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Espaço público contemporâneo: pluralidade de vozese interesses

Éllida Neiva Guedes∗

Universidade Federal do Maranhão

ÍndiceIntrodução 11 Conceitos de espaço público em

Habermas 22 A pluralidade do espaço público con-

temporâneo 7Conclusão 13Bibliografia 15

Resumo

Aborda-se o conceito de espaço público,de Jürgen Habermas à contemporaneidade.Discutem-se as transformações ocorridas noespaço público, que o configuraram como lu-gar de múltiplas vozes. Apresenta-se a con-cepção plural do espaço público como umaforma de expressão da complexidade con-temporânea. Debatem-se novas formas departicipação e representação dos atores so-ciais e o papel da internet no processo de re-configuração do espaço público.

Palavras-chave: Espaço público, con-temporaneidade, participação, internet, plu-ralidade.

∗Professora do Curso de Comunicação Socialda Universidade Federal do Maranhão (Brasil).Doutoranda em Letras na Universidade de Coimbra,sob a orientação da Professora Doutora Isabel FerinCunha.

IntroduçãoA dinamicidade própria do processo evolu-tivo social, cultural, tecnológico, político eeconômico reconfigura, redimensiona e re-funcionaliza o espaço público1. Tal cenárioimpõe à sociedade contemporânea a neces-sidade de repensar esse lugar de discussão ede refletir, à luz dos fatores que o impactame o redefinem, sobre os modos como, nele,os atores sociais se organizam e atuam.

Este artigo objetiva discutir o conceito deesfera pública, do modelo burguês de Haber-mas à contemporaneidade, contextualizandoas mudanças ocorridas. Abordam-se os as-pectos que tornam plural o espaço públicoda atualidade, finalizando-se com reflexõessobre a internet nesse contexto. Para tanto,baseia-se em Jürgen Habermas (1997,2003)e em outros autores, principalmente, NuriaGrau (1998), Bernard Miège (1999), Do-minique Wolton (1999, 2005, 2006), JohnThompson (1998), Wilson Gomes (1998,2006), Maria João Silveirinha (2004, 2009)e João Pissarra Esteves (2007).

1 Usar-se-ão neste artigo as expressões espaçopúblico e esfera pública como sinônimas.

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2 Éllida Neiva Guedes

1 Conceitos de espaço públicoem Habermas

Na Idade Média, não havia separação en-tre as esferas pública e privada, já que nãoocorria a discussão pública - a represen-tação pública não era discernível da repre-sentação privada. O conceito de represen-tatividade pública vinculava a autoridade aosenhor feudal, ao rei, ao sacerdote. Estavarelacionado, portanto, ao cargo, aos atribu-tos da soberania, à hereditariedade, ao statusda pessoa e não a um setor social (Habermas,2003).

Grau (1998) diz que a separação entre oEstado e a sociedade e, em conseqüência,entre as esferas pública e privada, aconteceuno processo de construção da sociedade mo-derna. Destaca, ainda, que o único signifi-cado que pode sobreviver do público (coisapública), uma das categorias mais antigasdo pensamento político, é o de coisa co-mum, coletivo, de interesse ou de uso co-mum - portanto, visível a todos. A noçãode coletividade dá à coisa pública uma cono-tação política. Segundo a autora, a maioriados teóricos contemporâneos circunscreve acoisa pública a “o que pertence ao Estado”,este assumido como a esfera de realização dacoisa pública.

Com a separação entre o Estado e a so-ciedade, a autoridade despersonificava-se,dando lugar a uma nova representatividadepública – o uso público da razão -, o queimplicava comunicar publicamente os pensa-mentos, por meio de um discurso racional.A publicidade crítica substituía a publici-dade representativa e desse confronto surgiaa esfera pública liberal, fundada na conver-sação crítica dos indivíduos entre si, ondeas coisas se verbalizavam e se configuravam

publicamente, em um movimento contrário àpolítica de segredo de Estado.

A esfera pública burguesa, na concepçãode Habermas (2003:42),

[...]pode ser compreendida inicial-mente como a esfera das pes-soas privadas reunidas em umpúblico; elas reivindicam esta es-fera pública regulamentada pelaautoridade, mas diretamente con-tra a própria autoridade, a fimde discutir com ela as leis geraisda troca na esfera fundamental-mente privada, mas publicamenterelevante, as leis do intercâmbiode mercadorias e do trabalho so-cial[...].

Resultado da refuncionalização da esferapública literária, a esfera pública burguesaera uma instância de reivindicação de poder.Afirmava-se frente ao poder público de en-tão como a caixa de ressonância dos inte-resses burgueses, em oposição às diretrizesdaquele poder. Tratava-se de um “[...]fórumpara onde se dirigiam as pessoas privadas afim de obrigar o poder público a se legitimarperante a opinião pública[...]” (Habermas,2003:40). Fundamentava-se na separaçãoentre a esfera pública e a privada, mediando-as, mas sem confundir-se nem com o poderdo Estado, nem com a economia do mercado.

A esfera pública burguesa, portanto,constituía-se no locus de exercício da pro-blematização e da crítica de atores livrescontra o poder do Estado, com a finalidadede pressioná-lo e de interferir nas decisõessobre as políticas públicas, em direção aosanseios, expectativas e interesses universais.Através do diálogo e do confronto de dife-rentes argumentos e pontos de vista entre

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as pessoas privadas (proprietários) reunidasem salões e cafés, os assuntos de interessegeral discutidos, até então monopolizadospela Igreja e pelo Estado, adquiriam caráterpúblico.

