esferas de atividade humana

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Universidade Estadual de Maring UEM Maring-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 ANAIS - ISSN 2177-6350 _________________________________________________________________________________________________________

ESFERAS DE ATIVIDADE HUMANA: UM ESTUDO SOBRE A TRANSPOSIO DIDTICA DO CONCEITO BAKHTINIANO

Eliza Adriana Sheuer Nantes (PG-UEL) Idelma Maria Nunes Porto (PG-UEL) Mariangela Garcia Lunardelli (PG-UEL)

Introduo

Essenciais para a compreenso da presena e do tratamento da palavra alheia, as esferas de atividade humana, presentes nas obras do Crculo de Bakhtin, determinam a pluralidade das atividades humanas e caracterizam o enunciado e seus tipos estveis, os gneros, com seu modo prprio de orientao e refrao da realidade. Uma vez que o conceito de gneros discursivos foi transposto para a Lingustica Aplicada ou Didtica de Lnguas, nos trabalhos sobre ensino-aprendizagem de lngua materna e de lngua estrangeira, o conceito de esferas tambm passou a ser considerado no ensino; assim como so diversos e diferenciados os estudos sobre gneros, so vrias as interpretaes e/ou denominaes acerca das esferas. Este artigo pretende apresentar, alm da formulao do conceito bakhtiniano de esferas de atividade humana, seu desenvolvimento para fins didticos: o tratamento do conceito por alguns tericos, como Dolz e Schneuwly (2004) e Marcuschi (2005; 2008); e a apresentao das esferas nos documentos educacionais brasileiros: os Parmetros Curriculares Nacionais (1998) e as Diretrizes Curriculares da Educao Bsica do Paran - Lngua Portuguesa (2008). Pretende-se, com isso, subsidiar a opo pela esfera literria com os estudos dos gneros haicai e causo, no projeto de pesquisa Anlise lingustica: contextualizao s prticas de leitura e de produo textual, do Grupo Felip, da Universidade Estadual de Londrina; pesquisa coordenada pela profa. Dra. Alba Maria Perfeito e que opta categorizar, de modo flexvel e aberto, os gneros por esferas de atividade humana.

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1. O conceito de esferas de atividade humana

Ao se tratar do conceito de esferas, fundamental entender como estas se inserem nos estudos do crculo bakhtiniano sobre enunciado/enunciao e gnero discursivo. Para Bakhtin/Voloshinov, a enunciao o produto da interao de dois indivduos socialmente organizados (1979, p. 112). Mesmo no havendo um interlocutor real, a palavra sempre se dirigir a outrem. E a palavra comporta duas faces: determinada por proceder de algum como por se dirigir a algum; portanto, determinada tanto pelo falante como pelo ouvinte; a palavra produto dessa interao. Bakhtin/Voloshinov colocam que o centro organizador de toda expresso o exterior o meio social que envolve o indivduo. A enunciao de natureza social sua estrutura, sua elaborao estilstica, sua cadeia verbal, enfim, todos os elos, como a sua dinmica de evoluo, so sociais. Desta forma, nessa perspectiva, a lngua vive e evolui historicamente na comunicao verbal concreta (1979, p. 124). Segundo Bakhtin, os gneros discursivos so definidos pelos contratos

comunicacionais, como sendo tipos relativamente estveis de enunciados ou formas relativamente estveis e normativas do enunciado (RODRIGUES, 2005, p. 163). Compreendida no contexto dos estudos do Crculo de Bakhtin, a definio de gneros do discurso insere-se, muito alm de suas propriedades formais (lingustico-textuais), em uma correlao com as esferas de atividade e comunicao humanas: cada gnero est vinculado a uma situao social de interao, dentro de uma esfera social; tem sua finalidade discursiva, sua prpria concepo de autor e destinatrio (2005, p. 165). Conforme Bakhtin (1997, p. 279), todas as esferas da atividade humana [...] esto sempre relacionadas com a utilizao da lngua, a riqueza e a variedade dos gneros. E uma vez constitudos, os gneros exercem coeres sociais em relao s interaes verbais. Quanto ao termo esfera, Barbosa (2001) afirma que este provm do conceito weberiano de esferas de atividades. E nos diversos textos do Crculo, encontram-se vrias denominaes deste conceito, conforme explicita Grillo (2006, p. 133):

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O conceito de esfera da comunicao discursiva (ou da criatividade ideolgica, ou da atividade humana, ou da comunicao social, ou da utilizao da lngua, ou simplesmente da ideologia) est presente ao longo de toda a obra de Bakhtin e de seu Crculo, iluminando, por um lado, a teorizao dos aspectos sociais nas obras literrias e, por outro, a natureza ao mesmo tempo onipresente e diversa da linguagem verbal humana.

