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Espiritualidade do Trabalho 1 JONAS MATHEUS SOUSA DA SILVA ESPIRITUALIDADE DO TRABALHO: O TRABALHO COMO ELEVAÇÃO DO HOMEM A DEUS, NA ENCÍCLICA “LABOREM EXERCENS”, DE SÃO JOÃO PAULO II 1 Edição Belém / PA ArteSam 2018

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Espiritualidade do Trabalho

1

JONAS MATHEUS SOUSA DA SILVA

ESPIRITUALIDADE DO TRABALHO:

O TRABALHO COMO ELEVAÇÃO DO

HOMEM A DEUS, NA ENCÍCLICA “LABOREM

EXERCENS”, DE SÃO JOÃO PAULO II

1 Edição Belém / PA

ArteSam

2018

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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Copyring© Jonas Matheus Sousa da Silva, 2018 ®Todos os direitos reservados *Correção gramatical e estilística: Prof .: Maria Conceição de Lima. *Diagramação: Jonas Silva

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor

S586e Silva, Jonas Matheus Sousa da, 1989 – Espiritualidade do Trabalho: o trabalho como elevação do homem

a Deus, na encíclica “Laborem Exercens”, de São João Paulo II / Jonas

Matheus Sousa da Silva. – Belém: ArteSam, 2018.

95p.

ISBN: 978-85-5697-710-6 1.Teologia 2.Espiritualidade 3. Trabalho.

1.Título.

CDD: 240 CDU: 24

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Ao Frei Ângelo Falomi, OFM cap, decano da nossa

Fraternidade Nossa Senhora Auxiliadora, grande missionário

e trabalhador na propagação do Reinado de Deus.

Ao padrinho de Crisma, Antônio da Silva Conde (In

Memoriam).

Aos meus pais, Jovêncio Oliveira e Antônia do Carmo, assim

como meus avós, modelos de elevação a Deus através da doação

aos seus no exercício do trabalho.

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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O AUTOR

Jonas Matheus Sousa da Silva é paraense, de Capanema, nascido em 1989. Filho de Jovencio Oliveira da Silva e Antônia do Carmo Sousa da Silva, irmão de Jorbia Cecília e Jones Tiago. Franciscano-capuchinho e padre da Igreja Católica Romana. É licenciado em Filosofia e cursou Teologia na Arquidiocese de Belém. É formado em Coaching Integral Sistêmico, pela Febracis. Já publicou cinco de seus livros filosóficos e poéticos. Dispõe sua obra literária nas plataformas virtuais: Recanto das Letras e Clube de Autores. Colabora com diversos artigos para os jornais impressos: O Liberal e O Estado do Maranhão.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Uno e Trino, por Sua

imensa misericórdia e providência para comigo,

propiciando-me uma existência cada vez mais livre e

plena a cada dia da minha vida. À Virgem Imaculada

por sua constante intercessão e a São Francisco,

Santo Antônio e São João Paulo II, meus patronos.

Agradeço aos meus familiares, sempre

em sintonia comigo; especialmente aos meus avós

Otávio e Osmarina, aos meus pais, Jovêncio e

Antônia; aos irmãos Jorbia e Tiago, ao cunhado

Ricardo e à sobrinha Sophia.

Agradeço a todos os confrades da

Província Nossa Senhora do Carmo, notadamente os

da minha fraternidade, N. Sra. Auxiliadora.

Obrigado a cada um dos meus

professores e aos colegas de turma ao longo do curso

de Teologia e a todos os trabalhadores da Faculdade

Católica de Belém. Obrigado ao Dr. Pe. João Paulo

de M. Dantas por fazer vivo, para a nossa turma, o

sentido da necessidade da elaboração da monografia,

orientando-nos. Agradeço, especialmente, à

professora Viviane Cartagenes, pelo serviço de

correção das normas técnicas e, à bibliotecária Vera

Cardoso, pela ficha catalográfica.

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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Obrigado ao meu guardião e orientador,

Dr. Frei Silvio Almeida, OFM cap; pela dedicada e

proativa colaboração para que esta monografia

resultasse excelente. Obrigado à nossa amiga e

colaboradora, Professora Maria Conceição de Lima,

pela generosidade, delicadeza e competência em

realizar a correção gramatical desta monografia.

Manifesto minha gratidão aos meus

orientadores espirituais ao longo desta etapa da

Teologia, os confrades: Frei Pedro Antônio Zanni;

Frei Mário Ivon e Frei Arilson Uchoa; também, ao

Frei Arilson, pelo acompanhamento através do

Coaching Integral Sistêmico. Minha gratidão à

madrinha espiritual Irmã Maria Elisabete da

Trindade, ocd, e à amiga Irmã Maria Teresa da

Santíssima Trindade, ocd, pelas dedicadas orações e

acompanhamento epistolar.

Muito obrigado aos nossos amigos e

amigas da Paróquia dos Capuchinhos, especialmente

aos membros do Grupo Amigos da Vocações. Meu

agradecimento aos dedicados trabalhadores da nossa

paróquia e convento.

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“Diz-se em Ciências Naturais que a mão do homem

é adaptada a todos os trabalhos, porque é extensa e

dividida em muitas partes [...] Nesta mão, portanto,

devemos ter a oferta da virtude, da caridade e da

esmola, e o incenso da devoção interior, de modo

que façamos com devoção tudo quanto fazemos”

Santo Antônio de Lisboa (1998, p.485).

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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RESUMO

Parte do status quaestionis, da encíclica Laborem

Exercens, apresenta a relação do Papa Wojtyła com o

mundo do trabalho, o seu contexto histórico e a

teologia do trabalho que influenciaram o documento

e a sua recepção imediata. Mostra as nuances do

Magistério Social da Igreja, anterior ao Papa Wojtyła,

no que diz respeito à espiritualidade do trabalho.

Sintetiza, com foco teológico, a encíclica e sua

originalidade. Enfatiza compreensões teóricas sobre a

situação atual do trabalhador e dispõe as bases

bíblicas e do pensamento do cardeal Wyszyński sobre

espiritualidade do trabalho. Conclui, sublinhando

Jesus Cristo, trabalhador e redentor, e a configuração

à sua cruz e ressurreição, pela Eucaristia, como chave

principal para que o trabalho seja vivenciado como

meio de elevação do homem a Deus e de

transfiguração das realidades temporais.

Palavras-chave: Laborem Exercens. Papa Wojtyła.

Espiritualidade. Trabalho. Elevação. Eucaristia

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Espiritualidade do Trabalho

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

B Beato

CELAM Conferência Episcopal Latino Americana e

Caribenha

cf Conferir em...

GS Gaudium et Spes

MM Mater et Magistra

Mons Monsegnor (vescovo – bispo)

n. número

OA Octagesima Adveniens

Ocd Ordem Carmelita Descalça

OFM cap Ordem dos Frades Menores Capuchinhos

PP Populorum Progressio

PT Pacem in Terris

QA Quadrasesimo Anno

RN Rerum Novarum

S São

Sj Sociedade de Jesus, Jesuítas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................... 13

CAPITULO I - STATUS QUAESTIONIS.............. 19

I.1. Karol Wojtyła e o mundo do trabalho...........19

I.2. O contexto da Laborem Exercens................. 27

I.3. A recepção do documento............................ 36

CAPÍTULO II - A ENCÍCLICA LABOREM

EXERCENS............................................................ 41

II.1. Antecedentes da espiritualidade do trabalho

no Magistério Social da Igreja................................41

II.2. A estrutura do documento com os seus

aspectos teológicos................................................ 47

II.2.1. O trabalho e o ser humano...................... 51

II.2.2. O conflito entre trabalho e capital no

contexto histórico da Encíclica............................. 56

II.2.3. Direitos do ser humano do trabalho........60

II.3. A originalidade da encíclica........................ 63

CAPÍTULO III - O TRABALHO COMO

ELEVAÇÃO DO HOMEM...................................69

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III.1. Desafios atuais para uma espiritualidade no

trabalho................................................................... 70

III.2. Fundamentos bíblicos para uma

espiritualidade laboral............................................ 74

III.3. A influência do Cardeal Stefan Wyszyński e

da sua obra “O Espírito do Trabalho”.....................77

III.4. O trabalho a luz da Eucaristia, eleva o

homem a Deus........................................................ 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................. 85

REFERÊNCIAS..................................................... 89

INTRODUÇÃO

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No princípio, o divino artífice, ao criar o

céu e a terra (cf. Gênesis 1,1), modelou o ser humano

à sua imagem e semelhança, abençoou-o com o

crescimento e a fecundidade, e confiou-lhe o

trabalho de cuidar do mundo criado. Mas, aderindo

ao mal, o homem e a mulher deixaram de obedecer à

Palavra divina, apropriando-se, com autossuficiência,

da salvação, dom de Deus.

Assim, a sombra do mal entrou no

mundo e trouxe ao trabalho o drama da fadiga e da

dor, de modo que a pessoa humana, na atividade

trabalhista, padece o dramático destino de nutrir a

sua própria existência a partir da experiência

cotidiana da sua mortalidade, na estafa laboral e no

solo inculto. Até que a Palavra eterna assumiu a

condição humana (cf. João 1) e, com ela, o trabalho,

transfigurando-a na senda aberta a Deus, por sua

cruz e ressurreição.

Na arte de trabalhar, a pessoa humana

experimenta a realização da sua transcendência,

mediante a auto-doação. Construindo a ordem no

mundo, através da ação sobre a matéria, vai

conformando os entes por meio da sua corporeidade,

vinculada às suas dimensões psíquica e espiritual.

Nessa expressão de si, mediante a arte

laboral, o homem existe como nó de pulsões e

relações (Exupéry). “Essa intuição, que A. Saint-

Exupéry testificou em várias de suas obras, exprime

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exatamente a natureza do homem. Realmente, o

homem concreto é um nó de relações voltado para

todas as direções até para o infinito” (BOFF, 1985,

p.17).

No pensamento do filósofo e humanista

jesuíta, Padre Henrique Vaz (1921-2002), em

consonância com a constituição antropológica que

está na I Carta aos Tessalonicenses 5, 23, pelo corpo,

o homem entra em relação com a dimensão material,

pela alma, com a dimensão psicológica da alteridade

e, pelo espírito, com o próprio Deus.

O trabalho manifesta a transcendência

relacional do homem trabalhador (Homo Faber), que é

sempre ser humano em busca (Homo Viator). Ao

exercer o trabalho, o ser humano constrói o mundo

e, desse modo, constrói a si mesmo (cf.

ABAGNANO, 2007, p.1149).

No entanto, percebem-se, ao lado de

tantas possibilidades positivas na realidade

trabalhista, vários aspectos contraditórios que

parecem aviltar as belas perspectivas aludidas.

Desde a Modernidade, com os avanços

industriais e cibernéticos, quando o ser humano já

não está na infelicidade do desemprego, os

trabalhadores se encontram a exercer atividades que

não são perspectivas ao seu gênio e vocação, mas

acabam por ser aceitas pela necessidade que os

mesmos têm de sobreviver e suprir as necessidades

básicas dos seus.

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O ambiente de trabalho e o próprio

trabalho pode vir a representar uma realidade que

não corresponde ao que exige a dignidade da pessoa

humana e, em seu detrimento, manifestar a injustiça

que instrumentaliza o outro, alienando-o.

Nas grandes cidades, nas manhãs e

tardes dos dias de semana, ao se observar o

transporte coletivo, verifica-se grande quantidade de

estudantes e trabalhadores se espremendo, como

sardinhas enlatadas, por um longo tempo e em

condições desconfortáveis, até chegarem às suas

escolas ou locais de trabalho, ou – ao final da tarde-

retornando para os seus lares; sem falar no dia

estafante de trabalho e das tarefas próprias do lar.

Diante dessa situação, surgem as questões: como tais

pessoas experimentam a transcendência humana de

um modo positivo, no seu contexto de trabalho?

Elas conseguem sentir a presença de Deus em meio à

jornada cotidiana? Afinal, elas concebem o trabalho

como graça? Como a teologia pode ajudá-las a

transcender (para, depois, reformar) tais situações,

mediante uma genuína espiritualidade do trabalho?

Para tanto, há uma madura colaboração

do magistério social da Igreja, através da carta

encíclica Laborem Exercens, do Papa Karol Wojtyła

(São João Paulo II), que também é poeta e filósofo

engajado no personalismo cristão. Assim, esta

monografia enfatiza “o trabalho como elevação do

homem a Deus, na Laborem Exercens, de São João

Paulo II”.

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No I capítulo, Status Quaestionis,

apresentamos uma breve biografia de Karol Wojtyła,

na sua ligação com o mundo do trabalho; em

seguida, abordamos o contexto do documento ligado

à ambientação da Guerra Fria com os sistemas

Capitalista e Socialista a dividir o mundo, as lutas dos

operários poloneses no partido “Solidariedade”, a

construção da Teologia do Trabalho, a partir do

Concílio Vaticano II. Após, indicam-se algumas

perspectivas de recepção da encíclica.

No II capítulo, “A encíclica Laborem

Exercens”, inicia-se com uma visão panorâmica dos

documentos pontifícios da Doutrina Social da Igreja,

de Leão XIII até o Beato Paulo VI, no que acenaram

a temas da espiritualidade do trabalho; segue-se uma

síntese com ênfase teológica das quatro seções

iniciais da encíclica e, finalmente, a síntese da sua

quinta seção, ressaltando a sua originalidade em

apresentar a espiritualidade do trabalho e do próprio

homem que é sujeito do trabalho.

No III e derradeiro capítulo, “O

trabalho como elevação do homem a Deus”, trazem-

se à baila reflexões recentes de teóricos que

apresentam a situação atual do trabalhador em

aspectos positivos e negativos. Logo ressaltam-se os

aspectos bíblicos e o pensamento do cardeal polonês

Stefan Wyszyński sobre a espiritualidade do trabalho.

Nessa esteira, embasado no magistério do Papa

Wojtyła, apresenta-se a solução para as questões

levantadas, no próprio evangelho do trabalho, Jesus

Cristo. Ele trabalhou com as próprias mãos,

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assumindo e salvando o trabalho como colaboração

com a obra do Criador e na conformação ao mistério

da sua cruz e ressurreição. Ele está presente

realmente nos frutos do trabalho humano

apresentados ao altar e eucaristizados na liturgia da

Igreja, pela Palavra e pelo Espírito, tornados “Pão da

vida eterna e vinho da Salvação” (cf. Missal

Romano). Na Eucaristia está a presença real de Jesus

Cristo e de seu mistério pascal.

