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IV SIMPÓSIO

NACIONAL

ESTADO E PODER:

INTELECTUAIS ________________________

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8 a 11 de outubro de 2007 Universidade Estadual do Maranhão São Luís/MA

OS INTELECTUAIS NAS REFORMAS DO ESTADO IMPERIAL: as trajetórias de

Araújo Porto Alegre e Gonçalves Dias

Débora El-Jaick Andrade

(doutoranda pela UFF)

Manuel José de Araújo, nome original de Araújo Porto Alegre, nasceu em São José

do rio Pardo na província de São Pedro, no Rio Grande do Sul em 25 de novembro de 1806.

Nasceu originário de uma família de parcas posses, cujo lado materno possuía “bens de

raiz”, provavelmente filho de pequenos comerciantes. O pai era negociante de fazendas e de

trigo e a mãe, dona Francisca Antonia Viana, era filha do negociante e proprietário Francisco

Pereira Viana.

A família de Porto Alegre era, entretanto, decadente e ele precisou se empregar

em um trabalho manual e aprender um ofício. Aos 16 anos enquanto completava a sua

formação em Porto Alegre com aulas de latim, filosofia, geografia e álgebra, trabalhava com

um relojoeiro francês que, juntamente com outros desenhistas que conheceu, lhe

incentivaram a continuar no desenho aprendendo o manejo das tintas a óleo. Foi um

autodidata em perspectiva e na pesquisa de arte, começou a fazer por si alguns painéis, em

uma época em que a diferenciação entre artesão e artista ainda estava em processo

(ANDRADE,1944). Ganhava a vida fazendo retratos para ricos proprietários, na casa de

quem viu um quadro pintado por Jean-Baptiste Debret e ambicionou estudar com o grande

artista francês no Rio de Janeiro, onde desembarcaria em 1827.

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Também era Gonçalves Dias, filho de um rico negociante, o português João

Manuel Dias com sua amásia, uma mestiça sem posses. O pai tinha uma venda que atendia

tropeiros e barqueiros que traziam algodão das fazendas da região. Gonçalves Dias nasceu

no Maranhão, em Caxias, centro do comércio local, onde a família resistiu às guerras de

independência no norte. Já demonstrava interesse pelos livros quando trabalhava para o pai

na venda e a condição econômica favorável da família possibilitou à madrasta custear a

continuidade de seus estudos de direito em Coimbra com o propósito de lhes dar meios de

ganhar a vida.

Desde muito jovem foi obrigado a contar com a solidariedade e a ajuda de amigos

em Coimbra, pois quando ocorreu a Balaiada os negócios da madrasta tiveram refluxo e

Gonçalves Dias teria que retornar a Caxias1 não fosse o auxílio financeiro dos amigos e

também estudantes brasileiros Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, Pedro Nunes Leal,

Antônio do Rego, João Duarte Lisboa Serra, Antonio Ferreira d’Araújo Jacobina, que

dispunham de fartas mesadas para passar a temporada.(PEREIRA,1943:40)

No início dos anos de 1840 estudou direito em Coimbra, mas igualmente línguas e

literaturas francesa, inglesa, a poesia portuguesa e alemão.(PEREIRA, 1943:489) Conheceu

os poetas famosos da época, José Freire de Serpa Pimental, Almeida Garrett enquanto

Coimbra experimentava uma revolução literária. O clima intelectual do romantismo

contagiava a juventude brasileira e inspirou o rapaz a escrever poesias e a iniciar outros

projetos literários. Mas tendo perdido a matrícula do ano de 1844-45 o jovem retornava ao

Maranhão, como “bacharel” em ciências jurídicas, mas sem conseguir retirar o diploma.

Porto Alegre nunca completaria um curso superior. Sua formação, focada

sobretudo no desenho, compreendeu também engenharia e arquitetura (ao cursar a

Academia Militar), anatomia, fisiologia (ao cursar a Academia de Medicina) e a música.

Estudando na Academia Imperial de Belas Artes, erigida pelos membros da Missão Francesa,

ele encontrou na Corte Imperial sob o reinado de Pedro I, a oportunidade de que precisava

para iniciar sua carreira artística.

1 Estava inscrito na ocasião no Colégio das Artes, fazia os preparatórios para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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No final dos anos 1820, a Corte é o principal palco do desenvolvimento das letras

e da vida literária, com a criação de espaços de sociabilidade literária. O Rio de Janeiro

afirmava-se como o grande centro de irradiação cultural, seguido por Recife, São Luís e

Salvador. Disseminaram–se locais de sociabilidade: saraus, salões, teatros, repúblicas

estudantis, confeitarias e cafés, jornais, livrarias, redações de jornais, sociedades literárias

das academias de direito (de São Paulo e de Recife), de medicina (Rio de Janeiro). A

literatura ganhava um novo status, enquanto a poesia era uma mania em todas as rodas.

Neste ambiente Porto Alegre obteve prêmios em pintura, arquitetura e escultura

na 1ª exposição pública da Academia de Belas Artes. Começou a galgar o círculo monárquico

ao pintar um painel para a escola representando D. Pedro I entregando o decreto da reforma

da Academia de Medicina ao corpo acadêmico, caracterizando, além do soberano e seu

Ministro, todo o corpo de professores. A partir desta encomenda real vieram outras como o

convite para a realizar retratos da família real e a promessa imperial, nunca concretizada, de

mandá-lo continuar seus estudos de arte na Europa.

