especial nº 23 entrevista maria leitão bessa presidente da abraz nacional 2014

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Jornal da Idade www.jornal3idade.com.br Um jornal a serviço dos direitos dos idosos- São Paulo, novembro de 2014 - ano 11 - especial nº 25 Nova presidente da Abraz fala sobre a descentralização da entidade e os idosos de todo o Brasil Maria Leitão Bessa, presidente nacional da ABRAZ- Associação Brasileira de Alzheimer. Maria Leitão Bessa é uma das mais importante e respei- tadas gerontólogas do Brasil. É atual presidente nacional da ABRAZ- Associação Brasileira de Alzheimer; vice-presiden- te da Federação Brasileira de Associações de Alzheimer (FEBRAZ); vice presidente nacional da ANG_ Associação Nacional de Gerontologia e responsável pela comissão de articulação do CNDI- Conselho Nacional do Idoso. Nessa entrevista exclusiva ao Jornal da 3ª idade, feita no hotel aonde estava hos- pedada, na Rua Augusta, em São Paulo, ela falou das necessidades dos idosos em todo o Brasil, dos particulares do seu Estado, o Acre. Jornal da 3ª Idade- Des- de quando a senhora é a nova presidente da ABRAZ? Maria Leitão Bessa- Desde o Congresso que fizemos em São Paulo, de 11 a 14 de se- tembro de 2014. Eu fui acla- mada e montei uma diretoria que pela primeira vez é toda descentralizada. Eu estou no Acre, a vice em Curitiba, o tesoureiro principal no Rio de Janeiro, o tesoureiro adjunto em Pernambuco, a secretaria em Fortaleza. Jornal da 3ª Idade- Qual o ob- jetivo dessa descentralização? Maria Leitão Bessa- A Abraz está em todo o país e o foco do trabalho é divulgar a do- ença para que todos possam ter um diagnóstico precoce. O Alzheimer ainda não tem Soldados da Borracha Calcula-se que mais de 60.000 pessoas foram en- viadas pelo governo brasileiro durante a gestão de Getúlio Vargas para a região amazônica em 1943 para aumentar a extração da borracha e beneficiar os Estados Unidos que, em plena II Guerra Mundial, tinham seus estoques prejudicados pela retaliação asiática. Eles, na maioria nordestinos, ficaram conhe- cidos como “soldados da borracha”. Depois de anos lutando pelo reconhecimento eles ganharam em maio de 2014 o direito a dois salários mínimos e 25 mil reais de indenização. Estima-se que 4.500 sobrevi- ventes e 7.500 dependentes terão direito ao benefício. cura, mas na medida que as pessoas descobrem no começo é possível criar um ambiente de mais confor- to. Também a família pode entender melhor o que se passa com aquela pessoa. Jornal da 3ª Idade- O Al- zheimer ainda é uma doença desconhecida da maioria da população? Maria Leitão Bessa- Muitas famílias ainda encaram os primeiros sintomas dos seus idosos como sendo atitudes que elas consideram normal do envelhecimento. Acham que os avós ou os pais estão ficando caducos, que tem esquecimentos e descontro- les de velhice e quando se dão conta de que o processo não é normal e resolvem procurar ajuda a situação já está avançada. Tem gen- te morrendo precocemente pois não tiveram tratamen- to adequado no começo. Jornal da 3ª Idade- Os gru- pos de apoio têm proliferado pro todos os Estados. Como eles vem sendo trabalha- dos junto aos familiares do portador do Alzheimer? Maria Leitão Bessa- Os gru- pos de apoio são fundamen- tais para a sobrevivência das famílias. São reuniões men- sais para apoiar o familiar, para que ele saiba se cuidar e também oferecer ao seu familiar doente uma melhor qualidade de vida. Muitas vezes o cuidador acaba mor- rendo primeiro que o doente, porque ele fica tão sobrecar- regado que vai se exaurindo. Jornal da 3ª Idade- Essa atitude ainda predominan- te de achar que é normal “ficar caduco” quando se avança na idade não de- monstra a falta de preparo da sociedade brasileira para entender o envelhecimento? Maria Leitão Bessa- É preciso debater e informar muito as pessoas sobre as questões do envelhecimento. Por isso, também, é importante que a diretoria seja descentraliza- da, porque assim cada um vai aprofundar os debates dentro do seu foco. Estamos longe e juntos, porque fazemos reu- niões periódicas pelo Skype. Jornal da 3ª Idade- As ne- cessidades dos idosos do Acre, aonde a