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CAPITULO I - STATUS QUAESTIONIS

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Elaborar um status quaestionis de um

tema, além de ser uma tarefa árdua, também é

necessária para que se compreenda melhor aonde se

quer chegar com a reflexão. O homem é um ser

histórico e vive inserido em uma história concreta.

Uma reflexão não nasce do acaso, ela traz uma

historicidade que, se considerada seriamente, pode

possibilitar uma maior compreensão e

desenvolvimento posterior.

Tratando-se de uma obra e de um ator

especifico, o status quaestionis tenta situar ambos

dentro da discussão atual sobre o tema, para poder

permitir colher a novidade e proporcionar uma

reflexão que seja madura, capaz de apontar

indicações que colaborem para um desenvolvimento

epistemológico acerca da realidade considerada. Por

isso, precisa-se apreciar o autor e a obra naquele

momento histórico, para entender o significado de

ambos, no ontem e no hoje da história do trabalho.

I.1 - Karol Wojtyła e o mundo do trabalho

Terceiro filho de trabalhadores, um

militar e uma dona de casa, Karol Wojtyła (São João

Paulo II) experimentou o trabalho manual em sua

juventude, pelo período da ocupação nazista na

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Polônia (1939-1944). Trabalhou na pedreira

Zakrzowel

Numa primeira etapa, o operário Wojtyła trabalha no fundo

desses estranhos barrancos – atualmente coberto por uma água

translúcida – protegidos no alto por uma cerca hesitante. A

rocha é cortada com explosivos. Usando um carrinho de mão,

Karol transporta blocos de pedra calcária para serem quebrados

a picareta. Os rochedos são depositados em pequenos vagões,

nos quais serão transportados por uma pequena locomotiva a

vapor até a usina (LECOMTE, 2005, p.79).

Em seguida, no laboratório de produtos químicos da

Borek Falecki:

No início do verão de 1941, Karol é transferido da pedreira

para a estação de purificação de água da usina química, que

produz bicabornato no lugar conhecido como Borek Falecki

[...] O trabalho é extremamente cansativo. Karol passa o dia

inteiro transportando baldes cheios de cal e soda cáustica, que

vertem, para diluição num imenso reservatório: o objetivo é

diminuir o índice de calcário na água encaminhada para as

caldeiras, para evitar a diminuição de sua capacidade térmica [...]

Karol Wojtyła trabalharia durante três anos nessas caldeiras, no

calor e na poluição” (LECOMTE, 2005, p.81)

Apesar de não estar habituado ao

trabalho pesado, o jovem estudante universitário é

praticamente forçado a esse trabalho. Ainda assim,

essa nova condição, adquirindo uma atitude

espiritual, não tomando o trabalho como peso, mas,

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vivenciando-o como graça, a ponto de poetar, nesse

período, sobre a grandeza do homem do trabalho,

como está na sua poesia Matéria:

Ouve: o ruído dos martelos, sua cadência uniforme,

Eu os faço ressoar nos homens

Para aliviar a força dos golpes.

Ouve: a corrente elétrica

Corta um rio de pedra.

Um pensamento cresce em mim a cada dia:

A grandeza do trabalho está no homem. [...]

Olha: como o amor se alimenta

De uma tão profunda raiva

Ela flui no fôlego dos homens,

Rio inclinado pelo vento. [...]

Pelo trabalho, tudo começa:

O que cresce no pensamento e no coração,

Os grandes acontecimentos, as multidões.

O amor amadurece ao ritmo uniforme dos martelos. [...]”

(WOJTYŁA apud LECOMTE, 2005, p.80)

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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Essa visão positiva sobre o trabalho

como obra do homem, ser espiritual e corporal, que

revela o ser do seu executor, não é unilateral, pois

não ignora o drama vivenciado pelo trabalhador. De

fato, no poema Em memória de um companheiro

de trabalho, o autor, referindo-se a um

companheiro que sofreu um acidente fatal, na lida da

pedreira, diz:

Não estava só,

Seus músculos se espalhavam em uma imensa multidão

Até que levantam o martelo, até que vibravam de energia

Mas isto só durou até que ele sentiu a terra embaixo dos pés

Até que a pedra não lhe abriu a fronte e não lhe entrou no

[coração

Levantaram o corpo, avançaram em silêncio

Ainda emanava dele fadiga e um sentido de injustiça.

Vestiam blusas cinzas, sapatos enlameados até o tornozelo

E daquele jeito revelavam que teriam de ter fim aquelas pessoas.

O tempo dele parou com violência

Nos quadrantes de baixa tensão, os ponteiros soltos

[improvisamente desceram a zero

A pedra branca entrou nele, corroeu sua essência

E o assimilou de tal forma, que o transformou em pedra

Quem levantará aquela pedra?

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Quem disporá de novo os pensamentos naquela fronte rasgada

Como se racha reboco de muro?

Deitaram-no sob um lençol de cascalho

Chegou a esposa desesperada, a criança voltou da escola.

É só isso? Só a sua raiva passará aos outros?

Não amadurecia nele, talvez, com verdade e amor

Gerações futuras devem, talvez, desfrutá-lo como bruta matéria

Despojando da sua essência mais intima e única

As pedras se movem de novo, a carreta desaparece entra as

[flores

De novo uma descarga elétrica cai sobre a pedreira

Mas o homem trouxe com ele a estrutura secreta do mundo

Onde o amor prorrompe mais alto, se mais um embebe a raiva.

(WOJTYŁA, 2017)

A visão de Karol Wojtyła sobre a

ambivalência do trabalho, deixa-se iluminar pela

potência transfiguradora da espiritualidade cristã.

Iluminado pelos escritos de São João da Cruz e Santa

Teresa de Ávila, que ganhara, por aquela época, do

piedoso alfaiate, o Servo de Deus Jan TyranowskI,

Karol Wojtyła realizará uma compreensão dialética

entre o peso próprio daqueles trabalhos e a doutrina

espiritual desses santos carmelitanos. Assim

testemunhou o Papa Wojtyła, em “Dom e Mistério”:

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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Jan Tyranowski. Era empleado de profesión, aunque había

decidido trabajar en la sastrería de su padre. Afirmaba que su

trabajo de sastre le hacía más fácil la vida interior. Era un

hombre de una espiritualidad particularmente profunda [...]

Tyranowski, que se estaba formando en los escritos de San Juan

de la Cruz y de Santa Teresa de Ávila, me introdujo en la

lectura, extraordinaria para mi edad, de sus obras. (JUAN

PABLO II, 1996).

Com o testemunho e a orientação

espiritual desse homem do trabalho, Wojtyła

assimilou a unidade da espiritualidade humana que

revela sua criatividade na ação laboral e o sentido do

próprio amor humano que se faz ação pelo bem da

alteridade. Outra influência espiritual lhe adveio da

leitura do livro “O Espírito do Trabalho” (1946), do

então bispo de Lublin, na Polônia, Stephan

Wyszynski (Cardeal-Primaz da Polônia, de 1953 a

1981), obra que retomaremos no último capítulo

deste. Certamente, tais experiências e orientações

influenciaram no amadurecimento do pensamento

filosófico e teológico wojtyliano.

Mais tarde, Karol Wojtyła – como

filósofo – pensou a fenomenologia do ato pessoal do

ser humano, como hermenêutica da personalidade

humana, na obra “Pessoa e ação” (1969); como

expressou na Introdução desta:

Las acciones son un momento privilegiado para ver la persona

y, por tanto, para conocerla experimentalmente. Constituyen

algo así como el punto de partida más adecuado para

comprender su naturaleza dinámica; y la moralidad, en cuanto

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Espiritualidade do Trabalho

25

propiedad intrínseca de las acciones, nos conduce a eso mismo

de manera aún más específica. En este lugar no nos interesan

los valores morales en sí mismos, lo que propriamente le

corresponde tratar a la ética, sino que nos interesa más bien el

hecho mismo de su constitución en acciones, su dinámico fieri.

Y esto porque ahí la persona se nos revela de manera más

profunda y amplia que en el acto mismo (WOJTYŁA, 2011,

p.44)

Também, na sua obra ética “Amor e

Responsabilidade” (1960), sobre o amor entre

homem e mulher, seguindo a Norma Personalista: “a

pessoa é um bem tal que só o amor se relaciona com

ela própria e plenamente” (WOJTYŁA, 1982, p.38),

expressando a ética da doação ao outro, no amor,

visando a educação e manutenção vital da prole, o

trabalho constitui um instrumento de recíproca

doação e, assim, de realização da pessoa humana. Da

sua elevação pessoal na prática do compromisso

familiar é que se cumpre o supremo valor do amor;

como está expresso na obra sobredita:

O amor é realmente o supremo valor moral. Mas é necessário

saber transferir as suas dimensões aos afazeres comuns da vida

cotidiana. E, precisamente por isso surge o problema da

educação do amor [...] O amor é dirigido por uma norma. Dela

é preciso deduzir o máximo valor de toda e qualquer situação

psicológica, para que esta atinja a própria plenitude e se torne a

expressão do amadurecido compromisso da pessoa. Na

realidade, o amor nunca é algo completo, algo ‘dado’ à mulher e

ao homem, sempre é uma ‘tarefa’ (WOJTYŁA, 1982, p.121).

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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Em 1962, quando pregou um retiro para

jovens universitários poloneses, Karol Wojtyła

enfatizou que o trabalho em si não é suficiente para

realizar profundamente o ser humano com seus

anelos e consciência, mas, se tomado como meio de

efetivação da diaconia do amor, com sua potência

criadora, pode descarregar os sentimentos de revolta

e frustrações do ser humano; assim, o trabalho não é

um simples meio de utilidade, antes, é um meio

teleológico orientado para Deus e para o próximo.

Karol Wojtyła também se expressou com os termos:

“se o trabalho não for um modo de realização de

serviço e de amor, se o trabalho não tiver um valor

que derive da pessoa, poderá aniquilar o homem!

Mas o trabalho pode possuir também o valor que

constrói o homem” (WOJTYŁA, 1984, p.32).

Tais reflexões foram movidas pelo dever

pastoral de enfatizar a ação dos trabalhadores à luz

da doutrina cristã, frente ao perigo vigente de uma

leitura apenas materialista do trabalho, estandartizada

pelo marxismo vigente na União Soviética, no Leste

Europeu, sobretudo na Polônia, sua pátria, onde o

trabalho se configurava mais como uma obrigação

servil que um serviço engrandecedor da pessoa

humana.

Com sua intuição cristã, frente ao perigo

que se abatia sobre a concepção e a práxis de uma

genuína antropologia do trabalhador, o Papa

Wojtyła, iluminado por Deus e sob perenes bases

teóricas e magisteriais, impostou uma melhor

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Espiritualidade do Trabalho

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compreensão antropológica do trabalho na encíclica

Laborem Exercens.

I.2 - O contexto da Laborem Exercens

O santo Papa Wojtyła, na esteira da

Constituição pastoral Gaudium et Spes,1 do Concílio

Vaticano II (1962 – 1965), contribuiu para a

Doutrina Social da Igreja, abordando o tema do

trabalho, através da encíclica Laborem Exercens (1983),

em comemoração ao 90° aniversário da Rerum

Novarum de Leão XIII, evidenciando o trabalhador

como sujeito do trabalho e, este, como chave da

questão social; opondo-se às ideologias marxista (o

homem e sua cultura como produtos do trabalho) e

neoliberal (instrumentalização utilitarista do ser

humano, em troca de capital).

1 Números-chave desta constituição acerca do trabalho e sua espiritualidade: n.22 “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”; n.67 “É com o seu trabalho que o homem sustenta de ordinário a própria vida e a dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode exercitar uma caridade autêntica e colaborar no acabamento da criação divina. Mais ainda: sabemos que, oferecendo a Deus o seu trabalho, o homem se associa à obra redentora de Cristo, o qual conferiu ao trabalho uma dignidade sublime, trabalhando com as suas próprias mãos, em Nazaré. Daí nasce para cada um o dever de trabalhar fielmente, e também o direito ao trabalho; à sociedade cabe, por sua parte, ajudar em quanto possa, segundo as circunstâncias vigentes, os cidadãos para que possam encontrar oportunidade de trabalho suficiente” (GAUDIUM ET SPES, 2017).

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Para tanto, houve um contexto histórico

e teológico que levou Karol Wojtyła a dar uma nova

impostação magisterial ao trabalho humano nesta

encíclica. Neste ponto, necessita-se considerar tal

contexto.

O mundo se encontrava dividido em

dois blocos econômicos contrapostos na busca da

hegemonia global, envolvido numa competição

bélica e técnica, ameaçando o globo terrestre com a

possibilidade de uma destruição sem precedentes,

numa possível III Guerra mundial. Os blocos

econômicos da economia socialista, levados pela

União Soviética, e o do capitalismo liberal,

conduzido pelos Estados Unidos, e suas ameaças de

mútua destruição, dividiram o globo entre Oriente

socialista e Ocidente capitalista, caracterizando o

período conhecido por Guerra Fria (1945-1991).

Sobre essa realidade, Wojtyła se expressou na

encíclica Sollicitudo Rei Socialis (1987).

No Ocidente, existe, de fato, um sistema que se inspira

fundamentalmente nos princípios do capitalismo liberalista, tal

como este se desenvolveu no século passado, com a

industrialização; no Oriente, há um sistema inspirado pelo

coletivismo marxista, que nasceu da interpretação da condição

das classes proletárias feita à luz de uma leitura peculiar da

história. Cada uma das duas ideologias, referindo-se a duas

visões tão diferentes do homem, da sua liberdade e do seu papel

social, propôs e promoveu, no plano económico, formas

antitéticas de organização do trabalho e de estruturas da

propriedade, especialmente pelo que se refere aos chamados

meios de produção. [...] As relações internacionais, por sua vez,

não podiam deixar de sentir os efeitos desta «lógica dos blocos»

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Espiritualidade do Trabalho

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e das respectivas «esferas de influência». Nascida logo após a

conclusão da segunda guerra mundial, a tensão entre os dois

blocos dominou os quarenta anos que se seguiram, assumindo,

quer carácter de «guerra fria», quer o de «guerra por

procuração», mediante à instrumentalização de conflitos locais,

quer mantendo os espíritos na incerteza e na ansiedade, com a

ameaça de uma guerra aberta e total. (JOÃO PAULO II, 1987).

