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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA SILVIO IUNG ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA São Leopoldo 2010

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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

SILVIO IUNG

ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA

São Leopoldo

2010

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SILVIO IUNG

ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA

Dissertação de Mestrado

Para obtenção do grau de

Mestre em Teologia

Escola Superior de Teologia

Programa de Pós-Graduação

Área de concentração: Religião e Educação

Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz

São Leopoldo

2010

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SILVIO IUNG

ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA

Dissertação de Mestrado

Para obtenção do grau de

Mestre em Teologia

Escola Superior de Teologia

Programa de Pós-Graduação

Área de concentração: Religião e Educação

Data: 2 de agosto de 2010

Wilhelm Wachholz – Doutor em Teologia – EST (Presidente)

__________________________________________________

Remi Klein – Doutor em Teologia - EST-PPG

________________________________________________________

Danilo Streck – Doutor em Filosofia da Educação - UNISINOS

________________________________________________________

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RESUMO

O tema central desta dissertação é o ensino superior na IECLB. Inicialmente, localizam-se o surgimento do ensino superior comunitário no Brasil e sua estruturação ao lado da oferta do poder público. Apresenta-se a formação do sistema de educação comunitária vinculada à Igreja, com escolas primárias, a partir das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes alemães evangélico-luteranos, na sua chegada ao Brasil, com a ausência de escolas. Contextualizado o espaço do surgimento da educação superior comunitária e a tradição do ensino básico de caráter comunitário, abre-se o cenário para resgatar as discussões em torno da criação de faculdades e cursos superiores no âmbito do Sínodo Riograndense, um dos formadores da IECLB. Destaca-se a tentativa infrutífera de oferecer cursos naquele período em que as demais instituições brasileiras que atuam com ensino superior iniciam sua atividade. Este trabalho tenta compreender as causas dessa dificuldade e analisa as alternativas adotadas. Por último, volta-se a atenção para as trajetórias exitosas de surgimento de cursos a partir da década de 1970, mas com resultado especialmente na virada para o século XXI. A pesquisa revelou que a opção por não oferecer ensino superior decorre de todo um contexto de igreja que passava por reorganização. Também certa indefinição interna quanto a quem caberia a responsabilidade de oferecer cursos retarda a oferta desses. O trabalho culmina com o apontamento de alternativas para que o ensino superior na IECLB possa ter maior participação no cenário educacional brasileiro. A pesquisa aponta para uma revisão na sistemática de manter faculdades e cursos em instituições comunitárias da IECLB, para o caso de estas quererem se consolidar no cenário brasileiro.

Palavras-chave: Ensino superior comunitário. Educação confessional. IECLB.

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ABSTRACT

The subject matter of this dissertation is higher education within IECLB (the Evangelical Church of Lutheran Confession in Brazil). The paper starts out by examining the origin of congregational education in Brazil and its structural organization alongside public education. The formation of the congregational education system is presented, which started with primary schools linked to local church congregations that were set up in response to the difficulties with the lack of schools found by German Lutheran immigrants upon their arrival to Brazil. After setting the context for the emergence of congregational higher education and the tradition of congregational basic education, the paper analyzes the discussions around the creation of colleges and higher education courses within the Synod Riograndense, one of the founding constituents of IECLB. Special emphasis is given to the unsuccessful attempt to offer courses at the time when many other Brazilian institutions working with higher education started their activity. This paper attempts to understand the reasons underlying these difficulties and examines the alternatives adopted. Finally, attention is given to the successful emergence of courses in the 1970s, but which took effect especially at the turn of the 21st century. Our studies reveal that the option not to offer higher education stemmed from a larger context of the church that was then undergoing reorganization. Some internal uncertainty about who would bear the responsibility for offering courses further delayed the process. The paper concludes by indicating alternatives for higher education in IECLB to play a greater role in the context of Brazilian education. The research points out the need for a systematic review of the way colleges and courses are maintained by institutions within IECLB should they want to consolidate their position in Brazil.

Keywords: Congregational higher education. Denominational education. IECLB.

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SUMÁRIO

RESUMO ---------------------------------------------------------------------------------------------- 5 ABSTRACT ------------------------------------------------------------------------------------------- 6 INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------- 7 1 ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIO ----------------------------------------------------- 12

1.1 O amparo legal à instituição educacional comunitária ------------------------------ 13 1.2 A caracterização da instituição comunitária ------------------------------------------ 14 1.3 A natureza da instituição comunitária ------------------------------------------------- 15 1.4 A Lei 4024/61 e as raízes do ensino superior comunitário ------------------------- 16

1.4.1 O laico e o confessional na educação superior --------------------------------- 16 1.4.2 O estabelecimento da Lei 4024/61 ----------------------------------------------- 19 1.4.3 A reforma universitária de 1968 -------------------------------------------------- 22

1.5 Ausência de regulação para a educação comunitária -------------------------------- 26 2 EDUCAÇÃO PROTESTANTE NO BRASIL ---------------------------------------------- 29

2.1 A Reforma Protestante ------------------------------------------------------------------- 31 2.2 Educação e igreja protestante no Brasil----------------------------------------------- 33

2.2.1 Escolas regulares ainda não têm...------------------------------------------------ 36 2.2.2 Escolas em torno do Sínodo Riograndense ------------------------------------- 39 2.2.3 A Segunda Guerra Mundial: um tempo de transformação-------------------- 42

2.3 O associativismo e o comunitário ------------------------------------------------------ 44 3 O ENSINO SUPERIOR EM PAUTA --------------------------------------------------------- 48

3.1 O sistema educacional e a qualificação de professores------------------------------ 48 3.2 O Conselho Sinodal de Educação e a ênfase teológica------------------------------ 53

3.2.1 A Faculdade Evangélica de Filosofia, em Estrela------------------------------ 54 3.2.2 Escola de Serviço Social ----------------------------------------------------------- 57

3.3 A opção pela informalidade ------------------------------------------------------------- 59 4 CONCRETIZA-SE A IGREJA NACIONAL ----------------------------------------------- 62

4.1. A discussão pelo espaço da educação formal na IECLB--------------------------- 63 4.2 Os bastidores ------------------------------------------------------------------------------ 67 4.3 Para onde se evoluiu---------------------------------------------------------------------- 69

4.3.1 ISCET -------------------------------------------------------------------------------- 70 4.3.2 IFPLA -------------------------------------------------------------------------------- 72 4.3.3 Faculdade Três de Maio------------------------------------------------------------ 73

4.4 O apoio formal ---------------------------------------------------------------------------- 75 4.5 O planejamento conjunto ---------------------------------------------------------------- 79 4.6 Perspectivas-------------------------------------------------------------------------------- 83

CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------- 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS----------------------------------------------------------- 92

Arquivos ---------------------------------------------------------------------------------------- 95 Entrevistas -------------------------------------------------------------------------------------- 95 Anexo 1 ----------------------------------------------------------------------------------------- 96 Anexo 2 ----------------------------------------------------------------------------------------108 Anexo 3 ----------------------------------------------------------------------------------------123 Anexo 4 ----------------------------------------------------------------------------------------134

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7

INTRODUÇÃO

Há diversas discussões ao longo dos últimos cinquenta anos, no âmbito da Igreja

Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)1, sobre a criação de faculdades. Neste

tempo o ensino superior brasileiro experimentou um grande impulso. As instituições

universitárias ainda hoje de maior reconhecimento no cenário brasileiro surgiram a partir da

década de 1940 até 1980. Além da atuação pública estatal, um conjunto de instituições

privadas foi moldado e presta imensa contribuição para o ensino superior.

As escolas primárias e secundárias ligadas à IECLB apresentaram-se como amplos

sistemas educacionais no sul do país, contribuindo para o desenvolvimento dessa região do

Brasil. Elas são fonte primária para entender a forma de organização comunitária da

sociedade brasileira. Seu sistema se estruturou desde o século XIX e atingiu o patamar de

possuir desde a formação de professores até o estabelecimento de escolaridade mínima, em

vinculação com a Igreja na primeira metade do século XX. Entre as maiores igrejas históricas

do Brasil, a IECLB está entre as que apresentam menor atividade na educação superior. A

Igreja2 não conseguiu se valer de seu sistema de educação primário e secundário para criar

instituições expressivas de ensino superior identificadas com ela.

A proposta para a presente pesquisa é uma abordagem de natureza qualitativa, com

ênfase nos estudos em história, que permita compreender o contexto de decisões em torno do

tema da oferta de ensino superior em instituições da IECLB. O meio acadêmico não tem

registro de estudos aprofundados sobre esse tema sob a ótica histórica. A História Imediata

(História Nova) servirá de referencial teórico significativo por se caracterizar em “dar a

palavra aos que foram atores dessa história”3. Imprescindível é considerar que este

pesquisador está envolvido no processo como articulador dos desdobramentos das decisões

em estudo desde o final da década de 1990. Na condição de diretor executivo do

Departamento de Educação da IECLB, desde o ano 2000 denominado Rede Sinodal de

Educação, este pesquisador teve no ensino superior o assunto a ser conduzido a partir de sua

atividade profissional. O quadro teórico é composto ainda pelo estudo sobre a legislação

1 A IECLB torna-se um corpo eclesiástico em 1968, como resultado da fusão de três sínodos. A aproximação inicial já aconteceu em 1950, com a criação da Federação Sinodal. Um desses sínodos, o Riograndense, mantinha casas de formação de pastores e professores no Brasil e, no período da Federação, intensificou o envio de pastores e professores aos demais sínodos. Cf. DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 15-22. 2 No presente trabalho, a expressão Igreja será tomada como sinônimo de IECLB, assim entendida como a instância administrativa responsável pelos caminhos e posições institucionais deste corpo eclesiástico. 3 LE GOFF, Jacques. A história nova. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1995. p. 217.

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educacional para o ensino superior, principalmente a partir dos anos 1950. Em especial,

Durmeval Trigueiro Mendes, Helena Maria Sant’Ana Sampaio e Carlos Roberto Cury

servem a esse propósito. A historiografia da IECLB, especificamente a constituição de escolas

desde os primeiros anos da imigração no Brasil, foi buscada em Martin N. Dreher, Gisela

Isolde Streck, Arnildo Hoppen e Isabel Cristina Arendt. A identidade vinculada aos conceitos

do comunitário e do associativismo transpassa ao longo do trabalho, baseando-se em estudos

de Arthur Blasio Rambo, Clarissa Eckert Baeta Neves e Gerd Uwe Kliewer.

O caminho percorrido é o resgate da memória das pessoas e a coleta de documentos

sobre as decisões referentes ao ensino superior nas instituições vinculadas à IECLB. Contam

muito entrevistas dos professores Willy Fuchs, Hans Günther Naumann e Dorival Adair

Fleck, todos eles articuladores de decisões. Fuchs foi diretor do Departamento de Ensino do

Sínodo Riograndense a partir do final da década de 1930 até início da década de 1960.

Naumann reabriu o Seminário de Formação de Professores na década de 1950 e implantou o

Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã. Fleck foi diretor do Departamento de

Educação da IELCB a partir do início da década de 1980 até o final da década de 1990. Todos

tiveram atuação em conselhos responsáveis pelas decisões pesquisadas. O levantamento de

materiais, tais como atas e documentos, aconteceu em arquivos no Departamento de

Educação, no Arquivo Histórico e na Secretaria-Geral, todos órgãos da IECLB.

O objetivo é resgatar as discussões sobre o ensino superior na IECLB e avaliar as

repercussões das decisões quanto ao lugar ocupado pela Igreja no cenário brasileiro nesse

setor. Pretende-se oferecer subsídios a partir da compreensão do momento histórico em que

não houve o apoio para a oferta de ensino superior e do papel que instituições de ensino

superior vinculadas à Igreja desempenham. A pesquisa pretende oferecer pistas à IECLB no

sentido de esta apoiar mais intensamente iniciativas de ensino superior a partir de instituições

a ela atreladas. As perguntas que nortearam o trabalho foram: Por que a IECLB migrou do

ensino primário para o secundário, mas deste não ingressou no ensino superior? Como se

entende a opção pela oferta a estudantes evangélicos de casas de estudantes ao invés de uma

faculdade? A decisão do Conselho Sinodal de Educação, em 1967, desrecomendando a

criação de cursos superiores influenciou em que medida eventual plano de criar instituições de

ensino superior? A decisão de não ofertar o ensino superior tem alguma relação com a criação

da IECLB? Como pode ser avaliado o surgimento do Curso de Administração, na SETREM

(Sociedade Educacional Três de Maio), em 1973? Como é possível avaliar a criação do

ISCET (Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos) e do IFPLA (Instituto de

Formação de Professores de Língua Alemã)? Que implicação tem a decisão do Conselho de

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Educação, em 1987, sobre a atuação das instituições de educação básica e as comunidades

religiosas sobre a criação de cursos superiores?

O primeiro capítulo deste trabalho traz um apanhado da arrumação do ensino

superior brasileiro a partir do momento em que ele se torna mais representativo na sociedade

brasileira. A política de expansão alcança uma oferta estatal nos grandes centros e outra,

privada confessional, que atua complementarmente ao proporcionado pelo governo federal. O

conturbado processo de estabelecimento do ensino superior confessional, ao lado daquele

desse nível patrocinado pelo Estado, é marca do período posterior à Segunda Guerra Mundial,

até o início dos anos de 1960. Este é o momento da definição da primeira Lei de Diretrizes e

Bases da educação brasileira. Essa Lei para o ensino superior de cunho comunitário, assim

como a reforma universitária de 1968, tem um peculiar contexto e uma significativa

importância para o atual modelo de ensino superior brasileiro.

Os estabelecimentos superiores surgidos entre as décadas de 1940 e 1980 resultaram

em um modelo peculiar de instituição superior: a universidade comunitária4. Elas são

confessionais, católicas e protestantes, ou oriundas de consórcios regionais, com o

envolvimento do poder público municipal, professores, associações e igrejas. Esse tipo de

instituição superior teve como precursora a escola comunitária primária e secundária. Essas

instituições atuaram onde o Estado não criava escolas, cabendo à população solucionar suas

dificuldades com uma forma própria de organização.

A consolidação do ensino superior acontece até a década de 1980, quando a

democrática Constituição Federal (CF) de 1988 reorganiza o Estado brasileiro. É pela

inserção no texto constitucional que o ensino superior comunitário existe de direito. A

mobilização em favor desse lugar encontra guarida principalmente no Rio Grande do Sul,

berço do genuíno ensino superior comunitário brasileiro. Nesse estado brasileiro houve um

consistente sistema de educação básica, em que o poder público pouco ou nada opinava. A

educação comunitária é fruto das restrições encontradas pelos povos que chegaram para

ocupar território e posteriormente ela se desenvolveu no país.

O segundo capítulo volta-se à compreensão das motivações da formação do ensino

comunitário, principalmente no meio protestante e nos seus paralelos com a Igreja Católica. A

ênfase está no Sínodo Riograndense, precursor da IECLB. Buscam-se na Reforma Protestante

as motivações que os imigrantes luteranos trouxeram para, apesar de toda a adversidade, não

abandonar a instrução dos seus descendentes. Nesta parte do trabalho ocorre a diferenciação

4 NEVES, Clarissa Eckert Baeta. Ensino Superior Privado no Rio Grande do Sul – A Experiência das Universidades Comunitárias. Documento de Trabalho NUPES, Universidade de São Paulo, 1995. p. 4-5.

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entre a forma de trabalho do protestantismo de missão, oriundo principalmente dos Estados

Unidos da América e aquele denominado de imigração. Ver-se-á que, embora genericamente

denominados de protestantes, sua forma de trabalho é distinta. Ademais, essa distinção tem

efeito concreto na oferta de ensino superior.

Na parte final desta fração do texto estão os efeitos do período conhecido como

nacionalização do ensino, durante a vigência do Estado Novo no Brasil. A nacionalização

sepultou inúmeras experiências educacionais, interrompendo uma trajetória linear ascendente

de trabalho entre os evangélico-luteranos. Sua condição de minoria religiosa, ao lado da balda

que representava a descendência germânica, trouxe receios e a interrupção de atividades. A

convivência paralela ao Estado brasileiro estava encerrada e, a partir daí, surgiram leis

regulatórias, sobretudo para quem quisesse ofertar escolas. O capítulo encerra com um debate

conceitual sobre a forma de organização entre os imigrantes, distinguindo conceitualmente o

comunitário e o associativo.

Com as bases postas sobre as condições existentes no Estado brasileiro para o ensino

superior e a trajetória da educação no âmbito da Igreja, o terceiro capítulo resgata o que

aconteceu em termos de estudos sobre a oferta de ensino superior no âmbito da IECLB. A

constituição de um sistema de ensino secundário sólido está na pauta da Igreja. O período de

estruturação do ensino secundário localiza-se na década de 1950, no âmbito do Sínodo

Riograndense. No país, surgem as escolas superiores para formar um contingente

populacional que despertava para a necessidade do ensino universitário. A boa penetração que

as escolas secundárias demonstravam habilitava-as também para mais um nível. Era o

momento sociopolítico mais favorável para ofertar esse nível educacional, mas com

contratempos de diferente ordem dentro da Igreja. A discussão sobre o ensino superior

principia como forma de atender à falta de professores na educação básica. Seguindo sua

tradição, a Igreja procura resposta a uma necessidade de sua organização: formar seus

professores em nível superior.

A segunda etapa das discussões ocorre na década de 1960 dentro do Conselho

Sinodal de Educação, em dois momentos: a criação da Faculdade de Filosofia em Estrela e a

criação de uma Escola de Serviço Social, de caráter ecumênico, em Porto Alegre, no Rio

Grande do Sul. Essas discussões acontecem no difícil período de 1960 da vida brasileira e em

uma fase de transição na Igreja. No primeiro caso, uma iniciativa que não reunia elementos

suficientemente abrangentes, a ponto da Igreja, com seus parcos recursos, se dispor a investir

em uma região com um contingente populacional pequeno e com dificuldades de acesso. A

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segunda, prejudicada pela ebulição que vivia o ensino superior no país e pelas prioridades de

uma nova Igreja que surgia.

O último capítulo tem o propósito de descrever as iniciativas exitosas da formação

em nível superior identificadas com a IECLB. No início dos anos 1970, aconteceram as

primeiras experiências de ensino superior. Elas eram voltadas para o público de maior vínculo

com as organizações eclesiásticas e se valeram de uma formação superior em outras

instituições comunitárias. A Igreja oferecia seu específico, com um nível de aprofundamento

nos temas que interessavam a ela, de forma paralela. Também está situado na década de 1970

o caso da Faculdade de Administração de Três de Maio/RS, primeiro curso superior

reconhecido de uma entidade vinculada à Igreja. O seu surgimento se dá quando não havia

qualquer posição favorável da Igreja para esse tipo de iniciativa.

Na década de 1980 surge um parecer do Conselho de Educação como resposta a um

pedido do Concílio Eclesiástico sobre o tema. O surgimento de uma manifestação formal de

apoio à oferta de ensino superior e seus desdobramentos são objeto de análise. Em sequência,

na década de 1990, efetivamente são instalados vários cursos e, já no novo século, surge uma

intensa mobilização em favor da criação de faculdades. A janela aberta por um novo ambiente

de expansão do ensino superior é aproveitada por várias escolas de educação básica. Surge um

trabalho conjunto entre essas instituições. Por fim, com base na pesquisa, há uma tentativa de

apresentar algumas perspectivas para esse conjunto de instituições identificadas com a

IECLB, que não chega a uma dezena, de forma que possam atuar em nome de um projeto

evangélico-luterano de ensino superior no país.

Desde 1956, momento em que se abriu a discussão sobre a criação de uma faculdade,

até um ingresso mais expressivo da IECLB no ensino superior passaram-se quarenta anos. A

inexpressiva participação de instituições evangélico-luteranas no cenário de ensino superior

no Brasil, apesar de sua aparente contribuição para a consolidação conceitual do que são

instituições comunitárias confessionais, é o retrato que se pretende apresentar nas páginas

seguintes.

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1 ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIO

O Brasil republicano é um país que construiu seu sistema educacional através da

convivência entre as instituições públicas e as de administração privada, cabendo ao Estado o

poder de controle. Por vontade política ou por viabilidade financeira, esse é um preceito

constitucional que vigora desde 1891, quando aquela Constituição ofereceu “abertura do

sistema à iniciativa privada” e “os estabelecimentos particulares que eram criados passaram a

fazer parte do sistema nacional de ensino superior”5. O ensino superior sempre foi

prerrogativa federal, diferentemente da educação básica, de atribuição estadual. A situação

vigorou em todas as constituições brasileiras e está presente na carta magna vigente desde 5

de outubro de 19886. Essa, porém, assegura constitucionalmente uma categoria educacional

intermediária entre o setor público estatal e o setor privado: as instituições comunitárias.

A consolidação do conceito “comunitário” em âmbito nacional é recente, o que leva

ao equívoco de supor também o seu estabelecimento coevo. A natureza comunitária do ensino

existe em todos os níveis educacionais, mas a afirmação conceitual no ensino superior é o que

será alvo neste capítulo. O período seguinte ao término da Segunda Guerra Mundial, a partir

de 1945, e com o advento da Constituição de 1946, que desemboca no “ciclo das leis de

diretrizes e bases”7, marca a passagem da educação de nível primário para aquela de níveis

secundário e superior. É a ocasião de consolidação do sistema universitário brasileiro, com a

criação de importantes instituições públicas e privadas. Nesse período encontram-se as

origens do ensino superior comunitário.

A política educacional desenvolvida no período que antecede a promulgação da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, e nos anos posteriores sob o jugo do

governo golpista, até o final dos anos 1970, firma instituições que, no seu conjunto, passam a

ser denominadas comunitárias na Constituição de 1988 e, a partir de então, a se organizar,

mesmo que de forma tímida. Embora no período de 1950 até 1980 as instituições

comunitárias estivessem na categoria genérica do ensino privado, tentar-se-á demonstrar que

o surgimento desse modelo educacional aconteceu juntamente com a expansão do ensino

superior brasileiro, como desdobramento de iniciativas de congregações religiosas e

5 SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2000. p. 118. 6 Cf. CURY, Carlos Roberto et al. A relação educação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional. In: FÁVERO, Osmar (Org.). A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 6. 7 BOAVENTURA, Edivaldo M. A educação na Constituinte de 1946: comentários. In: FÁVERO, 1996, p. 191.

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comunidades que se serviram desse modelo na educação básica. A natureza de instituição

privada atualmente em vigor adquiriu seus contornos distintos quando pessoas físicas

passaram a ver na educação um negócio lucrativo, e a denominação “comunitária” é pleito

dos educadores e mantenedores para marcar diferença na forma e no propósito de atuação.

1.1 O amparo legal à instituição educacional comunitária

A instituição educacional comunitária é o resultado de uma longa trajetória e a sua

identificação explícita acontece na Constituição de 1988, no artigo 213. Dizem o seu caput e

incisos:

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.8

A Constituição Federal distingue e instala, oficialmente, o chamado terceiro setor. O

primeiro setor, o governo, que é responsável pelas questões sociais, reconhece nas

organizações sem fins lucrativos e não-governamentais a ajuda ao gerar serviços de caráter

público, para o que ele próprio pode apoiá-las. O segundo setor, o privado, responsável pelas

questões individuais, ainda que possa prestar serviços de natureza social, é excluído

diretamente dessa carta magna como potencial recebedor de recursos. Assim, o texto

constitucional diferencia as instituições de caráter estritamente privado das do terceiro setor.

A Lei 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 20,

incisos II, III e IV, define instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas:

II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;

III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

IV - filantrópicas, na forma da lei.9

8 CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 26. 9 CURY, 2003, p. 34.

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No que tange ao inciso IV, cabe esclarecer que filantrópicas, segundo o Decreto

3.86010, de julho de 2001, são aquelas que se submetem à auditoria independente, aplicam

excedentes financeiros para os fins da instituição mantida e não remuneram conselheiros,

instituidores ou sócios. Elas devem prever destinação patrimonial, em caso de fechamento, à

entidade congênere ou instituição pública municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou

semelhantes.

1.2 A caracterização da instituição comunitária

A recente caracterização da educação comunitária deve-se mais à natureza

administrativa e aos fins e objetivos da instituição do que à origem histórica. A administração

e seus fins são determinantes para a caracterização da instituição e ela retrata sua natureza

antes mesmo das sutis diferenças conceituais. Assim, nas palavras de Clarissa E. B. Neves,

instituição educacional comunitária é uma entidade

privada, mantida e administrada por grupos leigos ou confessionais, mas de caráter público não estatal, voltada para interesses exclusivamente educacionais e com destinação certa para seu patrimônio [...]

[...]A mantenedora é uma entidade filantrópica reconhecida de utilidade pública municipal, estadual e federal, com registro no Conselho Nacional de Serviço Social, sem fins lucrativos e com prazo de duração indeterminado. 11

A pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nesse

conceito, mantém juntos, como na Constituição de 1988, os três tipos de instituições definidas

como potenciais destinatárias de recursos públicos. Ela procura demonstrar que o caráter

comunitário se baseia nos fins e objetivos para os quais se institui o trabalho educacional,

ainda que haja particularidades. Não há como ser comunitário sem ser filantrópico. É da

natureza das instituições comunitárias buscarem a filantropia – como atributo legal, outorgado

até há pouco tempo pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)12 e desde

novembro de 2009 ao encargo do próprio Ministério da Educação (MEC) – e como razão

última de atuação. As instituições confessionais são mais antigas, como veremos mais adiante,

e poderiam ter natureza distinta, mas a própria condição filantrópica as faz comunitárias.

10 O Decreto 3.860 dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências. 11 NEVES, 1995, p. 16-17. 12 O CNAS sucedeu ao Conselho Nacional de Serviço Social na concessão do registro. Ele fornecia o CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) às entidades, que cumprem uma série de requisitos, isentando-as do pagamento de impostos. Com o advento da Lei 12.101/09, essa atribuição foi dividida por área de atuação. No caso das entidades de educação, isso coube ao MEC.

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15

Além disso, elas devem atender, segundo a Lei 9.394/96, no seu artigo 20, inciso III, ao

disposto para as instituições comunitárias. Portanto, a instituição confessional é uma espécie

do que pode ser denominado gênero comunitário.

1.3 A natureza da instituição comunitária

A incorporação do termo “comunitário” na Constituição de 1988 é fruto de grande

movimentação e empenho na década de 1980. Algumas universidades passaram, nesse

período, a utilizar a expressão “universidade comunitária”. Esse movimento, acompanhado

por seminários e estudos, procurava demonstrar a natureza alternativa desse tipo de

empreendimento e aproximava instituições laicas e confessionais em torno da ideia do

“público não-estatal”. A culminância dessa mobilização aconteceu com a reunião de vinte

reitores de universidades comunitárias brasileiras na Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUCRS), em 1988, oferecendo subsídios para o item concernente à legislação

educacional na carta magna promulgada em outubro daquele ano.13

A instituição educacional comunitária move-se de acordo com a microestrutura

existente na sociedade, adequando-se de maneira mais precisa e ágil às necessidades das

pessoas que vivem nesta sociedade. As políticas macroestruturais, como normalmente são as

da educação pública, caracterizam-se como produto exógeno à comunidade, determinando

alternativas incapazes de perceber movimentos regionais. Também a educação puramente

confessional, desprezando o comunitário, pode ser tomada como ato de política

macroestrutural. Em nome da orientação religiosa, a política eclesiástica alija a comunidade

das decisões. A política eclesiástica ainda está sujeita aos movimentos das igrejas, com as

suas correntes internas, que, ao proporem atuação nacional, internacional ou mundial, não

observam tendências específicas e localizadas.

A educação de natureza comunitária pressupõe um papel social do povo, da

sociedade organizada, que busca alternativas para seus problemas, além de desonerar

significativamente o poder público federal, no caso do ensino superior. O governo federal

reparte o ônus frequentemente com municípios e o poder estadual. A administração cuidadosa

dos recursos, acompanhada de perto por aqueles que se valem deles, torna o processo

educacional na matéria financeira mais eficaz. A instituição comunitária é sensível às

demandas regionais e possui como formuladores das grandes políticas da instituição pessoas

que vivem junto daqueles beneficiados nas localidades. A compreensão dessa natureza de 13 Cf. NEVES, 1995, p. 17-18.

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16

instituição parece ser decisiva para que o Estado tenha se mostrado sensível a ela,

reconhecendo-a e subsidiando-a.14

1.4 A Lei 4024/61 e as raízes do ensino superior comunitário

A Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946, a quarta do período

republicano, inaugura um período de normalidade democrática, que, no campo da educação,

desemboca na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei

4024/61. O longo período de discussão foi marcado pela defesa de interesses e pela

consolidação do primeiro contingente expressivo de universidades particulares no país15, além

da estruturação do sistema universitário federal.

O período de discussão que resultou nesse documento conferiu unidade ao sistema

educacional brasileiro, representatividade da sociedade e dos colegiados nos órgãos de

administração, além da manutenção de liberdade na oferta de ensino. Essa lei resguardou ao

órgão oficial a fiscalização. Para o ensino superior, o fator determinante da Lei 4024/61 reside

na possibilidade de criação de instituições isoladas de ensino superior, o que redundou na

ampliação expressiva do número de instituições privadas.

O cenário político e o despreparo da sociedade para algumas das implicações

previstas pela LDB minaram-na rapidamente com grandes reformulações. Toda a ideia do

planejamento educacional contida nessa lei ficou prejudicada. As leis complementares e os

interesses inerentes ao poder autoritário propiciaram vida curta a essa LDB como instrumento

de integração da legislação educacional. Suas marcas no ensino superior, contudo,

sobrevivem até os dias atuais, porque sobre ela se construiu o ensino universitário brasileiro

vigente.

1.4.1 O laico e o confessional na educação superior

As raízes mais salientes do ensino superior comunitário remontam à separação entre

o ensino laico e confessional, no início da década de 1940, e à criação das universidades

14 Apesar desse reconhecimento, frise-se que o país também vivia uma crise econômica na década de 1980, período da Constituinte. A participação da sociedade civil mostrava-se conveniente, porquanto ela assumia parte do ônus do poder público. 15 Nesse período são criadas nove Universidades Católicas (PUCs do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Campinas, Católica de Goiás, Pernambuco e Pelotas/RS) e uma Presbiteriana (Mackenzie – São Paulo).

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católicas, tornada fato em 1946.16 Católicas, portanto confessionais, essas instituições

garantiram a existência do setor privado de ensino a partir da década de 1940. A separação

referida deu-se em condições especiais, e “as universidades confessionais criadas depois de

1946 estabeleceram-se antes como um setor semigovernamental do que estritamente

privado”17.

A criação de faculdades isoladas privadas tomou proporção além da vontade política

desempenhada pela Igreja Católica, em consequência da “expansão das oportunidades de

escolarização no ensino secundário e a equivalência dos cursos médios ao secundário”18.

Emergia, no país, a ideia da ascensão social pela formação acadêmica. Para atender à

demanda, o governo federal propôs uma resposta, criando faculdades públicas onde apenas

havia instituições privadas, mediante a manutenção do ensino gratuito19 e a “federalização”

das faculdades estaduais e privadas20.

Estabeleceu-se uma mentalidade no país segundo a qual o ensino público superior é

sempre melhor, razão pela qual as iniciativas de promoção da educação buscavam sua

assimilação pelo poder oficial21 em detrimento da qualificação sem a participação estatal.

Essa realidade ampliou enormemente a oferta pública. Esse período tornou-se o da instalação

da maior parte das instituições federais ainda hoje existentes.

A referência de instituição superior para o período era a Universidade do Brasil

(UB), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, constituída pela reunião de faculdades

preexistentes. A excelência de seu corpo docente era balizador. A oferta de ensino superior

deveria ocorrer em universidades. Esses dois conceitos oriundos da instituição-referência no

país tornaram enorme o custo-aluno do ensino superior público. Na preparação do corpo

docente, houve a criação de instituições de fomento à pesquisa, a exemplo do que fizera o

16 A Igreja Católica tinha pretensões de ser a responsável pelo ensino superior no país. A disputa ocorrida nos anos 1930 tinha na outra ponta Anísio Teixeira, defensor do ensino laico. Na tentativa de acomodar os diferentes interesses, o ministro Francisco Campos propôs a divisão das universidades. A do Distrito Federal teria orientação laica; a Universidade do Brasil, orientação católica. Insatisfeita, a Igreja Católica passa a criar faculdades e universidades. A primeira foi a PUC-RJ, em 1946. Cf. PAIM, Antônio. Por uma universidade no Rio de Janeiro. In: SCHWARTZMANN, Simon (Org). Universidades e instituições científicas no Rio de Janeiro. Brasília: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1982. p. 17-96. 17 SAMPAIO, 2000, p. 48. 18 CUNHA, Luiz Antônio. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 171. 19 O ensino público gratuito é garantido apenas na Constituição de 1988 e, embora não chegasse a haver cobrança de taxas, a ausência de garantia constitucional anterior enseja acalorado debate a cada lei que afetava o ensino superior. 20 Cf. CUNHA, 2000, p. 171. 21 Cf. MENDES, Durmeval Trigueiro. O Planejamento Educacional no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2000. p. 91.

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governo de São Paulo, com a criação da FAPESP22. É de 1951 a criação da Campanha

Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (hoje CAPES – Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do Conselho Nacional de Pesquisas

(CNPq). A prática inspirada na UB levou à existência de universidades com número de alunos

reduzido, muitas com menos de um mil estudantes.

As instituições católicas, apesar da ajuda governamental, tiveram grande dificuldade

em prover um corpo docente em condições similares ao que se constituía nas universidades

públicas. Elas, contudo, evitaram a federalização, buscada por várias instituições isoladas.

Mendes explica que o espírito de missão serviu inicialmente como motivador da educação

superior católica, passando a alimentar em seguida “uma máquina de prestígio”, modificada

mais tarde pelas determinações do Concílio Vaticano II23. A estruturação de um projeto de

universidade, feito com religiosos, pessoas sem preparo para o ensino superior ou com as

horas sobrantes dos professores das instituições públicas, não obteve o êxito esperado.

Reconhecido o equívoco, a partir da década de 1960, e quando o poder público não pôde

manter os investimentos de outros tempos, algumas dessas instituições católicas passam a ter

“identidade própria” e “identificam-se com as suas comunidades” e “apresentam tendências

mais saudáveis que as instituições oficiais”.24

Evidencia-se aqui a natureza comunitária – de compromisso com as necessidades das

comunidades – em detrimento da condição puramente missionária. Embora o projeto inicial

não fosse esse, é nisso que ele redundou. A credibilidade do ensino comunitário tem na

tradição da universidade católica um referencial qualificado. Quando acontece a consolidação

do ensino comunitário, parece ser conveniente às universidades católicas a sua identificação

com o setor comunitário. A esse apresentar-se junto às instituições católicas, tão contributivas

na formação intelectual e profissional da população brasileira, era igualmente adequado.

