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Estado de Goiás MINISTÉRIO PÚBLICO 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS-GO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça que o representa e ao final subscreve, vem respeitosamente perante Vossa Excelência para, com fundamento nos artigos 23, inciso VI, 129, inciso III e 225 da Constituição Federal e na Lei Federal n. 7.347/1985, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE PÚBLICA, com pedido de concessão de MEDIDA LIMINAR, em desfavor de: USINA SANTA HELENA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL S.A, pessoa jurídica de direito privado constituída na forma de sociedade anônima, com sede na Fazenda Campo Alegre, zona rural, fone (64) 3614-9100, município de Santa Helena de Goiás, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 02.673.754/0003-08, representada pelo seu diretor presidente; VALE DO VERDÃO S/A – AÇÚCAR E ÁLCOOL, pessoa jurídica de direito privado constituída na forma de sociedade anônima, com sede na Fazenda Baessa, zona rural, fone (64) 3647-1215, no município de Turvelândia-GO, inscrita no CNPJ/MF sob n. 02.859.452/0002-30, representada pelo seu diretor presidente; Dos Fatos As requeridas estão instaladas e em funcionamento nos limites da comarca de Santa Helena de Goiás há muitos anos e se destinam à produção de açúcar e álcool, utilizando como matéria prima a cana-de-açúcar. 1

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Estado de GoiásMINISTÉRIO PÚBLICO

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS-GO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça que o representa e ao final subscreve, vem respeitosamente perante Vossa Excelência para, com fundamento nos artigos 23, inciso VI, 129, inciso III e 225 da Constituição Federal e na Lei Federal n. 7.347/1985, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE PÚBLICA, com pedido de concessão de MEDIDA LIMINAR, em desfavor de:

USINA SANTA HELENA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL S.A, pessoa jurídica de direito privado constituída na forma de sociedade anônima, com sede na Fazenda Campo Alegre, zona rural, fone (64) 3614-9100, município de Santa Helena de Goiás, inscrita no CNPJ/MF sob o n. 02.673.754/0003-08, representada pelo seu diretor presidente;

VALE DO VERDÃO S/A – AÇÚCAR E ÁLCOOL, pessoa jurídica de direito privado constituída na forma de sociedade anônima, com sede na Fazenda Baessa, zona rural, fone (64) 3647-1215, no município de Turvelândia-GO, inscrita no CNPJ/MF sob n. 02.859.452/0002-30, representada pelo seu diretor presidente;

Dos FatosAs requeridas estão instaladas e em funcionamento nos

limites da comarca de Santa Helena de Goiás há muitos anos e se destinam à produção de açúcar e álcool, utilizando como matéria prima a cana-de-açúcar.

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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS

A Usina Santa Helena de Açúcar e Álcool localiza-se no Município de Santa Helena de Goiás e a Usina Vale do Verdão em Turvelândia, mas os reflexos nocivos de sua atividade industrial são todos suportados pelas populações de Maurilândia, distrito Judiciário de Santa Helena de Goiás, bem como pelo próprio município sede da Comarca.

Os imóveis onde é desenvolvido o cultivo da cana-de-açúcar utilizada como matéria prima pelas requeridas ocupam praticamente toda a área rural da comarca, e parte do perímetro urbano.

Sem adentrar nas implicações sociais negativas que a monocultura da cana-de-açúcar trás, o avanço das lavouras, evidentemente todas submetidas a queimadas, vem impingindo aos cidadãos de Santa Helena de Goiás e Maurilândia péssima qualidade de vida, em virtude da poluição causada pela arcaica prática agrícola aqui empregada sem qualquer critério.

Além disso, vem causando sérios prejuízos ao meio ambiente, como se verá em breve.

As requeridas não são nem um pouco receptivas à idéia de firmar Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, tentando sempre, para justificar a recusa, valerem-se do argumento de que ao abolir a queimada da cana-de-açúcar, haverá alto índice de desemprego, pois o corte manual só é possível se for utilizado tal método para desfolhar a cana.

Na verdade, a situação objeto da presente ação civil pública chega às raias da imoralidade. As requeridas, frequentemente têm utilizado o fogo nos canaviais, mesmo para aqueles submetidos à colheita mecanizada.

Na primeira fotografia abaixo, tirada há aproximadamente um ano, podemos observar a Usina Santa Helena realizando corte mecanizado da cana-de-açúcar em um canavial localizado no município de Santa Helena de Goiás, previamente submetido a queimada. Já na segunda fotografia, são os maquinários da Usina Vale do Verdão que realizam o corte mecanizado em uma área previamente submetida a queimada.

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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SANTA HELENA DE GOIÁS

Essa mesma queimada, diga-se de passagem, causou um estrago de enormes proporções. O fogo alastrou-se e acabou queimando uma

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área reflorestada, estragando, inclusive uma nascente, o que, evidentemente, motivou a instauração de procedimento administrativo na Promotoria, bem como a requisição de lavratura de TCO por crime ambiental.

A despeito disso, a segunda requerida ainda teve a coragem de alegar, nos autos do procedimento administrativo, que não foi ela quem colocou fogo no canavial...