Desde que chegou à Corte, valeu-se dos contatos que tinha ou faria com os

“grandes do Império”. A facilidade com que sabia fazer relações levou-o a ser amigo de

Debret, seu mestre na Academia Imperial de Belas Artes, a conhecer muitas figuras ilustres

do império que tentaram abrir portas para o jovem artista.Logo se juntou a uma “rodinha

literária” em torno de Domingos Gonçalves de Magalhães, Francisco Sales Torres Homem e

Antonio Félix Martin (SQUEFF,2000:40-41). Foi um de seus amigos, o jornalista Evaristo da

Veiga, editor da Aurora Fluminense, grande patrocinador de literatos e artistas, que forneceu

uma soma de 400 mil réis de uma subscrição feita através de seu jornal, juntamente com

José Bonifácio que lhe arranjou a passagem de navio, que lhe permitiram seguir seu mestre

Debret em retorno à Paris. Vários de seus novos amigos, alguns políticos outros ligados ao

círculo palaciano, tentaram recorrentemente conseguir-lhe uma pensão do governo

regencial, em uma época em que não era prática dar bolsas ou prêmios para artistas e

intelectuais. À recusa, fruto de divergências partidárias, seguiu-se à ajuda financeira dos

amigos, registrada em sua autobiografia.

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Através de uma carta de Antonio Carlos foi recomendado ao conselheiro José

Joaquim da Rocha, enviado extraordinário e ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris,

enquanto estudava pintura e arquitetura. Tornava seu trabalho conhecido: concorreu à

escola de Belas Artes em Paris, obtendo boas colocações em concursos. Residiu quase seis

anos na França com o amigo Magalhães quase sempre em apuros financeiros, que só uma

rede de conhecimentos em expansão poderia atenuar. Com Magalhães e Sales Torres

Homem publicou uma revista científica, literária e artística intitulada “Niterói”, da qual saíram

dois números somente e participaram do Institut Historique de Paris, uma instituições

cultural que congregava grandes nomes entre a intelectualidade da época. Retorna ao Brasil

após eclodir a revolta dos Farrapos e se estabelece no Rio de Janeiro.

Como de hábito, Porto Alegre procurava uma sinecura na Corte. A ascensão de

Pedro II significaria para o artista não só o retorno político à ordem e renovação de suas

esperanças patrióticas em um futuro promissor para a cultura nacional, mas a maneira de se

tornar requisitado pelo Estado por suas habilidades artísticas. Adquiria grande prestígio pela

aproximação pessoal com o mordomo da casa imperial Paulo Barbosa, um dos homens mais

poderosos do Segundo Reinado (SQUEFF, 2000:60)2. Nestes saraus, Barbosa se cercava de

artistas e homens de letras, o que em uma Corte com vida cultural incipiente, atraía Porto

Alegre, acostumado a intensa balbúrdia de Paris. Estas reuniões se mostravam espaços

importantes para receber “colocações”, encomendas e títulos, quando o campo artístico se

encontrava ainda em sua gênese.

Foi assim que Paulo Barbosa, que detinha o controle sobre a escolha de artistas,

materiais decoração e obras para a realização das festas imperiais, encomendou a Porto

Alegre a sacada da festa da Sagração, considerada “um arrojo porque não havia pintores e

oficiais para obras artísticas”(CORREIA,1957:434). Ainda conseguiu colocá-lo como professor

na Academia Imperial de Belas Artes que a esta época estava sob a direção de Félix Emílio

2 Substituindo José Bonifácio, Paulo Barbosa fazia parte de um pequeno círculo ligado ao jovem príncipe e às princesas que cuidava das finanças do Palácio, mas também tratava da educação do futuro imperador2. Barbosa desempenhava o papel de intermediário entre o príncipe e a corte, enquanto Aureliano Coutinho atuava como uma espécie de professor político, escolhendo ministros e influenciando nas decisões regenciais.

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de Taunay. O ambiente se mostrou por demais hostil ao pintor brasileiro, pois os artistas

estrangeiros transferiram parte da hostilidade que nutriam por Debret ao principal discípulo.

Assim ganhou a vida realizando além das aulas na Academia (que lhe forneciam

ordenado de 800$ 000 anuais), trabalhos para particulares, a reforma do teatro, passaria a

integrar, junto com Magalhães o corpo docente do Imperial Colégio de Pedro II, fundado a

25 de março de 18383 e também se tornou membro do Instituto Histórico inaugurado no

mesmo ano, atividade esta “que lhe proporciona mais adequado cenário às suas

atividades”.(CORREIA, 1957:434) No dia 28 de julho de 1840, logo que foi aprovado o seu

desenho, por conselho do mordomo da Casa Imperial, S. Majestade o Imperador o nomeou

pintor da sua Câmara, encarregado por Antônio Carlos, ministro do Império, de todas as

festas imperiais, e pelo mordomo o conselheiro Paulo Barbosa, dos trabalhos do Paço

Imperial. (PORTO ALEGRE, 1931:433)

Nomeado pintor da Imperial Câmara (1840), condecorado com a Ordem de Cristo,

Porto Alegre nem sempre recebeu a remuneração acordada para os trabalhos.Também fez

os planos para a nova Escola de Medicina, do Banco do Brasil e do Cassino Fluminense,

coordenou a reforma ao Palácio de São Cristóvão cuidou da decoração no Palácio de

Petrópolis, tudo muito bem especificado em sua autobiografia. Como vereador suplente da

Corte, chamado a exercício, desenvolveu projetos urbanísticos de relevância. Propôs a

criação de escolas industriais para a educação dos operários, obtendo professores gratuitos.

Preparou um código de posturas, “sendo de notar que no então vigente, com escândalo seu,

não se encontravam sequer as palavras arquitetura e arquiteto”(LOBO, 1938 :18).

