especial sucessÃo herdeiros de algumas das ......milhões de dólares em receita. há, porém, os...

3
Nunca na história o mercado brasileiro assistiu a um processo tão intenso de fusões e aquisições. E boa parte dessas transações foi liderada por empresas nacionais. O que há por trás desse movimento e como ele pode mudar o ambiente de negócios www.exame.com.br R$ 9,90 EDIÇÃO 881 - ANO 40 - N o 23 - 22/11/2006 ESPECIAL SUCESSÃO Herdeiros de algumas das principais empresas do país relatam o difícil processo de deixar o negócio da família e se tornar empreendedores

Upload: others

Post on 14-Jul-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ESPECIAL SUCESSÃO Herdeiros de algumas das ......milhões de dólares em receita. Há, porém, os casos que extrapolam essa média. Quan-do recebem um mandato de venda, os as-sessores

Nunca na história o mercado brasileiro assistiu a um processo tão intenso de fusões e aquisições. E boa parte dessas transações foi liderada por empresasnacionais. O que há por trás desse movimento e como ele pode mudar o ambiente de negócios

w w w . e x a m e . c o m . b r

R$ 9,90 EDIÇÃO 881 - ANO 40 - N o 23 - 22/11/2006

ESPECIAL SUCESSÃO Herdeiros de algumas das principais empresas do país relatam o difícil processo de deixar o negócio da família e se tornar empreendedores

Page 2: ESPECIAL SUCESSÃO Herdeiros de algumas das ......milhões de dólares em receita. Há, porém, os casos que extrapolam essa média. Quan-do recebem um mandato de venda, os as-sessores

ELES PASSAM NOITES INTEIRAS

enfurnados no escritório, dor-mindo no chão e — quandodá — tomando um banho rá-pido num chuveiro contíguoà sala onde estão revisandoe discutindo há horas cada

detalhe de um contrato de milhares de pá-ginas (para depois gastar outras longas ho-ras rubricando cada uma delas). São pro-fissionais cuja vida pessoal é sacrificada,que têm os fins de semana arrasados pormensagens que não param de chegar aoBlackBerry, cujo tempo é perdido em via-gens estafantes, que sobrevivem a um ní-vel de trabalho insano, que saem antes dofim de uma reunião para chegar atrasadosa outra. Mas, se sobrar um tempinho, per-gunte a um advogado ou banqueiro espe-cializado em fusões e aquisições se ele aca-lenta sonhos de mudança de profissão —“nem pensar” será a resposta.

Apesar da vida duríssima, eles formamuma casta invejada por seus pares. Comacesso franqueado aos homens de negó-

cios mais influentes do país, ajudam a mol-dar o destino de empresas com suas idéias.E, claro, são muito bem remunerados pa-ra fazer tudo isso. “O assessor de fusões eaquisições é uma espécie de consiglieredo chefão”, diz José Luis de Salles Frei-re, sócio do Tozzini, Freire, maior escritó-rio de advocacia do país. “Não conheçoposição mais glamourosa do que essa.”

Esse grupo de conselheiros trabalha amaior parte do tempo nos bastidores, lon-ge dos holofotes. Sua função é criar, su-gerir e colocar em prática os maiores ne-

gócios do país. No Brasil, onde o númerode transações ainda é pequeno em compa-ração com os países desenvolvidos, essesprofissionais formam o que eles mesmoschamam de uma patota. Meia dúzia de ban-cos de investimento e um número um pou-co maior de escritórios de advocacia con-centram a execução de grande parte dosmandatos de fusões e aquisições superio-res a 100 milhões de dólares. Há uma ra-zão fundamental para a presença de pou-cos competidores desse porte. Grandes ne-gócios precisam de grandes estruturas. Pa-ra uma fusão entre empresas de primeiralinha, são necessários até 40 advogados decada lado, destacados para negociar con-tratos e fazer a pesquisa dos dados das em-presas (a chamada due dilligence). O mes-mo acontece com os bancos. Com escritó-rios nas principais cidades do planeta eacesso praticamente irrestrito a recursos,bancos como Goldman Sachs, Credit Suis-se, Citigroup e JP Morgan ganham a dian-teira na preferência de empresas em todoo mundo — o mesmo acontece no Brasil.

“As transações estão cada vez mais com-plexas, envolvem vários países, produtose serviços”, diz Ricardo Lacerda, presi-dente do Citigroup. “Ter presença globale acesso a informações sobre clientes domundo inteiro é fundamental.”

