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Page 1: Esse Porto, este Porto, tem raízes longínquas. Tem ... · Permitam-me, pois, que não deixe de referir nenhum dos outros nomes que, com justiça, ... Ribeiro Guerra, médico, pintor,

Discurso do Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Moreira

Sessão Solene de Imposição de Medalhas da Cidade

9 de Julho de 2016 – Casa do Roseiral

“Tive um espelho em criança que me lembrava um rio, me fez lembrar um rio, as suas pontes.”

Este verso, que parte de um poema de Ana Luísa Amaral, uma das homenageadas de hoje, foi escrito quando o Porto foi muito justamente Capital Europeia da Cultura, em 2001.

Sabendo da homenagem que a cidade lhe pretendia prestar hoje, reenviou-mo, como que em jeito de lembrete.

É muito curioso que o tenha feito, assim, quase sem mais nenhuma consideração. Caiu no meu e-mail, singelo. E, como as pontes que evoca, transportou-me para uma reflexão: o que é hoje o Porto? O que é hoje o Porto das pessoas, o Porto que se espelha no rio e que se projecta no céu, pelo mundo?

De onde veio esse Porto que parece acordado, sempre acordado, mesmo quando o julgamos adormecido ou quando o julgaram adormecido?

Esse Porto, este Porto, tem raízes longínquas. Tem alicerces na resiliência ao “cerco” que começou a cair a 9 de Julho. É um Porto de carácter. É verdade. Mas se o olharmos bem, como quando nos olhamos nos olhos ao espelho, esperando que as nossas rugas nos tragam respostas para os mistérios insondáveis da vida, há, neste Porto velho, um olhar novo.

15 anos depois da Porto 2001, é porventura, tempo de reflectirmos sobre o que nos deixou e sobre o que, década e meia depois, também podemos começar.

A Porto 2001, já o disse por diversas vezes, deixou-nos fundamentalmente dois legados. O legado de alguns ícones, onde a Casa da Música é o templo, mas também nos deixou uma singular democratização dos conteúdos. Não foi, apenas, uma democratização no sentido tradicional, na abrangência daqueles que, antes disso, não acediam à cultura. Foi mais do que isso. Encontramos, na Porto 2001, a democratização transversal, em que os públicos se entrecruzaram.

Foi aí que nasceu uma ideia de que a cultura, no Porto, não tinha que ser coisa de elites ou de pseudo-elites. De que não havia públicos cativos.

Foi aí que se ensaiou uma forma de olhar o que se espelha do rio de uma forma diferente. E, regressando ao poema de Ana Luísa Amaral, se construíram os alicerces de algumas pontes.

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A evocação da Porto 2001 é pertinente por outros motivos neste dia. Entre aqueles a quem a cidade presta muito justamente homenagem, está também a vereadora da cultura de então.

Sei bem quanto custa ter arrojo, Manuela de Melo. Sei bem ao que nos sujeitamos quando preferimos fazer, em lugar de não fazer. Arriscar, em detrimento de descansar. Porque quem não faz, não erra nunca.

Queria, a esse propósito, sublinhar a presença de vários cidadãos, que hoje homenageamos e, entregando a sua vida à função política ou, simplesmente, tendo decidido pontualmente servir como políticos a causa pública, honram a cidade e a quem o Porto deve, por isso, reconhecimento.

Refiro-me a Carlos Lage, a João Semedo, José Pedro Aguiar Branco, Manuela de Melo e Rui Sá.

De diferentes formas, fosse ao serviço do País, fosse ao serviço do Município que também é o País, fazem parte daquilo a que chamamos carácter do Porto e que distinguimos sem preconceitos. Aplaudir e honrar os que honram a cidade, independentemente de convicções e de ideologias, é, afinal, o melhor exemplo que podemos dar pela dignificação da vida política.

Também nessa matéria o Porto tem sido e, deve continuar a ser, liberal, tolerante e um exemplo para um país que não pode continuar divorciado daqueles que se expõem ao escrutínio supremo que é o do eleitorado e são, por isso, o garante da democracia e da liberdade de um país.

Devemos dignificá-los, caso contrário, não poderemos clamar por direitos nem queixar-nos de ataques extremistas e ditatoriais ao poder.