Nos anos de 1840 como pintor da Imperial Câmara idealizou obra monumental

inspirada pela coroação do Imperador. Contudo, a falta de condições para trabalhar e as

rivalidades dentro da Academia o levaram a pedir transferência para a Academia Militar.

Além da Academia, continuou participando de projetos culturais nas revistas literárias e

detinha o cargo de orador oficial do IHGB, ao mesmo tempo que compunha seu poema o

Colombo, sobre o descobrimento da América e as Brasilianas.

3 O artigo foi publicado no Jornal do Comércio e foi transcrito na Revista do IHGB em 1957.

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Porto Alegre também atuou na política, como suplente de vereador da Câmara

Municipal do Rio de Janeiro e trabalhou no sentido de promover reformas urbanísticas na

capital do Império: uma carta geral da cidade, a partir de plantas parciais da Comissão de

Engenheiros. Segundo narra nos Apontamentos, teve a camaradagem de todos os seus

colegas da Câmara, foi membro de todas as comissões importantes, deu o projeto para a

nova rua do Carmo, a pedido da Câmara. Propôs a Campanha de Urbanos, obrigou os

proprietários a apresentarem desenhos das casas que deveriam construir, para ver se

estavam nas condições higiênicas, arquitetônicas. Insistiu para que se abandonasse o

sistema de antigas calçadas, fez o projeto de aformoseamento do campo, com áleas,

edifícios e um jardim mourisco, que denominou “Alhambra”, onde aos domingos, se dessem

concertos. Obteve os diretores do Jardim Botânico e da Quinta Imperial todas as plantas

necessárias, gratuitamente, e de três homens especialistas em botânica e floricultura o

obséquio de se prestarem gratuitamente na direção do plantio das árvores e das palmeiras

imperiais, que deveriam formar a álea principal, em cujo centro se deveria colocar um

monumento à independência. O Governo, apesar da aprovação pessoal do Imperador, adiou

tudo isso. (PORTO ALGRE, 1938:436)

Os projetos de reforma e planejamento urbanos defendidos por Porto Alegre

eventualmente contradiziam os interesses de negociantes e pessoas influentes do Império:

“Foi um dos que mais pugnou pela mudança do matadouro, que tinha por opositor um

conselheiro de Estado, proprietário das fétidas e asquerosas barracas de S. Luzia.”(PORTO

ALEGRE, 1931: 436)

Propôs as Escolas Industriais para a educação dos Operários e obteve para eles

professores gratuitos, sendo ele o professor de desenho industrial. Deu a idéia de fazer no

prolongamento do Rocio da cidade Nova um mercado junto à caldeira do canal. Preparou um

novo “Código de Posturas” que não apresentou por ser substituído pelo vereador proprietário

do cargo. Foi nomeado membro da Comissão da estátua eqüestre onde executou o principal

trabalho da Comissão.

O retorno de Gonçalves Dias ao Brasil trouxe, diferentemente do de Porto Alegre,

dificuldades em obter reconhecimento institucional imediato. Em Caxias, sem ter recursos

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próprios para retirar o diploma, sem poder publicar seus Primeiros Cantos, vivia de favor na

casa da madrasta e era visto como extravagante e aproveitador. Em uma cidade provinciana,

eram explícitos o preconceito e incompreensão contra os artistas e poetas e mesmo em São

Luiz não havia perspectivas para um jovem literato se firmar e conseguir uma colocação para

ganhar a vida. Após passar uma temporada em São Luís, partiu para a Corte com 200 mil

réis emprestados de Lisboa Serra e com seus manuscritos, esperando obter uma situação

que lhe permitisse estudar e escrever sobre problemas sociais e históricos, consultar livros e

publicar seus poemas.

Um ano se passou e o dinheiro já acabava, gasto com caros hotéis como l’Univers,

almoços, bilhetes para peças, livros e com parte do valor da prova de seus Primeiros Cantos

na editora Laemmert, publicado em 1846. Divertia-se na Corte, ia a saraus e bailes na casa

de desembargadores e fazia amigos com a esperança também de que lhe aparecesse algum

emprego. Ambicionava antes de tudo uma sinecura, esperava que o encontro com o

imperador lhe abrisse as portas, embora admitisse em suas cartas não querer parecer um

cortesão, galgando cargos e pensões através da bajulação ao Imperador.

A existência de poetas e artistas com livre acesso ao Palácio de S. Cristóvão, como

Gonçalves de Magalhães, poeta dileto do imperador e Araújo Porto Alegre, pintor Imperial da

Câmara, inspirava escritores pobres como Gonçalves Dias a almejar a consagração, embora

a maioria dos escritores não desfrutasse de proteção na Corte. A condição do intelectual em

meados do século durante a constituição do campo literário revela o quanto, ora sob a égide

do mercado editorial, ora sob a dependência do mecenato do Estado, a modernidade já era

experimentada pelos homens de letras. As baixas vendagens, a morosidade da vida e das

instituições culturais e a falta de regulamentação do mercado editorial em relação aos

direitos autorais obrigavam os escritores a buscarem emprego junto aos jornalistas e a

disputarem cargos no Estado como secretários, diretores, professores, deputados e

diplomatas.

Assim para sobreviver na Corte e se consagrar até poder viver da poesia, a partir

de 1848, Gonçalves Dias precisou trabalhar para os jornais: era redator dos debates das

Câmaras para o Jornal do Comércio e para o Correio Mercantil, crítico literário para o Correio

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da Tarde e colaborador da Gazeta Oficial. O trabalho se tornou mais árduo ao arranjar

através de Lisboa Serra o cargo de professor no Liceu de Niterói, mas lhe permitiu conhecer

políticos que lhe arranjaram um cargo de professor de Latim e História do Brasil Latim e

História do Brasil do Imperial Colégio Pedro II, do qual foi licenciado para ir em missão ao

Norte pelo Ministério do Império.

