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ESTADO DO MARANHÃO MINISTÉRIO PÚBLICO 3ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE URBANISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL 1 Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Luís. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por seu representante legal infrafirmado, titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís, localizada no Ed. Sede das Promotorias de Justiça de São Luís, situado à Av. Carlos Cunha s/n, no uso das atribuições que lhe conferem o artigo 129, III, da Constituição da República e o artigo 25, IV, a) da lei federal n.º8.625/93, nos termos do que prevê o art.1º, I e VI, da lei n.º7.347/85, e lastreado nas provas que constam do anexo inquérito civil nº 075/2007 (com 252 páginas) vem perante Vossa Excelência propor a vertente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO em face de

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ESTADO DO MARANHÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO 3ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE URBANISMO

E PATRIMÔNIO CULTURAL

1

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Luís.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por seu

representante legal infrafirmado, titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao

Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural de São Luís, localizada no

Ed. Sede das Promotorias de Justiça de São Luís, situado à Av. Carlos Cunha

s/n, no uso das atribuições que lhe conferem o artigo 129, III, da Constituição da

República e o artigo 25, IV, a) da lei federal n.º8.625/93, nos termos do que

prevê o art.1º, I e VI, da lei n.º7.347/85, e lastreado nas provas que constam do

anexo inquérito civil nº 075/2007 (com 252 páginas) vem perante Vossa

Excelência propor a vertente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLARATÓRIA DE

NULIDADE DE ATO JURÍDICO em face de

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O ESTADO DO MARANHÃO, pessoa jurídica de

direito público, representada por seu Procurador Geral

do Estado, Dr. José Cláudio Pavão Santana, ex vi do

art.103 da Constituição do Estado do Maranhão e do

art.215 do Código de Processo Civil, a ser citado no

edifício Nagib Haickel, sede da Procuradoria Geral do

Estado, situado a Av. Euclides Figueiredo S/N;

DIFERENCIALENERGIA EMPREENDIMENTOS

E PARTICIPAÇÕES LTDA, pessoa jurídica de

direito privado, CNPJ nº 08.219.477/0001-74,

domiciliada na rua do Rocio, nº291, 10º andar, sala 30,

São Paulo – SP, a ser citada nas pessoas de seus

representantes legais Srs. Marco Aurélio Moura Vieira

e Eduardo Lanari Prado, e;

ENFASE CONSULTORIA EM MEIO AMBIENTE

LTDA, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ

nº12.547.832/0001-01, domiciliada na rua dos

Angicos, quadra.J, nº 4-A, São Francisco, São Luís, a

ser citada na pessoa de seu representante legal, o Sr.

José Pereira de Alencar;

pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

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01 - DOS FATOS

Consoante nos informam as provas obtidas através do

inquérito civil nº075/2007, no mais completo descumprimento da legislação

ambiental brasileira, o Estado do Maranhão emitiu licença ambiental prévia

em favor da empresa Diferencial Energia, Empreendimentos (doravante

nominada de Diferencial) por intermédio da empresa Ênfase Consultoria em

Meio Ambiente Ltda (doravante denominada de Ênfase), para a implantação de

uma usina termelétrica de 350MW no Município de São Luís.

Os fatos chegaram ao nosso conhecimento quando foi

noticiado que a empresa Energias do Brasil S/A, (litisconsorte passivo

necessário) teria adquirido os direitos de explorar uma usina termelétrica de

350MW em São Luís.

Tal fato nos causou espécie em virtude de não ter

ocorrido a necessária publicação do recebimento de EIA/RIMA (instrumento de

avaliação usado nesse tipo de empreendimento1) e da expressa proibição desse

tipo de empreendimento em São Luís, pela lei municipal nº.3.253/92.

Em virtude disso, em 19/04/2007 solicitamos ao

Secretário de Estado do Meio Ambiente que encaminhasse cópia da Licença

Prévia expedida para a empresa Diferencial Energia Empreendimentos e

Participações Ltda. referente a uma usina termelétrica no Distrito Industrial de

São Luís.