O período também evidencia um dos equívocos repetidos na educação superior

brasileira. Os altos investimentos não garantem sucesso por si do empreendimento. O

louvável empenho no aperfeiçoamento dos docentes e os vultosos investimentos em pesquisa

são a face positiva do período. A implantação de um modelo universitário único, tomando

como base o Distrito Federal, mostrou a dificuldade histórica dos governantes em administrar

um país continental e dá elementos para compreender as razões para o aprofundamento das

22 A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo foi criada em 1950, como parte do dispositivo constitucional de 1947 que garantia 0,5% da receita pública para o apoio ao trabalho de pesquisadores individuais. Cf. CUNHA, 2000, p. 173. 23 Cf. MENDES, 2000, p. 90. 24 MENDES, 2000, p. 90.

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desigualdades regionais. Parcela majoritária das universidades limitava-se a uma aglutinação

de escolas isoladas, incapazes de estabelecer vínculos entre si e com suas comunidades, não

justificando pela sua prática o título com o qual se identificavam.

1.4.2 O estabelecimento da Lei 4024/61

Instituída em favor da liberdade e da solidariedade humanas, a Lei 4024/61 fixa as

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Foram introduzidas modificações no ensino

superior, dentre as quais o aumento do controle e poder normativo com a criação do Conselho

Federal de Educação (CFE) e a possibilidade do ensino superior ser ministrado tanto em

universidades quanto em escolas isoladas.

O ensino superior brasileiro apresentou crescimento vertiginoso nos primeiros anos

de vigência da Lei 4024/61. Segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE)25, em 1962, o ensino superior brasileiro contava com 107.509 acadêmicos

e, em 1967, esse número era de 212.882. Portanto, o número de estudantes praticamente

dobrou em cinco anos. Esse incremento aconteceu

[...] pelo acesso de um público socialmente mais diversificado, com a inclusão acentuada do gênero feminino, de uma clientela composta por pessoas de maior faixa etária e que já se encontravam integradas no mercado de trabalho, em função de grandes transformações no campo da produção econômica, da expansão dos centros urbanos, do desenvolvimento das grandes burocracias estatais e privadas.26

A absorção desse contingente aconteceu basicamente pela expansão do sistema

universitário federal, com a criação de novas instituições e a ampliação da oferta existente.

Todo esse esforço, porém, não atendeu à demanda, o que ocasionou a criação de elevado

número de instituições isoladas de pequeno porte. O surgimento desses núcleos – totalizando

419 instituições isoladas no ano de 1971 (ver Quadro na p. 20) – atendia à demanda de ensino,

preponderantemente, naqueles lugares onde o poder público não atuava. O Brasil tornava-se

um país de empresas de grande porte. O diploma em uma instituição de ensino superior

garantia acesso a esse mercado de trabalho.

A Igreja Católica, tradicional parceira do poder público, recomendara, no V

Congresso das Universidades Católicas, em 1960, a abertura de novas instituições apenas

25 Cf. ESTATÍSTICAS do Século XX – Educação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/educacao.shtm>. Acesso em: 01 out 2009. 26 MARTINS, Carlos Benedito. O ensino superior brasileiro nos anos 90. São Paulo, Perspec., v. 14, n. 1, p. 47, jan./mar. 2000.

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20

quando houvesse professores competentes em número suficiente.27 Essa atitude, na prática,

significou a criação de poucas novas instituições por essa igreja. Ela apenas consolidou

projetos em andamento.28

Nesse momento, ingressa um grupo de pessoas interessadas em atuar comercialmente

no setor educacional, vendo no ensino uma oportunidade rentável de negócios. Mas o período

também é de organização da sociedade, que deseja possuir suas instituições de ensino

superior. Surge espaço para a atuação do setor comunitário laico, o qual possui forte apoio da

Igreja Católica. Ela não é mais a entidade mantenedora das novas instituições.

A diferenciação é evidente na forma de atuação das instituições estritamente privadas

e daquelas que atuam supletivamente ao poder público, organizadas a partir de suas

comunidades. Em um estudo apresentado em 1988, Tramontin & Braga afirmam que, durante

toda a década de 1960, a maioria das instituições comunitárias era custeada pelo orçamento da

união, que financiava mais da metade das despesas dessas instituições. A situação começou a

ser invertida, chegando, ao final dos anos 1970, a menos de 2% do orçamento anual.29 A

partir dessa mudança na forma de financiamento e pela necessidade de diferenciação constrói-

se o conceito de instituição comunitária. Os autores do estudo mencionado esclarecem:

A denominação “universidade comunitária” passa a ser mais usada na medida em que dois grupos de universidades – as confessionais e três de natureza fundacional – começam a dar-se conta de que no perfil das entidades que as compunham havia um conjunto de características que, de uma parte, as diferenciava de outras instituições particulares pela especial dimensão pública que assumem e, de outra parte, estabeleciam uma identidade quanto ao modo como originaram, como também quanto às propostas de atuação que as animam.30

As confessionais referidas são as instituições católicas e uma metodista. As

fundacionais acima indicadas são a Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do

Sul – FIDENE/UNIJUI31, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Universidade de Passo

Fundo (UPF).

Coube a lideranças leigas, como professores e profissionais liberais, e políticas,

compostas por prefeitos e deputados, interessados no desenvolvimento das suas regiões,

assumirem um papel de destaque. Ilustrando o caso gaúcho, Clarissa Neves salienta que

27 Cf. MARTINS, 1988, p. 33. 28 Em 1961, ainda foram inauguradas as universidades Católica de Salvador/BA e Católica de Petrópolis/RJ. Apenas em 1975 é inaugurada a Universidade Santa Úrsula/RJ. A seguinte é a UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), criada como faculdade em 1960 e transformada em universidade em 1983. 29 Cf. TRAMONTIN, Raulino; BRAGA, Ronald. Universidades Comunitárias: um modelo alternativo. São Paulo: IPEA – CEC/IPLAN; Loyola, 1988. p. 24. 30 TRAMONTIN; BRAGA, 1988, p. 9. 31 A Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado – FIDENE, mantenedora da UNIJUÍ, surgiu em 1969 e foi responsável por importante projeto de conscientização para o desenvolvimento regional, com a participação da comunidade e dos municípios. A UNIJUI surgiu em 1985.

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[...] a expansão recente do ensino superior no Rio Grande do Sul não foi resultado de uma intervenção no plano de política estadual e nem da ação de grupos e/ou indivíduos aproveitando-se de “espaços” criados pela política educacional nacional. Ao contrário, percebe-se, claramente, nas principais experiências de instalação do ensino superior, a formulação de projetos complexos de iniciativa de grupos religiosos ou leigos, lideranças locais interessadas na valorização, integração e revitalização sócio-econômica [sic] e cultural de regiões que experimentavam um processo de intensa modernização e diferenciação social.32

Como representativo desse momento está a criação das primeiras universidades

particulares não-confessionais. Em 1967 é criada a Universidade de Caxias do Sul e em 1968,

a Universidade de Passo Fundo. Com o apoio das prefeituras locais, de lideranças e da igreja

católica local, elas inauguram o modelo de universidade fundacional de direito privado, sobre

a qual se assenta a ideia de universidade comunitária desenvolvida na década de 1980.

O primeiro ano em que o IBGE apresenta uma estatística sobre o ensino superior é

relativo a 1971 e dimensiona bem a presença de instituições privadas, especialmente das

isoladas. Evidentemente ainda não há diferenciação entre as instituições privadas.

QUADRO33 — Universidades e estabelecimentos isolados, segundo a dependência administrativa, por Unidades da Federação — 1971

UNIVERSIDADES ESTABELECIMENTOS

Segundo a dependência administrativa Segundo a dependência administrativa UNIDADES DA FEDERAÇÃO Total

Federal Estadual Municipal Particular Total

Federal Estadual Municipal Particular

Acre ................................... 1 — 1 — — — — — — —

Amazonas ......................... 1 1 — — — 1 1 — — —

Pará .................................... 1 1 — — — 4 1 3 — —

Maranhão ................................... 1 1 — — — 5 — 3 2

Piauí.................................... 1 1 — — — — — — — —

Ceará ................................... 1 1 — — — 12 1 4 1 6

Rio Grande do Norte ................................ 2 1 — 1 — 2 — 1 — 1

Paraíba................................... 2 1 — 1 — 7 — — — 7

Pernambuco ................................... 3 2 — — 1 19 — 2 1 16

Alagoas ................................... 1 1 — — — 3 — 1 — 2

Sergipe ................................... 1 1 — — — — — — — —

Bahia ................................... 2 1 — — 1 12 — 2 2 8

Minas Gerais ................................... 12 5 5 — 2 62 5 7 5 45

Espírito Santo ................................... 1 1 — — — 10 — 1 5 4

Rio de Janeiro ................................... 3 2 — — 1 30 — 1 2 27

Guanabara ................................... 3 1 1 — 1 53 12 4 — 37

São Paulo ................................... 7 1 2 1 3 233 2 17 20 194

Paraná ................................... 4 1 2 — 1 25 — 15 2 8

Santa Catarina ................................... 3 1 1 1 — 13 — — 7 6

Rio Grande do Sul ................................... 9 4 — — 5 47 — — 2 45

Mato Grosso ................................... 2 1 1 — — 7 — 4 — 3

Goiás ................................... 2 1 — — 1 6 — 2 — 4

Distrito Federal ................................... 1 1 — — — 4 — — — 4

BRASIL ............. 64 31 13 4 16 555 22 67 47 419

32 NEVES, 1995, p. 8. 33ESTATÍSTICAS do Século XX – Educação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/educacao.shtm>. Acesso em: 01 out 2009.

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A possibilidade de criação de instituições isoladas foi a marca dessa fase inicial da

Lei 4024/61. Isso atendia à necessidade da sociedade. Essa lei constituiu-se em um

mecanismo de controle para um sistema que exigia a expansão, cuja fiscalização ela delega ao

Conselho Federal de Educação (CFE), instituído por essa lei. Sua atuação era menor no

campo político do que no técnico. A instituição dos requisitos mínimos para a abertura de

novos cursos, que incluía itens como capacidade financeira da mantenedora e a comprovação

da necessidade do curso para a região de sua implantação, não foi inibidora das iniciativas

laicas. A atuação confessional – notadamente a católica – passa por um declínio nesse

período.

1.4.3 A reforma universitária de 1968

A Lei 5540/68 é essencialmente regulatória. Ela abrange a essência da instituição de

ensino superior, com mudanças conceituais profundas. Além da abordagem, que

genericamente pode ser denominada de ação para aumento da produtividade, convém lembrar

que ela se processou no período mais duro do governo golpista. A aposentadoria compulsória

de professores, demissão sumária de reitores, todo o controle policial e o cerceamento das

entidades estudantis são fatos relevantes, que devem servir como pano de fundo para a

compreensão desse período.

A ação para o aumento de produtividade teve como foco principal a integração e a

ampliação da capacidade de atendimento do ensino superior público, com o intuito de torná-lo

mais eficiente e abrangente. Daí resultam a departamentalização, em substituição às

cátedras34, a instituição do regime de matrículas por créditos e a divisão dos cursos de

graduação. Essa integração institucional pretendia dar conta do que a Lei 5540/68 dizia no

artigo 2º, a saber, que “o ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em

universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como

instituições de direito público ou privado”35. A instituição isolada parecia assumir caráter

transitório, fato não consumado nas prioridades eleitas pelo governo, pela crise instalada nos

anos 1970 e a expressiva demanda no ensino superior.

Essa lei reconheceu, por outro lado, o papel do ensino superior pago e não o

diferenciou em relação ao ofertado pelo governo. E nesse aspecto, a participação crescente da

34 Cf. FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Da Cátedra Universitária ao Departamento: subsídios para discussão. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1118t.PDF>. Acesso em: 28 out. 2009. 15 p. 35 LEI 5.540, de 28 de novembro de 1968.

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iniciativa privada era conveniente: “Desde a Reforma Universitária de 1968 (Lei n°

5.540/1968), o Governo federal facilitou muito a criação de cursos superiores isolados

particulares, como uma forma de suprir a demanda de vagas que as escolas públicas não

davam conta”36.

Dessa forma, o regime instituído de convivência entre o ensino público e privado no

período merece melhor análise. Partindo-se do pressuposto que a convivência entre ambos

fez-se necessária, houve uma distribuição de tarefas. O ensino público evidenciava-se como

responsável pela formação da intelectualidade do país e constituía-se no espaço capaz de

desenvolver pesquisa. Nessa esteira surge o “aumento progressivo do custo absoluto e relativo

do ensino público”37. No ensino privado, mais barato e destinado à formação das massas, não

houve investimento na qualificação da infraestrutura e do corpo docente. Estabeleceu-se um

sentimento de privação nos dois setores pela velocidade de crescimento. A concepção da Lei

5540/68, que previa ensino superior em universidades que realizam ensino e pesquisa, foi

sufocada pela crescente demanda de ensino superior. No estudo feito pela professora Helena

Sampaio38, de 1965 a 1980, as matrículas no ensino superior público cresceram 453,8%. Esse

aumento de vagas resultou da otimização do uso de recursos, respaldada nas medidas

previstas na Lei 5.540/68.

O aumento de demanda facilitou os processos de autorização de cursos superiores, no

período a partir de 1968 até 1977, para a iniciativa privada, dado que houve “deslocamento de

investimentos públicos e de sua alocação prioritária em setores infraestruturais”39. A opção de

investimento do poder público em áreas como a de infraestrutura limitava o aumento

proporcional de recursos no orçamento da união. Essa medida privava o ensino público de

maior expansão, mas também retirava recursos das instituições privadas, até então fortemente

subsidiadas pelo Estado.

Nesse período surgem as primeiras instituições claramente orientadas pelo mercado,

com a gerência prevendo investimento rentável. Algumas dessas instituições

procuram adquirir um caráter declaradamente elitista, definindo uma clientela de classe A, capaz de arcar com suas elevadas anuidades. Boa parte delas, contudo, orienta-se para o ensino profissional de massas, situadas que estão em pontos estratégicos de intensa demanda demográfica [...] Essas IES mantêm uma tradição

36 VAIDERGORN, José. Uma perspectiva da globalização na universidade brasileira. Cad. CEDES, v. 21, n. 55, p. 86, nov. 2001. 37 SAMPAIO, 2000, p. 69. 38 Cf. SAMPAIO, 2000, p. 69. 39 MARTINS, 2000, p. 34.

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de independência em relação ao MEC e deste pleiteiam tão somente [sic] autonomia para administração acadêmica flexível.40

A marca dessas novas instituições é própria e caracteriza um novo modelo de ensino

privado. Apesar de, em tese, serem igualmente supletivas ao Estado, elas declaradamente

evitam estabelecer-se no âmbito “público não-estatal”. As iniciativas comunitárias,

requisitórias do apoio estatal, não são parâmetro a esse tipo de empreendimento.

O sistema de ensino superior acabou se organizando dentro de uma funcionalidade

que tem no poder público instituições seletivas, responsáveis pelo desenvolvimento da

pesquisa, e encontra no setor privado o ator responsável pela educação complementar, de

massa ou para atuação em regiões inalcançáveis pela iniciativa estatal. A literatura que retrata

a expansão do ensino superior brasileiro é marcada fortemente pela defesa do ensino superior

público e universal. Os estudos sobre o ensino superior acontecem onde se concentra a

pesquisa, portanto no setor público, e há um combate ostensivo à iniciativa privada. Há,

porém, profundas diferenças entre o que genericamente passa a ser designado de setor

privado. O risco de fazer-se defesa intransigente, ideológica, por vezes prejudica a própria

causa defendida.

Mendes41 lembra que, dentro do empenho de integração regional e de atenção ao

atendimento da demanda reprimida, um importante passo aconteceu com a interiorização do

ensino superior. Esse processo já iniciara antes da reforma universitária de 1968, mas seus

desdobramentos são decisivos nesse período para a formação da instituição educacional

comunitária, muito distinta daquela universidade que pretende tão-somente autonomia em

relação ao MEC. A comunitária, ao contrário, quer a participação estatal.

Em relação à interiorização do ensino superior brasileiro, os estados de Minas

Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os que obtêm efeitos

duradouros decorrentes dessa política. Nos demais estados – mas também nesses referidos –, a

iniciativa enfrentou dificuldades, que basicamente podem ser sintetizadas pela inexistência de

núcleos culturais que dessem suporte ao processo de criação de cursos superiores. A ausência

de apoio a partir de centros metropolitanos, de tal forma que os alunos mais abastados e

melhor preparados continuavam buscando o vestibular nas capitais, igualmente prejudicou a

interiorização.

A consolidação da interiorização nos estados referidos ocorreu de maneira distinta,

com diferentes atores. No caso de Minas Gerais, a consolidação aconteceu pela atuação

40 TRAMONTIN; BRAGA, 1988, p. 24. 41 Cf. MENDES, 2000, p. 118-123.

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extensiva do governo federal42. No Paraná e em São Paulo43, foram os governos estaduais os

propulsores do ensino superior. Santa Catarina seguiu o modelo fundacional municipal,

congregado pela Associação Catarinense de Fundações Educacionais (ACAFE)44.

No exemplo do Rio Grande do Sul, houve um grande impulso a partir do governo

federal. Nesse estado funcionam universidades federais consolidadas45 em quatro cidades: Rio

Grande do Sul e de Ciências Médicas (em Porto Alegre), Pelotas, Rio Grande e Santa Maria.

A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), resultado de esforço de interiorização

desencadeado em 1946, teve atuação destacada. Ela foi criada por Mariano da Rocha Filho

em 1960 e foi a primeira universidade instalada fora do eixo das capitais de Estado no Brasil.

A lei que disciplinou a implantação de campi universitários fora da sede, denominada

“multiversidade”, foi de autoria de Mariano Filho, quando integrante do CFE, em 1968.46

A ação desencadeada pela UFSM levou à criação de onze instituições no Estado47 e

extensões em regiões distantes, como o caso do campus avançado do ensino superior na

Amazônia, que posteriormente transformou-se na Universidade Federal de Roraima. Esse

esforço de aumentar as matrículas – uma das prioridades da Lei 5540/68 – revestiu-se de

grande importância para as comunidades, porque jovens com recursos insuficientes para se

transferir aos centros com universidades passaram a ter acesso ao ensino superior próximo de

suas localidades. Aproximar as pessoas de suas demandas é uma marca da instituição de

caráter comunitário.

O exercício dos campi fora da sede teve curta duração e, em 1971, o CFE proibiu a

prática. A experiência não foi perdida, porque as comunidades, com apoio de lideranças leigas

42 O governo federal mantinha 43 universidades até o início do segundo mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva, das quais oito em Minas Gerais. São elas as universidade federais de Juiz de Fora; Lavras; Itajubá; Minas Gerais; as fundações universidades federais de Ouro Preto; Uberlândia; Viçosa; São João del Rei, além de três das cinco instituições isoladas de ensino superior federal existentes no país: Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas; Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro; Faculdades Federais Integradas de Diamantina. 43 São três as universidades estaduais paulistas. A USP iniciou a interiorização na década de 1960 e atualmente possui seis campi. A Unicamp possui três campi. Expressivo é o caso da UNESP, atualmente com 15 campi. 44 Os presidentes das fundações criadas por lei municipal e da fundação criada pelo Estado constituíram, em 1974, a ACAFE. 45 No segundo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva foram criadas mais duas instituições: a UNIPAMPA e a Universidade da Fronteira Sul, esta com campi no Rio Grande do Sul. Elas ainda se encontram em fase de estruturação. 46 HISTÓRICO da UFSM. Disponível em: <http://www.ufsm.br>. Acesso em: 29 maio 2010. 47 Foram criadas: Faculdade de Direito de Santa Cruz do Sul; Escola Superior de Educação Física de Santa Cruz do Sul; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santa Cruz do Sul; Curso de Pedagogia de Livramento; Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Uruguaiana; Escola Superior de Educação Física de Cachoeira do Sul; Instituto de Ensino Superior do Alto Uruguai de Frederico Westphalen; Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Santo Ângelo; Curso de Letras, Estudos Sociais e Ciências de Santa Rosa; Curso de Letras e Pedagogia de São Borja; Curso de Letras e Estudos Sociais de Santiago; Curso de Administração de Três de Maio. Cf. NEVES, 1995.

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e das igrejas, assumiram os projetos, que passaram a ter autonomia e a funcionar como

instituições isoladas. Esses núcleos tornaram-se base para a instalação de instituições como a

Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), a Universidade Regional Integrada (URI) e

mesmo de ampliação da Universidade da Região da Campanha (URCAMP). Somadas a

outras instituições preexistentes, como a FIDENE/UNIJUI, a UCS e a UPF, cristalizava-se a

partir daí a educação superior comunitária no interior do estado do Rio Grande do Sul.

A UFSM não foi a única a atuar no período. A FIDENE/UNIJUI tornou-se

instituição regional, fomentando o desenvolvimento do ensino superior. Ela assumiu, em

1973, um projeto de ensino superior em Santa Rosa.48 Há outras iniciativas que têm em seu

bojo a sadia rivalidade entre municípios e regiões, que, percebendo as oportunidades

conferidas pela formação de ensino superior, se valeram da política educacional no âmbito

federal para cobrir o Estado com escolas superiores.

A Lei 5540/68 converteu-se em outra prática do que na essência sua letra previa. O

momento político e econômico-social foi ímpar. A demanda por ensino superior servia para

pressionar e justificar atos que a própria lei não previa. Essa expansão desordenada não pode

ser vista, porém, como puramente danosa. O sistema público, ainda que sem recursos,

ampliou a oferta, e as universidades federais assumiram a pesquisa. Muitas pequenas cidades

foram beneficiadas com ensino superior como consequência da interiorização. Hoje, essas são

prósperas cidades. O papel do ensino privado, notadamente daquele que seria denominado nos

anos 1980 como comunitário, experimentou expansão, contribuindo para a diminuição do

déficit educacional no país. O tipo de sociedade na qual essas instituições estavam inseridas

foi decisivo para impulsionar esse movimento.

1.5 Ausência de regulação para a educação comunitária

A existência da instituição comunitária é certa. Sua previsão está demonstrada na

Constituição Federal de 1988 e na LDB (Lei 9394/96). Transcorridos mais vinte anos desde

que essa denominação foi inserida na carta magna brasileira, sua regulamentação está aberta e

as instituições, em grande medida, são comunitárias por autodefinição.

Os dados oficiais do MEC registram 438 instituições no segmento comunitário, no

qual estão abarcadas as confessionais, e representam, pelo Censo da Educação Superior de

2007, 28% das matrículas da educação superior. As instituições públicas – federais, estaduais

48 Cf. NEVES, 1995, p. 38.

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e municipais – detêm 25% dessa conta.49 Sua importância para o país é destaque por esses

dados. O fato de se regerem por estatutos que as definem como sem fins lucrativos, é

condição bastante para a autodeclaração de comunitário. Durante a Constituinte de 1988, o

Pe. Waldemar Valle Martins, da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas

(ABESC)50, afirmou que

[...] são universidades sob a responsabilidade de uma associação ou fundação sem fins lucrativos, confessionais ou não, dentro do pluralismo democrático, reconhecidas como idôneas para prestação de serviços educacionais de interesse público, e que aplicam seus recursos e resultados financeiros nas suas finalidades universitárias, buscando realizar, assim, efetivamente, sua função social.51

Fatores como a previsão de recebimento de recursos e a crescente aceitação tácita de

um modelo juridicamente simpático à sociedade, com o potencial ingresso de instituições que

não comungam dos conceitos defendidos à época de sua inserção na Constituição, resultam

em movimentos em busca de um marco legal.

A regulação tem à testa instituições que há bastante tempo congregam instituições

ditas de caráter comunitário, como o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas

(COMUNG) e a ACAFE. Ao lado dessas, encontra-se a Associação Brasileira de

Universidades Comunitárias (ABRUC)52, organização que reúne, além de universidades

comunitárias, centros universitários e faculdades comunitárias. Surgida em 1995, seus

movimentos hoje estão nitidamente em oposição ao chamado ensino empresarial, o que

reforça a importância de um marco legal. Essa articulação encontra eco no Congresso

Nacional, que possui uma Frente Parlamentar Mista em Defesa das Instituições

Comunitárias53 e tem posição a favor da formulação de um marco legal das instituições

comunitárias.

O processo de regulação, embora imprevisível, firma-se como uma disputa por um

modelo de universidade reconhecido no Brasil como intermediária entre o público e o privado

empresarial, do qual pode resultar uma via efetivamente nova. A maior dificuldade está em

49 Cf. CENSO da Educação Superior. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/2007>. Acesso em: 26 out. 2009. 50 A ABESC, juntamente com a ANAMEC e a AEC, constituiu em 2008 a Associação Nacional de Educação Católica (ANEC). 51 Apud GADOTTI, Moacir. Universidade Estatal Universidade Comunitária. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Institucional/MoacirGadottiArtigosIt0020/Universidade_estatal_1995.pdf>. Acesso em: 28 out. 2009. p. 5. 52 A ABRUC foi fundada em 1995 e “reúne atualmente 54 instituições de ensino superior sem fins lucrativos, voltadas prioritariamente para ações educacionais de caráter social”. Educação a serviço da comunidade. Disponível em: <http://www.abruc.org.br>. Acesso em: 28 out. 2009. 53 Cf. Comissões discutem marco regulatório para o ensino comunitário. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=141970&pesq=universidades comunitárias>. Acesso em: 28 out. 2009.

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manter reunidas instituições bastante distintas. A formação das instituições ditas comunitárias

no sul do país deu-se de outra forma do que as de outros Estados. Mesmo essas, que

essencialmente têm maior respaldo comunitário, começam a se afastar de alguns propósitos.

As instituições confessionais – e laicas – hoje abrem filiais por interesses estratégicos, de

sustentabilidade, não como resposta aos anseios comunitários. O financiamento, cada vez

mais dependente dos pagamentos dos alunos ou dos aportes para um tipo de formação, não

permite maiores investimentos naquilo que não gera retorno imediato ou que comprometa a

estabilidade.

A regulação somente terá sentido se vier para que a sociedade possa manter uma

instituição que responda adequadamente à sua necessidade. A maioria das instituições que

atuam em favor do marco regulatório tem em sua história esse predicado. Regular,

conceitualmente, definindo-a só tem sentido se isso vier acompanhado de condições para

atuar, o que passa basicamente por duas questões: a autonomia e o financiamento. O Estado

cada vez mais controlador e prescritivo, assemelhando as instituições comunitárias às suas

instituições federais, vai incorporando-as ao seu sistema. Certamente não é dessa regulação

que o sistema de ensino superior comunitário necessita.

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2 EDUCAÇÃO PROTESTANTE NO BRASIL

Quando os imigrantes alemães vieram para o Brasil, a partir de 1824, os luteranos

puderam praticar sua fé aqui sob o broquel tácito da tolerância, isto é, o culto luterano não era

admitido, apenas tolerado, desde que o espaço de culto não tivesse sinal externo que o

identificasse como um templo: cruz, torre ou sino. Os imigrantes estavam habituados à

existência de um sistema escolar bastante satisfatório em sua terra de origem. Acostumados

com escolas oferecidas pelo governo ou pela igreja, eles se confrontaram com a falta e a

precariedade de instituições que ministrassem o ensino da leitura e da escrita no Brasil. Como

o Império não implantou escolas nas regiões de imigração dos alemães, os próprios colonos se

organizaram, criando e sustentando suas escolas. Seus filhos precisavam aprender a ler, a

escrever e a fazer contas, uma forma de acesso à livre interpretação das Escrituras.

O instinto de sobrevivência e o propósito de progresso ensejaram uma lenta e

progressiva organização das comunidades em favor do letramento de seus filhos. Uma

convicção já de trezentos anos da importância da escola para a vida em sociedade estava

presente nas diversas colônias. Sem poder reclamar ao Estado, a organização deu-se pela

criação de espaços de ensino inicialmente sem qualquer caráter formal, mas que preencheram

a necessidade de aprender a escrever, fazer contas e ler, em especial a Bíblia. Assim, no início

“tratava-se de educação doméstica. A mãe ensinava em casa, onde também participavam os

filhos dos vizinhos mais próximos”54.

Através da organização da sociedade, em meio ao contexto político brasileiro, com o

auxílio do exterior, criou-se um sistema educacional55 independente do poder público. Esse

sistema destinado à alfabetização dos descendentes de alemães ganhou robustez na primeira

metade do século XX. Ele perdurou até a eclosão em território brasileiro da Segunda Guerra

Mundial, quando as escolas confessionais evangélico-luteranas buscaram outro tipo de tarefa.

54 KLUG, João. A Escola Teuto-Catarinense e o Processo de Modernização em Santa Catarina – A Ação da Igreja Luterana Através das Escolas. São Paulo: USP, 1997. p. 75. 55 A utilização da palavra “sistema” decorre aqui da opção que o próprio Sínodo Riograndense fez em adotar essa nomenclatura, mas ela tem acepção diferente no período anterior e posterior à Segunda Guerra Mundial. No período anterior, o “sistema educacional” deve ser entendido na acepção conferida por HOUAISS da “estrutura que se organiza com base em um conjunto de unidades inter-relacionáveis [...] pelas características semelhantes”. No período posterior à Segunda Guerra, a acepção assume o pressuposto de ser “arrolamento de unidades e combinação de meios e processos que visem à produção de certo resultado”. Ou seja, na primeira fase, as instituições cumpriam uma finalidade em si e isso lhes conferiu identidade para constituírem um sistema. Na fase seguinte, houve uma tentativa de produzir um resultado como conjunto que a Igreja poderia demonstrar como seu à sociedade. O sistema, a partir de 1980, passa a ceder espaço para a rede de escolas, como hoje são conhecidas as instituições educacionais identificadas com a IECLB.

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Há uma clara linha ascendente na organização das comunidades em favor do ensino

nesse período. Parte-se de atividades esporádicas, nos primeiros anos de imigração, até a

imposição de uma escolaridade mínima para o acesso ao ensino confirmatório no Sínodo

Riograndense56 e no Sínodo Evangélico de Santa Catarina. A mudança de hábitos da

sociedade brasileira e o fim do idioma alemão como vértice agregador dos descendentes

mudaram a realidade. Surge a inevitável pergunta sobre a real capacidade da igreja protestante

evangélico-luterana em manter uma educação que sirva aos seus fiéis em tempo e contextos

diferentes.

A criação do Ginásio Sinodal pelo Sínodo Riograndense57 pode ser entendida como a

pretensão de entrada pela porta da frente na sociedade brasileira com o ensino secundário.

Esse esforço é uma tentativa de resposta ao desafio da Igreja em atender aos seus fiéis e às

suas necessidades. Essa experiência também serviu como alternativa na reconstrução do

trabalho em favor da educação em instituições eclesiásticas no pós-guerra. Apesar disso, a

transição do modelo educacional rural, característico até a nacionalização, voltado à

alfabetização, não chegou a encontrar no contexto urbano um equivalente à altura.

A igreja de imigração, que hoje é a IECLB, resultado da união de sínodos, entre os

quais os acima citados Riograndense e Evangélico de Santa Catarina, tem seus conceitos

baseados na assim denominada “Volkskirche”, que, como diz Kliewer, “é a igreja do povo

alemão evangélico que migrou para o Brasil. Etnia, cultura e fé se confundiam”58. A

“Volkskirche”, ou igreja do povo, responde aos desafios no espaço geográfico. Ela atende ao

seu povo, mantendo-o firme na sua cultura e na sua fé. Tanto é assim que, nos espaços de

imigração, havia um cuidado ao separar alemães protestantes e católicos.

A urbanização levou a uma menor frequência da língua alemã, a uma vida em

sociedade para além da comunidade de fé e com isso à perda da identidade. A “Volkskirche”

em território brasileiro é uma igreja rural, que apresentava um funcionamento modelar

enquanto foi possível. Não pela ausência de dificuldades, mas com elas servindo para manter

56 “Os primeiros, na colônia, eram cursos de 4 anos. Em geral até a confirmação na igreja, nas comunidades, a própria igreja fez questão de incluir na confirmação, somente os confirmandos, somente depois de eles terem cursado um curso de 4 anos. Era condição para o ensino confirmatório a freqüência escolar de 4 anos primários. Ali a própria igreja deu o grande impulso: a obrigação de uma educação”. FUCHS, Willy. Entrevista concedida ao autor, 29 de abril de 2004. 57 “Porque justamente a criação do Sinodal é que esta sendo apagada. Porque com o tempo pode parecer que o Sinodal é uma criação da Comunidade Evangélica de São Leopoldo, que não é o fato. Foi um concílio que criou o Sinodal. E foram os membros leigos do Concílio do jubileu de ouro do Sínodo Riograndense, em 1935. Aliás 1936, que quiseram colocar um marco no jubileu e então colocaram um curso intermediário entre o primário e o superior, que é o secundário. Então é o secundário oficializado. Bom dali é que surgiu o Sinodal”. FUCHS, 2004. 58 KLIEWER, Gerd Uwe. Estudos estatísticos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. [Porto Alegre]: [s.n.], 2007. p. 145.

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a comunidade unida. Sem a sua cultura, o idioma e o que ele pressupõe, ela se desmantela. A

migração para uma tentativa de ser igreja luterana urbana, com expectativas que nela

poderiam ser depositadas, trouxe importantes alterações.

2.1 A Reforma Protestante

O movimento da Reforma Protestante, encravado no contexto das profundas

transformações classicamente inseridas no início da Idade Moderna, teve no teólogo Martim

Lutero, na primeira metade do século XVI, seu grande protagonista. A revisão dos

procedimentos da Igreja Católica era o objetivo do teólogo da Universidade de Wittenberg. O

sistema medieval, no qual “era negado à sociedade o exercício das liberdades individuais,

sendo esta governada pela autoridade política, religiosa e cultural, representada no grau

máximo pelo imperador e pelo papa, que eram também os avalistas da ordem social e

cultural”59.

Os posicionamentos teológicos de Lutero apresentam justificativas para que as

pessoas se opusessem à ordem vigente. Lutero redescobre fundamentos da relação do ser

humano com Deus que oferecem novos conceitos para o ensino, mas que são centrais na sua

teologia. É sempre importante destacar que Lutero, embora não fosse educador, tem

significativo interesse na educação. Ele expressa sua teologia como forma de ajudar as

pessoas a encontrarem seu bem-estar, a estarem bem consigo e com Deus. A experiência

libertadora, que encontra centro na fé em Deus e na sua graça, requer a transformação das

práticas dos crentes e sua preocupação com as coisas deste mundo. O reformador Lutero

assume posições em assuntos educacionais a partir de suas convicções teológicas. A

capacidade de leitura tornou-se um tema básico para uma melhor prática religiosa dos

luteranos. O dever de educar, na convicção de Lutero, era das famílias e do Estado. Esse

posicionamento está evidente quando ele escreve:

O progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de muitos canhões e da fabricação de muitas armaduras. Inclusive, onde existem muitas coisas dessa espécie e aparecem tolos enlouquecidos, o prejuízo é tanto maior para a referida cidade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem

59 GOMES, Derti J. Seminário Evangélico de Formação de Professores: origem e trajetória da instituição e perfil dos egressos. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2005. p. 26.