Foi em 1847 que Gonçalves Dias conheceu Porto Alegre, artista já íntimo do círculo

do Imperador. Indicado ao Instituto Histórico por Araújo Porto Alegre, também trabalhariam

juntos na redação da Revista Guanabara em 1849. Era um dos mais ativos membros do

Instituto, presente a todas as sessões, fazendo parte de comissões, emitindo pareceres,

dando-lhe o melhor do seu esforço (PEREIRA,1943:103). Entre 1852 e 1854 o Instituto

Histórico era para o poeta o centro de estudos e o local de convívio social e intelectual que

precisava, o qual comparecia de 15 em 15 dias, às cinco e meia da tarde- depois do jantar-

um grupo de amigos e de homens inteligentes: Joaquim Manuel de Macedo e Porto Alegre,

com quem era tão ligado desde os tempos da Guanabara; Lisboa Serra, seu velho amigo,

Joaquim Norberto, Aurelino Coutinho, Varnhagen, o sogro e Capanema, Nascentes de

Azmbuja, seu colega de Ministério. Desejava completar sua obra de pesquisa histórica A

História dos Jesuítas, tema proposto em um concurso do Instituto Histórico4 para o qual

ficou décadas coletando documentos históricos no Norte, no Amazonas e na Europa e mais

tarde planejou escrever uma História Contemporânea do Brasil. Nas sessões e trabalhos do

IHGB, nas pesquisas e projetos se revela sua atuação como historiador e como etnógrafo,

especialmente quando escreveu em 1849 uma memória intitulada O Brasil e a Oceania. Em

1854 o Instituto dá-lhe nova incumbência com a questão proposta pelo imperador: se

existiam amazonas no Brasil. Desta indagação nasce o ensaio de notável erudição

Amazonas, publicado na Revista do Instituto.

Nos anos de 1850 a secretaria de Negócios do Império ganha maior importância,

com a compreensão de que a administração do Império deveria promover a civilização tanto

física e materialmente, quanto moralmente: as Sociedades modernas, a imprensa, instrução

4 Ele teve a idéia de realizar a obra na volta de Portugal e em 1864 Dias ainda achava documentos para a obra em Lisboa. A História dos Jesuítas já estava escrita desde 1859.

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pública, culto religioso, a guarda nacional, o Exército, o Orçamento, a Dívida pública, o

Supremo Tribunal de Justiça, o tesouro nacional, as Câmaras Legislativas, o Conselho de

Estado, as estradas gerais, a navegação a vapor, os telégrafos, os caminhos de ferro, todos

eram aspectos da mesma sonhada “civilização”.

As reformas requeridas para tal promoção partiriam assim do poder político

sediado na Corte, garantindo a centralização, com supremacia do Centro-Sul. (MATTOS,1994

:192) O Ministério presidido por Paraná, especialmente após 1855 procurou trabalhar pela

reformas e prometia melhoramentos materiais e morais. Dentro deste espírito, a Secretaria

dos Negócios do Império, iniciou um estudo para reformar especialmente a esfera

educacional e cultural, centralizando e assumindo de fato a direção das modificações.

Comissões eram formadas para procurar averiguar as condições da instrução primária nas

províncias distantes da Corte. A tarefa de regulamentar, modelar e centralizar o ensino no

Império revelava o papel que a instrução pública cumpria aos dirigentes imperiais em seu

projeto político, unificando os valores, os conhecimentos sobre ciências e artes e as

expectativas da classe senhorial.

Antonio Gonçalves Dias, foi incumbido pelo governo ainda em 1851, de uma dupla

missão: examinar o desenvolvimento da instrução pública e colher os documentos que

encontrasse sobre a história pátria nas províncias do norte em suas viagens ao Norte na

Comissão de Instrução. No Pará, no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, Pernambuco

e Bahia visitou colégios, seminários, bibliotecas e arquivos, verificando as necessidades dos

primeiros e inventariando os documentos e obras existentes nos últimos. Excetuando-se

apenas a Academia Jurídica de Olinda e a Escola de medicina da Baía, Gonçalves Dias teve

uma impressão global do estado da educação primária, secundária e profissional em sua

época. Apontava a falta de escolas normais – só havia uma na Baía, e nessa mesma não se

ensinava Didática, nem Pedagogia – como a principal responsável pela deficiência do ensino

primário. Em seu relatório insurgia-se contra a intromissão do governo nos programas dos

seminários, que deviam ser regidos pelas autoridades eclesiásticas; reclamando contra o fato

das escolas secundárias prepararem os moços apenas para “o exclusivismo médico e

jurídico”, com prejuízo das ciências naturais e matemáticas, do comércio e da indústria;

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pedia maior equidade nos vencimentos dos professores, cujas variações eram absurdas,

maior fiscalização da freqüência e mais rigor no exame dos compêndios adotados.

Estranhava que a família, a escola e a igreja fossem estranhas umas às outras, não

cooperassem na educação; levantando-se contra o abandono dos índios e dos escravos;

insistindo, a propósito deste últimos em dois pontos do relatório: quanto ao perigo de

corrupção que, assim, representavam para a mocidade, chegando mesmo a propor que não

fossem aproveitados nos serviços dos internatos. Dias concluía seu relatório recomendando a

educação moral enquanto uma necessidade e um dever religioso e social, inclusive para

escravos, para que misturados à população livre, evitasse sua ação desmoralizadora.