1 Art.2º§1º da Resolução CONAMA nº009/87.

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Em 09/05/2007, através do ofício nº 256/GS/SEMA

nos foi encaminhada uma cópia da Licença Prévia nº 043/2007 a qual aprova a

“implantação de usina termelétrica”.

Em 11/05/2007 encaminhamos a requisição nº

029/2007 com o fim de obter os originais do processo administrativo nº

0291/2007-SEMA, e analisar como tal licença prévia fora expedida.

Analisando os autos do processo administrativo nº

0291/2007 encontramos diversas violações da legislação ambiental, todas com

efeito de tornar nulo o procedimento e seu ato final, a Licença Prévia nº

043/2007.

Essa licença foi requerida em 29/01/2007, por

intermédio do Sr. José Pereira Alencar, em nome da Ênfase, representando a

Diferencial. Para tanto, foi apresentada uma procuração particular outorgada por

suposto sócio da empresa Diferencial, em 22/01/2007. Contudo, não consta dos

autos o contrato social da empresa a assegurar que o outorgante realmente

tivesse poderes para conferir aquele mandato.

Além da procuração, foram apresentados: um mapa da

Secretaria de Estado da Indústria e Comércio, indicando a área solicitada pela

Diferencial; um memorial descritivo de uma “central termelétrica de itaqui”,

com capacidade geradora de 350MW, elaborado supostamente por BC projetos

(firma sobre a qual não há nenhuma informação nos autos que indique seus

responsáveis, e nem se existe realmente); uma declaração do Secretário Adjunto

de Indústria e Comércio de que foram reservados 50ha para a empresa

Diferencial; um Relatório Ambiental Simplificado – RAS, para a termelétrica

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de 350MW, que não contém assinatura de ninguém, não possui conclusão e

sequer indica como foram feitas as supostas avaliações dos impactos ambientais;

uma declaração da consultora Giseli Zamberlan Alcântara (funcionária da

empresa Ênfase) na qual se apresenta como responsável pelo RAS e do Sr. Luis

Oscar Melo, que reconheceu como sua a assinatura do “responsável pelo

empreendimento”; e um protocolo de certidão de uso e ocupação do solo

formulado para a SEMTHURB.

Observação importante é a de que o “memorial

descritivo” seria da Central Termoelétrica de Itaqui”, e o RAS seria da “Usina

Termoelétrica Termomar”. Ou seja, os documentos se referem a

empreendimentos que têm nomes diferentes.

Com base nesses documentos, foram emitidos os

respectivos pareceres técnico e jurídico, ambos opinando pela viabilidade do

empreendimento, condicionando a expedição da Licença de Instalação à

apresentação de EIA/RIMA e da certidão de uso e ocupação do solo.

Os dois pareceres contrariam expressos dispositivos

legais e, também em franca contradição, enquadram o empreendimento como de

baixo impacto ambiental, mas exigem EIA/RIMA após licença prévia;

dispensam documentos indispensáveis, cuja apresentação deslocam para outra

fase e, no final, confessam desvio de finalidade, ao admitir que dispensaram

documentos e procedimentos legais “tendo em vista o prazo previsto para a

habilitação dos empreendimentos junto a ANEEL”.

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Ao final, foi concedida a Licença Prévia nº.043/2007,

que ora se impugna, a qual viola diretamente os arts.37, caput, 182,§2º e

225,caput e §1º, IV da Constituição da República, os arts.1º e 2º,VI, a) e g)

da Lei Federal nº.10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o art. 10,§1º da

Resolução CONAMA nº.237/97, os arts.2º VII e XI, e 5º I da Resolução

CONAMA nº.001/86 e a Lei municipal nº.3.253/92, a qual dispõe sobre o

zoneamento, uso e ocupação do solo no Município de São Luís.

Em virtude desses fatos graves, é que pleiteamos a

tutela jurisdicional do Estado para ver declarada a nulidade da licença ambiental

expedida e, via de conseqüência, obstar que se instale empreendimento vedado

por lei de uso e ocupação do solo e cujo procedimento de licenciamento

ambiental afronta o Estado de Direito.

