunca senti que houvesse uma versão definitiva. Mas [a história] faz de tal maneira par-te da nossa cultura – conhecemos o mundo de Alice através de bandas, de músicas, de artistas. Senti que era um território aberto”.

No entanto, acredita, para se trans-formar num filme falta-lhe um fio nar-rativo. “O livro é uma sequência de acontecimentos e encontros. Precisa-va de uma âncora”. Quem haveria de explicar melhor esta ideia seria Jo-hnny Depp, o actor com quem Burton trabalha há 20 anos (desde “Eduardo Mãos de Tesoura”), numa conferência de imprensa em Londres: “A história é tão episódica e abstracta que aquilo

Aos olhos de Tim Burton “Alice no País das Maravilhas” é a história de uma rapariga desajustada qà procura de si própria. E é isso que fazem o realizador e a sua equipa favorita de desajustados, c

Louco envenenado pelo mercúrio e Helena Bonham Carter numa Rainha Vermelha de c Alexandra Prado Coelho, em Londres

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Ser ou não ser

Alice“A história é tão episódica e abstracta que aquilo de que nos lembramos melhor são as personagens. Por alguma razão elas permanecem connosco” Johnny Depp

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 19

a que entra na toca de um coelho , com Johnny Depp em Chapeleiro

e cabeça desmedida.

de que nos lembramos melhor são as personagens. Por alguma razão elas permanecem connosco”.

Salvar UnderlandPara o realizador, se só uma dessas personagens pudesse simbolizar o mundo de Lewis Carroll seria o Cha-peleiro Louco. Por isso desafiou Depp para um papel que, ao contrário do que acontece no livro, é central no filme. Depp quis que o Chapeleiro entrasse para a sua galeria de perso-nagens alucinadas, torturadas. “Que-ria que ele fosse ‘damaged’”, explica – a tradução não é fácil mas percebe-se exactamente o que ele quer dizer. O Chapeleiro, cabelo cor-de-laranja, chapéu alto, dedos sujos, perturban-tes olhos verdes (artificialmente au-mentados, entre 10 e 15 por cento maiores do que os do actor, e dife-

Chapeleiro Louco Johnny DeppQuando leu o “Alice no País das Maravilhas”, Johnny Depp ficou intrigado com “pequenas coisas crípticas”. Por exemplo, no Chá Maluco as personagens estão fascinadas por “coisas que começam com a letra M”. “No livro nunca há uma resposta para isso”, constatou. Foi quando começou a in-vestigar sobre os chapeleiros na Inglaterra vitoriana que descobriu uma ligação que para ele fez sentido: para fazerem os seus chapéus, os chapeleiros usavam uma cola que continha mercúrio (daí o M) e que os envenenava lentamente e lhes dava um tom alaranjado. Foi a partir daí que compôs a personagem: o cabelo cor-de-laranja, as manchas alaranjadas nos dedos, o ar alucinado (os olhos, com lentes verdes, são aumentados artificialmente). Depp e Burton queriam que o Chapeleiro fosse alguém com as emoções à flor da pele, e por isso todas as suas (súbitas) mudanças de humor mani-festam-se em todo o corpo, no rosto, na roupa, na voz (quando fica zangado ganha um inquietante sotaque escocês).

Rainha Vermelha Helena Bonham Carter“É sempre engraçado ser rainha, conseguirmos tudo o que queremos e sermos pagos para nos por-tarmos como uma criança mimada”. É assim que Helena Bonham Carter resume o papel que o ma-rido, Tim Burton, lhe atribuiu “obviamente” (segundo ele). Ela fica preocupada por ter sido escolha tão óbvia – tal como fica preocupada quando os filhos a reconhecem imediatamente (“mamã, mamã”, gritam quando a vêem vestida de Rainha Vermelha), apesar de a personagem, ao contrário dela, ter uma cabeça desmedidamente grande e um temperamento irascível. Será afinal Helena mais pareci-da com a Rainha Vermelha do que imaginava? Quando está em cena tem basicamente que gritar – “Cortem-lhe a cabeça!” é o seu grito favorito – e isso fê-la perder a voz. Confessa que a igualmente colérica Rainha de Copas do filme original da Disney não foi fonte de inspiração. O que Burton a aconselhou a ver, e que a inspirou, foi o retrato que Bette Davies fez de Isabel I em “A Rainha Virgem”, e “Mommie Dearest”, a (pouco simpática) biografia de Joan Crawford feita pela filha adoptiva desta. E, claro, “crianças mimadas”.

Tweedledee/Tweedledum Matt LucasSão os dois quase esféricos irmãos gémeos que falam numa linguagem que só faz sentido para eles. Com um corpo digital, os dois têm (em parte) o rosto do actor britânico Matt Lucas (da série “Little Britain”). Lucas diz que os imaginou como “duas crianças vitorianas mal comportadas, com a mão metida no pote do mel”.

Alice Mia Wasikowska“Alice é uma figura tão icónica que quando dizemos o nome dela na cabeça da maioria das pessoas surge esta imagem de uma rapariga loura de vestido azul”, conta Mia Wasikowska, a australiana de 20 anos que Tim Burton escolheu para o papel por achar que havia nela “uma certa calma”. “Qui-semos retirar-lhe essa carga icónica e encontrar uma Alice adolescente com a qual as pessoas se pudessem relacionar”, explica Mia. “Ela está a enfrentar o mesmo que muitas raparigas da idade dela”. Sente-se “desconfortável na sua pele” e com “a sociedade a que pertence”. Sem maquilhagem e sem distorções, Alice é a mais “natural” de todas as personagens. Mia confessa que tinha inveja dos colegas que eram ajudados pelos efeitos especiais. Mas estava demasiado ocupada a perceber em que cenas era minúscula e em que cenas era gigante para se preocupar com isso.

Rainha Branca Anne HathawayA actriz tinha uma ideia muito clara do que queria que a sua personagem fosse: uma “punk-rock pacifista vegan”, inspirada em parte em Blondie. A Rainha Branca é boa, mas não totalmente – afi-nal não vem dos mesmos genes que a irmã, a Rainha Vermelha? “No País das Maravilhas ninguém é inteiramente bom ou mau e acho isso fantástico. Há gradações em todas as personagens”. Numa das cenas uma mosca voa em frente da cara da Rainha Branca e ela afasta-a gentilmente. “Nunca poderia fazer mal a uma criatura viva”, diz. Foi daí que Hathaway tirou a ideia dela ser vegan. Mas, no fundo, acha que ela tinha vontade de matar a mosca, e que todo o seu espírito zen é resultado de um esforço sobre a sua própria natureza. “Vi muitos filmes mudos da Greta Garbo porque a minha personagem tem que se expressar muito por reacções”, revela. Um dia experimentou levantar as mãos, porque não as queria pousadas no colo como é habitual fazer-se com vestidos vitorianos. “Nunca mais as baixei”. Por isso a sua Rainha move-se como se flutuasse, e agita as mãos no ar “co-mo se estivesse constantemente a fazer poções e a lançar feitiços”.

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rentes um do outro), tem um pas-sado e carrega uma dor.

No País Subterrâneo de Burton – e não era esse, afinal, o título da primei-ra versão que Lewis Carroll fez desta história? – vivem muitas das persona-gens mais conhecidas do livro: o Gato Cheshire, com o seu sorriso que fica a pairar no ar mesmo depois de ele se ter desvanecido, os irmãos Twee-dledee e Tweedledum, a assustadiça Lebre de Março, a colérica Rainha Vermelha, a beatífica (ou nem tanto) Rainha Branca, o interesseiro Valete de Copas.

Mas as cores da primeira versão que a Disney fez esmoreceram e o que Alice encontra desta vez é um mundo cinzento e tristonho, em que todos vivem aterrorizados sob o domínio da insuportável Rainha Vermelha. E se a Alice original é um total “nonsen-se”, em que a menina salta de uma festa de “desaniversário” do Chape-leiro Louco, em que o chá é despeja-do continuamente nos recipientes mais absurdos mas raramente bebido, para um jogo de “croquet” com a Rai-nha de Copas, com flamingos em vez de tacos e porcos-espinhos em vez de bolas, neste filme Alice tem um ob-jectivo: salvar Underland e ajudar os que nunca a esqueceram. E isso, ape-sar da loucura das personagens, faz desta uma história bastante mais con-vencional do que a que Carroll criou no século XIX.

Para salvar os amigos Alice tem que lutar contra o terrível dragão Jab-berwock, que está ao serviço da Rai-nha Vermelha. No livro Jabberwock aparece apenas num poema de “Alice do Outro Lado do Espelho” – “Bewa-re of the Jabberwock, my son! The jaws that bite, the claws that cartch!”. No filme a argumentista Linda Wool-verton transformou-o numa persona-gem muito mais importante.

Uma viagem interiorMas regressemos por um momento à superfície e ao início da história. De-pois da morte do pai, Alice sente-se ainda mais desajustada em relação ao mundo que a rodeia e às regras de comportamento da Inglaterra vitoria-na. O pai parecia ser o único capaz de lhe garantir, quando ela se interroga-va se seria louca por ver animais que falavam e outras coisas extraordiná-rias, que “todas as pessoas boas são loucas”. Agora mais ninguém parece acreditar nisso, e todos estão mais preocupados com a festa de noivado em que Alice vai ser pedida em casa-mento por um lorde emproado do

que com o coelho branco, de colete e relógio de algibeira, que acaba de passar por ali a correr.

“A viagem de Alice é muito pessoal e interior. É uma viagem que todos fazemos quando passamos de crian-ças para adultos e estamos a tentar descobrir quem somos”, explica Tim Burton. “Há sempre coisas a passar-se no País das Maravilhas, mas no centro de toda a história está esta viagem interior”. Burton só sabe filmar o que conhece, e se há coisa que conhece é a sensação de ser um jovem desajus-tado, que não pertence exactamente ao mundo em que vive. “Cresci com essa sensação de categorização e nun-ca gostei disso. Quando numa fase das nossas vidas nos sentimos assim con-tinuamos sempre a sentir-nos assim. Mesmo quando casamos, temos fi-lhos, amigos, somos felizes, todas as coisas boas da vida, se alguma vez ti-vemos essa experiência ela nunca nos abandona. Tentamos que ela se vá embora mas ela fica”.

Os seus filmes são sobre isso – Alice “é uma espécie de resistência à cate-gorização”, diz – e a equipa que junta à sua volta encaixa nesse desajusta-mento generalizado. Johnny Depp, para começar (e é o próprio que diz que “houve sempre um atalho” entre ele e Burton, e não esquece que quan-do era considerado “veneno de bilhe-teira”, foi Burton quem insistiu contra tudo e todos que era ele o Eduardo Mãos de Tesoura).

Mas também Helena Bonham Car-ter (a Rainha Vermelha), mulher de Burton desde que ele a dirigiu em “O Planeta dos Macacos” (2001), e que aparece para a conversa com os jor-nalistas espreguiçando-se dengosa-mente, com um cabelo tão extraordi-nariamente caótico como o do mari-do, e fazendo vozes para explicar que a filha de dois anos adora “monsss-tresss” e que nisso “é igual ao pai”.

E agora também a estreante Mia Wasikowska, uma australiana plácida que confessa que até há pouco tempo se sentia igualmente desconfortável em situações sociais, que tinha ten-dência para ficar sozinha e fugir de festas, e que andava, no fundo, à pro-cura da sua toca de coelho para fugir para outro mundo.

Não é por isso de estranhar que to-dos eles tenham mergulhado de ca-beça quando Burton lhes apresentou a oportunidade de passarem para o País das Maravilhas – por muito sub-terrâneo que este fosse. E o que en-contram do outro lado foi um mundo verde. Ou seja, num filme em que uma parte significativa das persona-gens são digitais e em que “nunca ninguém tem o tamanho certo”, como diz Burton (Alice aumenta e diminui, a Rainha Vermelha tem uma cabeça muito maior do que o normal, etc.), os actores reais tiveram que represen-tar num espaço vazio, e verde, em que as outras figuras eram bolas de ténis ou simplesmente pedaços de fita au-tocolante.

“Johnny foi o único que realmente gostou das filmagens”, conta o reali-zador. “Ele gosta de coisas estranhas, por isso achou piada representar pa-ra bolas de ténis verdes. E usou isso para a personagem. Para os outros foi trabalhar no vazio”. Helena Bonham Carter, por exemplo, não se podia es-quecer de que a sua cabeça era enor-me, e que “colidia com todas as coi-sas”. Todos reconhecem que o am-biente foi alucinado.

Burton, que nos últimos oito meses trabalhou na montagem, descreve a experiência como a construção de um “puzzle”. E os actores contam que só na ante-estreia londrina conseguiram finalmente ter uma ideia de como o verde que os rodeou durante tanto tempo se transformou num País das Maravilhas em 3D – tecnologia que o

realizador usou por achar que fazia todo o sentido nesta história particu-lar e com este material (o que não significa que se tenha rendido defini-tivamente).

E Alice no meio de tudo isto? Terá ela perdido a sua “muiticidade” (“mu-chness”), como receia o Chapeleiro Louco? Será que, passados vários anos da sua primeira visita ao País das Maravilhas, agora à beira de se tornar adulta, já não é a mesma Alice? Será que, mais distante de Lewis Carroll e mergulhada no universo “burtonia-no”, é outra Alice? Se calhar são per-guntas que fazem tanto sentido como a que o Chapeleiro insiste em fazer: “Em que se parece um corvo com uma escrivaninha?”.

Se calhar, como diz Burton, não há uma Alice certa ou uma Alice errada – a história é “território aberto” e per-tence a quem se apoderar dela.

Os problemas de identidade não são novos. Mesmo no livro, Alice so-freu sempre dúvidas desse tipo. “Se-rá que me modifiquei durante a noite? Deixa cá ver!”, interroga-se depois de cair pela toca do coelho e quando ten-ta passar por uma porta pequenina para o País das Maravilhas. “Ainda seria a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho a vaga sensação de me ter sentido um pouco diferen-te. Mas se não sou a mesma, então a pergunta seguinte será: - Quem serei eu, afinal! – Ai, esse é que é o grande problema!”.

Na verdade não é um problema. Se formos fiéis ao espírito original da história e se, como Alice, de espada Vorpal na mão frente ao Jabberwock, conseguirmos “pensar em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almo-ço” e acreditar em todas elas, então também nós seremos já “almost Ali-ce”.

Ver crítica de filmes págs. 42 e segs

Num filme em que uma parte das personagens são digitais, os actores tiveram que representar num espaço vazio, e verde, em que as outras figuras eram bolas de ténis ou simplesmente pedaços de fita autocolante

Burton só sabe filmaro que conhece, e se há coisa que conhece é a sensação de ser um jovem desajustado. “Cresci com essa sensação de categorização e nunca gostei disso”

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 21

O que aconteceu com Alice?

Há dois tipos principais de acontecimentos nas narrativas de Alice: físicos e de linguagem. No “País das Maravilhas”, Alice incomoda-se com ambos e ora se queixa de já não saber bem o que é por ter mudado tantas vezes de tamanho num só dia (conversa com a Lagarta), ora se queixa de que é terrível conversar com as criaturas que encontra por causa da maneira como elas discutem: “É sufi ciente para dar com uma pessoa em doida!”, pensa ela durante a tentativa de falar com o criado-sapo que está sentado à porta da pequena casa onde Alice quer entrar. Mas a loucura, vendo bem, vem da difi culdade de separar claramente os acontecimentos físicos dos fenómenos de linguagem: o difícil diálogo com a Pomba que qualifi ca Alice como uma serpente por causa do seu pescoço, agora tão longo e fl exível, é disso a melhor demonstração.

O que ao mesmo tempo intriga, desconcerta e deslumbra os leitores de Lewis Carroll é a desenvoltura alucinante com que o escritor inglês trata essa exigência mínima da narrativa que consiste em podermos distinguir os acontecimentos uns dos outros e estabelecer com eles uma sequência que lhes dê ordem e inteligibilidade. É certo que Alice está no “País das Maravilhas” e que esse país se revelará, no fi m, ser o dos sonhos, como também é a sonhar que Alice vive as suas aventuras “do Outro Lado do Espelho”, mas ainda assim raras vezes um sonho se terá afastado tanto da “chata realidade” para revelar esse outro mundo onde tudo parece poder acontecer e nada permite dizer ao certo o que aconteceu.

Alice e o policialÀ distância, Alice surge como o contraponto da outra grande invenção narrativa do séc. XIX, ou seja, o género policial. Onde o policial se governa pela ideia de determinar, por via da análise, da dedução e da aplicação de métodos científi cos, uma sequência factual única contraposta a todas as narrativas que a encobrem ou falsifi cam, a fi cção de Carroll explora a possibilidade de fazer confl uir múltiplas histórias para o vértice de um acontecimento que, por isso mesmo, nunca é realmente único.

Quando, depois de encolher até o queixo lhe bater num pé, Alice vê o seu pescoço fi car “de um comprimento incrível”, a sua reação é quase em simultâneo de satisfação e de susto. Não consegue chegar com as mãos à cabeça, mas tenta levar a cabeça até às longínquas mãos e descobre, “encantada”, que “o pescoço se inclinava com facilidade em todas as direções, como uma serpente”. Quem lhe iria dizer que de imediato esta analogia com uma serpente se convertia na evidência, para a

Pomba, de que nada distingue Alice de uma serpente?

Com efeito, a Pomba não é só personagem na história de Alice: é protagonista de uma história dentro da qual Alice irrompe como mais uma entre as criaturas compridas e perigosamente apreciadoras de ovos conhecidas como serpentes. Num encontro, casual ou procurado, nunca é só, portanto, uma personagem que se encontra com outra personagem, mas uma história que se cruza com outra num ponto arbitrário do desenvolvimento de ambas. Com um pescoço tão longo e fl exível, o que se torna difícil se não impossível para Alice é defender a sua identidade como “little girl”. E a conversa acabará pelo reconhecimento de que a diferença entre ser menina ou ser serpente faz muito mais diferença para Alice do que para a Pomba, que aliás acaba sobretudo ofendida quando Alice remata que de qualquer maneira não gosta de ovos crus.

O que aconteceu, então, neste encontro? A pergunta poderia repetir-se desde o princípio da história, desde que Alice viu passar muito apressado um coelho branco com olhos cor-de-rosa a repetir para si mesmo “Valha-me Deus! Valha-me Deus! Vou chegar atrasado!” (no original está “Oh dear! Oh dear! I shall be too late!”, o que talvez faça a sua diferença). O Coelho vai no meio de alguma coisa que Alice ignora de todo e o que desperta a curiosidade da menina é vê-lo tirar um relógio do bolso do colete porque “nunca antes vira um coelho com um bolso do colete do qual tirasse um relógio”. Assim, o único sentido que atribui àquele coelho é o de nunca antes ter visto um igual. Limita-se, pois, a correr e depois a cair pelo poço durante muito tempo, movida pela curiosidade. Atraso e queda mostram o mesmo: a perturbação do sentido determinável é equivalente ao desarranjo do sentido comum do tempo.

Na fi cção policial, a

determinação da hora da morte pode decidir a identifi cação de um criminoso (que não tenha um bom alibi para essa hora); no “País das Maravilhas”, no capítulo do lanche maluco, o Chapeleiro está

preocupado com um atraso de dois dias no seu relógio que marca o dia do mês mas, para espanto de Alice, não marca as horas do dia. Como poderia a velha exigência aristotélica de uma história com princípio, meio e fi m, formando um todo coerente, fi car intacta neste rebuliço temporal? Não admira que o Chapeleiro esteja tão preocupado com o atraso como com a sua causa, que para ele só pode ser uma: a manteiga que a Lebre de Março aplicou no mecanismo do relógio, até ao momento em que a Lebre lhe responde que a manteiga era da melhor e, aí, o Chapeleiro desloca a causa para a faca do pão que a Lebre usou para aplicar a manteiga. Não que a faca fosse a causa: a causa terão sido, sim, as migalhas que a faca trazia.

O Chapeleiro e a Lebre de Março são as personagens que perguntam a Alice a adivinha famosa: qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha? E, perante a impotência de Alice para achar a solução, são também elas que declaram não fazer a menor ideia de qual seja a resposta.

Esta interrupção da sequência convencional em que formular a adivinha pressupõe conhecer-lhe a solução é emblema de um mundo onde todo o verosímil foi substituído pelo imprevisível (o que não quer dizer que tudo seja ilógico ou irracional: a explicação da avaria do relógio do Chapeleiro é até bastante lógica; o estranho é chamar relógio a uma máquina que não indica as horas). Nesse género de mundo a linguagem existe como que em suspenso sobre as coisas que designa. Alice tenta moralizar a propósito deste episódio dizendo que o tempo “não é coisa que se gaste com adivinhas que não têm solução”; e recebe uma notável lição fi losófi ca do Chapeleiro: “Se tu conhecesses o Tempo tão bem como eu, não te referias a ele como uma coisa. É uma pessoa.” Ora, com as pessoas fala-se e foi exactamente porque teve uma quezília com o Tempo (durante um concerto da Rainha de Copas, em Março) que o Chapeleiro deixou de poder contar com os seus favores – o que é outra explicação para a avaria do relógio, mas é sobretudo o que explica a imobilização perpétua nas seis horas (tea-time) do Chapeleiro, do Arganaz e da Lebre de Março.

Se uma adivinha pode não ter solução, uma história como o “País das Maravilhas” pode ser uma espécie de fábula sem moralidade onde no entanto, como diz a Duquesa, “tudo tem a sua moral, se a conseguirmos encontrar.” Na aventura de Alice, o essencial é a transmissão do próprio sonho e não é pouca coisa que um sonho que inspirou um fi lósofo como Gilles Deleuze na escrita do belo livro “A Lógica do Sentido” mereça da própria sonhadora este comentário ao acordar: “Oh! Tive um sonho tão curioso!” Foi só isso que aconteceu com Alice?

Na aventura de Alice,o essencial é a transmissão do próprio sonho e não é pouca coisa que um sonho que inspirou um filósofo como Deleuze mereça da própria sonhadora este comentário ao acordar: “Oh! Tive umsonho tão curioso!” Foi só isso que aconteceu com Alice?

Raras vezes um sonho se terá afastado tanto da “chata realidade” para revelar esse outro mundo onde tudo parece poder acontecer e nada permite dizer ao certo o que aconteceu. Gustavo Rubim

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“Posso mesmo dizer que é a melhor novela gráfica portuguesa que alguma vez li.” Quantas novelas gráficas por-tuguesas conhecerá John Landis? Pro-vavelmente apenas uma, aquela que Filipe Melo lhe mandou pelo correio há uns meses para os escritórios da Ealing Studios, em Londres. Uma no-vela gráfica com lobisomens, gárgu-las, vampiros e zombies, em que o futuro do mundo se decide em Lis-boa, algo que nunca tinha acontecido antes no cinema ou na BD. Invariavel-mente, algo tão apocalítico decide-se em Nova Iorque, Los Angeles, Lon-dres ou Tóquio.

Não é o caso de “As Incríveis Aven-turas de Dog Mendonça e Pizzaboy” ( já conseguem adivinhar quem é o lobisomem?), a tal novela gráfica por-tuguesa para a qual John Landis, re-alizador de “Um Lobisomem Ameri-cano em Londres” e “O Dueto da Corda”, aceitou escrever o prefácio. O ponto de partida: Lisboa, como lo-cal de passagem da comunidade de espiões durante a II Guerra Mundial, serviu também de refúgio para os monstros, uma minoria perseguida. Nesta história, os vilões são outros.

Filipe Melo, o argumentista e aque-le que convenceu Landis a escrever o prefácio – “deve ter visto tanto tri-buto, que teve de assumir a culpa” –, já tinha a história na cabeça desde 2005 e queria fazer um filme. E che-gou a ter propostas portuguesas e uma que veio do estrangeiro, de Uwe Boll, o infame realizador alemão que gosta de adaptar jogos de computa-dor ao cinema e desafiar os seus crí-ticos para combates de boxe – foi assim que ganhou a alcunha de “Ra-ging Boll”.

“Queria que fosse falado em inglês. Quem ler a banda desenhada, vai per-ceber que isto não é apenas portu-guês, é tuga. É muito lisboeta, é um tributo aos filmes fantásticos que vi e ao sítio onde cresci. A conversa com o Uwe Boll foi uma conversa por ‘e-

mail’, mas eu, como sou assim para o magro e não tenho grande capaci-dade como pugilista, decidi não tra-balhar com ele”, recorda. É claro que se lhe aparecesse pela frente alguém como Steven Spielberg, Joe Dante ou John Carpenter, Filipe Melo “daria o dedo mindinho”.

O filme nunca iria acontecer. Não havia euros suficientes para bancar uma superprodução de monstros, pelo menos não para fazer justiça ao filme que Melo tinha na cabeça. E fazia-lhe impressão perder o controlo criativo para outros. “O filme deixou de ser o objectivo. O plano B acabou por ficar muito mais próximo do que eu imaginei que alguma vez o plano A ficaria.”

Pirata e pianistaNo início dos anos 90, Filipe Melo passava horas fechado no quarto em frente ao computador. Os pais pensa-vam que era anti-social, mas os ami-gos estavam ali, como ele, a tentar penetrar em sistemas de segurança. Entrou em empresas de cartões de crédito e descobriu uma forma de fa-zer chamadas telefónicas sem pagar. Até que foi apanhado pela Polícia Ju-diciária, que lhe apreendeu o compu-tador. Sentiu-se “desempregado” e começou olhar de forma diferente para o piano lá de casa.

A pirataria informática foi substitu-ída pelo jazz. Entrou para a escola do Hot Clube “como quem vai para as aulas de natação”. Prosseguiu os es-tudos musicais em Boston e voltou a Portugal. Ganhou prémios, tornou-se professor e tem feito carreira a solo e como acompanhante de vários músi-cos e cantores. A música, aliás, con-tinua a ser a sua maior fonte de ren-dimento e a sua maior paixão. “Sou pianista de profissão. É triste, não é? [risos] O que mais me preenche é a

música, especialmente o jazz, que é música de diálogo, música improvi-sada, é o que eu mais gosto de fazer, se não o fizer sou infeliz.”

Quem sabe se ser pirata informáti-co nos anos 90 não era uma influência de “War Games”, o filme em que Mat-thew Broderick jogava às guerras nu-cleares com “Joshua”, um supercom-

putador militar? É que, antes de ser “hacker” e músico, Filipe, que em 2010 tem 32 anos, foi um consumidor obsessivo de filmes e televisão, em que viu tudo, desde “Taxi Driver”, a “As Aventuras de Jack Burton nas Gar-ras do Madarim”, de “Tubarão” a “Massacre no Texas”, o “Duarte e Companhia” e o “Dartacão”. Um ima-

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Filipe e o destino dQuantas vezes, no cinema ou na BD, o destino do mundo se decidiu em Lisboa? Nunca. Filipe M

e fi lho dos anos 80, acabou com essa falha. E meteu vampiros, zombies, l

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 23

ginário próprio de quem era criança em Portugal nos anos 80.

Clássico e “trash”Para além do piano, Filipe Melo tinha uma câmara de vídeo. Foi com ela que fez os primeiros filmes, com “violen-tíssimas sequências ‘gore’”, que ti-nham como protagonistas os primos e bonecos Playmobil. Ser realizador era um sonho de criança e, depois das primeiras experiências caseiras, só voltou a repetir a experiência em 2003, como produtor de “I’ll See you in My Dreams”, uma curta de 22 mi-nutos e o primeiro (e único) filme de zombies alguma vez feito em Portu-gal, com Manuel João Vieira (Enapá 2000 e Irmãos Catita).

Teve um gostinho de sucesso, com prémios conquistados em vários fes-tivais de cinema fantástico, como o Fantasporto, mas também a experi-ência de viver com um empréstimo bancário. Os pais ajudaram-no a pro-duzir o filme com o dinheiro que ti-nham guardado para lhe comprar uma casa – o empréstimo bancário foi para a casa, que ainda está a pagar.

“Fui aprendendo a gerir a minha própria profissão de forma a gerir es-sa renda e a renda da minha casa. Não me quero fazer de vítima, foi preme-

ditado e é um luxo eu poder ter essa opção, o que significa que, bem ou mal, eu ainda consigo dedicar-me o suficiente para poder dar aulas e con-certos que me permitam ter estes desvarios.”

Filipe Melo sentou-se na cadeira de realizador para o seu projecto não-musical seguinte, “Um Mundo Cati-ta”, uma série de televisão de seis episódios uma biografia ficcionada de Manuel João Vieira mas já com ou-tro tipo de referências, como “O Sé-timo Selo”, de Ingmar Bergman – na abertura de um dos episódios, Vieira joga xadrez com a morte e fala sueco – ou “O Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene – uma cena em que tam-bém entra João Manuel Serra, o “se-nhor do adeus” que cumprimenta as pessoas na zona do Saldanha, em Lis-boa, e com quem Filipe Melo mantém um blogue a relatar as suas idas ao cinema.

“Foi uma experiência intensa para o bem e para o mal. Foi o maior que fiz até agora”, conta. “Um Mundo Ca-tita” foi, no entanto, difícil de vender. Após a sua produção em 2007, a série andou num limbo em que não conse-guia arranjar um canal para o exibir, o que só aconteceu em 2009, na RTP2. Depois, Filipe Melo teve pro-postas para se manter como realiza-dor na televisão, mas nenhuma delas lhe agradou, porque as ideias não eram dele.

Lobisomens e nazisNas 120 páginas de “Dog Mendonça” há provas das referências “eighties” e fantásticas de Filipe Melo. Um exem-plo: página 13, um cartaz de “The Thing”, de John Carpenter e o boneco Marshmallow Man de “Ghostbusters”. Um plágio assumido em forma de ho-menagem. “Vamos roubar, mas va-mos roubar aos melhores”, admite.

Até o tipo de letra do título encerra em si uma referência. Aquelas letras coloridas não enganam: são de “Re-gresso ao Futuro”. Se quisermos ser mais rebuscados, diríamos que é rou-bado a “Howard e o Destino do Mun-do”, um dos grandes “flops” da his-tória do cinema, produzido por Ge-orge Lucas. “Também lá moram tributos à banda desenhada e aos ‘co-mics’, com duas referências em des-taque, ‘Dylan Dog’, uma BD italiana de terror, e ‘Hellboy’, de Mike Migno-la, sobre um demónio que investiga assuntos paranormais.”

Filipe Melo é apenas o argumentis-ta porque desenha “muito mal”. Na verdade, “Dog Mendonça” é uma pro-dução luso-argentina, em que a arte é da responsabilidade de um jovem argentino de 25 anos, Juan Cavia, que nunca tinha feito BD – foi director ar-tístico de “El Secreto de tus Ojos”, filme argentino que está nomeado

do mundoe Melo, ex-hacker, pianista de jazz, argumentista, realizador , lobisomens e nazis pelo meio. Marco Vaza

“Quem ler a banda desenhada, vai perceber que isto não é apenas português, é tuga. É muito lisboeta, é um tributo aos filmes fantásticos que vi e ao sítio onde cresci” Filipe Melo

Filipe Melo, o argumentista, já tinha a história na cabeça desde 2005 – Filipe é apenas o argumentista porque, diz, desenha “muito mal”; a arte é da responsabilidade de um jovem argentino de 25 anos, Juan Cavia

O ponto de partida para esta novela gráfica: Lisboa, como local de passagem da comunidade de espiões durante a II Guerra Mundial, serviu também de refúgio para os monstros, uma minoria perseguida

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este ano para o Óscar de melhor filme estrangeiro - e que Filipe Melo nunca conheceu pessoalmente. A comunicação era feita por Skype, “e-mail”, tudo o que a tecnologia pode fazer para juntar pessoas de continentes diferentes.

Apesar da distância, Filipe Melo ficou contente com o resultado. “A relação objectivo-resultado é o melhor do que qualquer coisa que eu já tinha feito. Fico conten-te por ver qualquer coisa que não foi corrompida, em que não

tive de fazer concessões”, diz Filipe Melo, que já tem ideias para uma se-gunda parte, cujo título será “Apoca-lipse”, maior em tudo, já que não tem de pensar como se fosse um filme – já agora, quando “Dog Mendonça” ain-da era um filme, Filipe Melo tinha du-as hipóteses para ser o João Vicente “Dog” Mendonça, investigador do oculto e adepto do Benfica: Nicolau Breyner e Manuel João Vieira.

Mais uma vez, foi Filipe Melo quem bancou a produção do projecto e não tem ilusões quanto a recuperar o in-vestimento. “Não vou ganhar dinhei-ro com isto, juro! [risos] Queria contar uma história”, diz o autor, que chegou a encarar a hipótese de lançar o livro em edição de autor depois de a sua primeira editora ter mudado de ideias e antes de conseguir o apoio da Tinta da China para a impressão, promoção e distribuição.

Não há um limite mínimo de ven-das para Melo avançar com a parte dois de “Dog Mendonça”, mas não deixa de ser uma aposta arriscada lançar um objecto com zombies, na-zis, mutantes e lobisomens num país que nunca se distinguiu muito na pro-dução de fantástico. “Acredito que há uma grande paixão por este género cá que ainda não foi devidamente ex-plorada. Nunca faltou imaginação aos portugueses e isso vai começar a ma-nifestar-se agora, há uma geração que está agora a trabalhar e que é uma geração que tem este imaginário, é inevitável que haja uma revolução. Acho que as pessoas têm alguma von-tade de ver monstros, pelo menos tenho essa fé.”

Pergunta final: que monstro seria Filipe Melo? “Júri do ‘Ídolos’. Haverá monstro mais arrepiante que esse?”

Nas páginas de “Dog Mendonça” há provas das referências “eighties” e fantásticas de Filipe. Um exemplo: página 13, um cartaz de “The Thing”, de Carpenter e o boneco Marshmallow Man de “Ghostbusters”. “Vamos roubar, mas vamos roubar aos melhores”

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26 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

Lee Child, pseudónimo de Jim Grant, é um autor britânico radicado em Nova Iorque que tem arrebanhado prémios com os seus “thrillers”, on-de não poupa esforços ao herói por si criado, Jack Reacher, ex-combaten-te da Polícia Militar americana, duro e solitário, de porte atlético e senhor de infindáveis recursos físicos e psi-cológicos.