senhora mora, são as mesmas dos demais idosos do Brasil? Maria Leitão Bessa-Não, no Acre tudo é diferente. Nossos idosos são pobres que fazem milagres men- sais, pois a maioria ganha o valor do salário mínimo e sustentam famílias grandes com o seu benefício. Nos- sos idosos sorriem pouco, a maioria tem um semblante angustiado, mas isso não tem nada com o avançar da idade, mas com uma vida muito dura com mui- tos problemas e privações. Jornal da 3ª Idade- Quais os principais serviços que exis- tem para os idosos no Acre? Maria Leitão Bessa- Na Capi- tal, em Rio Branco, temos um Centro Dia, que é adminis- trado pela Secretaria do De- senvolvimento Social e que atende o idoso saudável que pode se locomover. No Hos- pital das Clínicas nós temos a ala da geriatra que atende os idosos da faixa dos 60 aos 80 encaminhados pelos postos de saúde. Os idosos acima de 80 anos são atendidos di- reto. Tem o trabalho do Sesc que tem o mesmo padrão de todo o país. Temos as casas de passagem dos seringuei- ros. A novidade que estamos desenvolvendo é um trabalho de cuidadores com o acrésci- mo de cuidar de pessoas com demência. Com a UNINORTE, que é a universidade local, estamos desenvolvendo um curso de especialização que já formou 24 pessoas em Gerontologia e se prepa- ra para a segunda turma. Jornal da 3ª Idade- O tra- balho de preparação de cui- dadores tem que ser prio- ridade nas entidades que trabalham com idosos? Maria Leitão Bessa- A socie- dade está envelhecendo e as pessoas não estão se prepa- rando para isso. Quando uma mulher engravida é normal a família se mobilizar, procurar saber do que ela precisa, pre- parar a casa para a pessoa que está chegando. As pesso- as vão envelhecendo e as fa- mílias não se mobilizam, não se preocupam em mudar a mobília, os batentes da casa, tirar os tapetes. O que mais mata o idoso não é o Alzhei- mer são as quedas. Cuidar de um idoso não é fácil. Se va- mos ter uma sociedade com mais idosos quem vai cuidar deles? Todos nós vamos pre- cisar de cuidados no futuro. Quem vai cuidar de nós? Jornal da 3ª Idade- Como estão distribuídos os idosos no Acre? Na cidade ou na área rural? Maria Leitão Bessa- Nossa maior população idosa está na zona rural. Os jovens vão para a cidade estudar e buscar novos trabalhos e os velhos vão ficando. Nós te- mos os Soldados da Borracha, que recebem dois benefícios e que tem um debate espe- cífico sobre a sua história, bastante polêmica. Temos os índios, que muitas vezes recebem um tratamento me- lhor que os demais, porque além de receber o atendi- mento geral dado aos idosos ainda tem um atendimento específico dado pela FUNAI, com foco e recursos desti- nados para eles. Isso cau- sa muita discussão. Temos também uma multidão de idosos solitários. São homens originários na sua maioria da Região Sul, muitos que foram trabalhar na agricultura, que deixaram suas famílias décadas atrás em busca de oportunidades e envelhece- ram sozinhos. Hoje muitos estão demenciados e não tem quem cuide. Temos muitos idosos do Paraná, em proces- so de demência, que estão dando o maior trabalho para as assistentes sociais que tentam localizar as famílias. Jornal da 3ª Idade- No seu vasto e respeitado cur- rículo são quantos anos de dedicação aos idosos? Maria Leitão Bessa- Eu tra- balho com idosos desde 1975. Eu era jovem quando funcionária do SESC comecei a trabalhar com programas voltados para os idosos. Nun- ca mais parei. Fui secretaria da Promoção Social, da Fun- dação do Bem Estar Social, várias vezes na Prefeitura. Fiquei oito anos no Conselho Estadual do Idoso. Criei a ANG- Associação Nacional de Gerontologia, seção Acre. Fundei a ABRAZ Regional Acre. Estou na Abraz nacional mas continuo na Gerência de Humanização do Hospital do Idoso. Na verdade é uma luta que não acaba nunca. Eu conto para todo o mundo que nesse trabalho eu estou fazendo uma poupança com Deus. Eu disse para minha filha que pelo crédito que tenho vou pedir a ele para dividir com todos da família, pedindo saúde para todos. Jornal da 3ª Idade- Quan- tos filhos e quantos netos? Maria Leitão Bessa - Tenho um filho e uma filha e três netos. Herminia Brandão [email protected]