(PEREIRA, 1943:170) Apontava para a centralização da instrução pública, para a garantia de

igualdade na remuneração dos professores e “uniformidades na instrução primária, que é

uma das faces da nacionalidade”, a padronização do método e compêndios que seriam

distribuídos pelo comércio para dar lucro e recomendava o estabelecimento das escolas

industriais coroadas por uma Politécnica, a promoção dos estudos secundários com o grau

de Bacharel, a fim de se constituir todo um vasto sistema de instrução pública. (PEREIRA,

1943:171).

Luís Pedreira do Couto Ferraz, ministro de passado liberal do Gabinete da

Conciliação (1853), encarregou Gonçalves Dias da visitação às escolas européias, com o

objetivo de compor um relatório que servisse como base para a Reforma educacional de

1856. Esta Reforma, bastante pouco estudada pela historiografia do Império, ambicionava

reverter o quadro de atraso cultural, em que o ensino fundamental e médio estavam

entregues às províncias, segundo o Ato Adicional de 1834, que não tinham condições de

ampliar, equipar e prover corretamente o ensino e as instituições, predominando o antigo

sistema de aulas régias e os cursos preparatórios para o exame de admissão dos cursos

superiores. Mesmo as instituições de nível superior, sob a tutela do poder central, careciam

de estatutos, regras internas e por vezes profissionalização do corpo docente. As ações

tomadas pela Secretaria foram de criar currículos mínimos, aumentar o salário dos

professores, exigindo sua qualificação através de concursos de admissão, mudar o método e

no funcionamento das instituições de ensino, uniformizar o ensino, estabelecendo a

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separação entre ensino elementar e secundário e o controle sobre as escolas particulares.

Especialmente após a reforma de 1854, a grade curricular do Colégio de Pedro II passa a ser

o modelo para a rede de ensino no Rio de Janeiro.

Gonçalves Dias passou quatro anos (1854-1858) na Europa, comissionado pela

Secretaria dos Negócios do Império e funcionário licenciado do Ministério dos Estrangeiros,

observando e fazendo apontamentos sobre a organização e os métodos da instrução pública

e do ensino secundário nos países mais adiantados do Velho Mundo, Portugal, Bélgica,

França, na Alemanha, também copiava para o IHGB arquivos e quando possível obtinha os

originais de documentos de interesse para a História do Brasil. Em Portugal interessou-se

principalmente pelos documentos do Arquivo do antigo Conselho Ultramarino relativos ao

Maranhão, examinava-os, selecionava-os, copiava-os para remetê-los ao Instituto.(PEREIRA,

1943:190) O governo se mostrava razoavelmente atento ao desempenho destas comissões,

cobrando os relatórios produzidos e enviados, muitos dos quais acabaram sendo extraviados

na burocracia ministerial. (PEREIRA, 1943:208)

Sua dificuldade em copiar os documentos eram muito maiores do que da visitação

das escolas. Reivindicava copistas, o trabalho era vagaroso, não havia um catálogo de

documentos que o guiasse; eventualmente verificava que manuscritos copiados haviam sido

previamente copiados ou impressos. A despeito das dificuldades, remeteu 50 volumes

manuscritos para o Ministério que depois foram perdidos ou não classificados. Constavam

entre eles: documentos valiosos, sobretudo para a história dos jesuítas e vários trechos da

obra de Gregório de Matos. Seria destituído da tarefa em novembro de 1856 em detrimento

de João Francisco Lisboa que já expressava o interesse em realizar a tarefa e por conta disto

o escritor pediu exoneração ao ministério do Império.

Na mesma época que Gonçalves Dias se engajou nas reformas da instrução

pública Araújo Porto Alegre foi convidado pelo Imperador para conduzir a reestruturação que

renovaria o papel da Academia Imperial de Belas Artes dentro de um amplo contexto de

reformas das instituições educacionais, para servir como instituição promotora da arte e da

identidade brasileira com o propósito de encontrar “os melhores meios de fomentar o gosto

das artes no país de uma maneira permanente”(PORTO ALEGRE, 1931).

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Nomeado diretor da Academia, de onde havia sido afastado anos antes

podiscordar do diretor Moreaux, foi convencido a colaborar escrevendo suas idéias. Em seu

discurso de posse como diretor, afirmava que sua finalidade era “cuidar do ensino e

estabelecer-lhe uma base permanente e progressiva; substituir o método imitativo pelo

método racional, fazer criadores em vez de copistas”. (PORTO ALEGRE, 1931: 438).

Esta proposta transformada no que seria chamada de a Reforma Pedreira, em

alusão ao Ministro dos Negócios do Império, consistiria na inovação dos padrões de ensino e

de reconhecimento da profissão de artista consolidando a reforma iniciada em 1831 e

continuada em 1837 pela descentralização do ensino e inserção de novas cadeiras ao

currículo acadêmico. Alfredo Galvão relata como era a Academia, criada pelos membros da

Missão Francesa de 1816, antes da Reforma Pedreira:

Era convicção dos Mestres franceses da famosa Missão Artística de 1816 ser o ensino das artes plásticas necessariamente “centralizado e total”, isto é cada professor ensinando sua arte sem exigir estudos preliminares de desenho ou de qualquer outra matéria, no correr do curso artístico, com professores de formação heterogênea. O aprendizado deveria ser uniforme, facultando ao estudante adiantamento de acordo com o talento e não pelo tempo de freqüência às aulas. Para tanto, o estudo não seria dividido em séries ou anos, como se estabeleceu depois e permanece até hoje. Era o que se verificava nos “ateliers” particulares, como o de Rubens, por exemplo. Em 1820, porém, com espanto e indignação dos franceses foi imposta a cadeira de Desenho, entregue, desde logo, ao pintor lusitano Henrique José da Silva, que teve ainda o cargo de “Encarregado das aulas” ou seja, o de Diretor. Nessa mesma data previu-se também a “Aula do nu” presidida pelos professores de Desenho, Pintura e Escultura “um de cada vez” dizia a lei. Essa aula só funcionou muito mais tarde, por falta de modelos (GALVÃO, 1980 :208).