Child estudou na King Edward’s School em Birmingham – a “alma ma-ter” de outros escritores como J.R.R. Tolkien e Enoch Powell – e iniciou a sua carreira na Granada Television, onde fez parte das equipas que pro-duziram algumas das suas mais me-moráveis produções – “A Jóia da Co-roa”, “Brideshead Revisited”, “Cra-

cker” e “Prime Suspect” – que incluíram uma pesquisa alargada e procura aturada de informação. Não é de estranhar que a sua obra como escritor reflicta o ritmo do cinema de acção e das séries televisivas e que o herói tenha o mau humor de um John McClane (Bruce Willis na série “Die Hard”) ou a solidão de um Jack Bauer (Kiefer Sutherland em “24 Horas”)

Em “Amanhã Será Outro Dia” Rea-cher apanha o metro em Bleecker Street em direcção à parte alta de Ma-nhattan. Por deformação profissional observa as poucas pessoas que se-guem na carruagem àquela hora tar-dia. Uma mulher chama-lhe a aten-ção: ele está treinado para reconhecer os sinais que apontam para o reco-

nhecimento de uma bombista suicida. São 12 os pormenores que ele conhe-ce de cor e que caracterizam os que estão prontos a morrer, matando, e ele sente-se compelido a intervir. No entanto, algo não bate certo.

É a partir deste incidente que Child compõe uma trama complicada em que entram bons e maus polícias, bons e maus espiões, maus – muito maus – bandidos e boas – muito boas – pessoas que o ajudam a vencer as forças do Mal numa cidade frenética e labiríntica onde tudo pode aconte-cer, em cada esquina.

Com mais dois títulos publicados em Portugal – “Rumo ao Inferno” e “Do Fundo do Abismo” ambos pela Asa – e um público fiel, Lee Child

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 27

mo gente civilizada a a uma resposta brutal”

m “cowboy” urbano solitário que, em “Amanhã Será Outro Dia”, fareja o terrorismo bombista. s temas de eleição. Helena Vasconcelos

ofereceu-se para responder a algu-mas perguntas do Ípsilon. O seu trabalho anterior, na televisão, teve algum peso quando resolveu tornar-se escritor? Não, nesse tempo sentia-me feliz com o que estava a fazer e nem pensava tornar-me romancista. Quando se deu essa mudança, tive o cuidado de não transpor demasiadas técnicas de televisão no meu novo trabalho de escrita, uma vez que são linguagens diferentes.

Um livro que tenta ser um guião, ou vice-versa, acaba por se transformar num mau exemplo de ambos. No en-tanto, a nível básico creio que manti-ve a noção de que a minha intenção é sempre a de agradar a uma audiên-cia que não é constituída por mim, pelos meus amigos, pelos críticos, mas por homens e mulheres comuns.Criou um herói que, para além de solucionar mistérios e de ter uma acção determinante, possui também uma biografia. É um homem maduro, vivido – sofrimento, viagens, experiência erótica e historial de luta –, que não pertence a nenhum lugar, que sabe o que é o sucesso e o falhanço. É uma personagem “humana”. É o seu alter-ego? Creio que todos os heróis ficcionais se baseiam na autobiografia dos seus criadores. Reacher partilha algumas das minhas características. Mas a me-lhor maneira de responder à pergun-ta será assim: eu faria o que Reacher faz, se tivesse a certeza que me safava sem ser apanhado. Desde “Do Fundo do Abismo” (“Killing Floor”, 1997), o primeiro dos seus “thrillers” com Jack Reacher, até “Amanhã É Outro Dia” (“Gone Tomorrow”, 2009), o seu herói parece menos motivado pela testosterona, mais avisado, mais calmo. Ao atribuir à personagem uma história que se vai desvendando tinha a intenção de desenvolver o seu herói, em termos psicológicos, de livro para livro, ao contrário de Ian Flemming, que fazia surgir o seu James Bond uma e outra vez sem nunca lhe atribuir o efeito do envelhecimento ou do amadurecimento? Tento que Reacher não mude de livro para livro, porque acredito que os meus leitores apreciam o encontro com uma experiência previsível e de confiança. Mas é verdade que ele mu-da um pouco, porque eu também mudo. Envelhecemos e tornamo-nos mais calmos e mais sábios, juntos. Embora a maior parte dos críticos identifiquem Jack Reacher com personagens saídas da imaginação de outros autores do género, como John Le Carré e Len Deighton, será

legítimo afirmar que o seu herói tem raízes mais fundas, ligadas ao mito do herói solitário, ao “cowboy”, ao estranho que chega à cidade e faz o seu trabalho, partindo de seguida sem esperar pelas honras inerentes ao facto de ter conseguido – com as próprias mãos – “limpar o lugar da escumalha”? Absolutamente. Ele faz parte de uma tradição mítica que inclui os heróis dos “westerns”. Mas tudo começou anteriormente com as histórias escan-dinavas da Idade das Trevas que in-vadiram a Europa na Idade Média e alcançaram a América no século XIX. É uma tradição de fronteira ligada a

espaços vazios e perigosos. As amea-ças são vencidas por um estrangeiro misterioso – o cavaleiro andante, o xogun errante, o “cowboy” – que sal-va tudo e todos “in extremis”. Numa época em que todos dependem da tecnologia, por que razão criou um herói que nem um telemóvel tem?Exactamente para enfatizar a ausên-cia de contacto de Reacher com o mundo moderno, mantendo-o firme-mente dentro dos parâmetros da tra-dição. Enquanto o seu herói é, digamos, convencional nos seus métodos, as mulheres são inteiramente contemporâneas. Não há “mulheres fatais” mas sim mulheres inteligentes, corajosas, perspicazes. Não se fazem de vítimas, não mostram sinais de fragilidade, são “sexy”, atraentes e agem em conformidade com essas características. Concorda com esta análise? Bem, adoro mulheres que sejam for-tes, inteligentes e cheias de recursos e, por isso, tento retratá-las dessa for-ma. Talvez seja a razão pela qual Re-acher se tornou tão popular entre as leitoras – ele gosta e respeita as mu-lheres, não toma atitudes condescen-dentes para com elas. Reacher é um ex-combatente que continua em missão. É muitas vezes afirmado que a maior desvantagem das pessoas nessa situação é terem uma família, alguém que amam e por quem são amados. A segunda maior fragilidade é terem um passado que pode ser usado contra eles. Foi por essa razão que preferiu criar uma personagem que não tem ninguém e cujo passado está envolto em mistério? Não há dúvida que é uma vantagem para Reacher, embora a razão literá-ria para esta característica esteja re-lacionada com o seu estatuto de so-litário, de herói, de cavaleiro no sen-tido metafórico e não como um homem real.

Pensa que essa “pureza” que o seu herói ostenta – nenhum “gadget”, nenhum subterfúgio –, que se apoia na perspicácia, na força e na vantagem de um bom treino é a melhor arma de

todas? Diz-se que a arma mais valiosa

de um soldado é o seu cére-bro e eu tento mostrá-lo. Jack Reacher pode não ser real – embora na sua página Web http://www.leechild.com seja tratado como tal, um pouco à maneira de Sherlock Holmes. Mas os perigos que enfrenta são bem reais. Neste

“Ele [Reacher, a personagem dos livros] faz parte de uma tradição mítica que inclui os heróis dos ‘westerns’. Mas tudo começou antes com as histórias escandinavas da Idade das Trevas que invadiram a Europa na Idade Média e alcançaram a América no século XIX”

A sua obra como escritor reflecte o ritmo do cinema de acção e das séries de TV e o herói tem o mau humor de um John McClane (Bruce Willis em “Die Hard”) ou a solidão de um Jack Bauer (Kiefer Sutherland em “24 Horas”)

livro trata-se de terrorismo, algo muito assustador, porque é fácil de executar. Os terroristas podem actuar em qualquer lugar, são destemidos e não têm medo de morrer. Parece defender a ideia de que para os combater é necessário utilizar tácticas de guerrilha – Jack Reacher é um Rambo largado na cidade sem recursos a não ser a sua astúcia. Acredita que só é possível combater o terrorismo utilizando as mesmas tácticas? No mundo verdadeiro, não. Os países ocidentais são patéticos ao tornarem-se imitação de terceira categoria da antiga Alemanha de Leste nos seus esforços de combate a um problema que é estatisticamente menor. Mas os livros não são o mundo real, são fantasias escapistas onde é possível fazer uso de instintos mais violen-tos. Voltando ao livro: o herói não confia nos serviços de

espionagem e informação. Os Serviços Secretos não se saem nada bem nesta história. Aquilo que surge nas notícias afecta-o? O que é que tem falhado realmente [no combate ao terrorismo]? A comunicação defeituosa entre agências? Um recrutamento mal dirigido? A promiscuidade na política? O maior problema reside no facto de escolherem sempre o caminho mais fácil para se safarem. Os países mais “maduros” deviam utilizar meios mais exigentes, se isso se coadunar com as suas tradições. De contrário, somos todos terroristas.O tema principal dos seus livros está ligado a uma força que impele as personagens para um desejo de justiça e de verdade? Ou será de vingança? O meu tema de eleição é este: com-portem-se como gente civilizada ou estão a abrir a porta a uma resposta brutal e não civilizada.

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MUSEU DO ORIENTE

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28 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

“Ó” é uma cosmogonia de 220 páginas. Em Novembro, chegou aos finalistas do Prémio PT (e venceu) como uma espécie de estrangeiro. Porque o autor, Nuno Ramos, é conhe-cido como artista plástico e desconhe-cido como escritor (os seus livros an-teriores apareceram nas margens do mercado, com tiragens pequenas). Mas também, ou sobretudo, porque “Ó” não se parece com nada. Julgamos re-conhecer aqui Kafka e ali Proust (e Ba-taille, Lispector, “Gilgamesh” ou Her-berto?). Mas na passagem seguinte já não sabemos onde estamos. Poucos títulos serão tão perfeitos. “Ó” é um big bang, o tempo circular em que tudo coexiste, a infância da terra e a memória de um homem, a violência de uma jaula e a epifania da mão que toca o corpo adormecido a seu lado. “Com as mãos devolvo ao mundo o meu próprio tamanho”, diz o homem de “Ó”. É um homem subversivo, que defende a imobilidade e vê como a sen-tença pode ser outra forma de crime. Um homem sem deus, que a partir de uma linguagem tão misteriosa como exacta cria o mundo: pele, pêlos, pis-tilos, fluidos, pedras, asas, cinzas. Não é um romance, mas tem uma es-pécie de protagonista do começo ao fim. Não é um livro de contos, mas es-tá dividido em capítulos que se podem ler separados. O autor diz que é algo entre poesia e pensamento. Paulista, 49 anos, Nuno Ramos é filho de uma brasileira e de um português exilado, que morreu quando ele tinha 14 anos.A palavra “exílio” é recorrente neste livro, e no capítulo 16 diz: “Há para todo o filho a sombra projectada de um pai morto.” Qual é a história do seu pai português?

Estar aqui é de algum modo viver es-se fantasma. Começando pelo fim, o meu pai morreu uma semana depois do 25 de Abril.Dia do aniversário dele. É. E ele morreu um pouco de alegria, acho. Era uma pessoa muito contida, e estava eufórico com o 25 de Abril. A casa ficou muito cheia de gente nessa semana, não paravam de entrar aque-les portugueses exilados, um clima eufórico. Foi uma morte muito trau-mática para nós, porque ele estava bem. Teve um AVC no banho e morreu. Puf. Era uma pessoa muito ligada à li-teratura. Dava aula de literatura fran-cesa, porque não conseguiu entrar na cadeira de literatura portuguesa. Exi-lado de Portugal no sentido mais pro-fundo, subjectivamente também.Era de onde?De uma aldeia perto da Covilhã, e veio para Lisboa novinho. E era do partido comunista.Foi sempre. Exilou-se quando?Foi em 1951-52 para França, onde de-ve ter vivido três, quatro anos. Traba-lhou no “L’Express”, conheceu a mi-nha mãe lá, namoraram por carta, e ele foi para o Brasil em 1956-57. A sua mãe é brasileira.Filha de pessoas ligadas ao partido comunista. Minha avó era muito co-munista. O meu avô chegou a ser can-didato a deputado pelo PC. Em que atmosfera cresceu?Era o tempo da ditadura, e a ditadura emburrece tudo. Quando me dei por gente já achava tudo muito burro, as opções, as discussões. Minha mãe fa-lava para mim: “Toda geração tem seu reaccionário, você é o da sua.” O meu pai, quando estava de bom humor e resolvia falar, subia o nível. Era um comunista que achava os males do

comunismo menores do que os do capitalismo. Minha avó não, era sec-tária, doente, punha a bengala assim: “Não fale mal de Estaline!”Era isso que o aborrecia, essa ortodoxia?É, nunca levei isso muito a sério. A di-tadura no Brasil foi muito feia dos meus oito aos 14. Quando fiquei um pouco mais velho foi uma distensão, os presos políticos já não estavam apanhando. Mas os presos comuns apanham até hoje. O Brasil tem uma violência social ímpar no mundo. Agora, eu convivi pouco com meu pai.Falavam de livros?Muito. Meu pai queria ser escritor e não foi. Tentou escrever e acabou sen-do um crítico. Ele me mimava muito, botava muita pilha, tudo o que eu fazia ele gostava. Por exemplo, qaundo eu tinha uns 12 anos e saiu o “Cem Anos de Solidão”, ele estava com uns colegas de faculdade, todo o mundo elogiando, e eu, aquele pirralha, falei mal do livro. E me lembro que ele babava de orgu-lho. Acho que fui muito criado para ser alguém com opinião forte. E tentei mui-to ser escritor na adolescência, ainda mais depois de ele morrer. Escrevi lou-camente dos 12 aos 20 anos, todo o dia. Detestava aula de artes plásticas na es-cola. Até hoje não sei desenhar, não tenho habilidade nenhuma. E escrever, escrevia muito, em vários géneros, po-ema, ensaio, romance. Lia bastante. Era uma coisa muito carregada pela morte do meu pai. Mas não me sentia chamado [pela escrita]. Acho que virei artista plástico numa crise total com a literatura. Escrevia e depois não gostava?Isso. Eu dormia na biblioteca do meu pai, que era um quarto fora de casa, então dava para levar a menina. Era

a biblioteca paterna, kafkiana, e um lugar de maior facilidade erótica. E eu tinha uma [máquina de escrever] Olimpus. Escrevia, relia. No dia se-guinte acordava e achava aquilo ruim. Uma coisa meio de Sísifo. Ainda tentei canção, mas foi um desastre. A coisa com as artes plásticas foi um pouco por acaso, ganhei umas tintas numa época em que estava tentando aliviar o meu juízo.Já estava a estudar filosofia?Acabando, talvez. Estudar filosofia foi entender que eu não era um intelec-tual, no sentido de um comentador. Eu tinha colegas muito mais brilhan-tes, os caras liam melhor, entendiam melhor, sabiam alemão. Pode ter do-ído, entender esse limite, mas não doeu tanto, porque o que eu queria era ser artista. Só não tinha certeza do meio, ainda?A coisa da literatura não estava rolan-do. O fantasma de qualquer artista não é a arte ruim, é a esterilidade. Arte ruim é algo que você faz antes de dominar, algo a que vai chegar dentro de dois anos. Trabalho estéril é triste. É parecido com brochar, sexualmen-te: não tem, não vem, não houve. Eu estava-me sentindo assim, estéril. Artes plásticas, comecei com nin-guém. Não sabia porra nenhuma. Não tinha pessoa próxima que tivesse qualquer capacitação nessa área. Eu fazia trabalhos horríveis, mas fazia dez por dia. Me animei assim louca-mente, e nunca mais parei. Lembro-me de pegar aquele papel, derrubar a água, cair a tinta, e era uma coisa fora de mim. Era corpo. Precisou de ir para fora para voltar para dentro? De agarrar a matéria para ficar sem matéria?Tem alguma coisa dessa minha expe-

riência com a matéria que nunca mais saiu. Eu tenho um impulso retórico forte, uma crença na linguagem meio religiosa. Enquanto isso não ganhou um corpo, eu não sabia do que estava falando. No fundo era isso: escrevia e não sabia do que estava falando. Até hoje, o meu medo é não saber do que estou falando.No “Ó” diz que trocaria toda a matéria por um nome. Como se fosse capaz de dar a arte por um bom livro.É. Talvez. Não sei, não.Agora que tem... quantos anos como artista?25, 30.Vê estas duas coisas como alternativas, co-existentes ou inimigas?São coexistentes, embora a ideia de heteronimia me fascine desde peque-no. Há dez anos fiz uma retrospectiva no Rio, obras da vida toda, com um curador de Bordéus. E no final ele perguntou: “Quem é o outro artista?” Eu disse: “Como assim? Sou eu.” Sempre tive uma certa dúvida se isso era uma potência ou um defeito. Pro-curo muito habitar vozes diferentes, separar, não deixar a amálgama ga-nhar. Agora, eu sei que não tenho um projecto intelectual que justifique vozes, num sentido pessoano. O meu esforço é não deixar juntar. Quando escrevo, escrevo. Está a falar de períodos?Não, de partes do dia. Este livro foi trabalhado ao longo de seis anos.Mas juntamente com outro que sai agora, e mais um que sai no final do ano. Eu escrevo bastante de manhã e ao fim-de-semana. À noite, nunca. De manhã gosto do que faço, à noite não. E tenho de desligar o telefone, por-

Ó E Nuno Ramos criou o mundo

A arte fi cou dócil? Este artista brasileiro acha que sim. “Ó” é o seu “big bang”, o livro em que cria o mundo em vez de coincidir com ele. Lemos e não sabemos onde estamos. Ganhou o último Pémio PT de Literatura. Entrevista em Lisboa, um regresso às origens. Alexandra Lucas Coelho

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Hoje, o perigo é a arte coincidir com o que lhe pedem. Haver uma empatia tão grande que fi que todo o mundo de mão dada.

Qualquer arte não coincide com a história.

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30 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

que minha vida são as artes plásti-cas, e chovem coisas. Então, desligo, e tem umas duas horas de manhã em que dá para escrever. Depois eu vou para o atelier e o mundo cai.É um programa diário?É. Quando estou muito envolvido, especialmente para o lado do poema, acontece em horas improváveis. Es-crevo muito tomado. Quando vou para o atelier, não escrevo, não dá. A vida de artista plástico é muito práti-ca. Você bola uma coisa, tem que ver a fundição, se o cara está conseguin-do, a galeria não sei quanto, o cara não sei onde. É uma confusão. Há esse lado para fora e de negociação, de espectáculo mesmo, nas artes plásticas. E o movimento da escrita é aparentemente contrário.Artes plásticas, é o seguinte: a matéria cai. Agora vou fazer duas esferas enormes de areia socada no Museu de Arte Moderna do Rio. Tecnicamen-te é um cu. A gente está estudando, tem uma negociação que é um pouco da ordem da arquitectura. Isso não é chato?Não, é altamente inspirador. Eu ado-ro.Porquê?Quando cai, você percebe. A matéria não está bem compactada. Tem sem-pre esse desafio, tentativa e erro. Por exemplo, fui mexer com sabão. A pri-meira vez, a gente quase morreu, quatro toneladas, a gente fabricando aquilo. Artes plásticas tem esse lado. É matéria, físico. Eu gosto de mais. Você descobre muita coisa quando sai errado. Nunca delego, tenho de estar lá. Mas é uma negociação. A li-teratura é uma coisa minha. Estou lá sozinho, tentando entrar em contac-to com alguma coisa. E há o momento no seu percurso de artista em que regressa à escrita.Eu tive um desenxabimento, uma de-sinibição quando virei artista plástico, inclusive no sentido de topar fazer coisa ruim. Não tinha muito claro o que era bom e o que era ruim. Quando voltei a escrever, já estava no meu trilho, que é o “Cujo” [livro de estreia]. E o “Cujo” começa um pou-co como uma prosa de atelier, eu des-crevendo experiências. Tinha 28 anos, algo assim. São aforismos, frag-mentos. No “Inferno” do Strindberg, que eu li depois, tem algo assim, uma alquimia com a matéria. Logo saltou disso para uma certa autonomia po-ética. O “Ó” é um “Cujo” expandido. Vem de lá esse tom de falsos ensaios, mal intelectualizado. O “Pão do Cor-vo” [segundo livro] já é mais uma narrativa, como vai ser esse novo, “O Mau Vidraceiro”, que vem de um con-to dos pequenos poemas em prosa do Baudelaire. São várias narrativas?Muitas, 70. Também tem uns pensa-mentos que não são bem narrativas.O “Ó” é difícil de encaixar. Descreveu-o como algo entre poesia e pensamento. Pode ser visto também como partes de uma biografia. Mas se pensar na sua família, penso na “Paixão

Segundo GH”, de Clarice Lispector, mas também nas cosmogonias do princípio da linguagem, no “Gilgamesh”.É. E [Giambattista] Vico, um pouco.Este homem, este gigante, este corpo em expansão, pode ser visto como a sua criação do mundo. Faz sentido? Faz. Gosto de mais de cosmogonias, até fujo um pouco delas. No “Cujo” tem muito esse tema. Em “Ó” está a desafiar tudo. Todo esse clima do que era antes dos homens e do que era antes da linguagem, toda a evocação das matérias, das pedras, dos animais. Mas depois, também, o

cem chineses escrevem a palavra improvável, etc, et). E diz que há duas armas contra isso: memória e epifania. Começando pela memória, cita sempre Proust como um autor fundamental para si. Aqui estamos, em 2010, e aqui está Proust. Porque é que continua a ser tão importante?O que posso dizer com segurança é que acho a coisa mais bonita que já li. O que procuro no meio da minha tralha é uma espécie de conexão in-findável, em que tudo conecta como se a linguagem fosse vegetal, fosse jogando pistilos que vão fecundando em outros, aquela teia de relação que não permite que a frase feche, aqueles parágrafos que vão-se somando. E você começou naquele vestido da Ma-dame Verdurin e termina numa falé-sia da Normandia, e não sabe como passou do reino social para o reino da natureza. Acho que essa conexão infindável é o reino da arte. A arte não explica, ela é presença. E essa presen-ça no Proust é muito dilatada.Cria a realidade.Cria. Nada causa nada. A linguagem vai por analogia. Proust é analogia pura, tudo é análogo. Então, isso pa-ra mim é uma espécie de vingança contra a asma dele, aquela falta de fôlego. Em “O Pão do Corvo” há uma secura, enquanto “Ó” é caudaloso, muito mais essa coisa proustiana. Ou seja, caminha da secura para o caudaloso.Isso. “O Pão do Corvo” vem de uma influência grande do Beckett, que é o anti-Proust, tudo é contenção, a frase curta. Eu precisei disso, mas acho que o meu elemento tem essa conectivi-dade infindável. Os meus quadros-relevos, de que gosto bastante, têm essa conectividade infindável. Vou juntando, juntando, vai passando pe-la cor, vai indo. De novo, a pergunta é: quem é o outro artista? Onde é que juntam? Onde é que “O Pão do Corvo” junta com o “Ó”?Mas por que tem de juntar?Porque talvez seja mais rico. O Pessoa junta. O controle intelectual [dos he-terónimos] é dele. Sobre a epifania, tem esta frase no “Ó”: “Maravilha, exerce tua navalha, degola o dia antes que eu me conforme.” E liga-a ao erotismo. A linguagem escava a memória, e depois a epifania é o momento em que as coisas se ligam todas?É o contínuo. É o que Bataille fala do erótico. O momento em que a vida fica contínua, em que a descontinui-dade radical de tudo vai embora. Acho uma ideia muito bonita. No ero-tismo você passa de uma coisa para outra sem obstáculos. No “Ensaio Ge-ral” [livro que reúne ensaios, guiões, projectos] fiz um texto, uma espécie de teoria do futebol, em que usei essa ideia. O golo é o momento descontí-nuo e a jogada é o momento contínuo, erótico. Então, quem gosta de futebol é lógico que torce pelo golo, mas o tesão mesmo é a jogada. O golo ins-taura a descontinuidade radical, fica cravado, o “placard” final é quase

mundo da lei, da forma como os homens se organizam. Uma re-cosmogonia.Uma escatalogia, quase. E onde po-nho isso tudo? Estou escrevendo so-bre temas enormes, sobre os quais pessoas enormes escreveram. A mi-nha confusão adolescente era um pouco isso. Essa cosmogonia, ou o que seja, são os textos de que gosto mais. Falo que é poesia porque sinto que mando nas palavras. Quer dizer, não estou-me deixando usar pelas palavras para veicular uma narrativa. Acho que é a minha voz mais original, onde aparecem as coisas mais surpre-endentes, que acho mais bonitas. Mas quando estava fazendo o “Ó”, pensei:

“Cara, eu preciso parar com isso, não vou fazer um livro de mil páginas.”Podia ter mil páginas.Podia. Mas quis comprimir, voltar àquele homem no fim para dar uma unidade ao livro. Quando narro, sinto uma linguagem mais impura, como se ela me estives-se dominando, e não eu a ela. Em troca, viajo numa coisa chamada nar-rativa, fica legal, eu me deixo ir. Mas [nos textos não-narrativos], me sinto mais autoral. É uma voz mais próxima do poema. Em “Ó” escreve sobre a simultaneidade que cria um presente infindável (por exemplo, enquanto falamos,

O golo é o momento descontínuo e a jogada é o momento contínuo, erótico. Então, quem gosta de futebol é lógico que torce pelo golo,

mas o tesão mesmo é a jogada.

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uma lápide. Não há nenhum outro jogo no mundo em que haja uma se-paração tão grande entre “placard” e jogo. O “placard” nunca conta o jo-go. Acho que o futebol, que é das coi-sas que mais amo na vida, tem essa ambiguidade. Um time perde 20 go-los, e o outro faz um golozinho besta. Tem uma tragédia [nisto]. Não há co-mo conciliar essas duas forças. Acho que é por isso que o futebol não entra nos Estados Unidos. Eles preci-sam quantificar tudo, e o futebol é falha, o jogo é mais do que consegue quantificar.Nas minhas coisas de que gosto mais esse aspecto desimpedido está mais intenso, quando o texto pega uma continuidade em que me surpreendo. Ao mesmo tempo, tenho de criar uma certa reacção, porque essa força vai ficando muito abstracta. Então, às ve-zes eu crio uma tralha, que é uma es-pécie de “placard”, para tentar ser coerente com esses dois impulsos.Como se o texto fosse uma matéria que tem que domar.É. Domar, lutar, conter. Escrevo mui-to por impulsos e preciso de dar um jeito nisso.No começo do “Ó”, quando fala do aparecimento da linguagem, fala nos homens mudos com nostalgia, aqueles que podiam continuar de cabeça erguida, como se a linguagem fosse uma capitulação, a nossa fraqueza. É isso mesmo. Os coitados que tenta-ram resistir acabaram sendo massa-crados pelos falantes que capitularam e deram nome às coisas.Tem uma admiração por esse tempo sem linguagem.É o meu outro, porque tudo em mim é linguagem. Eu falo para cacete! É o que faz o milagre do pôr-do-sol não ser de um, mas de vários. A lin-guagem comunica. Aos 49 anos, diz que está a começar. Isso é de um grande optimismo.A frase que me vem, andando sozinho, é: “Eu ainda não comecei. Eu preciso começar a fazer qaulquer coisa. Quan-do é que vou começar, caramba?” Sinto essa coisa para a frente. É uma coisa jovem, de acreditar.Isso. Kierkegaard diz que trocaria tu-do, todo o dinheiro, todas as mulhe-res, pelo sentimento do possível, uma frase que eu adoro. A arte é isso, o sentimento do possível. Porque a vida vai calcificando, vai ficando totalmen-te dominada. Ecologia, feminismo, minorias étnicas e sexuais, vai ficando um discurso de consenso.O que há a fazer? Contrariar?Mas não directamente, porque é ridí-culo. A arte pode vir disso, mas não pode ser a reprodução desse discurso, tem que ter uma alteridade. O artista ficou muito dócil. Hoje, o perigo é a arte coincidir com o que lhe pedem. Haver uma empatia tão grande que fique todo o mundo de mão dada. Qualquer arte não coincide com a his-tória. Tem um pé na história, mas tem um pé no signo. Hoje, é muito coin-cidente, muito ligada ao presente. Você vê uma capela do Giotto. Aquilo é sobre franciscanismo? É. É sobre

cristanismo? É. Mas eu não sou fran-ciscano nem cristão e aquilo foi pin-tado para mim, hoje.O risco da arte, hoje, é que se torne rapidamente irrelevante?Que seja um momento de outra coisa que não ela. Qual é o lugar de deus na sua cosmogonia? Não está lá, ou está?Acho que não. Este seu homem está sozinho.Eu acho. Gostei dessa ideia do gigante que fosse tudo. Queria muito fazer algo que é o boneco de piche [betu-me], em que tudo gruda, que vai fi-cando uma bola. No próximo livro há várias coisas sobre o boneco de piche. Ele vai perdendo forma, e a resistência é para dar forma de novo. Talvez em menino eu fosse só um boneco de pi-che, não conseguia isolar nada. Me sinto atraído por tudo, meu trabalho tem muita influência. Muita coisa en-tra nele. No “Ensaio Geral” tem guiões de filmes, de teatro. Tenho usado muito teatro nas artes plásticas, vozes diferentes. Vou sendo atraído e isso é um pouco monstruoso. Onde é que estou?É o Ó.É.O bom do Ó é que cabe lá tudo.É um círculo. Que leu de literatura portuguesa recente?Precisava ler mais, tenho a maior ver-gonha. Gostei do Gonçalo [M. Tava-res, um dos finalistas do Prémio PT vencidos por Nuno Ramos]. Li dois, “Aprender a Rezar na Era da Técnica” e “Jerusalém”. Dos portugueses finalistas [os outros eram Lobo Antunes, Inês Pedrosa e José Luís Peixoto] será o que tem mais relação consigo. É um cara sem alívio imaginativo, que é uma coisa de português, não tem imaginação, fica dando volta, as per-sonagens não decolam. É um Kafka misturado com “Livro do Desassos-sego”. É português para cacete. Tudo pequenado, não voa. E esse enclau-suramento é que acho bonito. Leu Herberto Helder?Li, gostei muito.O “Ó” lembra, por vezes.Sabe porquê? É porque tem o Drum-mond. E o Drummond é Deus. Aí é foda. Aí o Herberto entra como um momento do fôlego drummondiano. Li só “Ou o Poema Contínuo”, gostei de mais. Me identifiquei muito. Lobo Antunes?Li dois do começo, “Os Cus de Judas”, e “Memória de Elefante”. Achei bom. Tem uma raiva boa. Talvez uma difi-culdade em transformar a raiva em amor. Precisa gostar muito do mundo para odiar tanto. Mas tem uma voz ali, não é? Talvez só tenha uma. Esse é o grilo. O legal do Dostoiévski é que aque-le negócio vira 300 pontos de vista.E brasileiros? Nos últimos 15 anos?[Pausa] Ninguém. Que eu tenha ama-do, como gosto da Clarice? Nin-guém.

Ver crítica na próxima semana

Nuno Ramos veio a Lisboa lançar a edição portuguesa de “Ó”,publicado na Cotovia

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No princípio, uma conhecida compa-nhia de teatro dinamarquesa, Hotel Pro Forma, convidou-os para compo-rem uma ópera inspirada na vida e obra de Charles Darwin, a estrear em 2009, assinalando os 150 anos de “A Origem das Espécies”. O convite foi endereçado no início de 2008. Os ir-mãos suecos The Knife hesitaram. Nunca tinham escrito um libreto. A ópera era um universo distante. Karin Dreijer Andersson, irmã mais velha, já havia iniciado o processo criativo em torno do projecto solitário Fever Ray, revelado o ano passado através de um álbum, e Olof Dreijer, o benja-mim, andava ocupado. Mas depois de alguma reflexão, aceitaram. Para os ajudar convidaram o músico e cantor inglês Planningtorock e o americano Mt. Sims. Mais tarde, juntou-se-lhes a mezzo soprano Kristina Wahlin Mom-me, a actriz dinamarquesa Laerke Bo Winther e o cantor pop sueco Jona-than Johansson.

A ópera acabou por estrear em Se-tembro, em Copenhaga, estando ago-ra em circulação. O CD-duplo conten-do a música acabou de ser lançado, suscitando as reacções mais desen-contradas, naturais sempre que um objecto artístico é isolado da totalida-de para o qual foi imaginado.

O grito e o sonhoOs The Knife são uma das unidades criativas mais fascinantes do nosso tempo. Desde 1999 lançaram apenas três álbuns (“The Knife”, em 2001, “Deep Cuts”, em 2003 e “Silent Shout”, em 2006), tendo sido o últi-mo aquele que lhes angariou culto. Percebe-se porquê. É um disco admi-rável, feito de uma música tão suges-tiva fisicamente quanto capaz de in-vocar estranhas projecções mentais. Canções feitas a partir de vozes des-figuradas, electrónica metalizada e ambientes neuróticos. Um som sinté-tico, mutante, pós-tecno e pós-pop.

Mas são mais do que um projecto

No caso dos The Knife é como se fôssemos transportados para um sonho, onde existe um desejo de gritar, mas nada sai. É um universo de não ditos, de algo familiar e estranho, em simultâneo, aquele que não se cansam de propor, utilizando música, símbolos e imagens como mais ninguém. Daqui até à ópera, o espectáculo total, parece um passo normal

sica

Os irmãos Karin Dreijer Andersson e Olof Dreijer

No princípio era a ópera

Os suecos The Knife, um dos projectos mais marcantes da pop, ocompuseram uma ópera baseada em “A Origem das Espécies” de Darwin. O resultado é uma intrigante e fascinante

electro-ópera: “Tomorrow, In A Wear.” Vítor Belanciano

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 33

A dupla envolve-se totalmente nos processos criativos onde a sua música é sugerida: fotos, capas, vídeos, concertos ou internet

musical, sendo muitas vezes compa-rados a Bjork na forma de operar. Percebem-se os paralelismos. Como a islandesa, também a dupla se envol-ve nos processos criativos onde a sua música é sugerida: fotos, capas, víde-os, concertos ou internet.

Como nos dizia, em 2006, Olof Dreijer: “Não damos muita importân-cia à imagem, mas a partir do momen-to em que sabemos que vão querer utilizá-la, preferimos ser nós a pensar nela. Preferimos que comunique qual-quer relação com a música.”