Silva (2002) aponta dois sentidos para otermo público, nesse contexto: no signifi-cado e validade, ou seja, de interesse uni-versal, comum a todos; e na acessibilidade– aberto a quem quisesse participar da dis-cussão. Entretanto, na esfera pública bur-guesa, tal processo tinha como atores umpúblico exclusivamente masculino e de elite,já que a oportunidade de publicizar opiniões,discuti-las e adotar o melhor argumento erarestrita aos homens instruídos e detentoresde meios financeiros, excluindo mulheres eescravos. Observa-se, assim, um contra-senso no que tange à acessibilidade univer-sal. A hegemonia da emergente burguesiasobrepunha-se à hierarquia social, poderosaeconomicamente, mas desprovida de poderpolítico.

A esfera pública burguesa apresentavauma idéia de oposição à dominação do Es-tado e de reivindicação de poder, mas suabase social não permitia o fim da domi-nação. Carregava “[...]uma contradição ima-nente: a sociedade civil busca se apropriarda esfera do poder político para regular egarantir a própria esfera de interesses priva-dos[...]”2 (Lubenow,2007:18).Espaço de re-presentação dos proprietários, universalizavaunicamente os interesses particulares desses.

Para Thompson (1998:69), Habermas(2003) não observou em sua tese a re-lação quase sempre conflituosa entre a esferapública burguesa e os movimentos sócio-populares, tendo sido negligente quanto à

2 Grifos do autor.

importância de outras formas de discursoe atividades públicas que existiram, na Eu-ropa, nos séculos XVII, XVIII e XIX,“[...]que não fizeram parte da sociabilidadeburguesa, e em alguns casos dela foram ex-cluídas ou a ela se opuseram”. O autor dizainda que:

Da mesma forma que a esferapública burguesa emergente sedefiniu em oposição à autoridadetradicional do poder real, assimtambém se confrontou com o le-vante dos movimentos popularesque ela procurou conter (ibid.).

O conceito habermasiano de esferapública, portanto, é excludente, visto quese tratava de um espaço, dito público, masvoltado para os interesses e valores de umaclasse emergente na sociedade – um debateentre iguais, da sociedade “oficial”. Nessesentido, não se constituía um modelo ideal,apesar da autoridade legítima gerada pelaarticulação do interesse geral autêntico ser“[...]um princípio que se manteve duranteséculos, constituindo hoje um ideal nasdemocracias de massa contemporâneas”(Silveirinha, 2004: 206).

Em entrevista a uma revista acadêmicabrasileira, Wolton (2005:11) faz uma com-paração entre ele e Habermas:

Para Habermas, [...]o espaçopúblico é limitado, a comunicaçãoé limitada às elites e, de fato,a sociedade era controlada peloespaço público e pelas elites. Eutenho uma visão muito mais dasociedade de massa, da aberturae então eu penso que o papel da

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comunicação é ainda mais im-portante porque ela é justamenteo espaço que permite que ospontos de vista contraditórios seexpliquem, exponham-se clara-mente e, de uma certa maneira,pela violência das palavras seimpede a violência dos golpes.Então, eu sou habermasiano, masmuito mais em uma lógica desociedade aberta e de democraciade massa com relação a ele queficou muito mais restrito a umademocracia de elite. Eu acreditoque a democracia de massa hojenão tem nada a ver, ou melhor,não tem grande coisa a ver com ocontexto intelectual no qual estavainscrito Habermas. Habermasera um alemão fascinado pelaviolência do fascismo, enquantoeu sou um francês que faz partede um outro mundo, apesar dasguerras e dos conflitos.

Wolton (2006) construiu a expressãodemocracia de massas para dar conta da so-ciedade contemporânea, onde cohabitam avalorização do indivíduo e da massa, a liber-dade e a igualdade - dois elementos estrutu-rais normativos e contraditórios.

Habermas (2003) demonstra, entretanto,que, à medida que o setor público se imbri-cava com o privado, a esfera pública bur-guesa deixava de existir. A imprensa deopinião, artesanal e polêmica, do séculoXVIII, que alimentava a discussão em salõese cafés era substituída, no século XIX, pelaimprensa comercial, comprometida comos interesses mercadológicos. No séculoseguinte, a televisão passava a aliar infor-

mação e entretenimento, diminuindo o es-paço para a argumentação. Surgiam, ainda,as relações públicas, aliadas aos meios de co-municação de massa e voltadas para a adesãode simpatias para assuntos de interesses pri-vados, com tom de público (Miège,1999).Esses são aspectos determinantes para asmudanças sofridas pelo espaço público.

A vinculação e a submissão da esferapública aos meios de comunicação de massa,que antes intermediavam os interesses públi-cos e privados e agora apresentavam umadimensão comercial e mercantilizada da in-formação, marcavam a degeneração e a des-politização da esfera pública moderna. So-brevivia, porém, o espaço de publicização,mas já sem o poder do debate. A imprensatornava-se o símbolo do declínio da esferapública.