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Entrevista realizada pela jornalista Herminia Brandão com a gerontóloga Maria Leitão Bessa, do Acre, presidente da ABRAZ Nacional para a gestão 2014/2016.

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Page 1: Especial nº 23 Entrevista Maria Leitão Bessa presidente da ABRAZ Nacional 2014

Jornal da 3ª Idadewww.jornal3idade.com.br Um jornal a serviço dos direitos dos idosos- São Paulo, novembro de 2014 - ano 11 - especial nº 25

Nova presidente da Abraz fala sobre a descentralização da entidade e os idosos de todo o Brasil

Maria Leitão Bessa, presidente nacional da ABRAZ- Associação Brasileira de Alzheimer. Maria Leitão Bessa é uma das mais importante e respei-tadas gerontólogas do Brasil. É atual presidente nacional da ABRAZ- Associação Brasileira de Alzheimer; vice-presiden-te da Federação Brasileira de Associações de Alzheimer (FEBRAZ); vice presidente nacional da ANG_ Associação Nacional de Gerontologia e responsável pela comissão de articulação do CNDI- Conselho Nacional do Idoso. Nessa entrevista exclusiva ao Jornal da 3ª idade, feita no hotel aonde estava hos-pedada, na Rua Augusta, em São Paulo, ela falou das necessidades dos idosos em todo o Brasil, dos particulares do seu Estado, o Acre.

Jornal da 3ª Idade- Des-de quando a senhora é a nova presidente da ABRAZ?

Maria Leitão Bessa- Desde o Congresso que fizemos em São Paulo, de 11 a 14 de se-tembro de 2014. Eu fui acla-mada e montei uma diretoria que pela primeira vez é toda descentralizada. Eu estou no Acre, a vice em Curitiba, o tesoureiro principal no Rio de Janeiro, o tesoureiro adjunto em Pernambuco, a secretaria em Fortaleza.

Jornal da 3ª Idade- Qual o ob-jetivo dessa descentralização?

Maria Leitão Bessa- A Abraz está em todo o país e o foco do trabalho é divulgar a do-ença para que todos possam ter um diagnóstico precoce. O Alzheimer ainda não tem

Soldados da Borracha

Calcula-se que mais de 60.000 pessoas foram en-viadas pelo governo brasileiro durante a gestão de Getúlio Vargas para a região amazônica em 1943 para aumentar a extração da borracha e beneficiar os Estados Unidos que, em plena II Guerra Mundial, tinham seus estoques prejudicados pela retaliação asiática. Eles, na maioria nordestinos, ficaram conhe-cidos como “soldados da borracha”. Depois de anos lutando pelo reconhecimento eles ganharam em maio de 2014 o direito a dois salários mínimos e 25 mil reais de indenização. Estima-se que 4.500 sobrevi-ventes e 7.500 dependentes terão direito ao benefício.

cura, mas na medida que as pessoas descobrem no começo é possível criar um ambiente de mais confor-to. Também a família pode entender melhor o que se passa com aquela pessoa.

Jornal da 3ª Idade- O Al-zheimer ainda é uma doença desconhecida da maioria da população?

Maria Leitão Bessa- Muitas famílias ainda encaram os primeiros sintomas dos seus idosos como sendo atitudes que elas consideram normal do envelhecimento. Acham que os avós ou os pais estão ficando caducos, que tem esquecimentos e descontro-les de velhice e quando se dão conta de que o processo não é normal e resolvem procurar ajuda a situação já está avançada. Tem gen-te morrendo precocemente pois não tiveram tratamen-to adequado no começo.

Jornal da 3ª Idade- Os gru-pos de apoio têm proliferado pro todos os Estados. Como eles vem sendo trabalha-dos junto aos familiares do portador do Alzheimer?

Maria Leitão Bessa- Os gru-pos de apoio são fundamen-tais para a sobrevivência das famílias. São reuniões men-sais para apoiar o familiar, para que ele saiba se cuidar e também oferecer ao seu familiar doente uma melhor qualidade de vida. Muitas vezes o cuidador acaba mor-rendo primeiro que o doente,

porque ele fica tão sobrecar-regado que vai se exaurindo.

Jornal da 3ª Idade- Essa atitude ainda predominan-te de achar que é normal “ficar caduco” quando se avança na idade não de-monstra a falta de preparo da sociedade brasileira para entender o envelhecimento?

Maria Leitão Bessa- É preciso debater e informar muito as pessoas sobre as questões do envelhecimento. Por isso, também, é importante que a diretoria seja descentraliza-da, porque assim cada um vai aprofundar os debates dentro do seu foco. Estamos longe e juntos, porque fazemos reu-niões periódicas pelo Skype.