Daí as fotos com máscaras. Os víde-os, muitos deles concebidos pelo ar-tista visual Andreas Nilsson, com cria-turas belas e bizarras, ou os raros concertos, de cenários envolventes. Nos espectáculos ao vivo há sombras, clarões, seres estranhos projectados em telas, gráficos ininteligíveis que parecem ter sido retirados de um la-boratório científico, algo de profun-damente misterioso, mescla de reali-dade quotidiana elevada ao excesso e matéria da ordem dos sonhos.

O ano passado, em entrevista, aquando do lançamento do projecto Fever Ray, a loira Karin Dreijer dizia-nos algo de muito expressivo a este propósito: “Os sonhos são sempre mais reais, no sentido de serem reveladores, do que a realidade. Nos sonhos não existe espaço para a censura. Ou para a auto-censura. A música, parece-me, pode ter esse poder também. Isto é, pode ser qualquer coisa que ilumina algo que não tínhamos consciência que estava lá, mas estava.”

Alguma da melhor música popular é feita a partir do grito. No caso dos The Knife é como se fôssemos trans-portados para um sonho, onde existe um desejo de gritar, mas nada sai. É um universo de não ditos, de algo fa-miliar e estranho, em simultâneo, aquele que não se cansam de propor, utilizando música, símbolos e ima-gens como mais ninguém.

Uma orquestra endoidecidaDaqui até à ópera, o espectáculo total, parece um passo normal. Até porque, no seu caso, tudo se interliga. Na maior parte dos casos, partem de ideias pré-definidas. Neste caso, o motivo inicial era “A Origem das Es-pécies”, livro publicado em 1859. Pe-lo meio interrogaram ideias (origem, tempo, verdade, realidade) que não são novas neles. Algumas elucidadas, o ano passado, por Karin. Dizia-nos: “Gosto de trabalhar por aproxima-ções e sempre que me apetece alte-rando a ideia inicial. Não vejo duali-dades na minha música. Vejo coisas que se interligam. Como a ideia de tempo. O passado, o presente e uma ideia possível de futuro não têm que se contrapor. Pelo contrário, confun-dem-se. O mesmo com as ideias de verdade e realidade. Quando me pin-to, ou ponho uma máscara, posso ser mais verdadeira do que sem ela.”

“Tomorrow, In A Year” reflecte também estas concepções, apesar do ponto de chegada ser diferente. Há temas que evocam o passado recente dos The Knife, mas na maior parte do tempo ouvimos música concreta, em particular sons da natureza, e um tipo de sonoridade que Olof já descreveu como o resultado de “uma orquestra clássica a tocar como se tivesse endoi-decido.” Qualquer coisa como um encontro entre música de vanguarda dos anos 40 e 50 com ruídos electró-nicos de 2010.

A primeira metade da obra é mais impenetrável, com sons sobrepostos por ambientes coloridos que vão sen-do distorcidos por vozes e ecos da natureza – em “Variations of birds”

ouvimos diferentes estágios de sons de pássaros.

A segunda metade é mais calorosa, incluindo canções como “Annie’s box”, sobre a relação de Darwin com a filha, ou “Colouring of pigeons”, no meio de divagações sobre biologia.

Um dos pontos de partida para o trabalho foram gravações de campo efectuadas por Olof, numa viagem, em Novembro de 2008, pelo Ama-

zonas. Um mergulho na selva, mu-nido de gravador e mi-

crofone, absorven-do a biodiversidade da natureza, da qual resultam sons

de pedras, chuva, ven-to ou de animais.

No princípio fartaram-se de ler também. “Lemos as mais variadas coisas sobre Charles Darwin, desde livros, artigos, literatura de outros sobre ele, ou notas do próprio”, des-crevia Olof à publicação inglesa “Fact”. “Foi muito excitante, come-çámos por fazer pequenos exercícios musicais a partir das teorias que ía-mos lendo. Era como traduzir, direc-

tamente, a teoria para a música. Na verdade, todas as escolhas musicais estiveram relacionadas com as suas teorias.”

O libreto tinha que reflectir uma linguagem vitoriana de 1800 e daí que Ms. Sims, com aptidões poéticas mais clássicas, tenha sido convocado, con-trapondo ao lado mais abstracto e contemporâneo de Karin, reflectindo diferentes estilos líricos. Uma mistu-ra procurada em todos os planos da produção, de forma a que música e palavras reflectissem mudança, di-versidade, ligados de forma não hie-rarquizada.

Alguns textos resultam de listas e descrições científicas. Aparentemen-te poderia existir alguma dificuldade em interpretá-los. Poderia até não existir uma aproximação emocional. “No início isso sucedeu”, já confessou Karin, “mas depois de semanas a so-letrar as palavras, aquelas frases e descrições, é como se elas começas-sem a criar emoção por si próprias. Charles Darwin trabalhou com ciên-cia, mas escrevia de forma bela, às vezes até muito romântica. Tinha uma

forma muito atraente de descrever aquilo que via.”

No final do projecto, o duo diz ter ficado a admirar Darwin. Uma das dimensões que mais os surpreendeu foi a naturalidade com que foi capaz de modificar e acrescentar elementos à obra “A Origem das Espécies”, que teve seis edições, a última publicada 13 anos depois do original. “Na ciên-cia, como na arte, continuam a sub-sistir ideias românticas sobre o que é criar”, diz Karin, “como se existissem pessoas que fossem possuídas por inspiração divina. Darwin é o contrá-rio disso. Leu, pesquisou, criou e foi readaptando o seu conhecimento.”

Talvez inspirados por isso, os suecos colocaram o álbum no seu site para ser ouvido, remisturado, reinterpre-tado ou transformado por quem qui-ser, desde que numa base não-comer-cial. No princípio, “Tomorrow, In A Wear” era uma ópera do grupo de te-atro Hotel Pro Forma. Depois tornou-se num álbum dos suecos The Knife. Agora pode ser o que quisermos.

Ver crítica de discos págs. 68 e segs

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34 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

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Quando Jimi Hendrix aterrou em Lon-dres em 1966, tinha a seu lado Chas Chandler, o antigo baixista dos Ani-mals que lhe prometera uma carreira em Inglaterra. Era um perfeito desco-nhecido, mas isso duraria pouco tem-po. Ainda antes de gravar o seu pri-meiro single, “Hey Joe”, já um rumor percorria a “Swinging London”. A de que o mais extraordinário guitarrista chegara à cidade e que vê-lo ao vivo era uma experiência transformadora. Transformou, pelo menos, Eric Clap-ton e Pete Townshend, distintos heróis da guitarra na capital inglesa - tornou-se imortal a exclamação do guitarris-ta dos The Who depois de ver Hendrix pela primeira vez: “Estamos acaba-dos!” Tal era o impacto do homem que, meros meses antes, lutava para pagar as contas do mês como músico acompanhante dos Isley Brothers, Lit-tle Richard ou Ike & Tina Turner.

Em Londres, não tardou a causar impacto: “Hey Joe” e “Purple haze”, os singles, a fazerem-se ouvir por to-do o lado, e “Are You Experienced?”, o álbum, a revelar um músico que, como nenhum outro, transportou o blues para a era psicadélica. Ali, em Inglaterra, era impossível ignorá-lo: não era só a feitiçaria eléctrica da mú-sica, era também a sua imagem, de uma exuberância em contraste com a lendária timidez que exibia na inti-midade. Nos Estados Unidos, o seu país, foi necessário esperar um pouco mais. Porém, quando a ele regressou, não poderia pedir melhor cenário.

Junho de 1967, pré-época do cha-mado “Verão do Amor”. Na Califór-nia, em Monterey, organizou-se o primeiro festival pop de alcance glo-bal. Estavam lá muitos dos grandes: os Byrds e os Buffalo Springfield, os Mamas & The Papas e Simon & Gar-funkel, os The Who na sua primeira grande apresentação americana. E, claro, um tal Jimi Hendrix que, de en-tre os presentes, poucos para além de Otis Redding e os Booker T & MGs, antigos companheiros de Jimi no cir-cuito r&b, conheceriam. Coube às olheiras de Brian Jones, dos Rolling Stones, a apresentação. Coisa sim-ples: “Senhoras e senhoras, The Jimi Hendrix Experience!” O que se seguiu foi tudo menos simples.

Começou com uma versão de “Killing floor” que dilacerou e atirou para a estratosfera o original de Ho-wling Wolf. Apresentou “Purple haze” e “Hey Joe”. Homenageou Bob Dylan com uma reverente “Like a rolling sto-

“Jimi Hendrix não tomou mais drogas do que Keith Richards ou John Lennon”, disse ao Ípsilon John McDermott, jornalista com quatro livros dedicados a Hendrix e um dos responsáveis pela obra do autor de “Foxy lady”

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 35

No casulo de Jimi HendrixO álbum póstumo “Valleys of Neptune” é um retrato de Jimi Hendrix na intimidade.

Em 1966, aterrara em Londres um perfeito desconhecido. Em 1969, o ano que o disco cobre, atingira o topo em Nova Iorque. E procurava um próximo passo que,

tragicamente, nunca chegou a dar. Mário Lopes

Of Neptune”, apesar de conter um par de canções gravadas em Londres, re-presenta o esquisso de algo que nun-ca chegou a ser.

Hendrix nunca gravaria um sucessor para “Electric Ladyland”. Morreria em Londres, a 18 de Setembro de 1970, aos 27 anos. Combinação letal: álcool a mais e comprimidos a mais. Combina-ção perfeita para a mitificação: desde então, a imagem que se retém de Hen-drix é de alguém que representou co-mo poucos os excessos da sua época. McDermott recusa-a por completo: “Tenho a certeza de que não tomou mais drogas do que Keith Richards, John Lennon ou qualquer outro artista daquela era. O seu comportamento de risco resultou por acidente na sua mor-te, e essa é a verdadeira tragédia”.

Ao estudar o percurso de Hendrix, John McDermott não viu qualquer aceleração final para o abismo, não encontrou um Jimi vivendo os últimos meses como um acidente à espera de acontecer. Pelo contrário. Se havia excesso, era na forma como fazia tan-to com tão pouco tempo: “A noção de que tudo aquilo [o sucesso] podia acabar estava muito presente. Se nem o rock’n’roll era tido como garantido, o sucesso de Jimi muito menos. Por isso a mentalidade, particularmente a do seu manager, era a de aceitar to-do e qualquer concerto, onde quer que se realizasse: ‘Não há problema, apanha um avião!’ Nunca houve pla-nos a longo prazo”.

Hendrix, que aprendera com as des-venturas financeiras dos bluesmen que tanto admirava, era detentor da sua própria obra – algo quase inédito à al-tura – e com o dinheiro que ela lhe de-ra a ganhar construíra em Greenwich Village os Electric Lady Studios. Ainda assim, como conta McDermott, “teve de lutar [com o manager] por um acor-

do que lhe permitisse gravar durante a semana e dar concertos ao fim de semana – algo impensável nos dias de hoje para um artista da sua dimen-são”.

Eis então Hendrix em 1969, nos Electric Lady Studios. A gravar infati-gavelmente, regravando e remisturan-do e tentando integrar novos músicos, do baixista Billy Cox, o amigo de in-fância que substituíra Noel Redding, membro fundador dos Experience, aos músicos que encontrava no The Scene, o clube instalado numa cave, a dois passos dos estúdios, de que era habitué, passando por gente que lhe cobrava favores de há anos ou pelo taxista simpático que, a meio da via-gem, lhe confessava ter algum jeito para as congas. “Quando foste pobre, quando lutaste tanto durante a vida, é difícil não estender a mão aos ami-gos”, relembra McDermott. “Dois anos antes, Jimi era um músico sem direito a holofotes. Era considerado um guitarrista excêntrico cujo amor pelo blues parecia antiquado perante a popularidade do r&b. Um gajo por-reiro para contratar, nunca um ‘front-man’. Quando chegou o sucesso, apro-veitou para fazer a sua volta de honra: ‘Olhem para mim agora!’ E tinha mui-ta gratidão a pagar: pessoas que lhe tinham emprestado cinco dólares, uma guitarra ou um sofá para dor-mir”. Durante a gravação de “Electric Ladyland”, todos eles tinham entrada garantida nos estúdios. Depois, tudo se tornou demasiado.

As groupies, os penetras, as sessões de gravações transformadas em festas intermináveis. “Pediu ao Eddie Kra-mer [engenheiro de som] que assu-misse o papel de ‘gajo mau’. Era ele que mantinha o controlo da situação, que tirava as pessoas do caminho”. Com ajuda preciosa: à entrada dos

estúdios, foi instalada uma campai-nha e uma câmara para denunciar entradas indesejáveis. No casulo de Hendrix, passou a entrar apenas quem ele desejava.

Entre uma viagem até Inglaterra para um concerto no Royal Albert Hall, no Inverno, e a entrada para a história em Woodstock, com a inter-pretação de uma “Star Spangled Ban-ner” corroída pelos ecos da guerra no Vietname, a rotina de Hendrix fazia-se no circuito delimitado pelo estúdio e pelo The Scene. “Levava lá o Billy Cox, que tinha ido buscar a Nashville, e viam bandas tão diversas como os Doors ou os Sha Na Na, viam bluesmen, viam o Jeff Beck e ‘jama-vam’ noite fora”.

O perfeito desconhecido que, me-ros três anos antes, aterrara em Lon-dres com Chas Chandler, atingira o topo do planeta. Vivia entre dois mun-dos: o mundo antigo dos blues em que se formara e o mundo novo da con-tracultura que representava, dos so-nhos sci-fi que tanto admirava e que traduzira em música. Desfeita a sua banda original, mudado de Londres para Nova Iorque, o homem que nun-ca se separava da guitarra tocava e tocava. Procurava qualquer coisa.

“Valleys of Neptune”, onde se agru-pam novas canções como “Lullaby for the summer”, velhas regravadas, como “Stone free”, e ‘jams’ para ole-ar os improvisos ao vivo, caso da ver-são de “Sunshine of your love”, é um retrato de Jimi Hendrix na intimidade, sem invenções de produção, despido à energia básica de baixo, bateria e guitarra.

Um compasso de espera em busca de um próximo passo que, tragica-mente, nunca chegaria a dar.

Ver crítica de discos na pág. 68 e segs.

“Dois anos antes [de regressar aos EUA], Jimi era um músico sem direito a holofotes. Era considerado um guitarrista excêntrico cujo amor pelo blues parecia antiquado perante a popularidade do r&b. Um gajo porreiro para contratar, nunca um ‘frontman’. Quando chegou o sucesso, aproveitou para fazer a sua volta de honra: ‘Olhem para mim agora!’”John McDermott

ne” e, no final, não deixou espaço para nada mais do que a prostração peran-te a ferocidade do seu talento. A “Wild thing” que ali se ouviu não se limitou a amplificar o tom ameaçador do ori-ginal dos Troggs: numa vertigem de feedbacks e riffs ensurdecedores, com Mitch Mitchell a atacar a bateria como furacão destruindo tudo o que se lhe atravessou pelo caminho, Jimi Hendrix não deixou pedra sobre pedra. Literal-mente incendiário, o final da canção, com ele ajoelhado frente à guitarra, fita no cabelo desgrenhado, camisa amarela saindo do colete, a lançar-lhe fogo e a sacrificá-la, projectando-a ao chão, em chamas, repetidamente. É até hoje uma das imagens mais fortes da iconografia rock’n’roll.

Nascera uma estrela. “Voltar aos Estados Unidos e ser bem-sucedido como americano significava muito para ele”, diz John McDermott, antigo jornalista cuja obra inclui quatro li-vros dedicados a Hendrix e desde há alguns anos um dos responsáveis, juntamente com Janie Hendrix, meia irmão do guitarrista, pela obra do au-tor de “Foxy lady”. McDermott con-tinua a falar-nos do Monterey Pop Festival: “Era como que uma valida-ção do seu talento voltar a casa e mos-trar a todos que podia ser aquilo que sempre quisera: um músico por direi-to próprio, não um mero acompa-nhante.” Falamos com McDermott não pelo que aconteceu ali, mas pelo que aconteceu depois.

Entre o estúdio e o clube“Valleys Of Neptune”, colecção de canções gravadas em 1969 que será lançada na próxima segunda-feira co-mo álbum póstumo de Jimi Hendrix, é a razão pela qual falamos com John McDermott. Em “Hendrix: Setting The Record Straight”, biografia que editou em 1992, o percurso do músico é acompanhado semana a semana, dia a dia. Em “Valleys Of Neptune”, o álbum agora editado, acompanhamos Hendrix no seu casulo, em 1969.

Desde Monterey, editara “Axis: Bold As Love” e o álbum duplo “Electric Ladyland”. Os dois discos, com can-ções como “If six was nine”, “Cross-town traffic” ou “Voodoo chile”, a par das digressões constantes, transfor-maram-no numa estrela de dimensão planetária. Radicado em Nova Iorque, construíra os Electric Lady Studios, o seu refúgio do estrelato, o laboratório onde pretendia desenvolver as suas cada vez maiores ambições. “Valleys

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36 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

No seu blogue, Poor and Lonely, Chaz Bundick vai colocando fotografias dos amigos, nas mais variadas circunstân-cias. Bebem cerveja, dormem, andam de bicicleta, deitam-se na relva, fitam a máquina fotográfica, vêem o tempo passar. Fazem o que ele, Dundick, tam-bém faz para ocupar o tempo. Não há qualquer “glamour” de estrela pop, qualquer fosso entre o artista e o ou-vinte: Bundick, 23 anos, músico, fotó-grafo e designer gráfico, é um tipo nor-mal. Mas foi também um dos nomes mais citados na blogosfera em 2009, enquanto Toro Y Moi.

A memória de tempos mais simples (a infância, o Verão, o surf, as tardes passadas a ver televisão), evocada pe-las fotos cheias de grão e pelas canções de Bundick, é uma das narrativas do-minantes no actual cenário indie - ar-tistas como Memory Tapes, Neon In-dian e Ducktails não têm feito outra coisa. “São canções muito terra-a-terra sobre pessoas com quem costu-mo falar. Por vezes, gosto de ir às mi-nhas fotos buscar ideias para as le-tras”, confessa, ao telefone, a partir de Columbia, no estado da Carolina do Sul, EUA. “Fartei-me de fazer refe-rências metafóricas e de ser poético nas letras. E comecei a cantar da for-ma que falo. Por vezes, gravava direc-to, sem ter as letras escritas, só para me ajudar a ter uma ideia do assunto que queria falar”.

Este lote de artistas (que mereceram rótulos exóticos como “chillwave” ou “hypnagogic pop”) são, salvo raras ex-cepções (como o mais obscuro James Ferraro), artistas totalmente adaptados aos tempos modernos, em que blogues de mp3 como o Stereogum são tão ou mais influentes que uma revista de mú-sica. Porém, interessam-se pela pop de outros tempos, mesmo a mais duvido-sa, e fazem o culto de objectos obsole-tos como as cassetes.

O burburinho do ano passado (Kanye West chegou a elogiá-lo no seu blogue) desenrolou-se sem que Bundick tives-se um álbum (chega agora e chama-se “Causers of This”). Meia mentira: já tinha lançado vários registos, em CD-R ou cassetes, que distribuía pelos ami-gos. “Nem lhes chamava álbuns. Fazia 12 canções e punha-as num CD. Foi com ‘Causers of This’ que tentei fazer um álbum. E foi um dos maiores desafios que tive ao fazer música: como se es-creve um disco que tenha transições, diferentes estados de espírito? Mas foi divertido e aprendi muito”, diz.

Em 2009, não havia álbum de Toro Y Moi, mas já não espanta que um ar-tista faça o seu caminho sem essa en-tidade tão século XX chamada “ál-

Toro Y Moi

dança sobre as ruínas da pop

Chaz Bundick pega em canções pop e faz algo de novo e alinhado com o espírito do tempo. “Causers of This”, o seu novo disco, sintetiza algumas das tendências centrais

da actual música indie. Pedro Rios

sica

bum”. “Tive a ideia de mandar mp3 para alguns blogues que seguia. Quan-do vi que funcionava, avisei os meus amigos, como o Ernest [Greene, Wa-shed Out] e, de repente, ele estava nos mesmos blogues.”

FantasmasA música de Toro Y Moi ocupa um curioso lugar, algures entre a ética “in-die” e a atracção irresistível pela pop. Bundick elege como heróis musicais Michael Jackson (fez até uma versão de “Human Nature”, que ofereceu no seu

blogue), Madonna, Elvis Costello, “mui-ta new wave, nada muito obscuro”, tudo “coisas que eram populares na altura e que passavam nas rádios de massas”. Mas não nega a influência dos Animal Collective – notória, sobretudo, na canção “Blessa”.

A pop dos anos 1980 (com os seus sintetizadores, batidas e guitarras de funk branco) habita a sua música, não de forma explícita, mas como sugestão (ou fantasma), através de retalhos pi-lhados a canções alheias, muitas delas desconhecidas, meras notas de rodapé

ou detritos da pop. Não está sozinho na aplicação deste método: a parte ins-trumental de um dos hinos “indie” de 2009, “Feel It Around”, do seu amigo Washed Out, consistia apenas num “sample” de “I Want You”, de Gary Low, desacelerado e encharcado em reverberação. “O que faço é parecido”, diz Bundick. “Ele transformou essa canção em algo melhor. Nas minhas canções nem se consegue reconhecer de onde vem”, acrescenta. “Gosto de fazer referências a géneros e a canções do passado porque cresci a ouvi-las.

Fazer de algo velho algo novo é impor-tante no meu processo de criação”.

Em “Causers of This” recorreu a “samples” que encontrava no YouTube e noutras fontes. “Nem me lembro que canções usei. Tenho os títulos no meu computador. É uma decisão quase in-consciente. Procuro canções até en-contrar algo que soe bem”, explica.

Talvez seja natural, nestes tempos em que toda a música gravada está disponível na Internet, que a música baseada em “samples”, até aqui rela-tivamente confinada a géneros como

o hip-hop, chegue com mais força à pop e ao rock independentes. “A nos-sa geração está a ficar mimada por causa da tecnologia”, reconhece. “É bom trabalhar num computador por-que temos ali todos os instrumentos, mas no próximo álbum [será editado ainda este ano] quero afastar-me o máximo disso”, avisa. Ou seja: vai gra-var guitarra, baixo e bateria, como se fosse uma banda.

Os discos que lançou em micro-editoras ou por conta própria servi-ram de tubos de ensaio para “Causers of This” e para o que se seguirá. “De-morei este tempo a chegar à forma de isto funcionar, de ser algo que as pes-soas querem ouvir”, diz Bundick, que começou o projecto Toro Y Moi aos 15 anos, ainda no liceu. “Antes misturava as coisas folk e as coisas electrónicas no mesmo disco. Decidi agora fazer um disco e depois outro que será o oposto. Gosto de música pop. Só que-ro fazer canções pop”.

Ver crítica de discos págs. 68 e segs

“São canções muito terra-a-terra sobre pessoas com quem costumo falar. Por vezes, gosto de ir às minhas fotos buscar ideias para as letras”

Bundick elege como heróis Michael Jackson, Madonna, Elvis Costello, “muita new wave, nada muito obscuro”

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38 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

No Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, é hoje inaugura-da a exposição antológica “À Luz da Sombra”, que reúne trabalhos de Lourdes Castro (1930, Funchal) e Ma-nuel Zimbro (1944-2003). A mostra, comissariada por João Fernandes, percorre a obra de dois artistas que partilharam parte das suas vidas: “A gente fez tudo juntos, nem que só fos-se fazer o almoço para o outro”, nota a madeirense, numa conversa acerca de sombras em que também se fala de amigos, de livros, da natureza.

Lourdes Castro é produtora de uma vasta obra atravessada sobretudo pe-lo tema da sombra, e que pode ser lida a partir da sua permanente trans-formação. A sua actividade artística inclui a produção da revista KWY, 12 números realizados em Paris, entre 1958 e 1963, em colaboração com Re-né Bertholo. A publicação, que nunca terá mais de 300 exemplares, incluiu outros nomes quer na sua concepção, como Christo, Escada, João Vieira e Jan Voss, quer no elenco dos convi-dados para cada edição. No início dos anos 60, surgiram os objectos: acu-mulações de “tralhas que já não ser-vem para nada”, coladas sobre antigas telas e pintadas da cor do alumínio. Sucedem-lhes as sombras projectadas e os contornos: retratos de amigos realizados sobre tela ou em coloridos e recortados plexiglass. Mais tarde, no Verão de 1968, surgiram as “Som-bras deitadas” bordadas em lençóis. Na Madeira, em 1972, Lourdes Castro irá reunir “O grande herbário de som-bras”: 100 sombras de espécies botâ-nicas “tomadas directamente ao sol, sobre papel heliográfico”. O “Teatro de Sombras”, já experimentado des-de 1966, irá assumir um papel rele-vante na actividade da artista a partir de uma estada em Munique, entre 1972 e 1973: “Durante o espectáculo eu sou a sombra e o Manuel é a luz.” Tudo na direcção do nada, situação tornada visível através de “Peça”, um objecto desenhado em colaboração com Francisco Tropa para a Bienal de S. Paulo, em 1998.Quanto nasceu a ideia desta exposição?Quando fiz as “Sombras à volta de um centro.” Um dia, o João [Fernan-des] foi à Madeira falar-me numa ex-posição com os plexiglass, os lençóis,

aquelas coisas todas, mas nunca uma retrospectiva exaustiva.Porquê “nunca uma retrospectiva”?Porque é muito. Cansava-me eu, can-sava-se o João, cansava-se toda a gen-te e mesmo as pessoas para verem o que se tem nas gavetas, os livros, as coisas todas que fizeste durante tan-tos anos… é demasiado para uma ex-posição e mesmo para um museu. O João dizia: fazemos uma exposição mais pequena das coisas do Manuel [Zimbro]. Comecei a pensar nisso: a gente fez tudo juntos, nem que só fos-se fazer o almoço para o outro.Cada exposição era partilhada…O Manuel ajudou-me muito: conhe-

cemo-nos, eu estava no teatro; por-tanto, já foi mesmo a dois: a sombra e a luz.Conheceram-se quando?Em Paris… 72, 73. Depois fomos para Berlim.A Lourdes nasceu em Dezembro…Sim. Sou Sagitário, mas depois há o ascendente que conta.Qual é o seu?Peixes. Sou bicho, sou animal, sou gente, tenho uma flecha e ainda sou peixe: sou da água.A flecha…Estou sempre a ver para a frente.O Manuel Zimbro tem um texto intitulado “A Sombra da Flecha”, escrito em 1992… O Sagitário é metade cavalo, metade homem – um centauro –, e depois a flecha é a direcção para a frente. Es-tou sempre a prever coisas. Tenho esta tendência, mesmo para esta ex-posição. É o aceitar naturalmente as coisas: se tu souberes onde é que an-das e o que é que estás a fazer. Não é? Nós pertencemos ao universo, não estamos fora. A astrologia tem tanta importância como outra coisa qual-quer. No fundo, se se separou as coi-sas foi para as estudar. Pegando na ideia da flecha, um dos livros que a marcou foi “Zen e a Arte do Tiro com Arco”, de Eugen Herrigel…Às vezes são bóias de salvação. Quan-do o Ocidente já não estava a respon-der ao que se perguntava, foi muita gente ao Oriente. E voltou; como o senhor Herrigel, que esteve lá, estu-dou e aprendeu o japonês. Essa troca vem responder a coisas, como a reli-gião: são respostas que a um certo momento batem certo, que nos ali-viam, que nos ajudam. Na Madeira, estive no Colégio Alemão desde o jardim-de-infância: foi a minha avó que me ensinou a ler, a avó da Praia Formosa. Ela já sabia uma coisinha de alemão, porque o professor de piano lhe ensinou. Ela também sabia inglês e francês: foi a primeira aluna do liceu da Madeira. Nessa altura, a gente não percebia muito, a avó con-venceu os meus pais que os pequenos tinham de ir para a escola alemã, que dava uma certa organização. Ela lá sabia, porque era professora.Tudo isto levou-a a ler o livro…

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“À Luz da Sombra” não é uma retrospectiva exaustiva do trabalho de Lourdes Castro: “As coisas todas que fizeste durante tantos anos... é demasiado para uma exposição e mesmo para um museu”

“A minha pintura é esta:

o viver, o estar cá”Lourdes Castro está em Serralves, numa exposição antológica partilhada, como a vida, com

Manuel Zimbro. A sombra e a luz. A inauguração é hoje. Óscar Faria

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 39

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O Colégio Alemão fechou quando começou a guerra, no início dos anos 40, sou pré-histórica… Ainda me lem-bro das professoras a tricotar coisas para os soldados. A minha avó disse: “Os pequenos devem continuar…” Prossegui as lições com uma senhora alemã, uma botânica que vivia sozi-nha e dava lições particulares. Tinha estado na América do Sul e um quar-to cheio de papagaios e um tucano. Depois, uma sobrinha dela, que es-tava na Alemanha, mandou-lhe um livro que tinha acabado de sair. Ela leu-o e disse-me: “Empresto-te”. Era o “Zen e a Arte do Tiro com Arco”, do Herrigel. Li-o em alemão: “En-quanto não fores a flecha…” Tens que ser tu com o que fazes; se não, há separação. Continuou a alimentar esse interesse pelo zen?Não só o zen, mas também a Índia. O [Rabindranath] Tagore, que também li em traduções alemãs… todo aquele ar que vinha de lá, sem ser os desco-brimentos, o que vem na História.Foi alguma vez à Índia ou ao Japão?Nunca fui. O Japão às vezes é como se lá estivesse… voltando um pouco atrás, o João tinha-me dito que se fa-zia uma exposição do Manuel, com as coisas dele, a “História Secreta da Aviação.” A gente sempre fez juntos; às vezes, pode não vir o nome no ca-tálogo, mas foi ele que fez o desenho deste [o catálogo de “Além da Som-bra”, CAM, Gulbenkian, 1992], escre-veu o texto e escolheu os fragmentos dos “Álbuns de Família”. A “Monta-nha de Flores” [1988-…], foi o Manuel que fez a instalação. É mágica, eu nunca teria chegado ali: punha as flo-rinhas, caíam as pétalas. Disse ao João: a exposição tem que ser Lour-des e Manuel ou Manuel e Lourdes, a luz e a sombra; não se pode separar.

Até bebemos um champanhe nesse dia. Tinha uma garrafa pequenina e fizemos um brinde: pronto, a expo-sição está feita. E o João disse: “Com certeza”. Não posso deixar de lhe perguntar o que significam os caracteres japoneses impressos na sua t-shirt …É o “Sutra do coração” [um dos textos fundamentais do Budismo Mahaya-na]. Tenho um amigo na Madeira que me diz: “Lourdes, quando pões essa t-shirt é como a gente na escola quan-do punha a t-shirt para os exames”. O “Sutra do coração” é muito impor-tante. Há muitos sutras no “Prajnapa-ramita” [escrituras budistas que tra-tam do tema da perfeição da sabedo-ria; a mais antiga foi escrita por volta do ano 100 a.C.]. Não sou supersticio-sa… cada um de nós tem sempre as-sim umas coisinhas… uma pedrinha que põe no bolso. O sutra é uma coisa que protege, “c’est ça”. Tens uma coi-sa para o frio [um casaco] e depois pões algo que protege.Quando é que começou a realizar os “Álbuns de família”?Quando comecei as sombras – há as silhuetas no século XVIII e depois sa-bes vagamente umas coisas, já viste. São, no fundo, para perceberes onde é que tu estás e o que é que estás a fazer. Acho que em 1965 acabei o pri-meiro, mas foi em 1963 que comecei a colar naqueles álbuns.O que coloca nesses álbuns?É pena, na exposição só vai estar uma página aberta. Se o chamei “Álbum de família”, é como se fosse uma fa-mília nossa, onde tens os primos che-gados, os irmãos, os amigos: depois, há os que estão mais longe, mais afas-tados. No fundo, só podes ver em ti e é aí que deves chegar; mais nada. Continua a fazer “Álbuns de família”?

Continuo, porque ainda me apare-cem coisas. Quantos volumes já realizou?34… O Fidel de Castro, quando fumou um charuto da Holanda, disse: “Es paja”, é palha. Há coisas que são pa-lha; mas é bom ver-se que nos álbuns há alguma palha. Os álbuns são só acerca de sombras?O Arp está lá, mas não é com uma sombra. As formas dele já são muito puras, porque, no fundo, ninguém sabe o que é a sombra… O senhor Go-ethe, na teoria das cores, fala em som-bra colorida. E depois fazem-te com-panhia, tu não estás sozinha e perce-bes melhor. Ou tu és um pintor primitivo, e estás no teu cantinho, ou então, se estás de olhos abertos, trata de aprender tudo o que há por aí. No fundo, para si, a sombra não tem uma conotação negativa…Sei que tirei as sombras da sombra. Dei-lhes corpo, porque fiz os plexi-glass, mas este é transparente, tem menos matéria. Os lençóis, não os ia fazer em plexiglass, porque a gente não se deita em cima desse material e o plástico também não é agradável… Não se trabalha só com a cabeça: tra-balho muito com os olhos e com aqui-lo que se ouve: trabalha-se com tu-do.Os plexiglass são sobretudo retratos de amigos…Eles tinham de me emprestar a som-bra. Tinham de estar quietinhos, mas às vezes era difícil.Começava por realizar um desenho?Sim, sobre papel. Depois “passava-os a limpo” para o plexiglass. Com o sol é muito difícil também, porque a som-bra mexe imenso. Se pões um papel, muda imenso. No fundo, a sombra é a parte imaterial das pessoas: o espí-rito, a alma...