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educados. Estes então também podem acumular, preservar e usar corretamente

riquezas e todo o tipo de bens.60

Lutero possui em mente uma escola cristã, mantida pelo Estado, para todos os que

vivem em um determinado território. Ele diz que educar é um ato de seriedade ao qual os pais

devem conferir máxima importância. Oferece os alicerces para uma valorização da escola

fundamental nos territórios alemães.61 A escola passa a ser entendida como parte intrínseca da

comunidade. Gênero de primeira necessidade para a vivência em sociedade, razão pela qual o

reformador insiste no dever de cada cidadão em ajudar a manter a escola.

Também cada cidadão deveria pensar o seguinte: até agora despendeu inutilmente tanto dinheiro e bens com indulgências [...] estando agora livre dessa ladroeira e doações para o futuro, pela graça de Deus, que doravante doe, por agradecimento e para a glória de Deus, parte disso para a escola, para educar as pobres crianças, onde

está empregado tão bem.62

Interessante observar que Lutero defende uma escola básica para todos, mas não se

esquece do passo seguinte. Os mosteiros medievais foram cedendo seu espaço às vicejantes

universidades na Europa. Lutero foi professor em Wittenberg, a partir de 1508, então uma

jovem universidade, com seis anos. Esse espaço serviu de berço e difusão para a Reforma.63 O

reformador soube valorizar o espaço que lhe propiciou oferecer novos elementos à

interpretação da Bíblia. A criação de escolas para as classes mais populares não era o

suficiente. Também a formação de líderes era uma necessidade. Nas palavras de Nestor Beck,

À medida que se implantava a Reforma em territórios e cidades, os líderes fundavam escolas, com o apoio e orientação de Felipe Melanchton e Lutero. Assim surgiram as universidades de Marburgo, Tübingen, Königsberg e Jena. Outras, como a de Leipzig, foram reformadas segundo o modelo de Wittenberg.64

Lutero tem em mente a formação de líderes – de uma elite, se quisermos denominar

assim, porque desses líderes dependem os rumos da sociedade. A Reforma Protestante está no

contexto de revoluções, como o surgimento da imprensa, que permitiram rapidamente levar à

difusão de seus ideais pela Europa. Sobretudo, nesse período também se abre uma nova

60 LUTERO, Martinho. Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995. v. 5, p. 309. 61 Aqui, em verdade, temos a valorização do ensino e a formação dos conceitos centrais que ainda hoje caracterizam a escola, tais como a disciplina, obrigatoriedade de frequência, organização curricular – o que precisa ser aprendido, horário de início e término de atividades. A escola como se conhece é aquela surgida nesse período, com influência decisiva do movimento da Reforma, em Lutero. 62 LUTERO, 1995, p. 305. 63 Coube a Felipe Melanchton papel decisivo na reforma do currículo da universidade de Wittenberg, o que fez juntamente com Spalatin (Jorge Burckhardt) e o próprio Lutero. O modelo dessa reorganização, que introduziu o iluminismo bíblico, serviu posteriormente as demais universidades em que os efeitos da Reforma aportaram. Cf. BECK, Nestor Luiz João. Estudar pra quê? Educação na expectativa do Reino de Deus. São Leopoldo: Edição do autor, 1996. 64 BECK, 1996, p. 33.

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perspectiva daquilo que genericamente é denominado de educação. A Reforma Protestante

esteve no centro da consolidação de sistemas escolares. Ainda distante de ser um direito,

como modernamente se fala, a educação passou a estar no imaginário coletivo. Lutero prega

que

A escola deve dar personalidades à Igreja, personalidades capazes de se fazerem Apóstolos, Evangelistas, Profetas, o que vale dizer pregadores, pastores, governadores, sem falarmos das demais funções, necessárias ao mundo, quais sejam, entre outras, ministros de Estado, conselheiros, notários, importantes auxiliares do

governo.65

Transcorridos mais de três séculos dessa revolução, que se não foi só pela Reforma

Protestante, tem nela um dos episódios centrais, essas transformações estavam incorporadas

ao cotidiano dos povos europeus, muito especialmente ao do povo protestante que emigrou no

início do século XIX. As coisas são como se conhece. E os imigrantes que chegaram ao Brasil

conheciam o mundo da Reforma da Europa. No início, a universidade era inimaginável, mas a

escola deveria existir.

2.2 Educação e igreja protestante no Brasil

A Igreja Protestante chega representativamente de duas formas ao Brasil. A primeira

é pelos imigrantes alemães, que mantêm suas tradições. A segunda forma está associada às

frentes de missão cristã da segunda metade do século XIX oriundas dos Estados Unidos da

América. A educação tem uma centralidade nesses aportes, porque está umbilicalmente

associada às duas iniciativas. Em comum, o fato de essas encontrarem um país praticamente

sem regulação para as iniciativas educacionais, o que fez florescerem iniciativas dependentes

unicamente do esforço de comunidades e pessoas. Essa situação manteve-a distantes dos

trâmites formais que, mais tarde, dominaram o meio educacional. O registro de escolas e

professores serviu para controle do sistema, mas também para reprimir aquelas iniciativas

paralelas que se demonstravam supostamente ameaçadoras.

Os imigrantes chegados a partir de 1824 tinham na educação um elemento

importante para a vida em sociedade. A situação local deixou os cidadãos à própria sorte. Eles

passam a procurar sua própria solução. Nessa conjuntura surgem as primeiras escolas

protestantes no Brasil, dos imigrantes alemães luteranos. Dreher, em seu Breve História do

65 LUTERO, Martinho. Uma Prédica para que se Mandem os Filhos à Escola. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995. v. 5, p. 348.

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Ensino Privado Gaúcho, lista a presença de escolas em alguns povoados gaúchos.66 Eram

iniciativas precárias. A chegada de alguns imigrantes com melhor formação trouxe um

primeiro alento para algumas comunidades.67

O século XIX foi marcado por um movimento de reavivamento da fé na Europa, que

conferiu também uma nova valorização à igreja.68 Esse movimento cuidava de iniciativas de

entidades voltadas para a missão interna e externa, inclusive as voltadas à diáspora dos teutos

em terras distantes da Europa. Nesse contexto, a Sociedade Evangélica para os Alemães

Protestantes na América enviou pastores ao Brasil. Ela estendeu esse seu serviço também para

o envio de professores, resultando disso a criação, em 1869, de uma “escola superior”,

destinada a apoiar os professores em terras brasileiras. Embora de pouco êxito e de curta

duração, vale o registro como primeira iniciativa de melhorar o ensino entre os alemães no

Brasil.

O apoio externo levou a uma organização local de sínodos. Surgiram o Sínodo

Riograndense na área do Rio Grande do Sul, em 1886; o Evangélico Luterano de Santa

Catarina, Paraná e outros Estados da América do Sul, em 1905; o Evangélico de Santa

Catarina, em 1911 e o Evangélico do Brasil Central, em 1912. Estruturas como a do Sínodo

Riograndense foram decisivas para implantar o que pode ser denominado de sistemas

escolares para a alfabetização. Na área de Santa Catarina, em Timbó, chegou a ser criado o

“Deutsche Evangelische Lehrerpräparande”, instituição que deveria prover com professores

as escolas rurais. Ela foi financiada com recursos do governo alemão e da Igreja Evangélica

Alemã.69

As igrejas protestantes de missão também se instalaram no país oferecendo

educação. As igrejas presbiteriana, metodista, batista e adventista, para citar aquelas com

papel de maior destaque, se estabeleceram no Brasil a partir da segunda metade de século

XIX. Com origem no modelo político religioso norte-americano, a chegada desses

protestantes estava amparada em uma concepção salvacionista, que incluía a educação. Os

Estados Unidos pretendiam assumir uma hegemonia na América, que, no caso do Brasil,

esbarrava nas relações com a Inglaterra, desde a chegada de D. João VI , em 1808, e no

próprio modelo de governo, ainda de um império. O fomento às escolas em terras brasileiras 66 Em São Leopoldo e Campo Bom, no Rio Grande do Sul, os registros do historiador apontam para os anos de 1824, e Hamburgo Velho, em 1826. 67 Trata-se aqui dos Brummer, combatentes da Guerra contra Rosas, que chegaram ao Brasil em 1852. Cf. DREHER, Martin N. Breve História do Ensino Privado Gaúcho. São Leopoldo: Oikos, 2008. p. 40. 68 Cf. WACHHOLZ, Wilhelm. Atravessem e ajudem-nos: a atuação da "Sociedade Evangélica de Barmen” e de seus obreiros e obreiras enviados ao Rio Grande do Sul (1864-1899). São Leopoldo: Escola Superior de Teologia; Sinodal, 2003. p. 31-120. 69 Cf. KLUG, 1997, p. 216-217.

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deu-se com base na ausência de instituições formativas. A educação atendia ao propósito

expansionista das igrejas, mas também a uma nova mentalidade que se instalava no país. A

visão norte-americana era incentivada pelos liberais brasileiros e atendia a interesses

ideológicos e comerciais. Não por acaso, a constituição republicana de 1889 denominou o

país de República dos Estados Unidos do Brasil.70

A evolução do protestantismo dependia da alfabetização dos fiéis, para que se

pudesse exercer o ideal protestante, do livre exame e interpretação das Escrituras Sagradas.

As missões americanas chegadas ao Brasil já estavam mais distantes da Reforma, visto que os

ideais do liberalismo, individualismo e pragmatismo compunham a mentalidade missionária.

Essa mentalidade religiosa era fomentada nos Estados Unidos por atender ao novo modelo de

organização econômica e política que se impunha. O ideal liberal brasileiro da educação para

todos, mas com um diferencial para a burguesia, seria bem atendido pelas iniciativas

missionárias.

Diferente do trabalho dos protestantes nas colônias de imigração, desde logo os

missionários americanos atuaram em espaços de concentração urbana. Os adventistas ensinam

os valores bíblicos e, desde 1896, em Curitiba, no Paraná, mantém pequenas escolas

paroquiais. Os batistas instalaram escolas nas capitais brasileiras.71 Os metodistas escolherem

cidades de porte médio, com grande potencial de desenvolvimento.72 Os presbiterianos

investiram fortemente na cidade de São Paulo, com o apoio das missões americanas chegadas

a partir da década de 1860. Já em 1870, é criado o colégio que viria a ser a primeira

universidade protestante brasileira, o Mackenzie. Além de estar no coração econômico

brasileiro, essa instituição tinha entre suas tarefas formar professoras para as escolas fundadas

pelas missões presbiterianas no Brasil. O objetivo da alfabetização, embora presente, é

secundário. A formação das elites para o país é o principal desafio dos missionários

protestantes.

No início do século XX, também o Sínodo Luterano Missúri marca presença no

Brasil e dá origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Esse passa a atuar em

concorrência com os pastores do Sínodo Riograndense, os quais, embora em maior número,

70 Cf. HACK, Osvaldo Henrique. Mackenzie College e o ensino superior brasileiro: uma proposta de universidade. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002. p. 40-47. 71 Nos primeiros anos das missões batistas, o interesse pela fundação de colégios e escolas foi secundário. Mas, após 15 anos, em 1898, surgiu o Colégio Americano, de Salvador. Na sequência, surgem os Colégios Batistas de São Paulo (1902), Recife (1906), Rio de Janeiro (1908) e vários outros. Cf. HACK, 2002, p. 62. 72 São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são o foco metodista. O início da atuação metodista está em 1875, por convite do então deputado provincial Prudente de Morais, republicano, que mais tarde tornou-se o primeiro governador do estado de São Paulo (1889-1890), e o terceiro presidente do Brasil, primeiro político civil a ocupar o cargo.

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ainda eram insuficientes para assistir aos imigrantes luteranos e seus descendentes no sul do

Brasil e no Espírito Santo. A exemplo das demais missões americanas, a educação desde logo

passa a ser um tema central na experiência evangelizadora missuriana, inclusive com a

formação de professores em terras brasileiras. No ano de 1900, junto com a chegada da

missão, surge a primeira escola paroquial. Em 1903, acontece a primeira experiência de

formação de professores. A formação de professores73 torna-se efetiva a partir de 1907, com a

abertura, em Porto Alegre, do que viria a ser o Seminário Concórdia.74

O protestantismo histórico brasileiro, de duas vertentes, teve no protestantismo de

missão seu braço em favor da esperança de ajudar a modificar o mundo, buscando o progresso

e a modernização, seguindo os interesses norte-americanos. Daí não ser estranho o surgimento

de escolas superiores, que se converteram em faculdades e universidades. Era uma resposta à

convicção da elite intelectual e política do país que se opunha ao modelo imperial. A

República, surgida no final do século XIX, imagina desenvolver o país sob as mesmas bases

conceituais dos Estados Unidos da América. O protestantismo de imigração respondia às

demandas das comunidades locais, das colônias. O apoio para se organizar coincide com o

início da República. O apoio aos descendentes de imigrantes, oriundo do Velho Continente,

confrontava-se de alguma forma ao pensamento que passaria a ser dominante no país. Quando

a organização do protestantismo de imigração atingiu um patamar mais robusto, a ideologia

que ele representava estava em desacordo com o pensamento predominante no país.

2.2.1 Escolas regulares ainda não têm...

A expulsão dos jesuítas, em decorrência da reforma pombalina de 1759, criou um

hiato na oferta educacional.75 Uma tentativa de organização da instrução primária apareceu

com a Constituição de 182476, que atribuía o ensino primário, sem qualquer critério, ao

73 Embora não se tenha encontrado registro explícito, nem nos dois principais estudos que tratam da formação de professores na IECLB, apresentado por HOPPEN, [1991] e por GOMES, 2005, parece que a experiência missuriana está intrinsecamente ligada à implantação de um Seminário para Formação de Professores no Sínodo Riograndense. A condição concorrencial, percebida como invasão no território do Sínodo Riograndense, por parte do Sínodo Missúri, exigia uma resposta ao reclamo vindo das comunidades por professores melhor formados ( com o apelo do pastor de Teutônia que dizia que um seminário era tão necessário quanto o pão de cada dia. Cf. HOPPEN, [1991?],p. 16). Desde a formação do Sínodo Riograndense, a formação de professores era reclamada, mas não se efetivava. Pode-se deduzir com facilidade que os professores formados pelo Seminário da IELB em Porto Alegre poderiam representar um risco “concorrencial” adicional nas comunidades. 74 Cf. BUSS, Paulo. Lutero no conceito do luteranismo brasileiro. In: HEIMANN, Leopoldo (Org.). Lutero, o educador. 1. ed. Canoas: ULBRA, 2005. v. 2, p. 39-79. 75 Os jesuítas retornaram lentamente a partir de 1849, portanto noventa anos após sua expulsão. Cf. RAMBO, Arthur Blasio. A escola comunitária teuto-brasileira. Caderno de Estudos. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 9. 76 Em verdade, foi uma reforma da Constituição, denominada Ato Adicional, em 1834.

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encargo das províncias, para que essas atuassem livremente de acordo com suas condições. A

instrução primária gratuita acessível a todos os cidadãos, constante na carta constitucional,

fracassou77, ao menos no alcance pretendido. Conforme Dreher78, em verdade, a Província

podia tomar medidas próprias no tocante à educação, mas sem condições práticas de executá-

las. Em decorrência disso, escolas foram criadas pelo poder público no sul do país, mas nunca

chegaram a funcionar. Não havia professores e muito menos uma diretriz educacional, com

métodos pedagógicos capazes de provocar mudança, por iniciativa do poder público, no

quadro do analfabetismo.

A preocupação dos imigrantes em garantir uma condição razoável de vida incluía a

educação para os filhos. Parecia presente na consciência coletiva que a prosperidade nas

desabitadas terras brasileiras dependia da educação. As estruturas legalmente previstas e as

promessas formuladas aos imigrantes de condições sociais equivalentes ao país de origem não

foram honradas. Para atender aos conceitos que os acompanhavam, os imigrantes partiram

para a improvisação. Willy Fuchs expressa sua visão sobre esse tempo:

Os imigrantes quando vieram não encontraram escola nenhuma, tiveram que lecionar em casa. Não queriam sucumbir culturalmente. A sobrevivência cultural dos imigrantes e dos filhos dos imigrantes foi justamente esse esforço e essa felicidade deles cuidarem da cultura e da religião também. Eles fizeram questão disto. E então nasceram as primeiras escolas em casas de família, primeiro, e depois nas comunidades juntaram-se e ministraram o essencial: ler, escrever e fazer contas. A linha básica.79

As palavras de Fuchs apontam para a inexistência de regularidade. As atividades

educacionais aconteciam quando outras estivessem atendidas. Por maior que fosse o

empenho, é importante salientar o ambiente hostil encontrado nos locais ocupados pelos

imigrantes. O idioma, o desconhecimento em relação às plantas nativas, os riscos de entrar em

contato com indígenas e o isolamento precisavam ser superados, visto que o caminho no

Brasil era sem volta. O surgimento das escolas nas picadas e povoamentos acontece de forma

natural, sem se constituir em um evento digno de registro especial. A criação da escola era

parte da estruturação da nova vida, decorrência da própria manutenção das tradições trazidas

de além-mar. Assim, não se encontra o registro preciso sobre o início de atividades. Esclarece

Lúcio Fleck:

Estava fundada a Escola Evangélica Duque de Caxias, hoje Instituto Sinodal Duque de Caxias. Qual a data da fundação? Não se sabe. Aconteceu num destes 180 dias do

77 Essa “oferta constitucional” certamente estava no rol das muitas feitas aos imigrantes, daí esses terem sua expectativa frustrada ao não ter escolas. A falta de escola era apenas mais uma promessa não cumprida, contribuindo para o descrédito e o descompromisso com o poder público. 78 Cf. DREHER, 2008, p. 31. 79 FUCHS, 2004.

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primeiro semestre, sem alarde nem grande propaganda, sem cerimônia de inauguração [...]. O nome do primeiro professor é desconhecido. Geralmente era um imigrante que perambulava pelas Picadas com dificuldade de adaptação ao novo ambiente, muitas vezes alcoólatra, ou mesmo um colono um pouco mais letrado, e que se frustrara na sua tarefa de agricultor.80

Sobre a situação do ensino e sobre as escolas nos primeiros cinquenta anos da

presença germânica no sul do Brasil já se tem razoáveis estudos de pesquisadores.

Invariavelmente eles apontam para essa condição de abandono. Em correspondência da

década de 1830, um imigrante escreve aos parentes moradores na Alemanha e atesta essa

frustração ao dizer que “escolas regulares como na Alemanha ainda não temos. As poucas

opções que existem distam tanto, que não podem ser frequentadas pelas nossas crianças, o que

nos obriga a nós mesmos proporcionar-lhes instrução da melhor forma possível”81. Tudo

estava por ser feito.

Durante todo o período que Klug82 chama de instalação do imigrante alemão na nova

terra, no Brasil, esse tem que canalizar seus esforços para sobreviver em uma terra

desconhecida e hostil. Nesses difíceis primeiros anos, o ensino fez parte das motivações

recíprocas dos imigrantes, dos pastores e “a escola brotou da convicção consciente de que sem

ela a tradição cultural e religiosa se achava seriamente comprometida”83. Os pastores

perceberam que teriam sérios problemas para cumprir seu papel de animar as comunidades na

fé sem uma escolaridade mínima. A falta de escolas – e sobretudo de professores – foi sendo

contornada na medida do possível, ora pelo ensino dos incapazes de atuar no trabalho braçal,

ora pelos próprios pastores.

Apesar de todo o esforço, houve impacto negativo junto aos colonos pela falta de

escolas, de regularidade e de professores. O conceito que os professores gozavam no

imaginário dos imigrantes foi atingido negativamente. Pessoas despreparadas e sem a

necessária qualificação causaram prejuízo no conceito dos professores em geral. A

comunidade só podia contar com ela própria para evitar a deculturação. O princípio determina

a essência. Todos estavam comprometidos com a escola, para ficar no tema que mais nos

interessa aqui. As características peculiares de organização permearam as gerações seguintes,

com a autonomia das comunidades sobre as escolas. Esse princípio reforçou sobremaneira a

importância da comunidade na vida das pessoas, com o descrédito ao que vinha externamente.

80 FLECK, Lucio. Sereis minhas testemunhas. [Sapiranga]: Edição do autor, 2001. p. 108. 81 HOPPEN, Arnildo. Formação de Professores Evangélicos no Rio Grande do Sul: I parte (1909-1939). São Leopoldo: Edição do autor, [1991?]. p. 11. 82 KLUG, 1997, p. 70. 83 RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira: Gênese e Natureza. Estudos Leopoldenses, Série Filosofia, São Leopoldo, n, 86, p. 44, 1985.

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2.2.2 Escolas em torno do Sínodo Riograndense

O Sínodo Riograndense foi fundado em 1886. Sua atuação junto às escolas foi mais

abrangente que a de outros sínodos, embora nesses haja casos de relevante interesse.84 O

Sínodo Riograndense foi decisivo no fomento e na valorização dos professores, estabelecendo

uma conexão entre a vivência de fé e o ensino. Nas palavras de Dreher, sua fundação deu “ao

protestantismo do Rio Grande do Sul a oportunidade de se apresentar como uma unidade

diante das autoridades civis e assumir tarefas como o serviço de pregação itinerante, escolas e

instituições de missão interna”85.

O tema da educação esteve sempre na pauta desse sínodo, tendo como um de seus

mandamentos estatutários servir “como elemento de união entre as comunidades da Província

do Rio Grande do Sul, para zelar pela boa ordem nas comunidades evangélicas e representar

seus interesses relacionados à igreja e à escola”86. A preocupação desse sínodo com a causa

da educação fica evidente em vários episódios: ao assumir o que é hoje a Fundação

Evangélica, em Novo Hamburgo, em 1895; ao passar a manter uma escola na cidade de Santa

Cruz do Sul, em 1897, local onde, em 1910, passa a acontecer a formação de professores; e

naquilo que é seu principal legado: a fundação, em 1909, do Seminário Evangélico de

Formação de Professores na cidade de Taquari. A organização desse sínodo conferiu impulso

ao sistema educacional entre os imigrantes evangélicos luteranos no Rio Grande do Sul.

A chegada de pastores com pretensão de organização supracomunitária não tem

aceitação pacífica. A organização em torno do sínodo é contestada nas comunidades. A defesa

de interesses locais (pessoais) é parte da vida constitutiva da comunidade. Muitos espaços

haviam sido ocupados por pastores de emergência, e em alguns desses houve confronto com

os novos pastores. Gertz87 descreve que, nas comunidades, alegava-se a liberdade oferecida

pelo Brasil como forma de justificar não receber “lições” de pastores. Também a pesquisadora

Isabel Arendt reforça esse entendimento. A publicação comemorativa do Sínodo

Riograndense pelo centenário da imigração alemã nominava um conjunto de escolas como

sendo do sínodo. Contudo, essa afirmação foi contestada pela Associação de Professores

Evangélicos no Rio Grande do Sul, reivindicando que a escola comunitária somente poderia

84 Klug faz um estudo sobre o impacto da escola teuto-brasileira evangélico-luterana no processo de modernização de Santa Catarina. Cf. KLUG, 2007. 85 DREHER, 2003, p. 17. 86 Der Deutsche Ansiedler, apud ARENDT, Isabel Cristina. Educação, Religião e Identidade Étnica: o Allgemeine Lehrerzeitung e a escola evangélica alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Oikos, 2008, p. 24. 87 GERTZ, Rene. Resultados políticos do projeto de imigração e colonização no Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.renegertz.com/resultados-politicos-do-projeto-de-imigracao-e-colonizacao-no-rio-grande-do-sul#_ednref10>. Acesso em: 10 maio 2010.

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crescer “estando em nível de igualdade em relação à igreja, não de subordinação a ela”88. Esse

ponto fica claro quando Arendt descreve a perspectiva das escolas quando da fundação do

Sínodo Riograndense:

A resistência, no entanto, está presente, inclusive na Primeira Assembléia Ordinária do Sínodo Riograndense, ocorrida em maio de 1887. As comunidades evangélicas já haviam se organizado Comunidades Escolares [Schulgemeinden] ou Sociedades Escolares [Schulvereine] para suprir a necessidade de escolas e passam a questionar a possível subordinação destas ao Sínodo [Riograndense].89

Com iniciativas mais ou menos bem-sucedidas, ao lado da organização de uma

igreja, constitui-se um sistema escolar que, em suma, pretendia oferecer às comunidades

apoio na tarefa de educar seus filhos. Exemplo concreto disso está no estudo de Derti Jost

Gomes sobre o Seminário Evangélico de Formação de Professores, em que a pesquisadora

afirma que a criação do Sínodo Riograndense levou a que esse apoiasse as escolas

comunitárias, fundando, em 1901, a Associação de Professores Alemães. Mais tarde, em

1909, surge o Seminário de Formação de Professores, igualmente com o intuito de “criar um

Seminário para a formação de professores e pregadores para a Igreja, para suprir o grande

número de vagas no pastorado e no magistério”90. O Seminário teve a tarefa de abastecer com

professores as escolas rurais instaladas no seio das comunidades das colônias de descendentes

de imigrantes alemães luteranos. As lideranças perceberam que

para terem escolas autênticas, seria necessário formar obreiros teuto-brasileiros do seu meio. Para formá-los, havia necessidade de criar e manter as respectivas instituições. Esse era o ponto nevrálgico, pois exigia sacrifícios materiais além de uma visão que transcendia a própria comunidade. A conseqüência foi que as escolas para formação de professores e pastores surgiram na hoje IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) apenas em 1909 e 1921.91

As dificuldades financeiras de organização do Seminário passaram a ser contornadas

com auxílio externo. O papel que esse poderia desempenhar na vida na colônia alemã desperta

interesse. O objetivo de cultivar a língua alemã, os costumes e a ligação cultural com o país de

origem fez com que a Sociedade Evangélica de Barmen e o Conselho Superior da Igreja da

Prússia assumissem inclusive déficits do orçamento do Seminário de Professores. Esses

movimentos levaram a um aumento na procura de jovens pelo seminário e a um florescimento

no ensino entre alemães luteranos. De cerca de 150 escolas na virada para o século XX,

ocorreu um salto para 413 escolas no ano de 1924, centenário da imigração alemã. Ao lado da

88 ARENDT, 2008, p. 209. 89 ARENDT, 2008, p. 25. 90 GOMES, 2005, p. 88. 91 HOPPEN, [1991?], p. 9.

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expansão de escolas, também o ensino deveria ser melhor. Interessante constar a avaliação de

Dorival Fleck sobre isso:

Neste ano, 1924, foi criado o Departamento de Ensino do Sínodo, com tarefas muito abrangentes. Estabeleceu-se, então, como pré-requisito para a admissão ao Ensino Confirmatório, a conclusão de quatro anos de escolarização. Mesmo que isso nunca tenha funcionado de fato, fica o registro de que foi o Sínodo Riograndense a primeira instância a fixar uma espécie de escolarização mínima no Brasil.92

O fomento à organização de um sistema educacional no âmbito do sínodo encontra

melhor sentido quando entendido no contexto religioso da virada para o século XX. Ainda

que sejam registrados alguns momentos de colaboração entre alemães católicos e protestantes,

havia uma clara disputa entre ambos. O Projeto de Restauração Católica, que, no caso do Rio

Grande do Sul, contou com o trabalho dos padres jesuítas, estava em pleno curso. Considere-

se ainda que os jesuítas no Rio Grande do Sul haviam sido expulsos da Prússia no conflito

denominado Kulturkampf93. Entre as providências dos jesuítas no sul do Brasil, eles

“organizaram uma rede de apoio a essas escolas paroquiais”94. A formação de professores

(1890) e a própria associação de professores católicos (1892) são anteriores aos seus similares

evangélico-luteranos.

Parece que a imposição de desafios grandiosos levou a conquistas importantes dos

evangélico-luteranos. Com professores formados e o apoio da igreja-mãe na Europa Central,

as escolas comunitárias aumentaram significativamente. Segundo Streck95, em 1934, eram

513 escolas, com 589 professores e 17177 alunos na área do Sínodo Riograndense. Gomes96

aponta para 570 escolas em 1935. Esses números levaram a iniciativas que pudessem oferecer

novas possibilidades aos descendentes de alemães. Isso levou à criação do Colégio Sinodal,

no ano de 1936, como forma de oferecer formação para que as lideranças leigas das

comunidades pudessem acessar o ensino universitário.

92 FLECK, Dorival Adair. Luteranismo e Educação. In: GOLDMEYER, Marguit Carmem; WACHS, Manfredo Carlos; MALSCHITZKY, Gustavo (Orgs.). Luteranismo e educação: reflexões. São Leopoldo: Rede Sinodal de Educação; Sinodal, 2006. p. 32. 93 Movimento de natureza essencialmente nacionalista desencadeado por Otto Bismarck a partir de 1870, que não via com simpatia o apoio que parcela importante do clero católico alemão dava em favor dos direitos dos estados da Alemanha meridional, aos alsacianos e à minoria polonesa. O interesse em obter apoio dos "nacional-liberais" para as bases do novo império estaria sujeito à oposição do papa. Em consequência, houve a promulgação, entre 1872 e 1875, de uma série de leis e decretos que levou a eliminar inteiramente qualquer capacidade de influência da Igreja Católica na vida pública da Alemanha. Tratou de obter a expulsão do país da Companhia de Jesus, colocou todos os seminários católicos sob o controle do Estado e promulgou as "Leis de Maio", que autorizavam o governo a regular a nomeação de bispos e padres. 94 ARENDT, 2008, p. 20. 95 STRECK, Gisela I. W. Escola comunitária: fundamentos e identidade. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 90. 96 GOMES, 2005, p. 55.

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2.2.3 A Segunda Guerra Mundial: um tempo de transformação

A nacionalização é um período decisivo para a compreensão dos rumos da educação

vinculada à Igreja. A iniciativa oficial levou ao fechamento de praticamente todas as

instituições. A nacionalização está associada aos anos de 193897 e 1939, com os decretos

estaduais e federais que impuseram restrições ao uso da língua estrangeira e ao uso de

determinados materiais didáticos, proibição aos estrangeiros de serem diretores, além da

exigência do registro de escolas nas secretarias estaduais que abrigavam a pasta da educação.

Através da Campanha de Nacionalização do Ensino, estabeleceu-se um processo intimidatório

e, não raro, violento.98

A Segunda Guerra Mundial serviu ao adequado intento de pôr fim a um tema que

preocupava as autoridades brasileiras há mais tempo. A formação de grandes núcleos

germânicos despertou o temor em relação à presença de alemães no Brasil de parte das

autoridades brasileiras. Dreher consegue sintetizar isso da seguinte forma:

A questão das escolas localizadas em áreas de imigração alemã e depois italiana preocupou as autoridades governamentais. As crianças destas áreas não estariam a aprender a língua nacional. Em maio de 1864, o Governo Provincial, através da Lei nº 579, oferecia remuneração especial para os professores que lecionassem em língua portuguesa nas áreas de imigração. Não houve pessoas habilitadas. O governo positivista republicano buscou fazer frente a essa situação abrindo escolas públicas nas áreas de imigração. Como fossem gratuitas, passaram a concorrer com as escolas privadas e paroquiais, atraindo parcela dos descontentes de imigrantes. Desde 1918, o governo federal daria subvenções para a nacionalização do ensino.99

As quase 700 escolas evangélico-luteranas100 do Rio Grande do Sul e de Santa

Catarina e também as comunidades teuto-católicas foram atingidas. A nacionalização é o fim

do tipo de sistema de educação da escola particular101 que nasceu como afirmação cultural do

imigrante no Brasil. Chegara ao fim o modelo de escola comunitária em que para lecionar

97 Em Santa Catarina, o Decreto Estadual nº 88, de 31 de março de 1938, foi o primeiro desse período final da nacionalização. Cf. KLUG, 1997. Embora não determinando o fechamento das instituições, o nível de exigências era tão alto, que o encerramento das atividades era o único caminho. No Rio Grande do Sul, também dois decretos, um primeiro em abril e outro em maio, foram impondo restrições quando ao uso do idioma, inclusive exigindo que professores e diretores fossem brasileiros natos. Cf. DREHER, 2008. 98 Cf. RISTOW, Arno. Educação: história ilustrada de um ideal. Florianópolis: IOESC, 1999. 99 DREHER, 2008, p 82-83. 100 Dreher expõe um quadro estatístico de que, em 1931, havia 549 escolas vinculadas ao Sínodo Riograndense e 116 ao Sínodo Evangélico de Santa Catarina. Cf. DREHER, 2008, p. 25. 101 Essa escola recebeu diversos nomes, desde “Gemeindeschule”, que é o termo que o autor entende mais apropriado para a maioria das instituições, mas também de “Kolonieschule”, “Schulgemeinde”, teuto-brasileira, alemã, até outros nomes, como “Synodalschulen”.

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bastava anunciar disposição. Abrir uma escola sem qualquer prescrição do Governo102 não era

mais possível a partir da nacionalização.

A escola comunitária, portanto, não se revestia de um valor em si. Fora encarregada pela família e pela comunidade, como expressão formal e grupal da vontade dos pais, para se responsabilizar pela complementação da educação. Não lhe cabia a tarefa e muito menos o direito de dizer o que ensinar, nem o como ensinar, nem até que ponto os limites dos conteúdos e a própria estratégia didático-pedagógica, emanavam, em última análise, da vontade e dos direitos dos pais, expressa pela comunidade. A comunidade zelava pelo conteúdo programático e acompanhava de perto a correta execução pelo professor. Escolhia o professor, credenciava-o, sustentava-o, amparava-o e o demitia, quando a conveniência e educação dos filhos assim o exigiam.103

Após a Segunda Guerra, o sistema educacional construído junto às colônias alemãs,

que atuou supletivamente ao Estado, deveria dar lugar à rede pública. As escolas, ainda que

confessional ou culturalmente identificadas, reabertas após o regime do Estado Novo, já

funcionam sob outra égide. As proibições, em menor ou maior grau nos Estados brasileiros,

não permitiam a continuidade do ensino sem que houvesse registro junto às secretarias

estaduais. O maior óbice foi proibir o ensino no idioma alemão, principal forma de

comunicação entre os descendentes alemães. Pesquisadores, como Arthur Rambo, falam que a

“nacionalização intempestiva resultou de fato numa quase geração de analfabetos”104. O

Estado, que até então abandonara a educação, ensaiou o que ele pretende ser desde então: o

único a ter competência sobre essa área. A responsabilidade do poder público em garantir

educação foi a justificativa para essa posição. O receio de que a escola de iniciativa

comunitária entre os imigrantes pudesse se constituir em espaço de disseminação de ideias

separatistas parece ser o verdadeiro motivo. Há razões para deduzir que o contexto histórico

era apropriado para que esses riscos fossem contidos.