É certo, porém, que há muitas formas de servir o país e de servir os interesses de uma cidade que não em cargos políticos e de eleição directa.

Permitam-me, pois, que não deixe de referir nenhum dos outros nomes que, com justiça, hoje são agraciados com a Medalha de Mérito Grau Ouro.

José Carlos Marques dos Santos, que foi reitor da Universidade do Porto, recebe a medalha que lhe foi atribuída no ano passado.

Américo Manuel Alves Aguiar, padre a cujo zelo devemos o restauro de um dos ícones desta cidade – a Igreja e Torre dos Clérigos; Angelo Arena, que foi cônsul de Itália e que se apaixonou pelo Porto e preside à Dante Alighieri; António Ricardo Oliveira Fonseca, fotógrafo de eleição e grande gestor da APDL, dos STCP, da Metro do Porto; Belmiro Carlos Pereira Rubim e Gastão Celestino Ferreira Teixeira, ambos salvadores de muitas almas que o Rio Douro queria para si; João Rosas Nicolau de Almeida, um dos mais respeitados enólogos do mundo; Joaquim Poças Martins, um dos mais distintos professores de engenharia, a quem a cidade deve o projecto Porto Gravítico; Jorge Olímpio Bento que tem dedicado a sua vida a ensinar a ciência no desporto, e que hoje não está entre nós por estar a leccionar em Moçambique; José António Martínez de Villarreal Baena; embaixador e um dos espanhóis que nos faz sentir irmãos; Levi Eugénio Ribeiro Guerra, médico, pintor, professor; Manuela Gouveia, uma das nossas grandes pianistas e Ana Luísa Amaral, de que já falei mas é, também, um exemplo de cidadania

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livre, a par dos seus dotes como poeta. Desculpem, invocando Sophia, que não lhe chame poetisa.

Também as empresas e as instituições são merecedoras de distinção. Este ano, a cidade decidiu agraciar a Agência Abreu - a mais antiga agência de viagens do mundo, imagine-se, nascida aqui no Porto, e ao magnífico Coral de Letras da Universidade do Porto. Pela antiguidade, mas também pelo reconhecimento do mérito colectivo, podem ser, muito justamente, apontadas como instituições de que a cidade se orgulha.

Decidiu, também, agraciar o Sporting Clube da Cruz, que teimosamente resiste ao tempo e aos tempos e que se transforma num novo olhar social sobre o que o rodeia.

Não esquecemos os funcionários municipais. Aqueles que individualmente aqui são hoje homenageados são porta-estandartes de tantos anónimos e competentes servidores do bem público.

Todos são Porto.

Todos, à sua maneira, e nas funções que desempenham, nos serviços que prestaram ou prestam ao Porto, ajudaram a fazer cidade e serviram o interesse comum.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Permitam-me que regresse um pouco atrás, e volte a evocar a Porto 2001 para chegar ao cidadão a quem este ano entregamos a única Medalha de Honra da cidade, dolorosamente a título póstumo.

O Professor Paulo Cunha e Silva, também ele, foi programador desse momento controverso da história da cidade, mas que, apesar de tudo, foi invulgarmente iniciador.

Tal como alguns outros aqui presentes, que então insistiram que o Porto merecia, pelo menos na cultura, ser capital, foi resiliente. Como foi sempre teimosamente obstinado no amor que nutria pela sua cidade, que desejava Nação.

Paulo Cunha e Silva era ele próprio a democratização da cultura. Era, como criador, a verdadeira cultura em expansão. Era a mistura. Era o espelho e era as pontes.

Aquando da inauguração da exposição “P. – Uma Homenagem a Paulo Cunha e Silva, por extenso”, anunciei a criação de um prémio internacional de artes visuais, com o seu nome.

Sim, queríamos e queremos homenagear o nosso querido amigo e vereador com esse projecto de estímulo e reconhecimento profissional dirigido a artistas, nacionais e internacionais, que trabalham em artes visuais: um domínio que lhe era particularmente próximo, no qual cresceu e permitiu que muitos crescessem, dentro e fora do país. Era isso que movia o Paulo: provocar talento, descobrir novo pensamento e dá-lo a conhecer ao mundo que o rodeava.