A cópia do procedimento administrativo acompanha esta inicial, para que Vossa Excelência confirme nossas alegações.

Vejamos a área do reflorestamento, feito com tanto empenho por iniciativa da população, reduzido a cinzas...

É de chorar...

Observemos, ainda, em outra fotografia, uma nascente, na mesma área, totalmente desprovida da vegetação, que foi

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suprimida pelo fogo.

Diante de tanto desrespeito com o Meio Ambiente e também com a população de Santa Helena de Goiás e Maurilândia, e não havendo qualquer possibilidade de ser firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, outra alternativa não restou, senão o ajuizamento da ação civil pública.

É preciso dar um basta nas queimadas, sob pena de sermos engolidos pela fumaça. A cada dia, com o avanço da indústria sucroalcooleira, mais e mais fazendas são transformadas em canaviais. As usinas demitem cortadores de cana e compram máquinas para o corte mecanizado, mas não abrem mão de queimar a cana para facilitar o corte, produzir mais e lucrar mais...

Expostos os fatos, abordemos os aspectos negativos das queimadas, à natureza e à saúde humana.

Da legitimidade do Ministério Público

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A despeito da Usina Vale do Verdão ser sediada em Turvelândia, comarca de Acreúna, a Promotora de Justiça Subscritora possui legitimidade para ajuizar a presente ação. Vejamos o que dispõe a Lei nº 7.347/85:

“Art.1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente;” “Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.” (grifos nossos)

Atualmente é até cansativo mencionar a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações civis públicas, principalmente quando se trata da tutela do meio ambiente.

Entretanto, não custa comentar o teor do art. 2º, lembrando que a redação do dispositivo é clara.

Considerando que os prejuízos estão sendo suportados pelas populações de Santa Helena e Maurilândia, desnecessárias outras considerações.

Apenas para argumentar, as regras de competência quando se trata de ações civis públicas ou ações coletivas são especiais, diferindo do processo civil tradicional.

No presente caso, o local do dano define de forma absoluta a competência em razão do dano, já que funcional. O espírito da Lei é realmente que o julgamento possa ser feito pelo magistrado que “maior contato tenha tido ou possa vir a ter com o dano efetivo ou potencial aos interesses transindividuais. A opção em favor do local do dano constitui exceção ao princípio geral da propositura da ação no foro do domicílio do réu (CPC, art. 94), ou do local do ato ou fato (CPC, art. 100, V)”. Esses são os ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli em “A defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, 19ª Edição, Editora Saraiva, pg.238.

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Da poluição atmosférica A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (nº 6.938/81), no art. 3º, inc. III conceitua poluição como “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.”. A Resolução nº 03/90 do CONAMA dispõe, no parágrafo único do art. 1º, que: “entende-se como poluente atmosférico qualquer forma de matéria ou energia com intensidade ou em quantidade, concentração, tempo ou características em desacordo com os níveis estabelecidos, e que possa tornar o ar: I – impróprio, nocivo ou ofensivo à saúde; II – inconveniente ao bem-estar público; III - danoso aos materiais, à fauna e flora; IV - prejudicial à segurança ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade.”. A mesma Resolução fixa os padrões de qualidade do ar, definindo, inclusive, a quantidade em microgramas, de concentração de poluentes.

A quantidade de microgramas limite prevista na Resolução do CONAMA é de 50.

Segundo dados obtidos no site www.sppt.org.br, na cidade de Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo, onde também a cultura da cana-de-açúcar é a principal atividade econômica, a média anual calculada de microgramas de poluentes concentrados na atmosfera era de 56.

Ainda, nos seis meses que correspondem à safra de cana-de-açúcar, a taxa sobe para 88 microgramas, e na entressafra, cai para 29.

Esse exemplo se presta a ilustrar que as queimadas interferem muito na qualidade do ar das regiões onde são realizadas.

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Durante a combustão da palha da cana, ocorre a liberação de gases tóxicos primários, como monóxido de carbono, dióxido de carbono, metanos e hidrocarbonetos.

Todos esses gases são muito nocivos à saúde humana, provocando e agravando doenças respiratórias e cardiovasculares.

Além de serem altamente tóxicos, esses gases, em altas concentrações, causam o fenômeno denominado “smog fotoquímico”.

Eles reagem fotoquimicamente na atmosfera e transformam-se em ozônio. Transformando-se em ozônio, causam uma alta concentração desse gás na baixa atmosfera.

Por sua vez, a alta concentração de ozônio na baixa atmosfera prejudica a saúde dos animais e interfere no desenvolvimento das plantas.

No presente caso, as queimadas estão causando poluição não somente porque promovem o lançamento de quantidade absurda de fumaça e fuligem sedimentada, mas porque também prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criam condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetam desfavoravelmente a biota e afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. Vejamos:

1. Por que prejudica a saúde?

Porque causa baixa umidade do ar, além de lançar gases tóxicos, propiciando o aparecimento de doenças respiratórias e câncer de pulmão.