Após a guerra, o Sínodo Riograndense passa a dar assistência às escolas do interior

interessadas em reabrir estabelecimentos fechados. Segundo Lucio Fleck, essa tarefa coube ao

professor Willy Fuchs.

Para o Prof. Willy Fuchs começou uma luta inglória. Teve que assumir, por correspondência, a direção de escolas como as de Marcelino Ramos e Panambi, que perderam seus diretores por serem estrangeiros. Muitos professores abandonaram a sua profissão. A falta de docentes era muito grande. Fuchs teve que apelar a grupos de juventude para suprir as necessidades das escolas.105

102 FUCHS, 1999 apud BEHS, Edelberto. O processo de abrasileiramento da “Igreja dos Alemães”. Florianópolis: UFSC, 2001. p. 38. 103 RAMBO, 1985, p. 43. 104 RAMBO, 1984, p. 68. 105 FLECK, 2001, p. 172.

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Como se vê, as comunidades rurais, as que mais necessitavam das escolas, foram

atingidas de morte no seu ímpeto de manter escolas. No final dos anos 1940 e início dos anos

1950, algumas escolas primárias restauradas transformam-se em ginásios e colégios. O

atendimento em nível médio – e não somente alfabetização – foi a tentativa de responder a um

novo contexto. O poder público se ocuparia com a educação primária, à Igreja restaria atuar

onde o Estado não dava conta da demanda. Essas escolas caberiam em espaços urbanos, onde

a Igreja se movia com muita dificuldade. Escolas maiores trouxeram novos desafios e novas

formas de organização. Entre essas, surgiu a discussão também sobre o ensino superior. Esse

tema passara a ser assunto na década de 1930 no país, como vimos no capítulo anterior. Seus

desdobramentos dentro da IECLB serão abordados nos dois capítulos seguintes.

2.3 O associativismo e o comunitário

O associativismo era mesmo um movimento no contexto protestante – e católico,

com associativismo cristão106 – do final do século XVIII e no século XIX. Contudo, o

movimento associativista do protestantismo da imigração e colonização alemã no Brasil é

essencialmente de fora para dentro. No caso do protestantismo luterano, o apoio à diáspora

levou a que sociedades alemãs enviassem pastores e professores e a partir deles trabalhassem

na organização de estruturas associativas entre os colonos. Nesse contexto estão a chegada do

pastor Hermann Borchard ao sul do país, em 1864, e a tentativa de formação de um primeiro

sínodo, em 1868, agrupando comunidades e igrejas que já possuíam sua caminhada conjunta.

De fato, apenas em 1886 esse propósito tem sucesso, já sob a liderança do pastor Wilhelm

Rotermund, fundando o Sínodo Riograndense. Essa experiência associativa religiosa é a

primeira de maior vulto. O impulso associativista, quando chega ao país, encontra uma

comunidade estabelecida.

Desprovidos, os imigrantes cultivavam poucos direitos, sendo tolerados como

estrangeiros. A maioria dos imigrantes era de protestantes que chegavam a um país católico.

Tolerados, os protestantes tiveram dificuldades em manter a sua fé. A religião constitui-se em

meio de socialização. A comunidade dos colonos representava uma forma de enfrentar

problemas. Era necessário para prover educação aos filhos, gerar algum comércio dos

106 Cf. SCHALLENBERGER, Ernesto. O associativismo cristão no Sul do Brasil: a contribuição da Sociedade União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a organização e o desenvolvimento social sul-brasileiro. Porto Alegre: PUCRS, 2001.

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produtos, socorrer-se em caso de enfermidade, até dispor de um cemitério para os mortos.

Lúcia Schneider Hardt descreve essa situação da seguinte forma:

Os imigrantes, desde a sua chegada até 1840 aproximadamente, sobreviveram à custa de uma agricultura de subsistência, praticamente sem receber auxílios. Cultivavam diversos produtos, e a mão-de-obra era familiar. Em caso de necessidade, havia a colaboração entre vizinhos. Assim, pouco a pouco, começam a surgir núcleos coloniais um tanto “fechados” em si mesmos.107

O protestantismo de imigração praticamente não tinha ênfase missionária. Este país

pretendia ocupar território com a alocação de colonos em certas áreas de terra. A chegada dos

imigrantes não tinha motivação religiosa, tanto que vieram alemães protestantes e católicos. A

igreja formada pelos colonos era para a manutenção de costumes e práticas religiosas, sem

motivação proselitista ou ideológica. Aliás, a prática proselitista sempre foi condenada entre

os imigrantes, porque “a confissão estava ligada à região (cuius regio, eius religio, no

domínio de um príncipe todos deviam seguir a religião dele)”108. Sua organização era baseada

na necessidade de atender a todos que estavam nas imediações que se poderiam percorrer a pé

ou a cavalo. Não havia rigor formal. Esse contexto da organização das comunidades rurais,

que se estabelece pela necessidade de sobreviver, amalgamou de forma peculiar as relações

do povo que teve sua vertente na etnicidade, pela língua e tradições que preservaram.

Dreher109 define a organização dos imigrantes em torno dos eixos religião, escola, agricultura

e arte e diversões. Não havia em torno disso qualquer rigor associativo formal.

O período entre a fundação do Sínodo Riograndense e a política da nacionalização,

em 1939, é aquele onde o associativismo rende seus maiores frutos. São desse período as

iniciativas que projetam a criação de instâncias com maior articulação, especialmente aquelas

relacionadas ao país de origem. As pesquisas que trataram do tema apontam que a

organização da igreja e o fomento ao ensino eram a forma de manter o vínculo com o país de

origem. O propósito foi de manter uma colônia alemã no Brasil suficientemente estruturada

para defender o assim chamado “Deutsches Volkstum”. Desse período de pouco mais de

cinquenta anos são os “Vereine”, as associações voltadas às escolas. As “Gemeinde”,

comunidades, são dos outros quase setenta anos de presença dos descendentes luteranos no

Brasil no século XIX. As “Gemeinde” são valorizadas entre evangélico-luteranos após a

Segunda Guerra. Não há um rigor temporal na separação da nomenclatura entre “associação”,

Verein, e a “comunidade”, Gemeinde, mas há um princípio que norteia os diferentes períodos. 107 HARDT, Lúcia Schneider. Germanidade e Cidadania: a escola na trajetória da comunidade. In: SPERB, Angela Tereza (Org.). Sal da Terra: 160 anos da Comunidade e Escola Evangélica de Campo Bom. Canoas: Escola Profissional La Salle, Gráfica Editora, 1992. p. 47. 108 KLIEWER, 2007, p. 148. 109 DREHER, 2008, p. 34.

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Enquanto os princípios associativos tinham clara separação interna de membros e sua

vinculação dirigida a determinados propósitos, as Gemeinde têm uma demanda em torno da

qual todos se unem. Na associação, pessoas determinam uma causa. Na comunidade, uma

causa mobiliza pessoas. E, nesse sentido, a história da educação no contexto das colônias de

imigração avançou, ordinariamente em estreito vínculo com a igreja, quando uma causa

mobilizava as pessoas. O analfabetismo, que ninguém combatia, mobilizou as comunidades.

O ensino superior, sempre alvo de maior atenção por parte do Estado brasileiro, nunca

mobilizou verdadeiramente as comunidades, mesmo que isso fosse uma defesa do reformador

Lutero. Interessante é observar o texto da Conferência Sul-Americana de Líderes da Igreja

Evangélica, ocorrido em julho de 1935, localizado por João Klug:

Nós precisamos escolas comunitárias evangélicas [...] não associações escolares, mas escolas comunitárias são necessárias em nossa época [...] Onde o pastor não dedica atenção aos assuntos escolares, ali o trabalho da comunidade não progride.110

A organização dos imigrantes em comunidade ultrapassa o formato associativo. Do

ponto de vista formal, isso é assim porque a organização de comunidade não é externa, mas é

um movimento de dentro dela própria, portanto uma forma intencional da vida das pessoas

que dela participam. Do ponto de vista prático, porque ultrapassa o da associação em seu

propósito. A comunidade é resultado da condição essencialmente social e política do ser

humano. O apelo contido no texto dessa conferência reconhece que a vida na comunidade é

entrelaçada de tal forma, que, interdependentes, precisa de outras condicionantes para se

manter. É o imperativo do interesse comum determinando valores e compromissos comuns da

vida para as colônias rurais. A associação é uma mobilização em favor de uma utopia, o que

deixa vago o objetivo a alcançar. A vida comunitária passa a ter forma quando ela enfrenta

temas da vida das pessoas, como construção de cidadania, trabalho e educação. No caso dos

imigrantes, é comunidade de fé que atua também com a razão. Ela procura se manter distante

da associação para além da sua comunidade. Quando muito, esse tipo de relacionamento serve

para suprir algo que não se alcança na comunidade. Esse suprimento, contudo, sofre enormes

resistências quando representa qualquer ataque à autonomia da comunidade.

Imigrantes protestantes e católicos caminharam em sua estruturação de forma muito

semelhante durante os primeiros cem anos no Brasil. Ambos formaram comunidades,

organizando-se, nos primeiros anos, em função de suas necessidades. O fomento pelas

sociedades alemãs e congregações religiosas deu início ao associativismo mais amplo. Com a

110 Konferenz der Ständigen Vertreter der Deutschen Evang. Kirche in Südamerika – ab 1935, (EZA 5/2055) apud KLUG, 1997, p. 85.

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nacionalização, os caminhos deixaram de ser paralelos. Tendo em vista a particularidade

eclesiástica, as comunidades evangélico-luteranas retomaram mais acentuadamente a essência

surgida no período da estruturação da vida no Brasil. Os católicos tiveram uma figura

agregadora maior. Na educação, enquanto os católicos passaram a manter escolas por

congregações, como maristas, lassalistas, salesianos, franciscanos e tantos outros, os

evangélico-luteranos deixaram essa tarefa ao nível local, sem maior interferência da Igreja.

A IECLB, não se pode esquecer, é a igreja territorial, a “Volkskirche”. Em torno de

uma comunidade, seu povo fez a escola, inclusive para manter a liturgia do culto. Ela tem

dificuldades para se movimentar por motivações externas. Quem se movimenta é o povo. A

necessidade transforma-se em característica. Os traços típicos da “igreja do povo alemão”

foram se perdendo e isso gerou a crise que chega aos dias atuais.111 Nas conjunturas

desfavoráveis, as estruturas podem servir de alento para a manutenção da identidade. No

esforço de construção de uma igreja luterana no Brasil, a história em educação, se pudesse ter

sido mantida, poderia auxiliar. Contudo, também o sistema escolar relativamente sofisticado

para o meio rural, ao se tornar urbano, encontrou sua crise nesse espaço. A cidade precisa da

academia, do ensino superior, que essa Igreja cogitou oferecer e, como veremos adiante, não

teve fôlego para fixar. A cultura eclesiástica de responder à necessidade do seu povo retirou

da pauta o tema da educação básica nos anos de constituição da IECLB. Nesse tempo,

administrava-se a herança, mas não se investiu em novas possibilidades educacionais. O

poder público agora oferecia ensino básico, a alfabetização. Também o ensino superior não

era uma dificuldade, então abastecido pelo poder público ou completado em um esforço que

envolvia as pessoas para além da Igreja, tendo como resultado o ensino comunitário na forma

vista no capítulo anterior.

As comunidades identificadas em torno da IECLB, particularmente no quesito da

educação para a alfabetização, desenvolveram ao longo de sua história no Brasil, de fato, o

conceito hoje em uso do público não-estatal. O modelo gestado pelas comunidades de

imigrantes, no caso protestante, foi defendido e mantido, apesar das várias tentativas de

modificar esse modelo. Para além do associativismo, mesmo no período em que ele se

manifestou mais consistentemente, as prioridades e tarefas públicas eram decididas pelos

membros das comunidades, os quais cuidavam para que essas fossem exitosas. Instâncias com

maior articulação, típicas do associativismo – e de contextos mais complexos para a vida em

sociedade, como são os espaços urbanos –, sofreram resistências.

111 Cf. KLIEWER, 2007, p. 144.

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3 O ENSINO SUPERIOR EM PAUTA

A formação superior na Igreja teve como primeira experiência a Faculdade de

Teologia. Em 1946, o Sínodo Riograndense atende a um anseio de longa data. Ele passa a

oferecer formação teológica em nível superior no Brasil. Tratou-se de um empreendimento

que exigiu grande esforço e mobilização de recursos. Essa iniciativa revela vontade de

integração da Igreja no cenário brasileiro. Apesar de ser uma escola superior, ela não pode ser

tomada como a criação de faculdade, no sentido que este trabalho descreve, porque

precipuamente a teologia só foi reconhecida como curso superior no final da década de 1990.

Essa experiência foi, de fato, a constituição de um seminário. E essa era uma prioridade da

Igreja.

3.1 O sistema educacional e a qualificação de professores

O sistema educacional evangélico-luterano atingira seu apogeu na década de 1930,

quando teve sua trajetória interrompida. A política da tolerância, instalada no século XIX,

persistiu até 1938. A partir daí, as aulas deveriam ser ministradas em Língua Portuguesa e a

escola dirigida por um brasileiro nato. Professores e escolas precisavam ser registrados. Essa

atitude obrigou ao fechamento da maior parte das escolas primárias. Os professores

estrangeiros tiveram limitações para trabalhar e não havia professores brasileiros em número

suficiente para responder às necessidades.

Como parte dos festejos do cinquentenário do Sínodo Riograndense, o Concílio

Geral de 1935, em uma proposta dos representantes leigos, decidiu criar uma escola

secundária. E em 1936 surgia o Ginásio Sinodal, logo denominado Colégio. A lenta

reabertura das escolas primárias, a partir de 1945, foi acompanhada pela abertura de escolas

secundárias. Inspirados pelo modelo do Colégio Sinodal, emergiam escolas secundárias de

caráter regional. O então diretor do Departamento de Ensino do Sínodo Riograndense,

professor Willy Fuchs, lembra que esse setor auxiliava no provimento de professores,

assessorava as escolas no seu processo de regularização perante o órgão fiscalizador do Rio

Grande do Sul, “na Diretoria da Instituição Pública”112. Fuchs diz que “o ensino secundário

nasceu nos fins da década de 40, quer dizer, a expansão do ensino secundário. Em fins da

112 HOPPEN, [1991?], p. 61.

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década de 40, por exemplo, em Panambi, o Ginásio Evangélico de Panambi, em 47, 48. Em

Ijuí foi logo em seguida e assim por diante”.113

Em 12 de outubro de 1952, quando estavam constituídos doze estabelecimentos

secundários no âmbito do Sínodo Riograndense, surge o Centro de Diretores de

Estabelecimentos de Ensino Secundário (CDEES), em uma entidade que congregou

lideranças dos estabelecimentos, como associação dos diretores de escolas secundárias de

tradição evangélico-luterana. Embora sem caráter oficial, ou seja, não integrada ao

organograma da Igreja, essa entidade fez pelas escolas secundárias o que o Departamento de

Ensino do Sínodo fez pelas escolas primárias. O CDEES e o Departamento de Educação

assumiam conjuntamente a manutenção de um diretor para o trabalho executivo.

Em 1956, na fase de consolidação dos ginásios congregados pelo CDEES, explode a

discussão sobre a falta de docentes. No 3º Congresso dos Professores Secundários

Evangélicos, em Ijuí, os 14114 estabelecimentos filiados lançam um “brado de alerta aos pais e

demais interessados”115 por conta da falta de professores. A ampliação do número de alunos e

estabelecimentos estava inviabilizada porque não havia professores para o exercício do

magistério nas escolas. O pequeno contingente de alunos formados nos cursos de filosofia é

atribuído à baixa remuneração dos docentes.

O problema vinha se apresentando progressivamente. Em um relatório apresentado

em 1954, o pastor Rodolpho Saenger, diretor do Colégio Sinodal e então presidente do

CDEES, apontava como três as principais tarefas desse centro: orientação dos

estabelecimentos, formação e vocação dos professores e garantia de uma vida socialmente

despreocupada dos docentes. Por ocasião desse relatório, surge o registro mais remoto a

respeito de uma faculdade da Igreja: “A formação de professores secundários, mesmo se

excluirmos por inoperante a idéia da criação de uma Faculdade de Filosofia própria, constitui

o problema que consideramos vital por excelência, se quisermos sobreviver”116.

A primeira alternativa concreta foi a constituição de um Fundo de Formação de

Professores Evangélicos, o qual recolhia 1% (um por cento) da receita das instituições

113 FUCHS, 2004. 114 Instituto Pré-Teológico, Colégio Sinodal, Escola Técnica de Comércio “São Leopoldo”, Escola Normal Evangélica, de São Leopoldo; Fundação Evangélica, Ginásio Pindorama, de Novo Hamburgo; Escola Normal e Ginásio Martin Luther, de Estrela; Ginásio e ETC Alberto Torres, de Lajeado, Colégio e ETC Mauá, de Santa Cruz do Sul; Colégio Augusto Pestana, de Ijuí; Ginásio e ETC Sinodal, de Panambi; Ginásio e ETC Júlio de Castilho, de Marcelino Ramos; Escola Agrícola, de Teutônia; Ginásio da Paz, de Porto Alegre. 115 CDEES. [Carta]. jul. 1956. (DEIECLB, caixa 9). 116 RELATÓRIO do Rev. R. Saenger, apresentado à Assembleia Geral do CDEES, em 10 de Fevereiro de 1954. (DEIECLB, caixa 68).

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filiadas, destinando-o aos interessados em ingressar no magistério. Cabia aos próprios

diretores motivar alunos de seus estabelecimentos a buscarem uma Faculdade de Filosofia.117

Durante o acima referido 3º Congresso, em Ijuí, a discussão sobre a falta de docentes

atinge seu ápice, em uma Assembleia Extraordinária do CDEES. O então presidente,

professor Friedhold Altmann, e o secretário, professor Wilmar Keller, em 21 de dezembro de

1956, expedem carta ao presidente e membros da diretoria do Sínodo Riograndense. Lê-se:

Em Assembléia Geral Extraordinária, realizada em Ijuí, no dia 3 de julho do corrente ano, por ocasião do 3º Congresso dos Professores Evangélicos do Ensino Secundário, o Centro de Diretores Evangélicos (CDEES) apreciou duas moções, a primeira assinada pelo Rev. Rodolpho Saenger e a segunda pelas diretorias da Comunidade Evangélica e do Colégio Evangélico Augusto Pestana de Ijuí, versando ambas o mesmo assunto, ou seja, o estudo da possibilidade da instalação de uma Faculdade Evangélica de Filosofia por nossa Igreja, ou então, em comunhão com outras igrejas evangélicas do Estado.118

O Sínodo Riograndense cria a comissão de estudos para dar parecer sobre esse

assunto. Paradoxalmente, incumbe a presidência ao próprio pastor Saenger, o autor de uma

das moções. Essa comissão é composta pelos professores Kurt G. Schmeling, Hans G.

Naumann, Guilherme F. Rotermund e os pastores Heinrich Höhn e Karl E. Neisel. A

comissão é chamada em 07 de fevereiro de 1957 e se reúne no dia 12 de fevereiro,

apresentando imediatamente dois pareceres, “considerando cumprido plenamente o seu

mandato”119, com a remessa dos dois pareceres à diretoria do sínodo. Nesse momento,

ofereceu-se a primeira decisão formal no âmbito da Igreja sobre o ensino superior, iniciando

uma discussão que se arrastaria por mais de trinta anos.120

A liderança do pastor Saenger parecia adequada para essa discussão naquele

momento. Além de diretor, ele também era professor da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (UFRGS) e conhecedor da realidade do ensino superior do período na condição de

docente. Responsável pela implantação da primeira escola secundária no âmbito do Sínodo

Riograndense, o então Ginásio Sinodal, orientava-o fortemente a qualidade na formação das

pessoas. O Sinodal, desde a sua criação em 1936, rapidamente constitui-se em referencial para

a Igreja, no qual outros estabelecimentos se inspiravam para a oferta do ensino secundário. O

Sinodal ganhou renome nacional por conta de uma proposta ousada que, paralelamente ao

117 Cf. REGULAMENTO do Fundo de Formação de Professores Secundários Evangélicos, de 06 de fevereiro de 1955. (DEIECLB, caixa 68). 118 CDEES. [Carta]. 21 dez. 1956. (DEIECLB, caixa 68). 119 PARECER 1, de 12 fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 27). 120 Em 1987, o Conselho de Educação da IECLB posiciona-se a respeito de moção conciliar e é pela recomendação de que ele adote uma política de incentivo ao surgimento de estabelecimentos de ensino de nível superior, mantidos por instituições evangélicas. Porém, o cenário educacional possibilitou que apenas em 1996 fosse criada uma instituição, o Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina, em Joinville, SC. Cf. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 101).

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ensino, propunha uma ampla formação às pessoas, capacitando-as à liderança em suas

comunidades. Segundo o entendimento do pastor Saenger, a qualidade da proposta de ensino

é o que justificava a atuação da Igreja no setor educacional. Essa era a tônica no Colégio

Sinodal. Willy Fuchs lembra:

Então o centro de diretores encarregou uma comissão, um grupo de 3 ou 4 pessoas, eu acho que de 3, para examinar profundamente a criação, quer dizer, a existência de uma Faculdade de Filosofia aqui no Morro do Espelho por parte da Igreja. E a voz principal nessa comissão foi dada pelo pastor Saenger. E o pastor Saenger era meio rigoroso, meio exigente. Era professor da UFRGS em Porto Alegre e conhecia o funcionamento de um curso superior na UFRGS e o resultado final dessa comissão foi de que concluíram que não convinha criar uma faculdade fraca, de menos recursos, e também de menos capacidade, uma Faculdade de Filosofia, própria, única aqui em São Leopoldo. Que não convinha formar uma faculdade que não fosse de mão cheia. Uma faculdade de grande produção. Essa exigência o pastor Saenger colocava. Ele defendia essa tese de que importa era uma faculdade que tinha uma ótima produção para se manter e para ser reconhecida pelo público pelo seu valor. Então essa comissão achou que a igreja, que o Sínodo Riograndense, naquele tempo não tinha a IECLB, não tinha condições de montar uma tal faculdade aqui no Morro do Espelho. Essa foi a conclusão dessa tal comissão.121

O ônus da criação e manutenção da faculdade tinha como obstáculos básicos a

inexistência de recursos financeiros e de pessoas habilitadas para atuar como docentes. A

criação da faculdade redundaria no deslocamento dos docentes das escolas secundárias para

essa instituição, evidentemente em prejuízo daquelas. Na década de 1950, o Sínodo

Riograndense tinha como prioridade para a formação a estruturação da Faculdade de

Teologia122 – que ainda funcionava em instalações bastante acanhadas – e a estruturação da

Escola Normal Evangélica123, indispensável para o provimento de professores às escolas

primárias e também secundárias. Um dos principais atores do período foi o professor Hans

Günther Naumann, responsável pela reabertura do Seminário de Formação de Professores,

precursor da Escola Normal. Ele foi o artífice da legalização dessa formação perante o órgão

oficial e membro da comissão que emitiu o Parecer de 12 de fevereiro de 1957. Ele lembra:

Bom, aí tem que se ver o contexto que havia na época. Estava num lugar [A Igreja] que reiniciou a formação dos professores, na antiga escola normal, no antigo Lehrerseminar. Depois de muita dificuldade conseguimos a oficialização, em 1954. A primeira tentativa falhou. O prédio não era suficiente. [...] Éramos uma escola pobre. Acho que não havia nenhuma escola da rede que tinha prédios tão modestos, tão mal cuidados. Nós não tínhamos recursos para melhorar. Fazíamos quase tudo mesmo, os próprios alunos colaboravam. Este é o contexto. Não havia recursos. Faltava um prédio para a Escola de Teologia, a theologische Hochschule, se chamava escola superior... modestamente se chamava escola de teologia. [...] Um pouco antes o Dohms tinha falecido, em 56, e a pau e corda tinham feito um novo prédio, lá no mato, mas isso não era suficiente e se viu que não, nós temos que

121 FUCHS, 2004. 122 Cf. HOCH, Lothar Carlos (Org.). Formação Teológica em Terra Brasileira. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 23. 123 Cf. MUSSKOPF, Egon Hilário. Construindo. Novo Hamburgo: Echo, 1999. p. 21-26.

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formar, construir uma Escola de Teologia. Mas nós temos que formar uma Escola Normal, porque aqui estava quebrando, o prédio. Tínhamos uns 70, 80 alunos naquela época. E tudo tinha que se expandir. Além disso era um local muito inadequado para internato. Passava caminhões, fazia barulho, era um terror. Não havia espaço absolutamente para fazer esporte, estas coisas todas.124

A Escola Normal estudava a sua transferência de São Leopoldo e havia convivido

com o dilema da oficialização do curso, deixando a condição de seminário. Essa era a

primeira experiência de formação de quadros para a Igreja com reconhecimento oficial. Uma

experiência que tinha apenas dois anos, quando houve o pronunciamento sobre a Faculdade

de Filosofia. Sobre o reconhecimento da Escola Normal, comenta Fuchs:

Então eu fui falar com o Pastor Dohms – Hermann Dohms, Presidente do Sínodo Riograndense, disse pra ele, nós vamos reconhecer pelo estado – A nova Escola Normal, a anterior tinha sido fechada em 1939 –. A pergunta que o Dohms então fez: Senhor Fuchs, o senhor então sabe, já que faz a colocação dos professores, que o senhor não é mais dono, digamos, desta turma de formandos. Digo, eu sei perfeitamente. Mas se nós não formos conseguir que a escola Normal, a formação de professores não for capaz de incutir, de levar os formados, para uma de se considerarem professores evangélicos, então nós nem precisamos começar a formação de professores evangélicos, a formação própria de professores. Então o Dohms me deu, disse: Olha Fuchs, se vocês pensam assim, então mandem, peçam a fiscalização do Estado.125

Mais uma iniciativa, a faculdade, poderia dispersar energias, considerando a carência

de recursos, de corpo docente e o recente reconhecimento da formação dos docentes, em

condições precárias. Mas essas razões são seguidas de outras, implícitas, que parecem tão

fortes quanto aquelas, ainda que não lhes seja dado tal caráter. Há, na segunda metade da

década de 1950, uma forte preocupação de inserção dos descendentes germânicos na

sociedade e no Estado brasileiro, de certa forma evidenciada pelo depoimento acima. Essa

razão aparece quando o Parecer 1 (um) emitido pela comissão designada pelo Sínodo

Riograndense considera o fato “de o estado ainda oferecer garantia de liberdade de

consciência em seus estabelecimentos públicos”126 e que “não deixa de ser de interesse da

Igreja apoiar esta iniciativa”. Além disso, ainda segundo esse parecer, uma iniciativa ao lado

da católica e do Estado poderia ser interpretada como “perigo de maior isolamento”.

Sintomático é que essa expressão possui, entre parênteses, o correspondente em alemão do

que se entendia por ela – Einkapselung. Desta forma, o parecer encerra desrecomendando não

somente a criação da Faculdade Evangélica de Filosofia pela Igreja, como também o

envolvimento em uma eventual iniciativa ecumênica.

124 NAUMANN, Hans Günther. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2004. 125 FUCHS, 2004. 126 PARECER 1, de 12 de fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 70).

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A Igreja parece assumir, nesse momento, como importante atribuição a inserção de

sua gente na sociedade brasileira, querendo contribuir com o desenvolvimento do país, mas

sem perder a característica de sua orientação confessional. Essa atitude está evidenciada no

parecer seguinte, elaborado pela mesma comissão que desrecomendou a criação da Faculdade

de Filosofia. Nesse há uma recomendação: criar o Centro Evangélico Universitário, em Porto

Alegre. Ele deveria se constituir em uma espécie de casa de estudante com o propósito de

manter integrados estudantes oriundos de diferentes cidades. Nesse espaço, de estudo e de

acompanhamento espiritual, seriam oferecidos cursos de religião. E aqueles que os

frequentassem e pretendessem exercer o magistério receberiam bolsas de estudo, “abundantes

e suficientes”.127

Esse parecer também evoca a importância de não restringir esse espaço apenas a

membros da Igreja, “devendo conservar as portas bem abertas para todos os irmãos do

movimento ecumênico”. Vale lembrar que aqui o ecumenismo ainda não se estende à Igreja

Católica, porque ela vivia tempos anteriores ao Concílio Vaticano II. O texto do Parecer 2

finaliza com o apelo da rápida concretização do projeto do Centro Universitário

Evangélico128, por tratar-se da “segurança da orientação religiosa da nossa juventude

acadêmica”. Diferente da posição mais confrontativa do início do século, conforme visto no

capítulo anterior, agora não reagia com instituições semelhantes às da Igreja Católica. O país

começava a mudar, a Igreja mudava, os desafios eram enormes, mas a década de 1950

aparentava ter sido de grandes realizações.

3.2 O Conselho Sinodal de Educação e a ênfase teológica

Em novembro de 1962, a diretoria do Sínodo Riograndense cria o Conselho Sinodal

de Educação como “órgão consultivo, de estudos e de orientação em assuntos

educacionais”129. O conselho passa a funcionar efetivamente em junho de 1964, com reuniões

mensais. Embora sem poder decisório, as sugestões e os pareceres emitidos pelo Conselho

Sinodal de Educação tornam-se referência, especialmente porque entre os seus componentes

sempre estiveram os principais expoentes da educação evangélico-luterana do período. Esse

conselho reunia os diretores das escolas formadoras de professores, diretores dos

127 PARECER 2, de 12 fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 27). 128 Diferentemente do que o nome pode sugerir, não se tratava de uma instituição universitária, mas de um conjunto de iniciativas destinadas aos estudantes universitários evangélicos. Era o acompanhamento que a Igreja poderia dar a seus membros. 129 REGIMENTO Interno do Conselho Sinodal de Educação. (DEIECLB, caixa 27).

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estabelecimentos mais atuantes e os dirigentes do Departamento de Educação do Sínodo e do

Centro de Diretores de Ensino Médio Evangélico (CDEME), novo nome conferido ao CDEES

em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei 4024/61 instituíra nova

nomenclatura ao antigo ensino secundário.

3.2.1 A Faculdade Evangélica de Filosofia, em Estrela

Em 1964, na reunião de 24 de novembro do Conselho Sinodal de Educação, o diretor

da então Escola Normal Martin Luther, casa formadora de professores na região do Vale do

Taquari, em Estrela, mantida pela Sociedade Educacional Estrela, foi chamado ao conselho

para “prestar esclarecimentos sobre a ‘criação de uma Faculdade de Filosofia por parte do

Sínodo Riograndense’, em Estrela”130. Na apresentação ao plenário do conselho, o diretor

Gustavo Adolfo Simon informa que a proposta é uma iniciativa das sociedades educacionais

do Vale do Taquari que mantêm estabelecimentos evangélicos.

A questão que se impõe nessa reunião é o andamento do pedido de apoio dirigido à

Igreja, encaminhado através do presidente do Conselho Sinodal, pastor Rodolfo Schneider.

De um lado, o conselho parece carecer de informações, com pedidos de “subsídios” aos

representantes do Vale do Taquari. De outro, o diretor Simon solicita que membros do

Conselho Sinodal integrem a comissão que se ocupa com o assunto e pede uma posição

imediata desse conselho, mediante uma aprovação “em tese” do projeto. Pelo teor do debate,

há uma ideia sem proposta efetiva, razão pela qual os subsídios solicitados não são

fornecidos. Como encaminhamento, é decisão de que o conselho se ocupe com o assunto,

recebendo um relatório do que já foi tratado, além de recorrer ao parecer de 12 de fevereiro de

1957, quando, pela primeira vez, houve um pronunciamento no âmbito do sínodo a respeito

desse assunto. O tom confrontativo dos debates e o encaminhamento parecem prenunciar o

desfecho.

Em um estudo, o Conselho Sinodal emite posição contrária de apoio a um incentivo

da Igreja ao ensino superior, porque ele se justificaria apenas se pudesse “ser enquadrado

integralmente no planejamento e na política da Igreja Evangélica”131. O documento sustenta

também que a criação seria inadmissível caso a faculdade pretendesse representar a Igreja no

ensino superior ou “concorrer, neste terreno, com a Igreja Romana”. O parecer, porém, não

desconsidera eventuais benefícios oriundos de uma Faculdade Evangélica de Filosofia e 130 CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 6. (DEIECLB, caixa 27). 131 PARECER da comissão nomeada pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar a conveniência da fundação de uma Faculdade Evangélica de Filosofia. (DEIECLB, caixa 27).

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elenca, entre outros, o de poder se constituir em um centro de aperfeiçoamento e formação de

professores, além de ofertar-se “como janela aberta ao desenvolvimento cultural e científico

do país”.

A recomendação contém elementos que demonstram que os membros do conselho

estavam bastante atentos ao cenário nacional. O parecer recupera uma tendência decorrente de

decisão do V Congresso de Universidades Católicas que, em 1960, sugere a suspensão da

criação de novas instituições devido à falta de professores para atuar nesses estabelecimentos,

quando expressa que “a própria Igreja Romana está mudando de orientação no terreno da

educação, desaconselhando a criação de novas escolas”. Em uma relação com outra

experiência confessional, o parecer diz que “é desanimadora a experiência feita pela Igreja

Metodista de São Paulo, a qual não conseguiu, apesar de todos os esforços, realizar a

faculdade de filosofia por ela idealizada”. Toda essa decisão decorre da impressão de que o

Estado brasileiro assumiria integralmente a tarefa educativa no país, também nos ensinos

primário e médio, onde o sínodo mantinha seu sistema escolar. O parecer constata que há “um

ensino gratuito cada vez mais eficiente”.

Outra preocupação é com o pequeno número de docentes para cursos superiores

existentes no país. O parecer salienta que o governo não possui professores e que a

constituição de um corpo docente, principalmente no interior, seria tarefa inalcançável. Sob a

ótica docente, ainda havia outra questão: a formação de professores para as escolas do sínodo.

Isso, que poderia ser visto como benefício, é considerado desnecessário, por um lado, porque

“o Sínodo, até hoje, sempre conseguiu recrutar professores idôneos” e, por outro, “a

orientação pedagógica, filosófica e ideológica adotada pelas faculdades existentes não colide

com o ponto de vista da Igreja Evangélica”132.