Mas não só. Na verdade, o Prémio Paulo Cunha e Silva constitui uma peça num plano maior para a Cultura: uma estratégia que estamos desde já a desenvolver e que pretendemos que potencie o Porto, ao longo dos próximos anos, como território ímpar para a criação contemporânea.

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Depois de três anos a trabalhar na reinvenção dos diferentes espaços de cultura municipais, na reactivação do património da cidade através da arte contemporânea, na concepção de programas e festivais que recuperaram e criaram públicos para a cultura, na diluição de fronteiras e barreiras culturais no território da cidade, e na ligação da cidade aos discursos contemporâneos nacionais e internacionais, iremos sedimentar a qualidade de todos estes projectos e iniciativas.

Mas vamos, em simultâneo, concentrar recursos no apoio directo à criação contemporânea no Porto em áreas tão destintas quanto o pensamento crítico, a escrita, a prática das artes visuais, a curadoria ou a composição musical.

Queremos com os futuros programas de apoio directo à criação artística, e de apoio e visibilidade a espaços de residência artística da cidade, contribuir de forma incisiva para fixar o talento da cidade e também atrair talento nacional e internacional para o tecido artístico do Porto.

O Porto é, por natureza um porto. Seja ele o porto que se abria pelo rio ao mar e nos ligou ao Mundo em todos os sentidos que a vida pode dar, seja ele hoje também o aeroporto, seja ele o Porto que é abrigo e quer ser abrigo de novas gentes, de pensamento e de criação contemporânea, provocativa, expansiva, nova.

A criação contemporânea que aqui tem nascido nos espaços e plataformas mais informais e inusitados; a criação sub-40, sub-30 ou da geração Y, é o nosso Porto 2001. Sem precisar da construção de templos que já tem. Sem obra de fachada de que não precisa. Sem necessidade de serventia. Um Porto 2016, 2017 ou dois mil e qualquer coisa.

Um Porto contemporâneo e que olha o futuro a partir da sua cultura; uma cultura que não se confunde com outras. Uma cultura que é, ela própria, a capital.

A resiliência, a resistência ao cerco, a capacidade de continuar, sempre, mesmo quando Deus chama a si os que mais nos são queridos, essa capacidade de criar usando, até, aquilo que mais nos magoa, o Porto nunca pode perder.

Minhas Senhoras e meus senhores

Homenageamos hoje várias personalidades e instituições importantes. Cada uma delas foi e é portadora, com a sua força criadora, de uma singular capacidade para interpretar a cidade e de lhe acrescentar.

Todos se honram com a medalha que hoje lhe entregamos. Mas sobretudo nos honram com os seus feitos, com a sua capacidade criadora e com o seu amor pelo Porto e, às vezes, até com a sua modéstia e discrição.

Felicito-os a todos. A cidade está-vos grata.

E, termino como também termina o poema de Ana Luísa Amaral:

“Falei. Que o coração possa sonhar!”

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Lista dos agraciados

MEDALHA DE HONRA

- Paulo Cunha e Silva (a título póstumo)

Valor Desportivo

- Sporting Club da Cruz

Mérito - grau ouro

- Agência Abreu;

- Américo Manuel Alves Aguiar;

- Ana Luísa Ribeiro Barata do Amaral;

- Angelo Arena;

- António Ricardo Oliveira Fonseca;

- Belmiro Carlos Pereira Rubim;

- Carlos Cardoso Lage;

- Coral de Letras da Universidade do Porto;

- Gastão Celestino Ferreira Teixeira;

- João Rosas Nicolau de Almeida;

- João Pedro Furtado da Cunha Semedo;

- Joaquim Manuel Veloso Poças Martins;

- Jorge Olímpio Bento;

- José António Martínez de Villarreal Baena;

. José Carlos Marques dos Santos (2014)

- José Pedro Correia de Aguiar Branco;

- Levi Eugénio Ribeiro Guerra;

- Manuela Gouveia;

- Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo;

- Rui Pedro de Araújo Sá.

Bons Serviços - grau prata

- António Abel de Oliveira Monteiro Teixeira

- José Joaquim Moreira Teles

- Maria da Luz Ferreira

- Maria Palmira Saraiva Mendes