Mais importante que a nomenclatura o entendimento de sua importncia. Segundo Bakhtin (1997), os enunciados configuram os gneros discursivos e refletem, por seus contedos temticos, sua estrutura composicional e suas marcas lingustico-discursivas, as esferas de atividades. Tanto Grillo (2006) como Barbosa (2001) estabelecem uma relao entre o conceito de esferas de atividade humana, por Bakhtin, e o conceito de campo, por Bourdieu. Igualmente a campo, as esferas implicariam a correlao de fora entre os agentes que possuem diferentes posies sociais (BARBOSA, 2001, p. 32). O conceito de esferas est, ainda, relacionado diviso, proposta por Bakhtin, entre gneros primrios e secundrios, cujo critrio de classificao seria a noo de espontneo/natural. Explicando grosso modo, gneros primrios so aqueles estruturados pelas aes no-verbais, em relao imediata com as situaes produzidas; os gneros secundrios so objeto de estruturao autnoma, convencional e lingustica. Essa distino no refratria: ambos os gneros podem se modificar e se misturar/complementar. As esferas a esto presentes, com suas ideologias prprias. Assim, a transformao e o surgimento de novos gneros discursivos devem-se ao desenvolvimento e complexificao das esferas de atividade humana, por novas motivaes sociais decorrentes dessa complexificao e pelo embate entre foras centrpetas e centrfugas (BARBOSA, 2001, p. 36). De acordo com Barbosa (2001), pela leitura das obras de Bakhtin, parece que no foram encontradas consideraes mais profcuas sobre o conceito de esferas, ou uma classificao mais detalhada. A transposio didtica seria realizada por outros estudiosos posteriormente.

2. As esferas e suas (outras) interpretaes/denominaes

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No processo de transposio didtica dos gneros discursivos, encontra-se tambm a transposio do conceito de esferas de atividade humana. Para alguns tericos, no entanto, o conceito ou foi modificado/ampliado ou teve denominao alterada, como os termos domnio social de comunicao, da Escola de Genebra (2004), e domnio discursivo, de Marcuschi (2005; 2008). Os trabalhos do Grupo de Genebra destacam-se por sua preocupao em construir uma proposta didtica, a partir do conceito de gnero. Neste sentido, um desafio encontrado por esses pesquisadores foi estabelecer uma classificao para os gneros. Segundo Bronckart (1999), h uma dificuldade em classificar os textos, em parte devido ao carter fundamentalmente histrico (e adaptativo) das produes; inclusive alguns gneros podem desaparecer ou mesmo reaparecer de forma diversificada ou, ainda, serem criados. Dolz e Schneuwly (2004) corroboram com Bronckart (1999); no entanto, asseveram que h alguns gneros mais ou menos estabilizados, mais bem definidos, visto que certas prticas comunicativas so mais usuais na sociedade. Assim, possvel agruplos, considerando a progresso sistematizada dos aspectos lingusticos que os caracterizam. Mediante o exposto, necessrio que estes agrupamentos

1. correspondam s grandes finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo s necessidades de linguagem em expresso escrita e oral, em domnios essenciais da comunicao e em nossa sociedade (inclusive a escola); 2. retomem, de modo flexvel, certas distines tipolgicas que j figuram em numerosos manuais e guias curriculares; 3. sejam relativamente homogneos quanto s capacidades de linguagens dominantes implicadas na mestria dos gneros agrupados. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.58-59).

A partir dessas reflexes, os estudiosos procedem a uma categorizao (2004, p. 6061), vislumbrando o processo ensino/aprendizagem, e propem cinco agrupamentos de gneros, com base em trs critrios: domnio social da comunicao; capacidades de linguagem envolvidas na produo e compreenso desses gneros; e sua tipologia geral. Eis a classificao em cinco domnios: cultura literria ficcional, documentao e