No caso dos lençóis, ao contrário do que acontece com os plexiglass, os corpos retratados são anónimos…Ao princípio, nos plexiglass, tomei a decisão de só passados dez anos dizer quem é, porque senão começavam: “está parecida”, “não está parecida”, “o nariz é tal e qual”. Nos corpos, co-mo é nos lençóis, é mais íntimo: não ponho o nome, há o respeito pelas pessoas. São amigos que disseram “ok, a gente deita-se; é muito confor-tável.” Estavam mais quentinhos: era no chão do ateliê. Punha o papel, fazia o contorno, depois passava para o pano e bordava. Foi muito bom, de-pois de trabalhar com a serra eléctri-ca, estar ali sossegada: lembro-me estar a ouvir os carros. Foi na Rua des Saints- Pères [em Paris]. Depois voltei a pô-las em movimento: o teatro.O “Teatro de sombras” são, de facto, três trabalhos distintos…O primeiro programa eram três coi-sinhas pequeninas: “Pic-nic à som-bra”, “Contorno” e “Dia e noite”; o segundo programa, “As cinco esta-ções”; e o terceiro programa, “A linha do horizonte”. Não tinham história: é como um quadro, uma coisa chama a outra. O fio condutor era a transfor-mação. Eram três coisas, depois pas-samos a um assunto só, sem interva-lo, porque quando tu vês as sombras é tal o envolvimento, a magia, que é uma pena ter intervalo. “As cinco es-tações” e a “Linha do horizonte” du-ravam uma hora. Era a única pessoa em cena?Sim, porque eram tantos ensaios… Estávamos os dois em casa, portanto fazia-se a qualquer hora: era quase um ano para fazer uma peça nova. Como é que podias estar com outra pessoa a exigir dela tudo o que podes exigir a ti ou a quem está contigo? De-pois de ter contratos com teatros,

entras na galeria, não é com desprezo, mas entras muito mais à vontade. Não vais pedir nada: é muito bom. Liber-dade: o manter-se desapegado, é mui-to importante… O seu último trabalho, “Peça” (1998), foi feito em colaboração com o Francisco Tropa…O que estou a fazer agora, o filme da Catarina [Mourão] toca nisso…O cuidar do jardim?É aquilo tudo: as árvores… O filme mostra um bocadinho. Depois do “Te-atro de sombras” é difícil fazer coisas, porque era aquela hora efémera. Co-mo é que posso estar a fazer assim coisas, materialmente, que durem, quando o “Teatro de Sombras” pas-sava? Foi nessa altura que mudamos de casa, que fomos para ali [Caniço, Madeira]…Quem projectou a casa?O Manuel desenhou casa toda. O Pe-dro [Morais] também ajudou, o irmão do Pedro também e o Manuel Amado deu o plano para fazer a chaminé. O Manuel desenhou tudo conforme o nosso viver dentro de casa: um ateliê para um, outro para outro e tudo aber-to. As pessoas perguntam: “A Lourdes tem pintado, tem trabalhado muito?”. “Tenho trabalhado muito.” O que é trabalho? O que é não-trabalho? Tenho tanta coisa para fazer. A minha pintu-ra é esta: o viver, o estar cá.Há, na exposição, uma série de pedras com frases escritas pelo Manuel Zimbro…Nós nunca demos prendas; se fazía-mos uma viagem, podia-se trazer uma coisa maior, mas no Natal e isso tudo era um papelinho, uma coisinha. O Manuel uma vez deu-me uma pedra, em que escreveu: “Faltam quatro ho-ras para a meia-noite”. Foi a prenda de Natal.

Ver agenda exposições pág. 62

Disse ao João [Fernandes]: a exposição tem que ser Lourdes e Manuel ou Manuel e Lourdes, a luz e a sombra; não se

pode separar. Até bebemos um champanhe nesse dia

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 41

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O quadro em que Lourdes Castro habita

Escondidos em vários espaços da casa de Lourdes Castro, na Madeira, há pequenos recipientes onde plantas crescem, longe dos nossos olhos, na escuridão. Lourdes vai abrindo portas de armários e procurando nesses cantos silenciosos para mostrar, diante da câmara da realizadora Catarina Mourão, como, enquanto andávamos distraídos, as raízes dos bolbos se estenderam e formam agora um emaranhado de elegantes fi os brancos.

“Tem que ter assim mais ou menos cinco centímetros antes de vir para o ar. Agora ainda está às escuras. Às escuras é que se trabalha. E em silêncio”, diz Lourdes. “É como todos nós, há um trabalho que a gente faz na escuridão, que ninguém vê, e esse trabalho é a germinação do que depois se dá a ver”.

Foi assim também com este fi lme, “Pelas Sombras”, que se estreia amanhã em Serralves (há sessões às 12h e às 18h, e depois permanece em exibição até 13 de Junho em horário especial disponível no site da Fundação). Catarina Mourão percebeu desde cedo que “era preciso tempo”. Foi em 1997, ainda antes de ter feito “A Dama de Chandor” (1998), que visitou pela primeira vez Lourdes na Madeira. Tinha visto na Gulbenkian a retrospectiva “Para Além da Sombra”, sobretudo tinha-lhe fi cado na memória uma peça do “Teatro de Sombras”, de Lourdes e Manuel Zimbro, que vira quando tinha 14 ou 15 anos no Centro de Arte Moderna (CAM).

“Essa peça marcou-me. Talvez por ser uma coisa tão simples, o dia-a-dia de uma mulher. E talvez isso tenha a ver com o cinema que faço, a importância do quotidiano, dos gestos, dos rituais prosaicos que, no fundo, são a nossa vida”,

explica. Filipe Alarcão, namorado de Catarina, já conhecia Lourdes e isso terá facilitado o contacto. Mas a realizadora decidiu, para primeira conversa, escrever uma longa carta a Lourdes. Depois houve um telefonema (esta é muito mais uma história de cartas, de Lisboa para a Madeira, da Madeira para Lisboa), e uma visita.

Os anos foram passando e o projecto foi crescendo na escuridão. Estava a amadurecer na cabeça de ambas, mas ainda nem começara. No início Manuel Zimbro ainda era vivo, e o fi lme seria com Lourdes, Manuel e a casa dos dois na Madeira – não faria sentido separá-los, os três eram uma história só. Mas Manuel morreu em 2003 e Catarina esperou para perceber se Lourdes queria que ela avançasse com o fi lme.

Em 2005 começaram a fi lmar algumas cenas, conversas entre

as duas sobre o que poderia ser o fi lme (dois anos antes Filipe Alarcão tinha fi lmado a montagem da exposição “Sombras Projectadas”, em Serralves, já com o som feito por Armanda Carvalho que acompanhou todo o projecto). “A minha ideia”, conta Catarina, “era um fi lme muito centrado na casa e no jardim. Tinha pensado que seria interessante acompanhá-la numa ida a Paris, porque há muitos anos que ela não ia lá. E tinha outra ideia, um bocado louca, de ir com ela a Copenhaga para ver um quadro, ‘Melancolia’, de Lucas Cranach, pelo qual ela tem um fascínio. Foi sempre uma coisa que fi cou ‘vamos ver o Cranach juntas’”.

O momento é tudoO fi lme acabou por se centrar na casa. Era também isso que mais interessava a Lourdes (que Catarina colocou como co-autora, porque embora o ponto de vista seja o da realizadora sobre a vivência da artista, o envolvimento desta justifi ca que assim seja). “Interessava-lhe sobretudo o quotidiano”. A razão veio a revelar-se ao longo das fi lmagens – e para nós, quando vemos o fi lme, surge também como uma revelação: “A minha pintura é esta”, diz Lourdes, referindo-se ao espaço à sua volta. “Não a posso transportar. Ela nem quereria mudar de sítio”.

Perguntam-lhe muitas vezes que trabalho tem produzido nas últimas décadas. E aqui, neste fi lme, ela responde: é isto. A casa, o jardim, as plantas, as que estão à luz e as que crescem na escuridão, os “Álbuns de Família”, 34 livros em que desde os anos 60 reúne tudo o que tem a ver com as sombras, a água, as folhas, a roupa a rodar dentro da máquina e depois a secar ao sol, os gestos do quotidiano. É isto. Não era preciso irem a Paris ou a Copenhaga.

Este é também um fi lme sobre o tempo. Mas não sobre o passado. Lourdes Castro não vive do passado. “O que é incrível nela é que é uma pessoa que realmente vive o presente. Muitos de nós vivemos muito o futuro. Ela está a gozar o presente. Quando diz que ‘o importante é o respirar’, o que quer dizer é que é preciso que tudo o que fazes, desde a coisa mais simples como pôr a mesa, cozinhar, regar, seja feito com um tempo que permita tirar partido do momento”.

Passado, presente e futuro são aqui algo orgânico. Aparecem quando faz sentido, interceptam-se, entrelaçam-se, entranham-se. “Se lhe pedir para falar do ‘Herbário’ [o trabalho ‘Grande Herbário das Sombras’, 1972] assim, descontextualizado, é difícil. Mas cada gesto que faz, seja mondar, regar, cortar legumes, está relacionado com alguma coisa do trabalho dela, seja o ‘Herbário’, seja um recorte de um ‘Álbum de Família’. Tudo tem que ser integrado de uma maneira muito natural no presente”.

A certa altura Lourdes faz para a câmara um pequeno teatro de sombras com um regador verde. “À medida que ia fi lmando o quotidiano dela na casa, cada vez mais o ‘Teatro de Sombras’ se tornava importante no fi lme. É a obra da qual ela se sente mais próxima hoje”, acredita Catarina. “É a que está mais perto desta ideia de arte como algo efémero, muito relacionado com a vida”.

O enorme arquivo em que guarda tudo, dos “Álbuns de Família” aos convites e cartas dos amigos, e que a rodeia no seu espaço de trabalho, é também como as plantas que germinam na escuridão. “Tem a ver com a ideia de guardar as coisas. Nada é desperdiçado naquela casa, uma gota de água não é desperdiçada, vai para regar uma planta. A

“O que é incrível nela é que é uma pessoa que realmente vive o presente. Muitos de nós vivemos muito o futuro. Ela está a gozar o presente. Quando diz que ‘o importante é o respirar’, o que quer dizer é que é preciso que tudo o que fazes, desde a coisa mais simples como pôr a mesa, cozinhar, regar, seja feito com um tempo que permita tirar partido do momento”Catarina Mourão

Em “Pelas Sombras”, a realizadora Catarina Mourão fi lmou a artista no seu mundo, a casa que construiu com Manuel Zimbro na Madeira. Amanhã, primeira exibição no Auditório da Fundação de Serralves. Alexandra Prado Coelho

mesma coisa com um recorte, uma carta que chega, um convite. Ela está sempre a alimentar o arquivo, e ele alimenta-a a ela. Não é uma coisa estática. Há uma reciprocidade”.

Foi desse arquivo, de caixas antigas, que saíram as fotografi as do avô de Lourdes, da família no tempo em que moravam na Praia Formosa e em que a mãe era uma menina de vestido branco a brincar com bonecas (fotos que Lourdes editou em 2009 com a Assírio e Alvim). “O arquivo é um espaço de escuridão e silêncio mas onde as coisas estão a acontecer”, explica Catarina. “Lá porque há terra a cobrir as coisas não signifi ca que elas não estejam vivas por baixo. E de repente ela tira-as da escuridão, devolve-as à luz, e as fotografi as do avô ganham vida”.

Lourdes não fala muito sobre Manuel Zimbro, excepto quando está a falar sobre o “Teatro de Sombras” que os dois fi zeram juntos. “O Manuel... é como se ele estivesse lá”, diz Catarina. “Não se está sempre a falar de uma pessoa que está aqui. Aquelas pedras que aparecem [todas pintadas com pequenas frases: ‘Importantíssimo’, ‘Faltam quatro horas para a meia-noite’, ‘eu’] são o Manuel”.

E ainda a pedra que, para Catarina, resume aquilo que o fi lme quer mostrar. “Aqui está tudo”, lê-se na letra cuidadosamente desenhada.

Lourdes dirá a mesma coisa, de outra maneira. Aos que perguntam em que é que ela tem estado a trabalhar, responde simplesmente: “Vem ver a pintura que estou a fazer. Um bocado grande, não cabe em museu nenhum. E tão pequenina que todos os que passam por aqui nem dão por isso [...] Continuo a pintar. Um quadro. Um só. E nunca estará pronto”.

Catarina Mourão (em cima) visitou pela primeira vez Lourdes Castro em 1997: desde os seus 14 ou 15 anos que tinha na memória uma peça do “Teatro de Sombras” que tinha visto no CAM

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42 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

No momento em que tentávamos ini-ciar, via “e-mail”, a conversa, Filipa César (Porto, 1975) estava em Londres para assistir na Tate a um “screening” de videoarte de Israel. Dias antes pas-sara por Lisboa para receber o Prémio BES Photo (venceu a 6ª edição) e em breve partiria para Berlim, onde vive e trabalha desde 1998. Pode parecer desnecessário evocar a condição de alguém que viaja e vive fora de Portu-gal, mas neste caso trata-se de um dado relevante. É que a obra recente desta artista portuguesa tem sido determi-nada pela relação entre a sua casa e atelier actuais (Berlim, Alemanha) e a sua identidade política e cultural. Ou, se quisermos, entre o seu presente e o seu passado. Por ora fiquemo-nos, de-finitivamente, pelo passado.

Sou o que vejo, ouço, gostoFilipa César surgiu em finais dos anos 90,com uma obra onde era evidente a presença de elementos e referências do universo e da linguagem do cinema: a ficção e a ideia de montagem. Recor-de-se “Untitled (Twirler)”, de 1999, vídeo onde uma sequência de quartos e salas vazios (aparentemente apro-priados de filmes de acção ou terror) suspendia um desfecho sempre frus-trado, ou “Letters” (2000), que ence-nava uma série de diálogos, conversas e encontros em balcões dos correios.

Como nos trabalhos de João Onofre, João Pedro Vale, Francisco Queirós ou Rui Toscano, manifestava-se na sua criação a presença de “textos” e me-mórias de uma cultura de visual que excedia o campo da arte. Quase dez nos depois, a artista sente-se pouco confortável para falar em nome dos outros, mas adianta leituras que apon-tam para traços comuns: “Havia algo latente: como articular a percepção de uma cultura cinematográfica e musical. Tínhamos saído de cursos de pintura e achávamos artificial pintar, quando a nossa cultura estava relacionada com uma outra forma de construção da ima-gem. A questão da apropriação era

Filipa César

e os fantasmas no p

Vencedora da 6º edição do BES Photo, Filipa César leva a experiência do cinema ao espaço da arte, entre a fi cção e o real, a montagem

e memória. Retrato de uma artista que tem pensado, no presente, certos passados da história portuguesa. José Marmeleira

Exp

osiç

ões também fundamental. Um processo

de identificação por contacto: sou o que vejo, ouço, gosto.”

O cinema, central no seu imaginário, não lhe tinha, contudo, chegado via escola de arte. “Vinha da televisão”, revela. “Nos anos 80-90 havia ciclos fantásticos na RTP, Bergman, Godard, Truffaut, Orson Welles. Depois isso de-sapareceu.” Mais tarde já a viver na Alemanha, o interesse pelo cinema tornou-se mais consciente e estendeu-se a um “discurso metacinematográfi-co com a descoberta de uma aborda-gem mais experimental do documen-tário: Alexander Kluge, Fassbinder, Harun Farocki, Robert Frank, Ivonne Rainer, Babette Mangolte, Frederick Wisemann”.

Tratava-se de uma outra forma de envolvimento, na qual ressoavam ques-tões e problemáticas que Filipa já tinha experimentado nos seus primeiros ví-deos, em particular aqueles relaciona-dos com a observação e a montagem – e vale a pena sublinhar uma estratégia que revemos nos vídeos “Berlin Zoo” (2003) e “Untitled (Romance)” (2000-2003) e nas primeiras sequências de “F for Fake” (1974) de Orson Welles, que a artista convocaria posteriormen-te numa obra homónima: a apropria-ção dos (não)actores do quotidiano.

Da sociologia e da antropologia che-gavam também outras formas de fazer. “Interessavam-me não de forma aca-démica, mas pelos temas que aborda-vam. O estudo de antropologia da arte e a forma como foi leccionado na Es-cola de Belas-Artes do Porto, com a professora Eglantina Monteiro, abriu-me plataformas de entendimento entre uma prática artística e o seu contexto sociopolítico. E para um relacionamen-to com o outro no presente e no pas-sado.”

Livre e incontrolávelEstes seriam alguns dos “mecanismos” ou “materiais” que lhe permitiram in-terrogar a natureza do “medium” (do vídeo) em “Untitled (Romance)” (2000-

“Memograma”

2003) ou “Letters” (2000), e as ténues fronteiras entre a ficção e o real em “Ringbhan” (2005) ou no seu “F for Fake” (2004) onde as imagens e as pa-lavras de pessoas que comentam o fil-me de Welles são associadas aos planos da obra do cineasta, confundindo a adaptação com o original, a verdade com a mentira.

A pesquisa das propriedades da montagem enquanto determinação e associação de imagens continua entretanto a ser prática aprofun-dada. “As convenções cinemato-gráficas ou televisivas são limita-das”, explica. “O nosso pensa-mento funciona num registo de interligação, associação de imagens, textos, conteúdos, sentimentos, que é muito mais livre e incontrolável. Interessa-me [a montagem] exactamente porque pode tentar traduzir esse pen-samento.”

O lugar da obra pro-posta por Filipa tam-bém é outro que não o da tradicional sala de cinema. Referimo-nos ao espaço da arte e da instalação vídeo. É neste que existem “Le Passeur”, mostrado em 2008 na Funda-ção Ellipse. ou “The Four Chambered He-art”, apresentado o ano passado na Galeria Cris-tina Guerra. O primeiro consiste em dois filmes num ecrã duplo, o segun-do solicitava, através da presença de uma série de cadeiras, a imobilidade do espectador para o visiona-mento de um filme. “Com a instalação é possível um tem-po diferente, um outro relacio-namento com a imagem em movi-mento e uma autonomia. O especta-dor move-se e os fotogramas

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 43

presente

sucedem-se. Os en-contros que daí re-sultam são mais inesperados.” Para além desta relação no espaço, emerge outra relação: com o tempo histórico. “A imagem em movimento per-mite uma possi-bilidade de ace-der ao passado através do ci-nema ou da experiência deste.” Como assim? “O ci-nema e a psi-canálise surgi-ram simulta-n e a m e n t e . Analisar o cine-ma [do] passa-do cria uma es-

pécie de acesso às intenções que

levaram à produ-ção da imagem e ao

seu contexto. Por exemplo, o cinema de propaganda pode ser analisado segundo uma análise do ‘sub-

consciente’ do sistema que o produziu.”

“Na Alemanha, porque o discurso sobre o passado é permanentemente articulado no presente como um fantasma quotidiano, a certa altura também se começa a pensar assim”

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A obra recente da artista tem sido determinada pela relação entre a sua casa e atelier actuais (Berlim, Alemanha) e a sua identidade política e cultural

“The Four Chambered Heart”

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Pensar em alemãoNos últimos dois anos, furtando-se sempre ao conceito de documento histórico ou investigação científica, o trabalho de Filipa César tem anda-do à volta de um passado; o passado de uma certa história política portu-guesa. Foi assim com os testemunhos dos indivíduos que, durante o Esta-do Novo, ajudavam outros a saltar a fronteira (“Le Passeur”) ou com “Me-mograma”, patente no Museu Berar-do. Este último teve como origem a história de Castro Marim enquanto local de degredo de homens e mu-lheres (e os ditos ou não-ditos, as histórias que essa punição gerou) e é constituído por uma série de foto-grafias e dois filmes (“Insert” e “Me-mograma”).

As fotografias – forma de situar o contexto – documentam em Portugal o processo de censura sobre “As Lá-grimas Amargas de Petra von Kant” (1971), de Fassbinder; os filmes podem ser vistos como fazendo parte de uma mesma instalação, enunciando “Me-mograma” – um plano fixo de 40 mi-nutos de um monte de sal em Castro Marim – a presença de alguém que fala ou, como escreve a artista no ca-tálogo, “imagens de um olhar contem-plativo: quando a mente articula um pensamento e os olhos perseguem uma realidade paralela”.

Ocasião então para confrontar Fili-pa com a sua identidade política e cultural e o lugar que é a sua casa. “O interesse num passado/presente sem-pre existiu, mas foi evoluindo com o trabalho. Na Alemanha, porque o dis-curso sobre o passado é permanente-mente articulado no presente como um fantasma quotidiano, a certa altu-ra também se começa a pensar assim. O presente é sempre mais difícil de discernir, porque nunca sabemos no que vai resultar, por isso procura-se pistas no passado. Esta forma de pen-sar em alemão foi alterando os meus automatismos de pensamento e da leitura do presente.”

// MORADA Praça Marquês de Pombal nº3, 250-161 Lisboa

// TELEFONE 21 359 73 58

// EMAIL [email protected]

// HORÁRIO Segunda a Sexta das 9h às 21h

CONCERTO DIA 26 DE MARÇO /// 21H

/// ENTRADA LIVRE LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA

SÓNIA TAVARES, FERNANDO RIBEIRO,PAULO PRAÇA E NUNO GONÇALVES REVISITAM CANÇÕES DE AMÁLIA RODRIGUES NUMA VERSÃO POP.

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A expressão é de Francisco Frazão, o programador de teatro da Culturgest: “O teatro da Cão Solteiro é um para-doxo”. Explica: “Não cabe em nenhu-ma das etiquetas que costumamos utilizar. Usam um texto dramático mas não ligam grande importância ao texto. Estão mais perto da literatu-ra e, ao mesmo tempo, o teatro deles não é sobre isso.”

Em “Shoot the Freak”, a primeira coprodução da Culturgest com o co-lectivo dirigido pelas irmãs Paula e Mariana Sá Nogueira, com estreia marcada para a próxima quinta-feira, entramos numa espécie de feira ma-cabra, misto de fim de festa à lá filme nostálgico norte-americano e de pre-parativos para um ataque de zombies. Onde em tempos houve uma história, ou um princípio que se assemelhava a uma história.

Calhou ser o Flautista de Hame-lim, “que tem dado para todo o tipo de especulações, basta pesquisar na Internet”, diz Paula Sá Nogueira, e é por isso que a peça é “um cadáver esquisito”, diz André e. Teodósio, autor do texto. “E porque há dois anos ninguém se lembrou desta his-tória, lembrámo-nos agora”, diz Sá Nogueira. E porque nada disto tem a ver com a espectacularidade céni-ca mas com “um universo de afini-dades e de vozes que se materializam em espectáculos”, diz Francisco Fra-zão.

Uma peça, portanto, que não é ape-nas uma peça, mas “uma vontade de resistir a fazer uma peça”, diz Sá No-gueira. No início havia uma história, dizíamos, e porque alguém teve que sobreviver para a contar desta vez cabe a uma criança contar o que se passou, invertendo o protagonista e a responsabilidade, num falso jogo lúdico. As personagens compõem uma família disfuncional e seus adja-centes, numa espécie de alta comédia estafada porque, afinal, a história é só um artifício. “Interessa-nos, per-manentemente, testar coisas através dos espectáculos. É na feitura que testamos. Temos evitado imenso o texto teatral mas, ainda assim, pelo menos um quarto deste espectáculo, se não mais, é numa língua que não quer dizer nada, são sons. As pessoas vêem a estrutura de uma persona-gem, a estrutura de um texto, mas estão a ouvir sons”, conta-nos Sá No-gueira. A mesma coisa acontece com quem interpreta: “Não há persona-gens no sentido teatral porque as pes-soas não têm experiência teatral, ou porque não são actores, ou porque saíram da escola recentemente”. O

mesmo vale para elementos conven-cionais, como os figurinos, “que não fazem dos actores personagens”. Ou para o cenário, que mostra o quadro de Manet inspirado no conto, mas não mostra o flautista, anexado, em carne, osso e flauta à posteriori. “Isto somos nós em processo”, diz-nos. Confuso? Nem tanto.

Ela está lá, a história do homem que leva as crianças para fora da aldeia, mas foi de tal forma esventrada por músicas que foram sucessos em 2008 e que dão à “coisa” um ar de musical de quinta categoria, por personagens que não o são porque os actores tam-bém não o são, por referên-c ias que misturam Huckleber-ry Finn com Apollinaire, por uma lógi-ca de zapping e acumulação digna de redes sociais (André e. Teodósio diz que a peça “é como os status no Facebook: vai por aí fora”), e por uma “resis-tência a esta coisa do palco” (palavras de Sá Nogueira) que se traduz numa des-sequenciação da narrativa, numa am-putação das bengalas tradicionais e num jogo de esconde-esconde com o público. Poucas são as hipóteses de, de facto, alguém poder dizer que es-tamos perante uma peça de teatro. E no entanto...

“Cada vez mais o teatro, que é aquilo que fazemos, serve para pen-sar aquilo que nos rodeia e para nos pensarmos. Antes de servir os ou-tros, ou para pôr os outros a pensar, serve para nós próprios pensarmos sobre o assunto”, argumenta Paula Sá Nogueira.

A Cão Solteiro, acrescenta Francis-co Frazão, fez “um caminho de expe-rimentação” assente na “recusa apa-rente de uma montagem convencio-nal”. E é por isso que falar do teatro da Cão Solteiro é falar de uma comu-nidade. Para usar a citação de Mark Twain explícita nos anúncios promo-cionais desta peça, “quem tentar en-contrar um motivo nesta narrativa será processado; quem tentar encon-trar nela uma moral será exilado; quem tentar encontrar nela uma in-triga leva um tiro”.

“O teatro da Cão Solteiro é um paradoxo. Não cabe em nenhuma das etiquetas que costumamos utilizar”Francisco Frazão

Esquisitos são os outros

Mais do que uma peça, “Shoot the Freak” é um estado de espírito. A partir de quinta-feira, na Culturgest, há novo cadáver esquisito

da Cão Solteiro. É um teatro de partilha de cumplicidades. Mesmo que isso seja o gesto mais anti-teatral de todos.

Tiago Bartolomeu Costa

Tea

tro

Uma comunidadeA genealogia desta peça podia ir até 2006, ano de “Sobre a Mesa a Faca”, peça onde os universos da Cão Soltei-ro e do Teatro Praga, companhia da qual André e. Teodósio fazia parte, se cruzaram. Entrevistas de vida que eram misturadas com ficções biográ-ficas davam o mote para uma inven-ção dramatúrgica sobre as fronteiras artificiais da referencialidade e da identificação. Depois podia seguir por aí fora até “...”, peça de 2007 criada entre a Cão Solteiro e Teodósio, onde se começavam a afirmar os contornos desta relação de vida.

“Isto somos nós em processo”, diz Paula Sá Nogueira. “Isto não são coi-sas que nós, sentados à mesa e muito cerebralmente, esquematizemos. Mas, ultimamente temos verificado que há duas linhas que se têm manti-do. Uma determinação em trabalhar com um número reduzido de pessoas com quem temos cumplicidade inte-lectual. Essas pessoas são, geralmen-te, nossos amigos verdadeiros. Gosto cada vez mais disso, é o que faz sen-tido. E uma outra linha em que rece-bemos pessoas que não conhecemos, que nos são propostas normalmente até por escolas, e que ficam se houver

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 45

Quaisquer semelhanças entre o espectáculo da Cão Solteiro e uma peça de teatro são (ou não são?) mera coincidência

e m p a t i a pessoal”, sublinha. Da

empatia à criação não vai um passo, vai uma forma de estar, no teatro co-mo na vida.

“Shoot the freak” vem na sequência de outros textos co-assinados: “Super-gorila” (com José Maria Vieira Men-des), “Supernova” (com André Godi-nho), e outras produções do Teatro Praga. Para este colectivo que gosta se pensar como uma comunidade à volta da qual gravitam nomes com os quais vão, pela ordem natural das coi-sas e da vida, fazendo espectáculos, Teodósio escreveu também sobre uma comunidade, mas daí não decorre que “Shoot the Freak” possa ser visto co-mo um comentário autobiográfico.

Estamos an-tes perante um exercí-

cio de reflexão sob a forma de um texto apesar de tudo dramático, que promove a criação de um universo de referências e cumplicidades.

Essa comunidade é feita não apenas pelas equipas responsáveis pelas pe-ças – pela Cão Solteiro já passaram nomes tão diversos como os ence-nadores Nuno Carinhas e Miguel Loureiro, os artistas plásticos André Guedes e Vasco Araújo (este último centro de “A Portugueza”, a cria-ção anterior, co-produzida pelo Maria Matos) ou o poeta Miguel Manso (o senhor que se segue na peça que estreia em Abril, com o título provisório “Santo Súbi-to”) –, mas também pelos espa-ços, e pelas memórias que es-tes deixam. E daí a sensação de um palco que não é nada

porque permite tudo.A Cão Solteiro andou anos a fazer

teatro em armazéns, como o do Ferro, entretanto destruído para dar lugar a um parque de estacionamento em Santos, depois em palacetes, como o da Estefânia (a utópica Casa dos Dias da Água, que albergou durante um tempo o sonho de Lúcia Sigalho, da mesma geração, e hoje não é nada), e está desde há uns anos numa loja ao Poço dos Negros, com montra ampla virada para a rua estreita. É uma com-panhia que evita a espectacularidade cénica e busca, como dizia Francisco Frazão, “um caminho diferente”. Es-se caminho é o pretexto para contar, a quem fica, a sua história.

Ver agenda de espectáculos na pág. 50

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46 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

Denise Stoklos acredita tão ferozmen-te no teatro de um para um – no fenó-meno não exactamente maior do que a vida mas completamente do tama-nho dela que resulta da fricção entre um actor sozinho em cima do palco e cada um dos espectadores presentes naquela sala, naquela noite – que o ciclo “Do Monólogo, Coisa Pública”, o programa de solos incluído na Se-mana Cultural da Universidade de Coimbra, não seria de todo o mesmo se ela não estivesse cá para o fechar. “O solo é uma forma de teatro maior que pede muito a responsabilidade do actor, uma responsabilidade que ele tem de assumir sozinho e não po-de dividir com ninguém. É um com-promisso enorme – não com o ence-nador, não com a personagem, mas com o espectador. Se o espectador não estiver lá, com ele, será qualquer coisa, mas não será teatro”, diz ao Ípsilon a propósito dos dois espectá-culos, “Mary Stuart” (hoje, às 21h30, no Teatro Académico de Gil Vicente) e “Calendário da Pedra (amanhã, às 21h30, no Teatro da Cerca de São Ber-nardo), que integram o ciclo.

Poucos actores de língua portugue-sa se atiraram para o palco tão radi-calmente sozinhos como Denise

Stoklos, que em 1980 estreou em Lon-dres um espectáculo cujo título era já todo um programa político e perfor-mativo, “One-Woman-Show”. O teatro que construiu a partir daí – a que cha-mou, num manifesto que ainda hoje é estudado em universidades de todo o mundo e já deu umas quantas teses de doutoramento, “teatro essencial” – é um trabalho radicalmente solitário (sem “os valores parasitários” dos bastidores, do camarim, da cenogra-fia e dos figurinos, sem efeitos a não ser os que resultam da maximização dos recursos próprios do actor: voz, corpo, pensamento) mas não auto-suficiente: “Um solo de teatro essen-cial só se realiza se o público ler, com-pletar e decifrar aquilo que está sen-do dito”. As questões em cena, diz, têm de ser cruciais tanto para o actor como para o espectador: “Se [o per-former] não estiver em perigo, o es-pectador desliga, não se sente neces-sário (...). O performer solo não está só. Está com a plateia inteira”.

Além de ser “o autor, o encenador, o coreógrafo e o dramaturgo de si mesmo”, o actor do teatro essencial tem um compromisso com os temas mais radicais da experiência humana – temas “portanto universais, inadiá-

veis e, aí, políticos”. Isto que ela vem a Coimbra fazer “não é teatro de men-tirinha, é de verdadona”: “Não há uma fantasia, nem sequer de figurinos ou de cenário. Para se fazer o Padre António Vieira, não vai ser preciso usar uma roupa de padre, trejeitos dos anos 1600 ou importações vocais da época. O actor estará tão conven-cido de que é o Padre António Vieira que o público vai ler que ele está ali. Aí o solo fica coisa pública, causa pú-blica”, explica ao Ípsilon. Não vamos ver o Padre António Vieira de “Vozes Dissonantes” em Coimbra, mas va-mos ver Maria Stuart, a Rainha da Escócia, e às tantas vamos vê-la a transformar-se na prima, Isabel I de Inglaterra. Denise Stoklos interessou-se por elas (há muitos anos: “Mary Stuart” estreou-se em 1987 no La Ma-Ma, em Nova Iorque, e em 1994 ga-nhou o Fringe First em Edimburgo) porque viu ali a história da corrupção do poder em todo o seu esplendor: “É um momento singular em que há duas mulheres à frente de dois países, numa época histórica: Leonardo da Vinci começava a abrir os cadáveres e a ver pela primeira vez o que havia de concreto dentro dos homens, Shakespeare estava a escrever as suas

Denise Stoklos,

one-woman-showA brasileira Denise Stoklos está em Coimbra para mostrar dois dos mais radicais trabalhos a solo alguma vez feitos no teatro de língua portuguesa: “Mary Stuart” e “Calendário de Pedra”.

O teatro pode não mudar o mundo, mas muda-a a ela – todos os dias. Inês Nadais

Tea

tro

“Continuo esperando ser arrebatada e sinto-me mudada quando vou ao teatro. Com cada espectáculo de Pina Bausch, por exemplo, um mundo inteiro desaba sobre mim e começa outro”

Denise Stoklos acredita no poder de um actor sozinho com a sua voz, o seu corpo e o seu pensamento: “O performer solo não está só, está com a plateia inteira”

magníficas peças, a Europa descobria novos países. E aquelas duas repre-sentantes de um género tradicional-mente destituído do poder acabam-se liquidando. Interessa-me muito colo-car em cena o poder como uma ques-tão perigosa – em qualquer momento, em qualquer género”.

Mas há mais questões “universais e inadiáveis” na figura de Maria Stuart. “Ela viveu 44 anos: 22 anos em liber-dade e 22 anos em prisão. Vejo isso como uma metáfora: vivemos metade da nossa vida em liberdade, mas na outra metade estamos obrigados a cumprir expectativas, a seguir conven-ções sociais. É só a gente pensar na nossa vida agora, com responsabilida-de, investigação e vontade de resolver as coisas”, sublinha Denise Stoklos.

Teatro vivo“Calendário da Pedra” também é a nossa vida, agora, dia após dia. Co-meçou em cima de um poema de Ger-trude Stein, “A Birthday Book”, mas depois desviou-se dele (“É um texto maravilhoso, mas radicalmente lite-rário. Acho isso muito bonito e acabei respeitando”) para se tornar uma pe-ça de Denise Stoklos, com algum De-leuze no corpo. “Tem muito dessa forma deleuziana de se ver o ser hu-mano como potência: acredito mais na certeza de vir a ser amanhã o que eu quero agora do que na esperança, que é escravizadora porque adia tudo para depois”, diz. Também tem mui-to do peso do dia-a-dia, desta coisa “cheia de caminhos, muito séria, que é o quotidiano”, e que é tudo na vida: “É nele que se pode actuar”.