A esfera pública perdia sua função de me-diadora entre o Estado e as necessidades dasociedade. Chegava ao fim a autonomia daesfera privada e da relativa homogeneidadedas pessoas privadas intelectualizadas quecaracterizava a esfera pública burguesa. Osinteresses já não eram públicos e sim de gru-pos privados, representados por associaçõese partidos, que internamente passavam a e-xercer o poder em um jogo com o aparelhodo Estado e que buscavam um assentimentoou tolerância dos públicos mediatizados.

A publicidade comercial invadia a es-fera pública, facilitada pelo alcance e eficá-cia dos meios de comunicação de massa epela penetração, naquela esfera, dos inte-resses privados organizados. Os mass me-dia localizavam-se na esfera do intercâmbiode mercadorias, o que denotava a orientaçãoeconômica do mercado e os tornavam maisvulneráveis aos interesses privados.

Com a interpenetração do político e do

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econômico, os públicos, entendidos comoindivíduos dotados de liberdade de opiniãoe de capacidade argumentativa em direçãoao consenso, deslocavam-se para um pa-pel marginal, sem poder nem autonomia,sendo, eventualmente, chamados para parti-cipar, através do sistema eleitoral. Aquelesindivíduos deixavam sua condição de públi-cos, na acepção citada, e tornavam-se desti-natários de uma publicidade manipulativa deopiniões, que nada mais tinha a ver com oestímulo à racionalização do viés crítico dapublicidade.

A imprensa, que teve sua origem e existên-cia vinculadas à esfera pública burguesa,ao se subordinar à mercantilização, refun-cionalizava aquela esfera. O público leitordava lugar ao consumidor. A publicidade,antes crítica, contrária à política do segredo edesmistificadora da dominação política, pas-sava ela própria a instrumento de dominaçãoe mecanismo de guardar segredos, ao tornarpúblico somente o que era de interesse degrupos privados. A crítica havia sido o ca-minho para a burguesia chegar ao poder.Agora essa já não precisava ser crítica e nemsustentar uma esfera pública crítica.

Modificavam-se as condições sob as quaiso poder era exercido. A imprensa – na ver-dade os proprietários dos meios de comuni-cação –, ao deter o controle da informação,ganhava posição privilegiada no exercício dopoder no espaço público e substituía os cafése salões. De uma esfera pública crítica, li-mitada à burguesia, passava-se a uma esferapública manipulada e sedutora, cuja opinião“pública” era construída de acordo com in-teresses de grupos específicos. O domínio daesfera pública era das organizações de inte-resses privados, que se utilizavam de estraté-gias comunicacionais para alcançar a visibi-

lidade necessária. O público decidia apenasatravés do voto:

[...]Do público dessa esfera so-cial se solicita a participação tão-somente para assentir plebisci-tariamente, ou pelo menos, to-lerar posições que, de maneiranão pública apresentaram-se na es-fera pública. As posições aindatêm que ser mediadas discursiva-mente, mas não no interior da es-fera pública e sim para a esferapública. A discursividade já nãoé mais um critério para garantirque uma posição se exponha aocrivo da racionalidade, à comu-nicação pública; a discursividadeagora serve para que uma posiçãoconsiga a boa vontade do público.Tratava-se de discussão. Trata-sede sedução; tratava-se de crítica,agora, de manipulação” (Gomes,1998: 163).

A partir da obra “Direito e democracia:entre facticidade e validade”, nos anos de1990, Habermas (1997) passa a enfatizaruma concepção de público pluralista, capazde elaborar resistência às representações dosmeios de massa e de criar suas próprias inter-venções. Tal concepção abre caminho parao reconhecimento de esferas públicas alter-nativas e periféricas. A esfera pública deixade ser vista como um elemento unitário e in-divisível da sociedade ou como uma caixade ressonância passiva da cultura dominante.Ao invés disso, uma diversidade de fóruns dediscussão convive com uma esfera públicageral, ainda dominada pelos interesses dosmeios de comunicação de massa e do capi-tal.

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Habermas (1997) trata de uma esfera lo-calizada entre as administrações públicas eas organizações privadas, formada por cam-pos políticos que tematizam questões so-ciais, colocam exigências políticas, articu-lam interesses e influenciam a formulaçãode políticas. Essa esfera intermediária écomposta por grupos de interesses públi-cos, uniões políticas, instituições culturais,instituições de caridade, academias. Taisassociações formadoras de opinião e, emgeral, especializadas em exercer influênciapolítica, fazem parte da dimensão civil deuma esfera pública geral. A influênciapública de tais grupos está nos fluxos de co-municação por eles produzidos.

No conceito de esfera pública revisado,inscreve-se a obrigatoriedade de identificare de tematizar os problemas do mundo davida, de forma eficiente para que eles sejamassumidos e elaborados pelo complexo par-lamentar. As organizações da sociedade civilcaptam as demandas periféricas nas esferasprivadas, dão visibilidade a elas ao furaremo cerco dos meios de comunicação de massae as transmitem para a esfera de deliberaçãopolítica, colocando, assim, os problemas e-xistentes na sociedade como um todo à luzda discussão pública. A esfera pública passaa ser descrita por Habermas (1997) comouma rede de comunicação de conteúdos, detomadas de posição e de opiniões, em sinto-nia com a prática comunicativa cotidiana.