02 - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS.

A preservação ambiental é feita primordialmente para

assegurar ao ser humano uma vida condigna, saudável e sobretudo segura, esteja

o cidadão onde ele estiver. O meio ambiente é juridicamente relevante até nos

ambientes mais antropizados e poluídos. Principalmente nesses locais é que se

deve ser ainda mais cauteloso com a vida e a qualidade de vida das presentes e

futuras gerações.

No moderno perfil constitucional do Ministério Público

lhe são conferidas, dentre outras, a atribuição de promover a ação civil pública,

para a proteção de interesses difusos.

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Como já se pode observar na exposição dos fatos e

fundamentos a demanda visa proteger exatamente esses interesses.

Os interesses atinentes à defesa do meio ambiente

pertencem a essa categoria, são difusos por excelência. Realmente seu objeto é

indivisível e os respectivos titulares, ligados por circunstâncias de fato, são

indetermináveis.

Destinando-se a propiciar melhor qualidade de vida à

população, é intuitivo que importa potencialmente a todos, o fiel cumprimento à

legislação de proteção ao meio ambiente desde as regras de coerção até

principalmente as regras de prevenção de danos ambientais, não raro

irremediáveis.

Bem por isso, a obediência ou a ofensa a essas normas

necessariamente projeta seus efeitos por toda a sociedade, alcançando,

indiscriminadamente, quem more na cidade ou nela eventualmente transite,

inclusive as presentes e futuras gerações. Como está em causa a defesa de

condições adequadas para a vida coletiva, instaura-se entre os possíveis

interessados tão firme união que a satisfação de um só implica de modo

necessário a satisfação de todos; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui

ipso facto, lesão da inteira coletividade.

Resta caracterizada a lesão a interesses difusos pela

aprovação da localização de empreendimento vedado pela lei de uso e ocupação

do solo e pela ilegal concessão de licença ambiental, com a postergação de

EIA/RIMA, em flagrante inobservância do art.182§2º e do art.225,§1º, IV da

Constituição da República, como passamos a detalhar.

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02.01 – Violação ao art.37,caput da Constituição da

República. Princípios da legalidade e da moralidade. Desvio de finalidade.

Para conceder a Licença Ambiental ora impugnada, os

réus concorreram para a prática de atos fraudulentos, nos quais foi invocada a

aplicação da Resolução CONAMA nº.279/2001, como forma de acelerar a

concessão da licença. Sob o color de estarem simplificando um procedimento,

houve a prática de fraude e desvio de finalidade.

Instituída em 2001, como medida de emergência para

amenizar a crise energética que atingiu o país naquele ano, a Resolução

CONAMA nº.279/2001 estabelece um procedimento simplificado para o

licenciamento ambiental de empreendimentos elétricos considerados de

“pequeno potencial de impacto ambiental”.

Objetiva a resolução que as licenças sejam concedidas

no prazo de 60 (sessenta) dias, através da dispensa dos procedimentos

ordinários, em especial a apresentação do EIA/RIMA. Trata-se de procedimento

alternativo e, por isso mesmo, simplificado.

Em resumo, feita a opção pelo procedimento

simplificado, excluem-se os procedimentos normais da Resolução nº.001/86. O

pressuposto é que, tratando-se de empreendimento de pequeno potencial de

impacto ambiental, está excluída a apresentação de EIA/RIMA, que será

substituído pelo Relatório Ambiental Simplificado.

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Ocorre que a Resolução nº.279/2001 deixa expressa

sua condição de excepcionalidade, tanto quando faz referência aos

procedimentos ordinários das Resoluções nº.237/97 e 001/86, quanto no

momento em que prevê, no seu art.4º, um motivado enquadramento do

empreendimento no procedimento simplificado.

Ocorre, também, que esse enquadramento não pode

desconsiderar o expresso reconhecimento pelo art.2º, VII e XI da Resolução

CONAMA nº001/86, de que os empreendimentos elétricos de significativo

impacto ambiental são todos os que estiverem acima de 10MW.