Esse trabalho é uma coisa que De-nise Stoklos quer continuar a fazer sozinha porque ela e o palco ainda têm muito que conversar. Mas o teatro essencial, argumenta, também é uma via para todos os actores sem trabalho sentados à espera de um telefonema: “Gostaria que acreditassem que o ac-tor pode escolher os seus textos e dirigir-se sozinho”.

Quanto mais se diz que o teatro morreu, mais ela acredita que ele es-tá vivo: “Continuo esperando ser ar-rebatada e me sinto-me mudada quando vou ao teatro. Com cada es-pectáculo de Pina Bausch, por exem-plo, um mundo inteiro desaba sobre mim e começa outro”. Há quem te-nha dito exactamente o mesmo das peças dela.

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Rui Horta desaparece por uns mo-mentos atrás do palco. O ensaio co-meçou e terminou à hora, foi intenso, em tempo real. Os bailarinos preci-sam agora dele, o tempo de se refaze-rem da descarga emocional que os assalta quando a entrega é total. E foi o caso neste ensaio da nova criação de Rui Horta, “As Lágrimas de Saladi-no”, que estará em cena hoje e ama-nhã no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, Lisboa. Foi o últi-mo no Cine-Teatro do Curvo Semedo

em Montemor-o-Novo, dias antes de virem para Lisboa, num final de tarde de temporal. De portas fechadas à chuva e ao vento, o tempo como que parou para ali dentro nascer algo que a tempestade, sempre presente, ins-pirou.

As primeiras palavras falam, aliás, de uma tempestade. São palavras de Saladino, sultão do Egipto e da Síria, senhor de poder ilimitado quando chega, num dia de 1187, com os seus milhares de soldados e emires, a Je-

rusalém, para acabar com um século de ocupação cristã. É um corpo, uma voz em cena, que fita quem o escuta. Diz Saladino que ele próprio é mais forte do que uma tempestade – por-que uma tempestade chega e destrói, e ele tem o poder de escolher. E esco-lhe não destruir. Usa o poder não pa-ra vingar a ocupação, mas para pou-par as pessoas, as diferentes crenças e religiões e os tesouros da esplendo-rosa cidade.

Os movimentos dão corpo ao caos

de Jerusalém, uma cidade multicultu-ral, uma pequena Babel – em pleno Alentejo. Sete corpos movem-se para chegar aonde a palavra não chega. Abrandam nos momentos em que se exprimem pela voz. O cosmopolitismo passa nas falas dos actores e bailari-nos, no som que produzem quando dizem nomes de ruas, praças e traves-sas de Lisboa, nos seus próprios idio-mas. As imagens destes lugares trans-portam-nos para a história da cidade, para a sua memória, as suas figuras.

Saladino está vivo

nas nossas cidades

A partir do livro de “As Cruzadas

Vistas pelos Árabes”, de

Amin Maalouf, Rui Horta criou “As Lágrimas de Saladino”, uma

obra sobre a ética e a compaixão,

o respeito pelo outro e a importância

de sermos nós próprios.

A estreia é hoje no Centro Cultural

de Belém, em Lisboa. Depois

a peça parte em digressão: Montemor-o-

Novo, Guimarães, Leiria, Torres

Novas, Portimão e Porto. Ana Dias

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Os bailarinos da peça vêm de sete países diferentes e falam nas suas próprias línguas: “Não é para entender, é para sentir”, justifica o coreógrafo

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“As Lágrimas de Saladino” é uma peça sobre a metrópole, sobre a grande cidade, o único território “onde não há fronteiras”, e também sobre a ideia de que “as sociedades mais ricas são as mais anárquicas”

Pode ser Lisboa, ou Jerusalém. Em checo, húngaro, italiano, espanhol e outras das línguas das suas sete nacio-nalidades. “Nas suas vozes, com os seus sotaques, nos seus idiomas, [o texto] não é decifrável do ponto de vista do entendimento, mas plastica-mente traduz as sensações que eu queria”, salienta Rui Horta. “Não é para entender, é para sentir.”

Cidades sem fronteirasSuécia (Marcus Baldemar), Itália (Síl-via Bertoncelli), Espanha (ou País Basco), (Noemí Barták), Polónia (Ka-tarzyna Sitarz), República Checa (Vít Barták), França (Gilles Baron) e Hun-gria (Milan Újvári) – os quatro bailari-nos e as três bailarinas de “As Lágri-mas de Saladino” deixaram os seus países de nascença ou de trabalho para passarem quatro meses no Con-vento da Saudação, o Espaço do Tem-po, centro multidisciplinar de pesqui-sa e criação que Rui Horta fundou há dez anos na pequena cidade alente-jana de Montemor-o-Novo. “Entrega-ram-se”, resume. A peça gira à volta dessa dedicação, “desse lado de carne viva, de gato selvagem” que só se con-segue “se as pessoas forem pessoas, estiverem próximas umas às outras e se entregarem à obra”. Para a peça mais política que Rui Hor-ta criou até hoje – “há um grito dentro de mim”, diz, um protesto contra “es-te momento” –, o coreógrafo fez a selecção a partir de um grupo inicial de 1400 candidatos, que passou a 180 numa audição em Paris. Em Lisboa, estiveram 60 bailarinos. Um longo processo, por ser o mais democrático e mais transparente, explica, mas também porque tinha “uma enorme necessidade de grandes intérpretes”. Escolheu-os “por serem quem eles são” e por concentrarem múltiplos talentos. São bailarinos mas também actores, alguns acrobatas, vindos do circo; alguns também começam a emergir como coreógrafos, como cria-dores. E têm uma voz que por mo-mentos se substitui ao corpo, na ex-pressão da inquietude, da incerteza, da fuga ou da afirmação. “Formam uma equipa muito rica do ponto de vista criativo”, frisa Rui Horta. “E isso desafia-me a mim próprio”, diz o co-reógrafo e bailarino, com uma carrei-ra que passou por Lisboa, Nova Ior-que, Frankfurt e Munique. Os sete corpos em palco podem ser sete personagens. Ou muitas mais, se cada uma se desdobrar noutras. “São sete híbridos, personas, a meio cami-nho entre a personagem e eles pró-prios”, sugere. “E esta é a sua força, são eles mas também são personagens que eu quero que eles sejam.”Com “As Lágrimas de Saladino” – se-gunda de três criações como artista associado do Centro Cultural de Be-lém, para esta temporada (a primeira foi “Talk Show” em Outubro, a tercei-ra será “Local Geographic”, em Maio) –, Rui Horta esbate de novo a frontei-ra entre dança, teatro e performance, numa mistura que caracteriza o seu trabalho e que o fascina. “O que é ma-ravilhoso na dança é ser uma lingua-gem extremamente moderna, no sen-tido em que o público constrói a sua peça, é transformador da peça.” E conclui: “As pessoas vão ver coisas muito diferentes.”A haver um único tema capaz de de-finir esta obra, será o tema da metró-pole, da grande cidade, o único terri-tório “onde não há fronteiras”. E tam-bém a ideia de que “as sociedades mais ricas são as mais anárquicas”. Numa grande cidade, não se pode

onteiras , e tambémbre a ideia de e “as sociedades

ais ricas são as ais anárquicas”

“As Lágrimas de Saladino” é a peça mais política de Rui Horta: dança de protesto, contra este momento

Árabes”, do escritor libanês Amin Ma-alouf. Este capítulo retrata a chegada de Saladino a Jerusalém e as suas lá-grimas, no momento em que se reco-lhe junto dos que o seu exército ma-tou. São palavras de política e de vio-lência, questões ancestrais, memória, ética, compaixão. Alguns são discur-sos inflamados. Também eles ditos e interpretados nas línguas dos actores. Também eles pensados para serem sentidos. Por vezes em estado de ira ou desespero, ampliados por micro-fones que entram e saem de cena, pelo som de papel que se rasga ou queima, como um sonho ou uma me-mória que alguém desfaz ou espezi-nha. “É sempre difícil comunicar. Um tem um sonho, que o outro manda sempre para baixo. E isso é sempre duro. Mas a comunicação é possível”, continua o coreógrafo. Por muito di-fícil que seja, “há espaço para todos e esse espaço é a cidade”.Dois corpos lançam-se em sincronia, e depois em confronto, entre eles e com o som que os acompanha – de-pois quatro, cinco ou sete. Umas ve-zes completam-se, outras anulam-se. Avançam seguros ou recuam enquan-to caem, invadidos ou alheios ao som omnipresente. Um microfone bate no chão como bate o coração, capta a respiração de quem corre, foge, pára, se encontra, afinal sempre soube quem era.

Um fi m sem moralA peça fala-nos da “importância de sermos nós próprios mesmo em con-tacto com os outros, de não irmos com o rebanho”, afirma o coreógrafo. E o fim, “amoral”, apenas nos mostra todas essas pessoas, orgulhosas de ser quem são, resistindo à torrente avas-saladora de som que facilmente as comprimiria, indiferenciando-as, ti-rando-lhes a voz. Mas os sete bailari-nos ali ficam, a olhar em frente, sozi-nhos, como que a dizer: “Isto sou eu, com a minha forma, a minha cara, a minha barriga, o meu corpo, alto, gor-do, magro, barbudo, branco, azul, preto, amarelo. Isto sou eu e, neste fragmento de caos, tenho orgulho em ser quem sou. E tenho em mim uma ética e valores em que acredito”. As colunas de som juntam-se em pal-co aos bailarinos e músicos que re-gressam ao seu estado natural. A ba-tida que invade a cena pode ser de um coração, libertadora, ou de uma máquina, destruidora. A esta hora em que o começo de noi-te acalma o temporal, também o fim do ensaio acalma a exaltação da peça. As palavras que o coreógrafo escreveu sobre ela ecoam, quase silenciosas, nos nossos ouvidos: “Mais tarde ou mais cedo o vento voltará a soprar. E voarão casas, árvores e os corpos dos

mais leves e incautos. Voarão em estilhaços os nossos sonhos, bem como as portas que deixarão os nossos celeiros vazios. Depois voltará a calma e o único ruído que se ouvirá será a dança

das moscas. Vai custar a perceber por que é que

tanta coisa que amávamos desapareceu sem deixar

rasto.”

Ver agen-da de es-pectácu-l o s n a pág. 50.

controlar tudo, como não se contro-lam as tempestades.

Electrónica e fi larmónica Ao juntar num mesmo palco intér-pretes de música contemporânea (misturando processamento de sons electrónicos com instrumentos de sopro, piano, guitarra eléctrica, per-cussão e uma “turn-table” de DJ) e a centenária Banda Filarmónica da So-ciedade Carlista de Montemor-o-No-vo, Rui Horta cumpriu “um velho sonho”. E isso mesmo diz aos músicos presentes quando lhes agradece e marca novo encontro para o ensaio em Lisboa, já a meio da semana. É um sonho relacionado com o pro-jecto cultural que desenvolve em Montemor-o-Novo, mas também com uma ideia de estética: “A estética de uma banda filarmónica é extraordi-nária, é de uma autenticidade, de uma pujança, de uma vitalidade...”. A Carlista junta músicos amadores, “filhos da terra” que trabalham e re-gressam a Montemor-o-Novo à noite para os ensaios da banda. Também aqui há entrega. “Fandango”, com que abre a peça, é um original do repertório da banda. Duas obras, “Fanfarra de Saladino” e “World Tune”, foram criadas por João Lucas, compositor a quem Rui Horta pediu “para estar dentro da estética contemporânea sem limita-ções, e ao mesmo tempo saber criar para uma banda filarmónica”. “O grande desafio é juntar a tecnologia e os instrumentos de sopro tradicio-nais das bandas filarmónicas”, com-pleta o maestro Sérgio Frazão. O mú-sico lembra que poucos acreditavam que esta fusão fosse possível. Mas quando a banda foi convidada para o primeiro concerto no espaço do convento, “as pessoas ficaram muito admiradas” e começaram a acreditar que era possível. Quando e onde o corpo não chega, é a palavra que vai. São textos recita-dos, em fragmentos, ao longo da pe-ça, escritos por Rui Horta e Tiago Rodrigues e inspirados no décimo capítulo de “As Cruzadas vistas pelos

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cujas emoções foram condensadas em três”, explica a encenadora Laurinda Chiungue. À medida que as cenas evoluem são expostas fragilidades da condição humana e, particularmente, do género feminino. A porta continua encerrada e revelam-se necessidades de integração na sociedade e carências provocadas pela falta de atenção. A urgência de amor (nos dois sentidos: amar e ser amado) para alcançar a felicidade, a vida.

Os relatos da “noite em que o pai o escorraçou” sofrem uma gradação progressiva de intensidade conforme o desenrolar de “A Chuva”. O drama aumenta em torno dessa recordação, desculpa esfarrapada para vidas presas a memórias passadas. Aparecem novas explicações para a partida do irmão mais novo. Fala-se em fuga, em abandono. Indiferença perante as três jovens mulheres que esperam perdidas, desencontradas, inquietas.

Cada uma dessas irmãs exprime-se em monólogos, como num confessionário. “Várias visões distantes mas que entram em choque”, explica Chiungue. Como se o irmão as estivesse a ouvir. A mais nova (Ana Mota Ferreira), submetida à autoridade das mais velhas, continua a vê-lo como um herói que voltará para as salvar. A revelação dos sonhos desta dócil personagem é constantemente interrompida pela expressão “não sei”. “Vai ser sempre inocente”, considera a irmã do meio (Helena Veloso), a que passou a infância a desejar a morte e a ambicionar passear o vestido vermelho que as irmãs ridicularizam com o irmão desaparecido. Voltar ao baile que haviam abandonado. Para as três, a vida é um círculo vicioso: sonho, impasse, inércia. Aqui não há chuva, nem grandes demonstrações de amor.

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A vida à espera“A noite em que o pai escorraçou” o irmão mais novo é o acontecimento fundador da vida das três raparigas que esperam a chuva no Teatro Municipal de Almada. Luís Carlos Soares

A ChuvaA partir de Jean-Luc Lagarce. Encenação de Laurinda Chiungue. Com Ana Mota Ferreira, Helena Veloso, Tânia Leonardo.Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Egas Moniz. Até 07/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360.

Há três irmãs dentro de casa no Teatro Municipal de Almada. Ao fundo, uma porta fechada separa-as da sociedade, dos sonhos, da realidade. A “filha mais velha” (Tânia Leonardo) começa a desbobinar a noite que mudou as suas vidas. “A noite em que o pai o escorraçou” e se fez ao caminho que desaparece na curva do bosque. A noite em que começou a espera pelo irmão mais novo. A espera pela chuva que, quando começasse a cair sobre os bosques, as serenaria. A chuva na qual depositavam a esperança de poder mudar todos os anos que perderam à espera. Até que o irmão chega.

A partir de “Estava em casa e esperava que a chuva viesse”, peça de Jean-Luc Lagarce, a equipa de “A Chuva” construiu “um guião, todo ele muito rico, muito desafiante, e com cinco personagens femininas

Teatro

EstreiamShoot the FreakDe e com Cão Solteiro e André e. Teodósio, Paula Sá Nogueira, Mariana Sá Nogueira, Vasco Araújo, Joana Dilão, Ana Santos, André Godinho.Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. De 11/03 a 14/03. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 217905155. 5€ a 12€.

Ver texto na pág. 44 e segs.

Num Dia Igual aos OutrosDe John Kolvenbach. Encenação de Marco Martins. Com Nuno Lopes, Gonçalo Waddington.Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio. Pç. D. Pedro IV. De 11/03 a 18/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 6€ 12€.

PigmaliãoDe Pedro Mexia. Pelo Teatro Oficina. Encenação de Marcos Barbosa. Com Diana Sá e Emílio Gomes.Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Pequeno Auditório. Avenida D. Afonso Henriques, 701. De 10/03 a 14/03. De 4ª a Sáb. às 22h. Dom. às 17h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€.

MoluscoDe Ricardo Freitas. Pelo Projecto Ruínas. Encenação de Francisco Campos. Com Miguel Antunes, Francisco Campos.Montemor-o-Novo. Cine-Teatro Curvo Semedo. Lg. Dr. António José de Almeida. De 05/03 a 06/03. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 266898104.

ContinuamA Louca, o Médico, os Discípulos e o DiaboDe Béla Pintér. Encenação de Béla Pintér. Com Hella Roszik, Éva Enyedi, László Quitt, Tünde Szalontay, Szabolcs Thuróczy, Zsófia Szamosi, Zoltán Friedenthal, Béla Pintér.Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 05/03. 4ª a 6ª às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.

Fragmentos de um Corpo SóA partir de Gogol, Franz Kafka, Fernando Pessoa. Pelo Crinabel Teatro. Encenação de Marco Paiva.Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R. Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal, 39). Até 07/03. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 225189982.

Comédia MosquetaDe Angelo Beolco. Pela Companhia de Teatro de Almada. Encenação de Mário Barradas. Com Ivo Alexandre, José Martins, Paulo Matos, Teresa Gafeira.Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Egas Moniz. De 11/03 a 21/03. 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€.

Fora de Casa Por AgoraDe Gonçalo Alegria. Pelo Teatro do Vestido. Com Pedro Caeiro, Joana Craveiro.Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91. Até 13/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213111400. 5€ a 7,5€.

BlackbirdDe David Harrower. Encenação de Tiago Guedes. Com Custódia Gallego (voz off ), Miguel Guilherme, Isabel Abreu.Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De 05/03 a 14/03. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401905. 5€ a 15€.

Amor SolúvelDe Carlos Tê. Encenação de Luisa Pinto. Direcção Musical de Helder Gonçalves. Com Romeu Costa, Joana Manuel, Rui David, Cristina Cardoso e Jorge Loureiro.Matosinhos. Cine-Teatro Constantino Nery. Avenida Serpa Pinto. Até 28/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 229392320.

Le JardinDe e com Jean-Paul Lefeuvre e Didier André.Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes dos Santos. Dia 07/03. Dom. às 16h. Tel.: 249839309. 10€.Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Dia 05/03. 6ª às 21h30. Tel.: 232480110. 7,5€ a 15€.

Rei ÉdipoA partir de Édipo. Encenação de Jorge Silva Melo. Com Diogo Infante, Lia Gama, Virgílio Castelo, entre outros.Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Pç. D. Pedro IV. Até 28/03. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 30€.

Canção do ValeDe Athol Fugard. Pelo Teatro dos Aloés. Encenação de Jorge Silva. Com Carla Galvão, José Peixoto.Coimbra. O Teatrão. Rua Pedro Nunes. Dia 06/03. Sáb. às 21h30. Tel.: 239714013.

Paisagens em TrânsitoDe e com Patrick Murys.Vila Real. Teatro de Vila Real. Alameda de Grasse. Dia 05/03. 6ª às 22h. Tel.: 259320000. 7€.

Dança

EstreiamAs Lágrimas de SaladinoDe Rui Horta. Com Katarzyna Sitarz, Milán Újvári, Noemí Viana García, Vít Barták, Gilles Baron, Marcus Baldemar, Silvia Bertoncelli, Miguel Moreira.Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império. De 05/03 a 06/03. 6ª e Sáb. às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 15€.

Ver texto na pág. 48 e segs.

ContinuamValeDe Madalena Victorino. Com Ainhoa Vidal, Costanza Givone, João Vladimiro, Miguel Fragata, entre outros.Caldas da Rainha. Centro Cultural e Congressos das Caldas da Rainha - Grande Auditório. Rua Doutor Leonel Sotto Mayor. De 06/03 a 07/03. Sáb. às 21h30. Dom. às 17h30. Tel.: 262889650. 10€ a 12,50€.

Talk ShowDe Rui Horta. Com Adriana Queiroz, Miguel Moreira, João Martins, Beatriz Pereira.Montemor-o-Novo. O Espaço do Tempo - Blackbox. Convento da Saudação. Dia 06/03. Sáb. às 14h30. Tel.: 266899856.

Nada do que dissemos até agora teve a ver comigoDe Rita Natálio. Com António Júlio, Cláudio da Silva, Nuno Lucas.Lisboa. Centro Cultural de Belém - Sala de Ensaios. Praça do Império. Dia 06/03. Sáb. às 19h. Tel.: 213612400. 5€.

O AquiDe Ana Rita Barata. Com António Cabrita, Carolina Ramos, Catarina Gonçalves, Pedro Ramos.Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Egas Moniz. De 05/03 a 06/03. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 212739360. 10€.

Agenda

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“A Chuva” é uma recriação de um texto de Jean Luc-Lagarce: três irmãs à espera, enquanto a vida passa

O “Vale” de Madalena Victorino vai às Caldas da Rainha

Nuno Lopes e Gonçalo Waddington em “Num Dia Igual aos Outros”, encenação de Marco Martins

“A Louca...”, dos húngaros da Béla Pintér e Companhia, no Maria Matos

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10 e 11 Março 22h00 M/6

palestra-performance

TrutaIvanov

19 a 27 Março 21h30 (Excepto dia 23)

Magical Orchestra Susanna and the

in pieces

Tim EtchellsFumiyo Ikeda &

www.teatromariamatos.pt

menores30 anos

5€

música dança

música teatro

12 Abril 22h00 M/6

(Anton Tchekov)

M/12

19 a 21 Abril 21h30 M/12

apresentações no âmbito da rede co-financiado por

(Owen Pallett)Final Fantasy

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52 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

00h20 Domingo 11h30, 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h20 (V.Port./3D), 15h50, 18h30, 21h10, 23h45 Sábado Domingo 10h45, 13h20 (V.Port./3D), 15h50, 18h30, 21h10, 23h45; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h20, 00h10 (3D); ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h (V.Port./3D), 15h50, 18h40, 21h20, 24h (3D); ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20 (V.Port./3D), 16h05, 18h40, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 (3D) 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30 (3D); ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 (3D) 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 00h10 (3D) Sábado 13h, 15h30, 18h20, 21h20, 00h10 (3D) Domingo 13h, 15h30, 18h20, 21h20 (3D); ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h25 (V.Port./3D), 15h55, 18h35, 21h10, 24h (3D) Domingo 10h45, 13h25 (V.Port./3D), 15h55, 18h35, 21h10, 24h (3D); ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h45, 21h40, 00h20 (3D); ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h, 18h25, 21h20, 00h05 (3D) Domingo 11h, 13h25, 16h, 18h25, 21h20, 00h05 (3D); Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h10, 21h20 6ª 15h40, 18h10, 21h20, 23h50 Sábado 13h10, 15h40, 18h10, 21h20, 23h50 Domingo 13h10, 15h40, 18h10, 21h20; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h15, 21h20 6ª 15h40, 18h15, 21h20, 23h50 Sábado 13h, 15h40, 18h15, 21h20, 23h50 Domingo 13h, 15h40, 18h15, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h30, 24h (3D) Sábado Domingo 13h10, 15h40, 18h30, 21h30, 24h (3D); UCI Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h35, 21h25 6ª 15h50, 18h35, 21h25, 23h45 Sábado 13h35, 15h50, 18h35, 21h25, 23h45 Domingo 13h35, 15h50, 18h35, 21h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h (V.Port./3D), 15h50, 18h30, 21h10, 23h50 (3D) Domingo 10h30, 13h (V.Port./3D), 15h50, 18h30, 21h10, 23h50 (3D); ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h35, 21h30, 00h10 (3D);

Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h30, 19h05, 21h50, 00h30 3ª 4ª 16h30, 19h05, 21h50, 00h30; Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h30, 17h, 19h35, 22h15, 00h45 3ª 4ª 17h, 19h35, 22h15, 00h45; Cinemax - Penafiel: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h50 6ª 15h30, 21h50, 24h Sábado 15h, 17h30, 21h50, 24h Domingo 15h, 17h30, 21h50; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 21h (3D); ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 19h, 21h40, 00h15 (V.Port./3D) Domingo 11h, 13h30, 16h, 19h, 21h40, 00h15 (V.Port./3D); ZON

Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 17h50, 21h20 (3D) 6ª Sábado 15h, 17h50, 21h20, 23h50 (3D); ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h (V.Port./3D), 15h30, 18h20, 21h10, 00h10 (3D) Sábado Domingo 11h, 13h (V.Port./3D), 15h30, 18h20, 21h10, 00h10 (3D); ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h05, 19h, 21h45 (3D) 6ª Sábado 13h20, 16h05, 19h, 21h45, 00h25 (3D); ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h30, 00h10 (3D); ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h10 (V.Port./3D), 16h10, 19h, 22h, 00h45 (3D) Sábado Domingo 10h40, 13h10 (V.Port./3D), 16h10, 19h, 22h, 00h45 (3D); ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h25, 18h15, 21h15, 24h (3D) Domingo 10h20, 12h45, 15h25, 18h15, 21h15, 24h (3D); Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h50, 21h50 6ª 15h50, 18h50, 21h50, 00h15 Sábado 13h30, 15h50, 18h50, 21h50, 00h15 Domingo 13h30, 15h50, 18h50, 21h50; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30 (3D) 6ª Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h30, 00h10 (3D); ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h50 (V.Port./3D), 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 (3D) Domingo 11h, 13h50 (V.Port./3D), 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 (3D);

Que Tim Burton pegue em Lewis Carroll não é por certo estranho nem extraordinariamente inesperado, porque o universo do escritor inglês sempre esteve à distância de um espelho do do realizador americano (“americano”, mas em processo de anglicização, como nos últimos filmes se vinha vendo e este não desmente, bem pelo contrário). Que Carroll se ofereça assim à “burtonização” talvez seja mais digno de nota: Burton apropria-se de “Alice e do País das Maravilhas” sem fricção, uma “ocupação” pacífica e consentida, sem precisar de disparar um tiro. Tudo é orgânico e harmónico, numa sobreposição perfeita que torna inútil (ou pouco profícuo) o exercício de dissecação. Distinguir “isto é Burton” e “aquilo é Carroll”: que importa, se a coisa se faz una? Diríamos que Burton pega

– à letra – numa das características do livro de Carroll, o facto de ele se dirigir primordialmente à imaginação do leitor. E que é recorrendo à sua “imaginação de leitor” que Burton constrói a sua “Alice”. A imaginação de Burton, conhecemo-la bem, e seguramente a reconhecemos aqui (donde, a impressão de familiaridade que já descrevemos). Surpresa? Surpresa nenhuma, ou só – se nos pusermos a pensar nisso – que essa imaginação trabalhe num diálogo directo com a fonte carrolliana, e surja imediada – mesmo “despoluída” – por outras imaginações de “Alice”. Enfim, não conhecemos todas – há uma versão de Jonathan Miller que anda por aí nas prateleiras dos DVDs de importação – mas este é um filme Disney (uma produção Disney) que é o perfeito negativo da versão Disney que enformou, em tanta gente de tantas gerações, uma visão de “Alice no País das Maravilhas”.

E é o negativo disso porque (para além de questões de invenção visual) intensifica, em vez de atenuar, a dimensão mais perturbante do relato de Carroll. O absurdo daquilo tudo, a loucura daquelas personagens todas. É evidente que isto não é País das Maravilhas nenhum, é um País dos Horrores, vivido (ou criado) no limiar suportável da desagradabilidade. Atenção, por exemplo, à paisagem (algo inóspita, por vezes “lunar”, ou a lembrar um “pós-apocalipse”) ou às cores do céu (cinzento, muito “bleak” – como a meteorologia inglesa?...). E ao modo como este tratamento “atmosférico”, em fundo do tratamento das personagens, salienta o óbvio: como sempre em

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cin

ema

Estreiam

ManicómioIsto é um País dos Horrores, vivido (ou criado) no limiar suportável da desagradabilidade. Luís Miguel Oliveira

Alice no País das MaravilhasAlice in WonderlandDe Tim Burton, com Mia Wasikowska, Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Christopher Lee, Anne Hathaway. M/12

MMMMn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 18h40, 21h40 6ª 16h, 18h40, 21h40, 00h20 Sábado 13h10, 16h, 18h40, 21h40, 00h20 Domingo 13h10, 16h, 18h40, 21h40; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30 (V.Port./3D), 15h50, 18h10, 21h20, 23h50 (3D); CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h25 (3D); CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h15 (V.Port./3D), 18h35, 21h35, 23h55 (3D) Sábado Domingo 11h35, 13h55, 16h15 (V.Port./3D), 18h35, 21h35, 23h55 (3D); CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25, 18h50, 21h30, 23h50 (3D) Sábado Domingo 11h30, 13h50, 16h25, 18h50, 21h30, 23h50 (3D); CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, 18h30, 21h30, 24h (3D) Sábado Domingo 11h30, 13h50, 16h10, 18h30, 21h30, 24h (3D); Medeia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h; Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h 6ª Sábado 2ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h, 00h10; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30 (3D); Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 (3D); UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50,

E as 3D? São usadas de maneira muito menos ostensiva do que em “Avatar”

work-shop

Wim Vandekeybus, coreógrafo e realizador belga, cuja peça “NiewZart” esteve recentemente digressão por Portugal, estará em Julho no AVANCA’10 – Encontros Internacionais de

Cinema, Televisão, Vídeo e Multimédia para orientar um workshop onde se trabalhará o cinema e a dança. O mais destacado nome da dança contemporânea europeia, após o desaparecimento

série ípsilon II

Sexta-feira,dia 12 de Março,o DVD “O Céu Gira”,de Mercedes Alvarez

Todas as sextas,

por €1,95.20anos

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 53

Sábado 12h50, 15h30, 18h30, 21h20, 24h Domingo 12h50, 15h30, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h05, 21h10 6ª Sábado 14h, 17h05, 21h10, 00h15;

Para ver com olhos de ver o último filme de Martin Scorsese, “Shutter Island”, torna-se indispensável tentar escapar a duas tentações maiores: andar a “pescar” citações cinéfilas de “Laura” de Preminger, “O Arrependido” de Tourneur ou “Shock Corridor” de Fuller (o catálogo completo resultaria impossível e fastidioso), que estão lá, mas inteiramente digeridas no conjunto; rejeitar atitudes nostálgicas mais graves, do tipo “ai o cinema dos anos 70 é que era…”. Dito isto, não se pense que se trata de uma das obras fundamentais do cineasta. Até porque se perde nalguns equívocos retóricos. No entanto, o que se ressalta deste exercício de estilo (não obrigatoriamente um defeito) passa por uma rarefacção irrespirável, por uma claustrofobia que interroga o cinema de Scorsese, rimando com os seus filmes maiores. M.J.T.

Burton o “pesadelo” mal se distingue do “sonho”, e por muito que a promoção de “Alice” pareça dirigir o filme a um público infantil, a quem Burton de facto se dirige é aos adultos. O outro lado do espelho é um inferno, grotesco e distorcido.

E as 3D? Digamos brevemente duas ou três coisas: que são usadas de maneira muito menos ostensiva do que em “Avatar” (muito menos cansativa, também), e que se nota uma relação mais coerente entre o seu uso e a própria composição espacial. E ainda que, trabalhando mais sobre pintura (ou “como pintura”) do que Cameron, Burton se diverte, nalguns momentos, a anular o relevo, a transformar os corpos dos actores em silhuetas planas, a fazer “2D” dentro do “3D”. No mínimo, é divertido e inteligente. O frabjous day!.

Continuam

O MensageiroThe MessengerDe Oren Moverman, com Ben Foster, Jena Malone, Eamonn Walker, Woody Harrelson. M/12

MMMMn

Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h, 21h45, 00h05; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h40 6ª Sábado Domingo 13h40, 16h20, 19h, 21h40, 00h15;

Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h50, 22h, 00h35 3ª 4ª 16h50, 22h, 00h35; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 22h05 6ª Sábado 22h05, 00h40; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 18h20, 23h50;

Não há outro filme assim, neste momento, nas salas portuguesas, com esta determinação de ir com as personagens, de habitar a sua gravidade. É a estreia na realização de Oren Moverman. O cineasta, em entrevistas, refere a influência de um filme como “The Last Detail” (1973), de Al Ashby, que era algo próximo de um “road movie” existencial – é como podemos sintetizar “O Mensageiro”, que até está mais próximo da deambulação urbana do filme de Ashby, e dessa coragem adulta do cinema americano dos anos 70, do que de “No Vale de Ellah” (2007), de Paul Haggis, um dos filmes saídos da guerra do Iraque com que a estreia de Moverman pode ser comparada por a guerra também ser filmada em casa, na América. (E poderíamos acrescentar ainda “Jardins de Pedra”, 1987, de Coppola – aí era o Vietname). Em “O Mensageiro” dois soldados têm a tarefa de comunicar aos familiares e amantes de soldados em missão no Iraque a morte dos seus entes queridos. Para além da guerra, e como no cinema clássico americano, o que se filma em “O Mensageiro” é

uma “love story” entre dois homens – uma história de amor entre dois heterossexuais que se aproximam e se descobrem para além do protocolo, das poses, das máscaras e dos espartilhos emocionais com que se defendem e se martirizam. Woody Harrelson e Ben Foster são portentosos, comoventes, nestes dois inadaptados: derrubados e sempre em pé. Vasco Câmara

Shutter IslandDe Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Emily Mortimer. M/16

MMMnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 00h10 Sábado 12h40, 15h30, 18h20, 21h20, 00h10 Domingo 12h40, 15h30, 18h20, 21h20; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h45, 21h40, 00h25; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h35, 21h30, 00h20; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h, 21h15, 00h05; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h35, 21h25, 00h15; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h, 17h50, 21h20, 00h15 Sábado Domingo 12h, 15h, 17h50, 21h20, 00h15; Medeia Fonte Nova: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h20, 19h, 21h45; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h30, 00h20 Domingo 11h30, 15h, 18h, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h50, 21h20, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h, 20h50, 23h50 ; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30, 22h; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h10 6ª Sábado 15h10, 18h10, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h45, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30, 00h25; Castello Lopes - C. C.