Paulo Afonso Leme Machado, citando Tânia Sih (“Jornal de Pediatria”, v. 73, nº 3, 1997, “Vias aéreas inferiores e poluição”) e Evanildo da Silveira (artigo “O fogo da discórdia”, publicado no Jornal da Unesp, em janeiro de 1997) menciona em sua obra “Direito Ambiental Brasileiro”, 15ª Edição, Editora

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Malheiros, pg.57/58, que: “Na fuligem sedimentada (o chamado “carvãozinho”) - aquela que fica depositada sobre o solo depois da queimada – foram identificadas centenas de compostos químicos, dentre os quais 40 HPAS-Hidrocarbonetos Policlínicos Aromáticos. Entre esses últimos, estão 16 considerados mais perigosos para a saúde humana na avaliação da Environmental Protection Agency – Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.”.

Ainda, “a frequência de asma/bronquite, na nossa investigação, foi de 14% e 11% respectivamente em Piracicaba e São Paulo, concluindo-se que a presença de poluentes no ar da Grande São Paulo, proveniente de fontes móveis, bem como os poluentes no ar da região de Piracicaba, provenientes da queima da cana-de-açúcar, surtem efeitos nocivos à saúde da criança”.

2. Por que prejudica a segurança?

Porque o fogo e a fumaça nas estradas atrapalham a visibilidade e causam acidentes automobilísticos. Além disso, como registrado no procedimento administrativo que já mencionamos, cuja cópia acostamos à inicial, frequentemente o fogo se alastra, queimando propriedades vizinhas e expondo a sério risco a vida e o patrimônio dos cidadãos.

3. Por que afeta o bem-estar da população?

Ainda que não fizesse mal à saúde, a queimada é desagradável pelo forte odor de fumaça que invade a cidade quando a prática é utilizada, bem como pela fuligem sedimentada (carvãozinho) que cobre as residências, causando grande incômodo.

4. Por que cria condições adversas às atividades sociais e econômicas?

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O grande problema social e econômico advindo da queimada da cana é que, mesmo com o crescimento das áreas onde se emprega o corte mecanizado (da cana queimada!!!), ainda existe corte manual. O corte manual atrai migrantes de outros estados da Federação em grande escala. Essa migração causa sobrecarga nas áreas da saúde, educação, habitação e segurança do município onde ocorre, interferindo até mesmo nos índices de criminalidade. Reflitamos acerca dos problemas de Maurilândia.

5. Por que afeta desfavoravelmente a biota?

Com a realização de uma queimada, todos os animais que ali estiverem são queimados vivos. Perto de uma queimada, é possível ouvir o som dos animais agonizantes. Um triste espetáculo de horrores. Além disso, o solo fica empobrecido e infértil.

No site da UNOPAR de Londrina (Universidade do Paraná), o artigo “Queimadas da cana tornam o solo infértil”, escrito pelo acadêmico Felipe Montoya, explica detalhadamente tais conseqüências. Vejamos:

“Queimadas da cana tornam o solo infértil” As queimadas provenientes da cultura da cana-de-açúcar são um fator de risco para o ambiente. Além de prejudicar o solo incinerado, a flora e a fauna também sofrem as conseqüências. A queimada prejudica ainda a saúde e o bem estar do próprio ser humano.FELIPE MONTOYA, terceira série noturno

A cultura de cana-de-açúcar avança a cada ano o território brasileiro. Devido ao preço mais em conta do combustível proveniente dessa plantação (etanol) do que o combustível fóssil (petróleo), os produtores começam a seguir a tendência da monocultura. Isso por não ser uma fonte esgotável, como é o petróleo, e ter uma grande rentabilidade.

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Porém, nessa monocultura a colheita é feita após a queimada de sua palha, o que causa prejuízo ao solo e ao meio ambiente. Assim são encontrados os pontos negativos sobre a solução presente para a substituição dos combustíveis fósseis.

Segundo Teresa Cravo da Silveira, doutora em Ciências do Solo, a queimada contínua pode provocar a desertificação, porque devido à alta temperatura no momento da queima, a atividade biológica do solo é afetada, causando a oxidação da matéria orgânica. O processo de queima torna o solo pobre em nutrientes e, portanto, infértil.

Teresa da Silveira disse ser contrária a essa prática e afirmou que após a queimada, o solo absorve mais a radiação solar, causando uma redução da umidade natural até aproximadamente de 10 cm; sem contar a destruição de nutrientes necessários para umidificar, arejar e estabilizar o PH do solo. "Se não fosse essa prática, os fertilizantes químicos e orgânicos teriam um aproveitamento muito melhor; o que diminuiria o consumo cada vez mais alto desses componentes agrícolas."

Assim como Teresa da Silveira, o técnico ambiental Darci Pedroso disse que também não é favorável à queima da cana-de-açúcar para a colheita. "As queimadas prejudicam o solo, a fauna e a flora. Quando se queima a cana, o solo pega muita radiação do sol, o que o deixa seco e - ao chover - devido à falta de vegetação, ocorrem enxurradas e as conseqüentes erosões", explicou.