No mundo da Filosofia, o trabalho foi

visto como positividade e meio de construção da

cultura e do próprio ser humano, a partir dos

pensamentos dialéticos de Georg Hegel (1770-1831)2

e Karl Marx (1818-1883)3, que influenciaram a

ideologia do bloco socialista representado pela União

Soviética, com ênfase na negação de Deus e da

transcendência espiritual do ser humano; em

contrapartida a Hegel e Marx, Søren Kierkergaard

2 Conforme Nicola Abagnano (2007, p.1148): “Já nas Lições de Iena (1803-1804) Hegel considerava o Trabalho como a ‘mediação entre o homem e seu mundo’; de fato, diferentemente dos animais, o homem não consome imediatamente o produto natural mas elabora, das maneiras e para as finalidades mais diversas, a matéria fornecida pela natureza, dando, assim, à tal matéria, o seu valor e a sua conformidade ao objetivo (Fil. Do dir.§196). É só na satisfação das necessidades por meio do Trabalho que o ser humano é realmente humano: porque se educa tanto teoricamente, através dos conhecimentos que o Trabalho exige, quanto na prática, por se habituar à ocupação, adequando sua própria atividade à natureza da matéria e adquirindo aptidões universalmente válidas” 3 “Os homens começaram a distinguir-se dos animais, segundo Marx, quando ‘começaram a produzir seus meios de subsistência, progresso este que é considerado por sua organização física. Produzindo seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material’ (A Ideologia Alemã, I, A; trad. It, p.17) [...] A produção e o Trabalho não são, portanto, uma condenação para o homem: são o homem mesmo, o seu modo específico de ser e de fazer-se homem” (ABAGNANO, 2007, p.1149).

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(1813-1855)4, com seu existencialismo cristão, havia

valorado o trabalho, ligando-o à dignidade humana.

No Século XX, com o patrocínio da

hierarquia da Igreja, surgiram grupos de leigos ou

clérigos, que aproximaram a espiritualidade católica

da esfera do trabalho, tais como a Juventude

Operária Católica (1923 – Bélgica), a Prelazia da

Santa Cruz e Opus Dei (1928- Espanha), a Ação

Católica (1929 – Papa Pio XI), os Padres Operários

(1943 –França), entre outros.

No mundo teológico em torno ao

Concílio Vaticano II, o teólogo francês, Marie-

Dominique Chenu, fundador da revista Concillium,

(1895-1990) destacou-se com a Teologia do Trabalho5,

que é “o prato forte, a ponta de diamante do edifício

teológico de Chenu, sendo, ao mesmo tempo, a sua

contribuição mais importante, original e válida à

teologia perennis” (MONDIN, 1979, p.145),

devidamente valorizada no pós-concílio. Para esse

teólogo,

4 “Do ponto de vista de uma ética religiosa, Kierkegaard afirmava, por sua vez, a estreita ligação do Trabalho com a dignidade do homem. Dizia que ‘[...]O dever de trabalhar para viver exprime o universal humano e o exprime também no sentido de ser uma manifestação da liberdade’ (Entweder-Óder II)” (ABAGNANO, 2007, p.1149). 5 Para Battista Mondin (1979, p.149): “Na construção de Chenu [...], a parte mais importante e original é a teologia do trabalho. Nesse ponto, ele preencheu um vazio que durava há séculos. É certo que ele não foi o único a se interessar por esse problema do nosso tempo. Paralelamente a ele, outros teólogos (Teilhard de Chardin, Congar, Philips e Thils, entre os católicos; Tillich, Bonhoeffer, Gogarten, Cox e muitos outros, entre os protestantes) examinaram o assunto. Mas ele apresentou uma solução que supera todas as outras pela sua solidez dos argumentos e a amplitude de visão”

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a dura realidade do trabalho leva à efetiva validade da justiça, a

virtude máxima da nova sociedade [...] O cristão, aberto à

transformação do processo do trabalho, saberá entender o

alcance, as dificuldades, a delicadeza desse novo e rico

fenômeno, que se abre à lei do evangelho. Ele não se recusará a

um amor de indivíduo a indivíduo. Ele reconhecerá o seu

‘próximo’ também lá onde não o encontra mais pessoalmente,

mas só através do intricado aparato social [...] A construção do

Corpo Místico de Cristo, mesmo mediante a demonstração de

um amor quase institucionalizado, liga-se à construção de um

mundo, no qual o trabalho humano garante uma certa

maturação da criação para a sua coroação na glória (CHENU,

1971, p.348)

A III Conferência Geral do Episcopado

Latino-americano, sob o tema: “A evangelização no

presente e no futuro da América Latina”, realizada

em Puebla, México, em 1979, que contou com a

participação de São João Paulo II, tratou do tema do

trabalho como gesto litúrgico (n° 213):

Por Cristo, único Mediador, participa a humanidade da vida

trinitária. Cristo, hoje, sobretudo por sua atividade pascal, nos

leva a participar do mistério de Deus. Por sua solidariedade

conosco, nos torna capazes de vivificar pelo amor nossa

atividade e transforma nosso trabalho e nossa história em gesto

litúrgico, isto é, de sermos protagonistas com Ele na construção

da convivência e das dinâmicas humanas que refletem o

mistério de Deus e constituem sua glória vivente (III CELAM,

1979, p. 131).

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Do mesmo modo, o Papa Wojtyła

enfatizou a necessidade de promover, pela oração

particular dos fiéis, a santificação do trabalho (n°

956): “Promover as obras que fomentem a

santificação do trabalho” (III CELAM, 1979, p. 277).

Na ocasião dessa viagem (1979), São

João Paulo II, em 30 de janeiro, discursou aos

operários, acentuando aspectos da espiritualidade do

trabalho:

O trabalho não é uma maldição, é uma bênção de Deus que

chama o homem a dominar a terra e a transformá-la, a fim de

que, com a inteligência e o esforço humano, continue a obra

criadora e divina [...] o trabalho não deve constituir mera

necessidade, deve ser visto como uma verdadeira vocação, um

chamamento de Deus para construir um mundo novo em que

habitem a justiça e a fraternidade, antecipação do Reino de

Deus, onde já não haverá nem faltas, nem limitações. O

trabalho deve ser o meio para que toda a criação esteja

submetida à dignidade do ser humano e filho de Deus [...] O

mistério central da nossa vida cristã que é o mistério da Páscoa,

faz-nos olhar para o céu e para a terra nova. No trabalho deve

existir essa mística pascal, coma qual os sacrifícios e as fadigas

se aceitam com impulso cristão, a fim de fazer com que

resplandeça mais claramente a nova ordem querida pelo Senhor

e para fazer um mundo que corresponda à bondade de Deus na

harmonia, no amor e na paz (JOÃO PAULO II, 1979, p.127).

No ano 1980, na sua viagem ao Brasil, ao

discursar aos operários, em São Paulo, São João

Paulo II acentuou o trabalho como serviço e

disciplina que engrandece o homem: “o trabalho é

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um serviço, um serviço a suas famílias e a toda a

cidade, um serviço no qual o próprio homem cresce

na medida em que se dá aos outros. O trabalho é

uma disciplina em que se fortalece a personalidade”

(JOÃO PAULO II, 1980, p.112).

Na América Latina, com grande parte

das suas nações oprimidas em estado político de

exceção, sob os militares; sob a tensão da Guerra

fria, ganhavam força, entre o povo culto, as

doutrinas marxistas e seus partidos, como modo de

luta pela liberdade truncada pelos então regimes

políticos, aí surge a Teologia da Libertação, com

fundamentos bíblicos no êxodo, nos profetas e na

proximidade de Jesus com os marginalizados;

incorporando em si, em um certo momento,

concepções metodológicas da filosofia de Karl Marx.

A bíblia e o discurso teológico se tornam

compreensíveis ao mundo das classes oprimidas

neste contexto histórico, dentre estas a de parte dos

trabalhadores braçais e menos abastados, criando

uma simpatia pela luta de classes. Para o pai da

Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez (1986,

p.268):

A teologia da libertação é uma teologia de salvação nas

condições concretas, históricas e políticas de hoje. Essas

mediações históricas e políticas atuais valorizadas por si

mesmas, alteram a vivência e a reflexão sobre o mistério

escondido desde todos os tempos e revelado agora, sobre o

amor do Pai e a fraternidade humana, sobre a salvação.

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Outros fatores da década de 1980, que

marcaram profundamente o contexto desta encíclica,

foram o processo de decadência da União Soviética e

as lutas do sindicato de Trabalhadores Solidariedade,

na Polônia, com o apoio do Papa Wojtyła, pela

independência do seu país que estava sob as

diretrizes da União Soviética.

Baseadas no planejamento centralizado,

as economias do bloco de países socialistas,

organizavam a produção conforme as metas

estabelecidas pelo Estado. Isso gerava graves

problemas sociais, como a escassez de alimentos e

bens de consumo, e a estagnação tecnológica,

afundando os países deste bloco numa profunda

crise, entre as décadas de 1970-1980. A partir de

1985, sob Mikhail Gorbachev, como secretário geral

do Partido Comunista, o bloco comunista foi se

abrindo, com diversas medidas modernas, à

democratização, culminando na queda da União

Soviética, em 1989, com a abertura política,

encerrando a Guerra Fria, representada com o

evento da queda do Muro de Berlim, naquele ano.

Nesse panorama, na Polônia, sobre a

qual se impôs o domínio da União Soviética após a II

Guerra Mundial, tonando-se país satélite do bloco

comunista, na década de 1970, a economia polonesa

imergia numa profunda crise por dívidas contraídas

com o Fundo Monetário Internacional. O governo

polonês promovia o racionamento obrigatório,

aumentando os preços de alimentos e bens de

consumo.

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Em 1980, a reação dos trabalhadores

poloneses se concretizou com a fundação do

sindicato Solidariedade, liderado pelo operário Lech

Walesa, espalhando a greve trabalhista por toda a

Polônia. Tal movimento encontrou o amplo apoio

do Papa Karol Wojtyła, filho daquela nação. Wojtyła

se expressou revisando o sucesso dos trabalhadores

poloneses naquela década, no número 23, da

encíclica Centesimus Annus:

De entre os numerosos fatores que concorreram para a queda

dos regimes opressivos, alguns merecem uma referência

particular. O fator decisivo, que desencadeou as mudanças é,

certamente, a violação dos Direitos do trabalho. Não se pode

esquecer que a crise fundamental dos sistemas, que pretendem

exprimir o governo ou, melhor, a ditadura do proletariado,

inicia com os grandes movimentos verificados na Polônia, em

nome da solidariedade. São as multidões dos trabalhadores a

tornar ilegítima a ideologia, que presume falar em nome deles, a

reencontrar e quase redescobrir expressões e princípios da

doutrina social da Igreja, a partir da experiência difícil do

trabalho e da opressão que viveram. Merece, portanto, ser

sublinhado o facto de, quase por todo o lado, se ter chegado à

queda de semelhante «bloco» ou império, através de uma luta

pacífica que lançou mão apenas das armas da verdade e da

justiça (JOÃO PAULO II, 1991).

O Partido Comunista reagiu a tal levante

popular gerado pelo Solidariedade, nomeando para a

Polônia o general Wojciech Jaruzelski que, em 1981,

decretou a lei marcial de estado de sítio, aprisionando

todos os líderes do Solidariedade, os quais, mesmo

encarcerados, continuaram a se organizar de modo

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clandestino, com o apoio da Igreja Católica. Tais

lideres só foram libertos em 1988, terceiro ano de

uma nova crise econômica marcada por vivos

protestos de revolta no país. O governo socialista

polonês já estava totalmente desacreditado na

opinião pública polonesa. O general Jaruzelski

reuniu-se com os líderes do Solidariedade, tornando-o

o primeiro sindicato livre da União Soviética. O

Partido Comunista suplantou Jaruzelski por um

presidente interino não-comunista, que preparou as

eleições totalmente livres, em 1990, quando o povo

democraticamente elegeu presidente o operário Lech

Walesa que, no seu governo, ativou um programa de

reformas econômicas, integrando a Polônia na

democracia capitalista.

Tal foi o contexto do documento. Dado

que adentraremos no texto da encíclica no próximo

capítulo, considerado o seu contexto, passamos a

verificar a sua recepção.

I.3 - A recepção do documento

Na recepção da encíclica Laborem

Exercens, pudemos colher de vários periódicos e

livros teológicos e pastorais que sucederam

imediatamente a encíclica, algumas posições que

catalogamos em: a) compreensão de simpatia

marxista; b) compreensão de crítica ao capitalismo; e

c) crítica de simpatizantes da Teologia da Libertação

à encíclica.

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A posição de simpatia marxista percebe

que o Papa Karol Wojtyła pareceu usar alguns

conceitos da antropologia marxista. Para o Padre

Jaime Correa, no artigo “Laborem Exercens: um

confronto com o marxismo” (1982), a concepção de

homem e trabalho como chave da questão social, da

essência humana constituída pelo trabalho e da

alienação do trabalho como raiz da alienação

econômica são ideias tomadas de Karl Marx e

reelaboradas na perspectiva da Doutrina Social da

Igreja, pelo humanismo cristão de Karol Wojtyła.

Conforme Correa (1982, p.325):

O humanismo cristão, ponto central da encíclica, embora inclua

elementos positivos do marxismo, supera-o em clareza,

amplitude e coerência de fundamentação. Alude, além do mais,

a problemas e questionamentos atuais, que Marx não pôde ter

presentes e que muitos neomarxistas querem solucionar,

repetindo enunciados e problemas de um século atrás.