Jumbo: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h10 6ª Sábado 15h20, 18h20, 21h10, 24h; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h10 6ª 15h30, 18h20, 21h10, 24h Sábado 12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 24h Domingo 12h40, 15h30, 18h20, 21h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h40, 00h30 Sábado Domingo 13h, 15h50, 18h40, 21h40, 00h30; UCI Freeport: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h05, 18h45, 21h35 6ª 16h05, 18h45, 21h35, 00h25 Sábado 13h25, 16h05, 18h45, 21h35, 00h25 Domingo 13h25, 16h05, 18h45, 21h35; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h, 24h; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h35, 18h30, 21h25, 00h20;

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20, 21h30, 00h40; Cinemax - Penafiel: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 21h40 6ª 21h40, 00h15 Sábado 21h35, 00h15 Domingo 21h35; Medeia Cidade do Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15, 21h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h05, 21h20, 00h25 ; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h35, 21h30 6ª Sábado 15h40, 18h35, 21h30, 00h25; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h20 6ª Sábado 13h30, 17h, 21h20, 00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h45, 21h10 6ª Sábado 13h40, 16h45, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h15, 21h20, 00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 21h35, 00h40; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h20 6ª 15h30, 18h30, 21h20, 24h

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Alice no País das Maravilhas mmnnn mmmmn nnnnn nnnnn

Um Homem Sério nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn

Um Homem Singular mmmmm nnnnn mmmnn mmmnn

Consultórios de Deus nnnnn mmnnn nnnnn nnnnn

O Mensageiro mmmnn mmmnn nnnnn mmmmn

O Meu Amigo Eric nnnnn nnnnn mmnnn mMnnn

Norte nnnnn mmnnn mmnnn nnnnn

Uma Outra Educação nnnnn mmnnn mmnnn mnnnn

Precious mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn

Shutter Island mmmmn nnnnn mmmnn mnnnn

As estrelas do público

21h40 6ª , 00h15;

ª 16h50,g: 5ª 5, 6ª

23h50;

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Lisboa: Castello Lopes -Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20, 00h10Sábado 12h40, 15h30, 18h20,21h20, 00h10Domingo 12h40,15h30, 18h20,21h20; Castello Lopes- Loures Shopping: Sa5ª 6ª Sábado

g15h10, 18h10, 21h10, 00Parque: 5ª 6ª Sábado15h30, 18h30, 21h30, 0Vedras: 5ª 6ª Sábado17h45, 21h20, 00h30; ZGama: 5ª 6ª Sábado 15h40 18h35 21h30 000h25; Castello Lopes - C. C.

s ala 1:

15h40, 18h35, 21h30, 0

“The Messenger”: Woody Harrelson e Ben Foster são portentosos, comoventes, nestes dois inadaptados: derrubados e sempre de pé.

“Shutter Island”: uma rarefacção irrespirável, por uma claustrofobiaque interroga o cinema de Scorsese

de Pina Bausch, é autor de uma obra

cinematográfi ca particular. “The Last Words” foi premiado no AVANCA’99 e o fi lme seguinte, “Inasmuch”, esteve na selecção

ofi cial do festival.

“Blush” foi exibido em Cannes 2005 e para este ano Vandekeybus prepara um novo fi lme, para o qual está a proceder ao casting fi nal, convidando famílias inteiras para participar neste trabalho.

MUSEU DO ORIENTE

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54 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

Consultórios de DeusLes Bureaux de DieuDe Claire Simon, com Anne Alvaro, Nathalie Baye, Michel Boujenah. M/16

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Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h40, 16h05, 18h45 6ª Sábado 2ª 13h40, 16h05, 18h45, 00h20;

Algo que parece fora de moda: um cinema de inspiração sociológica directa e sem camuflagem, construído num dispositivo de “falso documentário” minimal mas eficaz. “Os Consultórios de Deus” pega num centro de planeamento familiar e, com base em registos verídicos, reconstitui as conversas entre as mulheres (sobretudo adolescentes) que recorrem ao aconselhamento e

os médicos e funcionários do centro. Muito digno, e muito sério até na maneira como faz da palavra o seu veículo essencial. Apenas demasiado conformado com o seu dispositivo – que acaba por se tornar “indiferente”.LMO

NorteNordDe Rune Denstad Langlo, com Anders Baasmo Christiansen, Kyrre Hellum, Marte Aunemo. M/12

MMnnn

Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h40, 17h30, 19h20, 21h45 6ª 13h45, 15h40, 17h30, 19h20, 21h45, 23h40 Sábado 11h40, 13h45, 15h40, 17h30, 19h20, 21h45, 23h40 Domingo 11h40, 13h45, 15h40, 17h30, 19h20, 21h45;

É um facto que “Norte” traz à memória “Uma História Simples”, um dos filmes mais atípicos de David Lynch, cruzado com uma estética de cartilha do cinema independente norte-americano, mas feito por um norueguês, com todas as angústias nórdicas condensadas numa história limpinha e sem grandes atractivos de um ex-esquiador alcoólico em viagem. Que dizer do filme? Que regista com alguma tensão a paisagem gelada? Que revê em queda o “road movie” com laivos de “western” descontextualizado? Há um congelamento da acção que o torna um exercício simpático e bem intencionado. Não é pretensioso, não pretende inventar nada, não comove, não irrita, mas também, por vezes, soa a dispensável, sem que tal signifique rejeição. M.J.T.

Um Homem SingularA Single ManDe Tom Ford, com Colin Firth, Julianne Moore, Nicholas Hoult, Matthew Goode. M/16

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Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 18h30, 21h50 6ª Sábado 18h30, 21h50, 24h; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h50, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h10 Domingo 11h30, 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h50, 20h50, 23h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h30, 17h55, 21h05, 23h30;

Porto: Arrábida 20: Sala 18: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h10, 16h35, 19h, 21h25, 24h 3ª 4ª 16h35, 19h, 21h25, 24h; Medeia Cidade do Porto: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30;

A obra romanesca de Christopher Isherwood revela quase sempre uma forte componente autobiográfica e não teve até hoje a consagração que merecia, apesar da voga que conheceu aquando da adaptação de “Adeus a Berlim” para o sucesso retumbante de “Cabaret”. “Um Homem Singular”, romance tardio, amargo e melancólico, passa agora a filme pela mão do estreante Tom Ford, que pega no doloroso processo

de luto de um professor inglês, “recém-viúvo” do amante, com um certo cuidado, mas também com alguma pretensão estilística, cedendo à tentação de fazer artístico. No entanto, progressivamente, vamo-nos apercebendo de que o realizador entendeu a essência do romance e aceitou as coordenadas melodramáticas que lhe subjazem: uma história de solidão extrema, quase onírica de tão rarefeita e reduzida a sinais mínimos; a preparação de um desesperado adeus a uma vida de conforto ilusório. Não se tratará de uma obra-prima, mas possui uma incrível força que deixa um sabor amargo na boca e um violento soco no estômago, para o que contribuem, decisivamente, os desempenhos notáveis de Colin Firth (nunca o tínhamos visto tão bem) e de Julianne Moore. Filme de argumento e de actores, vale bem a pena vê-lo. M.J.T.

Uma Outra EducaçãoAn EducationDe Lone Scherfig, com Carey Mulligan, Olivia Williams, Alfred Molina. M/12

MMnnn

Lisboa: CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h45; Medeia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 21h40; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h30, 19h, 00h10 6ª Domingo 13h30, 00h10 ; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 18h05, 23h45; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 18h45, 00h05;

Porto: Arrábida 20: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h25 3ª 4ª 16h30, 18h55, 21h25; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h, 21h, 23h45;

É um filme simpático, realizado com simplicidade e elegância pela dinamarquesa Lone Schertig, sobre a educação sentimental de uma jovem adolescente dos subúrbios londrinos, deslumbrada por um “playboy” mais velho. Dito isto, e se exceptuarmos uma curiosa crítica de costumes e alguns estereótipos da vida na alta roda de restaurantes e clubes glamorosos e de uma Paris turística, “Uma Outra Educação” repousa inteirinho na espantosa interpretação da britânica Carey Mulligan (séria candidata ao Óscar), que muitos comparam à de Audrey Hepburn, em “Férias em Roma”, plena de frescura e de inteligência instintiva. M.J.T.

PreciousDe Lee Daniels, com Gabourey Sidibe, Mo’Nique, Paula Patton, Mariah Carey. M/12

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Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª 6ª

Cin

ema aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Norte”: não é pretensioso, não comove, não irrita, mas também, por vezes, soa a dispensável

“Consultórios de Deus”: cinema de inspiração sociológica

“Um Homem Singular”: fi lme de argumento e de actores, vale bem a pena vê-lo

Espaço Público

Eastwood mostra-nos, em “Invictus”, Mandela e Pienaar enquanto homens e não heróis artifi ciais. Controlam-se e são senhores de si, mas também enfrentam o medo e a solidão. São líderes carismáticos, mas também fraquejam. É comovente a cena em

que Mandela se quebra quando o guarda-costas lhe

pergunta sobre a família. Vemos

Pienaar como um homem medroso, periclitante. São dois

homens que só atingem actos

heróicos com luta,

persistência e resiliência. Mas não são heróis todos os dias, caem, o que comove e reconforta. Ganham troféus, mas até quando recebem a taça continuam nervosos e surpresos com tudo aquilo. Eastwood fi lma a nossa fragilidade como ninguém. Mas não se esquece da(s) nossa(s) força(s). O fi lme diz-nos que Mandela salvou-se de trinta anos de

sofrimento e solidão com um poema oitocentista. É muito reconfortante saber isto. Vemos também que Mandela não será um político dos nossos dias, aprumado, bem vestido, de Moleskine na mão, de teleponto e com assessores de comunicação. É uma pena.Nelson Bandeira, professor, 26 anos

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 55

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 21h40, 23h50; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h55; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 21h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h30, 21h55; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 18h10, 23h30 ; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h50, 18h15, 21h45, 00h05; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h05, 18h55, 21h45, 00h10;

Porto: Arrábida 20: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h50, 16h15, 18h45, 21h30, 00h20 3ª 4ª 16h15, 18h45, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h50, 19h15, 21h50, 00h10 ; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50 6ª Sábado 13h50, 16h30, 19h10, 21h50, 00h35;

“Precious” funciona como um daqueles filmes que aspira a jogar no tabuleiro das surpresas “outsider” para os Óscares, politicamente impecável e correctíssimo, embora sem voos que o recomendem: tudo se esgota no argumento de interesse social (a obesidade e as crueldades que gera), nos meandros do tratamento de comportamentos abusivos. E daí? Bastará o facto de ser diferente do “mainstream”, de revelar preocupações realistas na representação da dor, de contornar estereótipos para o impor como filme? Temos dúvidas e, no entanto, não podemos deixar de ser sensíveis a um pungente olhar sobre o desespero de viver nas margens. M.J.T.

Sexta, 05A Lenda de Uma EstrelaThe Legend of Lylah ClareDe Robert Aldrich. Com Ernest Borgnine, Kim Novak, Peter Finch.15h30 - Sala Félix Ribeiro

O Retrato de JenniePortrait of JennieDe William Dieterle. Com Ethel Barrymore, Jennifer Jones, Joseph Cotten. 83 min. M12.19h - Sala Félix Ribeiro

Agatha et les Lectures IlimitéesDe Marguerite Duras. Com Bulle Ogier, Yann Andréa. 90 min.19h30 - Sala Luís de Pina

L’ Homme Atlantique + Dialogo di RomaL’ Homme AtlantiqueDe Marguerite Duras. Com Yann Andréa, Marguerite Duras. 41 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

PugilatoriDe Valerio Zurlini. 10 min. M12.22h - Sala Luís de Pina

Sábado, 06O Golpe de MisericórdiaDer FangschußDe Völker Schlöndorff. Com Margarethe von Trotta, Matthias Habich, Rüdiger Kirschstein. 95 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

A Grande CidadeMahanagarDe Satyajit Ray. Com Anil Chatterjee, Madhabi Mukherjee, Jaya Bhaduri. 130 min.19h - Sala Félix Ribeiro

A Viagem da Velha Krause Rumo à FelicidadeMutter Krausens Fahrt ins GluckDe Phil Jutzi. Com Alexandra Schmitt, Holmes Zimmermann, Ise Tratschold. 110 min.19h30 - Sala Luís de Pina

O Charme Discreto da BurguesiaLe Charme Discret de La BourgeoisieDe Luis Buñuel. Com Delphine Seyrig, Fernando Rey, Paul Frankeur. 102 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Rua 4242nd StreetDe Busby Berkeley, Lloyd Bacon. Com Bebe Daniels, George Brent, Ruby Keeler, Warner Baxter. 89 min.22h - Sala Luís de Pina

Segunda, 08A Carga da Brigada LigeiraThe Charge of the Light BrigadeDe Michael Curtiz. Com Errol Flynn, Henry Stephenson, Olivia de Havilland, Patric Knowles. 115 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Seduto Alla Sua Destra + Il Mercato Della FacceSeduto Alla Sua DestraDe Valerio Zurlini. Com Woody Strode, Franco Citti, Jean Servais,

Pier Paolo Capponi. 93 min.19h - Sala Félix Ribeiro

L’ Homme Atlantique + Dialogo di RomaL’ Homme AtlantiqueDe Marguerite Duras. Com Yann Andréa, Marguerite Duras. 41 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Quem Espera Por Sapatos de Defunto Morre DescalçoDe João César Monteiro. Com Carlos Ferreira, Luis Miguel Cintra, Paula Ferreira. 34 min. M16.22h - Sala Luís de Pina

Sophia de Mello Breyner AndresenDe João César Monteiro. 19 min.22h - Sala Luís de Pina

Terça, 09O Fosso das VíborasThe Snake PitDe Anatole Litvak. Com Glenn Langan, Leo Genn, Mark

Stevens, Olivia de Havilland. 108 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

O Pecado de Cluny Brown

Cluny BrownDe Ernst Lubitsch. Com C. Aubrey Smith, Charles Boyer, Helen Walker, Jennifer Jones, Peter Lawford, Reginald Gardiner. 100 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Le SoldatesseDe Valerio Zurlini. Com Lea Massari, Valeria Moriconi, Tomas Milian. 120 min.19h30 - Sala Luís de Pina

O Lado SelvagemInto The WildDe Sean Penn. Com Emile Hirsch, Marcia Gay Harden, William Hurt. 140 min. M12.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Recordações da Casa AmarelaDe João César Monteiro. Com João César Monteiro, Manuela de Freitas, Ruy Furtado. 122 min.22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 10Os Olhos da Testemunha

EyewitnessDe Peter Yates. Com William Hurt, Sigourney Weaver, Christopher Plummer, Morgan Freeman. 103 min.

15h30 - Sala Félix Ribeiro

Les EnfantsDe Marguerite Duras. Com Tatiana Moukhine, Martine Chevalier, Pierre Arditi., Daniel Gélin, André Dussollier, Alexander Bougosslavsky. 94 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Seduto Alla Sua Destra + Il Mercato Della FacceSeduto Alla Sua DestraDe Valerio Zurlini. Com Woody

Strode, Franco Citti, Jean Servais, Pier Paolo Capponi. 93 min.19h30 - Sala Luís de Pina

La Femme du BoulangerDe Marcel Pagnol. Com Raimu, Ginette Leclerc, Fernand Charpin. 133 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Comédia de DeusDe João César Monteiro. Com Cláudia Oliveira, Glicínia Quartin, João César Monteiro. 160 min.22h - Sala Luís de Pina

Quinta, 11A Sombra do CaçadorThe Night Of The HunterDe Charles Laughton. Com Billy Chapin, Lillian Gish, Robert Mitchum, Shelley Winters. 90 min. M12.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Marcados para a MorteUnderworld U.S.A.De Samuel Fuller. Com Cliff Robertson, Dolores Dorn, Beatrice Kay. 99 min.19h - Sala Félix Ribeiro

Fado, História de Uma CantadeiraDe Perdigão Queiroga. Com Amália Rodrigues, António Silva, Vasco Santana., Virgílio Teixeira. 106 min.19h30 - Sala Luís de Pina

Duelo ao SolDuel In The SunDe King Vidor. Com Gregory Peck, Jennifer Jones, Joseph Cotten, Lillian Gish, Lionel Barrymore. 145 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Branca de NeveDe João César Monteiro. Com Ana Brandão, Diogo Dória, Luis Miguel Cintra. 75 min. M12.

03, 22h - Sala Luís de Pina

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

“Precious”

g , ,Mark

Ruy Furtado. 122 min.22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 10Os Olhos da Testemunha

EyewitnessDe DD Peter Yates. Com William Hurt, SigSS ourney Weaver, ChristopherPlummer, Morgan Freeman. 103min.

15h30 - Sala Félix Ribeiro

Cesar Monteiro homenageado

Projecto

(Não?) rodagem O actor Matt Damon

quer interpretar Robert F. Kennedy no próximo fi lme de Gary Ross. “Ainda não vi o guião, mas tenho conversado sobre isso com o [realizador] Gary Ross desde há mais de um

ano e estamos muito animados”, diz Damon à Reuters. O título ainda não é conhecido, mas o guião, escrito

por Steven Knight, será baseado na biografi a “Robert Kennedy: His Life”, de Evan Thomas.

O novo fi lme de James Cameron pode estar em risco, escreve o jornal espanhol “El País”. Depois de “Avatar”, Cameron queria realizar um fi lme sobre os sobreviventes da bomba atómica de Nagasáqui, em 1945. Já tinha título: “Nagasaki Deadline”.

Mas parece já não ser possível. Tudo porque os

editores do livro não conseguem garantir a veracidade de alguns factos. O livro, “The

Last Train from Hiroshima: The survivors look back”, apresenta

depoimentos de aviadores

norte-americanos e de sobreviventes. Charles Pellegrino, o autor, admitiu que os seus entrevistados fi zeram declarações falsas – um deles afi rmava ter estado no avião que lançou a bomba e na verdade não esteve. E admitiu que as personagens centrais nem sequer existiram. Pellegrino pediu desculpa e os editores vão retirar o livro do mercado.

ve o jornalEl País”. Depois, Cameron zar um os tes

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do sul-africano J.M.Coetzee conhece bem as suas preocupações, obsessivamente recriadas de livro em livro: a defesa dos animais e do vegetarianismo, a

dificuldade das relações entre homens e mulheres e o conflito severo e trágico com implicações linguísticas, rácicas, geracionais e territoriais, que mantém em relação à sua pátria de origem, a África do Sul. Em “Verão”, o último de uma trilogia “autobiográfica”, Coetzee, misterioso e cioso da sua privacidade, coloca-se no papel de morto, passando definitivamente à condição de personagem da sua própria ficção e imaginando-se como objecto da atenção de quem com ele privou mais de perto. Seria um exercício de puro narcisismo não fosse dar-se o caso de Coetzee ser um autor muito hábil que consegue a maior façanha de um

escritor, o de iludir completamente o leitor,

levando-o a segui-lo neste magistral embuste.

Os factos descritos – embora surjam como entrevistas e notas de um tal Vincent que prepara uma biografia do famoso John Coetzee, referência da Literatura mundial, vencedor de um Nobel e de dois prémios Booker – parecem verídicos e correspondem aos dados que aparecem nas

biografias “oficiais” do controverso autor. Embora

ele já tenha feito uso de alter-egos – “Elizabeth Costello” no

livro do mesmo nome, o professor de “Desgraça”, o

“senhor C.” de “Diário de um Mau Ano” – “ Verão”, tal como os

anteriores “Infância” (“Boyhood” - 1997) e “Juventude” (Youth -

2002), é claramente autobiográfico. No entanto, como Coetzee (o autor)

não é de fiar, principalmente quando faz de demiurgo,

qualquer destas obras poderá

ser

enquadrada num género híbrido, numa espécie de ensaio sobre a autobiografia, visto que é impossível escamotear o facto de Coetzee ser, também, um extraordinário ensaísta e conhecedor profundo da Literatura universal: Kafka está sempre presente, principalmente quando se trata da utilização de uma bizarra ironia, bem como os grandes romancistas russos, como Tolstói, a quem foi buscar os títulos “Infância” e “Juventude” e a inspiração para livros como “Diário de Um Mau Ano” com ecos de “A Morte de Ivan Ilych”, e Dostoievski, autor que é, também, o tema central de “O Mestre de S. Petesburgo”. Nesta trilogia, tão pouco passa despercebida a referência a Flaubert – o subtítulo é “Cenas da Vida de Província” – com quem Coetzee partilha a misantropia e uma espécie de opacidade sentimental e afectiva que, no caso do escritor francês lhe valeu ser objecto do longo estudo (inacabado) de Sartre intitulado “O Idiota da Família”. (Esta referência vem a propósito porque é assim que Coetzee se retrata através do olhar dos outros, principalmente das mulheres).

Assim, Vincent, na impossibilidade de recolher em primeira mão dados pessoais de um autor tão esquivo que só deixou para a posteridade, não um diário, não uma correspondência reveladora, mas apenas fragmentos e notas – o livro começa com extractos de “cadernos de apontamentos” datados de 1972-75 e acaba com outros tantos, “sem data” – regista os depoimentos de cinco pessoas que o conheceram: o da psicoterapeuta Júlia que em jovem manteve com ele uma relação, o da prima Margot cuja simpatia lhe inflamou a imaginação em criança, o da dançarina brasileira Adriana, objecto do seu interesse erótico (ou, pelo menos, ela assim pensa), os dos colegas académicos Martin J e Sophie. Os seus testemunhos contrariam a admiração quase generalizada em relação a tão grande figura das Letras e do pensamento, fornecendo uma visão intrigante e tão retorcida como uma pintura de Francis Bacon. Se o olhar de Martin J. (cujas iniciais são as de Coetzee, ao contrário) é pouco revelador mas “objectivo”, o das mulheres traem sentimentos complexos que reflectem desconforto, incompreensão e até irritação em relação a esse homem hesitante, fechado e até medíocre, nada dotado como amante, como filho, como amigo, como professor, em permanente conflito moral, afectivo, familiar e político, lutando (em vão) para se reconciliar com a sua situação de branco africânder num país que ele considera marcado indelevelmente pelo colonialismo, o “apartheid” e uma

falta de identidade que nem Nelson Mandela conseguiu resolver.

Coetzee tem a desfaçatez de fazer troça de si próprio, ao descrever-se através do olhar necessariamente incompleto e “corrompido” dos outros, jogando com a relação promíscua entre o autor e as suas personagens e confundindo para sempre a impossível realidade. O título, “Verão”, parece querer reflectir o tempo pujante da entrada na vida adulta mas o conteúdo nada tem de solar ou de lúdico. Para John Coetzee, a maturidade representa a aguda percepção da situação política, o fardo que é viver com o pai viúvo, a luta para escrever e a incapacidade para o amor. John Coetzee é uma figura trágica, um idealista que persegue utopias mas que se encontra, simultaneamente, paralisado pela razão, que lhe fornece a fria constatação de que nada é possível. Num livro que é essencialmente sobre o poder da escrita, fiquemo-nos com uma frase lapidar: “toda a autobiografia é outra-biografia ou a biografia de outrem. As definições de género como habitualmente são feitas por leitores comuns são totalmente primárias.” John Maxwell Coetzee dixit.

O canto do cisneRomance pungente e elegante sobre a sufocante nostalgia da beleza e da juventude perdida. José Riço Direitinho

Bom Dia, Meia-NoiteJean Rhys(trad. por Manuela Madureira)Bertrand

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Jean Rhys (1890-1979), pseudónimo de Ella Rees Williams, filha de um médico galês e de mãe crioula descendente de escoceses, nasceu na ilha Dominica.

Passou a infância nas Caraíbas e estudou em Londres. Foi manequim e corista. O primeiro dos seus três infelizes e atormentados casamentos foi com um poeta holandês, com o qual viveu durante dez anos uma existência itinerante em várias cidades europeias, mas sobretudo em Paris. Foi durante esses anos de boémia (os seus problemas com o álcool começaram nessa altura) que se relacionou com os meios modernistas da década de 20, incluindo Ford Madox Ford, seu

Liv

ros

Ficção

No lugar do mortoCoetzee passa à condição de personagem da sua própria ficção e imaginando-se como objecto da atenção de quem com ele privou mais de perto. Helena Vasconcelos

VerãoJ.M. Coetzee(Trad. J. Teixeira de Aguilar)Ed. Dom Quixote,

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Quem está familiarizado com a obra

p p ç gcomo objecto da atenção de quemcom ele privou mais de perto. Seriaum exercício de puro narcisismo não fosse dar-se o caso de Coetzeeser um autor muito hábil queconsegue a maior façanha de um

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levando-o a segui-lo nestemagistral embuste.

Os factos descritos –embora surjam comoentrevistas e notas de um tal Vincent que prepara uma biografia do famoso John Coetzee, referênciada Literatura mundial, vencedor de um Nobel e de dois prémios Booker –parecem verídicos e correspondem aos dadosque aparecem nas

biografias “oficiais” docontroverso autor. Embora

ele já tenha feito uso de alter-egos – “Elizabeth Costello” no

livro do mesmo nome, o professor de “Desgraça”, o

“senhor C.” de “Diário de umMau Ano” – “ Verão”, tal como os

anteriores “Infância” (“Boyhood” - 1997) e “Juventude” (Youth -

2002), é claramente autobiográfico.No entanto, como Coetzee (o autor)

não é de fiar, principalmente quqqqqqq ando faz de demiurgo,

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Quem está familiarizado com a obra

EdiçãoNuma altura em que Tim Burton revisita o mundo fantástico de Alice chegam às livrarias portuguesas várias edições do clássico de Lewis Carroll. A 101 Noites lançou um audiolivro,

lido por Mafalda Lopes da Costa. É

acompanhado por um guia de A a Z e tem as ilustrações originais criadas por John Tenniel para a primeira edição de 1865. Outra maravilha (para os mais pequenos) é o álbum “Alice no País das Maravilhas” numa adaptação de Harriet

Castor e ilustrações de Zdenko Basic, editado pela Arte Plural e Círculo de Leitores. “Abre-me e descobre estranhas e estranhosíssimas surpresas” lê-se, e é um daqueles livros em que ganham vida (quase a 3 D). A Relógio D’Água e a Presença também reeditam o clássico.

Seria um exercício de puro narcisismo não fosse Coetzee um autormuito hábil que consegue levar o leitor a segui-lo neste magistral embuste

cção

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astracã: “Deverei mandá-lo para o diabo? Mas afinal, penso eu, talvez esta seja a minha oportunidade de retribuir. Fala-se com eles, finge-se simpatizar; então, no momento preciso em que eles não estão à espera, diz-se: Vá pró diabo.” Esta relação mutuamente torturante, mas em que ambos se vão consolando das dores do passado, acompanha o leitor até um final singular e pungente.

“patrocinador” e mais tarde amante, que num prefácio se lhe referiu como “um instinto aterrador e uma paixão tremenda – e quase sinistra! – pela defesa da causa dos abaixo-de-cão”. Entre 1928 e 1939, Jean Rhys escreveu quatro romances, o último foi “Bom Dia, Meia-Noite”. Depois eclipsou-se durante duas décadas. Quando em 1959, a propósito da adaptação radiofónica de um livro seu, a BBC a descobriu, ela vivia quase na miséria, tinha passado algum tempo na prisão por ter roubado uns vizinhos, e estava dependente do álcool. Mas não tinha deixado de escrever, e um ano depois publicou a sua obra-prima, “Vasto Mar de Sargaços” (Bertrand, 2009), por muitos considerado um dos grandes romances do século XX.

A sua escrita foi sempre profundamente autobiográfica, e deslocada da sua época, tanto nos assuntos tratados como no estilo. Em “Bom Dia, Meia-Noite” (verso de um poema de Emily Dickinson), dá-nos conta das deambulações por Paris de uma mulher inglesa de meia-idade, desiludida, pateticamente infeliz, que há alguns anos inventou para si própria o nome Sasha Jensen (“pensei que talvez a minha sorte mudasse se eu mudasse o meu nome”), que vive num quarto de hotel com dinheiro emprestado, e que teve “a brilhante ideia de beber até morrer”. Ela foi para Paris (cidade onde vivera há alguns anos) por quinze dias, financiada por uma amiga, numa tentativa de recuperar da depressão em que caiu. “As pessoas falam da vida feliz, mas é a vida feliz quando já não nos importamos se vivemos ou morremos? Só se atinge ao fim de muito tempo e de muito infortúnio. Assim que se atinge esse paraíso de indiferença é-se arrastado para fora dele. Do nosso paraíso temos de regressar ao inferno. Quando estamos mortos para o mundo, o mundo salva-nos frequentemente, quanto mais não seja para nos ridicularizar.”

O futuro já não existe para Sasha e o presente está fortemente ancorado num passado doloroso e perturbante. A narração linear é interrompida amiúde por “flash-backs” de lembranças que por vezes lhe trazem algum conforto momentâneo, para logo depois funcionarem de modo contrário.

Episódios biográficos da vida de Jean Rhys emergem

também à mistura com a

ficção: o vestido de noiva comprado em

Delft, o casamento em Amesterdão, o filho

morto cinco semanas depois do nascimento. O

passado está à espera dela nos cafés, bares, restaurantes, hotéis, lojas de moda (em tempos ela fora modelo na “Maison Chose na Place Vendôme”), e ganha vida quando o leitor menos espera. Toda a narração, que se desenvolve num ambiente claustrofóbico, é uma espécie de “canto do cisne” com evocações do amor perdido, da beleza que se esvai, da incompreensão dos homens, do

abandono dos amantes, da submissão e do desencanto perante a vida.

Mas ao mesmo tempo ela parece preparar uma qualquer vingança motivada pelo ressentimento para com todos os homens. À medida que o romance se aproxima do fim, começa a fazer sentido o que ela pensou quando conheceu um ‘gigolo’ que a julgou uma mulher rica por causa do seu falso casaco de

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Jean Rhys: uma espécie de “canto do cisne” com evocações do amor perdido, da beleza que se esvai, da incompreensão dos homens, do abandono dos amantes

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L

QUIXOTEa partir de Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança

de ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA | dramaturgia | encenação JOÃO BRITES | composição musical JORGE SALGUEIROuma criação O BANDO | co-produção TEATRO DA TRINDADE/FUNDAÇÃO INATEL e O BANDO

ESTREIA em ABRIL

“Não estava à espera de tanto riso.”Francisca Cunha Rego | JORNAL DE LETRAS

“Alia competência artística a divertimentopopular e inteligente.”Rui Pina Coelho | PÚBLICO

“Este é umTeatro Vivo.”Rui Monteiro | TIME OUT

“Para grandes males,o remédio do Teatro.”Rosário Anselmo | VISÃO

“Espectáculo beloe pertinente.”Ana Maria Ribeiro | CORREIO DA MANHÃ

HAVIA UM MENINO QUE ERA PESSOAFernando Pessoa para CRIANÇAS M/6 continua aos sábados e domingos às 15h

CANTIGAS DE UMA NOITE DE VERÃO ARTISTAS UNIDOS

uma peça de amores e desencontros de David Greig e Gordon McIntyre4ª a sáb às 21h45 e dom às 17h30 na Sala Estúdio M/12

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honraria lhe resgatou aliás a sombra, o isolamento que cultivava em Freshwater, a sua morada na ilha de Wight, o seu lirismo suicida, “a vontade dividida”, inquietação espiritual que se vivia desde sempre nele, e numa época que oscilava entre Deus e Darwin (de quem era amigo), e sustentava a dúvida. Tennyson: emblema austero do homem contemporâneo .

Se uma palavra fosse pedida para definir a sua poesia, ela seria “musicalidade”. Manipulação exímia do verso, exploração plena da prosódia: literatura enquanto tal, ritmo da letra inebriante, arrebatador, a toada acelera-nos, possui-nos, a matéria sensível do mundo à tona, trazida pelas imagens e mestria de recursos retóricos. Estes servem um “pathos” que vai ganhado forma, às vezes interrompido por uma espécie de micropoema, atmosfera que vinga a meio da sequência narrativa partindo de um puro traço de paisagem esmiuçado. Recorrentemente, uma visão ou um sonho que regressa conduzem esse “pathos” que sobrevoa o passado. Poder-se-ia até dizer que aí, nesse intervalo, está a alma do sujeito lírico.

Alguns exemplos do que vem sendo dito, um poema curto de 1851, a força do curto verso final, o clímax para que o poeta repentinamente conduz, por vezes a várias vozes, aqui abreviada a sua modernidade, “A Águia”: “Ela aperta o penhasco com mãos retorcidas;/perto do sol em terras solitárias,/anelado com o mundo azul celeste, levanta-se. O mar enrugado debaixo dela rasteja;/ Olha do alto das suas muralhas da montanha, / e como um relâmpago cai.”

Peguemos em “As duas Vozes”(1834): um sujeito dividido

dialoga com o outro dentro de si – a obsessão de

morte sempre subliminar e o renovo na Natureza: as duas vozes antitéticas,

presentes em toda esta poesia,

uma subsumindo a outra alternadamente,

elas não se (re)unem, nenhuma se deixa abafar e é desse instabilidade que advém a necessidade poética – “Tal parecia ser o sussurro ao meu lado./‘O que é que tu sabes doce, voz?’, gritei./Uma

esperança escondida’, a voz explicou...(...) E pelos

campos fora eu

Poesia

Um sombrio cultor da belezaFora dos círculos universitários, Tennyson é hoje pouco conhecido entre nós. Não foi sempre assim, a sua curiosidade oitocentista levou-o a vários pontos da Europa, e a visitar Sintra e Lisboa no Verão de 1859 – e ao que parece cheio de moscas e mosquitos. Maria Conceição Caleiro

Alfred TennysonPoemas(Selecção, tradução, notação e introdução: Octávio dos Santos)Saída de Emergência

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Alfred Tennyson (1809-1892), poeta da língua inglesa, poeta laureado da época vitoriana, outrora o mais popular e disputado, surge agora traduzido, e

bem, pela primeira vez em língua portuguesa. Tradução que em prefácio declara os seus princípios: “o mais literal possível (...).nunca seria capaz de deturpar (...) apenas para ‘soar’ bem”. Mesmo assim soa, e a poeticidade é-lhe restituída. Fora dos círculos universitários, Tennyson é hoje pouco conhecido entre nós. Não foi sempre assim, a sua curiosidade oitocentista levou-o a vários pontos da Europa, e a ter visitado, no rastro de Byron – seu ídolo -, Sintra e Lisboa no Verão quente de 1859, e ao que parece cheio de moscas e mosquitos. Pormenor de uma carta à mulher: “I continue pretty well and I have not been bitten”. Em Lisboa, hospeda-se no Bragança, e não passa despercebido. “Tout Lisbonne” o vem saudar: “yesterday seizing my hand and cryng out ‘Who does not know England’s Poet Laureate? I am the Duke of Saldanha’” (“Letters from Portugal”).