Observa-se, pois, a ampliação do espec-tro de possibilidades de participação e de de-liberação públicas, para além da classe bur-guesa da concepção inicial de Habermas,com abertura para segmentos da sociedadecivil. Alarga-se a influência das esferas in-formais do mundo da vida na formação daopinião pública e nas mudanças do rumo do

poder político. A tematização de questõesde interesse do bem estar social por orga-nizações específicas provoca a demarcaçãode novos espaços participativos e, por con-seguinte, a ampliação do jogo de disputa en-tre interesses e opiniões e a possibilidade deocorrência do conflito.

A admissão de novos interlocutores, o es-tabelecimento e a ampliação do diálogo ea abertura de canais de comunicação entreo Estado e a sociedade modificam as for-mas de reivindicar, de administrar os confli-tos e de legitimar interesses, enfim, recon-figuram o espaço reconhecido para a parti-cipação política. Amplia-se a oportunidadede colocação de posições e contra-posições“[...]em várias arenas, por vários instrumen-tos e em torno de variados objetos de inte-resses específicos[...]”(Gomes,1998:155).

O espaço público, originalmente um lu-gar físico comum de discussão, com os massmedia (e com os avanços tecnológicos pos-teriores), foi “desterrritorializado”, já queos envolvidos não necessitam mais do com-partilhamento físico-temporal para o debate.Thompson (1998:19) diz que “[...]o desen-volvimento da mídia (entrelaçado com ou-tros processos de desenvolvimento) transfor-mou a natureza da produção e do intercâm-bio simbólico no mundo moderno”. Este in-tercâmbio, aspecto central das sociedades, éuma

[...]reelaboração do caráter sim-bólico da vida social, uma reorga-nização dos meios pelos quais a in-formação e o conteúdo simbólicosão produzidos e intercambiadosno mundo social e uma reestru-turação dos meios pelos quais os

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indivíduos se relacionam entre si(ibid.).

Sobre os media, Wolton (2006: 93) en-tende que esses

[...]assumem o seu papel quandoorganizam as controvérsias. Nopassado, deviam[...] estabele-cer mais fluxo de circulação en-tre os diferentes elementos da so-ciedade. Hoje, devem[...]permitirexpor e compreender os con-trastes das lógicas constituivasda realidade[...]fornecendo pon-tos de referência necessários maisnumerosos do que no passado,e indispensáveis numa sociedadeaberta e mais frequentemente mul-ticultural[...].

2 A pluralidade do espaçopúblico contemporâneo

Enquanto a imprensa originou a esferapública única e burguesa do século XVIII, ofenômeno multimédia – ou a mediação faci-litada pelas tecnologias –, a partir da segundametade do século XX, somado a outras va-riáveis, contribui para a pluralização do es-paço público contemporâneo. As inúmerasformas de comunicação e de informação queo atravessam e o sustentam permitem a com-preensão de um mundo que vai além das ex-periências pessoais e o transformam em umcampo de muitas vozes, em uma arena de in-teresses convergentes e divergentes. O es-paço comunicacional mudou e, hoje, é ex-pandido pela tecnologia, que pode gerar es-paços públicos parciais.

Para compreender a esfera pública con-temporânea, Miège (1999) lembra os qua-tro modelos de comunicação adotados pelassociedades democráticas, que contribuírampara a organização do espaço público – a im-prensa de opinião e polêmica, em meadosdo século XVIII; a imprensa comercial, o-rientada para o lucro, menos polêmica e dis-simulada sob o formato e a difusão de in-formações, a partir dos meados do séculoXIX; as mídias audiovisuais de massa, emespecial a televisão, desde a segunda metadedo século XX, que teve seu desenvolvimentoligado quase organicamente ao da publici-dade comercial e à ascensão das técnicas demarketing na comunicação social; e as re-lações públicas generalizadas no final dosanos de 1970, que usavam técnicas e es-tratégias de sedução e constituíam-se em ele-mentos de reafirmação de dominação para asgrandes organizações, as multinacionais, ospartidos políticos dominantes e os Estados.

Miège (1999) evidencia, ainda, para o en-tendimento do processo de mudanças no es-paço público, a percepção de três “lógicassociais”: as técnicas da comunicação (ou domarketing) política, consideradas por muitosautores, mas criticadas por ele, como a viamodernizadora da vida política e organi-zadora do espaço público; a penetração doespaço público na esfera privada, represen-tada pela individualização das práticas cul-turais e comunicacionais, já que cada indi-víduo é levado a se pensar como ser sociale a adotar, pela socialização, as normas depertencimento social; a dimensão mercantildo espaço público e a metáfora da conta-minação, como se ainda fosse concebível umespaço público político “puro e perfeito”. Oautor enfatiza a função das técnicas de co-municação de empresa para mobilizar as e-

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nergias “participativas” ao serviço de reorga-nização do trabalho e de melhorar a imagemdas empresas, acentuando, inclusive, o lado“cidadão” dessas.

Fundamentado nesse processo de mu-danças, Miège (1999: 10) explica que

[...]o espaço público se perpetua(ainda que sua função de faci-litador do debate e das trocasde opiniões, bem como o usodas práticas argumentativas te-nham diminuído); que ele se am-plia (todas as classes sociais sãopartícipes, porém de modos di-versos); que suas funções se es-tendem regularmente (as lógicassociais que o trabalham estão naorigem desta extensão); e que eletem a tendência de se fragmentar.