O Padre Luiz Benedetti, no artigo

“’Laborem Exercens: uma encíclica exigente” (1982),

faz uma leitura da encíclica muito entusiástica, numa

perspectiva de valores de militância que foram

próprios da Teologia da Libertação e seu vínculo

marxista. Escreveu Benedetti (1982, p.13):

A importância pastoral deste item [A espiritualidade do

trabalho] está no fato de ser a chave para solucionar questões

do tipo fé e política [...]. No fundo, há uma solução nova para

problemas do tipo ação-contemplação, liturgia-militância. Não

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são atitudes separadas, opostas, mas atitudes que mutuamente

se exigem, uma vez que a ação humana – trabalho – é, por

natureza, “subjetividade”, “consciência”, “significação

interiorizada”

A compreensão de crítica ao capitalismo,

ao seu turno, ressalta os aspectos que podem ser

utilizados para atacar o sistema capitalista e

neoliberal como corruptores do trabalho, roubando

ao trabalhador sua dignidade e transformando-o em

mercadoria. Para o Padre Paschal Rangel no artigo

“Alguns aspectos da ‘Laborem Exercens’” (1981), o

primado da pessoa impostado pela encíclica não

compactua com o comportamento individualista,

mas está aberto à alteridade; a alusão a ideias

marxistas na encíclica é só um diálogo imposto pela

conjuntura política na Guerra Fria, onde se destacou

o bloco socialista; não é porque tal encíclica

reconheceu certa “evolução histórica” capitalista no

mercantilismo primitivo, que ela esteja de acordo

com o capitalismo neoliberal, menos ainda alguma

aprovação a tal sistema. Escreve Rangel (1981,

p.249):

Os capitalistas se arranjam com a crise; os trabalhadores, não.

Fica uma pergunta: essa situação de desrespeito para com o

trabalho humano, tratado como uma mercadoria descartável

quando não interessa mais, é intrínseca ao capitalismo ou é uma

falha humana dos capitalistas históricos?

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Outra reação que encontramos foi a de

teóricos envolvidos com a Teologia da Libertação,

que criticaram aspectos da espiritualidade do trabalho

enfatizados pela encíclica. Por exemplo, a

discordância de que na Sagrada Escritura, trabalhe-se

para participar da obra criadora de Deus. Para José

Comblin (1985, p. 181):

Por outro lado, quando a Bíblia menciona o trabalho do povo,

ela não o relaciona com a obra de Deus. O próprio trabalho de

Jesus em Nazaré não foi destacado como colaboração com o

Deus criador e Paulo não invoca essa motivação para exigir essa

fidelidade ao trabalho ou para justificar o seu próprio trabalho.

O motivo sempre invocado ou subjacente é comer. É preciso

trabalhar para comer.

Após se enfatizarem essas reações à

encíclica em questão e se compreender o seu

contexto histórico, há de se adentrar à própria

Laborem Exercens na sua estrutura, originalidade e

posição dentro da Doutrina Social da Igreja.

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CAPÍTULO II - A ENCÍCLICA LABOREM

EXERCENS

Pretende-se, aqui, deter-se sobre o

documento em questão, sem, todavia, intentar sua

apresentação metodológica. E sim, apresentar a

encíclica colhendo sua importância no contexto

histórico onde a mesma está situada, sua importância

no magistério da Igreja e originalidade. Isso

favorecerá muito compreender o trabalho como

elevação do homem, argumento central dessa

pesquisa. O que até o momento pode ser

considerado como hipótese, será verificado e

comprovado se o documento em questão for

assumido no seu contexto, conteúdo e originalidade.

II.1 - Antecedentes da espiritualidade do

trabalho no Magistério Social da Igreja

Nos vários documentos pontifícios que

constituem o Magistério Social da Igreja, desde a

carta encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, ano

1891, até a carta apostólica Octogesima Adveniens, do

beato Paulo VI, ano 1971, é possível apreciar

indicações sobre a espiritualidade do trabalho que

exerceram influência sobre o magistério social do

Papa Wojtyła. Nota-se uma crescente torrente de

acenos à espiritualidade laboral, que foi recebida e

levada à sua maior expressão magisterial na Laborem

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Exercens. Quanto ao tema do trabalho em geral e de

seu sujeito em si, tratado de modo exaustivo, em

todo o Magistério Social da Igreja, não convém

abordar nesta monografia, pois escaparia ao tema, e

aumentaria seu volume de modo supérfluo.

Na Rerum Novarum6 (1891), Leão XIII

escreve que o homem, mesmo na inocência

paradisíaca, na graça, era destinado a trabalhar,

escapando da ociosidade (RN 6); ademais, o trabalho

corporal é causa de nobreza e honra para o ser

humano, pois lhe é sustento digno de vida; também

o Cristianismo prescreve o bem da alma dos

trabalhadores e seus interesses espirituais (RN 10);

considera que o Filho de Deus encarnado consumiu

grande porção de sua existência terrena no trabalho,

como filho de artesão (RN 13); expressa que o

repouso do trabalho, unido à religião, chama o

trabalhador a elevar a mente para Deus (RN 24),

tanto que o dia do descanso e o da dedicação à

Religião no Domingo deve ser condição

imprescindível na expressão do contrato trabalhista

(RN 26).

Pio XI, através da carta encíclica

Quadragesimo Anno7 (1931), constata e lamenta que o

trabalho, ao invés de cumprir sua finalidade espiritual

como remédio para o corpo e para a alma, após a

queda dos primeiros pais, tenha se transformado em

matéria de perversão, não mais elevando o

trabalhador. Aconselha que os operários reprimam

6 Sigla: RN. 7 Sigla: QA.

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os sentimentos de ódio e inveja, no contexto da luta

de classes da doutrina marxista e se empenhem com

honradez no bem comum, a exemplo de Cristo,

Filho de Deus, que se fez operário na terra.

No ano 1941, na "Radiomensagem de

Pentecostes", Pio XII manifestou que, na globalidade

laboral, as energias físicas e espirituais do ser

humano abrem-se ao desenvolvimento sadio e

responsável (n. 4), vinculando o trabalho com outros

dois valores fundamentais do ser humano: o usufruto

dos bens materiais e a família (n.9). Enfatizou que as

normas do Estado no campo laboral, se legítimas e

benéficas, respeitam os exercícios dos Direitos e

deveres dos trabalhadores como o do culto divino e

o de optar por seguir uma verdadeira vocação (n.21).

Encerra o discurso, recomendando aos trabalhadores

o culto ao Sagrado Coração de Jesus (n.27).

São João XXIII, na encíclica Mater et

Magistra8, ano 1961, reconhece e estimula "as

associações profissionais e os movimentos sindicais

de inspiração cristã" que fomentam a elevação moral

dos trabalhadores com positivos resultados no

mundo, com um forte influxo de renovação cristã no

mundo do trabalho (MM 100-101). Enaltece o

trabalho dos agricultores, reconhecendo maior

facilidade para desenvolver uma espiritualidade, em

colaboração com a divina providência, perante o

contato direto com a obra do Criador (MM 143.

148). Exorta os patrões e autoridades que têm poder

sobre os trabalhadores, que não impeçam seus

8 Sigla: MM.

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subordinados de observarem os preceitos de Deus e

da Igreja (MM 251); afirma ser correspondente ao

plano da divina providência que o trabalhador se

aperfeiçoe pela sua obra cotidiana (MM 254) e,

dirigindo-se ao clero e aos fiéis leigos que exercem,

como membros do corpo místico de Cristo, seus

respectivos trabalhos, ensina que "todo o trabalho e

todas as atividades, mesmo as de caráter temporal,

que se exercem em união com Jesus, divino

Redentor, tornam-se um prolongamento do trabalho

de Jesus e dele recebem virtude redentora: "Aquele

que permanece em mim e eu nele, produz muito

fruto" (João 15,5). É um trabalho, através do qual

não só realizamos a nossa própria perfeição

sobrenatural, mas contribuímos também para

estender e difundir aos outros os frutos da

Redenção, levedando, assim, com o fermento

evangélico, a civilização em que vivemos e

trabalhamos." (MM 257).

Ainda São João XXIII, agora na encíclica

Pacem in Terris9, do ano 1963, considerou a adequação

do direito ao trabalho, ao lado da liberdade de

iniciativa, na esfera econômica, como exigência

natural da pessoa (PT 18); também, que o valor

constituído pela dignidade humana deve pautar o

direito do exercício responsável da atividade

econômica, conforme a justiça, satisfazendo a vida

digna do trabalhador e da sua família (PT 20).

Enfatiza que "para impregnarem de retas normas e

princípios cristãos uma civilização, não basta gozar

9 Sigla: PT.

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Espiritualidade do Trabalho

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da luz da fé e arder no desejo do bem. É necessário,

para tanto, inserir-se nas suas instituições e trabalhá-

las eficientemente por dentro" (PT 146).

A Constituição pastoral Gaudium et Spes10,

do Concílio Vaticano II (1962-1965), promulgada no

ano 1965, considerando que na Encarnação o Filho

de Deus está em comunhão com cada pessoa

humana e que “o mistério do homem só no mistério

do Verbo encarnado se esclarece

verdadeiramente”(GS 22), pois, assumindo a nossa

condição humana, o Filho de Deus “trabalhou com

mãos humanas, pensou com uma inteligência

humana, agiu com uma vontade humana, amou com

um coração humano”(GS 22). Enfatiza que a norma

para a atividade humana, incluindo o trabalho, é

“segundo o plano e vontade de Deus, conforme com

o verdadeiro bem da humanidade e torna possível ao

homem, individualmente considerado ou em

sociedade, cultivar e realizar a sua vocação integral”

(GS 35), que consiste em assemelhar-se a Deus uno e

trino, vivendo a comunhão pessoal, seguindo os

passos de Cristo, imagem do Pai (cf. GS 12; GS 22).

O Beato Paulo VI, na carta encíclica

Populorum Progressio11, de 1967, apontando a

solidariedade universal como dever de todos os seres

humanos (PP 17) e o desenvolvimento como novo

nome da Paz (PP 87), aborda a passagem do Gênesis

sobre o dever dado ao homem de encher e dominar

a terra, mostrando o homem como fim da criação,

10 Sigla: GS. 11 Sigla: PP.

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desde que ele a valore com o seu trabalho,

aperfeiçoando-a com o seu serviço (PP 22).

Confirma que o trabalho humano é querido e

abençoado pelo Criador, embora critique como

exagerada uma certa mística do trabalho, pois "todo

trabalhador é um criador", imprimindo seu caráter na

matéria por ele trabalhada e, quando vivenciado em

comum, na comunidade de trabalhadores, o trabalho

é propício para construir laços fraternos, mostrando

aos homens do trabalho que são irmãos (PP 27).

Também, o trabalho humano, pois consciente e livre,

quando exercido por cristãos, "tem ainda a missão de

colaborar na criação do mundo sobrenatural,

inacabado, até chegarmos todos a construir esse

Homem perfeito de que fala são Paulo, "que realiza a

plenitude de Cristo" (Efésios 4, 13)" (PP 28).

O mesmo pontífice, na carta apostólica

Octogesima Adveniens12, em 1971, usa a metáfora do

trabalho para enfatizar o dever de todos, sobretudo

dos cristãos, em se empenharem com todas as

energias na construção da fraternidade universal,

alicerce de genuína justiça e paz permanente (OA

17); ainda, afirma a dignidade do trabalho,

considerando a necessária ação econômica, se está a

serviço do ser humano, como fonte da fraternidade

universal e sinal da ação da Providência divina na

história (OA 46); cita o exemplo dos presbíteros

enviados pela Igreja a exercerem o seu ministério no

mundo dos trabalhadores, partilhando suas

atividades laborais (OA 48).

12 Sigla: OA.

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Todos esses documentos supracitados

exercem certa influência da encíclica Laborem

Exercens. Ora, podemos afirmar que tal influência se

dar, seja por motivo epistemológico, ou seja, o autor

considera a reflexão anterior como discursão sobre o

tema; seja por motivo magisterial, um documento

pontifício não pode desconsiderar o magistério

precedente, ou seja, o que está contido em outros

documentos.

Não obstante a influência e consideração

da matéria precedente, é necessário colher a

novidade, em suas diversas propriedades, no

documento em questão. Para isso faz-se necessário,

antes de tudo, considerar o dito texto, seja na sua

estrutura como também no seu conteúdo, nesse

caso, os aspectos teológicos do mesmo.

II.2 - A estrutura do documento com os seus

aspectos teológicos

Obtida uma visão panorâmica de

apontamentos da espiritualidade do trabalho,

esparsos no Magistério Social da Igreja que

antecedeu o Papa Wojtyła, este trabalho passa a

observar, de modo sintético, a estrutura da Laborem

Exercens13, acentuando a sua perspectiva teológica.

13 Publicada em 14 de setembro de 1981.

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A carta Encíclica Laborem Exercens, sobre

o trabalho humano, publicada no nonagésimo

aniversário da encíclica Rerum Novarum, é dirigida aos

membros do Povo de Deus e a todo ser humano de

boa vontade, mostrando o caráter católico da

doutrina social que expressa.

Disposta em cinco partes, ressalta a sua

motivação histórica, que é a dimensão antropológica

do trabalho, o conflito entre trabalhadores e a

economia capitalista no contexto da Guerra Fria, e a

defesa dos Direitos humanos no mundo do trabalho.

Sua conclusão dá bases para uma espiritualidade do

Trabalho, em 27 tópicos de abordagem.

Deste modo, a esta altura desta

monografia, cabe uma síntese em perspectiva

teológica da referida encíclica.

O trabalho é instrumento de evolução da

criatura humana a nível corporal e espiritual no

mundo e na história, e encontra raízes teológicas na

protologia bíblica que, no livro do Gênesis, apresenta

Deus como o artífice criador fazendo o ser humano

à sua imagem e semelhança (cf. Gênesis 1, 26s), com

a vocação de trabalhar, cuidando da criação.

Nesse sentido, o trabalho é peculiar ao

homem, tornando plena a sua existência espiritual e

material, inscrito na natureza humana constituída por

corpo, alma e espírito (cf. I Tessalonicenses 5, 23).

Desde o princípio de seu estatuto criatural, o

trabalho como ação de colaborar na criação, pode ser

concebido como elemento fundamental da imagem

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de Deus no ser humano, ao lado da vontade,

inteligência, liberdade e da comunhão pessoal, dada

na corporalidade14. Conforme as palavras iniciais da

Laborem Exercens:

Feito à imagem e semelhança do mesmo Deus no universo

visível e nele estabelecido para que dominasse a terra, o

homem, por isso mesmo, desde o princípio é chamado ao

trabalho. O trabalho é uma das características que distinguem o

homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a

manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho;

somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o

homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua

existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma

marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma

pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal

marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e,

em certo sentido, constitui a sua própria natureza. (JOÃO

PAULO II, 1981).