Pedroso também apontou os prejuízos para a fauna. Devido à devastação de matas para a plantação de cana-de-açúcar, muitos animais como pássaros e gatos do mato se refugiam em meio aos canaviais. "Na queima, muitos desses bichos morrem ou no caso de

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pássaros, perdem novamente seu hábitat e seus ninhos."

Outro aspecto negativo que Pedroso citou em relação à queima da cana é o fato de que mosquitos, vespas e abelhas que vivem nesse nicho ecológico migram para a cidade causando problemas. Ele citou também a poluição do ambiente, que deixa as pessoas mais vulneráveis a doenças respiratórias devido aos altos índices de gases tóxicos.

Para o técnico, a solução é fazer o corte com a cana crua, sem as queimadas. Entretanto o trabalho para se fazer o corte será maior, por isso os trabalhadores rurais preferem a cana queimada. Pedroso disse que um estudo feito na usina Lasa, no município de Linhares (ES), mostrou que não há diferença na produtividade de uma técnica para a outra. "O resultado foi praticamente o mesmo com a diferença de que o corte da cana crua é ecologicamente correto. O que é mais importante", destacou.” (os grifos são nossos).

6. Por que afeta as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente?

Quem aprecia residir em local atingido constantemente por uma nuvem espessa de fumaça? A prática da queimada enfeia a cidade, desagradando seus moradores e causando péssima impressão nos visitantes. Além disso, fomenta em cidadãos menos esclarecidos o hábito de queimar lixo, em vez de dar a ele a destinação correta e colocar fogo em seus lotes em vez de empregar a capina. A utilização do fogo como forma de limpeza passa a ser vista por alguns como aceitável, afinal, se as usinas queimam...Mas, como foi dito, a esmagadora maioria dos cidadãos da comarca repudiam a utilização do método. Não é para menos...

Vejamos como fica Santa Helena de Goiás quando se promove a queimada da cana-de-açúcar:

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7. Porque lança matéria em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos:

Nesta mesma inicial, quando adentramos no assunto “poluição atmosférica”, mencionamos a Resolução 03/90 do CONAMA. Ela fixa os padrões de qualidade do ar e define os limites da quantidade em microgramas, de concentração de poluentes.

A quantidade, como já vimos, é de 50 microgramas.

Vimos, também, mencionando a fonte do dado, que na cidade de Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo, onde também a cultura da cana-de-açúcar é a principal atividade econômica, a média anual calculada de microgramas de poluentes concentrados na atmosfera era de 56.

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Nos seis meses que correspondem à safra de cana-de-açúcar, a taxa sobe para 88 microgramas, e na entressafra, cai para 29.

Essa é uma prova de que a queimada lança na atmosfera matérias em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Conclui-se, enfim, que a queimada da cana não se enquadra em apenas um ou alguns dos incisos do dispositivo da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, quando conceitua poluição, mas em todos!!!!!

Vejamos, agora, o conceito de poluição dado pela Lei Estadual nº 8.544/78:

“Art. 2º. Considera-se poluição do meio ambiente a presença, o lançamento, ou a liberação nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em lei, ou que tornem ou possam tornar as águas, o ar ou o solo:

I – impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde;”. Conclui-se, portanto, que o conceito dado pela legislação estadual reforça as disposições da Lei Federal.

Como se não bastassem todos os dados expostos, ao causar a poluição pela emissão de níveis tão elevados, as requeridas estão infringindo a legislação penal ambiental em vigor, não sendo exagero afirmar que as queimadas são criminosas.

Vejamos o que dispõe a Lei nº 9.605/98:

“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa”.

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Demonstrado que a queimada da cana é prática poluidora, vejamos as implicações previstas na Lei Federal n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) ao poluidor (conceito no art. 3º, inc. IV):

“Art. 4° - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-

social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

...VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da

obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (grifos nossos).

Ainda:

“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades previstas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

...II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios

fiscais concedidos pelo Poder Público;III - à perda ou suspensão de participação em linhas de

financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;...§ 1° - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas

neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade”.

Prevê, ainda, a Constituição Federal, no art. 225, § 3º, que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Com fundamento em todos esses dispositivos, pretende ainda o Ministério Público, com a presente ação, que a prática da queimada seja banida desta comarca.

Ainda, que seja vedado às requeridas receber benefícios e incentivos fiscais da União Federal, dos Estados Federados e

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dos Municípios, bem como participar de linhas de crédito/financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito da União Federal e dos Estados Federados, enquanto não derem integral cumprimento às determinações contidas na sentença, caso Vossa Excelência julgue procedente o pedido.

Ainda, salienta que quaisquer danos causados ao meio ambiente, como o que é objeto do procedimento administrativo cuja cópia acompanha esta inicial, deverá ser reparado, o que o Ministério Público fará incansavelmente, ajuizando tantas e quantas ações forem necessárias.

Da não recepção do parágrafo único do art. 27 do Código Florestal pela Constituição Federal de 1988

Segundo dispõe a Lei nº 4.771/65:

“Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução”.

É com base nessa norma, cujo uso deveria ser excepcional, que as requeridas justificam práticas cotidianas suas de degradação ambiental.