Visando adequar as finalidades até então pouco práticas da Academia de Belas

Artes às necessidades de uma cidade em transformação, voltando-a para a “educação

industrial”, (SQUEFF, 2000 :166) para formação de artífices e operários, a Reforma Pedreira

estabeleceu inúmeras cadeiras, para o desenvolvimento da seção de Arquitetura, do Curso

Industrial e das aulas noturnas, assim como foi incorporado à Academia, o Conservatório de

Música fundado em 1847(PORTO ALEGRE,1931). Porto Alegre lista em Apontamentos,

orgulhoso, as suas realizações: organização dos estudos, as aulas de matemáticos aplicadas

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e de desenho geométrico, teoria de sombras e perspectiva, as aulas industriais de desenho e

escultura“, a reunião do conservatório de Música, a Academia; a edificação da Pinacoteca; a

criação de uma biblioteca, os diplomas dos mestres de desenho e música, para evitar a

aluvião de charlatões que enganavam as famílias, a obrigação de se lecionar por um

programa de estudos, aprovado pelo Corpo Acadêmico, o melhoramento dos ordenados dos

professores e da sorte dos pensionistas, que passou de três a seis anos; e o mandar estes

para a escola de Paris, a primeira da Europa”(GALVÃO, 1980:438).

Esta reforma do ensino das Belas Artes era central para realização do objetivo de

efetuar o progresso artístico e cultural que definiriam a importância do Brasil enquanto

nação, medido pela capacidade de se produzir aqui obras originais, com estilo e temática

brasileiros. Fazia-se necessário qualificar artistas nacionais para pensar e pintar sua pátria

com as suas próprias cores, pois “a natureza brasileira pedia intérpretes”. Além disto, a

consolidação desta reforma retira dos artistas e mestres individuais a incumbência da

formação de discípulos e profissionaliza o ensino, restringindo-o a um campo acessível

apenas através de títulos, diplomas, bolsas de viagem, ou seja, da obtenção de capital

simbólico neste campo em formação.

Assim, enquanto a preocupação do governo residia em dar uma função prática e

utilitária à Academia, Porto Alegre tinha a preocupação pedagógica de adequar os conteúdos

e cursos ao aprendizado acadêmico, defendia o processo progressivo do ensino e o estudo

da botânica, objetivando a formação de artistas nacionais (FERNANDES, 1996:154).Sua

demissão decorreu de rivalidades internas entre os professores dentro da Academia,

especialmente daqueles pintores estrangeiros que esperavam continuar usufruindo de

privilégios, a despeito dos artistas nativos e também em razão da supervisão de um gabinete

conservador. Com a substituição do chefe do Ministério pelo Marquês de Olinda em 1857, o

apoio de Porto Alegre se esvaiu5. Ao sair Porto Alegre em seus Apontamentos, lista os

resultados que obteve com a Reforma da Academia: melhoramentos na sua disciplina

5 Opondo-se veementemente à indicação ministerial de Olinda de um professor analfabeto, um cenógrafo de nome Joaquim Lopes de Barros Cabral, para a cátedra de cenografia e pintura histórica, Porto Alegre foi pedir o apoio do monarca, que não o beneficiou. Diante de tal desautorização pediu demissão como diretor da Academia.

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interna, professores novos, capazes de bem ensinar suas especialidades, e de infundir no

coração da mocidade princípios salutares; fundo de biblioteca, modelos plásticos para o

estudo clássico da arquitetura, e o estudo do claro escuro e da forma, registro das atividades

e cursos.

A frustração de Araújo Porto Alegre com a saída do Ministério de Couto Ferraz,

associado com certa postura liberal, também se abateria sobre outros intelectuais do

Império. Gonçalves Dias seria incumbido de outra missão na Europa pelo Conselheiro Couto

Ferraz em 1856, em parceria com o Instituto Histórico. Nomeou-se uma comissão de

engenheiros e naturalistas, que explorariam algumas das províncias menos conhecidas do

Império com a obrigação de formarem também para o Museu Nacional uma coleção de

animais e minerais “de tudo quanto pudesse servir de prova do estado de civilização

industrial, usos e costumes dos nossos indígenas”. Dentre os membros da Comissão

Científica de Exploração estavam Gonçalves Dias, chefe da seção etnográfica, o Conselheiro

Freire Alemão, Capanema, Giácomo Raja Gabaglia e Manuel Ferreira Lagos, este diretor da

Seção de Zoologia do Museu Nacional. Gonçalves Dias juntamente com Raja Gabaglia teve

como primeiro encargo comprar as encomendas feitas por Capanema para a Comissão de

Exploração: instrumentos e livros escolhidos e adquiridos em diferentes países da Europa6

como cefalômetros, dinamômetros, aparelhos e material fotográfico, pólvora, fuzis,

mosquetões, remédios, bocais de vidro, papéis especiais para desenho, material

indispensável a uma expedição que se ia internar pelo sertão.

