escolas públicas ou estatais por d. nuno brás

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1 / 1 Escolas públicas ou estatais? Por D. NUNO BRÁS Jornal Voz da Verdade, 3 de Maio de 2016 O antónimo (o contrário) gramatical de “público” é “privado”. Mas aquilo que é um caso de gramática nem sempre tem uma simples correspondência na realidade. Com efeito, não poucas intervenções de políticos, governantes e sindicalistas de uma determinada área têm ultimamente contraposto o “ensino público” ao “ensino privado”. Só que esta contraposição gramatical não tem correspondência simples na realidade. Tudo tem início num pressuposto errado: que só o Estado (e o governo que nele manda) tem o monopólio do que é público. Ora isso não é verdade. Existem muitas entidades e serviços que o Estado proporciona e que não são para todos. Ao contrário, existem muitas outras realidades que sendo propriedade de uma entidade que não o Estado são acessíveis a todos. Assim, por exemplo, nem todos os cidadãos portugueses podem entrar no Palácio de Belém ou mesmo nos seus jardins (que, de vez em quando, abrem ao público e são notícia por isso); mas, ao contrário, todos podem entrar nos jardins da Fundação Gulbenkian, em Lisboa (que não são propriedade do Estado, mas da Fundação de que recebem o nome). Assim também a Escola. Existem escolas que são propriedade do Estado português mas que não estão abertas a todos; e existem escolas que não são propriedade do Estado português mas que acolhem todos os alunos que nelas se inscreverem. Mais: a maioria das vezes estas escolas oferecem a todos um ensino de melhor qualidade, igualmente gratuito mas que é mais barato aos cofres públicos (ao contrário do que alguns afirmam). Só têm uma diferença (quase parece ser um problema): o governo não manda nelas; apenas fiscaliza o cumprimento das regras do ensino. Por não serem propriedade do Estado (e o governo não mandar nelas) estas escolas passam a ser “privadas”, mesmo que estejam abertas a todos, funcionem melhor e o ensino seja mais barato? Por não serem propriedade do Estado (e o governo não mandar nelas) devem dirigir-se apenas àqueles que podem pagar (os impostos mais as propinas dos filhos)? A ninguém é vedado o acesso ao ensino nas escolas do Estado. Mas deve o governo vedar o acesso a alguns estabelecimentos de ensino público, apenas porque não são sua propriedade? Não estaremos aqui a pensar, simplesmente, que apenas o Estado (como sucede nas ditaduras) pode ter a propriedade da educação?

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Page 1: Escolas Públicas ou Estatais por D. Nuno Brás

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Escolas públicas ou estatais?

Por D. NUNO BRÁS

Jornal Voz da Verdade, 3 de Maio de 2016

O antónimo (o contrário) gramatical de “público” é “privado”. Mas aquilo que é um caso de gramática

nem sempre tem uma simples correspondência na realidade. Com efeito, não poucas intervenções

de políticos, governantes e sindicalistas de uma determinada área têm ultimamente contraposto o

“ensino público” ao “ensino privado”. Só que esta contraposição gramatical não tem correspondência

simples na realidade.

Tudo tem início num pressuposto errado: que só o Estado (e o governo que nele manda) tem o

monopólio do que é público. Ora isso não é verdade. Existem muitas entidades e serviços que o

Estado proporciona e que não são para todos. Ao contrário, existem muitas outras realidades que

sendo propriedade de uma entidade que não o Estado são acessíveis a todos. Assim, por exemplo,

nem todos os cidadãos portugueses podem entrar no Palácio de Belém ou mesmo nos seus jardins

(que, de vez em quando, abrem ao público e são notícia por isso); mas, ao contrário, todos podem

entrar nos jardins da Fundação Gulbenkian, em Lisboa (que não são propriedade do Estado, mas da

Fundação de que recebem o nome).

Assim também a Escola. Existem escolas que são propriedade do Estado português mas que não

estão abertas a todos; e existem escolas que não são propriedade do Estado português mas que

acolhem todos os alunos que nelas se inscreverem.

Mais: a maioria das vezes estas escolas oferecem a todos um ensino de melhor qualidade,

igualmente gratuito mas que é mais barato aos cofres públicos (ao contrário do que alguns afirmam).

Só têm uma diferença (quase parece ser um problema): o governo não manda nelas; apenas

fiscaliza o cumprimento das regras do ensino.

Por não serem propriedade do Estado (e o governo não mandar nelas) estas escolas passam a ser

“privadas”, mesmo que estejam abertas a todos, funcionem melhor e o ensino seja mais barato? Por

não serem propriedade do Estado (e o governo não mandar nelas) devem dirigir-se apenas àqueles

que podem pagar (os impostos mais as propinas dos filhos)?

A ninguém é vedado o acesso ao ensino nas escolas do Estado. Mas deve o governo vedar o acesso

a alguns estabelecimentos de ensino público, apenas porque não são sua propriedade?

Não estaremos aqui a pensar, simplesmente, que apenas o Estado (como sucede nas ditaduras)

pode ter a propriedade da educação?