Há noventa anos do magistério social de

Leão XIII, introduziu-se essa encíclica considerando

o ser humano como redimido por Cristo, a quem a

14 Conforme o documento “COMUNHÃO E SERVIÇO: a pessoa humana criada à imagem de Deus”, n.40, da Comissão Teológica Internacional, ano 2004: “As pessoas criadas à imagem de Deus são seres corpóreos cuja identidade, masculina ou feminina, os destina a um tipo especial de comunhão uns com os outros. Como ensinou João Paulo II, o significado nupcial do corpo encontra sua realização no amor e na intimidade humana, que refletem a comunhão da Santíssima Trindade, cujo amor recíproco se derrama na criação e na redenção. Esta verdade está no centro da antropologia cristã. Os seres humanos são criados à imago Dei justamente como pessoas capazes de conhecimento e de amor pessoais e interpessoais. É em virtude da imago Dei neles que estes seres pessoais são também seres relacionais e sociais, compreendidos em uma família humana, cuja unidade é ao mesmo tempo realizada e prefigurada na Igreja. ” (COMISSÃO, 2004).

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Igreja serve para que trilhe o caminho da salvação. O

ser humano é via da Igreja, por isso, o trabalho

humano lhe exige uma visão renovada e atenta, aliada

ao testemunho, pois o homem trabalha para ganhar

seu sustento de cada dia, doando suas energias

corporais, através da estafa e do suor.

A Igreja está a serviço da dignidade de

seus filhos trabalhadores, objetos dos Direitos

humanos, e se empenha pela justiça e pela paz no

mundo, pelo desenvolvimento da humanidade,

iluminada pela unidade da luz pascal de Cristo. A

Igreja também denuncia as injustiças no mundo.

O trabalho, componente fundamental da

vida humana e da própria sociedade, mostra o

homem como co-criador do mundo e da sociedade e,

assim, o trabalho é concebido como chave da

questão social. Assim o diz, a Laborem Exercens n. 3:

O trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave

essencial, de toda a questão social, se nós procurarmos vê-la

verdadeiramente sob o ponto de vista do bem do homem. E se

a solução — ou melhor, a gradual solução — da questão social,

que continuamente se reapresenta e se vai tornando cada vez

mais complexa, deve ser buscada no sentido de « tornar a vida

humana mais humana », então, por isso mesmo a chave, que é o

trabalho humano, assume uma importância fundamental e

decisiva. (JOÃO PAULO II, 1981).

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II.2.1 - O trabalho e o ser humano

Tratando sobre o trabalho e o ser

humano pela ótica da antropologia bíblica, presente,

sobremaneira, nos primeiros Capítulos do Gênesis, a

Igreja tem a convicção de que o trabalho é uma

dimensão fundamental da existência humana. Essa é

uma convicção da Fé revelada que ilumina a

antropologia teológica.

Evidencia-se claramente na Laborem

Exercens n.4, que o trabalho está compreendido no

mandato do Criador, para que o ser humano

submeta e domine a terra, como componente da

Imago Dei na criatura humana. Para o Papa Wojtyła:

Quando este, criado “ à imagem de Deus... varão e mulher “,

ouve as palavras “Prolificai e multiplicai-vos enchei a terra e

submetei-a”, mesmo que essas palavras não se refiram direta e

explicitamente ao trabalho, indiretamente já o indicam, e isso

fora de quaisquer dúvidas, como uma atividade a desempenhar

no mundo. Mais ainda, elas patenteiam a mesma essência mais

profunda do trabalho. O homem é imagem de Deus, além do

mais, pelo mandato recebido do seu Criador de submeter, de

dominar a terra. No desempenho de tal mandato, o homem,

todo e qualquer ser humano, reflete a própria ação do Criador

do universo. (JOÃO PAULO II, 1981)15.

15 Texto latino: “Cum is, factus « ad imaginem Dei ... masculus et femina » haec verba audit: «Crescite et multiplicamini et replete terram et subicite eam », ea dicta — quamvis non proxime et expresse ad laborem referantur — oblique, omni sublata dubitatione, eum significant quasi navitatem in mundo exsequendam: quin immo reconditam eius essentiam ostendunt. Est autem homo imago Dei,

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O trabalho é compreendido como

atividade transitiva pela qual a criatura humana

exerce sua cura e domínio sobre a criação material. O

mandato do domínio sobre o criado é de amplo

alcance. Deve ser mais compreendido pela

consciência humana à medida que o ser humano se

desenvolve ao longo da história. Compreende-se que

“dominar sobre a terra” é uma atitude de cuidado e

cooperação com o Criador.

Tratando do trabalho em sua dimensão

objetiva, dada na técnica, a Laborem Exercens n.5,

afirma que

O homem domina a terra quer pelo fato de domesticar os

animais e tratar deles, granjeando, assim, o alimento e o

vestuário de que precisa, quer pelo fato de poder extrair da terra

e dos mares diversos recursos naturais. Mas o homem, além

disso, « submete a terra » muito mais quando começa por

cultivá-la e, sucessivamente, reelabora os produtos da mesma,

adaptando-os às suas próprias necessidades (JOÃO PAULO II,

1981).

Do cultivo e desenvolvimento das

técnicas, o trabalho humano desenvolveu sua

missis aliis rebus, eo quod a Creatore suo mandatum accepit terram subiciendi. Quod implens praeceptum, homo, quivis animans humanus, efficit ut actio ipsa Creatoris universi in semet ipso reluceat.” (Disponível em: < http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/la/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091981_laborem-exercens.html>. Acesso em 30 set. 2017)

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indústria até chegar ao avanço das máquinas

modernas. Assim, propondo os seus próprios

programas e modos de trabalhar, desde a força bruta

e a perícia manual até o controle racional e

matemático dos meios de produção e, mesmo em

contexto de mecanização e sintetização da ação

laboral, o ser humano permanece como o sujeito do

trabalho.

Continua em vigor na Imago Dei, presente

na criatura humana, o chamado divino para que o

homem trabalhe e, assim, a técnica - fruto da

Inteligência humana - não existe para suplantar o

homem, arrancando-lhe a criatividade e

responsabilidade pelo trabalho, mas existindo como

meio de executar o trabalho. Logo, a técnica deve ser

aliada do ser humano, conformando-se à ética e aos

genuínos Direitos humanos.

Em seguida, O Papa Wojtyła apresenta a

dimensão antropológica do trabalho, seu sentido

subjetivo; pois o sujeito do trabalho é um ser

humano. O trabalhador é pessoa, sua ação brota da

imagem de Deus impressa no seu ser. Nesse sentido,

a situação laboral tende a se realizar como pessoa e,

por isso, o trabalho deve ser personalizado e ter uma

natureza ética; sempre derivado do trabalhador como

sujeito consciente e livre.

O trabalho é sagrado por ser vocação

dada pelo Criador e por entrar na constituição da

imagem de Deus, gravada na criatura humana. Essa

imagem no ser humano é sempre reflexo do Filho de

Deus que “é a imagem do Deus invisível”

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(Colossenses 1, 15); o Filho de Deus é a imagem do

Pai. Então, Ele, verbo encarnado, Jesus Cristo, é o

sublime e mais eloquente Evangelho do trabalho.

O trabalho, ferido pelo pecado humano,

acarretando fadiga e sofrimento com frequentes

insucessos para o trabalhador (cf. Gênesis 3, 17-19),

foi assumido e redimido por Jesus Cristo. O Filho de

Deus, ao entrar na história, assumiu o trabalho como

verdadeiro homem que é sempre sujeito divino.

Conforme a Laborem Exercens n.6: “Aquele que,

sendo Deus, tornou-se semelhante a nós em tudo,

passou a maior parte dos anos da vida sobre a terra

junto de um banco de carpinteiro, dedicando-se ao

trabalho manual” (João Paulo II, 1981).

O Papa Wojtyła sublinha a ação laboral

de Jesus Cristo, como a nova fonte da dignidade do

trabalho, também porque o trabalhador é pessoa. Aí

o trabalho aparece em sua dimensão subjetiva. Por

isso, o ser humano é o fundamento primeiro do

valor do trabalho, que, por esse motivo, sempre deve

estar a serviço do seu executor. Isso mostra o valor

subjetivo que está em cada espécie de trabalho.

Tratando da ameaça à hierarquia de

valores, elencam-se os desafios ao mundo do

trabalho, perante perspectivas materialistas e

economicistas que trazem o perigo da coisificação do

trabalho e do trabalhador, com o perigo da reificação16

do ato humano, causando a instrumentalização do

16 Significa, a atitude relacional de, ao invés de tratar a pessoa como pessoa (fim de toda a relação), tratá-la como objeto ou instrumento (meio).

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próprio homem no que tange à solidariedade dos

homens do trabalho.

O trabalho pessoal é apresentado na

perspectiva da Doutrina Social da Igreja, perante as

exigências do mundo moderno, pois, com essas

exigências, houveram modificações no mundo do

trabalho; como a questão operária: se o trabalho se

torna fator de desumanização, isso reclama a

solidariedade dos trabalhadores a nível Mundial.

É necessário que se desenvolva uma

melhor diagnose da questão das condições dos

trabalhadores, sobretudo pelos movimentos de

solidariedade. Apresenta-se a pobreza como

resultado da violação da dignidade do trabalho

humano. Nesse sentido, a dignidade do trabalho

aparece na vocação bíblica do homem, na protologia17

bíblica; a fadiga do trabalho, a questão do domínio

sobre a criatura, mostra que o trabalho é a vocação

universal da pessoa humana, criatura de Deus.

Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274)18

já tomara o trabalho como bem árduo, bem útil e

17 Concepção que se refere à Pré-História teológica, ao Princípio, sempre referido em linguagem metafórica. Especialmente compreendido entre os capítulos 1 e 12 do Livro do Gênesis. Esta realidade é sucedida, no esquema bíblico-catequético, pela História da Salvação e, esta, pela Meta-história ou Escatologia. 18 Summa Theologica, I-II, q.40, a.1, c: “... a potências diversas correspondem paixões de espécies diversas. Ora, a esperança está no irascível, enquanto o desejo e a cupidez estão no concupiscível. Logo, a esperança difere em espécie do desejo ou cupidez. ” (TOMÁS DE AQUINO, 2009, p.471). Summa Theologica, I-II, q.34, a.2, ad1: “... o honesto e o útil dizem-se assim em referência à razão; por isso, nada é útil ou honesto que não seja bom. O deleitável se diz em relação ao apetite, que às

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bem digno que proporciona a dignidade humana. O

Papa Wojtyła imposta que o trabalho é um bem do

homem, é uma virtude laboriosa que nobilita a

matéria.

Por outro lado, a experiência dos

campos de concentração na II guerra mundial mostra

o lado do trabalho tratado como opção pelo lado

obscuro do usufruto da ação laboral.

A virtude do trabalho está vinculada à

ordem social; assim, pode-se falar de trabalho

conjugado à sociedade, família e nação. O trabalho é

o fundamento da vida familiar e condiciona o

processo de educação na própria família. Existem

três esferas do trabalho: a que permite a vida e a

manutenção da família, a que realiza as finalidades da

família, sobretudo a educação e a que propicia os

laços culturais e históricos da grande sociedade. O

ser humano pertence à sociedade e o domínio sobre

o mundo pelo trabalho ocorre na dimensão subjetiva

através da técnica.

II.2.2 - O conflito entre trabalho e capital no

contexto histórico da encíclica

O trabalho é a realidade que desenvolve

o sentido do ser humano e está visceralmente ligado

vezes tende para o que não convém à razão. Por esse motivo, nem todo deleitável é bom, de bondade moral, que se considera segundo a razão. ” (TOMÁS DE AQUINO, 2009, p.420).

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ao ser pessoa humana, ao seu valor e ao seu sentido.

O caráter do trabalho desenvolve o ser humano no

amor, por isso, o caráter positivo, criador, educativo

e meritório é um bem inserido no trabalho.

A partir da encíclica Rerum Novarum, de

Leão XIII, o Papa Wojtyła apresenta, no contexto da

Guerra Fria, o conflito entre o trabalho no

desenvolvimento industrial do mundo capitalista e o

trabalho na concepção marxista do conflito

transformado em lutas de classe, programada sobre a

influência do pensamento de Karl Marx, impostando

a coletivização dos meios de produção. No

monopólio do poder da ditadura do proletariado, no

sentido do contexto contemporâneo, aparece como

chave-hermenêutica sobre a prioridade do trabalho.

No contexto da Guerra Fria e da corrida

armamentista, a Igreja ensina o princípio da

prioridade do trabalho sobre o capital. Os meios de

produção são instrumentos, no sentido de submeter

a terra. Nos primeiros capítulos do Gênesis, a terra

representa todos os recursos materiais que servem ao

ser humano mediante o trabalho; a posse dos

recursos pelo ser humano, na propriedade privada,

está a serviço do trabalho.

Existem fases do processo: primeiro, a

relação do homem com os recursos naturais; é Deus

quem dá ao homem e à natureza que Ele criou em

seu mistério; o homem, pelo trabalho, humaniza os

recursos naturais, elaborando os meios de produção

com a experiência e a inteligência.

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Tudo que serve ao trabalho humano é

fruto do mesmo trabalho; o homem deve considerar

os instrumentos de produção como fruto do próprio

trabalho. O trabalho eleva a capacidade de

reproduzir através da instrução, pois o ser humano é

o verdadeiro sujeito eficiente que usa os

instrumentos de produção. A Doutrina Social da

Igreja considera que a pessoa humana goza do

primado no processo de produção e em relação às

coisas.

Sobre “economismo” e materialismo, o

homem utiliza, do seu duplo banco do trabalho, os

recursos naturais e técnicos elaborados no curso da

história do trabalho. O trabalho é alteridade. O

trabalhador, utilizando-se das técnicas desenvolvidas,

aproveita o trabalho de outrem; há uma

interdependência e dependência fundamental ao

Criador; disso deriva o primado da pessoa sobre as

coisas. Contra essa verdade, os erros fundamentais

do século XX foram o economismo e o materialismo

teórico e prático, que caminham juntos.