Para Grau (1998), a ampliação do espaçopúblico é uma decorrência do fortalecimentoda sociedade, a partir da renovação dos sis-temas de intermediação, representação e par-ticipação social e da publicização da ad-ministração pública. Ambos são determi-nantes para a quebra de monopólios do poderpolítico e das lógicas da ação social. A so-ciedade civil, para a autora, implica a e-xistência de um “setor intermediário” – asinstâncias de representação, negociação e in-terlocução social - e um “terceiro setor” – aesfera de satisfação de necessidades públicaspela sociedade. Assim, com origem nesta,desencadeiam-se os processos de ampliaçãoe recuperação da esfera pública, revelandoque a participação cidadã é a via para acrítica e controle sobre o Estado.

Há espaço público “[...]sempre que todosos afectados em geral pelas regras de acção

sociais e políticas se envolvem em discursoprático para testar sua validade” (Silveirinha,2004: 206). Trata-se de uma multiplici-dade de públicos, de dimensões diversas, quepraticamente equivale a quantas redes de co-municação se formem em torno de interessesespecializados, afastando-se de um discursocomum. Depreende-se desse raciocínio queos âmbitos de discussão compõem-se todasas vezes que os indivíduos questionam argu-mentativamente os interesses públicos ou asdecisões que lhes afetam.

Nesse cenário, Linhares (2006: 169)destaca que:

Diferentemente da sociedade mo-derna, onde o espaço público erao lugar de busca de consenso, quepadronizava e categorizava os de-sejos privados tornando-os públi-cos e descentrando-os para a sus-tentação e justificação do poder, a-tualmente a sociedade não procurao consenso pelo igual, absolutoe universalizante. Nesse sentido,desenvolve-se o esforço de con-viver e aceitar o diferente, o gru-pal, o gênero, a etnia, a diversi-dade.

Com base em Miège, Rezende (2005:180)diz que o espaço público contemporâneo

[...]significa o modo como se ne-gociam os saberes e poderes, ouainda, a maneira como se arti-culam forças e interesses em ummundo regido pelos meios de co-municação: ele é, por tudo isso, oespaço cuja nova norma é o con-flito

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Isso porque, para o autor, a esfera públicaé o espaço de negociação entre os sujeitos-narradores das histórias contemporâneas.Ele nasce e sobrevive das relações entre osujeito Estado e outras formas de poder – omercado, os comunicadores, os meios de co-municação, os movimentos sociais. O con-flito rege a contemporaneidade, porque, aocontrário da sociedade das massas, onde ossujeitos não são atores, já que não têm ca-pacidade de ação, “[...]o homem contem-porâneo se faz sujeito exclusivamente pelavia da ação[...]”(Rezende, 2005:185), temvoz ativa, trazendo consigo divergências edesacordos.

Silverinha (2004: 212) pondera, e essa é aperspectiva deste artigo, que

[...]A inclusão de todos os inte-resses num só espaço é impos-sível em sociedades caracterizadaspor privilégios de classe, raçae gênero, pelo que é necessárioaos grupos não-dominantes saíremdas correntes dominantes para en-claves separados onde podem de-senvolver as suas próprias vozese descobrir os seus próprios inte-resses[...].

A pluralidade de espaços públicos re-trata a “[...]realidade social, em que classese setores sociais diversos vivem e serelacionam[...]”(Silveirinha,2004:201-202).

Keane (2001:194-195) afirma que o es-paço público indica pluralidade e fragmen-tação, diante de uma multiplicidade de es-paços de comunicação ligados em rede, nãomais limitados à territorialidade e que

[...]por isso rodeiam e fragmentamirreversivelmente qualquer coisa

que anteriormente se assemelhassea uma única esfera pública espa-cialmente integrada[...].O ideal deuma esfera pública unificada e avisão a ela correspondente de umarepública territorialmente limitadade cidadãos que se empenham emviver à altura da sua definição dobem comum são obsoletos[...].

Miège (1999) considera que, dentre osmovimentos do espaço público por ele ob-servados – a perpetuação, a ampliação ea fragmentação, esta última é a que deveser mais questionada, uma vez que é umatendência que repousa sobre: uma assimetriacrescente - os indivíduos, por estarem cadavez mais ligados às tecnologias da comuni-cação encontram-se em uma situação de “in-teração parcial”; o contentamento de certascategorias sociais com uma audiência maisou menos regular do jornal televisivo e umacrescente desigualdade de acesso aos meiosmodernos de comunicação, o que colocamediadores “super-equipados”, de um lado,e, de outro, uma maioria de excluídos quese satisfazem com meios generalistas demassa. Ele destaca, ainda, a sofisticaçãocrescente da gestão do consenso social e cul-tural, por meio das relações públicas gener-alizadas, que exprimem, menos que a im-prensa de massa, as diferenças, os conflitose as oposições.

Entretanto, apesar da coerência doraciocínio de Miège (1999), percebe-se areferida fragmentação de outro posto de ob-servação. A “divisão” de um espaço públicoúnico em uma variedade de arenas decorreda multiplicidade de públicos e de deman-das de um contexto histórico diferente.Ver-se nesse fenômeno uma possibilidade

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de fortalecimento da participação públicano debate dos assuntos da sociedade e deinterpelação no processo decisório públicoe não, necessariamente, o enfraquecimentodo espaço público, como parece expressar ouso do termo fragmentação por Miège.