É comum associar a figura do banquei-ro de investimento àquela do corretor deimóveis: um quer comprar, outro quer ven-der. O banqueiro só ajudaria o negócio aandar. A comparação é equivocada. Ban-queiros gastam mais da metade de seu tem-po imaginando negócios e apresentandoessas propostas a executivos. Funcionamquase como estrategistas independentes.Um exemplo recente é a compra da Incopela Vale do Rio Doce. O escritório cana-dense do Credit Suisse alertou o diretor dobanco no Brasil, José Olympio Pereira, deque a Vale teria o perfil para se candidatarno leilão global em que a mineradora ca-nadense era vendida. “A situação da Incoera conhecida, mas o banco apresentouuma proposta financiável”, diz Pereira.“Ajudamos a convencer a Vale de que erapossível fazer a operação.”

Além de glamourosa, a assessoria de fu-sões e aquisições é um negócio extrema-mente rentável para advogados e banquei-ros. Para os primeiros, menos — o fatura-mento médio para um escritório pode che-gar a 800 000 reais por transação. Os prin-cipais sócios custam às empresas quase1 000 reais por hora. Para os banqueiros, aretribuição das empresas costuma ser mui-to mais generosa. A taxa média cobrada éde 1% do valor total da transação. Assim,uma fusão de 1 bilhão de dólares gerará 10milhões de dólares em receita. Há, porém,os casos que extrapolam essa média. Quan-do recebem um mandato de venda, os as-sessores podem estipular taxas de sucessopara diferentes metas de preço. Quanto maiscaro o banqueiro vender a empresa, maisganha. E esse percentual pode chegar a 4%do valor total. Na compra da Arcelor pela

Credit Suisse

DIRETOR José Olympio Pereira

NEGÓCIOS FECHADOS EM 2006 19

MAIORES TRANSAÇÕES Compra da Inco pela Vale e aquisição da Brasil Ferrovias pela ALL

Quem são e como trabalham os banqueiros de investimentoe advogados que estão por trás das maiores transações do país

TIAGO LETHBRIDGE

Citigroup

PRESIDENTE Ricardo Lacerda

NEGÓCIOS FECHADOS EM 2006 14

MAIORES TRANSAÇÕES Venda da Lighte troca de ativos de IP e Votorantim

José OlympioPereira, do CS: sugestãopara a Vale

CAPA aquisições

FOTO

S: G

ERM

ANO

LU

DER

S

QUEM FECHA OS

GRANDESNEGOCIOS´

Lacerda, doCitigroup, e sua equipe:presença global

WWW.EXAME.COM.BRWWW.EXAME.COM.BR 22 DE NOVEMBRO DE 2006 2922 DE NOVEMBRO DE 200628

iscor
Highlight
Page 3: ESPECIAL SUCESSÃO Herdeiros de algumas das ......milhões de dólares em receita. Há, porém, os casos que extrapolam essa média. Quan-do recebem um mandato de venda, os as-sessores

Mittal, os bancos envolvidos na operaçãolevaram mais de 100 milhões de dólares.

As negociações para a fusão entre duasempresas são especialmente recheadas detensão. O principal motivo é que, até queos contratos estejam assinados, tudo podedar errado. De cada dez negócios inicia-dos, apenas metade termina bem. “É umprocesso penoso. Você trabalha, trabalha,e o negócio nunca sai”, diz o diretor de umbanco de investimento. Os contratos sãoconstantemente refeitos, e as conversas te-lefônicas e viagens podem tornar o pro-cesso incrivelmente moroso e burocráti-co. Numa única grande transação, o advo-gado Paulo Aragão, fundador do Barbo-sa, Müssnich e Aragão, teve de trocar qua-se 10 000 e-mails com clientes, banquei-ros e outros advogados. Há casos em quenem a assinatura do contrato é suficientepara diminuir a incerteza. Cerca de trêsmeses atrás, os sócios do escritório de ad-vocacia Machado, Meyer assessoravam acompra de uma companhia do interior deSão Paulo por 500 milhões de dólares. De-pois de acertados os valores, os advoga-dos entraram em cena para recolher as as-sinaturas de mais de 30 membros da fa-mília vendedora. Para isso, um advogadodo escritório percorreu diversas fazendas

do estado num teco-teco. Quando faltavaa assinatura de apenas uma sócia, a apreen-são chegou ao limite. “Ela ficou algunsdias com o contrato em casa, decidindo seassinava ou não”, afirma José Roberto Opi-ce, sócio do escritório. O alívio veio coma informação de que a retardatária assina-ra o contrato e a venda fora concluída. Oproblema apareceu em seguida. “A filhadela sumiu com o contrato e, depois, ras-gou a papelada”, diz Opice. Diante de ta-manha confusão, os compradores desisti-ram — e o negócio desintegrou.