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memorizao das aes humanas, discusso de problemas sociais controversos, transmisso e construo de saberes, e instrues e prescries. Nota-se que o uso do termo domnios sociais de comunicao possui sentido mais amplo que o conceito de esferas utilizado pelo crculo bakhtiniano; isso evidenciado em alguns exemplos de gneros propostos nos diferentes domnios. No domnio de problemas sociais controversos, por exemplo, encontra-se a carta de reclamao, que pode circular na esfera jornalstica, e o discurso de defesa e de acusao, presente na esfera jurdica. Barbosa (2001, p. 148) instiga que, no agrupamento descrito, no h exatamente uma definio do domnio social de comunicao a que pertence os gneros elencados, mas sim o elenco de finalidades ou objetivos gerais. Nos estudos de Marcuschi (2005; 2008), encontra-se referncia ao conceito de domnio discursivo: so as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam (2005, p. 24-25). O autor (2008, p. 155) afirma que o domnio discursivo constitui muito mais uma esfera da atividade humana no sentido bakhtiniano do termo do que um princpio de classificao de textos e indica instncias discursivas [...] (aspas e itlico do autor). Em alguns momentos, Marcuschi (2008) recorre ao trabalho de Miller, o que parece indicar que seus estudos perpassam a abordagem sociodiscursiva e ancoram nas abordagens sociorretricas. Assim, para domnio discursivo, Marcuschi (2008, p. 194) expe:

Entendemos como domnio discursivo uma esfera da vida social ou institucional (religiosa, jurdica, jornalstica, pedaggica, poltica, industrial, militar, familiar, ldica etc.) na qual se do prticas que organizam formas de comunicao e respectivas estratgias de compreenso. Assim, os domnios discursivos produzem modelos de ao comunicativa que se estabilizam e se transmitem de gerao para gerao com propsitos e efeitos definidos e claros. Alm disso, acarretam formas de ao, reflexo e avaliao social que determinam formatos textuais que em ltima instncia desembocam na estabilizao dos gneros textuais. (itlico do autor)

Numa tentativa de classificao dos gneros orais e escritos, Marcuschi os distribui em 12 domnios discursivos: instrucional (cientfico, acadmico e educacional),

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jornalstico, religioso, sade, comercial, industrial, jurdico, publicitrio, lazer, interpessoal, militar e ficcional (2008, p. 194-196). Para o autor, a relao no definitiva nem representativa (p. 194); trata-se de um campo aberto ao debate e investigao e que seria mais relevante e de interesse tratar a questo de modo mais sistemtico e menos intuitivo (2008, p. 159). Marcuschi (2008) ainda analisa gneros emergentes: seria o caso do domnio da mdia virtual, do discurso eletrnico. O autor consagra um subcaptulo ao tema, mas no o enquadra na listagem dos domnios discursivos. Por fim, o estudioso dedica-se questo dos gneros, ao ensino de lngua e reproduz o agrupamento de gneros de Dolz e Schneuwly, com seu modelo de sequncia didtica.

3. As esferas nos documentos educacionais brasileiros

No Brasil, na dcada de 1990, foram publicados os Parmetros Curriculares Nacionais os PCN (os de Lngua Portuguesa para o Ensino Fundamental, em 1997 e 1998), os quais apresentam, pela primeira vez em nvel institucional nacional, o trabalho com os gneros. Os PCN de 3. e 4. ciclos do Ensino Fundamental (1998, p. 19) preveem que, considerando os diferentes nveis de conhecimento prvio, cabe escola promover sua ampliao de forma que, progressivamente, durante o Ensino Fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidado, de produzir textos eficazes nas mais variadas situaes. Para os anos finais do Fundamental, os PCN sugerem que, no trabalho com os contedos previstos nas diferentes prticas, a escola deva organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domnio da expresso oral e escrita em situaes de uso pblico da linguagem, considerando a situao de produo social e material do texto (lugar social do locutor em relao ao(s) destinatrio(s); destinatrio(s) e seu lugar social; finalidade ou inteno do autor; tempo e lugar material da produo e