Logo, até 10MW o empreendimento elétrico será

considerado de pequeno impacto ambiental. Acima de 10MW a presunção legal

é de que se trata de empreendimento de significativo impacto ambiental, logo,

sujeito à apresentação de EIA/RIMA. Como o rol de atividades descritas no

art.2º da Resolução CONAMA nº001/86 é exemplificativo, até se poderia

cogitar da dispensa de EIA/RIMA para uma termelétrica de 15 ou 18 MW, bem

como do não-enquadramento em procedimento simplificado de uma usina de

9MW que estivesse em ambiente extremamente frágil.

Contudo, a termelétrica licenciada pelo primeiro

representado é destinada à produção de nada menos do que 350MW de energia

elétrica, jamais podendo ser enquadrada como de pequeno potencial de impacto

ambiental. Basta um simples cálculo aritmético para perceber que 10% da

capacidade de produção da usina termelétrica, ou seja, 35MW equivale a mais

de 03 (três) vezes o limite do que se considera pequeno impacto ambiental.

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Portanto, o empreendimento nunca poderia ter sido

licenciado como de pequeno potencial de impacto ambiental, simplesmente por

que ele não é assim classificado pela legislação ambiental brasileira.

Esse é o primeiro fator de ilegalidade da Licença

Prévia nº.043/2007. O empreendimento não se enquadra na Resolução

nº.279/2001, tal como os réus fizeram parecer.

Essa expressa opção por procedimento inadequado,

porquanto desprovida de qualquer fundamento de fato, consubstancia violação

aos princípios da legalidade (art.37,caput da Constituição da República) e ao

princípio da natureza pública da função ambiental (art.225,caput da

Constituição da República), os quais vedam ao administrador, a conduta de

transigir com o interesse público. Nesse sentido, Edis Milaré:

“De igual sentir, a natureza pública que qualifica o

interesse na tutela do ambiente, bem de uso comum do

povo, torna-o também indisponível. Não é dado, assim,

ao Poder Público – menos ainda aos particulares –

transigir em matéria ambiental, apelando para uma

disponibilidade impossível”.(MILARÈ, Edis. Direito

do ambiente. 3ª ed. RT. p.139.)

Assim se evidencia que a decisão de optar pelo

licenciamento simplificado foi absolutamente ilegal, pois o empreendimento

jamais pode ser considerado como de pequeno impacto ambiental. A evidência

de desvio de finalidade decorre de que o licenciamento visou resguardar o

interesse da empresa e não o da sociedade, da Administração Ambiental.

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A segunda evidência clara da violação ao art.37, caput

da Constituição da República e da prática de desvio de finalidade é encontrada

no uso fraudulento de procedimento simplificado da Resolução nº.279/2001,

pois nem mesmo ele foi obedecido.

Analisando os autos, vê-se que dos documentos

exigidos pela Resolução nº.279/2001 para a instrução do pedido de

enquadramento previsto no seu art.4º, estão ausentes:

1. Registro na Agência Nacional de Energia Elétrica

(ANEEL);2

2. Certidão de uso e ocupação do solo expedida pelo

Município de São Luís3;

3. Declaração de enquadramento do empreendimento à

Resolução nº279/2001;

4. Outorga de direito dos recursos hídricos.

Sobre os dois primeiros itens, o parecer jurídico

simplesmente os dispensa sob a alegação de que o registro na ANEEL só seria

obtido depois do leilão, datado para ocorrer em maio, e que não haveria

necessidade da certidão de conformidade com a lei municipal de uso e ocupação

do solo porque isso seria “simplificação” do procedimento.

Essa dispensa indevida torna clara a intenção em

patrocinar indevidamente o interesse privado, em prejuízo do interesse público,

pois em nenhum dos dois casos o argumento tem sustentação.

2 Vide Resolução ANEEL nº112/1999. 3 Vide Edis Milaré. Direito do Ambiente.RT.3ª edição.p.530.

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De acordo com a Resolução nº.112/99 da Agência

Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o registro antecede os estudos de

viabilidade e a própria autorização. Previsto no art.3º dessa Resolução, o

registro é o pressuposto de que a empresa pretende explorar a atividade de

produção de energia elétrica para comercialização (art.2º). Portanto, e óbvio que

não poderia ser dispensado o registro.