As principais formas de expressão daesfera pública, a partir da década de1970, passaram a ser as organizações-não-governamentais e as “[...]“associações vo-luntárias” ou, em geral, os movimentos so-ciais, como o coração institucional da so-ciedade civil, chave ao mesmo tempo da re-composição do espaço público” (Grau, 1998:27). Tal recomposição remete, assim, a todasas instâncias representativas de interesses,resgatadas (e ampliadas) a partir da con-cepção de esfera pública de Habermas, após30 anos da elaboração do conceito e análiseda decadência da esfera pública burguesa.

São instâncias não mais ligadas ao com-partilhamento local, que formatam outrostipos de relações sociais, de modos de açãoe de interação e de exercício dos direitoscivis. Configuram novas formas de poder,cuja posição no espaço público relaciona-secom os recursos técnicos, o conhecimentoe o prestígio empregados na relação como outro, para influenciar pessoas e grupos.Representam vontades coletivas, em buscade consensos grupais e formam-se consoanteas demandas de interlocução, de discussivi-dade e de negociação de interesses e matériasdos sujeitos de cada temporalidade. Os or-ganismos representativos do mundo da vidasão proporcionais à complexidade da so-ciedade, onde os atores constroem “[...]no-vas formas de pertencer ao grupo mais pró-ximo de satisfação de seus desejos e neces-sidades econômicas, sociais, políticas e prin-cipalmente culturais” (Linhares, 2006:161).

Wolton (1999:199), em sua lógica dedemocracia de massas, compreende o es-paço público “[...]com um número bastantesuperior de actores interventores de formapública, uma omnipresença da informação,das sondagens, do marketing e da comuni-cação”. Refere-se a sujeitos capazes de cons-truir a própria opinião, que reconhecem ooutro e acreditam no poder da argumentação.O espaço público requer tempo para se for-mar, um vocabulário e valores comuns, dizele, e “[...].Simboliza a existência de umademocracia com a expressão contraditóriadas informações, das opiniões, das ideolo-gias[...]” (Wolton, 2006: 178).

Adota-se, neste artigo, a concepção dapluralidade de espaços públicos como a“fragmentação” da esfera pública em are-nas de representação de interesses legítimos,orientadas pela relação entre necessidadese recursos disponíveis e permeadas por re-lações de poder. São lugares especializadosde interlocução social e de negociação que seorganizam na sociedade civil – e, ao mesmotempo, organizam-na -, movimentam-se pe-los interesses coletivos e buscam influenciare pressionar o poder público. Trata-se de ins-tâncias de mediação, que podem ser locais,nacionais ou internacionais, que coabitam eaté podem sobrepor-se no caminho para oscentros decisórios. Cabem a elas, além datematização, a discussão, a apresentação decontribuições e o encaminhamento às insti-tuições de decisão. Por isso, precisam serautônomas e ter visibilidade.

O espaço público contemporâneoequipara-se, assim, a um campo de in-teresses e de disputa, onde o conflito e aobrigatoriedade da negociação são imi-nentes. A dicotomia conflito x negociaçãoestá posta em um mundo plural em saberes,

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mediado e impactado pelas tecnologiasda comunicação, onde surgem novos es-paços participativos, novos mecanismos decontrole e novas vozes.

2.1 Internet e espaço públicoAs redes tecnológicas de comunicação, emtese, fazem o que o espaço público, am-parado pela interação face-a-face, já nãopode mais realizar. Vive-se uma época de re-lações mediadas, em substituição às relaçõesdiretas, e essa mediação tecnológica, repre-sentada especialmente pela internet e suasferramentas, multiplica as relações sociais(Thompson, 1998).

Ao considerar a esfera pública como a di-mensão do debate ou do conflito argumen-tativo público, já não como a praça, o lo-cal físico, mas como o próprio debate quenela acontece, para Gomes (2006) a internetconstitui-se em uma esfera pública.

Segundo Esteves (2007: 210), entretanto,a internet é fantasia e ilusão, pois, de fato,até agora nenhum milagre político aconteceunem

[...]nada que nos permita acredi-tar que estamos na eminência, ouque seja sequer exeqüível, que to-dos nós, de um momento para ooutro, vamos passar a discutir e de-cidir sobre tudo[...].

Porém, o autor reconhece que o carátermais inclusivo das novas formas de interaçãopoderão vir a complementar ou a corrigir,num certo sentido, as redes de interação maisconvencionais. Daí poderá decorrer maiorparticipação cívica nos processos de decisãoe os recursos desse meio poderão permitir

“[...]um certo aperfeiçoamento da democra-cia” (Esteves, 2007: 221).

Da mesma forma, Silveirinha (2009:s/p)enfatiza as formas de sociabilidade ofereci-das pela internet, com todas as potenciali-dades positivas das antigas comunidades, emespecial no que se refere ao sentido rela-cional e de proximidade com os outros, o quedá oportunidade aos indivíduos de se rela-cionarem com mais pessoas, alimentandoum certo sentido de vida coletiva. Mas,destaca que

[...]relações democráticas, a cons-tituição de um espaço público,onde todos têm acesso ao de-bate racional de temas de in-teresse universal, não decorremnaturalmente das “facilidades tec-nológicas”. Nem tão pouco, ascomunidades virtuais representampúblicos, fundadas na razão, dis-cussão, consenso e mudanças.