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do suporte) e selecionar, a partir disso, os gneros adequados para a produo do texto, operando sobre as dimenses pragmtica, semntica e gramatical. Ao reconhecer que os gneros existem em nmero quase ilimitado, variando em funo da poca, das culturas, das finalidades sociais, e que seria impossvel a escola tratar de todos, os PCN preconizam que preciso priorizar os gneros que merecero abordagem mais aprofundada. No documento, foram priorizados gneros considerados de domnio fundamental efetiva participao social, e agrupados em funo de sua circulao na sociedade. Conforme os quadros sobre as esferas e seus gneros (PCN, 1998, p. 54 e p. 57), observa-se a opo por quatro esferas de atividades: literria, de imprensa, de divulgao cientfica e publicitria. Os gneros so sugeridos para a escuta e leitura e para a produo de textos, na linguagem oral e escrita, conforme as especificidades. Verifica-se que muitos gneros no so recomendados para a produo de textos, como a propaganda, o cordel, os causos e similares etc. Na esfera literria, por exemplo, de 10 gneros sugeridos, apenas cinco so recomendados para a produo de textos. Percebese, ainda, diferentemente do agrupamento sugerido por Dolz e Schneuwly, a presena do gnero poema. Partindo dos pressupostos construdos nos PCN, ao mesmo tempo em que se pretende distanciar deles (2008, p. 47), as Diretrizes Curriculares da Educao Bsica do Estado do Paran Lngua Portuguesa propem, como fundamento tericometodolgico, os conceitos do Crculo de Bakhtin, tomando a linguagem como fenmeno social. Nesta perspectiva, as DCE consideram que o aprimoramento da competncia lingustica do aluno acontecer com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas prticas de leitura, escrita e oralidade, o carter dinmico dos gneros discursivos (2008, p. 53). Quanto s esferas de atividade humana, as DCE compreendem que o trnsito pelas diferentes esferas de comunicao possibilitar ao educando uma insero social mais produtiva no sentido de poder formular seu prprio discurso e interferir na sociedade em que est inserido (2008, p. 57).

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Assim, as DCE formulam sua tabela de gneros conforme as esferas de circulao (p. 100-101). Tal tabela uma adaptao do modelo apresentado por Barbosa (2001). Em sua tese de doutorado, a autora amplia o agrupamento de gneros dos PCN (1998), com nove esferas sociais de circulao: privadas (abrangendo as esferas cotidiana e familiar), literatura, cincia, escola, imprensa, publicidade, poltica, jurdica, e produo e consumo. Nas DCE, encontram-se nove esferas tambm, mas com algumas adaptaes: 1) cotidiana; 2) literria/artstica; 3) escolar; 4) imprensa; 5) publicitria; 6) poltica; 7) jurdica; 8) produo e consumo; 9) miditica. Em relao ao agrupamento de Barbosa (2001), percebe-se que a esfera escolar englobou gneros da esfera cincia e houve a incluso da esfera miditica. Cada esfera oferecida pelas DCE traz um conjunto de gneros discursivos orais e escritos. Conforme o documento, a tabela uma sugesto, cabendo ao professor selecionar os gneros, preocupando-se com a qualidade do encaminhamento, com a compreenso do uso do gnero e de sua esfera de circulao (p. 90).

4. Uma esfera contemplada: a esfera literria dos gneros haicai e causo

Seguindo os fundamentos bakhtinianos e buscando atender s perspectivas colocadas pelas DCE PR, o projeto de pesquisa Anlise lingustica: contextualizao s prticas de leitura e de produo textual tem a preocupao de categorizar os gneros por esferas de atividade humana. No presente trabalho, contempla-se a esfera literria por ser a esfera de circulao dos gneros haicai e causo, objeto de anlise das autoras. Como em outras esferas da atividade humana, na esfera literria percebe-se uma ideologia, uma postura do artista diante da realidade e das aspiraes humanas. Para Pound (2006), a literatura uma linguagem carregada de significado at o mximo grau possvel, tendo os escritores uma funo social definida proporcional sua competncia. Portanto, a literatura uma manifestao artstica que tem como material a palavra, isto , o artista literrio explora a palavra em sua totalidade (significado, som, desenho) com o objetivo de proporcionar prazer esttico.