O segundo argumento, de dispensa da certidão de

conformidade com a lei de uso e ocupação do solo, é ainda mais insólito, pois se

a atividade não estiver de acordo com a lei de uso e ocupação do solo nunca

existirão alvará de construção nem habite-se. Lembre-se que a própria

Constituição da República prevê em seu art.182, §2º a vinculação do

cumprimento da função social da propriedade ao plano diretor. Outra vez,

constata-se a violação simultânea de princípios da Administração Pública e de

proteção ao meio ambiente.

Quanto ao terceiro item, basta ver que a declaração que

se lê nos autos em nada corresponde à declaração prevista na Resolução

nº279/2001, observando-se, portanto, que a declaração firmada por técnico e

pelo suposto responsável pelo empreendimento é falsa.

A enganosa declaração contempla que o processo

segue “atendendo as necessidades apontadas em seu art.2º item I, subsidiando

o processo com o documento RAS”.Ou seja, os subscritores não declaram que o

empreendimento se enquadra na Resolução nº279/2001, como exige o art.3º§1º

da mesma resolução. Então, para fraudar o procedimento, apresentaram uma

declaração enganosa e, por isso mesmo, falsa, capaz de induzir a erro quem fizer

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uma perfunctória leitura dos autos, pois o art.2º,I da Resolução CONAMA

nº279/2001 apenas conceitua o RAS, não descrevendo o procedimento legal do

licenciamento simplificado.

Os pareceres técnico e jurídico simplesmente não

observaram que ninguém estava querendo declarar que uma termelétrica de

350MW seria de pequeno potencial de impacto ambiental, e assim, deixaram

constar uma declaração enganosa, falsa, apenas para ludibriar uma análise rápida

dos autos.

Não atentaram que se trata de declaração diversa da

que deveria constar e que altera a verdade sobre fato jurídico relevante (o

enquadramento na Resolução nº279/2001).

O quarto item, a outorga de recursos hídricos, também

não consta do procedimento de licenciamento ambiental, caracterizando mais

uma prova de que se trata de licença ilegal, uma vez que o art.3º§2º da

Resolução nº279/2001 o elenca como documento obrigatório. Termelétricas

também usam água em seu processo de produção de energia, como inclusive é

afirmado no Relatório Ambiental Simplificado.

Mas nisso não se encerram as violações à própria

Resolução nº279/2001. É que a adoção do procedimento simplificado exige um

parecer técnico próprio que faça esse enquadramento, como prevê o art.4º da

resolução. Ora, o parecer técnico não enquadra o empreendimento na Resolução

nº.279/2001, e o remete para a apresentação de EIA/RIMA na forma da

Resolução nº.001/86.

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Ocorre que, de acordo com o art.4º, §1º da Resolução

nº279/2001, o empreendimento que não se enquadra nessa resolução fica sujeito

ao licenciamento ordinário, senão, veja-se:

“§1º Os empreendimentos que, após análise do órgão

ambiental competente não atenderem ao disposto no

caput ficarão sujeitos ao licenciamento não

simplificado, na forma da legislação vigente, o que

será comunicado, no prazo de até 10 (dez) dias úteis,

ao empreendedor”.

Portanto, naquela fase, ao não enquadrar o

empreendimento na Resolução nº.279/2001, o parecer deveria indicar o retorno

do processo à tramitação normal, na qual seria feito um termo de referência para

a apresentação de EIA/RIMA, seguindo-se os procedimentos normais das

Resoluções nº.237/97, 001/86, e 009/87. Nunca a concessão de licença prévia.

Esse parecer seria comunicado ao empreendedor em até

dez dias úteis. Como a Licença Prévia foi obtida mesmo com o procedimento

não se enquadrando na Resolução nº279/2001, não houve comunicação alguma.

Óbvio, pois já ocorrera o desvio de finalidade com evidente menosprezo ao

interesse público.