Entretanto, não se pode esquecer que a permissão para o uso do fogo foi prevista numa época em que nada se falava sobre preservação ambiental. Muito pelo contrário, tratava-se dos primórdios do regime militar e segundo narram os historiadores, o governo do Marechal Castelo Branco recebeu grande apoio dos EUA e das empresas multinacionais, tendo o Congresso Nacional, em troca disso, assumido posições favoráveis aos interesses do capitalismo norte-americano.

Certamente para atender a tais interesses ninguém se preocupava com a necessidade de preservar a natureza, assunto que, na época, era tratado com desdém, mera divagação filosófica dos “hippies” (segundo a Wikipédia: “Os "hippies" [no singular, hippie] eram parte do que se convencionou chamar movimento de contracultura dos anos 60 tendo relativa queda de popularidade nos anos 70 nos EUA, embora o movimento tenha

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tido muita força em países como o Brasil somente na década de 70. Adotavam um modo de vida comunitário, tendendo a uma espécie de socialismo-anarquista ou estilo de vida nômade e à vida em comunhão com a natureza, negavam o nacionalismo e a Guerra do Vietnã, bem como todas as guerras, abraçavam aspectos de religiões como o budismo, hinduísmo, e/ou as religiões das culturas nativas norte-americanas e estavam em desacordo com valores tradicionais da classe média americana e das economias capitalistas e totalitárias. Eles enxergavam o patriarcalismo, o militarismo, o poder governamental, as corporações industriais, a massificação, o capitalismo, o autoritarismo e os valores sociais tradicionais como parte de uma 'instituição' única, e que não tinha legitimidade”).

Passados 16 anos da edição do “Código Florestal”, entretanto, e já num outro contexto histórico, o Brasil, mais amadurecido para as questões ambientais e convencido da necessidade de preservação dos recursos naturais, acabou por trazer ao nosso ordenamento jurídico, através da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), o conceito de “desenvolvimento sustentável”, já em voga nos países desenvolvidos.

Essa nova lei passou a trazer diversas expressões que deixavam claro não haver mais espaço para a permissão, ainda que excepcional, do uso de fogo em atividades agropastoris.

Falava ela em “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, “difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente”, “formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico”, “preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”, “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” etc.(art. 4º).

Também previa a lei, além da possibilidade de imposição de multas administrativas, a obrigação do poluidor, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de

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responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente” (art.14, § 1º).

Mais alguns anos transcorreram e então veio o golpe definitivo na idéia de que o emprego do fogo nas práticas agropastoris ou florestais seja algo aceitável: a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Com ela, a norma programática básica direcionada ao meio ambiente passou a ser assim ditada:

“TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE USO COMUM DO POVO E ESSENCIAL À SADIA QUALIDADE DE VIDA, IMPONDO-SE AO PODER PÚBLICO E À COLETIVIDADE O DEVER DE DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES” (CF/88, art. 25, “caput”).

Assegurou-se, com isso, a supremacia do interesse público sobre o particular. Portanto, considerando que as queimadas favorecem apenas dois grupos econômicos (Grupo Naoum e Vale do Verdão), mas prejudicam diretamente pelo menos 45.796 pessoas (populações de Santa Helena e de Maurilândia somadas, segundo dados do site do IBGE), é evidente que a Justiça tem o dever de agir, para restabelecer a supremacia dos interesses da população.

De fato, se os próprios beneficiados não tomam atitudes para cessar os danos ambientais, se a “coletividade” não tem meios de fazê-lo pelas próprias mãos, se a expressão “Poder Público” envolve todos os órgãos e agentes do Estado, de todos os Poderes, em todos os níveis, não tendo o Executivo e o Legislativo agido a contento, resta ao Judiciário assumir seu papel de dizer (ou melhor, reafirmar) quem tem razão e fazer valer sua decisão a respeito.

Na verdade, a se continuar permitindo as queimadas, não se pode sustentar que o meio ambiente na Comarca de Santa Helena de Goiás confira aos cidadãos uma “sadia qualidade de vida” e que esteja sendo preservado “para as presentes e futuras gerações”.

E para que não se alegue que o “caput” do art. 225 da CF é norma muito abrangente, genérica, sem especificidade, não custa transcrever também a obrigação imposta ao Poder Público através do seu § 1º, inc. VI, consistente em:

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“PROTEGER A FAUNA E A FLORA, VEDADAS, NA FORMA DA LEI, AS PRÁTICAS QUE COLOQUEM EM RISCO SUA FUNÇÃO ECOLÓGICA, PROVOQUEM A EXTINÇÃO DE ESPÉCIES OU SUBMETAM OS ANIMAIS A CRUELDADE”. São de conhecimento público os constantes excessos derivados das queimadas praticadas na região, que geralmente acarretam destruição de áreas de preservação permanente, de reserva florestal legal, além de causar mortandade de animais e inclusive de alguns humanos pegos de surpresa. Definitivamente, a fauna e a flora não vêm sendo protegidas com a permissão do uso do fogo...