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Para Nicola (1988), a literatura a transfigurao do real, a realidade recriada pelo artista e retransmitida por meio da lngua para as formas, que so os gneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade, independente do autor e da experincia de realidade de onde veio. Os fatos tratados no tm comparao com a realidade concreta. Na literatura, so abordadas as verdades gerais, que traduzem antes um sentimento de experincia, um sentido da vida, uma compreenso e um julgamento das coisas humanas, que fornecem um retrato da vida. Quanto ao haicai, trata-se de uma forma potica tipicamente japonesa, composta de trs versos, com 5, 7 e 5 slabas respectivamente. Procura registrar um acontecimento particular, uma impresso, um drama, uma paisagem, referindo-se ao agora do poeta, de forma simples e com sentido completo. o poema da sugesto: o poeta sugere, no diz. O primeiro verso d a cena geral, exprime a permanncia, a situao, geralmente associada a uma estao ou algo que a simbolize. No segundo verso, insere-se o movimento, o elemento ativo, algo acontece na cena geral. O terceiro verso traz o sabor da experincia, numa sntese, a percepo, que traduz uma forte sensao. o que tem mais impacto. O haicai chega ao Brasil no incio do sculo XX e torna-se brasileiro pelas linhas de Guilherme de Almeida, que o inova, dando-lhe outra imagem (o poema continua com 3 versos, mas adicionam-se ttulo e comentrio). Mas a poca de maior volume de haicais ser a dos anos 60, com o Concretismo, e a dos anos 70, com a influncia da Poesia Marginal. A liberdade de versos e temas e a presena forte do eu-lrico so caractersticas presentes nos haicais mais recentes, denominados por Domingos Pellegrini Jr de haicaipira. Destacam-se os poetas paranaenses Helena Kolody, Paulo Leminski e Alice Ruiz. A presena do no-verbal, junto ironia, marca dos haicais de Millr Fernandes. Esses haicais e de outros poetas circulam na Revista Veja, no caso de Millr, em livros de poesia ou especficos e em sites da internet. So caractersticas do haicai, portanto, o poder de sntese e domnio esttico. As marcas de linguagem mais relevantes do gnero em pauta so: a organizao do

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discurso, quase sempre em terceira pessoa; o uso do presente do indicativo; a presena de rima; a mtrica. O haicai enquadra-se na esfera da literatura, cujo domnio social o do prazer esttico, suscitando a recriao da realidade, que exige do autor/poeta no s ideias e sentimentos, mas o domnio de uso esttico dos recursos lingusticos. E, para o leitor, requer convvio, trato, disponibilidade para perceber a recriao do contedo e no somente compreend-lo. Quanto aos causos, so manifestaes populares, contados, geralmente, por pessoas de idade mais avanada, conforme o grande contador de causo, Rolando Boldrin (2001); ao narrar um causo, o contador aproveita para criticar ou valorizar a cultura. Os causos resgatam narrativas que ocorreram no cotidiano dos antepassados e, por meio do contador, so transportados para a atualidade, mantendo, dessa forma, viva a cultura da comunidade. interessante lembrar que o contador do causo, geralmente, no vivenciou a histria narrada, visto que se trata de textos ouvidos, lidos, reelaborados e narrados sua maneira. Os causos so narrados a partir de conversas informais, ou ao p do fogo, ao final da tarde; portanto, marcados pelas trocas de turnos entre as pessoas. Para o final ser inusitado, comum o contador pausar no clmax e algum questionar, sendo sua resposta fruto de risos ou admirao. Para corroborar suas asseres, geralmente, ele cita o nome de algum conhecido para dar voz de autoridade ao seu discurso. O narrador (contador) estabelece com o leitor uma relao de encantamento, medida que o envolve numa narrativa, o seduz e o transporta para outro tempo, espao e lugar. No tocante ao contedo temtico, os causos podem apresentar temas variados. De acordo com Oliveira (2006), os temas podem se enquadrar em quatro tipologias: ldica, crtica, de revide e aterrorizante. A organizao geral (construo composicional) encontra-se relativamente fixa e apresenta uma variante comum regio de origem, tem uma introduo que chama a ateno sobre o tema, o pice e o final, que pode ser engraado, inusitado ou mesmo trgico. Sobre as marcas lingusticas e enunciativas, para que haja o envolvimento do ouvinte, o contador deve usar um vocabulrio que d credibilidade de verdade ao causo.

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Para tanto, faz uso da primeira pessoa, explora os recursos da oralidade, pausa, gestos e entonao. Por meio da construo de todo um cenrio discursivo, o ouvinte levado para outro espao (topografia) e outro tempo (cronografia), construdos pelo contador.

Consideraes finais

O conceito de esfera, em Bakhtin, para descrever a existncia e o desenvolvimento dos gneros discursivos; tornou-se presente no processo de ensino-aprendizagem de lnguas. Com interpretaes variadas e/ou outras denominaes, como as mostradas neste artigo em Dolz e Schneuwly e em Marcuschi as esferas permeiam o trabalho com os gneros na escola. No contexto educacional brasileiro, por intermdio dos documentos prescritivos PCN e DCE-PR , o ensino passou a ser organizado tendo por base os gneros como eixo de articulao e progresso curricular, considerando a circulao social dos textos em atendimento a condies de produo e caractersticas especficas de cada esfera. O grande desafio da escola atualmente preparar o aluno, inserido numa sociedade complexa e multifacetada, para interagir nas diversificadas esferas de atividade humana.

Referncias

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