Desta forma, o parecer, na sua parte conclusiva, apresenta-se menos definitivo do

que aquele emitido em 1957. Apesar de julgar “inoportuna” a criação de uma Faculdade

Evangélica de Filosofia, a discussão em torno do tema produz efeito, e ao sínodo é

recomendado “preocupar-se seriamente com os problemas relacionados com o ensino superior

no país” e “observar vivamente o desenvolvimento intelectual e cultural do país”. A timidez

nas ações propositivas decepciona, com a continuidade daquilo que já era promovido,

mediante a ampliação das casas dos estudantes evangélicos e uma ação nos moldes da

academia evangélica para estudantes evangélicos de ensino superior. As casas dos estudantes

eram a forma de tentar efetivar o Centro Universitário Evangélico. A academia evangélica foi

132 PARECER da comissão nomeada pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar a conveniência da fundação de uma Faculdade Evangélica de Filosofia. (DEIECLB, caixa 27).

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criada em agosto 1963 e promovia reuniões com conferencistas brasileiros e do exterior,

tratando assuntos bíblicos centrais, temas filosóficos e científicos, problemas da atualidade e

outros de interesse da Igreja. Tratava-se de uma experiência alemã adaptada à realidade

brasileira. Imaginava-se melhor servir ao país com esse esforço. Sua atuação certamente não

poderia ser equiparada a de uma formação universitária. A academia encerrou suas atividades

no ano de 1967.133

Há, porém, elementos ocultos no parecer e nas atas desse período, os quais ajudam a

compreender a posição do Conselho Sinodal de Educação. A iniciativa, ainda que legítima,

não era tão altruísta quando se apresentava. A Escola Normal Martin Luther vivia tempos

difíceis. Após uma grande ampliação e com um enorme prédio ocioso, ela necessitava buscar

alternativas para seu funcionamento. A criação da faculdade, com o apoio do sínodo, teria

essa função. O professor Hans Günther Naumann, membro da comissão que emitiu o parecer

de 12 de fevereiro de 1957 e integrante do Conselho Sinodal de Educação no período da

solicitação da comunidade de Estrela, comenta: “Não, eu acho que eles queriam salvar o

Colégio Martin Luther. Eles não sabiam o que fazer com esta escola. Isso vinha de um déficit

para outro”.134

As relações entre os representantes da escola e os membros do Conselho Sinodal

também estavam abaladas. A postura do diretor Simon e do presidente da entidade

mantenedora, Dr. Ito Snell, incomodavam dentro do Conselho Sinodal de Educação e dentro

do CDEME. Naumann avalia a atitude dos dois:

Esse foi o: Ado, Ado, nosso deputado! Gustavo Adolfo [Simon], depois ele desapareceu. Ele era mais advogado do que professor. Isso era muito bairrismo, sabe? Estrela, olha, Estrela... [...]

O Ito Snell, o médico, era uma pessoa muito dinâmica. Ele conseguiu realizar seus objetivos, só que a parte pedagógica, a preocupação pelo trabalho pedagógico sério, essa nos parecia que não havia lá, já desde o início.135

Mesmo tomando por base os elementos ocultos, eles devem ser entendidos como

absolutamente legítimos, porque se buscava uma alternativa para a situação da escola em

Estrela. Ainda que totalmente válidos os argumentos apresentados pela comissão encarregada

pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar o caso, é inegável a influência do parecer de

fevereiro de 1957 sobre esse emitido em 22 de março de 1965. Chama a atenção que a

resposta às consultas é a mesma, ainda que as motivações sejam outras. Em 1957,

133 Cf. ATA do 59º Concílio Sinodal do Sínodo Riograndense: 31 de maio a 2 de junho de 1967. São Leopoldo: Sinodal, [1967]. p. 14. 134 NAUMANN, 2004. 135 NAUMANN, 2004.

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necessitava-se formar professores para as escolas, enquanto que, em 1965, o objetivo, não

expresso, se baseava em fazer algo com um espaço que começava a ficar ocioso. Importa aqui

que a saída alternativa foi a mesma: apoiar as casas de estudantes.

Disso tudo resulta o processo de sedimentação de uma ideia. A Igreja não deve se

ocupar com o ensino superior laico. A ela cabe atuar em estreita parceria com o setor público

e cuidar de suas escolas primárias e secundárias. Àqueles que buscavam o ensino superior a

Igreja oferecia formação teológica. A Igreja ainda imaginava uma instituição de educação

básica ou superior exclusivamente para o seu povo evangélico.

3.2.2 Escola de Serviço Social

O Conselho Sinodal de Educação foi solicitado a se manifestar “sobre a criação da

Faculdade de Serviço Social, de âmbito ecumênico”136, a partir de “vasto dossier” remetido ao

Departamento de Educação, desta vez encaminhado pela direção da Igreja. O assunto tem

origem em um convite da reitora do Colégio Americano, instituição metodista de Porto

Alegre, para tratar do assunto da criação de uma Escola Superior de Serviço Social.137 Após

duas reuniões, uma em 15 de abril de 1967 e outra em 16 de maio daquele ano, na qual se

constou que “os problemas sociais têm alcançado uma perspectiva gigantesca”138 e que as

igrejas evangélicas têm procurado enfrentar o problema, mas elas “sempre têm sofrido por

falta de elementos tecnicamente preparados”, fez-se uma consulta às igrejas evangélicas com

sede em Porto Alegre para “uma ação conjunta para a criação de uma Escola de Serviço

Social, de nível Superior, que preparasse esses obreiros”. O relatório constata:

Nessa reunião foram apreciados todos os dados recolhidos e as exigências do Ministério de Educação e Cultura para uma Escola assim. Esses mesmos dados e exigências foram colocados dentro das possibilidades e realidades do grupo e conclui-se que poderemos atender ao que é requerido.

Também foram apreciadas as possibilidades de onde deveria funcionar a referida Escola e decidiu-se que o Colégio Americano, entre os locais de possibilidades das Igrejas, é o que oferece, atualmente, melhores condições.139

Do grupo de igrejas inicialmente convidadas estavam, além da IECLB, a Igreja

Episcopal do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil. Somaram-se, na reunião seguinte, a Igreja

Presbiteriana e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil. O relatório não permite uma conclusão

sobre encaminhamentos nas diferentes igrejas, mas o assunto chegou ao Conselho Sinodal de

136 CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 21. (DEIECLB, caixa 70). 137 CLARK, Mary Hellen (reitora). [Carta ao Dr. Ernesto Schlieper]. 07 abr. 1967. (AHIECLB, SR 116/6). 138 RELATÓRIO da reunião sobre a criação de uma Escola de Serviço Social. (AHIECLB, SR 116/5). 139 RELATÓRIO da reunião sobre a criação de uma Escola de Serviço Social. (AHIECLB, SR 116/5).

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Educação na reunião do dia 21 de agosto de 1967140, quando esse constitui comissão de

elaboração do parecer. Ele logo definiu a data de 18 de setembro para sua apresentação. A

comissão foi constituída pelos professores Wilmar Keller, Willy Fuchs, Walter Koch, Telmo

Lauro Müller e Arnildo Hoppen.

O parecer é produzido em meio às discussões da principal reforma universitária

ocorrida no Brasil. Embora o texto fosse publicado apenas em novembro de 1968141, as

discussões já apontavam os principais temas que mereciam alteração. Entre esses está a

centralização nas instituições universitárias. O parecer refere isso dizendo que “o ensino

superior tende a superar a existência de escolas e faculdades isoladas, não inseridas em um

contexto universitário”.142

Na prática, o parecer está dizendo que a tarefa é muito maior do que aquela posta em

discussão, tanto que, no terceiro parágrafo, a referência é esta: somente há sentido em analisar

a questão se o objetivo for a criação de uma universidade evangélica. São apresentadas

algumas conjeturas, como “ter a extensão, qualidade e condições de funcionamento das

universidades existentes” e “estar apta a contribuir de maneira inconfundível para o

desenvolvimento cultural e científico do país”. Para tanto são elencadas condições, tal como

ser “precedida de um planejamento de longo curso, em que os aspectos humano, financeiro e

técnico deveriam estar devidamente equacionados”, não podendo prescindir “de colaboração

técnica e financeira de entidades eclesiásticas estrangeiras para a sua instalação e posterior

manutenção”. O parecer ainda lança uma pergunta definitiva: “Universidade com orientação

confessional não contradiz ao próprio espírito de universidade?”.

O parecer prossegue mais naquilo que ele entende como a única alternativa à

formação superior dos jovens, recomendando que os estudantes evangélicos busquem o

“convívio geral”, “inserindo-se no mundo”, ou seja, buscando “as universidades oficiais”143.

Transparece aqui novamente o temor do isolamento, certamente ainda herança do tempo em

que ser oficial era sinônimo de ser estatal. Esse posicionamento fica claro com a alternativa

sugerida para o caso concreto da Escola de Serviço Social. Recomenda o parecer que a

direção da Igreja, junto com a comissão ecumênica, aproveite a reestruturação da UFRGS

140 Cf. CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 21. (DEIECLB, caixa 70). 141 A referência aqui é a Lei 5540/68, de 28 de novembro de 1968, que reorganizou o ensino superior brasileiro, dando-lhe praticamente a feição ainda hoje em vigor. 142 PARECER do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da Igreja no ensino superior, de 19 setembro de 1967. (DEIECLB, caixa 70). 143

PARECER do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da Igreja no ensino superior, de 19 setembro de 1967. (DEIECLB, caixa 70).

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para buscar a criação de um instituto superior que contemple esse curso na Universidade

Federal, em Porto Alegre.

Em sua conclusão, o parecer prevê número crescente de estudantes evangélicos na

universidade, com posterior destaque ao papel que exercerão na sociedade, recomendando à

Igreja um papel de atuação complementar, mas próximo de professores e estudantes. Toda a

ação da Igreja passa a ser diretamente, por sugestão do parecer, no acompanhamento da vida

espiritual dos estudantes. As estratégias principais são a criação de pastorados para estudantes

e ampliação das casas de estudantes.

A Igreja deve concentrar esforços específicos na formação de obreiros para a

pregação, diaconia, catequese e magistério, o que se torna praticamente uma sentença. A

Igreja, através do Conselho Sinodal de Educação, nesse terceiro pronunciamento sobre o

ensino superior, põe um marco para uma geração: ensino superior laico não é assunto da

Igreja. De forma diferente do que nos dois primeiros pareceres, nos quais a carência de

recursos ou a inconsistência do projeto podem ser alegações, nessa última manifestação

definitivamente não é o caso.

A decisão consciente de não investir no ensino superior é de responsabilidade,

paradoxalmente, de quem atuava em educação e não daquele corpo que pode ser denominado

como o clero dentro da Igreja. Pelo contrário, o assim denominado clero sustentou as

discussões com as demais igrejas, remetendo o assunto aos que pudessem se somar com

experiência em educação para a tomada de decisões. Caberia apenas especular se o trabalho

ecumênico poderia ser visto como óbice, mas isso não se sustenta. A trajetória ecumênica dos

evangélico-luteranos já era longa e consistente para derrubar também esse argumento.

3.3 A opção pela informalidade

Após esse parecer de 1967, abre-se a discussão por uma política educacional na

IECLB, em 1968.144 Esse parecer é tomado como inteiramente válido. Todas as iniciativas no

campo educacional da Igreja voltam-se à formação de obreiros e à complementação de

formação teológica de graduados em outras instituições de ensino superior.

A opção mantinha o vértice de um sistema eclesiástico paralelo ao Estado, o que

representava a possibilidade de manutenção dos formados à disposição da Igreja, preservando

144 Cf. Contribuição para o delineamento de uma política educacional da IECLB. Documento elaborado, em 1968, pelo Departamento de Educação, Conselho Sinodal de Educação e Centro de Diretores de Escolas Evangélicas. (DEIECLB, caixa 27).

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uma ideia que acompanhou a formação de quadros em tempos anteriores. Era a ótica de

possuir seminários. A Igreja relutou muito em abrir mão da autonomia conferida pelos

seminários, ainda que isso viesse em prejuízo dos formados. Willy Fuchs lembra:

Não quiseram oficializar o curso. Fazer um curso normal oficializado na Fundação Evangélica, como todos os colégios de freiras fizeram. Todas elas eram oficializadas pelo estado. Isto na Fundação Evangélica se negou, porque os formandos da Fundação Evangélica não estavam à disposição da Igreja para prover uma vaga, digamos. [...] Mas a Igreja tinha a sua própria Rede de estabelecimentos e estes candidatos fugiriam, então, para a Rede Estadual. Esta foi a argumentação, o motivo da negação de fazer o curso da Fundação Evangélica um curso oficializado pelo Estado. E no Lehrerseminar foi a mesma coisa. “Nos fizemos a nossa”, nos diziam também. Os professores formados pelo Lehrerseminar, pelo antigo Lehrerseminar, da formação própria, o estado pode dispor deles, então a gente paga, e sofre, e custeia a formação de gente, da qual depois o estado faz uso. Isto não dá!145

Em março de 1969, surge o Curso Superior de Formação de Professores Catequistas,

oferecido pelo Curso Superior de Estudos Teológicos (CSET), em uma tentativa de assumir

aquela que é considerada pela Igreja a sua tarefa: favorecer a formação de pessoas para

atuação em atividades específicas da Igreja.

O CSET prevê uma formação de quatro anos, com um mínimo de seis horas

semanais de aulas. O curso seria frequentado preferencialmente por portadores do certificado

de conclusão de ensino médio, recebendo ao final, um Diploma de Licenciatura em Ensino

Evangélico, reconhecido pela Igreja. A própria Igreja mantém o curso financeiramente.146

Paralelamente, o estudante é incentivado a frequentar cursos de licenciatura em instituições de

ensino superior. O CDEME apoia essa iniciativa, redirecionando os recursos de seu Fundo de

Formação exclusivamente para aqueles que cursarem juntamente a sua opção de licenciatura,

o CSET.

O curso efetivamente passa a funcionar. O Sínodo Riograndense habilita os

concluintes para ministrar o ensino evangélico de grau médio. Logo nos primeiros anos, as

escolas veem seus objetivos inalcançados. Os catequistas formados passam a atuar mais nas

comunidades e paróquias e o objetivo de possuir pessoas com forte base teológica atuando em

escolas é prejudicado.147

A IECLB começava a se integrar na realidade brasileira. O sistema educacional fora

constituído não apenas sob a base confessional, mas também étnica. Diz Hoppen: “em todos

os relatórios sobre concílios gerais do Sínodo Riograndense, aparece, na ordem do dia, o

assunto escola. Essa era considerada fundamental para a difusão da doutrina cristã e a

145 FUCHS, 2004. 146 Cf. REGIMENTO do Curso Superior de Estudos Teológicos. (DEIECLB, caixa 54). 147 Cf. ATA da Reunião de Comissão de Reestruturação da ENE/CSET, 09 dez. 1974. (DEIECLB, caixa 57).

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sobrevivência da Igreja luterana através da conservação das peculiaridades étnicas (Volkstum)

de seus membros”.148 A Igreja não reaprendeu a fazer educação enquanto deixava de ser

menos germânica.

O novo marco da legislação educacional brasileira, com a Lei 5.692/71, põe em

xeque o sistema que a Igreja tentava manter. Por conta da necessidade legal e também de

reorganização dos espaços de atuação das instituições da IECLB149, surge o Instituto Superior

de Catequese e Estudos Teológicos150, nova experiência de formação interna, que aparecerá

no capítulo seguinte. Evidente está o ocaso do que ainda se imaginava ser o sistema de

educação mantido pela Igreja. O viés associativo, que tinha um comando mais centralizado,

desaparece com a instalação, de fato, da IECLB. As escolas voltam a fortalecer sua relação

com a comunidade, porque a Igreja, na década de 1970, se distancia da educação. Pode-se

localizar aí o início do que atualmente é denominado de rede de escolas, na Rede Sinodal de

Educação.

148 HOPPEN, Arnildo. Fundação do Ginásio Sinodal no contexto do sistema escolar do Sínodo Riograndense. In: Simpósio de História da Igreja. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 129. 149 Cf. MUSSKOPF, 1999, p. 49-52. 150 Cf. REGULAMENTO do ISCET. (DEIECLB, caixa 57).

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4 CONCRETIZA-SE A IGREJA NACIONAL

O Concílio Eclesiástico ocorrido em Santo Amaro, São Paulo/SP, em outubro de

1968, extinguiu os sínodos, reorganizando a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no

Brasil em regiões eclesiásticas, cada qual com seus respectivos distritos eclesiásticos. Essa

decisão é resultado de um longo processo de aproximação entre quatro sínodos de tradição

luterana e reformada, que ganhou força a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Em

1949, houve a criação da Federação Sinodal. Tratava-se de “uma união, de uma federação,

não, porém, de uma fusão”.151 A referida “união” se expressa na igreja unitária, com o

desaparecimento dos sínodos e uma organização interna denominada regiões eclesiásticas, as

quais passaram a assumir tarefas até então privativas aos sínodos, esses com vinculação

autônoma à Igreja, mas aquelas não mais.

Desde logo surge a pergunta pelo espaço da educação na IECLB. Embora todos os

sínodos tivessem instituições educacionais em suas comunidades, era no Sínodo

Riograndense, que abrangia além do Rio Grande do Sul o oeste dos estados de Santa Catarina

e Paraná, onde o trabalho se mostrava mais orgânico. A IECLB não assumiu as funções do

Departamento de Educação do Sínodo para extensão de suas atividades a todas as regiões.

Coube às Regiões Eclesiásticas III e IV, localizadas na área do antigo Sínodo

Riograndense, incorporar o trabalho. Com seu funcionamento junto à Região Eclesiástica IV,

em São Leopoldo, e uma ideia de trabalho conjunto em vista da consolidada tradição, as

controvérsias surgiram em relação à Região Eclesiástica III, que acabou criando seu próprio

Departamento de Educação. A função de diretor foi acumulada pelo diretor do Colégio

Evangélico Panambi. A experiência não foi exitosa, visto que as principais demandas

mantinham-se junto ao diretor do Departamento da Região IV.

O itinerário do ensino superior da IECLB é intrincado. Ao mirar especificamente

para o período no qual a IECLB se apresenta como a instância jurídica sucessora dos antigos

sínodos, é necessário afirmar que a própria Igreja não tinha total clareza de seu papel.

Enquanto ela não tinha prioridades, emergia o conceito da responsabilidade social da Igreja.

Naumann diz:

Ora, naquela época, por volta dos anos 1970, discutia-se na IECLB a necessidade premente de uma integração mais decidida da Igreja na realidade social e política brasileira. Ela deveria deixar de ser a Igreja quase exclusivamente preocupada com as comunidades dos imigrantes alemães. Teria de assumir decididamente sua missão

151 PRIEN, Hans-Jürgen. Formação da Igreja Evangélica no Brasil. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2001. p. 491.

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de Igreja Evangélica de Confissão Luterana neste nosso país, com todas as implicações, inclusive e principalmente também com as implicações socais e políticas.152

Percebe-se que há conceitos bastante amplos nas palavras acima. Isso dificulta ações

mais objetivas, que reúnam várias pessoas em torno de uma proposta, como seria de imaginar

para um projeto mais consistente de ensino superior. A quantidade de frentes possíveis para

responder à demanda da realidade social e política brasileira dificultava conferir prioridades.

As peculiaridades das heranças dos diferentes sínodos tornaram complexa a formulação de

algumas políticas. Os sínodos eram bastante coesos; a IECLB mostrava-se ainda amorfa. Isso

deu espaço à indefinição em relação às heranças que deviam ser geridas. O setor educacional

é exemplo disso.

A indefinição por um espaço da educação formal dentro da IECLB, regiões sem

atendimento ou servidas inadequadamente e a confusão decorrente da instalação de uma

secretaria de formação voltada exclusivamente à formação teológica estenderam-se na década

de 1970. Esse confuso cenário contribuiu decisivamente à falta de uma articulação para

enfrentar novos projetos. Dentre esses, o ensino superior.

4.1. A discussão pelo espaço da educação formal na IECLB

Na IECLB, o termo educação formal tem sido utilizado para designar a oferta de

ensino em instituições reconhecidas perante o Estado brasileiro, abrangendo da educação

básica ao ensino superior. Esse conceito, portanto, exclui as instituições que atuam em

formato de seminário, mesmo que elas sigam programas curriculares similares aos definidos

pelos organismos educacionais oficiais. A presença desse conceito ainda hoje demonstra com

nitidez que há uma educação feita pela Igreja, a informal, sem se submeter ao controle do

Estado. O enquadramento prescrito nas normas do país para a assim denominada educação

formal reduz a liberdade de organização e exige regras que nem sempre se está disposto a

cumprir.

O espaço da educação formal surge desconexo na reestruturação eclesiástica de

1968. As instituições atendidas pelo Departamento de Educação do extinto Sínodo

Riograndense ficaram órfãos. Fuchs testemunha isto ao dizer que “o Conselho Diretor, a

maior parte dos membros de outras regiões, não compreenderam, não sentiram o que nós do

152 NAUMANN, Hans Günther. Se você não assumir...: recordando a caminhada de um professor de professores. São Leopoldo: Sinodal; Novo Hamburgo: Echo, 2009. p. 269.

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Rio Grande do Sul sentíamos”153. As instituições deste sínodo eram herdeiras de uma

trajetória de trabalho conjunto. Elas compreenderem sua atuação como sendo da Igreja, para

o que necessitavam de um organismo que as congregasse. O trabalho requerido pelas escolas

oriundas do Sínodo Riograndense deveria ser dividido entre as Regiões Eclesiásticas III e IV.

Já no II Concílio Regional da Região IV, surge a advertência do diretor do Departamento de

Educação, professor Wilmar Keller, em seu relatório:

As atribuições do Departamento de Educação, restrito administrativamente ao âmbito do antigo Sínodo Riograndense, por força das circunstâncias e na falta de um órgão de âmbito eclesiástico revestem-se, freqüentemente, de caráter geral no atendimento de assuntos educacionais que lhe são atribuídos ou que reclamam atenção imediata. Evidentemente há assuntos que digam respeito à Igreja toda e que se refletem em todo o seu âmbito. Uma atuação mais desimpedida do Departamento nestes casos é prejudicada pela falta de definição de suas atribuições e por um natural constrangimento de invadir esfera que não é de sua competência. De outro lado, os assuntos de interesse geral e que forçosamente devam ser equacionados em nível eclesiástico tendem a tomar vulto, já em decorrência da própria re-estruturação da Igreja, reclamando as atenções do Departamento para além dos limites geográficos a que está restrito. Este aspecto merece atenção para que o trabalho se possa desenvolver sem contratempos e com a necessária organicidade.154

O Departamento de Educação intermediava recursos do salário-educação155,

auxiliava nos processos de cedência de professores da rede pública e, em sintonia com

entidades eclesiásticas do exterior, trabalhava pelo ingresso de recursos para a formação de

professores e ampliação de escolas. O trabalho dava sequência à estrutura proposta em outro

modelo de igreja. Na estrutura da IECLB, ele ingressou de forma marginalizada, mas

desejado pelas instituições educacionais, que possuíam dele préstimos que representavam a

sobrevivência das instituições. O clamor por um espaço parecia uma contingência do existir.

A manifestação conciliar de 1971, acima referida, surtiu efeito. Em novembro desse

ano, o secretário-geral da IECLB, pastor Rodolfo Schneider, questiona os pastores regionais

“a fim de que os Conselhos Regionais se pronunciem sobre a extensão da ação do

Departamento de Educação para todas as Regiões e a criação do conselho de educação

previsto”.156 Nesse intervalo, a Região Eclesiástica III já possui seu “encarregado dos

assuntos de educação e de projetos”157: o diretor do Colégio Evangélico Panambi, professor

Hermann Wegermann. A Região III é aquela que se pronuncia a respeito do assunto, em

153 FUCHS, 2004. 154 KELLER, Wilmar. Relatório do Departamento de Educação de junho de 1971. p. 4. (ASGIECLB). 155 O salário-educação foi criado em 1964 e alterado pelo Decreto-Lei Nº 1.422, de 23 de outubro de 1975. Sua finalidade era financiar a educação primária, depois a de 1º Grau. As empresas deveriam recolher aos cofres públicos montante estipulado sobre a folha de salários. Uma previsão permitia que as empresas substituíssem o recolhimento pela compra de vagas nas escolas particulares para seus funcionários e dependentes. 156 SCHNEIDER, Rodolfo. [Carta 9753/71]. 19 nov. 1971. (ASGIECLB). 157 BURGER, Germano. [Carta ao P. Regional]. 25 nov. 1971. (ASGIECLB).

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posição favorável, perguntando a respeito do tipo de vinculação e da abrangência do trabalho

a ser desenvolvido.158

Na prática, não há mais registro expressivo sobre o tema até novembro de 1973,

quando as discussões ressurgem mais consistentes. Os diretores Arnildo Hoppen e Hans

Günther Naumann159 apresentam um pedido, que já se constitui como esboço de proposta, a

ser apreciado pelo Conselho Diretor da IECLB:

Em âmbito da IECLB deveria existir um Departamento de Ensino. O Departamento da RE IV, com a saída do Prof. W. Keller deveria ser reduzido à semelhança do da RE III. Atribuições do Dep. de Ensino da IECLB seriam: estudo de assuntos educacionais de relevante interesse da IECLB (criação de universidade, por exemplo); coordenação dos departamentos regionais; problemas escolares nas novas regiões de colonização, etc. O Centro de Diretores planeja criar uma própria Secretaria Geral. Surge a pergunta se esta iniciativa não pode ser combinada com o Departamento de Educação da IECLB. Cogita-se em P. Alegre como sede e sentiu-se junto ao Prof. Keller uma certa disposição de assumir o cargo de Diretor do Dep. de Ens. da IECLB. Possivelmente o Dep. de Catequese poderia ser incluído. O 1º semestre de 1974 vai ser semestre de transição. O Centro de Diretores quer até na próxima reunião (em 15/02/1974) ter uma resposta positiva ou negativa em termos gerais por parte do CD.160

A desarticulação começa a mostrar seus sinais. A ausência de uma política

eclesiástica requer reorganização dos papéis. Há novos desafios se apresentando, mas esses

não caberiam, na avaliação dos protagonistas, nas estruturas existentes. Chama a atenção que,

nesse momento, são enumeradas apenas três tarefas desse novo departamento: o óbvio,

coordenação dos departamentos regionais; o tema candente na IECLB no período, as novas

regiões de colonização; e a universidade.

O fato é que nas novas áreas não surgiram empreendimentos educacionais de vulto

(seria pela falta de uma coordenação?) e a universidade também não aflorou. Mas a discussão

seguiu com a aprovação, pelo Conselho Diretor, da criação, ainda que apenas “em

princípio”161, do Departamento de Educação em âmbito nacional, com uma comissão162

responsável pelos estudos das implicações financeiras decorrentes dessa criação e a

organização estrutural deste departamento, que abrangeria também o Departamento de

Catequese e o Centro de Diretores de Educandários Evangélicos (CDEE)163. O CDEE

sucedera ao CDEME, com o advento da Lei 5.672/71.

158 Cf. BURGER, Germano. [Carta ao P. Regional]. 25 nov. 1971. (ASGIECLB). 159 Hoppen era diretor do Colégio Sinodal, de São Leopoldo, e Naumann, diretor da Escola Normal Evangélica de Ivoti. 160 Visita dos Srs: Dir. Hoppen e Dir. Naumann. 26/11/73. (ASGIECLB). (Grifo nosso). 161 Cf. SECRETÁRIO Geral da IECLB. [Carta ao CDEE]. 14 dez. 1973. (ASIECLB). 162 A Comissão, presidida por Friedhold Altmann, contava também com Martin Reusch, Rodolfo Schneider e Wilmar Keller. 163 SECRETÁRIO-GERAL da IECLB. [Carta ao CDEE]. 14 dez. 1973. (ASIECLB).

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A comissão apresentou seu estudo para o Conselho Diretor.164 Nesse, ela sugere a

criação de uma Secretaria de Formação – ainda que não houvesse consenso em torno desse

nome –, atendendo ao “setor escolar”165 e ao “setor formação de obreiros”.166 O cronograma

de implantação previa seu início de funcionamento no segundo semestre de 1974, e até o

início de 1975 deveriam estar equacionadas “as responsabilidades e atribuições do setor e [...]

sua vinculação à Secretaria Geral, as regiões e ao CDEE”167. Estava previsto também que,

durante o ano de 1974, o Departamento de Educação e o CDEE proveriam os recursos de

manutenção, e em 1975, seriam estabelecidas as obrigações financeiras da IECLB e do CDEE

na manutenção do setor escolar.168 O início do funcionamento dependia da decisão do

Conselho Diretor da IECLB.

A proposta inicial de 1973, que desencadeou o estudo para a vinculação do

Departamento de Educação à IECLB, entendia a criação de cursos superiores como “estudos

relevantes para a IECLB”. Na proposta de reformulação, nada é referido sobre o tema, ao

menos não de forma explícita.

A reestruturação não acontece na forma proposta. As dificuldades para as escolas

particulares aumentam com o cerceamento a subsídios indiretos169 e com a diminuição dos

diretos, notadamente o salário-educação. Isso afasta muitos membros das comunidades, que

não conseguiam mais assumir os encargos educacionais. A discussão em torno da identidade

da escola evangélica passa a ganhar uma conotação mais ampla, a qual envolve, em síntese, a

questão: qual o sentido de uma escola evangélica que não atende a um grande contingente de

filhos de evangélicos? Essa problemática é expressa na carta endereçada ao CDEE pelo

Conselho Diretor, em início de 1977, “para que haja uma definição clara a respeito da escola

evangélica”, o que “envolve o problema da identidade”.170 Em outras palavras, a Igreja diz

164 COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974. (ASGIECLB). 165 Pela proposta, a esse setor caberia atender a política educacional da IECLB; a orientação e assistência à rede escolar, através dos departamentos regionais; o relacionamento com autoridades educacionais, órgãos similares de outras igrejas, entidades de classe; intermediar recursos do exterior; fazer o atendimento direto das escolas nas Regiões III e IV, filiadas ao CDEE. 166 Nesse setor estaria a formação de obreiros; a formação de catequistas e demais obreiros no serviço comunitário; a educação religiosa em geral, tais como ensino confirmatório, escola dominical e nas próprias escolas; material didático e literatura; e a missão suburbana e nas áreas de colonização. 167 COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974. (ASGIECLB). 168 COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974. (ASGIECLB). 169 No ano de 1977, a legislação que conferia isenções às entidades de caráter filantrópico sofre transformação, atingindo principalmente instituições sem aparato administrativo. 170 KELLER, Wilmar. Relatório para o Concílio Geral da IECLB – 1978. p. 2. (ASGEIELB).

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que não tem claro se ela deve manter escolas, e se isso não estiver resolvido, não há razão

para manter um departamento com essa finalidade.

Essa longa indefinição e a impotência do professor Wilmar Keller para conferir novo

impulso às instituições ficam evidentes no último relatório dele ao Concílio Geral, em 1980.

Em um relatório de três parágrafos, ele se limita a dizer que “nada de especial há para

acrescentar referente ao período que transcorreu desde então (referindo-se ao último

Concílio)” e que “as atividades escolares decorreram normalmente” e que “está em curso um

estudo de reestruturação” o que significa ele deixar “por aposentadoria, funções que ora

exerce”171. O projeto de educação básica, a despeito de manter ainda escolas com muita

credibilidade, agonizava. A reestruturação de fato implantada deveria reconstruir exatamente

a identidade do que remanescia, para apenas mais tarde voltar a confrontar-se com desafios

como o do ensino superior.

4.2 Os bastidores

O período inicial de organização da IECLB demandou assumir muitas atividades sem

uma inserção orgânica em sua secretaria-geral. E nesse vácuo sucederam alguns fatos

referidos posteriormente como oportunidades desperdiçadas para a oferta de ensino superior.

Nesse rol estariam pedidos de apoio à criação de uma Faculdade de Direito172 e de

intermediação de recursos para instituições não vinculadas à IECLB.

A razão para a intermediação deve-se à inserção dúbia do Serviço de Projetos de

Desenvolvimento (SPD). Esse serviço era uma espécie de braço estendido da Community

Development Service (CDS)173 da Federação Luterana Mundial. O SPD atendia as mais

diversas entidades e igrejas, sendo que a manutenção financeira decorria dos organismos

financiadores do exterior. Não era, portanto, um serviço da IECLB, exclusivamente, e

também não era mantido financeiramente pela IECLB:

O SPD mantém-se com recursos obtidos através da FLM, e parcialmente com recursos recebidos das entidades portadoras de projetos, segundo o “Plano de Auto-Financiamento Parcial do SPD”, maneira pela qual também o SPD arca, diretamente, com 25% de participação própria. Ressaltamos que também o SPD é

171 KELLER, Wilmar. Relatório para o Concílio Geral da IECLB – 1970. (DEIECLB). 172 Diz Fleck: “A questão do Espírito Santo é aquele Colégio Martim Lutero que tinha lá. [...] E esse diretor que tinha lá era membro do conselho diretor. Ele sempre quis abrir uma faculdade de Direito. E ele provocou pelo menos duas vezes oficialmente a Igreja pra isso [...] Já foi na IECLB. E o Conselho Diretor é que explicitamente negou, com base nesta ideia de que a Igreja só deveria investir na formação teológica”. FLECK, Dorival Adair. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2005. Não foram localizados registros formais dessa tentativa. Cf. FLECK, 2005. 173 Cf. RELATÓRIO do Pastor Presidente – XII Concílio Geral. p. 26. (DEIECLB, caixa 105).

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considerado, anualmente, pelos doadores, como projeto acompanhado de um orçamento, a fim de ver deferida a garantida a nossa (sic) manutenção.174

Inúmeros projetos na área escolar, como a ampliação de escolas e construção de

internatos, eram destinados às instituições vinculadas à IECLB. Contudo, também projetos de

outras igrejas e entidades175 que buscavam recursos no exterior tramitavam por esse serviço.

Esse foi o caso de instituições de ensino superior, notadamente de algumas instituições

comunitárias e daqueles vinculados à IELB176, porque inclusive essa integrava seu conselho,

como um dos dez membros da Comissão de Projetos, a quem cabia apreciar aqueles pedidos

das entidades.177 Qualificar esse tipo de auxílio como sendo da IECLB, tanto pelo fato dos

recursos não serem oriundos da Igreja, quanto por sequer os serviços de manutenção ser por

ela alcançados, é um equívoco. Os projetos para instituições de ensino superior que por aí

tramitaram não significaram um redirecionamento de recursos em detrimento de outros

projetos que não pudessem ser desenvolvidos.