Tennyson era o quarto filho de uma família de doze de um pai depressivo, pastor que nunca o quis ser. Daí, juntamente com dificuldades financeiras acrescidas aquando da morte daquele, teria talvez recebido um modo de ser melancólico e irritável, assim como uma excelente

educação literária, técnica de versificação e vocabulário poético. Educação literária firmada com a frequência no Trinity College de Cambridge que abandonaria por dificuldades económicas. Aí conheceu A.H. Hallan, um imenso amigo que morreu precocemente (1833) e cuja perda lhe acentuaria a melancolia, o desalento e iria inspirar anos a fio “In memoriam” (1850), reunião de pensamentos e poemas elegíacos, glosas da experiência da morte: talvez a mais bela das suas obras.

De 1830 a 1850 foram os anos sombrios, paralisantes, as provações mergulharam-no no silêncio, na solidão, na Natureza marítima e enevoada que o abarca e cuja atmosfera ele devolve em plasticidade, cor e minúcia qual pré-rafaelita quase precursor do simbolismo.

1850 foi o seu “annus mirabilis”. Pôde finalmente casar-se com Emily Sellwood. O sucesso de “In memoriam” faz dele, a convite do príncipe Alberto, “porta-voz da nação britânica” (mais tarde seria feito Lord), cargo que honraria até à morte em detrimento do “afirmativismo viril” dos poemas anteriores “para não chocar a mediocridade convicta de uma rainha Victória que o admirava tanto” ( Jorge De Sena, “A literatura Inglesa”). A seguir à sua morte foi de bom tom desmantelar-lhe a importância e acentuar a superficialidade do pensamento. Todavia, para além ou a par da ortodoxia vitoriana, do nacionalismo e garbo imperial, nos interstícios do revivalismo medievo e dos melodramas arturianos, tão ao gosto do século XIX, ele voltaria a ser consagrado como o grande poeta que sempre terá sido, o precursor dos maiores por vir: Yeats, Joyce, Eliot. Nenhuma

Liv

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O Correntes d’Escritas, festival literário de escritores de expressão ibérica, era outra coisa antes dos blogues terem tomado conta disto

Isabel Coutinho

Ciberescritas

Se não fosse a Sara Figueiredo Costa, do blogue Caldeirão Voltaire, o que havia de ser de nós?

Se não fosse o Pedro Vieira, do blogue Irmão Lúcia, a vida não tinha graça nenhuma.

Se o João Pombeiro não tivesse aqueles repentes em que lhe dá para alimentar o blogue da “Ler”, não saberíamos a quantas andamos.

Se o José Mário Silva, do Bibliotecário de Babel, não fosse pai, talvez tivesse estado todos os dias no Correntes d’Escritas a tirar boas fotografi as e as que têm aparecido por aí espalhadas nos blogues não estariam desfocadas, com aquele ar de que foram tiradas com telemóveis em

sítios com pouca luz.Se o Paulo Ferreira e o

Nuno Seabra Lopes não tivessem uma base de apoio em Lisboa, o blogue da edição Blogtailors não estaria, durante os dias que dura este festival literário, em constante actualização (ai, que a inveja cai sobre nós).

Se o Eduardo Pitta tivesse estado na festa no Bar da Praia, da Póvoa de Varzim, onde foi lançado o livro inédito do Bolaño, o seu

relato do evento seria o “post” mais visitado do blogue Da Literatura.

Se o Luís Ricardo Duarte não tivesse um tempinho e um bloquinho para apontar tudo, o novo site do “JL- Jornal de Letras Artes e Ideias” não nos teria contado que Manuel da Silva Ramos transportava um capacete dentro da mala.

Se o Manuel Jorge Marmelo não andasse tão entretido na Póvoa, talvez o seu Teatro Anatómico tivesse tido mais histórias das Correntes d’Escritas. Mas embora sejam poucas, o blogue tem uma que vale a pena. É que Manuel Jorge Marmelo foi protagonista de uma das cenas mais surpreendentes deste festival, num dueto entre o miúdo do Porto e Malangatana. “Enquanto inventava uma história que espantasse a audiência”, Malangatana arranjou forma de fazer com que Marmelo acabasse por ler um dos seus poemas para o auditório a abarrotar. A seguir, o escritor português entusiasmou-se tanto que quando o pintor foi “instado a cantar a música islandesa que tinha acabado de inventar” Marmelo ofereceu-se para o acompanhar batucando na mesa. Conta ele: “Batuquei, pois, enquanto Malangatana cantava sons guturais. Se a memória não me atraiçoar, esta há-de ser uma coisa para contar aos meus netos: o irrepetível momento em que ajudei um velho buda moçambicano a cantar para uma audiência de trezentas pessoas.”

Será que me estou a esquecer de alguém? Certamente. Muito mudou em dez anos. O Correntes d’Escritas, festival literário de escritores de expressão ibérica, era outra coisa antes dos blogues terem tomado conta disto. Como se ouvia lá pelos cantos: “Se está na internet é porque é verdade”.

Correntes d’Escritas 2010http:/www.cm-pvar-zim.pt/go/corren-tesdescritas/

Blogtailors- blog da ediçãohttp:/www.blogtai-lors.blogspot.com/

Irmão Lúciahttp:/www.irmao-lucia.blogspot.com/

Cadeirão Voltairehttp:/cadeiraovoltai-re.wordpress.com/

Da Literaturahttp:/daliteratura.blogspot.com/

Teatro Anatómicohttp:/teatro-anatomi-co.blogspot.com/

JLhttp:/aeiou.visao.pt/JL

[email protected]

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas)

Eles tomaram conta disto

Leitura

Graça Lobo e Jorge Silva Melo lerão vários poemas de Mário Cesariny no auditório da Fundação Arpad Szenes, no Jardim das Amoreiras, em

Lisboa, no Dia Mundial da Poesia: 21 de Março, 15h30, entrada é livre. Às 16h30 será projectado o documentário “Gravura: Esta mútua aprendizagem” de Jorge Silva Melo.

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Sexta-feira 5, 21h00Auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa

Sábado 6, 21h30Mosteiro de Alcobaça

AMADEUSSoojin Moon soprano Eduardo Rahn direcção musicalOrquestra Metropolitana de Lisboa

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)– Abertura da ópera La Clemenza di Tito, K. 621– Ecco il punto ... Non più di fiori, ária da ópera La Clemenza di Tito (Vitellia)– Bella mia fiamma ... Resta, o cara, ária de concerto, K. 528– Abertura da ópera Idomeneo, re di Creta– Martern aller Arten, ária da ópera O Rapto do Serralho (Constanze)– Sinfonia n.º 40 em Sol menor, K. 550

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60 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

neologismos, gozo vocabular e vernáculo, temperado pelo lirismo revisitado do grupo da revista Távola Redonda. Couto Viana surge como figura tutelar, e aliás assina o prefácio (em verso) desta antologia.

Compreende-se que as convicções políticas de Emílio afastem bastantes leitores, mas convém dizer nem só de política se faz esta obra, que em temas privados usa do mesmo júbilo inventivo e da mesma angústia com o “fatum”. Alguns poemas da solidão, das saudades da infância ou da passagem do tempo lembram Nobre. Há agonias metafísicas dignas de Gomes Leal. E a antologia é atravessada pelo tema da morte de uma filha recém-nascida, especialmente no pungente “Poemas acenados a uma criança longe” (1972). Muitos textos são nus e desossados, como este de “A segunda cegueira” (1973): “Dardeja / às cegas / o sabre / da sombra / Esquarteja / sonhos / que o sono / descerra / Finda / a refrega / sobre saibro / soçobra / na glabra / gleba / e crava um som / cavo / de onde / se eleva / um travo / a treva” (pág. 107).

Pressentimos muitas vezes que a tristeza é o tema fundamental de Rodrigo Emílio, uma tristeza finissecular, pré-modernista. Mas o virtuosismo formal puxa os poemas para outras direcções, pode por exemplo escrever baladas domésticas comovidas: “Entre tais olhos fervilha, / foi de tal sorte enfeitada / -com tanta seda e cedilha, / tanto colchete e prezilha, / tantos laços de fitilha, / tanta liga acetinada - / que tudo, à roda, a rendilha; / e é de branco debruada, / que a figura que perfilha / brilha por tudo e por nada, / à imagem de uma ilha / na escuridão emboscada” (pág. 190). Outras vezes, é uma boémia musical, hedonista mas melancólica, em textos que foram cantados por José Campos e Sousa. Veja-se o belo poema sobre uma mulher em Times Square ou o puro gozo bilingue deste divertimento parisiense não isento de cunho patético: “Quem o vê / de manhã / no Quartier / Latin, // com Rembrandt / e Rimbaud / por copains de bistrot…. // De manhã / quem no-vê / por Saint-Germain / -des-Prés, // à demi- / mendiant, / à demi-/ -rigolo… // , a atacar / um refrain, / a cantar / um couplet, / a tramar / um complot… // - pensará / com afã / ( já se vê) / em Charlot: // (…) um Charlot / com écran / num portal / de metro! // - Só não sei / por que é / que ninguém / entrevê // o elán / e a fé / em que, ao fim, / se quedou, // ali, ele, / de pé / - en attendant / Godot!...” (pág. 198-199).

Admirado e detestado por causa dos seus textos de intervenção, datados e vibrantes, Rodrigo Emílio ilustra também uma vocação ancestral na poesia portuguesa: a vocação de unir a tristeza intimista e o luto “finis patriae”.

fui,/ e o movimento vivente da Natureza concedeu/ o pulsar da esperança ao descontente. (...)E tudo tão variadamente trabalhado/que eu admirei-me de como a mente foi levada/ a ancorar-se a um pensamento desalentado.// Pelo que eu preferi fazer a escolha/ de comungar com aquela voz árida/ em vez de com a que disse ‘Rejubila! ‘Rejubila!’”

Tennyson anima a Natureza de um modo que surrealiza o real, sentimos com os olhos de um paisagista (ao acaso, um exemplo: “à noite, a minha chalupa, farfalhando através/ da baixa e florida folhagem, conduziu-me/ pelas flagrantes, cintilantes profundezas, e talhou/ as sombras de citrinos no azul”).

Único senão: não se ter optado por uma edição bilingue.

Finis Patriae Tristeza intimista e indignação patriótica, por um derrotado da História. Pedro Mexia

Antologia PoéticaRodrigo EmílioAreias do Tempo

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Rodrigo Emílio (1944-2004) caiu no esquecimento, em grande medida por motivos ideológicos. É um destino compreensível

mas não irreversível. A poesia é um trabalho com a linguagem, e não distingue fascistas e democratas.

Enquanto isso, a obra poética de Rodrigo Emílio estava necessitada de uma boa antologia. Caudalosa e desigual, carecia de arrumação. Esta “Antologia Poética”, organizada por Bruno Oliveira Santos, cumpre perfeitamente essa tarefa de representatividade, embora ficasse mais bem defendida se fosse um pouco menos representativa. Isto porque os poemas da década de 1960 aqui coligidos são basicamente juvenília, e porque as colectâneas póstumas, de tema religioso, pregam aos convertidos. Só os inéditos e dispersos abrem um pouco o âmbito temático, nomeadamente com alguns poemas de feição erótica. É, em todo o caso, um ponto de partida.

O essencial da produção emiliana vai de 1971 (“Paralelo 26 S: às audições do Índico”) a 1982 (“Poemas de braço ao alto”). O segundo título é elucidativo. Homem de convicções nacionalistas, o poeta defendeu um Portugal que acabou a

25 de Abril de 1974. Embora a vocação inata de Rodrigo Emílio não fosse política, a política tomou conta dos seus textos em 1968, em registo bélico e patriótico. Na agonia do Império, o poeta faz-se soldado. Emílio sentiu os “ventos da História”, só que os ventos da História passada, não da futura. Combate nos trópicos, nos matos, entre baionetas e emboscadas, mas em vez de contestação redige uma exortação da guerra. Há uma ideia histórica e poética de Portugal vivida de modo exaltado, como se a guerra permitisse ao sujeito andar ainda hoje por novas Aljubarrotas. Convencido da justeza do desígnio colonial português, Rodrigo Emílio fez da sua guerra uma odisseia de idealismo, companheirismo e heroísmo.

Não admira que a Revolução tenha sido um golpe fatal. A data que para muitos representou uma libertação, significou para Rodrigo Emílio a queda num tenebroso prosaísmo. Mais do que ferido, o poeta ficou enojado. O nó na garganta deu rapidamente lugar ao nó no estômago, e quando chegamos a “Reunião de ruínas” (1977) o tom é de sarcasmo e vitupério. A tropa que fez Abril é uma “troupe” e uma “trampa”, uma “cambada” de “biltres”. Em todo o lado Emílio vê traidores, fariseus, filisteus, vendilhões, uma “canalha canora” feita de “gandulos e galdérias”. É poesia de combate (de resistência, diriam alguns), e perde na caricatura o que ganha no génio da imprecação. Uma espécie de Ary das direitas.

Mais que o processo revolucionário em curso, dói ao poeta a entrega das colónias. Para Rodrigo Emílio, o Portugal que outros viam amordaçado deu lugar a um “Portugal amortalhado”, um país reduzido ao rectângulo, diminuído, decepado. Estes poemas, alguns escritos no exílio espanhol e brasileiro, são um valioso testemunho de um derrotado. De alguém que “nas ravinas da raiva” fustiga uma “data negra e negregada” que terminou com o mundo tal como ele o conhecia e concebia. Rodrigo Emílio considerava-se do lado da História, considerava que estava ao lado de Camões e de Nun’Álvares, contra os facínoras. Uma espécie de Alegre facho.

Bisneto do escritor romântico Tomás Ribeiro, Rodrigo Emílio prosseguiu o ideário de poetas nacionalistas como Sardinha ou Beirão, tomou emprestado o luxo verbal dos decadentistas ou dos simbolistas como Eugénio de Castro, e usou a propaganda musical de Junqueiro. As ideias são cediças, mas a oficina poética é pujante, às vezes admirável, com toda a espécie de empréstimos ao conceptismo e ao concretismo, com arcaísmos,

Liv

ros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Edição

As crónicas que o escritor José

Eduardo Agualusa publicou na

revista “Pais & Filhos” estão agora reunidas em livro com um prefácio de

Laurinda

Alves, que foi directora da revista. Juntou a essas, fragmentos de outros textos publicados na revista PÚBLICA. O livro, “Um Pai em Nascimento”, será lançado a 10 de Março na Livraria Ler Devagar, em Lisboa. “Vou ser pai, eu, que ainda estou a aprender a ser fi lho?”

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62 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

InauguramLourdes Castro e Manuel Zimbro: A Luz da Sombra

Porto. Museu de Serralves. Rua Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 22h. Inaugura 5/3 às 22h.

Escultura, Outros.Ver texto na pág. 38 e segs.

Otteveisktogen ou o Recanto dos Oito CaminhosDe Rui Algarvio.Porto. MCO Arte Contemporânea. R. Duque de Palmela, 141/143. Tel.: 225102328 . Até 19/04. 2ª a Sáb. das 14h às 19h. Inaugura 5/3 às 21h30.

Pintura.

Os Homens BarroDe Paulo Robalo.Porto. Galeria Arthobler. R. Miguel

Bombarda, 624. Tel.: 226084448. Até 10/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h30. Inaugura 6/3 às 16h.

Pintura.Botanica Flesh: PortraitsDe Clara Martins.Lisboa. Galeria António Prates - Arte Contemporânea. Rua Alexandre Herculano, 39A.

Tel.: 213571167. Até 03/04. 2ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 5/3 às 22h.

Pintura, Desenho, Instalação.

Pelo Buraco da AgulhaDe Rui Serra.Lisboa. Galeria Graça Brandão. Rua dos Caetanos, 26A (Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 09/04. 3ª a Sáb. das 11h às 20h. Inaugura 5/3 às 22h.

Pintura, Outros.

ExteriorDe Miguel Palma.Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 10/04. 3ª a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30. Inaugura 6/3 às 16h.

Instalação.

The Film Series (Epilogue) - Blitzforum #1De Vasco Barata.Lisboa. Alecrim 50. R. do Alecrim, 48-50. Tel.: 213465258. Até 13/03. 2ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 11h às 18h. Inaugura 6/3 às 16h.

Vídeo.

Pedro OliverPorto. Galeria Por Amor à Arte. R. Miguel Bombarda, 572. Tel.: 226063699. Até 10/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h. Inaugura 6/3 às 16h.

Pintura.

Lugares Alentejanos na Literatura PortuguesaPorto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 18/04. 2ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Inaugura 6/3 às 16h.

Fotografia.

PlenoDe Fernando Roussado.Lisboa. Paulo Amaro Contemporary Art. Rua Capitão Leitão, 14. Tel.: 214544450. Até 10/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h30. Inaugura 6/3 às 17h.

Escultura, Instalação.

Entrevista PerpétuaDe Falke Pisano, Mariana Silva, Michele Di Menna, Pierre Leguillon, Von Calhau.Lisboa. Cristina Guerra - Contemporary Art. Rua Santo António à Estrela, 33. Tel.: 213959559. Até 13/03. 2ª a 6ª das 22h às 00h. Sáb. das 17h às 00h.

Performance, Som, Outros.

KhoraDe Alberto Carneiro, Rui Chafes.Lisboa. Fundação Carmona e Costa. Ed de Espanha - R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º AC/D. Tel.: 217803003. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 9/3 às 18h30.

Desenho, Escultura, Outros.

ContinuamBES Photo 2009De André Cepeda, Filipa César, Patrícia Almeida.Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império. Tel.: 213612878. Até 04/04. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.

Fotografia.Ver texto na pág. 42 e segs.

Sem RedeDe Joana Vasconcelos.Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império. Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h.

Instalação, Outros.

And/OrDe Asier Mendizabal.Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego. Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Escultura.

SupervisãoDe Alexandre Estrela.Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 . Tel.: 222098116. Até 10/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Desenho.

tecnologias para produzir uma obra forte e bem relacionada com os meios de comunicação. Luís Serpa, que a traz a Portugal desde 1994 – ano em que a artista participou na colectiva “Múltiplas Dimensões”, comissariada por este produtor cultural e ex-galerista –, assina a curadoria de “Body without limits” no Museu Berardo.

Em “Voice Off”, como dizíamos, um actor encontra-se com as memórias de algo que ouve e de um espectáculo que, racionalmente, sabe não estar a acontecer realmente. Contudo, esta conclusão é ela própria posta em causa pela consciencialização daquilo que efectivamente o espectador vê: duas projecções de filmes, e um corpo que apenas possui realidade como imagem. A natureza da imagem é efectivamente uma das abordagens

de Judith Barry na sua obra. A interrogação que ela supõe, a sua materialidade ou não, a sua realidade, enfim (no espaço expositivo ou no espaço urbano, onde a artista também interfere com frequência), são vias possíveis para a análise do trabalho desta artista.

Há uma outra obra na exposição, “Light fog room with chamber and antichamber”, onde estas questões se exacerbam. Trata-se de um cubículo iluminado por uma luz verde, cheio de vapor de água, onde apenas cabem dois ou três visitantes fechados. As condições do espaço determinam uma visibilidade quase nula, a perda de referências e, enfim, a percepção de um espaço avermelhado assim que se sai da peça por um efeito de óptica conhecido. Aqui, mais uma vez, é das condições de percepção da

imagem (mesmo quando a imagem é apenas a dos outros visitantes) que se trata sobretudo, bem como da consciência do espaço como parte integrante da obra de arte.

Em geral, a exposição beneficia de uma montagem extremamente sofisticada, como é habitual em artistas que trabalham sobretudo com o filme e a instalação. Judith Barry tem a capacidade rara de manipular com sucesso as mais modernas tecnologias informáticas para os objectivos que se propõe, sem contudo deixar que a obra se transforme numa demonstração aplicada das performances da máquina. É o que sucede em “Speedflesh”, uma instalação onde o visitante manipula a imagem à maneira de um jogo de computador.

Trabalhar o espaço e a imagem significa também, logicamente, trabalhar o corpo e a percepção, bem como a imagem social do corpo. Judith Barry, que pertence à mesma geração de Cindy Shermann, por exemplo, não se foca como esta última na exploração dos limites que a imagem no espelho lhe revela. Prefere, em contraste, analisar as cada vez mais subtis fronteiras entre o vivo e o inerte, entre o virtual e o presente, entre a vida e a morte. “Imagination, dead imagine”, a peça que integrou “Múltiplas Dimensões”, é um bom exemplo desta linha de trabalho, que possui a vantagem nada negligenciável de nos poupar à senda mais do que batida da auto-representação nombrilista, tão frequente na arte contemporânea feminina dos anos mais recentes. De resto, esta exposição é, em si, um autêntico espectáculo – o que nos leva a interrogar sobre os custos reais e simbólicos a que a arte se sujeita para se conseguir impor.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Exp

osiç

ões

The show must go onInstalação, vídeo, fotografia e uma arquitectura voltada para o espectáculo: Judith Barry está no Museu Berardo. Luísa Soares de Oliveira

Body Wihout LimitsDe Judith Barry.

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - Centro Cultural de Belém. Tel.: 213612878. Até 25 04. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Sáb. das 10h às 22h.

Vídeo, Instalação, Outros.

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Uma das melhores peças desta exposição, senão mesmo a melhor, já apresentada em Lisboa há alguns anos, consta de uma projecção vídeo sobre as duas faces de uma cortina. De um lado, um homem tenta escrever sentado a uma secretária. Entretanto, o ruído de fundo – vozes, árias de ópera que acompanham um cenário teatral projectado na face oposta da instalação – torna-se incomodativo, a ponto de, no final, o homem abrir um buraco na parede do escritório e surgir na projecção filmada do lado oposto, apenas encontrando o avesso das paredes do seu quarto. “Voice Off”, datada de 98-99, resume algumas das linhas de força do trabalho de Judith Barry, artista que tem explorado a performance, a instalação, o vídeo, as técnicas digitais de manipulação da imagem e, em geral, as novas

Agenda

“Voice Off ” resume algumas das linhas de força do trabalho de Judith Barry e em particular a sua boa relação com as novas tecnologias

Porto. Muse210. Tel.: 2217h. Sáb., D5/3 às 22h.

EscultuVer text

Ottevdos De RPortde P19/5/

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BombardaSáb. das 15h

Pintura.Botanic

lRui Algarvio na MCO ArteContemporânea, Porto

“Botanica Flesh”, de Clara Martins, em Lisboa

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Alberto Carneiro | Rui ChafesCuradoria: Sara Antónia Matos

Inauguração: Terça-feira, dia 9 de Março, às 18h30

Exposição: de 10 de Março até 21 de Maio de 2010Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h

Por ocasião da exposição será publicado um catálogo, co-edição fcc / assírio & alvim

Ciclo de conversas:Paulo Pires do Vale – dia 10 de Abril (sábado) às 17h00Bernardo Pinto de Almeida – dia 17 de Abril (sábado) às 17h00João Miguel Fernandes Jorge – dia 15 de Maio (sábado) às 17h00

fundação carmona e costaEdifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa)Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1 - 6.ºD, 1600-196 Lisboa (Bairro do Rego / Bairro Santos) Tel. 217 803 003 / 4www.fundacaocarmonaecosta.ptMetro: Sete Rios / Praça de Espanha / Cidade UniversitáriaAutocarro: 31

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13 MARSÁB 22:00 SALA SUGGIA | € 25

Mark Turner saxofonesMiguel Zenón saxofone altoAvishai Cohen trompeteRobin Eubanks tromboneStefon Harris vibrafone, marimbaEdward Simon pianoMatt Penman contrabaixoEric Harland bateria

Um dos ensembles mais importantes do jazz internacional revisita autores que assinaram capítulos da história do jazz moderno, impulsionando a nova música. Nesta temporada, o tema será a música de Horace Silver, figura incontornável do hard-bop. Em tournée por todo o mundo, o octeto conta grandes nomes actualidade, estreando Mark Turner, Avishai Cohen e Edward Simon.

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Continua a cantar “We shall overcome” ou “Sweet Sir Gallahad”. Continua a compor pouco e a ser o que sempre foi: uma intérprete celebrada pela certeira escolha de repertório. O seu último álbum, “Day After Tomorrow”, editado em 2008, aí está para o provar. Reúne versões de, entre outros, Tom Waits e Elvis Costello.

A voz já não chega aos agudos impossíveis como anteriormente, o vibrato serenou em favor da gravidade da interpretação. De resto, diríamos que Joan Baez é a mesma de sempre. De viola em punho e com guitarrista, baixista, violinista e percussionista a seu lado, continua a cantar para que o mundo mude.

Owen Pallett regressa a casa O canadiano vem a Lisboa, onde passou umas semanas a escrever canções para o novo álbum, para duas noites no Maria Matos. Vítor Belanciano

Owen Pallett (Final Fantasy) Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 4ª, 10, e 5ª, 11, às 22h. Tel.: 218438801. 5€ a 15€.

Nas duas entrevistas que o Ípsilon fez ao canadiano Owen Pallett, este mostrou-se sempre encantado com Lisboa, dizendo que era a sua cidade

preferida. Podia ser apenas um gesto de simpatia, mas no seu caso parece ser mesmo verdade, até porque o seu último álbum, “Heartland”, foi iniciado na capital portuguesa, em 2008. “É verdade, passei umas semanas em Lisboa a escrever as canções”,

confessava-nos em Janeiro, aquando

do lançamento do disco.

Agora vem

devolver a sua mais recente criação à cidade onde tudo começou, com duas datas no Maria Matos em Lisboa (10 e 11 Março) e uma incursão por Aveiro (12).

O terceiro álbum – o primeiro em nome próprio, depois de dois assinados com a designação Final Fantasy –, sem perder o contacto com as características nucleares dos registos anteriores, misto de vocação pop, composição clássica e técnicas electrónicas, vai um pouco mais além. É um disco mais ambicioso, de arranjos mais sofisticados, sem perder o pragmatismo pop. Depois das inúmeras colaborações encetadas nos últimos anos (Arcade Fire, Nico Muhly, Beirut ou Grizzly Bear), Owen Pallett está outra vez na estrada e desta vez não vem sozinho. A acompanhá-lo em voz, pedal de efeitos, “sampler” e sentido de humor, estará Thomas Gill (guitarra e percussões) e, claro, um público ansioso por bater palmas a compasso.

Os Mono na cápsula do tempo

Mono Lisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré. 3ª, 9, às 22h. Tel.: 213430107. 16€.

Porto. Museu de Serralves - Auditório. Rua Dom João de Castro, 210. 4ª, 10, às 22h. Tel.: 226156500. 7,5€ a 15€.

Há seis anos atrás, também no mês de Março, os Mono, na altura com dois álbuns de originais e outro prestes a ser editado, tiveram uma

passagem pelo mítico O Meu Mercedes é Maior do que o Teu, na Ribeira do Porto, que apenas não passou despercebida aos fãs. Num bar com dimensões reduzidas, a parede sonora alicerçada durante cerca de uma hora pelos nipónicos foi a primeira marcação de um território em expansão. Numa fase em que o pós-rock ainda se restringia a um pequeno núcleo de bandas encabeçado pelos Godspeed You Black Emperor! e pelos Mogwai, e assombrado pelo legado dos Slint, os japoneses seguiam um caminho que se encontrava com as raízes do seu país de origem. Liderada pelo guitarrista Takaakira “Taka” Goto, a banda que desde o seu início desencadeou um culto em seu redor subiu ao palco parca em palavras, mas preenchida pela vontade de comunicar através da via que melhor conhece. A cadência da estrutura musical, que oscila entre as paisagens sonoras de um clímax iminente e momentos de explosão efectiva, transformaram o espectáculo do Mercedes numa bolha temporal a visitar no futuro.

Com mais dois álbuns de originais, um dos quais editado no ano passado, “Hymn to the Immortal Wind”, os Mono regressam a Portugal, desta vez também com passagem por Lisboa. Na terça. dia 9, tocam no MusicBox, no Cais do Sodré, com os Löbo como banda de abertura; no dia seguinte estão no auditório de Serralves, Porto, sala que, pouco tempo depois de ter disponibilizado os bilhetes, esgotou a sua lotação. André Vieira

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Con

cert

osPop

Cantar para que o mundo mudeJoan Baez, de viola em punho, a continuar a política por outros meios: não é passado, é presente, no Porto e em Lisboa. Mário Lopes

Joan Baez Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. 2ª, 8, às 21h30. Tel.: 220120220. 40€.

Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. 4ª, 10, às 21h30. Tel.: 213240580.20€ a 55€.

Pensar em Joan Baez é pensar num passado distinto. Ela foi a rainha da folk de Greenwich Village, Nova Iorque, nos anos 1960. A voz ampla e límpida que se destacava entre as todas aquelas, inspiradas por Woody Guthrie, que se empenhavam nas lutas sociais da década armadas com o cancioneiro popular americano.

Eis Joan Baez, a que actuará segunda-feira na Casa da Música, no Porto, e quarta no Coliseu dos Recreios, em Lisboa: a amante do jovem Dylan, a amiga e apoiante de Martin Luther King, a voz da consciência adulta em Woodstock, quando a geração que sucedeu à sua já tinha ligado às guitarras à electricidade e a mente ao LSD. Pensar em Joan Baez é pensar num passado distinto? Nem tanto.

É certo que actualmente edita de forma muito esporádica e que não é face regularmente presente na imprensa ou televisão, mas, ao contrário do seu mais famoso companheiro de estrada, o Dylan acima referido, não mudou nada. Continua

activista pela ecologia, pelos direitos sociais, contra a

guerra e contra a discriminação.

Tecno

Será uma sessão com história. Durante cinco horas, a partir da 1h de hoje, o americano Carl Craig tratará de mostrar no Lux, em Lisboa, porque é que, 25 anos depois, a música electrónica repetitiva originária da cidade americana de Detroit, conhecida como tecno,

ainda mantém todo o seu fulgor, infl uenciando sucessivas gerações de melómanos. Ao lado de Juan Atkins, Derrick May e Kevin Saunderson, o americano foi um dos pioneiros desse género musical, criando um campo seu em produções originais, remisturas ou inúmeras colaborações.

Ainda na semana passada aqui falávamos dele a propósito de um concerto, em Londres, na companhia do alemão Moritz Von Oswald e do pianista Francesco Tristano, junção de tecno com música clássica. Mas, no Lux, a essência da noite serão os 25 anos da música tecno.

Lisboa, dizendo que era a sua cidade preferida. Podia ser

apenas um gesto de simpatia, mas no seu caso parece ser mesmo verdade, até porque o seu último álbum, “Heartland”, foi iniciado na capital portuguesa, em 2008. “É verdade,passei umas semanas em Lisboa a escreveras canções”,

confessava-nos emJaJJJJJJJJJ neiro, aquando

do lançamento do disco.

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Pensar em Joan Baez é pensar numpassado distinto? Nem tanto.

É certo que actualmente edita de forma muito esporádica e que não é face regularmente presente na imprensa outelevisão, mas, ao contrário do seu mais famoso companheiro de estrada, oDylan acima referido, nãomudou nada. Continua

activista pela ecologia, pelosdireitos sociais, contra a

guerra e contra a discriminação.

Seis anos depois de um concerto de culto no Meu Mercedes, os Mono voltam ao Porto (mas antes disso passam por Lisboa)

Os tempos mudaram mas não para Joan Baez: é a mesma cantora de protesto de sempre, segunda-feira no Porto e quarta em Lisboa

Owen Pallett apresenta o primeiro álbum pós-Final Fantasyem Lisboa

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 65

“Fandango” de Soler e a alguns dos seus contemporâneos ibéricos — e o Lied alemão, ao lado do grande tenor Christhoph Prégardien.

Sassetti a trêsNuma antevisão do recém gravado “Motion”, o mais notável trio de jazz português regressa aos palcos. Rodrigo Amado

Bernardo Sassetti TrioCom Bernardo Sassetti (piano), Carlos Barreto (contrabaixo), Alexandre Frazão (bateria). Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império. 4ª, 10, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 20€.

Bernardo Sassetti é um dos músicos do jazz português com um percurso mais interessante, dedicando-se

Silêncio para Norberto Lobo

Norberto LoboLisboa. Culturgest - Pequeno Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Hoje e amanhã, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 10€ .

Há uma semana vimo-lo tocar no Museu do Chiado com os Tigrala, trio que o reúne ao guitarrista Guilherme Canhão, dos Lobster, e ao percussionista Ian Carlo Mendoza. Nos Tigrala, Norberto Lobo não toca guitarra. Pega na tambura,

instrumento de cordas de origem indiana, e cumpre a sua parte. Cabe-lhe transportar a música para Sul e Oriente, cabe-lhe trabalhar um exotismo que rapidamente se torna familiar - e a responsabilidade por essa transformação é toda dos Tigrala e das propriedades hipnóticas da sua música.

Hoje e amanhã, no Pequeno Auditório da Culturgest, não teremos os Tigrala. Será Norberto Lobo, apenas ele, a ocupar o palco. Dele já sabemos tudo. Existe “Mudar de Bina” e “Pata Lenta”, álbuns maiores onde um guitarrista se aventura por americanices e portuguesices, por dedilhados tocantes e crescendos arrebatadores. Como se o mundo coubesse todo na destreza de dez dedos.

No ano passado, na apresentação de “Pata Lenta”, vimo-lo deixar em silêncio o público que lotava a Casa do Alentejo e que lhe seguiu cada nota em suspenso. Hoje e amanhã, iremos vê-lo novamente e iremos continuar em silêncio. Não para o sacralizar, que isso seria desrespeito perante a humanidade da sua guitarra. Antes porque a sua música, que não tem palavras, não nos deixa palavras que dizer. Sentidos despertos, seguimo-la e sorvemo-la. É isso que nos espera na Culturgest. Para onde, porque isto anda tudo ligado, Norberto Lobo convocou Guilherme Canhão e Ian Carlo Mendoza, que o acompanharão num par de músicas. M.L.

Libertinagem em noite Enchufada

Paus + Octa Push + DJ RiotPorto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. Hoje, às 23h. Tel.: 222012500. 5€ a 7€.