O Papa Wojtyła, preocupando-se com a

ideologia do materialismo dialético, aborda a

antinomia trabalho- capital, alude às mudanças

radicais que devem ser empreendidas para superar

tais antinomias, baseadas na firme convicção do

primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho

sobre o capital. Escrevendo sobre trabalho e

propriedade, afirma que, por trás da antinomia

ideológica, há pessoas concretas, patrões e

empregados.

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Citando a Rerum Novarum de Leão XIII,

aborda o tema da propriedade; também cita a Mater et

Magistra, de São João XXIII. Traz à memória que a

Doutrina Social da Igreja, por vezes, opõe-se, tanto

ao coletivismo como ao capitalismo, pois ela é a

maneira peculiar de compreender o direito de

propriedade e a destinação universal dos bens, o

direito ao uso comum e o direito à propriedade

privada, pois a propriedade não deve gerar contraste

social, porém, adquirida pelo trabalho, serve ao

trabalho.

A legítima posse dos meios de produção

tem a finalidade de servir ao trabalho que, por sua

vez, serve ao uso comum e à destinação universal

dos bens. Esses são princípios já formulados por

Santo Tomás de Aquino. A propriedade serve ao

trabalho e ao seu sujeito contra o princípio do

capitalismo de propriedade. As diversas espécies de

trabalho manual e intelectual, de concepção e de

direção, são consideradas, na encíclica, sempre à luz

da Doutrina Social da Igreja.

A encíclica trata da propriedade dos

meios de trabalho e da participação dos

trabalhadores na gestão das empresas. O capitalismo

rígido, por seu turno, deve ser submetido e depurado

pelos Direitos da Pessoa Humana. A encíclica

também se posiciona contra a luta de classes e a

estatização promovida pelo comunismo; ela defende

que só existirá genuína socialização quando os

membros da sociedade tiverem acesso, pelo trabalho,

ao pleno direito como co-proprietários no “banco do

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trabalho”, marcados pelas relações de recíproca

colaboração em prol do bem comum.

Abordando o argumento personalista,

diz que o princípio do primado do trabalho sobre o

capital pertence à moral social e, mesmo assim, o

trabalho e o capital não se dissociam, porque o

trabalhador não deve apenas receber seu salário, mas

sentir-se sujeito do trabalho. Mesmo na socialização

da propriedade, o homem deve ter consciência de

trabalhar como sujeito.

II.2.3 - Direitos do ser humano do trabalho

O trabalho, mais que obrigação, deve ser

visto como fonte de Direitos. Citando a encíclica

Pacem in Terris, de S. João XXIII, na sua abordagem

dos Direitos do trabalhador sempre radicados nos

Direitos universais da pessoa humana, ensina que o

dever de trabalhar deve ser motivado pelo mandato

do Criador e pela solidariedade para com o próximo.

Assim, as relações entre o dador do trabalho e os

trabalhadores, para serem justas, devem derivar

disso.

O dador de trabalho indireto, como as

pessoas, as instituições de diversos tipos e os

contratos coletivos de trabalho, devem ser

conduzidos pelo Estado a uma justa política

trabalhista; por seu turno, o dador direto do trabalho

fixa as condições de trabalho, sob as objetivas

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Espiritualidade do Trabalho

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exigências dos trabalhadores. Assim, há uma

consideração dos Direitos objetivos do trabalhador,

sendo que a ordem moral social se baseia nos

Direitos da pessoa humana, como seu elemento

chave.

Sobre o problema do Emprego, a

questão fundamental é conseguir emprego. É

necessário que haja uma planificação global das

instituições mundiais contra o desemprego; há de se

implementar uma interdependência entre Estados,

soberania e colaboração Internacional a favor do

trabalho; as organizações internacionais devem se

guiar por uma diagnose correta neste setor, buscando

maior eficácia nos planos comuns de ação.

Citando a encíclica Populorum Progressio,

do Beato Paulo VI, o Papa Wojtyła recorda que o

progresso atuado pelo ser humano deve produzir

frutos em prol do próprio ser humano, descobrindo

as justas proporções entre os vários trabalhos,

conforme o sistema de instrução e educação para o

desenvolvimento da humanidade. Lembra o fato

desconcertante que importantes recursos naturais são

inutilizados, em contraste com a realidade da massa

de desempregados, indigentes e famintos, do mundo.

Tratando sobre o salário e outras

subvenções sociais, o Papa Wojtyła enfatiza que se

deve evidenciar o aspecto da ética social da

remuneração justa do trabalho executado na relação

entre empregador e empregado. Nesse sentido, o

justo salário é fator da verificação da justiça, que

deve estar presente no funcionamento do sistema

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Jonas Matheus Sousa da Silva

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econômico. É pelo justo salário que se mantém a

família nas suas estruturas.

É imperativo revalorizar socialmente o

papel da mulher, respeitando a sua abertura à

maternidade; também, o trabalho deve se organizar

de modo personalista. Nesse contexto, o trabalho

feminino não pode sacrificar o papel materno da

mulher, assim como, há de se manter com dignidade

o direito dos trabalhadores ao repouso, férias,

aposentadoria.

Quanto ao tema da importância dos

sindicatos, a encíclica afirma que os trabalhadores

têm direito de se associarem em sindicatos. Em

continuidade com o magistério social anterior,

verifica-se que os sindicatos crescem com a luta dos

trabalhadores por seus Direitos, defendendo os seus

Direitos existenciais. Desse modo, como expoente

da luta pela justiça social, aparecerá o crescimento no

âmbito dessa luta, sempre em conformidade com o

bem comum, no sentido que o trabalho une os seres

humanos.

A união dos trabalhadores por seus

Direitos constitui um gesto de solidariedade que

compõe a ordem social, por isso, os sindicatos, com

suas exigências, jamais poderão se transformar em

egoísmo corporativista, mas devem cumprir as suas

missões de inserir os operários na esfera política, em

busca do bem comum.

Se, porventura, os sindicatos se

afastarem da luta pelo bem comum e dos Direitos

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Humanos dos Trabalhadores e passarem a servir a

outros fins que não a reta ação dos sindicatos, farão

com que a sociedade se deteriore. Nisso, a encíclica

considera o direito à greve, que não deve ser vista

como a luta de classes da ideologia marxista; não se

pode abusar desse direito, de modo a prejudicar a

vida socioeconômica.

Em seguida, o Papa Wojtyła ressalta os

Direitos e a dignidade do agricultor, e a inclusão da

pessoa com deficiência, no mercado de trabalho.

Toca ainda no problema do trabalho e da emigração,

sobretudo, quando é movida pela busca de trabalho;

também aos emigrados se aplicam os Direitos das

pessoas humanas e dos trabalhadores, em todos os

sentidos, considerando-se sempre o capital a serviço

do trabalho.

II.3 - A originalidade da encíclica

Esta seção, traz à baila a originalidade da

encíclica Laborem Exercens, com a impostação da

espiritualidade do trabalho – este, chave de toda a

questão social - na perspectiva do trabalho subjetivo

como ação do ser humano, sujeito do trabalho,

criado à imagem e semelhança de Deus e redimido

no mistério pascal de Cristo, pois, cada trabalho “se

mede, sobretudo, pelo padrão da dignidade do

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mesmo sujeito do trabalho, isto é, da pessoa, do

homem que o executa” (JOÃO PAULO II, 1981)19.

A última parte dessa encíclica enfatiza a

própria espiritualidade da ação trabalhista, como

novidade do magistério do Papa Wojtyła,

contribuindo para a Doutrina Social da Igreja.

O trabalho é ato da pessoa, por isso é

ato espiritual. Dado que o trabalhador é o mesmo ser

humano objeto da Revelação e da salvação, é

necessário que as virtudes teologais –fé, esperança e

caridade - ajudem o trabalhador a dar sentido

espiritual à sua ação laboral.

O Papa Wojtyła destaca o trabalho como

participação na obra do Criador, considerando a

compreensão do Concílio Vaticano II e as primeiras

páginas da Sagrada Escritura. O ser humano foi

criado à imagem e semelhança de Deus, recebendo a

missão de cuidar da terra. Portanto, é conteúdo da

Revelação divina que, pelo trabalho, o ser humano

participe da obra do Criador.

O livro do Gênesis, apresenta a Criação

como trabalho divino. A protologia bíblica, nesse

livro, trata de Deus Criador no molde de artesão,

ordenando que o ser humano submeta e cuide do

criado. O Papa Wojtyła o chama de primeiro evangelho

do trabalho, pois a dignidade do trabalho se dá no fato

de que o ser humano imita o Divino Artífice, tanto

19 Laborem Exercens n. 6.

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no trabalho como no repouso, realizando a

semelhança.

Deus quis apresentar-lhe a própria obra criadora sob a forma

do trabalho e sob a forma do repouso. E essa obra de Deus no

mundo continua sempre, como o atestam as palavras de Cristo:

‘Meu Pai opera continuamente...’: (João 5,17) opera com a força

criadora, sustentando na existência o mundo que chamou do

nada ao ser; e opera com a força salvífica nos corações dos

homens, que desde o princípio destinou para o ‘repouso’ (Hb 4,

1.9s) em união consigo mesmo, na ‘casa do Pai’ (João 14, 2).

(JOÃO PAULO II, 1981)20.

Assim, considera-se que existe uma

interioridade no trabalho. Deve-se ter uma cotidiana

consciência do significado do trabalho como

participação na obra de Deus e prolongamento da

obra criadora, como serviço à providência divina que

conduz a história da humanidade. Nesse sentido, a

espiritualidade do trabalho deve ser vista como o

patrimônio necessário e comum, aliada à mensagem

cristã, que incentiva o ser humano na tarefa da

construção do mundo e do bem comum dos seus

semelhantes, de modo mais exigente, conforme o

mandamento da caridade.

Cristo é o homem do trabalho. O Papa

Wojtyła afirma que Jesus patenteia que, pelo

trabalho, o ser humano participe da obra de Deus.

20 Laborem Exercens n.25.

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‘Porventura não é este o carpinteiro ...? ’ (Marcos 6, 2s). Com

efeito, Jesus não só proclamava, mas sobretudo punha em

prática com as obras o « Evangelho » que lhe tinha sido

confiado, a Palavra da Sabedoria eterna. Por esta razão, tratava-

se verdadeiramente do « evangelho do trabalho », pois Aquele

que o proclamava era Ele próprio homem do trabalho, do

trabalho artesanal como José de Nazaré. (cf. Mateus 13,55).

(JOÃO PAULO II, 1981)21.

Jesus encarou o trabalho com amor,

tomando as expressões do exercício do trabalho

como linhas de semelhança do ser humano com

Deus, inscritas no seu coração. Nessa esteira, o

Antigo Testamento faz várias referências ao trabalho

humano, inclusive na confecção dos objetos sagrados

da Tenda da Reunião e do próprio templo de Deus,

bem como nos objetos da liturgia hebraica.

Jesus Cristo cumpriu tais prefigurações

do Antigo Testamento pois, ao trabalhar com suas

próprias mãos, manifestou o próprio Evangelho do

Trabalho. Seguindo o Senhor, o apóstolo Paulo

complementa a doutrina cristã sobre o trabalho,

dando próprio exemplo e exaltando a ação laboral

para que os cristãos, trabalhando em paz e com

responsabilidade, provejam o próprio sustento sem

serem pesados aos outros. Na epístola aos

Colossenses 3, 23, dá bases para que se trabalhe de

coração, como dedicação ao Senhor.

No trabalho, o ser humano se constrói,

ao passo que constrói o mundo. Com essa visão

personalista, o Papa Wojtyła evidencia a norma para

21 Laborem Exercens n.26.

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o trabalho humano, conforme a Constituição

pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes

n.35:

‘É a seguinte, pois, a norma para a atividade humana: segundo o

plano e a vontade de Deus, ser conforme com o verdadeiro

bem da humanidade e tornar possível ao homem,

individualmente considerado ou como membro da sociedade,

cultivar e realizar a sua vocação integral’ (JOÃO PAULO II,

1981)22.

Em conformidade com a visão

axiológica do trabalho, do Concílio Vaticano II e

com a própria espiritualidade do trabalho, há de se

considerar o justo significado do progresso,

enraizado na atividade trabalhista.

Considerando o trabalho humano à luz

da cruz da ressurreição de Cristo, o Papa Wojtyła

imposta que a fadiga de todo o trabalho acarreta, em

sua essência, contrapondo-se à benção original sobre

o trabalho, algo que aponta para a própria

mortalidade humana. O trabalhador pode

compreender a fadiga do trabalho como um

chamado para participar da cruz de Cristo e

trabalhar, fitando, com esperança, seus olhos na luz

da Páscoa.

No mistério pascal está contida a Cruz de Cristo, a sua obediência

até à morte, que o Apóstolo contrapõe àquela desobediência

que pesou desde o princípio na história do homem sobre a terra

22 Laborem Exercens n.26.

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(cf. Romanos 5, 19). Aí está contida também a elevação de Cristo

que, passando pela morte de cruz, retorna para junto dos seus

discípulos com a potência do Espírito Santo pela Ressurreição

(João Paulo II, 1981)23.

O homem do trabalho, suportando o

peso da sua ação, unido a Cristo e à sua cruz, segue

um caminho de discipulado, com esperança na

participação da Ressurreição do Senhor e na

transfiguração do mundo em Reino de Deus. A

fadiga do trabalho é considerada uma pequena

parcela da cruz de Cristo; essa parcela redime o

próprio trabalho e o encaminha para a Glória, pois

Jesus Cristo, na sua vida histórica, já assumiu o

trabalho. A ressurreição e a esperança escatológica

vão iluminando o trabalho, suscitando luz de

esperança na construção de novos céus e nova terra,

por parte de Deus, na ação do Espírito Santo e na

colaboração humana, pela graça.

Desse modo, a dignidade humana e a

liberdade devem se fazer expandir sobre a terra,

perante o reto desempenho do trabalho humano,

unido à oração, na escuta da Palavra de Deus, para

que o homem do trabalho colabore na construção,

não só do progresso terreno, mas, do

desenvolvimento do Reino de Deus, na ação do

Espírito Santo sobre o mundo, pelo ministério da

Igreja.