Isso tudo sem falar que as queimadas são atividades não apenas potencialmente, mas efetivamente poluidoras, e acabam sendo feitas de forma indiscriminada, sem os necessários estudos prévios de impacto ambiental, descumprindo-se também o art. 225, § 1º, IV, da CF.

Enfim, observa-se uma franca incompatibilidade material da norma inferior (art. 27, parágrafo único, da Lei nº 4.771/65), com os princípios insculpidos na CF/88, referentes ao Meio Ambiente.

Não se pode, entretanto, falar em inconstitucionalidade a ser sanada via controle jurisdicional, pois o STF não adota a Teoria da Inconstitucionalidade Superveniente. A Corte Suprema considera que normas infraconstitucionais anteriores à atual Constituição, que com ela sejam materialmente incompatíveis, não devem ser tidas como inconstitucionais, mas apenas não aplicáveis por terem sido derrogadas.

A esse propósito:

“...Norma pré-constitucional. Não-recepção. Efeitos retroativos à data da promulgação da Constituição...” (STF, 2ª Turma, RE-AgR 364304/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Publicação: DJ de 06-11-2006, p. 00045, EMENT. VOL-02254-04, p. 00818)

“...CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR DO ATO

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INCONSTITUCIONAL - OS DIVERSOS GRAUS DE INVALIDADE DO ATO EM CONFLITO COM A CONSTITUIÇÃO: ATO INEXISTENTE? ATO NULO? ATO ANULÁVEL (COM EFICÁCIA "EX TUNC" OU COM EFICÁCIA "EX NUNC")? - FORMULAÇÕES TEÓRICAS - O "STATUS QUAESTIONIS" NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: TÉCNICA INAPLICÁVEL QUANDO SE TRATAR DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DE ATOS PRÉ-CONSTITUCIONAIS. - A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia "ex tunc" (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. - O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno). - Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. - A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade - mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 - RTJ 145/339) -, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. - Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma

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legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional...” (STF, 2ª Turma, RE-AgR 353508/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Publicação: DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00124 EMENT VOL-02282-08 PP-01490) (grifos não originais)

Mais uma clara evidência de que a Constituição Federal não recepcionou o parágrafo único do art. 27 do Código Florestal nota-se da leitura dos arts. 170 e 186 da Constituição Federal:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...III - função social da propriedade;...V - defesa do meio ambiente;”.“Art. 186. A função social é cumprida quando a

propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

...II - utilização adequada dos recursos naturais

disponíveis e preservação do meio ambiente;” (grifo nosso).Assim, este é mais um dentre os diversos argumentos

trazidos pelo Ministério Público, a reforçar a certeza da não recepção do Código Florestal, neste aspecto, pela Constituição Federal.

Apenas para argumentar, caso Vossa Excelência assim não entenda, e adote posicionamento no sentido de que o parágrafo único do art. 27 foi recepcionado pela Constituição Federal, convêm lembrar o teor do art. 14 do Decreto nº 2.661/98, que regulamenta aquele dispositivo:

“Art. 14 A autoridade ambiental competente poderá determinar a suspensão da Queima Controlada na região ou

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município quando: I – constatados risco de vida, danos ambientais ou

condições meteorológicas desfavoráveis;II – a qualidade do ar atingir índices prejudiciais à

saúde humana, constatados por equipamentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos como parâmetros;

III – os níveis de fumaça, originados de queimadas, atingirem limites mínimos de visibilidade, comprometendo e colocando em risco as operações aeronáuticas, rodoviárias e de outros meios de transportes.” Evidentemente, em Santa Helena de Goiás e em Maurilândia, as queimadas acarretam todos os problemas elencados nos incisos.

Sem necessidade de qualquer medição, perícia ou equipamento, podemos afirmar com certeza que a prática vem causando danos ambientais gravíssimos na comarca.

Um desses incontáveis danos está registrado no procedimento administrativo cuja cópia acompanha a inicial.

Outro problema gritante acarretado pelas queimadas, sem necessidade de qualquer providência ou diligência para demonstrar, é a decisiva influência da prática para tornar o ar ainda mais seco no período de estiagem, o que culmina em sérios riscos à saúde dos cidadãos.

Conforme o Decreto, ante qualquer um desses problemas, as queimadas podem ser abolidas de uma cidade ou região, administrativamente, pela autoridade ambiental.

Isso, evidentemente, nunca foi feito.

Assim, como a autoridade ambiental se omite, o Poder Judiciário pode e deve agir, prolatando decisão em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, no sentido de aboli-las.

Decisões assim estão surgindo no Brasil e, particularmente, no Estado de Goiás. Vejamos:

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Esta é a acertada e corajosa decisão proferida em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, em Itumbiara,

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deferindo a liminar pleiteada, proibindo a queimada da cana-de-açúcar. Contra ela foram interpostos agravos pelos requeridos. Um não foi sequer recebido. O outro, foi recebido, mas improvido. Vejamos:

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Mantida a liminar, ao final, a ação foi julgada

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procedente em 19 de setembro de 2008. Vejamos, no trecho abaixo escaneado, como decidiu o MM. Juiz da comarca de Itumbiara:

Como se vê, o Poder Judiciário tem dado respaldo à justa pretensão do Ministério Público, não somente abolindo a queimada de cana, mas também, impondo a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente.