A autora coloca, assim, como pouco con-sistente a contribuição dessa tecnologia paraa criação de novos tipos de comunidades epara a expansão de novas práticas democráti-cas baseadas em princípios de discursivi-dade.

Wolton (2005) vê a internet como um sis-tema de informação interativo, que permite amilhares de pessoas acessar as informações,e reconhece a liberdade da interatividade.Mas diz que essa tecnologia não é uma mí-dia de massa. A televisão e o rádio reme-tem à lógica da oferta, enquanto a inter-net para a lógica da procura. No entanto,complementam-se entre si e são objeto daescolha do indivíduo de acordo com “[...]anatureza dos serviços e preferências[...]sem

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que se instale qualquer hierarquia rígida nes-tas escolhas[...]”(Wolton, 1999: 75).

As tecnologias de comunicaçãodisponíveis permitem a exposição de pro-blemas de cunho social, político, econômicoe cultural, a convivência com o novo e odiverso e a descoberta de diferentes modosde enfrentamento. Desse cenário podememergir espaços públicos parciais, livres deuma concepção política institucionalizada.As interações e mediações que se dão noâmbito das tecnologias modificam a so-cialização e correspondem a uma condiçãoessencial para a emergência de espaçospúblicos. O homem passa a ocupar maisespaços e isso o fortalece em suas ações.

Entretanto, trata-se de possibilidade, deprocesso em andamento, ainda sem a con-creticidade necessária para que se possadizê-lo eficaz e democrático. Lembra-se queas informações estão disponíveis, mas pre-cisam ser acessadas e nem todos dispõem detal possibilidade ou interesse. Além disso, aampliação das relações sociais pode não sig-nificar, necessariamente, relevância política.

Com base nesse raciocínio, observa-se,nesse ambiente de redes de comunicação, oque Gomes (2006: 58) chama de esfera devisibilidade pública:

[...]o repertório de idéias, opiniões,noções, informações e imagensque constitui o conhecimento co-mum sobre a esfera política eos negócios públicos[...]uma es-pécie de esfera pública exposi-tiva, que contrasta com a esferapública discursiva[...]que nem seorienta pelos valores democráti-cos, nem pelo serviço ao interessepúblico[...]. A sua forma predomi-

nante é dominada pela indústria dainformação[...].

A migração de áreas diversas parao ciberespaço e o resgate à dialogici-dade, inegavelmente, ampliam as possibi-lidades de intercâmbio, compartilhamento etransparência, em oposição à política do seg-redo. Desta passa-se a outro estágio – ex-cesso de exposição, intromissão em camposprivados e íntimos, propagação de assuntose informações sem que se tenha tempo deconferir a veracidade e que se cristalizamcomo verdade. É o perigo da possibilidadede muitas versões sobre um mesmo objeto.

Assim, por um lado, a internet seria a “es-fera da visibilidade” não somente do que in-teressa estar acessível e visível, a exemplodos mídias a partir da sociedade de massa,mas, por outro, não seria exatamente o lu-gar do debate e da construção da opiniãopública, apesar do potencial dos grupos dediscussão e de outros recursos interativos.Formam-se, no ciberespaço, opiniões de gru-pos, importantes como tais, mas que nãoconstituem a opinião pública em sua essên-cia.

Nesse espaço virtual, estabelecem-se re-des de debates, por área de interesse ou deconhecimento, que produzem e reproduzemsentidos, articulam, negociam e legitimam adiversidade temática, de valores, de necessi-dades e de conflitos do mundo da vida “real”.Além de tornarem tal diversidade visívelao mundo, muitas dessas redes tornam-se oúnico lugar, pela falta de outros espaços, derecursos, de oportunidades ou de iniciativas,onde determinados temas são problematiza-dos, propostas são unificadas e a coesão éestabelecida. Nesse sentido, organizam-secomo verdadeiros espaços públicos parciais,

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que só existem virtualmente ou como exten-sões de espaços reais.

Em contrapartida, na internet tambémocorre a invasão de interesses comerciais,o que pode torná-la um instrumento propí-cio e um ambiente fecundo para o consumo,à semelhança do que aconteceu a veículoscomo os jornais e a televisão. O ator “mer-cado”, no processo de interação com outrasformas de poder no espaço público, inter-fere no processo comunicacional e, por con-seguinte, na organização e articulação da so-ciedade. Apesar de não ser apenas mais umamídia, a internet abriga mídias e é um grandemercado aberto, propício à mercantilizaçãode qualquer coisa, inclusive do que nuncaantes havia sido mercantilizado. É, assim,um espaço de disputas pela visibilidade, quecoloca lado a lado a discursividade crítica eo consumo irracional.

ConclusãoNo percurso teórico de Habermas (1997,2003), nota-se que a função original do es-paço público burguês – pressionar o sistemapolítico no que tange aos interesses públi-cos de bem estar comum - não é alteradaem sua essência, mas sim atualizada em suaforma, conteúdo, ambiente e atores. O cernedas concepções sobre o espaço público, aolongo da sua evolução e construção teórica,permanece em torno das questões públicas,ainda que, em certos momentos, na verdade,sejam privadas disfarçadas de públicas.