Jornal da 3ª Idade- As ne-cessidades dos idosos do Acre, aonde a senhora mora, são as mesmas dos demais idosos do Brasil?

Maria Leitão Bessa-Não, no Acre tudo é diferente. Nossos idosos são pobres que fazem milagres men-sais, pois a maioria ganha o valor do salário mínimo e sustentam famílias grandes com o seu benefício. Nos-sos idosos sorriem pouco, a maioria tem um semblante angustiado, mas isso não tem nada com o avançar da idade, mas com uma vida muito dura com mui-tos problemas e privações.

Jornal da 3ª Idade- Quais os principais serviços que exis-tem para os idosos no Acre?

Maria Leitão Bessa- Na Capi-tal, em Rio Branco, temos um Centro Dia, que é adminis-trado pela Secretaria do De-senvolvimento Social e que atende o idoso saudável que pode se locomover. No Hos-pital das Clínicas nós temos a ala da geriatra que atende os idosos da faixa dos 60 aos 80 encaminhados pelos postos de saúde. Os idosos acima de 80 anos são atendidos di-reto. Tem o trabalho do Sesc

que tem o mesmo padrão de todo o país. Temos as casas de passagem dos seringuei-ros. A novidade que estamos desenvolvendo é um trabalho de cuidadores com o acrésci-mo de cuidar de pessoas com demência. Com a UNINORTE, que é a universidade local, estamos desenvolvendo um curso de especialização que já formou 24 pessoas em Gerontologia e se prepa-ra para a segunda turma.

Jornal da 3ª Idade- O tra-balho de preparação de cui-dadores tem que ser prio-ridade nas entidades que trabalham com idosos?

Maria Leitão Bessa- A socie-dade está envelhecendo e as pessoas não estão se prepa-rando para isso. Quando uma mulher engravida é normal a família se mobilizar, procurar saber do que ela precisa, pre-parar a casa para a pessoa que está chegando. As pesso-as vão envelhecendo e as fa-mílias não se mobilizam, não se preocupam em mudar a mobília, os batentes da casa, tirar os tapetes. O que mais mata o idoso não é o Alzhei-mer são as quedas. Cuidar de um idoso não é fácil. Se va-mos ter uma sociedade com mais idosos quem vai cuidar deles? Todos nós vamos pre-cisar de cuidados no futuro. Quem vai cuidar de nós?

Jornal da 3ª Idade- Como estão distribuídos os idosos no Acre? Na cidade ou na área rural?

Maria Leitão Bessa- Nossa maior população idosa está na zona rural. Os jovens vão para a cidade estudar e buscar novos trabalhos e os velhos vão ficando. Nós te-mos os Soldados da Borracha, que recebem dois benefícios e que tem um debate espe-cífico sobre a sua história, bastante polêmica. Temos os índios, que muitas vezes recebem um tratamento me-lhor que os demais, porque

além de receber o atendi-mento geral dado aos idosos ainda tem um atendimento específico dado pela FUNAI, com foco e recursos desti-nados para eles. Isso cau-sa muita discussão. Temos também uma multidão de idosos solitários. São homens originários na sua maioria da Região Sul, muitos que foram trabalhar na agricultura, que deixaram suas famílias décadas atrás em busca de oportunidades e envelhece-ram sozinhos. Hoje muitos estão demenciados e não tem quem cuide. Temos muitos idosos do Paraná, em proces-so de demência, que estão dando o maior trabalho para as assistentes sociais que tentam localizar as famílias.

Jornal da 3ª Idade- No seu vasto e respeitado cur-rículo são quantos anos de dedicação aos idosos?

Maria Leitão Bessa- Eu tra-balho com idosos desde 1975. Eu era jovem quando funcionária do SESC comecei a trabalhar com programas voltados para os idosos. Nun-ca mais parei. Fui secretaria da Promoção Social, da Fun-dação do Bem Estar Social, várias vezes na Prefeitura. Fiquei oito anos no Conselho Estadual do Idoso. Criei a ANG- Associação Nacional de Gerontologia, seção Acre. Fundei a ABRAZ Regional Acre. Estou na Abraz nacional mas continuo na Gerência de Humanização do Hospital do Idoso. Na verdade é uma luta que não acaba nunca. Eu conto para todo o mundo que nesse trabalho eu estou fazendo uma poupança com Deus. Eu disse para minha filha que pelo crédito que tenho vou pedir a ele para dividir com todos da família, pedindo saúde para todos.

Jornal da 3ª Idade- Quan-tos filhos e quantos netos?

Maria Leitão Bessa- Tenho um filho e uma filha e três netos.

Herminia Brandã[email protected]