O serviço funcionou de forma autônoma até 1978, quando foi incorporado pela

Secretaria Geral da IECLB, passando então a atender somente as estruturas da IECLB.

Contudo, somente em 1983, o Conselho Diretor toma a decisão de pedir a revisão da

exigência das agências doadoras quanto à IECLB avalizar os projetos encaminhados pela

IELB.178

Há, aqui, um caso de omissão pelo fato de não se buscar os recursos para um projeto

de ensino superior, em vista da ausência de suporte financeiro ser um dos gargalos inclusive

para os projetos que foram implantados. Há, também, indefinição por não se saber claramente

para onde os recursos seriam estendidos. Afinal, a falta de um projeto de futuro para a

educação fazia com que não a Igreja como todo, mas as comunidades individualmente

pensassem seus projetos. E aos projetos, mesmo que não eram da IECLB, deu-se apoio. A

Igreja estava envolvida na sua inserção na realidade brasileira, discutindo seu compromisso

174 SUDHAUS, Ingo. Relatório do Serviço de Projetos de Desenvolvimento da IECLB para o VII Concílio Eclesiástico. (DEIECLB, caixa 65). 175 Há uma carta da Campanha Nacional das Escolas Comunitárias direcionada à IECLB, na qual se pergunta a forma para se habilitar aos recursos desse serviço de projetos. Of. AD820/72. CNEC. (ASGIECLB). 176 Willy FUCHS, integrante do corpo de funcionários da Secretaria Geral da IECLB cita certa visita de Ruben Becker, solicitando o apoio. Segundo Fuchs, o apoio em seu setor – o que cuidava de assuntos da Federação Luterana Mundial para o âmbito da IECLB – não foi possível, dirigindo-se o requerente então diretamente ao secretário-geral. Cf. FUCHS, 2004. 177 Cf. SUDHAUS, Ingo. Relatório do Serviço de Projetos de Desenvolvimento da IECLB para o VII Concílio Eclesiástico. (DEIECLB, caixa 65). 178 Cf. BOLETIM Informativo do Conselho Diretor. Porto Alegre. IECLB. 23 dez. 1983.

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com o povo e não mais apenas com a parcela de descendentes germânicos.179 Por outro lado,

os préstimos do SPD à IECLB foram enormes e responsáveis pelo aporte de recursos do

exterior na estruturação da rede de educação básica, claramente com o intuito de aparelhar as

instituições que se preparavam para o ensino profissionalizante e para a oferta do segundo

grau.180

4.3 Para onde se evoluiu

O tema do ensino superior nunca chegou a ser dominante. A Igreja estava envolvida

com outros temas. E as escolas de educação básica lutavam pela sobrevivência. Um complexo

quadro de mudança socioeconômica dos anos 1970 forçou o encerramento de muitas escolas.

A manutenção desse modelo de escola, que deixa de ser sistema, para voltar à sua origem, de

projeto unicamente local, constituía-se em prioridade. As palavras de Fleck ajudam nessa

compreensão:

A década de 70 foi muito complicada na administração das escolas do ponto de vista de controle das mensalidades, porque foi toda a década de ação da SUNAB e, de repente, as mensalidades eram controladas assim como as batatas. [...] Então, para as escolas foi um período de extrema angústia e instabilidade, em que ninguém tinha a menor chance de pensar em alguma coisa. Era sobreviver de um mês para outro. Esse é um aspecto e o outro é o crescente discurso dos pobres, dos oprimidos e assim por diante. [...] Então, 70 foi uma década perdida. E foi 80 adentro. Isso foi até 85, 86.181

Houve, contudo, alguns ensaios de projetos de ensino superior. Os anos de discussão

pela definição do espaço para a educação, procurando acomodar a herança remanescente das

instituições educacionais, portanto, não representou ausência completa de iniciativas de

formação superior. Além da continuidade da Faculdade de Teologia, surgida em 1946, para a

179 Cf. SCHÜNEMANN, Rolf. Do gueto à participação. São Leopoldo: Sinodal, 1992. Fuchs também comenta que a eventos importantes da Igreja, até então frequentados pelas autoridades, tomaram outro caráter:“Ela foi considerada prejudicial, a ponto de a Federação Luterana Mundial ter cancelado a 5ª Assembléia prevista para Porto Alegre, porque a Igreja daqui convidou o Presidente Médici para participar da abertura, deste concílio. E isto a Federação Luterana Mundial refutou. Mas ali havia então uma linha política, ai entrou uma ideologia política que se misturou em coisas da igreja, também aqui havia pastores que acusaram a direção da igreja em muitas iniciativas. Por exemplo, aqui na faculdade de teologia, houve um jubileu de 25 anos da faculdade de teologia, isso foi bem, teve uma elaboração completa, ampla de comemoração. Inclusive numa sessão solene, isso foi na década de 70, quando então havia sido convidado o prefeito, o juiz, o comandante da guarnição, às vezes até o delegado de polícia, as autoridades, sabe. Isto era praxe. Pra aquela reunião, a UNISINOS também havia sido convidada, a Igreja Missúri. Naquela época já era pública a oposição de grupos dentro da Igreja contra tal procedimento, tais presenças, nas instituições da Igreja. Então aquela noitada aconteceu sem a presença de representantes oficiais. Nenhum representante oficial apareceu naquela solenidade, em vista de oposição de certas alas dentro da Igreja contra as autoridades. Aquela ideologia política. Desde aquele momento não se convidou mais os representantes de instituição oficial.” FUCHS, 2004. 180 Cf. SCHÜNEMANN, 1992, p. 77-81. 181 FLECK, 2005.

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qual se pretendeu inclusive algum tipo de reconhecimento182, a formação catequética teve nos

anos de 1970 seu período de grande atenção. O modelo previa a formação de catequistas no

Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos (ISCET), junto à Faculdade de

Teologia, e a formação simultânea em uma faculdade de Educação. O ISCET pretendia

formar pessoas identificadas com a IECLB para atuar nas escolas. Era uma forma de justificar

a manutenção de instituições educacionais vinculadas à Igreja.

Além disso, na esteira do modelo do ISCET, surge o Instituto de Formação de

Professores de Língua Alemã (IFPLA). A Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM),

entidade constituída a partir da comunidade evangélica local, atendendo à solicitação do

município de Três de Maio, assume o primeiro projeto de ensino superior. Passa a funcionar

na SETREM uma faculdade de Administração. Essas duas iniciativas da década de 1970 são

heranças valiosas na vida das instituições educacionais da IECLB no tempo presente.

4.3.1 ISCET

Em março de 1969, surge o Curso Superior de Formação de Professores Catequistas,

oferecido pelo Curso Superior de Estudos Teológicos (CSET), em uma tentativa de assumir

aquela que é considerada pela Igreja a sua tarefa: favorecer a formação de pessoas para a

atuação em atividades específicas da Igreja.

O CSET prevê uma formação de quatro anos, com um mínimo de seis horas

semanais de aulas. O curso seria frequentado preferencialmente por portadores do certificado

de conclusão de ensino médio ou por estudantes do curso de magistério da Escola Normal

Evangélica, de Ivoti, recebendo ao final um Diploma de Licenciatura em Ensino Evangélico,

reconhecido pela Igreja. A própria Igreja mantém o curso financeiramente.183 A sobrecarga de

estudos durante o curso e a atuação do formado fora do espaço escolar, quando os catequistas

passam a atuar mais nas comunidades e paróquias, redunda em frustração para as escolas, que

pretendiam possuir pessoas com forte base teológica atuando como professores.184

182 Fuchs lembra que em uma “[...] ocasião procuravam um reconhecimento da formação da Faculdade de Teologia pelo Ministério da Educação. E então, andaram procurando. Eu estive presente uma vez numa entrevista que eles tiveram com o então Ministro de Educação, Tarso Dutra, em Novo Hamburgo [...]Os estudantes sentiam a falta de reconhecimento do estudo da Teologia perante as autoridades oficiais. E isso então o Tarso Dutra recomendou. Olha, eu posso fazer o seguinte: vocês tem aqui uma universidade funcionando em São Leopoldo, com todos os cursos, nada impede que a Igreja evangélica organize e mantenha um curso dentro da faculdade, dentro da UNISINOS.”. Isso aconteceu possivelmente em 1970. Cf. FUCHS, 2004. 183 Cf. REGIMENTO do Curso Superior de Estudos Teológicos. (DEIECLB, caixa 54). 184 Cf. ATA da Reunião de Comissão de Reestruturação da ENE/CSET, 09 dez. 1974. (DEIECLB, caixa 57).

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Como resultado do inatingimento dos propósitos, e tendo ainda como pano de fundo

o marco da legislação educacional brasileira com a Lei 5.692/71, inicia, em 1977, o ISCET. O

Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos surge185 em decorrência da necessidade

da reorganização dos espaços de atuação das instituições da IECLB186, como resposta à

necessidade legal, constituindo-se como nova experiência de formação interna. O estudo

teológico-catequético é realizado paralelamente ao estudo universitário, com financiamento

da Igreja e com bolsas de estudo do governo federal, denominado crédito educativo. Os

estudantes recebiam sua formação catequética em dependências no Morro do Espelho, em São

Leopoldo, e a formação universitária se desenvolvia em instituições como Universidade do

Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), em São Leopoldo, e Federação de Estabelecimento de

Ensino Superior em Novo Hamburgo (FEEVALE), em Novo Hamburgo. Não havia um

vínculo formal do ISCET com essas instituições universitárias.

A crise econômica que atingiu o país no início dos anos 1980 repercutiu sobre esse

modelo, com a drástica redução das bolsas públicas e a incapacidade do orçamento da IECLB

assumir as somas faltantes. O ISCET acabou desativado por decisão do Conselho Diretor em

junho de 1982. A substituição por outro modelo de formação decorre da necessidade de

encontrar um projeto que “não limitasse tanto o acesso e fosse menos oneroso”.187

O espólio do ISCET acaba integrando o complexo denominado Escola Superior de

Teologia (EST), surgido por decisão do XIV Concílio da IECLB.188 Com o nome de Instituto

de Educação Cristã, a formação catequética funcionaria na mesma estrutura que abriga a

Faculdade de Teologia da IECLB, o Departamento de Música, o Instituto Ecumênico de Pós-

Graduação, entre outros. Nessa nova modalidade, não havia qualquer compromisso de

formação universitária reconhecida pelo MEC. Portanto, equivale a dizer que o diploma

universitário “terceirizado” deixa de existir compulsoriamente, vinculando a formação

exclusivamente ao seminário teológico.

185 Cf. REGULAMENTO do ISCET. (DEIECLB, caixa 57). 186 Cf. MUSSKOPF, 1999, p. 49-52. 187 ORÇAMENTO da IECLB para 1985. Comentário quanto aos diversos títulos. p. 7. (DEIECLB, caixa 105). 188 O Concílio acontece na cidade de Marechal Cândido Rondon, Paraná, em outubro de 1984. Ele apenas homologa a decisão que o próprio Conselho Diretor já tomara em junho de 1982, por considerar o modelo do ISCET muito oneroso financeiramente. A desativação foi progressiva. A última turma se formou em 1986. Cf. ATA do XIV Concílio Geral Ordinário da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. (DEIECLB, caixa 105).

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4.3.2 IFPLA

O IFPLA surgiu em 1974, embora a primeira turma tenha iniciado seus estudos em

1977, devido à necessidade de formar professores de Língua Alemã para as escolas

vinculadas ao então Departamento de Educação. Sua efetivação encontrava dois empecilhos,

como lembra o diretor da Escola Normal Evangélica e artífice do projeto de formação de

professores, professor Hans Günther Naumann:

Nós estávamos muito concentrados na formação de catequistas e a época foi quando nos caracterizamos pelos jovens pastores que se conscientizavam de transformar essa igreja de imigrantes alemães numa igreja voltada a todo povo brasileiro. [...] Então poderiam interpretar isso como um retrocesso, dessa tentativa de inserção no Brasil. [...] A gente via que a Igreja não tinha recursos suficientes nem para continuar a injetar aqui na formação de catequistas. Então nós temos que procurar outros meios.189

A falta de recursos e o temor de não se esforçar para retirar um rótulo do qual a

Igreja pretendia se desfazer, inserindo-se no cenário brasileiro, ajudam a entender melhor a

mentalidade presente nos anos 1970. As escolas possuíam identificação com um tempo que

para essa nova Igreja era passado.

Na decisão em favor da criação do IFPLA, o aspecto econômico acabou

prevalecendo, mas como resultado de uma alternativa criativa encontrada pelo professor

Naumann. A motivação surgiu do diretor do Departamento de Educação, com receio de não

fazer mais jus ao repasse de recursos provenientes do governo alemão, como subsídio para o

ensino de Língua Alemã. Esse recurso era redistribuído para as escolas e um percentual

permanecia no próprio Departamento de Educação, compondo uma parcela do orçamento de

manutenção. O professor Naumann lembra que “Keller sempre dizia: nós estamos recebendo

tantos recursos e os professores, os bons professores, estão morrendo aos poucos e nós não

podemos aceitar esses recursos, se não assumirmos uma preocupação séria na formação de

docentes qualificados”190.

A criação do IFPLA, que poderia ter se mostrado como um novo ônus, em verdade,

resultou em um projeto de característica peculiar. Em parceria com a UNISINOS, coube a

esta a formação de professores em Língua Portuguesa, e ao IFPLA, a formação de professores

de Língua Alemã. O diploma nas duas habilitações era expedido pela UNISINOS. O projeto

foi financiado pelo governo alemão, beneficiando indiretamente toda a estrutura que se

desenvolvia em Ivoti, na formação para o magistério em nível médio (2º grau) e a formação

189 NAUMANN, 2004. 190 NAUMANN, 2004.

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de catequistas.191 O IFPLA ajudava a suportar financeiramente alguns custos fixos e absorvia

alguns egressos da escola para a formação universitária.

A atuação dos professores em diversas instituições vinculadas à IECLB demonstra o

mérito do projeto. A falta de formação específica de professores em nível superior pela Igreja

levou a recrutar “diretores e coordenadores pedagógicos das escolas neste Instituto”, visto que

“a formação para o magistério que esses professores recebem no IFPLA os torna uma equipe

de elite – intelectual – que passa a influenciar a escola como unidade”192. O modelo gestado

na década de 1970 permanece praticamente inalterado, com a estreita vinculação do IFPLA à

UNISINOS e o financiamento pelo governo alemão.

O IFPLA é o grande responsável pela oferta de lideranças, quer em âmbito de

direção, quer em âmbito de coordenação pedagógica para a atual Rede Sinodal de Educação.

Os bons professores de alemão ajudaram a manter recursos oriundos do governo alemão,

importantes à manutenção financeira das escolas.

4.3.3 Faculdade Três de Maio

A Faculdade Três de Maio abriga o mais antigo curso superior reconhecido pelo

MEC em instituição vinculada à IECLB. Seu surgimento remonta à política vigente dentro da

UFSM, com a criação de cursos fora da sede. O período dessa experiência foi de 1968 a 1971,

para posterior proibição de funcionamento dessa modalidade. A perspectiva de

desenvolvimento trazida pelos cursos mobilizou as comunidades, mas a desvinculação da

UFSM era legalmente inevitável. Segundo Clarissa B. Neves,

Restava às inúmeras escolas e cursos implantados, o caminho da autonomia. Em diferentes localidades este se transformou num importante projeto comunitário. O apoio político do deputado e Ministro Tarso Dutra foi decisivo para concretizar muitos destes projetos na forma de IES privadas. É no conjunto destas novas instituições de ensino superior, tornadas independentes e algumas poucas preexistentes, que alguns anos mais tarde, emergirá a conceituação de IES comunitárias.193

A mobilização, a partir de 1969, da comunidade de Três de Maio convenceu a UFSM

a abrir o solicitado “Curso de Administração Pública e Privada”. Através de convênio

envolvendo a municipalidade, a manutenção do curso foi transferida, inicialmente, para a

Sociedade dos Missionários Nossa Senhora da Consolata, que desenvolvia atividades

educacionais no município. Quando houve a desistência dessa entidade mantenedora, e com a

191 Cf. NAUMANN, 2004. 192 FLECK, Dorival Adair. In: MUSSKOPF, 1999, p. 182. 193 NEVES, 1995, p. 9.

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precipitação dos fatos de retirada da UFSM, a Sociedade Educacional Três de Maio

(SETREM) passa a manter o Curso de Administração. Surgida em 1950, a SETREM atendia

aos projetos educacionais de formação de professores, formação técnica e básica da

Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Três de Maio.

A decisão pela mantença veio acompanhada de “longos estudos e análise

aprofundada dos detalhes e das condições”194. Dentre essas condições esteve o recebimento de

uma área com um prédio onde funcionaria o curso. O ano era o de 1973. Em outubro desse

ano, quando o Conselho Universitário da Universidade de Santa Maria homologa a decisão195

da transferência, há vinculação do curso à SETREM. Coube à nova mantenedora, nessa

condição, promover o reconhecimento do curso junto ao então Conselho Federal de

Educação. O reconhecimento, com a criação da Faculdade de Administração Três de Maio,

como faculdade isolada ocorre em 26 de agosto de 1976.

Essa data pode ser entendida como aquela que marca oficialmente o início do ensino

superior em uma instituição da IECLB, incorporada integralmente ao sistema educacional

brasileiro. Ela acontece, contudo, à margem de uma discussão no âmbito eclesiástico

administrativo. No arquivo do Departamento de Educação não há qualquer correspondência

de parte da mantenedora SETREM informando sobre a incorporação do curso, tampouco há

qualquer manifestação desse departamento sobre o tema, apesar do longo período em que o

assunto tramitou. O contato da SETREM com o Departamento de Educação permaneceu ao

longo do período. Mas os assuntos de ordem administrativa nunca fizeram referência de que

estivesse tramitando ou funcionado um curso superior.196 Nas correspondências oficiais

arquivadas, a primeira referência ao Curso de Administração é o convite, não nominalmente

dirigido, de 05 de outubro de 1975, para “no dia 18 de outubro próximo, por ocasião da

inauguração do Prédio da Faculdade de Administração”197 participar do programa de entrega

do prédio doado pela municipalidade à SETREM.

O curso surge, nitidamente, na marginalidade. Trata-se de uma experiência arriscada,

que não possui acompanhamento – e de nenhuma forma de apoio – por parte do

194 MUSSKOPF, 2003, p. 62. 195 Cf. MUSSKOPF, 2003, p. 63. 196 Há o comunicado da troca de diretor, da presidência da mantenedora, informações sobre auxílios para o ensino da Língua Alemã, de salário-educação e, inclusive, em 7 de março de 1975, informa-se sobre a centralização dos serviços administrativos, que passariam a acontecer na Avenida Avaí, 370. Esse é o prédio doado pelo município, dentro do acordo por assumir a mantença do curso de Administração. Sobre isso, porém, nada é comentado. (DEIECLB). 197 Convite assinado pelo prefeito municipal de Três de Maio, Ceslau Sawitzky, e pelo presidente da SETREM, P. David H. Nelson. (DEIECLB).

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Departamento de Educação ou da Secretaria Geral da Igreja198. O processo é guiado pelas

circunstâncias de desvinculação do curso da UFSM e pelo desejo do município de Três de

Maio em conservá-lo. A SETREM, em contrapartida à sua estruturação, assume

responsabilidade pelo curso e o conduz, de maneira isolada, até 1999, quando então surge o

curso seguinte. Decisivo para esse fim certamente foi o apoio material exigido do município,

que possibilitou uma melhor estruturação também da educação básica na SETREM. Nesse

caso, o ensino superior, antes de ser um investimento com visão de futuro, mostra-se como

uma forma de persistir na educação básica. Essa iniciativa é responsável hoje por um sólido

projeto educacional, sem o qual a própria SETREM teria dificuldades para manter seus

demais empreendimentos. A Faculdade de Administração em Três de Maio possui hoje a

companhia de mais oito cursos superiores, constituindo-se na maior estrutura de ensino

superior vinculada à IECLB.

4.4 O apoio formal

A IECLB assume o Departamento de Educação em 1981, vinculando-o à Secretaria

de Missão. Em 1980, o setor educacional é reestruturado. Nele se prevê uma direção

executiva e um Conselho de Educação. A estrutura desse departamento é mantida com

recursos oriundos das escolas. A mudança em relação aos departamentos das regiões

eclesiásticas é que o trabalho se destinará às instituições educacionais de toda a Igreja, mesmo

que os recursos para o trabalho inicialmente sejam das mesmas escolas que já o ofertavam até

essa data.

O ano de 1985 levou as comunidades da IECLB a discutir educação, através do tema

do ano “Educação: compromisso com a verdade e a vida”. O debate em torno do assunto

acontecia em um momento político de abertura no país. Simbolicamente, esse ano também

pode ser caracterizado pela existência de sinais de reacomodação das instituições

educacionais vinculadas à IECLB. A crise econômica ainda perduraria, as diferenças

ideológicas também teriam manifestações posteriores bastante contundentes, mas as escolas

198 Fuchs comenta o episódio:“Eu nem tomei conhecimento. Isso era uma coisa que a diretoria de lá, independentemente, isso acontece de vez em quando. Eles tinham personalidade jurídica e condições próprias como pessoa jurídica própria então tinha condições de fazer uma coisa dessas.” FUCHS, 2004.

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passaram a ter novamente um projeto199, consequência da reestruturação sofrida em 1980 e

implantada a partir daí.

Nesse contexto surge, em 1986, no XV Concílio Geral Ordinário da IECLB, ocorrido

no Rio de Janeiro, uma moção da Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba, nos seguintes

termos:

Considerando o papel significativo das Universidades e institucionalização da reforma e da Igreja Luterana, que recomenda a necessidade do debate dos problemas da sociedade em Universidades, dando oportunidade de participação aos interessados;

Considerando que o mundo atual e em particular o Brasil passam por uma grave crise institucional e moral, cujos problemas devem ser discutidos e analisados nos meios Universitários;

Considerando que a obrigação da Igreja é a educação e formação moral e religiosa da sociedade;

Considerando que só o professor que tiver um embasamento sólido de formação moral e social poderá influir positivamente na sociedade;

Considerando que o IX Concílio Regional da 2ª Região Eclesiástica [pede] à cúpula da IECLB, para assumir seu papel na educação secular através da moção nº V.

PROPOMOS QUE A IECLB:

Apoie a COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA DE CURITIBA – CELC, e colabore com ela na elaboração do projeto para fundação de uma Faculdade Luterana de Filosofia, Ciências e Letras em Curitiba, com o objetivo de formar professores para as escolas luteranas, e a rede de ensino em geral, promover a reflexão e o debate dos problemas atuais da sociedade, desenvolver pesquisa nas áreas das Ciências Humanas, e através da extensão, integrar o ensino superior aos objetivos da sociedade.200

O Concílio não consegue analisar essa questão, e possivelmente nem o poderia fazer,

visto que não está contido na moção qualquer projeto, apenas uma superficial análise da

realidade e um pedido de colaboração na elaboração de um projeto. O assunto é remetido,

assim como as demais moções sem apreciação, ao Conselho Diretor da IECLB. Esse, por sua

vez, remete o assunto ao Conselho de Educação, que é quem passa a se ocupar do assunto

quanto à oferta de ensino superior.

O Conselho de Educação emite seu parecer, mas com uma longa análise histórica das

duas manifestações anteriores que o Conselho Sinodal de Educação emitiu em 1965 e em

199 Na segunda reunião do Conselho de Educação, em 1981, a direção executiva do Departamento de Educação apresenta um Plano de Trabalho. Nesse Plano estavam os projetos que deveriam nortear a ação do Departamento de Educação, tais como promover o congraçamento entre as instituições, intermediar recursos para bolsas de estudo, qualificação de recursos humanos, publicar periódicos, prestar assistência técnica e definir uma política educacional para a escola comunitária evangélica. Cf. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Ata n. 02. (DEIECLB). 200 MOÇÃO XII, do XV Concílio Geral Ordinário da IECLB. (DEIECLB, caixa 105).

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1967, e dos desdobramentos que aquelas posições tiveram na vida da Igreja. Integram a

extensa análise as conclusões tiradas por uma consulta da Federação Luterana Mundial

denominada Educação à luz da Lei e do Evangelho201, que em possível frase-síntese diz que a

igreja deve direcionar sua influência sobre a educação secular na via crítica e construtiva.202

A análise, em sua última parte, já possui caráter de conclusão, quando sugere que não

a IECLB, mas as mantenedoras que com ela se identificam sejam as responsáveis pelos

projetos, cabendo à IECLB: 1) oferecer linhas e diretrizes gerais, para que a Igreja apoie

moralmente aquelas instituições que as seguirem; 2) atribuir tarefas específicas às instituições

apoiadas; 3) manter diálogo permanente com as instituições que recebem apoio. Nesse parecer

também é feita referência ao Curso de Administração, em Três de Maio, do qual a IECLB já

poderia estar se valendo.

Na parte específica, o parecer conclui

[...] pela recomendação ao Conselho Diretor de que aprove a Moção encaminhada ao XV Concílio Regional, nos termos em que se encontra transcrita no presente Parecer;

pela recomendação ao Conselho Diretor de que adote uma política de incentivo ao surgimento de estabelecimentos de ensino de nível superior, mantidas por instituições evangélicas;

pela constituição de uma Comissão Especial deste Conselho, incumbida de elaborar subsídios mais aprofundados sobre o assunto em pauta, de modo a instrumentalizar as instituições com documentos capazes de informar um processo de tomada de decisão quando o interesse em ingressar no ensino de 3º grau se manifestar, bem como formular sugestões capazes de orientar as decisões e informar a prática, tanto do Departamento de Educação, quanto do Conselho Diretor, nas questões mais amplas relacionadas com o ensino superior.203

A abordagem de todo o parecer é nitidamente cautelosa. Ela também é reativa, na

medida em que o posicionamento acontece por provocação. A consciência da necessidade de

implantar cursos superiores sempre contrastou com as dificuldades econômicas, e nesse

momento não foi diferente. A ênfase, contudo, é que não se esperava mais da Igreja a

iniciativa de manter cursos superiores, mas das comunidades.

O Conselho Diretor acatou, na íntegra, o parecer do Conselho de Educação e ainda

solicitou desse a formulação das orientações e subsídios previstos no parecer. Resultado disso

é outro documento, denominado Parecer 03/87, que apresenta “Subsídios para o

estabelecimento de uma política para o ensino de 3º grau na IECLB”. Seu caráter é oferecer

um roteiro aos eventuais interessados em executar um projeto de ensino superior com apoio

201 Erziehung im Licht von Gesetz und Evangelium (tradução nossa). 202 Cf. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 171). 203 CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 171).

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da IECLB. Esse documento, dividido em subtítulos, apresenta: os objetivos; os princípios

orientadores204; as áreas prioritárias205; a forma de encaminhamento; as competências; e a

administração.

Seus efeitos foram muito mais anímicos do que práticos. Como resultado dessa

iniciativa, o Departamento de Educação iniciou estudos para constituição de cursos

superiores. Conforme Fleck206, houve sondagens junto às Faculdades Integradas de Santa

Cruz do Sul (FISC), à Fundação Alto Taquari de Ensino Superior (FATES) e uma reunião

com lideranças da comunidade de Carazinho. As duas primeiras foram estudos que

pretendiam assumir os cursos existentes na instituição ou participar da administração. A

escolha da FISC deu-se porque a instituição, nascida de forma semelhante ao curso superior

em Três de Maio, possuía forte veio comunitário, mas atravessava dificuldades financeiras. O

equacionamento da dívida não permitiu a evolução das tratativas. A FATES, um consórcio de

municípios, estava esvaziada, e os estudos remetiam para que a Igreja pudesse integrar esse

consórcio. Contudo, o estatuto vedava a participação de igrejas. A última, em Carazinho, a

única que se constituiu em um pedido da comunidade local para que houvesse participação da

IECLB na instalação de cursos na cidade, não ocorreu, aparentemente, pela forte disputa

partidária que acompanhava a discussão.

Essa desoneração da IECLB repercute, lentamente, com a iniciativa da comunidade

de Joinville, a qual obtém o reconhecimento como instituição da Igreja na década de 1990.

Nas discussões internas ocorridas, em 1990, no Colégio Bom Jesus, em Joinville, está o

embrião do primeiro projeto sobre o qual o Parecer 1/87 tem algum efeito prático, ainda que a

motivação inicial não decorresse desse parecer expedido pelo Conselho de Educação e

referendado pelo Conselho Diretor da IECLB. Os créditos da motivação – com áreas de

desafio – são atribuídos ao Dr. Uriel Zanon, do Hospital Dona Helena, instituição de saúde

vinculada à Comunidade Evangélica de Joinville.207

Da aceitação do desafio ao início dos estudos de implantação, em 1991, até o

funcionamento do primeiro curso, em 1997, transcorreu um longo período. Houve a

constituição de uma Comissão de Estudos de Implantação do 3º Grau, a elaboração de uma

204 Segundo o Parecer 03/87, o apoio se condicionaria: a) à existência de um projeto educativo claramente definido com base em dados antropológicos (cultural, social, psicológico, bíblico), na perspectiva de uma sociedade mais digna e humana; b) ao exercício de um estilo democrático de administração, de modo que execução e decisão sejam atribuição da comunidade educativa como um todo, o que equivale à busca de um caráter comunitário e participativo de administração; c) à formação de políticas e estratégias comprometidas com as necessidades do país e com as prioridades da IECLB, enfatizando a inovação e as soluções alternativas. 205 As quatro áreas prioritárias são: Administração, Promoção Comunitária, Saúde, Educação. 206 Cf. FLECK, 2005. 207 REVISTA INDEZ. Informativo Cultural do Bom Jesus/IELUSC, n. 02, p. 3, jul./ago. 1997.

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carta-consulta à IECLB e à Comunidade Evangélica de Joinville para apreciação do projeto e

a criação do Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina (IELUSC). A oferta de ensino

superior em Joinville incorpora as diretrizes do parecer do Conselho de Educação, adotando

inclusive as áreas Saúde, Educação e Promoção Social como aquelas em que ocorreria oferta

de cursos.208

Esse é o primeiro projeto de ensino superior dentro de instituição da IECLB

reconhecido pelo MEC e preparado pelos seus executores. E nele também está a síntese do

que é possível realizar como instituição de ensino superior: um projeto local, conduzido pela

entidade mantenedora, que o sustentará. O corpo administrativo e docente do Colégio Bom

Jesus teve de fazê-lo, ainda que esse contasse com as reflexões de outras pessoas, algumas

vinculadas à própria Igreja. Trata-se de assegurar projetos plenamente identificados com a

diretriz confessional da IECLB. É assim que o parecer se expressa, dizendo que não cabe à

IECLB, como instância eclesiástica, manter cursos superiores, mas às instituições a ela

vinculadas, para o que ela dará apoio moral. E assim acontece com o IELUSC, que hoje

possui cinco cursos, mas que realiza todo o investimento como decorrência do aporte do

Colégio Bom Jesus, do próprio IELUSC e de agências parceiras no fomento à formação

educacional superior e à pesquisa.

Ao dizer isso, a IECLB reencontra o caminho da origem de suas instituições: as

instituições comunitárias. Ela remete às comunidades a oferta de ensino superior, verdadeiras

interessadas na educação que se devolve. Se essa for a vontade delas. A inclinação pelo

congregacionalismo parece ter inviabilizado um projeto único ou centralizado. Essa retirada

serviu para que novos projetos começassem a brotar. Necessário afirmar que em um cenário

educacional bastante distinto a partir de 1995.

4.5 O planejamento conjunto

O caminho do ensino superior na IECLB está delineado pela via das comunidades,

que podem ou não requer apoio da IECLB, pelo Conselho de Educação. Três instituições

dirigiram-se a esse conselho solicitando aval para seus projetos. A última manifestação

aconteceu em 1998. Do Parecer 2/98 também é possível extrair uma síntese dos

posicionamentos emitidos:

208 REVISTA INDEZ, 1997, p. 4.

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Pelo Parecer Nº 3/87, foi esclarecido o objetivo a que visa a IECLB ao apoiar iniciativas na esfera do ensino superior, os princípios que regem esse apoio e as áreas consideradas merecedoras de apoio prioritário. O documento encerra, ainda, itens esclarecedores dos procedimentos a serem seguidos pelas instituições interessadas em alcançar o apoio da IECLB, no que se refere a elementos constitutivos da carta-consulta, à distribuição de competências e a requisitos quanto à administração das instituições.

Desde a data de aprovação desse Parecer, uma instituição, o Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina – IELUSC, encaminhou carta-consulta ao Conselho Diretor, obtendo o aval solicitado, com base no Parecer Nº 2/95 deste Conselho. Além disso, a Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba – CELC encaminhou minuta de anteprojeto e, através do Parecer Nº 1/96, foi incentivada a aperfeiçoar seu projeto [...]

O Plenário do Conselho de Educação – IECLB conclui favoravelmente a que a IECLB empreste seu aval e seu apoio ao projeto do Instituto Superior de Educação a ser mantido pela Associação Evangélica de Ensino, de Ivoti.209

O aval ao IELUSC e ao Instituto Superior de Educação de Ivoti tinha como pano de

fundo o atendimento às áreas prioritárias, respectivamente saúde e educação. Elas também

vieram acompanhadas de uma qualificada proposta pedagógica, com formação prévia de

docentes. O projeto da CELC não recebeu apoio210, por “alguns aspectos que carecem de

melhor elucidação ou mesmo redefinição”211. Entre esses, por não ficar comprovado no

anteprojeto “tratar-se de iniciativa eminentemente comunitária”. O Parecer 2/98 indica que

“não carecem elas [as instituições] de nenhum tipo de autorização para pôr em andamento

seus projetos, nem há orientações que devam, obrigatoriamente, atender”. As instituições

atuam livremente. Daí se conclui que a IECLB, pela sua estrutura administrativa, pode manter

e interagir com instituições superiores às quais empresta aval, sem qualquer prejuízo à

iniciativa de comunidades isoladas interessadas em oferecer um projeto que atenda à

necessidade da sociedade.