Da necessidade da concessão de medida liminarO artigo 12 da Lei n. 7.347/85 estabelece de forma

clara que é permitido ao Juiz conceder, com ou sem justificação prévia, medida liminar.

Para sua concessão, é necessária a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.

A fumaça do bom direito está demonstrada pela legislação colacionada aos autos, bem como por recente jurisprudência, repudiando a prática objeto da presente ação.

Não se pode deixar de lembrar que o bem jurídico

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tutelado pelo Ministério Público na presente ação é coletivo, pertencendo a cada cidadão de Santa Helena e de Maurilândia.

Esse é mais um argumento a evidenciar a fumaça, não do bom, mas dos melhores direitos previstos em nossa legislação, sobretudo na Carta Magna: direito à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O “periculum in mora” também está presente. Embora as requeridas estejam instaladas e em atividade há muitos anos na comarca, recentemente, o Brasil tem assistido ao vertiginoso fortalecimento do setor sucroalcooleiro, e Goiás está entre os Estados onde tal fenômeno vem ocorrendo com mais intensidade.

A imprensa tem noticiado nos últimos dois anos o crescimento assustador do setor sucroalcoleiro e, em proporção inversa, a diminuição das áreas de cerrado. Vejamos o teor dessas notícias:

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Em Santa Helena de Goiás e Maurilândia, por sua vez, esse impacto tem sido particularmente acentuado.

Foi publicado em um informativo do Grupo Naoum, do qual faz parte a primeira requerida, que no bimestre junho/julho de 2007 houve a aquisição de uma colheitadeira para a Usina Santa Helena.

A notícia detalha que a aquisição foi necessária dado o aumento da moagem ocorrido no início da safra de 2007.

Segundo o informativo, a máquina “conta com o que há de mais novo em tecnologia referente ao corte de cana mecanizado”. Vejamos:

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A segunda requerida, que é a maior Usina do Estado de Goiás, e estendia seus domínios por Maurilândia e Turvelândia, tem avançado, comprando e arrendando várias fazendas em Santa Helena de Goiás, e sem se preocupar com a proximidade de algumas dessas propriedades com o perímetro urbano, emprega a queimada, causando sérios riscos à saúde dos cidadãos e irreparáveis danos ao meio ambiente.

Se na próxima colheita de cana-de-açúcar, que se inicia em abril de 2009, as requeridas tiverem carta branca para queimar, Maurilândia e Santa Helena viverão meses de horror, imersas em fumaça e cobertas de fuligem sedimentada, impregnada de veneno.

O ar que respiramos se tornará insuportavelmente seco e poluído. Um caos tomará conta da rede de saúde pública, com tantas crianças sofrendo de doenças respiratórias.

A pouca cobertura vegetal nativa que nos resta, timidamente incrustada no meio dos canaviais, correrá sério risco de ser engolida pelo fogo. As estradas que nos rodeiam ficarão ainda mais perigosas, porque além de buracos, trânsito intenso e má sinalização, contaremos também com fumaça atrapalhando nossa visibilidade.

Tudo isso apenas para agilizar o corte da cana, propiciar mais e mais lucros para as requeridas e permitir que elas suguem até a última gota das riquezas de nosso solo.

Como se vê, se for negado o pedido liminar, enquanto tramita esta ação, por mais celeridade que seja impressa em seu processamento e julgamento, viveremos dias muito maus.

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Assim, presentes os dois indispensáveis requisitos para a concessão da liminar.

Em ações civis públicas ambientais ajuizadas pelo Ministério Público em todo Brasil, a jurisprudência vem se solidificando no sentido de manter as decisões dos Juízes que deferiram liminares. Vejamos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES

DA MEDIDA – AUSÊNCIA DE SUBSTRATO FÁTICO A PROPICIAR A REVOGAÇÃO DA LIMINAR - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO-COMPROVAÇÃO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO - A tutela antecipada exige uma verossimilhança da alegação deduzida na petição inicial, com amparo em prova inequívoca, além do requisito do periculum in mora. Existindo a possibilidade de impacto ambiental e sendo relevantes os fundamentos expendidos, impõe-se a adoção de medidas que assegurem, ao menos provisoriamente, a integridade do meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade. Não há falar em litigância de má-fé se não existe prova satisfatória da caracterização do dano processual a que a condenação cominada na Lei visa a compensar”. (TJMS - AG 2005.006173-5/0000-00 - Aquidauana - 4ª T.Cív. - Rel. Des. Rêmolo Letteriello - J. 09.08.2005).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR - FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA - DANO AMBIENTAL - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO - Em tema de meio ambiente, a cautela deve pender a favor dos interesses da sociedade que estão em discussão. Demonstrado o perigo de dano, a medida que se impõe é o imediato afastamento da causa que está gerando o risco”. (TJSC – AI 2004.032144-9 - Florianópolis - 2ª CDPúb. - Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – J. 19.04.2005)

“- AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONCESSÃO DE LIMINAR - ALEGADO ESGOTAMENTO DO OBJETO DA AÇÃO – INOCORRÊNCIA - PROVA PERICIAL DEFERIDA - AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PRÉ- VIA DO PODER PÚBLICO - DESNECESSIDADE - SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA - PRELIMINARES REJEITADAS - Não há falar em esgotamento do objeto da

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demanda quando o Magistrado defere liminar em ação civil pública determinando a suspensão de atividade econômica suspeita de causar danos ao meio ambiente, sobretudo quando a medida judicial de urgência apenas objetivou a prevenção do direito material tutelado, qual seja, a preservação de determinado ecossistema até que a instrução da lide conclua se a atividade é ou não causadora de dano ambiental, dependendo, para tanto, de prova pericial. Consoante a jurisprudência hodierna, pode o Magistrado, diante do caso concreto, desde que presentes os requisitos legais (fumus boni juris e periculum in mora), e verificando tratar-se o caso de extrema urgência, deferir liminar em ação civil pública tendente a impedir a ocorrência de dano ambiental, independentemente da oitiva do Poder Público. DIREITO AMBIENTAL - EXTRAÇÃO E BENEFICIAMENTO DE GRANITO – ATIVIDADE PRATICADA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO E AS LICENÇAS AMBIENTAIS - ALEGADA ATIVIDADE ECONÔMICA DE RISCO AMBIENTAL AO SISTEMA HÍDRICO NA REGIÃO POR OUTRAS EMPRESAS - PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - INTERESSE COLETIVO - EXEGESE DO ART. 225 DA CF - PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO - PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA - RECURSO DESPROVIDO - A prevenção de dano ao meio ambiente, com o fim de proteger o interesse coletivo, pois a reparação, caso ocorra dano ambiental, afigura-se incerta, onerosa e muitas vezes irreversível, justifica o deferimento de liminar tendente a obstar, ainda que de forma provisória, a continuidade de atividade econômica suspeita de causar dano a um determinado ecossistema. A existência de outras irregularidades porventura verificadas contra o meio ambiente por outras empresas, não afasta a ilicitude e não confere direitos; os abusos e as violações das Leis devem ser coibidas e nunca imitadas (non exemplis sed legibus est judicandum), pois todos são iguais perante a Lei para cumpri-la e não para descumpri-la. Com base nos princípios da " precaução " e da " prevenção ", as autoridades devem tomar medidas preventivas sempre que existirem motivos razoáveis de preocupação com a saúde pública e a manutenção do ecossistema equilibrado, ensejando, pois, a paralisação imediata de qualquer atividade econômica tendente a degradar o meio ambiente sadio”. (TJSC – AI 2004.021074-4 - Garopaba - 3ª CDPúb. - Rel. Des. Rui Fortes - J. 15.02.2005)

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JCF.225 -1Dos pedidos

Diante de todo o exposto requer o Ministério Público:

a) a concessão de medida liminar, inaudita altera pars, determinando-se, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) e configuração de crime de desobediência e de infrações penais ambientais, o seguinte: que as requeridas, a partir do dia 1º de abril de 2009 se abstenham de receber e de processar em suas unidades industriais, cana-de-açúcar cultivada em imóveis rurais, próprios ou de terceiros, cujo corte (colheita) tenha sido precedido da queima da palha mediante utilização de fogo;

b) apreciada a questão da concessão ou não da medida liminar, seja determinada a citação das requeridas, pela via postal, conforme previsto nos artigos 222, caput, e 223 do Código de Processo Civil, para oferecerem contestação no prazo legal;

c) que ao final o pedido seja julgado procedente para o fim de condenar as requeridas em definitivo a se absterem de utilizar fogo (realizarem queimadas) para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita (corte) da cana-de-açúcar por eles cultivada em imóveis rurais, próprios ou de terceiros, situados na área territorial dos municípios de Santa Helena de Goiás e Maurilândia, e também que se abstenham de receber e de processar em suas unidades industriais, cana-de-açúcar cultivada em imóveis rurais, próprios ou de terceiros, cujo corte (colheita) tenha sido precedido da queima da palha mediante utilização de fogo, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) e configuração de crime de desobediência e de infrações penais ambientais;

d) vedação às requeridas de receber benefícios e incentivos fiscais da União Federal, dos Estados Federados e dos Municípios, enquanto não derem integral cumprimento às determinações contidas na sentença;

e) vedação às requeridas de participar de linhas de crédito/financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito da União Federal e dos Estados Federados, enquanto não derem integral cumprimento às determinações contidas na sentença;

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f) condenação de todos os réus a pagarem todas as custas e despesas processuais, inclusive das que tiverem de ser satisfeitas antecipadamente.

O Ministério Público provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive prova pericial e inspeções judiciais, desde já requeridas, postulando ainda pelo depoimento pessoal dos representantes legais das requeridas e oitiva de testemunhas.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.00 (hum mil reais).

Nestes termos, pede deferimento.

Santa Helena de Goiás 19 de novembro de 2008

JULIANA GIOVANINI GONÇALVESPromotora de Justiça

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