A primeira festa foi ontem, no Lux, em Lisboa, com concerto dos Paus e sessões DJ por J Wow e Macacos do Chinês. Mas hoje, no Porto, há mais. Falamos da sessão dupla de lançamento da compilação “É Spam”, pertencente à estrutura Enchufada, casa-mãe, entre outros, dos Buraka Som Sistema. A compilação reúne projectos oriundos de diversas famílias estilísticas (Paus, Buraka Som Sistema, Orelha Negra, Octa Push, DJ Znobia ou Youthless) e as noites agora organizadas reflectem essa diversidade. Os Paus, novo e muito prometedor projecto de Joaquim

Albergaria (ex-Vicious 5), Hélio Morais (Linda Martini), Makoto (Riding Pânico) e Shela (If Lucy Fell), praticam um rock sem filiação, poderoso, intenso e selvagem. Depois há ainda os Octa Push, projecto português próximo das linguagens dubstep, e DJ Riot, um dos membros dos Buraka Som Sistema. Isto é, noite libertina em perspectiva. V.B.

Clássica

A arte da variação por Andreas StaierO grande cravista alemão interpreta as magnífi cas Variações Goldberg, de Bach, no Ciclo de Música Antiga da Gulbenkian. Cristina Fernandes

Andreas StaierLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A. 3ª, 9, às 19h. Tel.: 217823700. 12,5€ a 25€.

Ciclo de Música Antiga. Obras de Bach.

Em Maio do ano 2000, Andreas Staier apresentou uma memorável interpretação das Variações Goldberg, de J. S. Bach, no Palácio de Queluz, no âmbito dos concertos Em Órbita/Portugal Telecom. Era a sua primeira visita a Portugal, à qual se seguiram muitas outras, tanto como intérprete de cravo como de pianoforte. Passaram, no entanto, quase dez anos até Staier se decidir a registar em disco esta magnífica obra de Bach, súmula das principais técnicas e estilos musicais do barroco e ponto supremo da arte da variação. A sua excelente gravação na Harmonia Mundi acaba de sair, mas no dia 9 teremos o privilégio de ouvir Staier ao vivo na mesma obra num dos recitais do Ciclo de Música Antiga da Gulbenkian. Esta será, de resto, uma semana de ouro para a música de Bach, uma vez que o

agrupamento Café Zimmermann realiza também na Gulbenkian a integral dos Concertos Brandeburgueses (dias 7 e 11).

Nascido em 1955, na cidade alemã de Göttingen, Andreas Staier iniciou

os seus estudos musicais pelo piano moderno. Conforme contou em entrevista ao PÚBLICO de 12 de Maio de 2000, começou a tocar cravo por achar que este se adequava melhor à música de Bach. Mais tarde, uma “masterclass”, na Bélgica, num museu onde havia uma colecção de instrumentos antigos, despertou a sua paixão pelo pianoforte. Cravista do lendário agrupamento Música Antiga de Colónia, com o qual colaborou entre 1983 e 1986, Staier desenvolveu posteriormente uma brilhante carreira a solo, sem nunca negligenciar a música de câmara, destacando-se a sua colaboração com o violinista Daniel Sepec e com o violoncelista Jean-Guihen Queyras. Na sua discografia combinam-se universos tão diversos como os virginalistas ingleses do século XVI e as sonatas de Schubert, as tocatas de Bach e os concertos para piano de John Field, os ritmos do fandango espanhol — expressos num electrizante CD que dedicou ao

Ciclo

Dando continuidade ao formato de 2009, o Centro Cultural de Belém inicia no próximo domingo, às 11h30, uma nova série de Concertos à Conversa, desta conduzidos pela

jornalista Manuela Paraíso e intitulados Jogos Fantásticos. Nesta primeira sessão, a pianista Ecaterina Popa, com apenas 11 anos, toca Kurtág,

Bach e Tchaikovsky a quatro mãos com Miguel Henriques, e o pianista Jorge Moyano interpreta as Cenas Infantis, de Schumann. Os bilhetes custam cinco euros.

A guitarra de Norberto Lobo vai voltar a ser um mundo, na Culturgest

g gdiversidade. Os Paus, novo e muito prometedor projecto deJoaquim

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O dubstep dos Octa Push é um dos ingredientes do “showcase” Enchufada no Plano B

Depois de ter registado uma magnífi ca gravação das Variações Goldberg, Staier interpreta a obra ao vivo na Gulbenkian

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66 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

de corpo e alma a uma enorme diversidade de projectos, entre eles o jazz, incluindo a música para cinema, de Leitão Barros a Anthony Minguela ou José Álvaro Morais, ou ainda a busca recorrente de uma ligação consistente entre música e a fotografia. No entanto, há algo de que muitos dos seus admiradores sentiam a falta, a magia da pura linguagem jazz registada em “Nocturno”, disco histórico editado em 2002. Seguiram-se “Indigo”, “Ascent” e “Unreal: Sidewalk Cartoon”, e a música nunca mais foi a mesma, estilhaçando-se em múltiplas direcções artísticas que revelaram um músico inquieto, sempre à procura de novos desafios. Agora, oito anos após “Nocturno”, o trio de Bernardo Sassetti está de volta aos palcos com dois concertos, em Lisboa (4ª, dia 10) e Porto (3ª, dia 16), que antecedem a

edição de “Motion”, a editar de novo pela portuguesa Clean Feed. Bernardo Sassetti no piano, Carlos Barretto no contrabaixo e Alexandre Frazão na bateria: três músicos de excepção que se complementam melhor do que nunca neste trio, um espaço privilegiado para a vida das canções, aqui tratadas com sensibilidade, imaginação e rigor, atributos a que se acrescenta ainda

aquilo que não é tangível, a magia de uma comunicação musical telepática e de um trio que é muito mais do que a

simples soma das suas partes.

Con

cert

osaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

sexta 5Tony Allen

Tondela. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT - Auditório 1. R. Dr. Ricardo Mota, às 21h45. Tel.: 232814400. 15€.

FlakLisboa. Cinema São Jorge - Sala 2. Av. Liberdade, 175, às 0h. Tel.: 213103400. 10€.

Ciclo “Sexta, Meia Noite e uma Guitarra”. Lisboa Crónica Anedótica.

Danças OcultasGuarda. Teatro Municipal da Guarda - Grande Auditório. Rua Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 7,5€.

Diabo Na CruzPorto. Passos Manuel. Rua Passos Manuel, 137, às 22h30. Tel.: 222058351. 10€.

BunnyranchLisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 0h. Tel.: 218884503. 6€.

Ana MouraOvar. Centro de Arte de Ovar - Auditório. Rua Arquitecto Januário Godinho, às 21h30. Tel.: 256585451. 12,5€.

L’Occasione Fa il Ladro + Trouble in TahitiDirecção Musical de Moritz Gnann. Encenação de André Heller-Lopes. Com João Merino, João Oliveira, João Cipriano, Marco Alves dos Santos, Raquel Alão, Ana Franco, Luisa Francesconi. Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos. Lg. S. Carlos, 17, às 20h. Tel.: 213253045. 5€ a 15€.

Obras de Rossini e Bernstein.

Álvaro Cabrera BarriolaLisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 10€.

Viagem Musical na Viragem do Séc. XVII para o Séc. XVIII - De Ibéria a Paris.

Soojin Moon e Orquestra Metropolitana de LisboaDirecção Musical de Eduardo Rahn. Lisboa. Universidade Nova de Lisboa - Auditório da Reitoria. Campus de Campolide, às 21h00. Tel.: 213715600. 10€ a 15€.

Obras de Mozart.

Jerry Bergonzi TrioBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 10€ (dia) a 40€ (passe).

BragaJazz 2010.

ConstruçãoLisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h00. Tel.: 213257650. 8€ a 15€.

Semana da Cultura Açoriana.

sábado 6Orquestra Nacional do Porto e Coro Gulbenkian

Direcção Musical de Christoph König. Com Lisa Milne (soprano), Birgit Remmert (meio-soprano). Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 18h. Tel.: 220120220. 20€.

Ressurreição - Obras de Mahler.

Tony AllenPorto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.

The PoppersPorto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30, às 0h. Tel.: 222012500. 12,5€.

Dona ChicaPorto. Villa Community. Rua Doutor Magalhães Lemos, às 23h. Tel.: 912595882. 10€ a 15€.

João CoraçãoVila Nova de Famalicão - Café-Concerto. Casa das Artes. Pq. de Sinçães, às 23h. Tel.: 252371297. 5€.

The Legendary Tiger ManArcos de Valdevez. Casa das Artes. Jardim dos Centenários, às 23h. Tel.: 258520520. 12€.

Sons de Vez 2010.

David FonsecaOliveira de Azeméis. Cine-Teatro Caracas. Av. Dr. António José de Almeida, às 21h30. Tel.: 256682408. 15€.

La La La RessonanceGuimarães. Centro Cultural Vila Flor - Café-Concerto. Avenida D. Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. 2,5€.

Ana MouraVila Real. Teatro de Vila Real - Grande Auditório. Alameda de Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 12€.

ConstruçãoLisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h00. Tel.: 213257650. 8€ a 15€.

Semana da Cultura Açoriana.

Claudia QuintetBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 22h. Tel.: 253203800. 10€ (dia) a 40€ (passe).

BragaJazz 2010.

Orquestra AngrajazzLisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Jardim de Inverno. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 23h30. Tel.: 213257650. 5€.

Semana da Cultura Açoriana.

Soojin Moon e Orquestra Metropolitana de LisboaDirecção Musical de Eduardo Rahn. Carcavelos. Auditório do Colégio Marista de Carcavelos. Av. dos Maristas, 175, às 17h. Tel.: 214585400.

Obras de Mozart.

domingo 7OrchestrUtopica: Via LatinaDirecção Musical de Joan Cerveró. Com Grup Instrumental de València. Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno Auditório. Praça do Império, às 17h. Tel.: 213612400. 12,5€.

Obras de Orts, Tinoco, Sotelo, Júlio Lopes e Matalón.

Café ZimmermannDirecção Musical de Pablo Valetti e Céline Frisch. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 20€ a 40€.

Ciclo de Música Antiga. Obras de Bach.

Ana MouraMontemor-o-Novo. Cine-Teatro Curvo Semedo. Lg. Dr. António José de Almeida, às 21h30. Tel.: 266898104. Entrada gratuita.

Orquestra Regional Lira AçorianaDirecção Musical de António Melo. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 17h30. Tel.: 213257650. 5€.

Semana da Cultura Açoriana.

segunda 8Orquestra Polaca Sinfonia IuventusDirecção Musical de Tadeusz Wojciechowski. Com Janusz Olejniczak (piano). Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Praça do Império, às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 15€.

Obras de Beethoven, Chopin e Schumann.

Solistas da Orquestra GulbenkianLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Auditório 2. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 10€.

Obras de Schumann e Martinú.

Dany Silva + Maria Alice + Calú Moreira + Ana FirminoLisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 22h. Tel.: 213467090. 10€.

Cabo Verde Aqui.

terça 9La TraviataCom Ópera Estatal Russa de Rostov. Porto. Coliseu do Porto. R. Passos Manuel, 137, às

21h. Tel.: 223394947. 15€ a 48€.

quarta 10The Cranberries + Outside RoyaltyLisboa. Praça de Touros do Campo Pequeno. Campo Pequeno, às 21h. Tel.: 217820575. 20€ a 36€.

quinta 11PaGaGniniCom Ara Malikian (violino), Fernando Clemente (violino), Eduardo Ortega (violino), Gartxot Ortiz (violoncelo). Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz - Sala Principal. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.: 213257650. 12€ a 25€.

Humores Cruzados.

CarminhoLeiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30. Tel.: 244834117. 10€.

Melech MechayaGuarda. Teatro Municipal da Guarda -

Café-Concerto. Rua Batalha Reis, 12, às 22h. Tel.: 271205241. 4€.

Ciclo de Cultura Judaica da Guarda.

Café ZimmermannDirecção Musical de

Céline Frisch e Pablo Valetti. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 20€ a 40€.

Ciclo de Música Antiga. Obras de Bach.

Agenda

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Ana Moura em digressão: Ovar, Vila Real e Montemor-o-Novo

Dona Chica, o novo projecto de Ana Deus, dá um “concerto performativo” no Villa Comunity, Porto

O “roque” dos Diabo na Cruz sobe ao Passos Manuel, no Porto

Bernardo Sassetti está de regresso a “Nocturno”, um álbum histórico do jazz português

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como algo mais do que mero projecto musical, uma experiência total com um esqueleto de ideias e um imaginário visual próprios. Estão com um pé na cultura pop, no sentido de lhes interessar expor ideias sedutoras, mas ao mesmo tempo já estão noutra dimensão, onde o processo é tão importante como o resultado final.

O primeiro CD é mais desconcertante, sucessão de temas marcados por sons da natureza, ambientes claustrofóbicos, vozes enigmáticas, investigação sónica que não cria muitas pontes com o ouvinte, num primeiro momento, para de seguida nos deixar entrever clarões, placidez, ruídos, gelo e ardor.

O segundo CD aproxima-se mais de algumas formas reconhecíveis na música dos The Knife: ritmos obsessivos em câmara lenta, sugestões plásticas metalizadas, ambientes neuróticos, estranhas vozes vindas não se sabe bem de onde, qualquer coisa onde coexistem impulsos maquinais e um torpor humano, tão fascinante quanto inquietante.

É daqueles discos que, no mundo pop, normalmente pelas piores razões, costuma ser mais debatido do que ouvido, mais admirado do que amado. Não é obra para se ouvir em fundo, exige que mergulhemos nela, como quem olha e ouve uma ópera, não com esperança de compreender, mas de sentir.

Um documento perfeito

Rolling StonesGet Yer Ya-Ya’s Out!ABKCO; distri. Universal

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Num dos textos incluídos no livro que acompanha a luxuosa reedição de “Get Yer Ya Ya’s Out”, o mítico

crítico musical Lester Bangs defende que este pode ser o melhor

álbum ao vivo da história do rock’n’roll. Escreveu-o em 1970, um ano depois do concerto a que ele se reporta, e para o caso interessa-nos mais a sua argumentação que a proclamação.

Em 1970 – em 1970, note-se -, Bangs defendia que, perante uma cena musical crescentemente anódina e maneirenta, os Stones continuavam a ser a banda capaz de transportar uma noção de risco e de transgressão para um palco. A Bangs não interessavam reproduções tecnicamente perfeitas das canções que se conhecem dos discos ou os fogos de vista que, pouco após escrever aquele texto, Bangs veria irromper mundo dentro na figura de coisas como uns Emerson Lake & Palmer, banda que apreciava interpretar versões rockeiras de Tchaikovsky enquanto disparava canhões alinhados nos extremos do palco.

Os Stones, filhos bastardos do blues, perversos libertadores da libido da sua geração, não tinham canhões, não tinham outros artifícios para além do poder da sua própria música. E, em “Get Yer Ya Ya’s Out”, vêmo-los, pela última vez, como catalisadores das profundas transformações sociais que aconteciam à sua volta. Pouco depois do concerto gravado para a posteridade em Novembro de 1969, aconteceria Altamont, a violência e a morte de Altamont, e os Stones não mais seriam os mesmos.

“Get Yer Ya-Ya’s Out!” mostra uma banda que funciona como ponte feérica entre dois mundos: o dos bluesman e dos pioneiros rock’n’roll que gostariam de ter sido e aquele que eles mesmos ajudaram a moldar na década de 1960. Ou seja, ao lado do lamento blues para guitarra slide de “Love in vain”, de Robert Johnson, ou das palpitações de “Carol”, de Chuck Berry, estavam a euforia de “Jumpin’ jack flash”, a abrir o concerto, e a pose confrontante de “Street fighting man”, que o encerrou. Entre um e outro, a “Midnight rambler” definitiva, infinitamente melhor que a versão de estúdio de “Let It Bleed”, longa de dez minutos e perfeição blues onde o blues já é uma outra coisa. Tudo

explicado no lento crescendo a meio da viagem: Mick provocando o público, público respondendo à provocação, e a banda a reconduzi-los ao trilho daquele riff sujo e persistente, imenso.

A reedição de “Get Yer Ya Ya’s Out!” tem a inteligência de nos oferecer o quadro completo do momento. Para além do CD com o alinhamento original, temos um curto DVD, recuperado dos arquivos dos irmãos Maysles (os realizadores de “Gimme Shelter”), com cinco canções e, nelas, para além de cenas nos bastidores, em sessões fotográficas ou em conversa com Jimi Hendrix, fixa-se a dimensão visual da banda: o melífluo Jagger de roupa preta, o incendiário Keith de camisola vermelho-sangue. Junte-se a eles um CD extra com as cinco canções incluídas no DVD e um outro dedicado aos que antecederam os Stones aquela noite: “Ladies and gentlemen”, a elegância blues de BB King e sua Lucille e o furacão de Ike e sua Tina Turner (pouco inspirados nesta gravação, um furacão ainda assim).

“Get Yer Ya Ya’s Out”, o álbum, era já uma representação inatacável dos Rolling Stones enquanto “melhor banda rock’n’roll do mundo” – naquele preciso momento histórico, eram-no certamente. Esta reedição torna o álbum um documento perfeito.

O fogo que os alimentava não mais queimaria da mesma forma e Mick Jagger sabia-o: “Não podemos continuar a fazer isto para sempre, somos tão velhos”. Tinha 26 anos. Mário Lopes

Adenda a uma obra magistral

Jimi HendrixValleys Of NeptuneSony BMG

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Chamar a “Valleys Of Neptune” um álbum póstumo de Jimi Hendrix, o elo perdido entre “Electric Ladyland”,

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Dis

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Pop

Os irmãos The Knife na ópera É daqueles discos que, no mundo pop, costuma ser mais debatido do que ouvido, mais admirado do que amado. Vítor Belanciano

The Knife Tomorrow, In An Year Mute, distri. PopStock

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Quem entrar em “Tomorrow, In An Year” à espera de reconhecer as vozes inumanas, a electrónica glacial

e a realidade pós-pop, pós-tecno e pós-industrial erguida no álbum “Silent Shout” (2006) pelos irmãos suecos Olof e Karin Dreijer, sairá inevitavelmente defraudado da experiência.

Este não é o sucessor desse fabuloso álbum, nem da experiência solitária de Karin, o ano passado, com a designação Fever Ray. É outra coisa. Um projecto especial, que começou num convite endereçado pelo grupo dinamarquês de teatro experimental Hotel Pro Forma, que desafiou Olof e Karin a criar uma ópera contemporânea, inspirada na vida e obra de Darwin.

Criada em colaboração com Mt. Sims e Planningtorock – a que se juntaram três vozes convidadas, a mezzo soprano Kristina Wahlin Momme, a actriz Laerke Bo Winther e Jonathan Johansson – a ópera foi estreada em Setembro. Surge agora, a música, mais de 90 minutos, em formato CD-duplo.

Os suecos sempre se afirmaram

O grupo de teatro Hotel Pro Forma desafi ou Olof e Karin a criar uma ópera contemporânea, inspirada na vida e obra de Darwin

“Get Yer Ya Ya’s Out”: documento perfeito dos Stones enquanto “melhor banda rock’n’roll do mundo”

Espaço PúblicoEspaçoPúblico

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Março 2010 • 69

bicéfalo como é, obriga-nos a voltar a ele uma e outra vez. Não tanto pelo prazer de o ouvir como pela necessi-dade de desfazer uma dúvida. Esta: “Plastic Beach” é intrigante ou sim-plesmente frustante? M.L.

Metapop

Toro Y Moi Causers of ThisCarpark, distri. Flur

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“Causers of This”, o primeiro álbum de Chaz Bundick com maior exposição, sintetiza algumas das tendências

dominantes da música independente em 2009. “Chillwave”, “hypnagogic pop” e “glo-fi” foram alguns dos rótulos que os jornalistas aventaram face a artistas que revolveram em memórias fugidias da infância (os anos 80 da MTV, de Michael Jackson e

último de originais editado em vida, e “First Days Of The New Rising Sun”, o primeiro póstumo, aquele em que

trabalhava quando da sua morte, é manifestamente exagerado. Certo que é um disco de doze canções, nenhuma das quais antes editadas, gravadas num período específico de tempo em 1969. Mas não é um álbum no sentido em que o são “Are You Experienced?”, “Axis: Bold As Love” ou “Electric Ladyland”.

“Valleys Of Neptune” agrupa um par de inéditos (“Valleys of neptune” e “Ships passing through the night”) a versões de Elmore James (“Bleeding heart”) e dos Cream (“Sunshine of your love”) e a novas leituras de “standards” do catálogo Hendrixiano (“Stone free”, “Fire”, “Red house”). No fundo, trata-se de mais uma compilação, sem nada de revelador. “Red house” surge em versão mais lenta, que já conhecemos de milhentos álbuns ao vivo. “Stone Free” mantém-se bastante próxima da canção editada como lado B de “Hey Joe!”, o primeiro single de Hendrix. E “Valleys of neptune”, anunciada como a grande pérola da colecção, é um número blues sem particular inspiração (pelo ambiente sonoro e pelo pendor cósmico da letra, diríamos que poderia ser presença discreta num alinhamento alternativo do épico “Electric Ladyland”).

Claro que, falando de Hendrix, génio absoluto, ainda para mais acompanhado pela Experience de Mitch Mitchell e Noel Redding, a formação que mais potenciou o arrojo e a liberdade da sua música, há espaço para deslumbramento. Acontece quando o coração é todo ele blues: na versão de “Bleeding Heart”, transformada em excitação funk que o futuro, via Funkadelic, trataria de aproveitar, e em “Hear my train a comin’”, presença habitual nos concertos do período e que é em Hendrix a visão definitiva do blues enquanto dor de vida erguida a poderosa arma sensual. Tal, contudo, é manifestamente pouco para

considerar “Valleys Of Neptune” sequer próximo de essencial.

Além de haver aqui muito que já ouvimos (em versões diferentes, é certo, mas de quantas versões de “Fire” precisa o mundo para girar?), falta-lhe uma dimensão essencial. A música de Hendrix não brotava apenas do seu talento como guitarrista, mas também de uma imaginação transbordante e de uma veia experimentalista que o levava a utilizar o estúdio, e os sons que era possível criar em estúdio, como um outro instrumento – tal estava presente, de resto, desde o início, na fundadora “Are you experienced?” Como “Valleys Of Neptune” é, essencialmente, uma crónica de ensaios, essa dimensão está obrigatoriamente ausente.

Num momento em que, paralelamente, vemos reeditada a discografia de Hendrix, o “álbum póstumo” será não mais que adenda a uma obra magistral. M.L.

Gorillaz bicéfalos

GorillazPlastic BeachEMI Music

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Damon Albarn manifestou o desejo de fazer de “Plastic Beach” o álbum mais pop que alguma vez criou.

Mas um álbum pop, precisou, enformado pelo peso da experiência (41 anos) e por toda a música que descobriu desde que se abriu ao mundo (da música africana de Mali Music à investida pela China de “Monkey: Journey To The West”). O resultado não condiz com a intenção. De resto, dificilmente poderia condizer. Basta olhar para os convidados: Snoop Dogg, Bobby Womack, Kano, De La Soul, Paul Simonon e Mick Jones, Lou Reed e Mark E. Smith (conseguir com esta conjugação de estrelas o “álbum mais

pop” da carreira de Albarn seria tarefa virtualmente impossível).

Genericamente, “Plastic Beach” é aquilo a que a banda virtual nos habituou – pedaços de hip hop, fumos dub, refrães no sítio certo e espírito de festa no clube. A principal diferença reside em tudo acontecer a um ritmo mais pausado (nada de bombas como “Dare” para êxtase comunal).

Antes, a música dos Gorillaz era absurdamente imediata. Agora, na insularidade de “Plastic Beach”, exige mais (e, arriscamos, desapon-ta mais). Arranca em grande, com Snoop Dogg a espalhar o seu “flow” narcótico sobre G-funk e órgão Far-fisa (primeiras palavras: “the revolu-tion will be televised”) e com Bashy e Kano, em “White flag”, a irromperem com grime de grande orçamento pela opulência da libanesa National Or-chestra For Arabic Music – o encon-tro fluído entre esses dois universos origina uma das melhores canções do álbum. Depois, há Damon Albarn como baladeiro pós-apocalíptico, com guitarra acústica substituída por de-tritos tecnológicos (“Empire ants”),

há uma brincadeira descartável dos De La Soul com Gruff Rhys, chama-da “Superfast jellyfish”, que soa a anúncio publicitário dos tempos de “3 Feet High And Rising” – e temos Lou Reed a avançar meio trôpego por nova balada para piano: a doçura da melodia infantil de “Some kind of nature” deve ter deixado confuso o velho resmungão.

“Plastic Beach” é o álbum sereno dos Gorillaz. E excessivamente dis-creto seria não se desse o caso de ser povoado de um par de sobressaltos. A saber: Mark E Smith a balbuciar coisas incompreensíveis sobre uma cavalgada digital que entusiasma (“Glitter freeze”) e Mos Def a surgir em nuvem de fumo de marijuana pa-ra libertar um “flow” infernal sobre a batida neurótica de “Sweepstakes”: é a faixa-marada, faixa-maior do ál-bum, com metais bêbados, baterias a entrar em convulsão breakbeat e Mos Def a sobrevoar todo esse magnífico delírio.

Não fossem pedaços como aqueles e o relax introspectivo de “Plastic Beach” seria uma desilusão. Assim,

Jimi Hendrix: não mais que adenda a uma obra magistral

pop” da carreira de Albarn seria tarefa

É o álbum sereno dos Gorillaz; e excessivamente discreto seria não se desse o caso de ser povoado de um par de sobressaltos Toro Y Moi: fantasmas da músicapopular, retalhados e transformados em algo de novo, novamente pop

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA4’33’’ (TRIBUTO A JOHN CAGE). OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.

APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICAMECENAS CASA DA MÚSICA

PETER RUNDEL direcção musical

RUI HORTA direcção cénica, desenho

de luz e multimédia

Guilherme Martins design multimédia

Maxime Le Saux engenheiro de som IRCAM

Martin Antiphon técnico de som IRCAM

Roque Rivas realização informática

musical IRCAM

John Cage Sixteen Dances

Carlos Caires All-in-one, para

ensemble e electrónica ¹

Roque Rivas About Cages, assemblage

para piano, ensemble e electrónica ²

Bruno Mantovani ...273... ¹

John Cage/Christian Marclay

(adaptação) 4’33’’ ¹

James Dillon Torii ¹

Co-produção Casa da Música, Festival Musica de Estrasburgo, IRCAM/Les spectacles vivants - Centre Pompidou e Ars Musica de Bruxelas no âmbito do Réseau Varèse:subvencionado pelo Programa Cultura 2000 da União Europeia.

¹Estreia mundial; encomendas da Casa da Música ²Estreia mundial; encomenda do IRCAM - Centre Pompidou

Outras apresentações:25 MAR 19:00 | Paris, FrançaIRCAM – Grande Salle du Centre Pompidou27 MAR 19:00 | Bruxelas, BélgicaFestival Ars Musica

23 MARTER 19:30 SALA SUGGIA | € 10

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70 • Sexta-feira 5 Março 2010 • Ípsilon

“Miami Vice”) e um ideal de “Verão eterno” (férias grandes, surf, amores inconsequentes) para criar música, algures entre o sonho e a glorificação da vida banal. Com esse material, há quem, como James Ferraro, faça música desafiante; outros, como Toro Y Moi e Washed Out, preferem produzir pop. Uma “metapop” (perdoem-nos o jargão teórico), já que é habitada por múltiplos fantasmas da música popular, retalhados, revolvidos e transformados em algo de novo, novamente pop.

“Causers of This” não é um disco revivalista. A faixa inaugural, “Blessa”, começa como se fosse uma canção de “Person Pitch” de Panda Bear (um “loop” engolido pela reverberação, a mesma melancolia alegre de Noah Lennox), mas deriva, rapidamente, para territórios pop. “Blessa” fixa logo as características do resto do disco: a multiplicação da voz de Bundick em várias camadas e o prolongamento no éter das melodias simples que desenha nos teclados, no corta-e-cola de “samples” e na voz. “Lissoms” e “Fax Shadow” são canções pop sexy

pelo grupo de músicos convidados pelo baterista. O arranque acontece com “Tralhoada”,

tema composto por Moniz com base num cante alentejano recolhido pelo etnólogo Michel Giacometti. É difícil ficar indiferente ao trabalho de harmonização expresso nos acordes do piano de Júlio Resende e ao modo como o próprio cante é assim integrado na composição a que deu origem. A nova melodia é depois exposta pelo roncante contrabaixo de João Custódio e mais tarde desenvolvida pelo solo do guitarrista Mário Delgado. “Pacífico”, um original do baterista que poderia ter sido escrito por Carlos Paredes, apresenta um solo fluído de Mário Delgado, acompanhado com notável musicalidade por Jorge Moniz, seguido de uma “cadenza” por Júlio Resende onde fica evidente a importância de Keith Jarrett e de Brad Mehldau na sua linguagem, influências que o pianista aos poucos vai sacudindo após o regresso do contrabaixo e da bateria. Tocando melódica e piano, Resende volta a destacar-se naquele que é o único não original do disco, “La fuente e la campana”, de Federico Mompou, tema marcado pelo guitarrista com aquele que é talvez o mais arrepiante momento improvisado de todo o disco.

Os convidados Hugo Alves e Carlos Barretto contribuem com interessantes improvisações em “Alburrica”, mas o contrabaixista brilha também, em solo absoluto, na introdução de “Em viagem”, composição com duas excelentes improvisações, no piano e na guitarra, a primeira das quais enriquecida pelos efeitos texturais de Delgado. Embora contando com uma notável prestação de Hugo Alves, “Arábico” será o tema menos cativante do álbum, mas já a agitação de “Hora de ponta”, onde a guitarra e a bateria andam perto do “groove” de John Scofield com os Medeski, Martin & Wood, traz mais uma prova de que, embora atraiçoando o título do álbum, Jorge Moniz tem propósitos bem definidos para a sua música.

sacadas à “playlist” da VH1, mas desfiguradas suavemente por Bundick, cujas técnicas de manipulação de “samples” lembram artistas hip-hop como Prefuse 73. Em “Low Shoulder”, os teclados pirosos encontram uma graciosa segunda vida - coisa para meninos e meninas indie poderem dançar sem vergonhas.

Apesar dos bons atributos, “Causers of This” nem sempre mantém o nível (“You Hid” revela em demasia a fragilidade de Bundick enquanto vocalista) e sente-se, por vezes, a falta de um fio condutor em cada canção, que vivem, em demasia, dos efeitos (como o omnipresente “reverb”) e de outros truques de estúdio. Pedro Rios

LoneLady Nerve UpWarp, distri. Symbiose

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Álbum estranho, o de estreia da britânica Julie Campbell, ou seja LoneLady. Aparentemente nada o

distingue no meio da multidão de discos que todas as semanas são postos na prateleira do

supermercado da actualidade pop. É um álbum plano, sem nenhuma canção que sobressaia, daqueles em que o ouvinte experimentado pode passar horas a identificar influências (R.E.M. dos primórdios, B-52’s, New Order, ESG, The Wire, Suicide ou Gang Of Four), algumas delas assumidas pela própria, mas sem que chegue a uma conclusão plausível. Numa primeira aproximação, é fácil conotá-la com a cultura anacrónica e derivativa vigente nos nossos dias. Mas uma leitura mais atenta revela, afinal, um universo difícil de definir, algures entre a raiva controlada de PJ Harvey e a elegância idiossincrática de Grace Jones. É um disco solitário, feito sem grandes recursos, rock que também é funk, nervoso mas sem chegar a ser dançável, feito de guitarras tensas, caixas de ritmo minimalistas e uma voz eficiente que não se perde em maneirismos. Resultado? Uma sonoridade límpida e tonificante. Vítor Belanciano

Jazz

Boca negra! Brilhante novo álbum da constelação Chicago Underground, projecto mutante liderado pelo trompetista Rob Mazurek. Rodrigo Amado

Chicago Underground DuoBoca NegraThrill Jockey, dist. Mbari

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Da mente caleidoscópica de Rob Mazurek têm saído alguns dos mais interessantes projectos dos

últimos anos. De todos, são aqueles associados à constelação Chicago Underground – em orquestra, quarteto, trio ou duo - os que têm maior notoriedade, talvez pelo notável equilíbrio alcançado entre jazz, rock alternativo, electrónica ou pura e simples experimentação musical. Mazurek, um dos compositores e trompetistas jazz que mais escapa a classificações, possui uma rara capacidade para incorporar elementos das mais variadas tipologias musicais, integrando-os num todo vibrante, elegante, e surpreendentemente consistente. É disso exemplo “Boca Negra”, registado em duo com Chad Taylor,

baterista que aqui se desdobra

nos papeis de compositor e manipulador electrónico, sempre sob a estruturação visionária de Mazurek, também ele com um papel preponderante nas electrónicas do álbum. Construindo um universo futurista, fortemente pessoal, os dois músicos apresentam um impressionante conjunto de 10 temas – 5 da autoria de Mazurek, 4 de Taylor, e ainda o clássico “Broken Shadows” de Ornette Coleman. Patilhando ambos uma linguagem fracturante e desassombrada, que evita sempre o óbvio, conduzem-nos por “grooves” poderosos, baladas psicadélicas, duos de trompete e bateria numa linguagem mais assumidamente “avant jazz”, entre outros sons e ambientes que nos desafiam os sentidos e nos convidam a mergulhar fundo no seu universo musical. Apesar de fortemente baseada em “overdubbings” – Taylor toca simultâneamente bateria e vibrafone ou mbira em algumas das músicas, para além de todo o processamento e sequenciação electrónica – esta é uma música directa e orgânica, que evoca a mais profunda espiritualidade jazz.

Deambula-ções com rumo Contrariando o título deste registo, o baterista Jorge Moniz estreia-se em disco com uma direcção musical clara e bem definida. Paulo Barbosa

Jorge MonizDeambulaçõesEd. Autor

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“Deambulações” é o resultado da elaborada concepção musical de Jorge Moniz e do extremo cuidado com que esta foi colocada em prática

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LoneLady: uma sonoridade límpida e tonifi cante

Jorge Moniz tem propósitos bem defi nidos para a sua música

pelo grupo de músicos

no baterista que aqui se desdobra

Chicago Underground duo: música directa e orgânica, que evoca a mais profunda espiritualidade jazz

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