209 CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 2/98. Disponível em: <https://www.redesinodal.com.br/restrito/instituicoes/_files/2009-08-17_selecao_parec_docum_recom_conselho_1981a2008.pdf>. Acesso em: 31 maio 2010. 210 Em 10 de dezembro de 1997, segundo se depreende dos estatutos do Instituto Martinus de Educação e Cultura – IMEC, a Assembleia Geral Extraordinária da CELC-UP institui organismo para a oferta do ensino superior. O IMEC surge um ano após a negativa de aval da IECLB. A despeito disto, o IMEC incluiu diversos órgãos da IECLB como partícipes permanentes da sua administração. São eles: I – Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba – União Paroquial (CELC-UP), na qualidade de fundadora, através do seu conselho diretor; II – os órgãos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB, com Registro Civil sob nº 5.031, em 25.10.68, na Comarca de Porto Alegre, a seguir nominados; a) o Conselho da Igreja (IECLB); b) o Conselho Sinodal do Sínodo Paranapanema; c) o Departamento de Educação da IECLB; III – O Colégio Martinus, com Registro Civil sob nº 578.912, no Primeiro Ofício de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba; IV – a Fundação Luterana de Assistência Social – FLAS, com Registro Civil nº 411653, em 13/05/1990, no Primeiro Oficio de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba. Cf. ESTATUTO do IMEC. (DEIECLB, Pasta IMEC). Não há registro no arquivo do Departamento de Educação da IECLB que possa, minimamente, demonstrar a participação na administração desse instituto. A inconsistência registrada pelo Conselho de Educação no Parecer 1/96 ficou evidente. Endividado, ele foi encerrado a partir de 2005. A IECLB foi arrolada como litisconsorte passivo e é co-ré em pedido milionário de reparação por quebra de contrato. 211 CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 1/96, de 7 junho de 1996. (DEIECLB, Pasta 5.55).

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Em 1999, professores das instituições de ensino superior em funcionamento e

daquelas que se projetavam para iniciar atividades se reúnem em 13 e 14 agosto para o 1º

Encontro de Professores de Educação Superior, em Três de Maio. O evento acontece dentro

do programa de atividades do Departamento de Educação da IECLB. Cerca de trinta pessoas,

sendo metade dessas da instituição anfitriã, a SETREM, debatem sobre as perspectivas do

ensino superior nas instituições da IECLB. O encontro também está no contexto de uma

discussão sobre a política educacional da IECLB. O Fórum Permanente de Educação e

Formação, funcionando a partir da Secretaria de Formação da IECLB, dedicava-se ao estudo

do “3º grau”. O próprio Secretário de Formação da IECLB, P. Edson Streck, participa dos

debates em Três de Maio. A iniciativa aflora um debate mais intenso, o que faz com que

várias instituições iniciem estudos sobre a viabilidade de ofertar o ensino superior212, a

maioria infrutífera.

A sequência dos encontros de professores213 gera motivação em torno da ideia de

oferecer ensino superior de maneira mais ampla. Entre os anos de 2001 e 2002, as instituições

localizadas na região metropolitana de Porto Alegre pretendem criar faculdades integradas,

para posterior constituição de um centro universitário. A EST ofertava seu curso de Teologia

reconhecido pelo MEC214, sendo que as demais interessadas215 ainda trabalhavam em projetos

de criação de faculdades. As motivações para o trabalho, os objetivos e um cronograma estão

presentes no protocolo de intenções redigido pelas instituições. O propósito de compartilhar

infraestrutura e o reconhecimento de que o trabalho conjunto representa maior oportunidade

de êxito estão no teor do protocolo, mas a integração de fato das instituições é descartada e

“cada uma das entidades mantém-se autônoma [...] podendo retirar a qualquer momento” 216.

Os estudos resultaram na criação de instituições isoladas, sem qualquer integração formal.

Em 8 de abril de 2002 é assinado, na Secretaria Geral da IECLB, o Programa de

Cooperação e Integração do Ensino Superior. Ele acontece de maneira paralela à iniciativa da

região metropolitana, abrangendo todas as instituições interessadas. O documento é firmado

212 Além daquelas que, efetivamente, deram início ao ensino superior, pelo menos as seguintes instituições encetaram estudos para a oferta de cursos de graduação: Colégio Ipiranga, de Três Passos; Colégio Cônsul Carlos Renaux, de Brusque; Colégio Evangélico Augusto Pestana, de Ijuí; Instituto Luterano de Educação do Parecis; de Campo Novo do Parecis; Colégio Sinodal, de São Leopoldo; Colégio Evangélico Alberto Torres, de Lajeado; Escola Barão do Rio Branco, de Blumenau e Colégio Evangélico Panambi, de Panambi. 213 O 2º Encontro acontece da Escola Superior de Teologia, em 2000, e o terceiro, no IELUSC, em Joinville, sempre no mês de agosto. 214 Bacharelado em Teologia da Escola Superior de Teologia foi autorizado por ato nº 1436/99, publicado no DOU em 4 out. 1999. 215 Instituto de Educação Ivoti, Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, Colégio Sinodal e Colégio Pastor Dohms. 216 PROTOCOLO DE INTENÇÕES – Criação de Faculdades Integradas, de março de 2002. (DEIECLB, Pasta 5.55).

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por seis instituições já implantadas217, por mais três218 que comparecem com o intuito de

ofertar graduação e pelos representantes da Secretaria de Formação e do Departamento de

Educação. Trata-se, em verdade, de um protocolo de intenções para a cooperação e integração

visando ao “desenvolvimento do ensino superior no país”219. As instituições passam a se

mover a partir da indicação desse protocolo, que pretende reunir as potencialidades físicas e

intelectuais das instituições de educação básica em torno dos tenros projetos de oferta de

ensino superior.

A providência inicial é um planejamento conjunto. Em 24 de outubro de 2002, “as

Instituições de Ensino Superior da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

(IECLB), alicerçadas no propósito de manter destacada atuação no cenário educacional

brasileiro, apresentam seu primeiro planejamento conjunto”. O planejamento apresenta a

forma de trabalho conjunto, elege programas para a atuação e define metas prioritárias. Elas

instituem a Unisinodal.

A Unisinodal é uma organização de instituições de ensino superior vinculadas à IECLB, constituída de fato pelo trabalho conjunto em favor da promoção do saber científico e da formação profissional, porém não como entidade educacional enquadrada no conceito de Universidade perante a legislação educacional brasileira. A Universidade Sinodal pretende colaborar na criação de centros universitários e universidade nas suas instituições de ensino superior. É entendimento das Instituições que mesmo atingindo os status de universidades dentro do conceito da legislação educacional brasileira, a Unisinodal permanecerá, haja vista que surgiu para atender a um propósito que transcende a organização oficial.220

O ambicioso projeto também dá sequência na forma de articulação entre as

instituições. Surge a Câmara das Instituições de Ensino Superior. Essa forma de articulação já

fora apontada pelo protocolo de intenções, assinado em 8 de abril. A câmara, após aprovação

do Conselho de Educação da IECLB, passa a funcionar em junho de 2003 e articula algumas

iniciativas, em especial a realização do vestibular conjunto. As dificuldades operacionais, as

diferentes culturas regionais e até a concorrência entre a instituções permitem apenas duas

edições nesse formato de processo seletivo. A câmara não consegue levar em frente os termos

do planejamento conjunto. As diferenças entre instituições profundamente amoldadas às suas

comunidades não foram superadas e a associação entre diferentes, ainda que

confessionalmente identificados, restou inviável.

217 SETREM, FAHOR, EST, IELUSC, ISEI, IMEC. 218 A IENH e o Colégio Pastor Dohms de fato implantam cursos. O Colégio Sinodal, de São Leopoldo, opta por reforçar sua atuação na educação básica, com a abertura de um novo colégio na cidade de Portão-RS. 219 PROGRAMA de Cooperação e Integração do Ensino Superior – Protocolo de Intenções, de 08 de abril de 2002. (DEIECLB, Pasta 5.55). 220 UNIVERSIDADE SINODAL – Unisinodal Planejamento. (DEIECLB, Pasta 5.54).

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A Unisinodal era um ente estranho, e ela não se concretizou. O espaço para discussão

e aproximação de maior destaque da Câmara das Instituições de Ensino Superior foi o

Congresso do Ensino Superior. Seguindo o exemplo inspirador da educação secundária, que

em 1953 cria um congresso tradicional no âmbito da educação na IECLB, as instituições de

ensino superior realizam, desde 2005, um congresso bienal. Na primeira edição, um debate

mais sereno é proposto ao conferencista principal do evento. Walter Altmann, pastor

presidente da IECLB, fala sobre “Identidade Luterana e Educação”. Os congressistas, nos

trabalhos em grupo, recebem a tarefa de apresentar propostas para a “Construção de uma

proposta de identidade para o Ensino Superior na Rede Sinodal de Educação”.

O primeiro Congresso do Ensino Superior encerra com a apresentação da Carta de

Camburiú, documento que se pretende como “uma carta de intenções sobre a Identidade da

Educação Superior na Rede Sinodal”. Nela se lê que “o resultado das reflexões ensejadas

expressa-se em quatro princípios básicos. São eles: preocupação com o/a aluno/a como

pessoa; preocupação com a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem; busca por uma

gestão profissional; respeito à cultura local e regional”.221 Parece claro que as instituições

estão dipostas a conviver, a apresentar-se de forma a serem vistas como semelhantes, mas sem

intenção de trabalhar de forma efetivamente conjunta. A cultura local, a sua comunidade, não

pode ser atingida por um pretenso projeto associativo mais amplo. Nesse momento, em 2005,

o cenário do ensino superior já demonstrava uma definição mais clara. As oito instituições

presentes nesse congresso, além do próprio IFPLA, são aquelas que, em 2010, ainda atuam

com a oferta de ensino superior.

4.6 Perspectivas

A janela de ingresso ao ensino superior para novas instituições foi fechada no final

da década de 2000. O volume de recursos necessários para ofertar essa etapa de educação no

país torna improvável que surjam novas instituições vinculadas à Igreja nos próximos anos.

Grupos estrangeiros têm aumentado a concorrência, deixando comprometida a qualidade no

ensino. Um princípio fundamental estabelecido nas instituições comunitárias é evitar a

competição que resulte em prejuízo aos egressos. A dificuldade de instalação de uma

instituição está nos critérios rigorosos de infraestrutura e corpo docente exigidos pelo MEC.

Outros fatores também contribuem para esse quadro: o baixo valor das mensalidades, alta

221 REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO. Textos orientadores para a educação evangélico-luterana. São Leopoldo: Rede Sinodal de Educação, 2005. 40 p. p. 38.

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inadimplência por parte dos alunos, risco de endividamento das instituições com bancos e o

fisco, proliferação do ensino a distância e a falta de gestão profissional.

Restando improvável o surgimento de novas instituições, cabe tentar prenunciar o

que acontecerá com as atuais nove instituições que se identificam com a IECLB. Elas

possuem a seguinte conformação em 2010:

IES Nº de Cursos

Cursos oferecidos 1º Proc seletivo Alunos curso

Total da IES em maio de 2010

IFPLA 1 Letras Português/Alemão 1977 64 64 Teologia222 1/00 269 EST

2

Musicoterapia 1/03 80 349

Administração223 2/76 346 Sistemas de Informação 2/99 106 Pedagogia 1/00 64 Enfermagem 2/01 111 Engenharia de Produção 1/04 110 Redes de Computadores 2/04 67 Psicologia 2/07 82 Agronomia 1/09 93

SETREM 9

979

Enfermagem 1/97 149 Comunicação Jornalismo 1/98 163 Comunicação Public e Prop 1/98 200 Turismo 2/99 13 Educação Física 2/01 70

IELUSC 5

Nutrição 1/03 163

758

Engenharia Mecânica 1/02 260 Engenharia de Produção 1/04 144

FAHOR 3

Economia 1/05 81

485

FLT 1 Teologia 1/02 53 53 ISEI 1 Pedagogia 1/04 136 136

Administração 1/07 113 Redes de Computadores 2/09 28

IENH 3

Ciências Biológicas 1/10 5

146

Redes de Computadores 1/08 106 Sistemas para Internet 1/08 78 Gestão Comercial 2/08 65 Gestão De Segurança Privada 1/09 31

TecnoDohms 3

Logística 2/09 22

302

Totais 28 3272

Nove instituições é um número muito acima daquele possível de se manter,

considerando a localização geográfica e o público atualmente atendido. Cinco estão na região

metropolitana de Porto Alegre e duas, próximas em 20 km, em Três de Maio e Horizontina,

no noroeste do Rio Grande do Sul. Há ainda duas em Santa Catarina. O país deve

222 Como curso autorizado pelo MEC. O primeiro ingresso no curso de teologia, sem reconhecimento oficial, aconteceu em 1946. 223 Em 1973, a extensão do Curso Superior de Administração passou a ser mantida pela SETREM e no ano de 1976 é reconhecida como Curso Superior.

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experimentar uma redução do número de entidades mantenedoras nos próximos anos.224 Essa

tendência deve atingir também as atuais instituições identificadas com a IECLB, ainda que

elas tenham características como sua inserção comunitária e sua história na educação básica.

A proximidade tornará as instituições cada vez mais ferozes concorrentes entre si, se

mantidas isoladas. Sua atual estrutura é de escolas básicas, em que os custos fixos,

decorrentes de carga horária mínima para docentes e apoio para oferecer serviços aos alunos,

são muito menores do que os verificados no ensino superior. Há uma crescente dificuldade

para manter a regularidade de funcionamento. O órgão regulador da educação superior

nacional impõe às instituições de ensino superior, em nome da qualidade, exigências de difícil

cumprimento às pequenas instituições.

A última década serviu de aprendizado às instituições vinculadas à IECLB. Boa parte

dos protagonistas em função decisória deste período mantém-se em colocação de influenciar o

trabalho nos próximos anos. O planejamento conjunto, em especial na região metropolitana de

Porto Alegre, na primeira metade da década de 2000, era permeado dos conceitos válidos à

educação básica. Além de essa ser naturalmente mais próxima das famílias e das residências,

ela se realiza em instituições com uma reconhecida trajetória, iniciada no século XIX ou no

início do século XX. Restou demonstrado que não há transferência significativa da imagem

qualitativa para o público externo do cabedal construído dessas instituições.

Uma instituição de ensino superior surgida da educação básica é, de fato, uma nova

instituição e não uma continuidade do nível anterior. A começar pelo público: os formados

nas reconhecidas instituições de educação básica procuram instituições públicas para a

graduação. Nem mesmo as tradicionais universidades comunitárias têm conseguido atingir

adequadamente o contingente de egressos do ensino médio das escolas comunitárias.

Transcorridos quase dez anos, é possível imaginar que os protagonistas desse período

apreenderam que a sobrevivência depende de trabalho conjunto e de novos conceitos. A

dificuldade de atuar em conjunto pode ser menor, mas para isso os pressupostos da autonomia

e do comunitário necessitam nova conceituação no meio educacional evangélico-luterano. O

comunitário na IECLB encontra na propriedade um elemento indispensável. O sentimento de

pertença é também um sentimento de posse. Grandes instituições, como tendem a ser aquelas

que oferecem ensino superior, exigem modelos complexos, em que a lógica paroquial não tem

espaço. Como o início deste estudo demonstrou, o conceito do comunitário firmou-se, mas

224 As cerca de duas mil instituições de ensino superior do segmento de ensino superior privado são mantidas por um mil e duzentas mantenedoras. Estudos do MEC apontam que o número de mantenedoras cairá para cerca de 400, com a expansão de grupos educacionais, até 2015. Cf. REVISTA ENSINO SUPERIOR. São Paulo: Segmento, ano 12, n. 138, p. 20.

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depois evoluiu para que pudesse ter alcance nacional. Evoluir em sua forma de responder a

uma comunidade – e o que ela significa – é imperioso para que instituições de ensino superior

se estabeleçam fortes a partir da IECLB.

A educação em uma igreja luterana precisa ser entendida como uma necessidade

confessional. O corpo eclesiástico necessita da educação para animar e reanimar sua teologia.

Em um artigo contando a história do Instituto Pré-Teológico, Naumann escreve: “Instituições,

também estabelecimentos de ensino, não são um fim. São um meio para que determinado fim

seja alcançado.”225 A educação básica serve como testemunho da Igreja na sociedade. A

educação superior abastece a Igreja com pesquisa e com reflexão. Um olhar a partir de uma

teologia serena e renovada para a sociedade brasileira é espaço da igreja luterana no país. É de

sua responsabilidade manter esse lugar.

A Faculdades EST, nome atualmente atribuído à EST, mantém um reconhecido

programa de pós-graduação que serve a esse propósito de manter a Igreja na vanguarda de

temas que lhe são caros. Com conceito 7, o mais alto conferido pela CAPES, a manutenção

em alto nível desse programa é um fenômeno. As instituições de ensino superior com

programas desse nível o mantêm com recursos oriundos da graduação, apoiadas em

instituições universitárias sólidas. É possível imaginar que seu nível decline com a ausência

de uma instituição robusta que oferte graduação.

O cenário educacional para a instituição confessional comunitária no ensino superior

passará por novas e profundas transformações. Um projeto educativo é mais do que oferecer

cursos, razão pela qual as atuais instituições, juntamente com a IECLB, devem atuar de

maneira integrada, em um esforço permanente para interpretar os desafios e vislumbrar

possibilidades. A longa trajetória da educação na Igreja demonstra o quanto ela está

identificada com essa forma de promoção da pessoa. Também essa identificação permitiu que,

mesmo com os percalços desse período, certo atraso na oferta de ensino superior pudesse

começar a ser compensado. A falta de uma instituição, ao modelo do Ginásio Sinodal para a

educação secundária, é percebida hoje. Superar idiossincrasias sem se afastar dos

fundamentos é o que permitirá êxito nessa trajetória de honrar a história, encontrar novos

caminhos e afirmar compromisso com o desenvolvimento da sociedade brasileira.

225 NAUMANN, Hans Günther. A transferência do IPT para Ivoti – fim ou preservação de uma missão? In: DROSTE, Rolf (Org). Uma escola singular: Instituto Pré-Teológico – Proseminar. São Leopoldo: Sinodal, [1997]. p. 130.

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CONCLUSÃO

Esta pesquisa teve como centro a história do ensino superior na IECLB, desde as

primeiras discussões até o quadro no momento da entrega do trabalho. A tarefa exigiu

compreender o contexto do ensino superior brasileiro, a história da educação protestante, além

de discutir formas organizativas percebidas como decisivas para compreender o objeto da

pesquisa.

As escolas primárias dos evangélico-luteranos foram criadas por comunidades

interessadas na educação de seus filhos. Escolas tornaram-se então impulso para o

desenvolvimento das colônias de imigrantes no sul do Brasil. Nessas escolas não havia

participação oficial. Na fase de estruturação dos sínodos evangélico-luteranos brasileiros, os

quais desembocam na IECLB, houve incentivo a um projeto mais orgânico do ensino ofertado

por comunidades. O início disso se dá no final do século XIX. Em especial o Sínodo

Riograndense desenvolveu um sistema educacional bastante amplo, resguardado em conceitos

como formação de professores e estabelecimento de escolaridade mínima para que seus

membros frequentassem o ensino confirmatório. A eclosão da Segunda Guerra Mundial

também em terras brasileiras alterou o percurso desse trabalho.

A partir do momento do Pós-Guerra, a igreja luterana teve que reorganizar sua forma

de trabalho. O Seminário de Professores do Sínodo, fechado por causa da guerra, não conferia

aos concluintes a habilitação oficial de normalistas. A falta de professores habilitados foi uma

das razões que levou ao fechamento de escolas primárias durante a guerra. Na década de

1950, surgia a oferta do ensino secundário. Para evitar algum novo revés, a habilitação de

professores impunha-se como desafio. O esforço era no sentido de prover as escolas com

professores formados. Novos conceitos para a Igreja, que procura uma inserção na vida

brasileira, e desafios como estruturação de sua base teológica no Brasil, deram início, a partir

da década de 1950, ao afastamento das instituições educacionais do centro de interesse da

Igreja.

A Igreja Católica manteve o interesse na educação por um tempo maior. Enquanto no

início do século XX as iniciativas dos religiosos católicos e protestantes entre os descendentes

alemães corriam paralelamente, após a Segunda Guerra não é percebida a mesma ação no

ensino superior. A atuação da Igreja Católica, tacitamente ainda a religião oficial do país no

século XX, oferecia incentivo para que suas instituições educacionais desenvolvessem o

ensino superior nas décadas de 1940 a 1960, nascedouro da maioria das grandes universidades

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católicas brasileiras. A decisão do início dos anos 1960, a partir da orientação do Concílio

Vaticano II, de que as instituições católicas deveriam ter papel de maior abertura na

sociedade, sinalizou também para a igreja luterana que a disputa confessional já não era a

mesma. Uma expansão menor dos projetos católicos no ensino superior foi percebida como

uma tendência no país de este não ser um espaço das igrejas. Isso contribuiu como fator de

desestímulo para que a IECLB oferecesse formação em faculdades.

Outras igrejas protestantes instaladas no Brasil passaram a oferecer faculdades e

universidades. Em seu horizonte estava que a criação de escolas superiores fosse ponto

determinante de apoio aos seus projetos missionários. Assim, mesmo criando escolas básicas,

quando a janela do ensino superior se oferece, a partir da década de 1940, igrejas como a

metodista e a presbiteriana voltaram-se conscientemente para essa finalidade. A IECLB

estava envolvida na atenção de suas prioridades internas. Não havia tempo e recursos para um

empreendimento da grandeza da criação de uma faculdade nesse momento. Por outro lado,

havia uma nítida preocupação de colaborar com o Estado, que acena ser o ensino sua tarefa, e

à Igreja “não convinha criar uma faculdade fraca”226. Como igreja de imigração, interessava

atender ao seu povo. O importante era garantir a formação religiosa elementar dos seus

membros e orientar jovens que buscavam formação superior. A opção das casas de estudantes

é a materialização dessa ideia.

A opção pela oferta de casas de estudantes aos jovens evangélicos ao invés de uma

faculdade era uma tentativa de ser igreja no Brasil. A manutenção de uma identidade

confessional, sem um confronto com o Estado ou com outras igrejas, está na raiz dessa

decisão. A proposta de ser um povo evangélico-luterano era mais forte do que a de ter uma

proposta evangélico-luterana para a sociedade. Formou-se uma ideia equivocada de que seria

possível manter o povo evangélico-luterano reunido em comunidade a partir do

acompanhamento desse onde quer que ele esteja. Essa posição era absolutamente coerente

com a concepção de Igreja, de Volkskirche, da igreja de imigração. Ser igreja de imigração,

não missionária, teve seu desdobramento na proposta de educação para o país.

A desativação das estruturas dos sínodos, a partir de 1968, leva a um período de certa

paralisia, que prejudicou a retomada das discussões estratégicas para a educação. A IECLB,

que estava surgindo como igreja nacional, estava preocupada com o processo de fusão entre

sínodos. Ela não soube perceber a importância da oferta de ensino superior a partir da reforma

universitária de 1968. Os posicionamentos existentes sobre a educação superior no Conselho

Sinodal de Educação, até 1967, foram tomados como referência, retardando até a metade da 226 FUCHS, 2004.

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década de 1980 a reativação do assunto no âmbito eclesiástico. As comunidades aguardavam

uma posição da Igreja e esta tardiamente diz ser a educação superior tarefa das comunidades.

A reconstrução das trajetórias de constituição das instituições de ensino superior

identificadas com a IECLB aponta para a pequena participação da Igreja. O atraso evidencia-

se com a busca de soluções compensatórias na formação de pessoas para dentro das

instituições da Igreja. Decisiva é a forma de financiar os projetos. A criação do ISCET e do

IFPLA reflete essa situação. Esses institutos continham em si a necessidade de a IECLB ou

seus parceiros (no caso do IFPLA, o governo alemão) financiarem os projetos na íntegra. E,

nesse caso, por melhor que fosse o projeto, em algum momento, quando não houvesse

recursos financeiros dessa fonte, ele sucumbia. O surgimento da Faculdade de Administração

na SETREM, em 1973, é um acidente de percurso. O primeiro curso superior no âmbito de

instituições da IECLB surge como surgiram as primeiras escolas: sem qualquer participação

intencional da Igreja227. Assim como a Igreja não fomentava, ela também não vedava o

surgimento de cursos. Não havia, portanto, política sobre o assunto na década de 1970, o que

remete à ideia de omissão sobre o tema, na medida em que não foi percebido como importante

para a vida eclesiástica.

O fato é que a IECLB se mostrou muito menos orgânica do que os sínodos que a

constituíram, porque teve que harmonizar as diferenças internas. Isso fortaleceu as

comunidades, em uma tendência congregacionalista. Na educação, as decisões cabem às

mantenedoras, entes vinculados às comunidades. Reforçar essa posição em uma igreja

luterana significa reafirmar o respeitável elemento da comunidade como determinante da ação

na estrutura eclesiástica. As ações na área da educação transitaram entre o comunitário ou o

associativo, nunca conseguindo se firmar definitivamente um ou outro conceito. Na origem, a

condição comunitária prevaleceu. Dessa forma, criaram-se muitas escolas primárias.

A estrutura associativa, chegada com os sínodos, interferiu naquela organização

congregacional e impulsionou a formação de um sistema de ensino. Essa participação

prescritiva da Igreja assinalou uma espera por novas atitudes da Igreja. A criação de uma

igreja nacional, com a união dos sínodos iniciada em 1949, sinaliza uma atuação mais

hierárquica. O posicionamento do Conselho Sinodal de Educação deve ser avaliado nesta

circunstância, quando considera inoportuna a oferta de cursos superiores, tem um peso

227 Naumann vê isto como característica da Igreja: “Vamos começar, sem discutir muito. Vamos começar, quase todas as nossas instituições escolares nasceram assim. O Dohms também começou assim.. Então vamos começar na minha casa paroquial, o seminário de professores, não alugavam.”. NAUMANN, 2004.

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decisivo na iniciativa da Igreja e das próprias comunidades. O comunitário ou o associativo

serviu para impulsionar os projetos de educação, mas também ajudou a contê-los.

Deve-se destacar que a IECLB perdeu espaço no cenário educacional brasileiro. Sua

omissão em relação ao ensino superior de alguma forma pode ter contribuído para que os

índices educacionais de alfabetização, vistosos na comparação com regiões do país onde ela

não teve influência, não fossem tão reluzentes quando tomada a educação superior. Esse dado

vale principalmente naquela parcela que reflete a pesquisa. A Igreja sentirá os reflexos disso

nos anos vindouros. O colunista Claudio Moura Castro, da Revista Veja, ao analisar o perfil

dos cientistas brasileiros mais destacados, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia,

constata que

Surpreende a ausência dos estados do Sul, cujo único cientista era alemão. Ou seja, estados que hoje lideram em qualidade de vida e veem desabrochar suas indústrias de base tecnológica não foram capazes de produzir um só cientista ilustre. A maior cobertura de educação básica não bastou. Seria a falta de boas universidades para nutrir os seus melhores talentos?228

Desenvolver um projeto maior para o país, e não apenas para uma região, mostra-se

um desafio para a Igreja. As iniciativas isoladas são insuficientes para consolidar uma posição

nacional. Ter um centro irradiador, de grande pujança, não está no horizonte da IECLB, e o

fato de até a década de 1980 não haver a concepção de um projeto universitário no seio da

Igreja é uma causa disso. Cabe às atuais gerações tentar reverter esse quadro, se o objetivo for

manter a identidade que constituiu a Igreja no Brasil.

Apenas com o apelo conciliar de 1986 e o posicionamento do Conselho de Educação

em 1987, o tema do ensino superior tem uma manifestação de apoio da IECLB. O Conselho

de Educação apreende o que se percebia na IECLB, de que ela não tinha um projeto de

educação para além da formação de obreiros. Daí resulta uma nova e clara orientação: a Igreja

até pode confiar apoio a iniciativas de oferta de ensino superior, mas cabe às comunidades

assumir papel de protagonista na oferta desses serviços. A IECLB emprestaria apoio, se

entender que os projetos pudessem servir à Igreja como um todo.

Nesse episódio reafirma-se a dicotomia histórica entre uma estrutura associativa

orgânica e a resposta da comunidade. Vive-se desta dicotomia entre o associativo, onde

alguém deve decidir pelo conjunto, e a autonomia da comunidade. A conveniência de a

decisão não estar na comunidade é usado como subterfúgio para não fazer. De fato, a

autonomia das comunidades confere a elas pleno poder para encontrar seus próprios

228 REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, ano 43, n. 12, 24 mar. 2010, p. 32.

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caminhos. Essa atitude também prejudica os empreendimentos existentes se reunirem para se

fortalecer. Comunidades quando isoladas têm grande dificuldade de empreender projetos

maiores, porque esses exigem reunião de esforços. Reunir-se exige descartar premissas que

são insustentáveis para um projeto maior.

A dificuldade de se unir levou ao fracasso os planejamentos conjuntos das

instituições, fomentados pela Igreja e encetados no início dos anos 2000. A perda de espaço

pode ser ainda maior, porque a geração do início do século XXI também tem dificuldades de

oferecer respostas mais ágeis. A entrega às comunidades da tarefa de atuar nos projetos

somente terá êxito se essas conseguirem sobrepujar diferenças que não são decisivas para o

objetivo, mas que são postas como o centro do problema. A questão patrimonial é talvez a

maior delas.

A presente pesquisa teve como preocupação o estudo do conjunto, qual seja,

daqueles aspectos que tiveram um papel de impacto para compreender a trajetória do ensino

superior na IECLB, do ponto de vista histórico. Este pesquisador aponta três itens como

merecedores de um aprofundamento. O primeiro é a compreensão melhor do papel

desempenhado pelo Conselho Sinodal de Educação, que funcionou na década de 1960. Seu

estudo evidentemente não deve se limitar ao ensino superior, mas abranger outros temas sobre

os quais ele se pronunciou.

Em seguida, a ação que o serviço de projetos desempenhou junto às comunidades. É

provável que nele esteja a ideia da “ajuda da Alemanha”, presente ainda no século XXI em

muitas comunidades. Inúmeras comunidades que, na sua origem, se mobilizaram para

construir seus projetos passaram a esperar apoio externo desde que esse serviço passou a

atuar. Embora sua atuação não seja superior a vinte anos (da década de 1960 até a década de

1980), impregnou-se na vida das comunidades a espera pela ajuda externa. Outro aspecto que

merece maior estudo é o impacto das iniciativas do ISCET e do IFPLA. A presente pesquisa

apenas se ocupou em descrever o contexto de seu surgimento. A riqueza e a peculiaridade

envolvidas nessas iniciativas reservam espaço para aprofundar uma pesquisa.

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Arquivos

Arquivo da Secretaria Geral da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Porto Alegre, RS. (ASGIECLB).

Arquivo do Departamento de Educação da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo, RS. (DEIECLB).

Arquivo Histórico da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo, RS. (AHIECLB).

Entrevistas

FLECK, Dorival Adair. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2005.

FUCHS, Willy. Entrevista concedida ao autor, 29 abr. 2004.

NAUMANN, Hans Günther. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2004.

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Entrevista com Willy Fuchs 96

Anexo 1

Entrevista com prof. Willy Fuchs.

Concedida em 29 de abril de 2004, em São Leopoldo, a Silvio Iung.

Sílvio: Eu inicialmente explico o que eu estou fazendo.

Fuchs: Perfeitamente.

Sílvio: O senhor sabe que nos últimos anos nós ampliamos bastante o número de cursos superiores.

Fuchs: Sim, eu já perdi completamente a conta.

Sílvio: E no meu Mestrado, quando eu entrei, o meu objetivo foi tentar entender essas discussões que aconteceram sobre ensino superior ao longo do tempo, porque hoje nós somos uma rede. E isso é fruto do trabalho de vocês, com muito reconhecimento no estado, quando a gente fala quais são as escolas que trabalham conosco a gente tem um reconhecimento sempre é uma coisa incrível. Agora, por que esta rede de escolas de educação básica não formou curso de ensino superior. Essa é a minha pergunta, a minha dúvida. Porque nos anos 50, o senhor fez referência por telefone ontem, nos anos 60 havia discussões sobre isso. Falava-se sobre criação de faculdade de Filosofia, enfim sobre cursos superiores. Mas isso nunca acabou acontecendo. Acabou acontecendo em Três de Maio, mas por outra via. Então, assim coisas desse tipo. A minha dúvida é tentar entender porque a Igreja da IECLB não foi para o ensino superior. Essa é a minha dúvida. O que se discutiu, por que se discutiu e o que se fez.

Fuchs. Sim. Certo. A grande força na educação na igreja evangélica foi o primário, o curso primário. Os imigrantes quando vieram não encontraram escola nenhuma, tiveram que lecionar em casa. Não queriam sucumbir culturalmente. A sobrevivência cultural dos imigrantes e dos filhos dos imigrantes foi justamente esse esforço e essa felicidade deles cuidarem da cultura e da religião também. Eles fizeram questão disto. E então nasceram as primeiras escolas em casas de família, primeiro, e depois nas comunidades juntaram-se e ministraram o essencial: ler, escrever e fazer contas. A linha básica. E isso se desenvolveu se aperfeiçoou nas vilas, nas cidadezinhas e ali então vieram cursos mais ampliados, cursos primários mais ampliados. Os primeiros, na colônia, eram cursos de 4 anos. Em geral até a confirmação na igreja, nas comunidades, a própria igreja fez questão de incluir na confirmação, somente os confirmandos, somente depois de eles terem cursado um curso de 4 anos. Era condição para o ensino confirmatório a freqüência escolar de 4 anos primários. Ali a própria igreja deu o grande impulso: a obrigação de uma educação, o que vou dizer, foi decretada aquilo que o estado também faz. Foi a própria igreja, quer dizer, a igreja colaborou nisso, aliás o nome do sínodo na parte da educação como entidade importantíssima no passado foi justamente ligado a contribuição do sínodo na formação do ensino, na parte cultural, e isto dali a educação de nível primário só. E foi ali onde nasceu o Departamento de Educação. Eu me considerava obrigado a cuidar da manutenção dessa, da manutenção da educação nesse nível e foi essa a minha, o meu grande esforço de manter essas escolas e manter os professores e quando foi fechada a formação de professores, eu, na década de 40, então eu mobilizei professores leigos, quer dizer, professores não formados recrutados nas fileiras da juventude evangélica. E muitos

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Entrevista com Willy Fuchs 97

professores naquela ocasião, quer dizer grande parte, quase todos eles saíram das fileiras da juventude evangélica, mas isso não era solução definitiva, uma solução indicada, então nasceu a restauração da formação do Lehrerseminar, da formação de professores, que começou primeiro, tudo improvisado. Durante dois anos os candidatos freqüentaram o pró-seminário. Durante o primeiro ano e já foram para as aulas e aí receberam o primeiro galope de ortografia e essa coisa toda. E então surgiu a restauração do antigo Lehrerseminar, com o professor Naumann.

Sílvio: Isso foi em 1950.