Couto Ferraz depositava muitas expectativas no trabalho da comissão, assim como

os próprios membros do Instituto Histórico. Em seu libreto “Instruções para a Comissão

Scientífica encarregada de explorar o interior de algumas províncias do Brazil menos

conhecidas”, escrito em abril de 1857 e publicada em 1858, Couto Ferraz revela os objetivos

da comissão referentes às seções de botânica, geologia e mineralogia, zoologia, astronomia

e geologia, etnografia e narrativa de viagem, objetivos da Expedição às províncias do Norte

do País: tinha uma missão científica de um lado e utilitária de outro. Para a seção botânica a

atribuição seria coletar espécimes e o máximo de informações sobre de árvores, plantas,

6 Também à Bélgica Alemanha , Inglaterra, Àustria, Suíça e Itália entre 1855 e 1857.

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flores e sementes que pudessem ser distribuídos para os museus nacionais, para proveito na

medicina, indústria e na construção, utilizados na tentativa de cultivo.A seção geológica e de

mineralogia deveria buscar minerais, cristais, rochas, jazidas de metais, analisando sua

procedência, ambiente e quantidade e capacidade de serem explorados, atentando inclusive

para as tradições das localidades sobre a existência de minas de ouro. Salienta o Ministro

que não se tratava apenas de catalogar e classificar exemplares, mas examinar sua utilidade,

observando materiais que pudessem ser aproveitados pela indústria nacional. Orientava a

Comissão científica a estudar os animais tanto do ponto de vista da história natural,

classificando-os, enquanto manancial de riqueza. Na seção de astronomia e geografia,

instrui aos participantes fazer observações astronômicas e operações topográficas.

Também no caso da seção etnográfica, as instruções do Instituto consistiam em

estudar os indígenas do Brasil em seus aspectos físico, moral e social, de modo a se ter

deles um conhecimento perfeito, antes que desaparecessem. Para isso, devia moldá-los

sempre que possível e retratá-los em diversas posições, empregando a heliografia e o

desenho; medir-lhes a estrutura, a força muscular e os ângulos faciais, procurando fixar os

caracteres peculiares da raça; verificar, pela comparação dos dados obtidos com os morais e

psicológicos; observar-lhes a atitude, a mímica, os hábitos, as crenças, o modo de enterrar

os mortos, a vida social, o grau de cultura, a disposição das casas e aldeias, a alimentação,

os métodos de agricultura e comércio; as nações, observando os idiomas ainda não

estudados. Deveria ainda colecionar múmias, crânio, armas ornatos utensílios domésticos e

de trabalho e instrumentos musicais.(PEREIRA, 1943:264)

Contudo, de todas as expectativas pouco se realizou. Desde o início, a Comissão

de Exploração sofreu pelo atraso no recebimento de verbas, a má vontade de parte de

elementos oficiais, a suspeita de extravio de dinheiro enviado.7 O enorme aparato com que

se organizava então no Rio para estudar os recursos das províncias do Norte o dispêndio de

verbas orçamentárias e a grande expectativa nela depositada, explicaria porque foi tão

ridicularizada com o nome de “Comissão das Borboletas” ou “Comissão Defloradora”.

7 A cartas com listas de material enviadas por Capanema chegavam abertas e suspeitava de gente da secretaria do Império ou dos Estrangeiros.

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Movidos de grande otimismo, os homens cultos do Império tinham um objetivo prático:

esperavam encontrar carvão e metais preciosos com aparelhamento científico; era o velho

sonho dos bandeirantes reatualizado8. O objetivo da seção etnográfica também era prático:

Gonçalves Dias tinha a missão diplomática de sondar os indígenas sobre as suas opiniões a

respeito dos brancos e as queixas que por ventura tivessem afim de que, removidos esses

obstáculos, se pudessem “chamar à indústria tantos braços perdidos”. (PEREIRA, 1943:264)

Este empreendimento se destinava a integrar os que estavam fora do Império, à margem da

civilização de acordo com os interesses dos dirigentes do Estado Imperial. Queria ver de

perto no Norte o cenário das lutas dos Timbiras e Gamelas. Mas um outro aspecto de sua

missão, quase não perceptível ao público leitor do Jornal do Comercio constava da busca de

documentos interessantes à história e geografia do Brasil, a ser feita nos arquivos e cartórios

tanto civis como eclesiásticos, devendo copiar os manuscritos em poder de particulares, caso

estes não os cedessem; bem como da procura de dados estatísticos e demais informações

referentes ao comércio interno e externo das províncias que visitasse, à área inculta e à

cultivada, às zonas de florestas virgens, ao adiantamento e atividades das diversas

povoações.(PEREIRA, 1943:265) Desta parte se ocupou o chefe da seção etnográfica

durante a excursão, em que examinava arquivos e reunia informações sobre cada lugarejo

em que parava, procurando saber como se formara, de que vivia,quais os recursos de que

dispunha.