A esfera pública burguesa era um es-paço dito público, mas voltado para os in-teresses e os valores de uma única classe so-cial. Era, portanto, uma arena de debate en-tre iguais, o que a tornava excludente. Asmodificações sofridas pelo espaço público

localizam-se nas relações entre as institui-ções políticas e as representações sociais, re-desenhadas pelo cenário social, político eeconômico e pelas formas de comunicação.Trata-se do surgimento de diferentes espaçosde discussão e decisões, da inclusão de gru-pos antes marginalizados, do exercício dademocracia, da edificação de renovados tiposde relacionamentos no tecido político-sociale do alargamento de alternativas para o enca-minhamento de questões sociais emergentesaos centros decisórios.

Os espaços públicos autônomos têm a ca-pacidade de gerar um debate crítico na es-fera pública maior, ao trazerem os conflitosda periferia para o centro da vida pública. Apluralidade coloca em convivência fóruns dediscussão diversos e torna a esfera pública,em sua função de mediação, mais toleranteà inclusão de esferas informais do mundo davida.

A pluralidade de espaços públicos éprovocada pela “departamentalização” dosinteresses em diferentes organizações emovimentos sociais, que passam a ter visi-bilidade perante o sistema social, político eadministrativo e a representar novas formasde poder nas sociedades democráticas. Odesenho de espaços públicos parciais parecese coadunar com o “fenômeno das espe-cialidades” que caracteriza estes tempos emmuitos campos do conhecimento e pode sig-nificar a tentativa de intervir junto ao poderpúblico para resolver questões emergentes eurgentes, de criar lugares para as vozes nãodominantes. O espaço público, mesmo plu-ral, com outra forma e conteúdo, perpetua-se e mantém-se como princípio organizativoe fio condutor que movimenta a sociedade eque a revela politicamente.

As mudanças no espaço público, seja

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a ampliação ou a fragmentação, ancoram-se na comunicação, ora expressa pela im-prensa, ora pelas técnicas de comunicaçãoassociadas à imprensa, ora pela tecnologiaque dá suporte àquela ou ainda por for-mas que imbricam todas essas dimensões.Nota-se, ainda, naquelas mudanças, assimcomo nas reconfigurações anteriores da es-fera pública, a presença transformadora dosfatores econômicos e mercadológicos. São,também, variáveis importantes na ampliaçãodo espaço público as alterações na estruturasocial e nos conceitos de participação e derepresentação.

O número de partícipes nos processos de-cisórios ampliou-se à medida que os espaçoscomunicacionais foram modificados, as for-mas de organização coletivas reinventadas eoutras relações de poder produzidas, com acontribuição das tecnologias de informaçãoe de comunicação. São atores sociais quejá não interagem individualmente, mas pormeio de organizações independentes politi-camente, marcadas por relações menos hie-rárquicas.

A multiplicidade de esferas públicas cor-responde à multiplicidade de agentes so-ciais e políticos – o Estado, os meios decomunicação, os movimentos sociais, asorganizações-não-governamentais, enfim, àsredes sociais construtoras da história con-temporânea. Evidenciam-se como agentesdotados de capacidade de comunicação, açãoe intervenção que promovem a permanentemutação do espaço público, revitalizando erenovando a malha social, a partir não so-mente da busca de consensos, mas tambémdos antagonismos e conflitos inerentes à con-vivência de diferentes.

Sob essa perspectiva, tornar-se plural nãoenfraquece o espaço público, desde que a ca-

pacidade argumentativa permaneça. O nú-cleo de discussão e de argumentação dessanova esfera pública divide-se entre os es-paços públicos parciais, modificando a trocade opiniões e o processo decisório. Vê-se,nesse processo, o surgimento de novas for-mas e até uma certa “divisão” do poder. Senão divisão, pelo menos um caminho para adescentralização e democratização.

A pluralidade de espaços públicosinscreve-se na realidade social como reflexodas necessidades coletivizadas e carac-terísticas das sociedades contemporâneas,da diversidade de interesses, opiniões ediscursos e das ferramentas tecnológicasdisponíveis. Justifica-se, assim, não sermais possível falar em público e, em con-seqüência, em esfera pública, no singular.De uma forma simplificada, pode-se dizer,ainda, que o espaço público se perpetua,da maneira como aqui se expôs, por serum desdobramento da continuação da vidasocial e política – representa a dinamicidadeprópria do processo social.

A presença da internet na vida contem-porânea ainda divide opiniões: facilita-dora do processo democrático, ilusão oupromessa? Como pano de fundo dessa dis-cussão, tem-se o pensamento de Wolton(1999: 174-175):

O cerne do desafio que se colocaà comunicação não é técnico, temantes a ver com a compreensãodas relações entre os indivíduos(modelo cultural) e entre estes ea sociedade (projecto social).[...]Oessencial da comunicação não éde ordem técnica, mas de ordemantropológica e cultural, e é poressa razão que o desempenho das

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tecnologias nunca poderá substi-tuir a lentidão e as imperfeições dacomunicação humana[...]. Fala-se,por exemplo, da democracia elec-trónica para compensar a crise departicipação política.[...]A maiorparte da vezes, atribui-se à tecnolo-gia a capacidade para resolver umproblema social ou político[...]”.

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