23 Laborem Exercens n.27.

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CAPÍTULO III - O TRABALHO COMO

ELEVAÇÃO DO HOMEM

Assumir o trabalho como elevação do

homem significa considerá-lo na sua dimensão

espiritual. Isso significa tentar ultrapassar uma

compreensão meramente instrumental, social e

econômica do trabalho e apreciá-lo de modo bem

mais amplo. De fato, quase sempre que falamos de

trabalho, consideramo-lo apenas na ótica do

instrumental e esquecemos que ele pode ser

assumido como meio de santificação do homem,

como colaboração na obra de redenção de todo o

criado. Tal compreensão possibilita pensar essa

realidade como dom e não apenas como uma

questão meramente funcional.

Pretendemos colher, na reflexão de

Wojtyła, a dimensão espiritual da atividade laborativa

e, com isso, propor uma reflexão que possa iluminar

a atual realidade do trabalho, quase sempre visto

apenas como modo de produção, de gerar lucro e

consumo. Para isso, faz-se necessário considerar os

desafios atuais.

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III.1 - Desafios atuais para uma espiritualidade

no trabalho

Pode, o trabalho humano, ser via

agraciada de elevação da pessoa humana a Deus?

Atualmente, o trabalhador vivencia o seu trabalho

como graça e elevação?

Para tais questões, destacam-se duas

linhas de pensamentos atuais, que são: a impostação

do Pe. Ivonil Parraz, doutor em Filosofia e a do Papa

Francisco (Jorge Bergoglio, sj).

O Pe. Ivonil Parraz, ao seu turno, no

artigo “A humanização e a desumanização do

trabalho” (Revista Vida Pastoral, 2015), oferece um

panorama sintético das abordagens de vários outros

cientistas, considerando a precária situação do

trabalhador no contexto das exigências da revolução

tecnológica.

De fato, para manusear os meios de

produção sempre mais informatizados para

potencializar larga produção em menor tempo, o

trabalhador deve estar capacitado com uma instrução

adequada para manusear com eficiência tais meios,

cabíveis à sua competência na divisão do trabalho.

Quem não recebe tal formação que lhe dê domínio

do aparato técnico, está fora do mercado de trabalho.

O trabalhador deve incorporar todo o seu conhecimento no

processo produtivo. Há uma relação de flexibilidade entre o

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trabalhador e a máquina. O software da máquina está aberto às

alterações do operador. Exige-se do trabalhador a capacidade

de interpretá-lo e, conforme o desempenho produtivo,

reprogramar a máquina. A interação entre trabalhador e

máquina permite àquele acumular mais conhecimento, o qual,

por sua vez, será disponibilizado na produção (PARRAZ, 2015,

p.22)

Parraz também evidencia a estratégia

ideológica de fazer o trabalhador sentir-se como

grande membro beneficiado da “grande família, a

empresa”, fazendo-o servir voluntariamente;

acrescente-se: inclusive, sacrificando energias e

tempos de outras esferas de sua vida, como sua

família, a espiritualidade, a saúde, a cultura e o lazer.

Assim, o trabalhador está alienando o

seu senso de realidade para atender às metas da sua

empresa, ao passo que os patrões podem, após ter

incutido tal mentalidade nos funcionários, dar-se a

luxos e extravagâncias, como longos períodos de

férias em viagens pelo mundo...

‘Vestir a camisa’ da empresa como se fosse sua. Tudo o que diz

respeito a ela lhe diz também respeito. O pobre assalariado se

responsabiliza pela empresa [...] a empresa passa a se incorporar

na vida do operário. O que tem de melhor, energia e capacidade

intelectual, é dedicado a ela. O trabalhador transforma-se em

colaborador: sente-se sócio. [...] estratégia de domínio da

empresa sobre o operário tem um objetivo específico: fazê-lo

acreditar que possui autonomia. Ao trabalhador dá-se certa

liberdade de inventar, de aplicar seu conhecimento, sua

imaginação. Ele sente-se responsável por aquilo que produz e,

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ao mesmo tempo, também pela empresa, uma vez que é sócio

(PARRAZ, 2015, p.23).

Outras nuances enfatizadas no artigo de

Parraz são a tendência atual à celularização do trabalho

-“a formação do espaço de produção em escala

menor permite uma visibilidade maior dos operários.

A administração da empresa estabelece cumprimento

de metas para cada célula. Os membros destas

distribuem, entre si, as atividades de trabalho”

(PARRAZ, 2015, p.23) - e a consequente panoptização

- “O sentimento de estar constantemente vigiado não

é provocado somente pela relação vertical patrão-

operário. Também entre os próprios membros da

equipe de trabalho (as células) predomina esse

sentimento” (PARRAZ, 2015, p.24) -, como meios

de controle do trabalho dos funcionários e de

aumentar a concorrência entre os trabalhadores,

destruindo a solidariedade entre os operários, e

tornando-os – em tela – solidários ao patrão. Esse

modo de estar trabalhando se torna, então, motivo

de angústia, desconfiança e receio.

Para além do artigo de Parraz, recorde-se

a realidade do trabalho escravo, ainda encontrado em

grandes espaços geográficos que propiciam o

escondimento dessa prática, como na Amazônia,

também o trabalho infantil, os agricultores sem

muitos subsídios do governo, os que estão

trabalhando em condições estressantes nas grandes

metrópoles, como os motoristas e cobradores de

ônibus, os garis, os funcionários de grandes

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supermercados, entre tantos. Ressalta-se a não

correspondência ao respeito da dignidade pessoal

dos trabalhadores, tidos como meios instrumentais

para os serviços desejados, mas não como sujeitos do

trabalho.

Por outro lado, o Papa Francisco

concebe o trabalho como condição sine qua non24,

para que ser humano possua dignidade pessoal e, por

conseguinte, realização pessoal. Ainda, denuncia o

problema social do desemprego como responsável

por muitas pessoas não conseguirem realizar sua

dignidade humana e, assim, não gozarem da

realização pessoal, como se depreende da homilia na

Capela da Casa Santa Marta, em 01 de maio de 2013:

O trabalho nos dá dignidade. Quem trabalha é digno, tem uma

dignidade especial, uma dignidade de pessoa: o homem e a

mulher que trabalha são dignos. Ao invés disso, aqueles que não

trabalham não têm essa dignidade. Mas muitos são aqueles que

querem trabalhar e não podem. Isso é um peso na nossa

consciência, porque quando a sociedade é organizada dessa

maneira, onde nem todos têm a possibilidade de trabalhar, de

serem elevados pela dignidade do trabalho, essa sociedade não

está bem, não é justa. Vai contra o próprio Deus, que quis que a

nossa dignidade começasse daqui (BERGOGLIO, 2015, p.112)

Urge, como é o tema deste trabalho,

desenvolver-se tal visão como meio de uma

espiritualidade laboral para elevação do ser humano,

enraizada na Revelação, nos aportes da Teologia

24 “Sem a qual”, indispensável.

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contemporânea e no magistério do Papa Wojtyła.

Para tanto, a base de toda a Teologia está na

Revelação que se inscreve na Sagrada Escritura, junto

à Tradição e ao Magistério eclesial.

III.2 - Fundamentos bíblicos para uma

espiritualidade laboral

Evidenciando o que a Sagrada Escritura

traz sobre o Trabalho em seu valor positivo de meio

de comunhão do ser humano com Deus, tomamos

Gênesis 2, quando Deus entregou ao ser humano o

cultivo da terra, tonando o trabalho como guardiania

da criação. Depois do pecado, o trabalho se torna

pesado e fatigoso, marcado pelo sofrimento (cf.

Gênesis 3,17). Evidencia-se o aspecto negativo do

pecado, também na Escravização dos hebreus sob o

Faraó no Egito (cf. Êxodo 2, 23).

No entanto, a Sabedoria divina, artífice

da criação, pode ser invocada para que o homem

desempenhe seu trabalho com justiça (cf. Sabedoria

9), e o sopro de Deus é dado aos artesões do

santuário (cf. Êxodo 31, 1-11). Davi, o rei justo, foi

escolhido e ungido quando trabalhava como pastor e,

também, os profetas, como Amós de Técua (cf.

Amós 1,1; 7, 14), trabalhavam.

No Novo Testamento, o Filho de Deus

se fez homem, nascido da Virgem Maria. Sua mãe foi

dona de casa, desempenhando trabalhos domésticos

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no lar de Nazaré; seu justo esposo, José, tornou-se o

pai putativo de Jesus, que o auxiliou no trabalho

artesanal a ponto de ser chamado “filho do

carpinteiro” (Mateus 13, 55).

No Evangelho, Jesus é chamado ‘filho do carpinteiro’. José era

um trabalhador, e Jesus aprendeu a trabalhar com ele. Deus

trabalha para criar o mundo. Este ‘ícone de Deus trabalhador

nos diz que o trabalho é algo que vai além simplesmente de

ganhar o pão’ (BERGOGLIO, 2015, p. 112).

Em João 5,17 na Palavra “Meu Pai

trabalha, e eu também trabalho”25, Jesus revela Deus

25 Bento XVI ressaltou este versículo, vinculando-o à concepção monástica do “Ora et Labora”, que construiu a Europa pela atuação dos cristãos, no discurso ao mundo da cultura francesa no Collège des Bernardins (2008): “Os cristãos, que desse modo prosseguiam na tradição há muito praticada pelo judaísmo, deviam, além disso, sentir-se interpelados pela palavra de Jesus no Evangelho de João, quando defendia o próprio agir num sábado: “Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho” (5,17). O mundo greco-romano desconhecia um Deus-Criador; na sua concepção, a divindade suprema não podia, por assim dizer, sujar as próprias mãos com a criação da matéria. “Construir” o mundo estava reservado ao demiurgo, uma divindade subordinada. Bem distinto é o Deus cristão: Ele, o Uno, o verdadeiro e único Deus, é também o Criador. Deus trabalha; continua a trabalhar na e sobre a história dos homens. Em Cristo, entra como Pessoa no trabalho cansativo da história. “Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho”. O mesmo Deus é o Criador do mundo, e a criação ainda não está terminada. Deus trabalha. Assim, o trabalho dos homens, deveria aparecer como uma expressão particular da sua semelhança com Deus e, desse modo, o homem tem a faculdade e pode participar no agir de Deus na criação do mundo. Do monaquismo faz parte, junto com a cultura da palavra, uma cultura do trabalho, sem a qual o progresso da Europa, o seu ethos e a própria concepção do mundo são impensáveis. Mas este ethos deveria incluir a vontade de fazer com que o trabalho e a determinação da história por parte do homem sejam uma colaboração com o Criador, haurindo

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Pai como um contínuo trabalhador e mostra sua

comunhão com o Pai por estar em conformidade

com Ele, trabalhando26.

Os apóstolos de Jesus também advieram

do mundo do trabalho, alguns eram pescadores, Levi

fora cobrador de impostos (cf. Marcos 1, 16-20; 2,

14). Para Jesus, o trabalho e a Lei estão a serviço da

vida do homem, jamais no sentido inverso (cf.

Marcos 2, 23-28; 3, 1-6).

Jesus transmitiu seus ensinamentos

sobre o advento do Reinado de Deus a pessoas do

mundo do trabalho, a julgar pelas narrativas das suas

parábolas e alegorias, com cenas dos trabalhos de

construtores, administradores, agricultores e

pastores.

O apóstolo Paulo, a partir do seu

exemplo, exorta ao trabalho como fuga do ócio (cf. I

Tessalonicenses 2,9; 4, 11-12; II Tessalonicenses 3, 6-

13) e como necessidade para viver com dignidade,

d’Ele a medida. Onde falta essa medida e o homem eleva-se a si mesmo a criador deificado, a transformação do mundo pode facilmente desembocar na sua destruição” (BENTO XVI, 2008). 26 O biblista Pe. Alberto Casalegno sj (2009, p.195), ensina: “A expressão 10,30, [“Eu e o Pai somos um”], com a qual termina o primeiro momento do debate com os judeus, destaca, pois, a ação comum de Jesus e do Pai em relação aos crentes, fazendo que eles não se retraiam do caminho do Evangelho. A bem da verdade, é somente segundo esse aspecto que o Pai e Jesus são colocados no mesmo plano. Não se pode excluir, todavia, que, com essa expressão, o autor também queira deixar entrever a dimensão divina de Jesus [...] A frase tem uma certa relação com a de 5,17: “Meu Pai trabalha, e eu também trabalho”, na qual a palavra de Jesus que cura em dia de sábado é interpretada pelos adversários como o arrogar-se uma prerrogativa divina e é tachada de blasfêmia (v.16) ”.

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satisfazendo suas necessidades vitais, com

expectativa da realização escatológica da história, já

realizada na Páscoa do Senhor e na vida do cristão;

O apóstolo exorta: “Trabalhai para a própria

salvação com temor e tremor” (Filipenses 2, 12-16).

III.3 - A influência do Cardeal Stefan

Wyszyński e da sua obra “O Espírito do

Trabalho”

Após considerarmos os fundamentos

bíblicos para a Teologia do Trabalho, é mister

considerar aspectos do tomo “O Espírito do

Trabalho”, uma obra do cardeal da Polônia, Stefan

Wyszyński (1901-1981), com o qual Wojtyła se

relacionou estreitamente no seu múnus de bispo

polonês e, certamente, conheceu e recebeu dele a

influência da concepção sobre a espiritualidade

laboral.

Esse livro está organizado em 18

Capítulos. Inicia tratando dos problemas da esfera

trabalhista no seu contexto; em seguida, teologiza

sobre a relação de Deus e de Cristo com o trabalho.

Deus é o princípio de toda a atividade, de todo movimento, do

trabalho. O ‘Faça-se’ divino encerra em si, simultaneamente, o

pensamento criador e a execução. Daquele primeiro impulso,

nasceu todo movimento, sem o qual o homem nada poderia

fazer” (WYSZYNSKI, 1959, p. 19).

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A atividade laboral transcende o fato de

ser mera necessidade natural do homem e um dever

social, tornando-se uma manifestação de amor ao

Criador do mundo, por isso, a fadiga do trabalho

deve ser associada ao mistério da nossa redenção.

Assim, “o trabalho feito por amor de Deus é a

participação humana, não só na obra da criação, mas

também na redenção; [...] Só o trabalho empreendido

por amor a Deus é meritório e fonte de salvação”

(WYSZYNSKI, 1959, pp. 69-70).