Partindo apenas em 1859, após a saída do Marquês de Olinda do Ministério9, a

Comissão era presidida pelo Conselheiro Francisco Freire Alemão, botânico eminente, tendo

consumido gastos vultosos com material para a expedição, efetuados pelo Ministério do

Império. A este inconveniente se somaram ao mau estado das estradas de ferro, a seca e o

aguaceiro na província do Ceará que tornou difícil o desembarque dos instrumentos, a pouca

8 A idéia inicial foi de Manuel Ferreira Lagos, que lendo no Instituto Histórico uma exposição sobre os viajantes estrangeiros no Brasil, chamava a atenção para a ignorância em que vivia o país dos seus recursos naturais. O Imperador, se entusiasmou com a idéia lhe dando todo o apoio. A camada “culta” do império pensava que descobriria alguma mina através de um manuscrito de princípio do século do Padre Francisco Teles Meneses que aludia jazidas de ouro no Ceará, capaz de fazer voltar os tempos áureos de Vila Rica. 9 O retardamento da partida foi retardado porque o governo do Marques de Olinda não merecia a confiança dos membros da Comissão, esperaram mudar o Ministério. (Carta de 12 –11 –1857 Arq do IHGB)

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receptividade das autoridades locais aos doutores da Comissão, a dificuldade da alimentação

e hospedagem, a falta de auxiliares, a interdição do governo do Ceará em permitir o saque

da tesouraria das quantias necessárias às despesas das expedições, as doenças e

desavenças entre os membros da Comissão, e no final a escassez de verbas, cada vez mais

reduzidas, a medida que a credibilidade do empreendimento decrescia.

Nas páginas do Jornal do Comercio entre 1859 e 1860 Gonçalves Dias publicava

um diário da expedição, colocando os leitores a par das riquezas minerais e etnográficas que

esperavam vir a serem descobertas. Foi assim que o público leitor também se frustrou em

face aos desastres que se abateram sobre a Comissão (PEREIRA, 1943: 252-53), pelos

boatos e processos que se envolveram seus membros e pelos modestos resultados obtidos.

Para Gonçalves Dias um somatório de problemas o aborreceram e debilitaram

fisicamente10. Ademais, não encontrou no interior e na serra cearense quase nenhuma tribo

indígena intacta, exceto os chacós, próximos a localidade de Milagres. Encontrou sim,

majoritariamente caboclos, de difícil identificação quanto às origens. Mesmo assim Dias e

Capanema aproveitaram para examinar os terrenos e visitar as localidades, percorreram

parte da Paraíba e do Rio Grande do Norte e foram até a foz do Rio Jaguaribe, retornando à

Fortaleza pela estrada do Litoral.

Desunida, sem apoio do governo e sem poder exibir nenhuma descoberta de vulto

a Comissão não podia prosseguir os trabalhos e acabou desmantelada tendo que voltar à

Corte em julho de 1861. Enquanto os companheiros regressaram ao Rio, Gonçalves Dias não

modificou o itinerário que se tinha traçado: iria ao Pará e ao Amazonas, na linha de seus

estudos etnográficos continuando os trabalhos sem nenhum ônus aos cofres públicos. Do

Maranhão onde se encontrava foi em direção a Belém e subiria o Amazonas de navio com

destino Manaus. Encontrou muitas tribos no Amazonas, foi recebido com honras pelo

presidente da província que o nomeou visitador das escolas dos Solimões. Em seu caderno

de bolso e relatório apresentado ao Presidente da Província sabe-se de seu itinerário: Baena, 10 Entre elas divergências com Freire Alemão, falta de ajudantes e secretários, acusações de deputados e oficiais e do Presidente da província do Ceará e da Corte, como no caso do camelo morto e do ajudante da seção de Astronomia, que portava uma faca, arma proibida no Ceará. Enquanto estava no norte, a reforma na Secretaria dos Estrangeiros levou a redução do seu ordenado, obrigando-o a ficar subordinado a funcionários sem qualquer brilhantismo.

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Coari, Tefé, Fonte Boa, Tonantins, Olivença, São Paulo e Tabatingua, no Brasil, Loreto,

Cochequins , Pedas, Iquitos, Naut, S. Rissi, Parinari e Marina no Peru.

Observou a população indígena de índios mansos, maioria nômade que vivia da

pesca, e sendo assim, a freqüência das crianças a escola era irregular porque os indiozinhos

precisavam ajudar os pais na pesca. Constatou que as Escolas tinham mestres improvisados,

vigários locais sem material apropriado. Desde o Amazonas passando o Xingu, Tapajoz,

Trombetes, Madeira foi até a foz do Rio Negro fazendo anotações geográficas e pesquisas

geológicas. Acompanhado de outras autoridades desceu o Rio Madeira para inspecionar

escolas primárias e diretores e índios e verificar o estado sanitário da região. Interessava-se

pelo mal da devastação das florestas, as possibilidades agrícolas do Amazonas, a

navegabilidade do Madeira. Seguiu pelo Rio Negro até Santa Isabel onde passaram por

vários povoados indígenas anotando informações sobre os índios locais: Tocanos, Tarianas,

Juruparis, Xirianás. Seguiram até a Venezuela onde investigava as povoações locais e as

condições de “civilização” da gente indígena e mestiça.

Doente retornou à Manaus concretizando o produto mais importante da Comissão:

a pedido do Presidente do Amazonas é nomeado presidente da Comissão organizadora da

contribuição do Amazonas à Exposição Industrial que se realizaria no Rio. Em curto espaço

de tempo, junto com Coutinho e outros, teve que escolher, recolher, catalogar, acondicionar

todos os objetos destinados à exposição (PEREIRA, 1943: 303).

A trajetória de Araújo Porto Alegre e Gonçalves Dias permite que concluamos este

artigo afirmando que não são meramente poetas e artistas, mas que atuavam como

intelectuais orgânicos, organizando uma nova cultura, com característica nacional e elitista,

mirando-se nos modelos europeus. Eles participaram da formação dos campos artístico,

literário e científico na Corte Imperial, buscando aperfeiçoar o gosto e interesse pela arte,

ciências e pela história, promovendo e organizando as instituições culturais, as exposições,

os museus e a produção do conhecimento no Segundo Reinado, comprometendo-se assim,

com o projeto político hegemônico da Monarquia Constitucional e da classe senhorial em

meados do século XIX.

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