Embora pareçam folclóricas, históriascomo a da herdeira que picotou o contra-to de venda da companhia em poder da mãenão são tão raras. Como muitas das empre-sas vendidas no Brasil têm origem fami-liar, negociações de fusões e aquisições me-xem com emoções pouco comuns para osgélidos banqueiros e advogados, habitua-dos a comprar e a vender empresas comoquem troca de terno. Quando auxiliava navenda de uma grande empresa familiarbrasileira, o advogado Moacir Zilbovicius,do Mattos Filho, testemunhou o momen-to em que essas emoções se transforma-ram em troca de tabefes. “Durante umaapresentação a investidores italianos, osdois irmãos que vendiam a empresa se es-tranharam”, diz Zilbovicius. “Logo, eles

começaram a se estapear.” No final, a em-presa foi vendida a outro candidato.

Para que o negócio não vaze para a im-prensa ou caia nos ouvidos de concorren-tes, advogados e banqueiros nutrem umapreocupação quase obsessiva por sigilo.Em muitos bancos, os funcionários não po-dem acessar e-mails externos ou comuni-cadores instantâneos, como o Messenger.Todos os projetos de fusão e aquisição ga-nham codinomes, para que nem mesmosecretárias e outros sócios saibam o queacontece. A compra da operadora de TVpor assinatura Vivax pela Net, por exem-plo, foi apelidada de Project Victoria pe-los advogados do Tozzini, Freire, assesso-res da Net. Durante as negociações para afusão entre os bancos UBS e Pactual, noinício do ano, o advogado José RobertoOpice só fazia reuniões num quarto de ho-tel próximo ao aeroporto de Guarulhos, emSão Paulo. “O cliente não queria que asconversas chamassem a atenção de nin-guém”, diz Opice, que trabalhava para oUBS. A outra tentativa de venda do Pac-tual, para o Goldman Sachs, tornou-se umapeneira de vazamentos, o negócio se arras-tou por meses e, no fim, não foi fechado.

Há uma diferença principal no que serefere à concorrência entre advogados ebanqueiros. Os escritórios de advocacia se

mantêm basicamente com as mesmas equi-pes — é raro que um grupo de especialis-tas em fusões e aquisições deixe um escri-tório para formar outro. O último caso foio dos sócios do Machado, Meyer que fun-daram o Souza, Cescon, banca que vemganhando espaço crescente nas transações.A mesma estabilidade, porém, não é vis-ta entre os bancos. Em menos de um ano,o Goldman Sachs, habitual líder absolutoentre os assessores de fusões, sofreu doisdesfalques. O primeiro foi a saída do en-tão presidente, Ricardo Lacerda, para o Ci-

tigroup. Algum tempo depois, o italianoCorrado Varoli, seu presidente para a Amé-rica Latina, deixou o banco para fundaruma empresa também especializada emfusões. O resultado é que o Citi, que nãofigurava nos rankings de fusões, liderou alista da Anbid, a associação do setor, noprimeiro semestre do ano. No segundo se-mestre, o Goldman e o Credit Suisse sal-taram à frente com a compra da Inco. “Va-mos fazer um grande investimento no Bra-sil”, diz Eduardo Centola, presidente doGoldman para a América Latina. Há ru-mores de que o banco estaria contratandoum time inteiro de um concorrente. A bri-ga deve esquentar ainda mais nas últimastransações deste ano, que prometem serimensas e intensas. “Devemos anunciarnovas aquisições bilionárias nos próximosmeses”, diz Lacerda, do Citigroup. Todosse preparam para um ano que promete serainda melhor que 2006. Ou seja, mais noi-tes em claro, horas e horas de viagens, finsde semana jogados no lixo. Mas quem achaque eles se importam?

aquisições

Mattos Filho

SÓCIO Moacir Zilbovicius

NEGÓCIOS FECHADOS EM 2006 12

MAIORES TRANSAÇÕES Troca deativos entre IP e Votorantim e venda doBankBoston para o Itaú

Zilbovicius,do MattosFilho: entrebilhões e tabefes

Centola, do Goldman Sachs: buscapor talentos

Barbosa,

Müssnich

e Aragão

SÓCIO Paulo Aragão

NEGÓCIOS FECHADOS EM 2006 12

MAIORES TRANSAÇÕES Compra do UBSpelo Pactual e da Arcelor Brasil pela Mittal

Aragão, doBMA: quase10 000 e-mails numa únicatransação

Goldman Sachs

PRESIDENTE Eduardo Centola

NEGÓCIOS FECHADOS EM 2006 19

MAIORES TRANSAÇÕES Venda da Incoe compra de ações da TIM

LIA

LUBA

MB

O

EMIL

IAN

O C

APO

ZOLI

/ V

ALO

R /

FOLH

AIM

AGEM

DAN

IELA

TOVI

ANSK

Y

WWW.EXAME.COM.BR22 DE NOVEMBRO DE 2006 3122 DE NOVEMBRO DE 200630