Quando o trabalho se torna local de

oração, nele desabrocham os valores espirituais e de

vida social, radicando a paciência, a perseverança e a

constância, bem como o escrúpulo e a prudência na

aplicação laboral, o silêncio, a colaboração e a justa

medida entre tempos de trabalho e descanso, e

também a guarda dos dias consagrados a Deus.

O trabalho é, portanto, amor a Deus e ao próximo. É a resposta

de um ser racional ao amor com que Deus nos convidou, com

ele nos honrando grandemente, a participar na sua atividade

criadora e a fazer de causa segunda no governo divino do

mundo (WYSZYNSKI, 1959, p. 183).

O trabalho é, destarte, participação na

obra criadora de Deus, na transformação do mundo

criado. Nisso, o homem vai participando da obra do

Criador e experimentando, através do trabalho, as

alegrias naturais e também espirituais que elevam o

trabalhador a Deus.

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III.4 - O trabalho a luz da Eucaristia, eleva o

homem a Deus

Após a consideração sobre os

fundamentos bíblicos da espiritualidade do trabalho e

ao sintético aceno ao tomo do cardeal Wyszynski,

sobre o mesmo tema, tomando o pressuposto da

influência dessas bases sobre o pensamento do Papa

Wojtyła, na encíclica Laborem Exercens, passamos a

apresentar a solução da questão da espiritualidade do

trabalho no mundo atual, impostando o mistério da

redenção vinculado ao sacramento da Eucaristia,

conforme o magistério do mesmo pontífice.

Vivenciar o trabalho como elevação do

ser humano a Deus, torna-se possível quando o

trabalhador se deixa iluminar pelo mistério pascal de

Cristo, tomando Jesus Cristo por mestre e Senhor,

considerando o mistério da encarnação do Filho de

Deus que, na sua existência em Nazaré, junto à

Virgem Maria e a São José27, trabalhou com suas

inteligência e mãos humanas, como artesão.

27 O Papa Wojtyla, na exortação apostólica Redemptor Custos n. 22, apresenta São José como educador e modelo da humanidade do Filho Deus, na arte do trabalho, coadjuvando o Redentor na introdução do trabalho humano no mistério da salvação. Assim se exprime tal exortação: “O trabalho humano, em particular o trabalho manual, tem no Evangelho uma acentuação especial. Juntamente com a humanidade do Filho de Deus, ele foi acolhido no mistério da Encarnação, como também foi redimido de maneira particular. Graças ao seu banco de trabalho, junto do qual exercitava o próprio ofício juntamente com Jesus, José aproximou o trabalho humano do mistério da Redenção” (JOÃO PAULO II, 1989).

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Aqui, a fim de compreender que o

trabalho humano foi envolvido pelo mistério da

redenção, pode-se aplicar o ensinamento de São

Gregório Nazianzeno (Capadócia, 330-390), ao

afirmar que apenas foram salvas as realidades que

foram assumidas pelo Verbo encarnado.28 Ainda

mais, o trabalho santificado pela ação do Senhor,

deve ser iluminado pelo mistério pascal do divino

carpinteiro, que redime o ser humano do altar da sua

cruz.29

28 Conforme o Papa Bento XVI, na Audiência Geral de 22 de agosto de 2007: “Gregório pôs em grande relevo a humanidade plena de Cristo: para redimir o homem na sua totalidade de corpo, alma e espírito, Cristo assumiu todas as componentes da natureza humana, porque, de outro modo, o homem não teria sido salvo. Contra a heresia de Apolinário, o qual defendia que Jesus não tinha assumido uma alma racional, Gregório enfrenta o problema à luz do mistério da salvação: "O que não foi assumido, não foi curado (Ep. 101, 32: SC 208, 50), e se Cristo não tivesse sido "dotado de intelecto racional, como teria podido ser homem?" (Ep. 101, 34: SC 208, 50). Era precisamente o nosso intelecto, a nossa razão que tinha e tem necessidade da relação, do encontro com Deus em Cristo. Tornando-se homem, Cristo deu-nos a possibilidade de nos tornarmos por nossa vez como Ele. O Nazianzeno exorta: "Procuremos ser como Cristo, porque também Cristo se tornou como nós: tornar-nos deuses por meio d'Ele, dado que Ele mesmo, através de nós, se tornou homem. Assumiu sobre si o pior, para nos doar o melhor" (Oratio 1, 5: SC 247, 78). ” (BENTO XVI, 2007). 29 A cruz é máquina de elevação do ser humano a Deus, pelas energias do Espírito Santo, rusticamente talhada por mãos humanas marcadas pelo pecado, mas potencialmente abertas ao mistério da salvação a ponto de se consumar. Conforme Santo Inácio de Antioquia (+107), na Sua Carta aos Efésios 9,1: “sois pedras do templo do Pai, preparadas para a construção de Deus Pai, alçadas para as alturas pela alavanca de Jesus Cristo, alavanca que é a Cruz, servindo-vos do Espírito Santo como de um cabo. Vossa fé por um lado é o guia, enquanto a caridade se transforma em caminho que leva para cima, até Deus” (SANTO INÁCIO, 1970, pp.43-44).

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O mistério da nossa redenção está

presente de modo sacramental e real no sacramento

da Eucaristia, pois “há, no evento pascal e na

Eucaristia que o atualiza, ao longo dos séculos, uma

‘capacidade’ realmente imensa, na qual está contida a

história inteira, enquanto destinatária da graça da

redenção” – Ecclesia de Eucharistia n.5. (JOÃO

PAULO II, 2003).

A Eucaristia, como oferta oblativa do

Filho ao Pai, pela nossa salvação, foi o modo

apropriado de Deus para transfigurar a realidade

criada. A ação de Deus como transformação do

homem é sacrifício real, o modo com o qual o

Senhor serviu a humanidade. Seu sacrifício foi em

vista de elevar o humano ao divino. Na Eucaristia,

esse mesmo sacrifício se atualiza nessa mesma

perspectiva, é sempre serviço de Deus para elevação

do homem.

O trabalho humano pode ser

compreendido também nessa dinâmica de oferta pela

transformação do mundo, como sacrifício oblativo,

no qual o homem vai se configurando ao Cristo

eucarístico e passando de uma realidade de baixo,

meramente humana, àquela realidade do alto, divina.

O humano se eleva a Deus. Isso requer compreender

o trabalho como instrumento de purificação,

transformação e configuração a Deus.

Trabalhar à luz do mistério contido no

sacramento da Eucaristia é o modo mais eficaz de

elevar-se nesta ação criativa e estafante a Deus,

através de Cristo e do Espírito Santo, que concedem

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ao trabalhador que, crendo, abra-se a graça divina e

aja imbuído das virtudes teologais – fé, esperança e

caridade. Conforme a primeira encíclica do Papa

Wojtyła, Redemptor Hominis n.20:

Ao celebrarmos e, conjuntamente, ao participarmos na

Eucaristia, nós unimo-nos a Cristo terrestre e celeste, que

intercede por nós junto do Pai; mas unimo-nos sempre através

do ato redentor do seu sacrifício, por meio do qual Ele nos

remiu, de modo que fomos ‘comprados por um preço elevado’.

O ‘preço elevado’ da nossa redenção comprova, também ele, o

valor que o mesmo Deus atribui ao homem, comprova a nossa

dignidade em Cristo. (JOÃO PAULO II, 1979).

De fato, no pão e no vinho, através da

Palavra e do Espírito Santo no sacramento da

Eucaristia, transubstanciados na presença real do

Cristo crucificado-ressuscitado, os frutos da natureza

e do trabalho levados ao altar30, através do ministério

30 Esta doutrina, essencialmente ligada à liturgia desde o I século, figura em textos como a Didaqué e no Missal Romano, conforme as citações: a) “Celebrem a Eucaristia deste modo [...] digam sobre o pão partido: ‘... Do mesmo modo como este pão partido tinha sido semeado sobre as colinas, e depois recolhido para se tornar um, assim também a tua Igreja seja reunida desde os confins da terra no teu reino, porque tua é a glória e o poder, por meio de Jesus Cristo, para sempre’” (DIDAQUÉ IX, 1989, p.21); b) “Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano, que agora vos apresentamos, e para nós se vai tornar pão da vida” (MISSAL ROMANO,1992, p.402); c) “Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo vinho que recebemos de vossa bondade, fruto da videira e do trabalho humano, que agora vos apresentamos, e para nós se vai tornar vinho da salvação” (MISSAL ROMANO,1992, p.403).

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do sacerdote ordenado que é “representação

sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor” –

Pastores dabo vobis31 n.15 (JOÃO PAULO II, 1992),

tornam-se alimento de vida eterna e bebida de

salvação.

Assumido por Cristo no Espírito, o

trabalho humano é redimido e transfigurado,

perpassado pela graça do Espírito que, conforme são

Boaventura (1983, p. 203), é “fogo que tudo inflama

e transfere a Deus com uma unção que arrebata e um

afeto que devora. Este fogo é Deus e sua fornalha

está em Jerusalém. É Jesus Cristo que o acende com

o fervor de Sua ardentíssima Paixão”.

As semeaduras do trigo e da uva,

passando pela colheita e vindima, a panificação, a

fabricação do vinho, o comércio desses produtos,

como meios de cultura e sustento de vários

trabalhadores, é divinizado por Cristo e pelo

Espírito, desde a última ceia que o Senhor celebrou

com os seus apóstolos, em cada Eucaristia celebrada

por eles e seus sucessores, até que se cumpra o

banquete escatológico, na transfiguração escatológica

da história e de toda a criação32.

31 Exortação apostólica pós-sinodal sobre a formação dos sacerdotes. 32 Conforme o Papa Wojtyla, na carta encíclica Ecclesia de Eucharistia n. 20: “Consequência significativa da tensão escatológica presente na Eucaristia é o estímulo que dá à nossa caminhada na história, lançando uma semente de ativa esperança na dedicação diária de cada um aos seus próprios deveres. De fato, se a visão cristã leva a olhar para o ‘novo céu’ e a ‘nova terra’ (Apocalipse 21, 1), isso não enfraquece, antes estimula o nosso sentido de responsabilidade pela terra presente. Desejo reafirmá-lo com vigor ao início do novo milênio, para que os cristãos se sintam ainda mais decididos a não descurar os seus deveres

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de cidadãos terrenos. Têm o dever de contribuir com a luz do Evangelho para a edificação de um mundo à medida do homem e plenamente conforme o desígnio de Deus. ” (JOÃO PAULO II, 2003).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viver o trabalho como disciplina, e

neste, experimentar a presença de Deus, colaboração

com sua obra criadora e, ao mesmo tempo, também,

com sua obra redentora e santificadora, realizar o

trabalho com amor e gratuidade, oferecendo-o como

sacrifício a Deus em prol da Igreja e de tantas

intenções. A partir dessa compreensão hermenêutica,

o trabalho se torna, de fato, graça, elevação do ser

humano a Deus.

Por mais que as condições do trabalho

sejam aviltantes, se movido pela fé, o trabalhador há

de erguer a cabeça e buscar condições mais dignas de

exercer seu ofício; há de ter em seu ser a expressão

da sua dignidade, por ser feito “à imagem e

semelhança de Deus” (cf. Genesis 1). Assim, é

direito do trabalhador lutar por evoluir no trabalho,

galgando melhores patamares de qualidade de vida,

para si, para os seus e para a sociedade.

Nisso, a inteligência criativa e o vigor,

unidos às Virtudes Teologais e morais, farão o

homem do trabalho transformar todas as condições

hostis ao seu desempenho, para executar sua tarefa e

produzir com eficácia e eficiência, de modo grato e

generoso, movido pelo amor a Deus, aos seus e ao

bem comum da humanidade.

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O operário, movido pelas Virtudes

infusas e adquiridas, toma nas suas mãos o projeto

da sua vida, com responsabilidade para receber, em

espírito de gratuidade, a felicidade por ser autor de

sua história, inserindo-a com o assentimento de fé e

com a ação, no projeto salvífico de Deus.

Desse modo, o trabalhador exerce sua

espiritualidade criativa e se eleva exercendo o

trabalho, cuidando e transformando o mundo e a

sociedade como co-criador, assemelhando-se a Deus

e O honrando, bem como cooperando para o bem

comum.

Nesse sentido, se o trabalho é visto e

exercido a partir da espiritualidade pascal do

cristianismo, e dentro de condições dignas, torna-se

uma senda que Deus dispõe para elevar o homem a

Si, fazendo-o viver o mandamento universal do amor

pelo trabalho. Nisso, que é contínua ação do nosso

Redentor, o ser humano, ao exercer dignamente o

seu trabalho, participa das graças que Deus lhe

concede, abrindo-se para acolher a salvação, dado

que Jesus Cristo trabalhou com as próprias mãos e,

conforme a doutrina dos Padres da Igreja, só foi

salvo aquilo que foi assumido pelo Verbo.

Portanto, o homem do trabalho (Homo

Faber), que é sempre Homo Viator, nó de pulsões e

relações, está aberto à transcendência. Se está unido

ao Cristo trabalhador e redentor, presente no

Sacramento da Eucaristia, memorial da Sua páscoa,

recebe as energias e virtudes necessárias para re-

significar as atuais condições do seu trabalho. Assim,

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empenha-se de modo autorresponsável33 na

transfiguração da sua própria realidade, como fruto

da espiritualidade eucarística do trabalho34, que,

como genuína abertura ao transcendente, torna-se –

também no contexto atual – meio de elevação do

homem a Deus.

33 “Autorresponsabilidade é a crença de que você é o único responsável pela vida que tem levado; sendo assim, é o único que pode mudá-la” (VIEIRA, 2015, p.28). 34 Para o Papa Wojtyla, nos nn. 24-25 da carta apostólica Mane Nobiscum Domine: “A despedida no final de cada Missa constitui um mandato, que impele o cristão para o dever de propagação do Evangelho e de animação cristã da sociedade. Para tal missão, a Eucaristia oferece não apenas a força interior, mas também, em determinado sentido, o projeto. Na realidade, aquele é um modo de ser que passa de Jesus para o cristão e, através do seu testemunho, tende a irradiar-se na sociedade e na cultura. Para que isso aconteça, é necessário que cada fiel assimile, na meditação pessoal e comunitária, os valores que a Eucaristia exprime, as atitudes que ela inspira, os propósitos de vida que suscita. ” (JOÃO PAULO II, 2004).

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