Essa utilização anômala de procedimentos excludentes,

e o descumprimento flagrante de ambos, com o intuito evidente de favorecer o

interesse privado constitui violação aos princípios da legalidade e moralidade

administrativa com evidente desvio de finalidade. Por isso, nula é a licença

ambiental.

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02.02 – Violação ao art.225,caput,§1º da

Constituição da República e aos arts.2º VII e XI, e 5º I da Resolução

CONAMA nº.001/86. EIA/RIMA a posteriori.

A Constituição Federal vigente alçou o Estudo Prévio

de Impacto Ambiental à categoria de instituto constitucional voltado à

prevenção de danos ambientais, ressaltando-lhe as características da publicidade

e de sua realização prévia ao licenciamento.

Ao regulamentá-lo, a Resolução CONAMA n°001/86

previu a realização de EIA/RIMA para vários tipos de empreendimentos, dentre

os quais, as termelétricas acima de 10MW. Nesse sentido, vale observar o

próprio texto da Resolução, verbis:

“Art.2° - Dependerá de elaboração de estudo de

impacto ambiental e respectivo relatório de impacto

ambiental – RIMA a serem submetidos à aprovação do

órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter

supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras

do meio ambiente, tais como:”

(...)

“XI – Usinas de geração de eletricidade, qualquer que

seja a fonte de energia primária, acima de 10MW;

Tanto a Constituição Federal quanto a Resolução

n°001/86 afirmam que a instalação e o próprio licenciamento “dependerão” da

apresentação de EIA/RIMA.

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Não obstante o caráter exemplificativo do rol de

atividades do art.2º da Resolução CONAMA nº.001/86, o caso concreto

demonstra que inexistia discricionariedade para dispensá-lo pura e

simplesmente. Nesse sentido, a doutrina reconhece a existência do princípio da

obrigatoriedade do EIA/RIMA:

“O princípio da obrigatoriedade reza que o EIA não se

encontra, essencialmente, no âmbito do poder

discricionário da Administração. Ou seja, a aprovação

do EIA é pressuposto indeclinável para o

licenciamento da atividade. A regra é a elaboração do

EIA; a exceção, sua dispensa. Por isso, esta última tem

que ser justificada com o relatório de ausência de

impacto ambiental significativo (RAIAS). De acordo

com esse princípio, a Administração deve, e não

simplesmente pode, elaborar o EIA para aquelas

atividades que causam danos substanciais ao meio

ambiente. A margem de flexibilidade da Administração

é mínima, prendendo-se somente a detalhes de

execução do EIA, como, por exemplo, indicando quais

as áreas do conhecimento científico que devam ser

utilizadas (multidisciplinariedade), o momento para

sua realização (respeitada a anterioridade do EIA),

etc. Presente o pressuposto da importância do

impacto, a atividade da Administração, na exigência

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do EIA, passa a ser vinculadamente, direcionada, não

lhe cabendo fazer, in casu, apreciação de conveniência

e oportunidade, pois carece de liberdade de

abstenção” (MILARÉ, Edis, et alii.Estudo Prévio de

Impacto Ambiental. p.109. RT. 1993).

Dessa maneira, é inequívoca a compulsoriedade de

apresentação de EIA/RIMA para a instalação de atividade potencialmente

poluidora, como pressuposto para a validade da expedição de licença ambiental.

Tal como ocorre neste caso concreto.

Nesse ponto, a decisão de postergação do EIA/RIMA

para a oportunidade da Licença de Instalação equivale à sua dispensa. Senão,

vejamos.

De acordo com o art.8º, I da Resolução CONAMA

nº237/97, a Licença Prévia é conceituada como “concedida na fase preliminar do

planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e

concepção, atestando a viabilidade ambiental(...)(grifei).

Por sua vez, ao estabelecer as etapas de realização do

EIA/RIMA, o art.5º, I da Resolução CONAMA nº001/86, determina como

primeira tarefa: “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização

de projeto, confrontando-as com a hipótese de não realização do projeto”.

Uma vez concedida a Licença Prévia, não haverá

coerência alguma em se rediscutir a localização e concepção do projeto, pois

estas já estarão aprovadas. Ou seja, o EIA/RIMA será peça inútil, e a posteriori.

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Mutatis mutandis, o EIA/RIMA a posteriori se

assemelha profundamente a outra fraude mais antiga, a do empenho a posteriori.

Da mesma maneira, que se pune o empenho a posteriori pois a despesa já foi

executada, se deve punir o EIA/RIMA a posteriori, pois a licença já foi

concedida.

Esse entendimento já foi exposto por Antonio Hermann

Benjamin e Edis Milaré, verbis:

“Já afirmamos, em outro local, que “o momento

para realização do EIA é, normalmente, anterior à

expedição da licença, mesmo que se trate de

licença-prévia.”(...) O EIA objetiva influir no

mérito da decisão administrativa de concessão da

licença. Se esta já foi expedida ou mesmo se a

decisão já está tomada, o EIA perde a sua ratio,

não tendo qualquer valor”(MILARÉ, Edis, et

alii.Estudo Prévio de Impacto Ambiental. p.78. RT.

1993.)

Assim, é indubitável que a concessão de Licença

Prévia antes da apresentação do EIA/RIMA viola por inteiro a Resolução

CONAMA nº001/86, em especial seu art.5º,I, e também o art.225§1º,IV da

Constituição da República, sendo causa de nulidade do ato jurídico, eis que este

não atendeu a forma preconizada em lei.

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02.03 – Violação ao art.182,§2º da Constituição da

República; à Lei Federal nº.10.257/2001 (Estatuto da Cidade), ao art. 10,§1º

da Resolução CONAMA nº.237/97, e à Lei municipal nº.3.253/92, a qual

dispõe sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo no Município de São

Luís.

Não consta dos autos, e o parecer jurídico a dispensou

para emissão da Licença Prévia, a necessária Certidão de Conformidade com a

Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo, considerada obrigatória para

qualquer tipo de licenciamento ambiental, nos termos do art.10,§1º da

Resolução CONAMA nº.237/97.

Ocorre que referida dispensa tem motivos. A Lei

Municipal nº.3.253/92 que disciplina o zoneamento, uso e ocupação do solo no

município de São Luís, não prevê a existência de usinas termelétricas neste

município, tornando expressamente proibidas todas as atividades que não

estejam relacionadas para cada zona como se vê do anexo texto legal. Portanto, é

juridicamente impossível expedir-se uma certidão para uma atividade que está

expressamente vedada.

Na leitura dos arts.107, 113 e 119 da Lei municipal

nº.3.253/92, que se referem às Zonas Industriais do Município de São Luís,

constata-se sempre a mesma redação:

“Os usos permitidos e proibidos nesta Zona estão

descritos na tabela anexa à presente Lei”

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A referida tabela, no que tange a todas as zonas do

Município, inclusive às Zonas Industriais, faz a seguinte distribuição:

ZONAS USOS PERMITIDOS USOS PROIBIDOS

ZI1 TODOS E1,I1, I2, I3

ZI2 E1,I1,I2,I3

ZI3 E1,I2,I3,I4

Todos os usos não relacionados

para a Zona

Portanto, e dentro do princípio da supremacia do

interesse público sobre o interesse privado, todos os usos que não estiverem

relacionados para uma determinada zona, estão expressamente vedados.

Ocorre que, no anexo III da referida lei municipal, a

Listagem de Categoria de Usos não relaciona a atividade de termelétricas em

nenhum dispositivo. Logo, é muito simples concluir da impossibilidade de que

esse tipo de atividade se instale no Município de São Luís, pois a legislação

municipal não a quer.

Despiciendo lembrar que, sendo as restrições de

zoneamento fixadas por lei, em sentido formal e material, não cabe ao

administrador transigir, ou exemplificar sobre o que pode ou não, ser objeto de

conformidade com a lei de uso e ocupação do solo, que nada mais é do que o

detalhamento das diretrizes fixadas no Plano Diretor.

A presunção legal é de que tais restrições atendem ao

interesse público, pois a política urbana tem diretrizes e princípios que

englobam, dentre outros aspectos, a proteção do ambiente. Logo, se uma

atividade não consta da lei de zoneamento, longe de estigmatizá-la, o legislador

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apenas manifesta uma vontade coletiva sobre a função social da propriedade e

da cidade.

Por seu turno essas restrições não são mais do que a

materialização de princípios, resguardados pelo próprio Estatuto da Cidade (lei

federal n° 10.257/2001), que no seu art.2°, VI, b), e g) dispõe da seguinte forma:

Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

g) a poluição e a degradação ambiental;

Portanto, o desrespeito às normas sobre o zoneamento

urbanístico compromete profundamente essa diretriz geral e, via de

conseqüência, malfere o Estatuto da Cidade.

Trata-se de legítima vedação, com sede constitucional,

especificamente no art.182§2º da Constituição da República, denominada de

princípio da reserva de Plano Diretor. Ao descumprimento desse princípio, a

conseqüência é a nulidade do ato, como, nesse sentido, assevera Victor Carvalho

Pinto, verbis:

“A sanção pelo descumprimento do princípio da reserva de

plano é a nulidade do ato ou lei que tenha veiculado a

medida. Com isto, garante-se que nenhuma obra ou

limitação ao direito de propriedade possa ser realizada sem

um planejamento urbanístico prévio, cujo produto final é o

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plano diretor”.(PINTO, Victor Carvalho. Direito

Urbanístico. RT. 2004,p.221).

É exatamente para respeitar esse princípio

constitucional, que a Resolução CONAMA n°237/97 exige que do processo de

licenciamento ambiental conste uma certidão de conformidade com a lei de uso

e ocupação do solo, nos termos do art.10, parágrafo único, verbis:

Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:

§ 1º - No procedimento de licenciamento ambiental

deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da

Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de

empreendimento ou atividade estão em conformidade

com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e,

quando for o caso, a autorização para supressão de

vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas

pelos órgãos competentes.

Portanto, é mais que evidente a ilegalidade da dispensa

de apresentação da certidão, operada pelos responsáveis pela emissão da

Licença Prévia, que, impossível de ser sanada, conduz necessariamente à sua

plena nulidade.

À evidência, esse conjunto de ilegalidades ocorridas no

curso do procedimento de licenciamento ambiental, sem prejuízo das demais

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responsabilidades, acarreta a nulidade da licença prévia, que ora se pleiteia nesta

exordial. Estes os fatos e os fundamentos jurídicos desta demanda.

III - Do pedido e suas especificações.

Ante o exposto, propõe-se a vertente ação civil pública

declaratória de nulidade de ato jurídico em face do Estado do Maranhão e

demais litisconsortes indicados nesta inicial, a qual requer o Ministério Público

seja julgada procedente para declarar a nulidade do procedimento

administrativo nº 0.291/2007-SEMA, e da Licença Prévia nº.043/2007.

Nesta oportunidade requer-se também:

1) A citação dos suplicados nas pessoas de seus

representantes legais já indicados, a teor do art.215

do CPC, para responderem aos termos desta ação

sob as cominações legais e acompanhá-la até o

final;

2) A citação da pessoa jurídica de EDP. Energias do

Brasil S.A.. domiciliada à rua Bandeira Paulista,

530 – 12º andar. CEP. 04.532-001. São Paulo – SP,

para integrar a lide na condição de litisconsorte

passivo necessário.

3) A produção de toda e qualquer modalidade de prova

lícita e necessária, em especial perícias, vistorias,

inspeções judiciais, juntada de documentos,

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depoimento pessoal dos representantes das

suplicadas.

Embora inestimável, dá-se à causa o valor de

R$5.000,00 (cinco mil reais) por simples arbitramento.

Requer-se a adoção do rito comum ordinário do art.272

do Código de Processo Civil.

Este feito é isento de custas e emolumentos a teor do

art.18 da Lei n. º7.347/85.

Termos em que espera deferimento.

São Luís, 02 de julho de 2007,

Luís Fernando Cabral Barreto Júnior,

Promotor de Justiça.