Fuchs: Isso, em 1950. E então se procurou colocar essa formação na restauração a finalidade e a maneira do curso normal, igual ao antigo ministrado no Lehrerseminar. Esse curso era muito bom. O antigo Lehrerseminar tinha quase, sempre tinha excelentes professores alemães. Todos eles eram alemães. Eu tinha, por exemplo, no meu curso, na minha formação em 1930, 1932. No fim eu tinha 4 professores alemães, aliás, já no 1° ano, no mínimo 4 professores alemães. Um de História, um de Geografia, de Alemão, outro de Pedagogia. Nós tínhamos um curso de pedagogia e mais outro que o próprio diretor assumia e ali nós aprendíamos muita coisa. Esses professores eram escolhidos a dedo na Alemanha e mantinham o nível da educação, do curso, da formação de professores e isso eu procurei elaborar com o professor Naumann desde o inicio para a restauração da formação de professores. Pois é.

Sílvio: Isso a gente tem bem claro. Isso era a necessidade. Depois tem outra necessidade que foi a do ensino secundário, não é.

Fuchs: Tá certo. E quanto à necessidade do ensino secundário. O ensino secundário nasceu nos fins da década de 40, quer dizer, a expansão do ensino secundário. Em fins da década de 40, por exemplo, em Panambi, o Ginásio Evangélico de Panambi, em 47, 48. Em Ijui foi logo em seguida e assim por diante. E tinha já uma meia dúzia de cursos em funcionando já na primeira metade da década de 50, até mais cursos. Tinha em Marcelino Ramos.

Sílvio: O Alberto Torres.

Fuchs: O Alberto Torres também, Mauá em Santa Cruz, em Três Passos. Agora a parte que eu cuidava, que eu considerava a minha função principal, foi o ensino no nível primário. Eu não queria, naquela ocasião, sozinho entrar na parte secundária. Então o que a gente fez? Nós fizemos uma reunião com os diretores dos cursos secundários e então, lá nesse curso de diretores, se fundou o Centro de Diretores Evangélicos. Ali o Pastor Saenger, como diretor do Sinodal. Isso passou a funcionar muito bem. Ali então a direção do Centro de Diretores se dedicou toda a sua atenção na educação do nível secundário. E eu, como Diretor do Departamento de Educação, eu só me preocupava com o nível primário, de formação de professores de nível primário. Então nós dividimos um pouco o trabalho. O pastor Saenger foi a grande colaboração no centro de diretores evangélicos.

Sílvio: Justamente com o trabalho do professor Saenger o ensino secundário passou a ter muito destaque?

Fuchs: Perfeitamente, JUSTAMENTE. A coordenação é que valeu muito. E ali nasceu o primeiro Congresso de Professores, em 1957.

Sílvio: Acho que foi em 1953.

Fuchs: Isso.

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Sílvio: Em 1954 foi a Olimpíada.

Fuchs: Isso foi obra do centro de diretores. Já figurando como parte do Departamento de Educação. Quem unificou todo o trabalho foi o professor Keller. Eu já não fiz mais. Não cuidei da parte do nível secundário.

Sílvio: mas essa é parte da minha dúvida. Veja, o ensino secundário surgiu por conta do excelente trabalho, do grande trabalho feito na educação primária.

Fuchs: perfeitamente.

Sílvio: Com exceção do Sinodal, as outras escolas já tinham o trabalho de educação básica e aí foram para o secundário e depois vem essa pergunta: Por que mais adiante colégios como o Sinodal, como o Mauá, como Ijuí, estavam muito bem naqueles anos, muito bem aceitos nas comunidades. Por que eles não se sentiram desafiados ao ensino superior? Essa é a minha dúvida.

Fuchs: Bom, o único estabelecimento de ensino secundário citado nessa rede sem base primária era o Sinodal, aqui. Porque o Sinodal. Conhece a criação do Sinodal? Eu fiz um trabalho que infelizmente não saiu no Sinodal Lembra.

Sílvio: Sim, um livrinho.

Fuchs: Ali a turma publicou uma entrevista minha anterior. Eles consideram mais histórica, não sei o quê. Mas não é bem isso. Porque justamente a criação do Sinodal é que esta sendo apagada. Porque com o tempo pode parecer que o Sinodal é uma criação da Comunidade Evangélica de São Leopoldo, que não é o fato. Foi um concílio que criou o Sinodal. E foram os membros leigos do Concílio do jubileu de ouro do Sínodo Riograndense, em 1935. Aliás, 1936, que quiseram colocar um marco no jubileu e então colocaram um curso intermediário entre o primário e o superior, que é o secundário. Então é o secundário oficializado. Bom dali é que surgiu o Sinodal. Os outros secundários daquela época nasceram do primário, Mauá, Alberto Torres, outros nasceram pelo primário. Bem, você quer saber por que não tinha a idéia do superior, de um curso superior. Isso surgiu na década de 50. Isso começou a ser lembrado durante a década de 1950, um curso de formação, um curso de Filosofia, para a formação de professores para o curso secundário. E isto foi lembrado e então surgiu a ideia da igreja criar aqui no Morro do Espelho uma faculdade de Filosofia própria e isso foi discutido, em parte, no Centro de Diretores Evangélicos, mas também por elementos de fora. Um ou outro pastor que estava se interessando, que acompanhava a parte da educação na Igreja, e então o centro de diretores encarregou uma comissão, um grupo de 3 ou 4 pessoas, eu acho que de 3, para examinar profundamente a criação, quer dizer a existência de uma Faculdade de Filosofia aqui no Morro do Espelho por parte da igreja. E a voz principal nessa comissão foi dada pelo pastor Saenger. E o pastor Saenger era meio rigoroso, meio exigente. Era professor da UFRGS em POA e conhecia o funcionamento de um curso superior na UFRGS e o resultado final dessa comissão foi de que, concluiu que não convinha criar uma faculdade fraca, de menos recursos, e também de menos capacidade, uma faculdade de filosofia, própria, única aqui em São Leopoldo. Que não convinha formar uma faculdade que não fosse de mão cheia. Uma faculdade de grande produção. Essa exigência o pastor Saenger colocava. Ele defendia essa tese de que importa era uma faculdade que tinha uma ótima produção para se manter e para ser reconhecida pelo público pelo seu valor. Então essa comissão achou que a igreja, que o Sínodo Riograndense, naquele tempo não tinha a IECLB, não tinha condições de montar uma tal

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faculdade aqui no Morro do Espelho. Essa foi a conclusão dessa tal comissão. E com isso a criação de uma faculdade de filosofia própria aqui no Morro, essa idéia morreu.

Sílvio: O senhor teve nessa comissão também?

Fuchs: Eu tive, eu participava, não participava dessa comissão, mas participava das discussões.

Sílvio: O senhor lembra mais alguém que estivesse junto. O professor Naumann talvez estivesse junto? O professor Telmo Muller?

Fuchs: Não sei, porque não há documentação sobre o trabalho dessa tal comissão.

Sílvio: Não há. Eu procurei e não achei. Interessante que, mais adiante, em 1964 há uma nova discussão, depois nós vamos falar mais sobre isso, de Estrela que pediu lá, e nessa comissão sobre isso tem registro e faz referencia a esse estudo de 57. Nas atas a gente vê que o professor Naumann faz referência: “olha foi estudado isso em 57 e tem um parecer”.

Fuchs: O seu Naumann, eu acho, que conhece mais. O seu Naumann, se não me engano, teve o documento inicial que criou o Centro de Diretores.

Sílvio: Isso nós temos lá também.

Fuchs: É, eu fiz uma convocação dos diretores e foi o trabalho deles que criou o centro. Não foi criado pelo sínodo, nada disso. Foi criado pelos próprios diretores, que criaram o seu centro de Diretores evangélicos.

Sílvio: Mas tem outra questão, são coisas que o pessoal comenta e a gente não sabe muito bem: Algo assim de que naqueles anos de 56, 57 teria havido uma, alguém me disse isso: Um dia os jesuítas e pessoal da igreja evangélica se reuniram e ai o pessoal da Igreja Evangélica disse: “não, faculdade, nós não vamos entrar nisso. Se vocês quiserem entrar, nós vamos dar apoio, pros jesuítas, dizendo isso”. E teria sido a origem da UNISINOS. O senhor sabe alguma coisa nesse sentido?

Fuchs: Não. Eu não sei disso. Para voltar a aquela comissão onde principalmente o pastor Saenger era a mola mestra. O pastor Saenger disse, o que importa, nós igreja vamos apoiar a faculdade de filosofia nos cursos superiores bons que o Estado, que o governo mantém, porque o governo tem dinheiro e recursos, gente, consegue colocar gente de gabarito nisso e foi isto, esta a idéia do pastor Saenger. Invés de fazer uma faculdade que não mantém um nível indicado convém dar todo o apoio às faculdades boas que existem e pode ser que nessa discussão, nesse exame, tenha surgido essa idéia então apoiar o que os jesuítas estavam fazendo, porque quanto ao nível de trabalho dos jesuítas não há dúvida. Eu não me lembro. Houve o seguinte, isso foi em 1954, me parece os estudantes, o centro acadêmico da faculdade de TEOLOGIA onde o pastor Ulrico Sperb - ele sabe mais sobre isso - ele era o porta-voz dos estudantes que naquela ocasião procuravam um reconhecimento da formação da faculdade de Teologia pelo Ministério da Educação. E então, andaram procurando. Eu estive presente uma vez numa entrevista que eles tiveram com o então Ministro de Educação, Tarso Dutra, em Novo Hamburgo num Concílio Sinodal, em Novo Hamburgo, ou não.

Sílvio: Talvez tenha sido da própria IECLB.

Fuchs: Sim. Onde estudaram com ele, expuseram isso para ele. Os estudantes sentiam a falta de reconhecimento do estudo da Teologia perante as autoridades oficiais. E isso então o Tarso

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Dutra recomendou. Olha, eu posso fazer o seguinte: vocês tem aqui uma universidade funcionando em São Leopoldo, com todos os cursos, nada impede que a Igreja evangélica organize e mantenha um curso dentro da faculdade, dentro da UNISINOS. Eu acho que há pouco a sua referência foi a isso.

Silvio; bom , é que há sempre comentários.

Fuchs: Bom, mas o caminho real da discussão que eu estou lhe dizendo foi esse. Era uma, ali então, dar esse passo. Ali as direções da igreja, quer dizer a reitoria, a direção do curso, os professores, não quis, não acompanhou essa idéia de que o Tarso Dutra. Foi o Tarso Dutra, ministro, que lembrou essa maneira de organizar o curso de Teologia da IECLB, dentro da UNISINOS. Então esse curso tem todas as regalias de oficialidade, tipo do IFPLA. Foi o que o IFPLA fez. O IFPLA foi um curso que nasceu de uma idéia, saindo de Ivoti. De continuar a formação de professores, mas de fazer uma formação especial de professores de língua alemã. O senhor conhece o IFPLA?

Sílvio: Eu estudei no IFPLA. Sou ex- aluno do IFPLA.

Fuchs: Ah, bom. Pois é, o IFPLA foi um curso que não era criado pela UNISINOS. A UNISINOS inclui, claro que teve que funcionar como um curso da UNISINOS. O IFPLA é um curso normal regular da UNISINOS, mas é um curso que teve até uma direção própria.

Sílvio: Continua hoje. O IFPLA é o Instituto ao lado da faculdade de Letras, que forma os professores.

Fuchs: É. Um curso incluído na UNISINOS, incorporado na UNISINOS, que para o IFPLA. O Tarso Dutra antes já tinha proposto o Uli Sperb na audiência que se teve com o ministro, para solucionar o problema, a preocupação dos estudantes da Teologia.

Sílvio: Não foi algo semelhante que se fez com o ISCET? O Instituto Superior de Catequese.

Fuchs: Como?

Sílvio: Por que o ISCET tinha uma formação dentro, junto aqui na Faculdade de Teologia, os catequistas.

Fuchs: Sim.

Silvio: Mas a exigência era de que eles fizessem alguma outra faculdade, filosofia ou alguma outra para ter a titulação de ensino superior.

Fuchs: Bom isso já escapa um pouco da minha área, é da área do Keller.

Silvio: Sim. Mas interessante que tanto o ISCET como o IFPLA funcionam como institutos superiores de formação, mas nenhum deles, vamos chamar assim, como propriedade da própria Igreja na titulação. Não são cursos que a igreja poderia titular com nível superior. Isso era delegado para outra instituição.

Fuchs: Eu não conheci. Eu estou tão fora que eu não conheci por menores disso que o senhor está dizendo. Claro, pela formação eles têm a titulação para estarem trabalhando.

Sílvio: Sim, mas no regulamento do ISCET a exigência para que eles estudassem aqui era de que eles tivessem junto outro curso superior, só daí eles podiam estudar aqui. É diferente do pessoal da Teologia, da Faculdade de Teologia. Eles vinham aqui, faziam tudo aqui e não precisavam fazer outro curso fora.

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Entrevista com Willy Fuchs 101

Fuchs: Bom, eu acompanhei isso muito a margem. Quanto a isso convêm uma vez entrevistar o Ulrico Sperb.

Sílvio: ah, isso é interessante.

Fuchs: Pega o Ulrico Sperb, já que o senhor a pouco lembrou a tentativa de se fazer um curso superior em comunicação com os jesuítas, eu acho que o que o senhor lembrou foi essa linha que eu lhe disse há pouco.

Sílvio: Interessante.

Fuchs: Foi a entrevista do Ulrico Sperb. O presidente acadêmico do CADES. Isso foi no CADES, eu estive presente nessa entrevista com o ministro e...

Sílvio; O senhor conhecia bem o ministro.

Fuchs: Sim, eu conhecia bem o ministro, da época de Porto Alegre e também em parte como ministro. A gente dependia em parte de uma penada dele, de uma assinatura dele. Eu acho que é bem isso que o senhor se referiu a pouco, que a tentativa de fazer alguma coisa em conjunto com os jesuítas foi o que surgiu da idéia surgida da boca do ministro, da entrevista do Sperb com ele.

Silvio: Já que nós estamos falando da questão oficial, o senhor sabe de alguma outra coisa de que nos anos 70, na época do presidente Médici ou talvez o Tarso Dutra como ministro, de que em algum momento o presidente da IECLB teria sido procurado, se a IECLB não queria uma universidade. Por que tem outra coisa que se comenta.

FUCHS: Eu não tenho conhecimento disso. Não tenho nenhum conhecimento disso.

Sílvio: Até que ano o senhor trabalhou na secretaria do sínodo?

Fuchs: Eu trabalhei até 72, espera aí, eu era membro da direção do Conselho até 72, trabalhei até 78. Era o tempo do Gottschald.

Sílvio: Pois é, nesse tempo o senhor não ficou sabendo claramente de algo nesse sentido?

Fuchs: Pois é, nesse sentido não.

Sílvio: De que alguma forma teria sido sondada, perguntado se a IECLB queria uma faculdade ou uma universidade ou algo assim.

Fuchs: Foi sempre daquela idéia, da idéia do Tarso Dutra na entrevista com o Sperb, de colocar a formação teológica como curso da UNISINOS, foi a idéia do Tarso. Essa foi a ideia oficial, quer dizer a origem oficial de uma tal ideia. O que existe foi isso e de outra coisa eu não tenho conhecimento. E o Gottschald. Eu estava intimamente ligado a ele. Ali não acontecia algo que eu não sabia, também.

Sílvio: Pois então, porque isso é freqüente ouvido, comentários dessa natureza muito em função de que naquele tempo também surgiu a ULBRA, os primeiros cursos.

Fuchs: Não. Isso pode ter surgido dentro da Igreja Luterana de Missúri. Ali sim. Porque o Rubem Becker que foi o criador da ULBRA. Ele já era um pastor que trabalhava antes, se meteu em muitas iniciativas, no tempo eu estou lembrado, quando eu ainda estava na secretaria geral eu cuidava do setor de auxílios do exterior, de ajuda do exterior, corria por minhas mãos. E um dia eu recebi a visita do pastor Rubem Becker, foi diretamente ao meu gabinete, para

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Entrevista com Willy Fuchs 102

conversar comigo, para obter por meu intermédio uma subvenção de igrejas luteranas da Europa para formação de faculdades da igreja Missúri, em Canoas.

Sílvio: Sim, as faculdades Canoenses.

Fuchs: As faculdades Canoenses, foi assim que começou. Ele não disse bem que era faculdade para o seu trabalho. Eu não estava preparado nada, o meu setor, a minha atividade, era encaminhar os assuntos da Federação Luterana Mundial. Eu não tinha autorização para tratar de assuntos que viessem de fora da IECLB, de iniciativa de pedido de auxilio de fora da IECLB, eu cuidava só de iniciativas de pedidos nascidos dentro da IECLB, e neste caso era uma ajuda solicitada de fora da IECLB. Ali naquela ocasião o Rubem foi em cima, um elemento muito agressivo nesse sentido, um personagem muito agressivo. Então ele lá sondou o pedido de auxilio para as suas faculdades às igrejas da Federação Luterana Mundial, onde os auxílios nas igrejas européias precisavam o aval da IECLB. E passavam por minhas mãos. Eu disse para o Becker, “escuta Becker, eu não tenho condições. Eu não vou tratar do seu assunto. Eu entendo a sua situação, procure o secretario geral da igreja, o pastor Schneider”, naquela ocasião. Eu o encaminhei para o Pastor Schneider. Eu não sei se ele foi procurar o pastor Schneider.

Sílvio: Mas enquanto o senhor estava na secretaria da igreja houve algum apoio para esse pedido do Becker, mais adiante.

Fuchs: Não, não houve.

Silvio: Nunca houve aval da IECLB para isso?

Fuchs: Não, eu não conheço, a não ser que tenha sido fora da minha alçada.

Sílvio: Interessante.

Fuchs: Quanto a isso eu não sei, ele pediu o que o Becker solicitou. Nunca fiz uso disso. Dos assuntos internos dessa natureza eu não fiz publicidade.

Sílvio: Mas interessante, o que realmente chama a atenção é desse comentário forte desse pedido, a pergunta que se teria feita ao pastor Gottschald sobre a criação de uma faculdade, que na verdade o senhor não sabe nada a respeito.

Fuchs: Eu não sei. Agora tem o seguinte: segure uma vez as fontes dessas versões. Assim quem sabe eu poderia...

Sílvio: O pastor Schneider já é falecido Quem mais estava naquele tempo lá na secretaria geral da Igreja. O pastor Droste já tinha envolvimento ali na época?

Fuchs: O pastor Droste sempre teve bom envolvimento na secretaria geral. Ele como pastor encarregado da Casa Matriz, dessa formação das diaconisas. O curso das diaconisas foi oficializado por iniciativa do pastor Droste: ele era Diaconiesser, era chamado o pastor que cuidava das diaconisas, com dois ss. E então o problema era o seguinte, eu vou lhe dizer como é que correu esse assunto: O Hospital Moinhos de Vento era dirigido pelas diaconisas e sempre tinha diaconisas lá e que também o hospital pagava uma taxa para o trabalho das diaconisas e a taxa foi registrada na contabilidade do hospital, com o nome das diaconisas, de cada diaconisa. E então um dia a previdência social, a fiscalização foi atrás disso e examinaram e encontraram então salários pagos a essas mulheres, as diaconisas, que não recolheram para o INPS. E então, montaram em cima disso e ameaçaram com multa e era uma coisa extraordinária. Porque as

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Entrevista com Willy Fuchs 103

diaconisas não eram consideradas religiosas. Eram consideradas simples empregadas e como tais eram obrigadas a recolher ao INPS e então foi um grande problema que surgiu para o hospital Moinhos de Vento, porque a responsabilidade era do Hospital. E então o Pastor Droste falou comigo, e eu cuidava da parte da previdência da Igreja, e ele nos disse: bom, nós formávamos uma comissão, Droste, eu e o mais um terceiro membro. A fichinha às vezes não cai logo... O Rössler de Montenegro, também fez parte, tinha lá o hospital. Nós examinávamos a situação dos pastores na previdência, porque eu descobri no conselho diretor que não havia nada previsto para a previdência dos pastores a não ser a caixa de aposentadoria e pensões dos pastores, a CAP própria, descobri que essa, que o fundo, não havia fundo, que no dia que tivesse que funcionar não havia recursos e então o conselho diretor nomeou uma direção do Droste, do Rössler, e de mim de estudar o fundo de previdência dos pastores e quando na primeira reunião o pastor Droste veio com essa: “Eu tenho um problema das diaconisas do Hospital Moinhos de Vento”, que a previdência social está montando em cima, estão fiscalizando, etc, tão reclamando, qual é a situação disso. Eu disse: olha, o problema está na falta de reconhecimento das diaconisas como religiosas e esse reconhecimento de religiosas. Eu dei a idéia ao Pastor Droste, e então nos elaboramos um projeto para o Ministério do Trabalho para o reconhecimento das diaconisas como religiosas e esse processo existe. Agora convinha o senhor agora pegar cópia desse processo. Eu tinha sempre isso em mãos. O Gottschald então pediu ao Ministério do Trabalho de considerar as diaconisas como religiosas que realmente eram. Só que não tinham o nome, não eram tão conhecidas, difundidas.

Sílvio: Interessante.

Fuchs: Bom, ali então isto, essa é a ligação que o pastor Droste tinha.

Sílvio: Não havia outras pessoas que o senhor lembre que trabalhavam na secretaria geral naquele tempo e que trabalhavam.

Ucks: Ligadas ao setor de Educação?

Sílvio: Não necessariamente. Mas que pudessem ter alguma informação sobre esse fato. Os pastores Hasenack, ninguém tinha ligação nessa época.

Fuchs: Não. Espera ai um pouquinho. O pastor Kunert.

Silvio: Talvez o próprio professor Naumam saiba disso.

Fuchs: O professor Naumann sabe do Centro de Diretores, e sobre a comissão da qual eu lhe falei, no qual a decisão do Pastor Saenger foi vitoriosa em considerar a faculdade não oportuna naquela época no Morro do Espelho. Naquela época, para a Igreja, fazer uma faculdade própria, de Filosofia.

Sílvio: Pois é, eu vou perguntar uma outra questão: Como é que na época se viu a criação do curso lá de Três de Maio de Administração?

Fuchs: Ninguém tomou conhecimento.

Sílvio: Era o que eu suspeitava.

Fuchs: Eu nem tomei conhecimento. Isso era uma coisa que a diretoria de lá, independentemente, isso acontece de vez em quando. Eles tinham personalidade jurídica e condições próprias como pessoa jurídica própria então tinha condições de fazer uma coisa dessas.

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Entrevista com Willy Fuchs 104

Sílvio: Mas o que o senhor, não sei se o senhor tem uma opinião sobre isso, e se isso tivesse chegado até a igreja e perguntado se a igreja apoiaria isso, que resposta será que se teria ai?

Fuchs: Teria sido afirmativa. A partir da época que o professor Keller assumiu a direção do Departamento de Educação essas questões tiveram um curso mais fácil, essas questões foram de tratamento mais fácil. Eu vou lhe dar um outro exemplo: quando o Naumann e eu a gente...

Sílvio: O senhor me disse gostaria de comentar uma outra coisa.

Fuchs: O reconhecimento do curso normal da escola evangélica. O curso normal da nova, da escola normal evangélica, assim chamamos o inicio de Ivoti, sabe, que funcionou aqui em São Leopoldo, o reconhecimento pelo estado da formação da escola normal evangélica porque o Lehrerseminar, ele não tinha reconhecimento. Eu não sei se o senhor sabe que nós não tínhamos nenhum formado pelo Lehrerseminar, nenhum tinha reconhecimento oficial.

Sílvio: E nem depois se conseguiu esse reconhecimento. O senhor, por exemplo, que foi formado pelo Lehrerseminar?

Fuchs: Não, a gente, eu consegui provisoriamente no Ministério da Educação. Eu fui da primeira turma de professores do Sinodal. E trabalhei lá com registro provisório. Depois eu fiz um exame de Português para lecionar Português, por exemplo, e História e Geografia no Sinodal, o que eu queria. Eu pedi então um exame de suficiência que a faculdade de Filosofia de Porto Alegre ainda hoje tem para quem precisa de um comprovante de conhecimento suficiente em uma matéria. E eu fiz o exame de suficiência em Português, Historia e Geografia em POA, na UFRGS, na faculdade de Filosofia. Fui aprovado em Português e Historia e não fui aprovado em Geografia. Porque realmente eu era, eu não sei porque eu,.. porque eu queria geografia. Eu gostava de geografia, mas eu não tinha preparo para me defender no concurso lá. Esse é o meu reconhecimento. O exame de suficiência na Faculdade de Filosofia em Porto Alegre. O reconhecimento oficial que eu tenho é esse. E depois com esse comprovante de ter esse exame, o Ministério da Educação então mudou meu registro para registro definitivo. Eu tenho dois registros: provisório inicial e depois um definitivo, depois do exame de suficiência. Mas o Lehrerseminar não tinha, ninguém tinha, nós não éramos reconhecidos como normalistas, que nos éramos. Todos eles não eram reconhecidos como normalistas. Isso nos incomodava. Era o que incomodava o Uli Sperb, quando falou do reconhecimento do curso de Teologia. Aqui a mesma coisa. Nós não éramos normalistas. O Sínodo tinha, mantinha a Fundação Evangélica. Os pais de Hamburgo Velho, de Novo Hamburgo. Sempre, de novo, um outro membro se lembrava: vamos fazer uma escola Normal, fiscaliza pelo Estado, na Fundação Evangélica. Ah, não! A Fundação tinha direção própria, não permitiu isto. Nem a direção da Igreja também. Isto foi no tempo do velho pastor-presidente Dietschi, Teófilo Dietschi. Não quiseram oficializar o curso. Fazer um curso normal oficializado na Fundação Evangélica, como todos os colégios de freiras fizeram. Todas elas eram oficializadas pelo estado. Isto na Fundação Evangélica se negou, porque os formandos da Fundação Evangélica não estavam a disposição da Igreja para prover uma vaga, digamos. As formandas estavam à disposição do Estado, para a Rede Estadual. Mas Igreja tinha a sua própria Rede de estabelecimentos, e estes candidatos fugiriam, então, para a Rede Estadual. Esta foi a argumentação, o motivo da negação de fazer o curso da Fundação Evangélica um curso oficializado pelo Estado. E no Lehrerseminar foi a mesma coisa. Nos fizemos a nossa, nos diziam também, os professores formados pelo Lehrerseminar, pelo antigo Lehrerseminar, da formação própria, o estado pode dispor deles, então a gente paga, e sofre, e custeia a formação

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Entrevista com Willy Fuchs 105

de gente, da qual depois o estado faz uso. Isto não dá! Ninguém nunca, aliás não era discutido, mas nós sofríamos isto na carne, nós formados sofríamos isto na carne, quando não éramos reconhecidos oficialmente como normalistas. Isto eu discuti, eu depois examinei bem com o Naumann. E disse ao prof. Naumann - ali o Naumann foi um grande, o grande valor do prof. Naumann nesse momento foi que ele entendeu isto. Sabe, ele entendeu isto que era um curso que tinha que ser superado, que tinha de ser mastigado bastante. Eu disse ao Naumann, nos tínhamos esta orientação que se nos não formos capazes de incutir na nova formação de professores uma orientação dos formados, de que se sintam atraídos para o trabalho nas próprias escolas evangélicas. Se nós não formos capazes de incutir esta formação entre os alunos da nova formação de professores evangélicos, então a gente nem precisa mais abrir uma escola própria de professores evangélicos, uma formação própria de professores evangélicos. E o prof. Naumann também disse naquela ocasião: Não, isto não deve acontecer, que a gente não forneça uma tal formação. Então eu fui falar com o Pastor Dohms,disse pra ele, nós vamos reconhecer pelo estado, a pergunta que o Dohms então fez: Senhor Fuchs, o senhor então sabe, já que faz a colocação dos professores, que o senhor não é mais dono, digamos, desta turma de formados. Digo, eu sei perfeitamente. Mas se nós não formos conseguir que a escola Normal, a formação de professores não for capaz de incutir, de levar os formados, para uma de se considerarem professores evangélicos, então nós nem precisamos começar a formação de professores evangélicos, a formação própria de professores. Então o Dohms me deu, disse: “Olha Fuchs, se vocês pensam assim, então mandem, peçam a fiscalização do Estado”.

Silvio: E assim aconteceu.

Fuchs: Assim aconteceu. A Fundação Evangélica tinha curso normal também, oficializou também depois da nova formação de professores evangélicos. Também a Fundação Evangélica teve depois a fiscalização do Estado..

Silvio: Eu ainda queria voltar um pouco naquele assunto que no início também falei. Parece que o senhor não lembra muito. Daquele pedido lá do Vale do Taquari. Da Faculdade de Filosofia, daqueles anos.

Fuchs: Eu tenho pouco. Não era mais do meu tempo.

Silvio: Mas o Senhor estava no Conselho Sinodal de Educação naquele tempo.

Fuchs: Ah bom, isto sim.

Silvio. E ai entrou um pedido, do professor ou reverendo Simon, que teria vindo em uma reunião do próprio Conselho Sinodal. Lá se constitui então uma comissão, que o senhor, o professor Naumann, acho que o prof. Telmo Muller, integraram. E que então a resposta foi que a Igreja deveria apoiar, isto que já tinha sido falado em 1957, apoiar aquelas boas faculdades e apoiar as casas de estudantes que surgiam naquela época, ao invés de fazer uma faculdade. A Faculdade, ela só teria sentido se fosse feita uma faculdade evangélica ecumênica ou alguma coisa assim. O que o senhor lembra disso?

Fuchs: Sim isto foi, eu me lembro vagamente, em vez de fazer uma formação própria, de uma faculdade, de apoiar estudantes evangélicos na formação em outras faculdades.

Silvio: Inclusive surgiu um pouco antes um tal de Centro Universitário Evangélico, que era pra reunir os professores e alunos evangélicos pra apoiá-los quando vinham estudar.

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Entrevista com Willy Fuchs 106

Fuchs: Tenho nesses projetos, nessas... Eu acompanhei tudo isso. O que foi resolvido naquela oportunidade, eu tive conhecimento e aprovei também. Agora eu tive menos, não tive tanta participação nisso. Eu tenho lembrança, agora que o senhor mencionou isto. Ali eu tenho, eu me lembro, no trabalho da comissão na qual o Pastor Sanger era voz muito influente. Nessa comissão surgiu também essa idéia de, em vez de fazer, de custear uma faculdade própria, difícil, então convinha apoiar estudantes evangélicos em estabelecimentos de gabarito. Através de uma casa de estudante em Porto Alegre, por exemplo. Aliás, uma política feita muito antes, já no tempo do Pró-Seminário, quando os formados do Pró-Seminário, do Pré-Teológico, que não foram fazer o estudo de teologia, que então ingressaram, de uma maneira ou outra, no curso superior de Porto Alegre. Assim, por exemplo, existe um cientista, Harald Schultz, ele foi ex-aluno do Pró-Seminário. Ele foi um legitimo ex-aluno do Pró-Seminário, que depois fez a sua formação na Universidade de Porto Alegre. Esses estudantes foram apoiados, não sei com verba de quem. Havia até uma casa especial em Porto Alegre que recolhia estes estudantes, sabe. Havia o Harald Schlutz, o Max Homrich, Maximiliano Homrich, havia o Dr. Ingbert Schmiedt, que foi médico lá em Não-Me-Toque, depois.

Silvio: eu conheço o Dr. Ingbert.

Fuchs: É?! Conhece. Ele fez a medicina em Porto Alegre, pra ele poder se manter em Porto Alegre, houve então uma casa de estudante da nossa, não era bem da Igreja. Parece que era o Consulado que fazia isto. O dedo do Consulado está no meio disto também. Havia até um Jugendwart Kraus. Havia até um diretor de estudantes, que acompanhava estes estudantes. Alguém que veio da Alemanha especialmente para isto. Jugendwart que cuidava da juventude, de jovens. Jugendwart Kraus. Esse eu visitei em 1960, quando estive na Alemanha.

Silvio: Outra pergunta ainda. E com essa a gente pode encerrar hoje. Certamente o senhor também está cansado.

Fuchs: A gente com o tempo cansa um pouco.

Silvio: É, eu imagino. Uma última coisa, então ainda. A gente olha nas atas, hoje, e verifica o quanto nos anos 50, 60, o Sínodo Riograndense era influente no estado. O governador, secretário de estado, elas se faziam presentes em Concílios e, enfim, nos eventos importantes da Igreja. Eu fico pensando, eu não tenho tanto material ainda. Nos anos 70, quando então a IECLB começou a tomar mais corpo, parece-me que esta influência da Igreja foi menor.

Fuchs: Ela foi considerada prejudicial, a ponto de a Federação Luterana Mundial ter cancelado a 5ª Assembléia prevista para Porto Alegre, porque a Igreja daqui convidou o Presidente Médici para participar da abertura, deste concílio. E isto a Federação Luterana Mundial refutou. Mas ali havia então uma linha política, ai entrou uma ideologia política que se misturou em coisas da igreja, também aqui havia pastores que acusaram a direção da igreja em muitas iniciativas. Por exemplo, aqui na faculdade de teologia, houve um jubileu de 25 anos da faculdade de teologia, isso foi bem, teve uma elaboração completa, ampla de comemoração. Inclusive numa sessão solene, isso foi na década de 70, quando então havia sido convidado o prefeito, o juiz, o comandante da guarnição, às vezes até o delegado de polícia, as autoridades, sabe. Isto era praxe. Pra aquela reunião, a UNISINOS também havia sido convidada, a Igreja Missúri. Naquela época já era pública a oposição de grupos dentro da Igreja contra tal procedimento, tais presenças, nas instituições da Igreja.. Então aquela noitada aconteceu sem a presença de representantes oficiais. Nenhum representante oficial apareceu naquela solenidade, em vista de oposição de certas alas dentro da Igreja contra as autoridades.

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Entrevista com Willy Fuchs 107

Aquela ideologia política. Desde aquele momento não se convidou mais os representantes de instituição oficial.

Silvio: Isto foi em 71, depois daquela solenidade na Faculdade de Teologia. Se os Sínodos tivessem continuado, pelas iniciativas que ele tinha, talvez a gente teria chegado no ensino superior como um processo natural, como aconteceu do primário para o secundário. Depois, talvez, pro ensino superior. Com a IECLB, a Igreja parece que passou a ter que atender muitas diferenças regionais e acabou esquecendo um pouco aquilo que era a sua própria tradição histórica.

FUCHS: Aqui no Sul. Não era tradição em outras áreas.

Silvio. No sul, e talvez tivéssemos mais cedo cursos superiores ou alguma coisa assim.

Fuchs: Eu sou testemunha disso. O Conselho Diretor, a maior parte dos membros de outras áreas, de outras regiões, não compreenderam, não sentiram o que nós do Rio Grande do Sul sentíamos, nestas situações. Isso é um fato.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 108

Anexo 2

Entrevista com prof. Hans Günther Naumann

Concedida em 29 de junho de 2004, em Ivoti, a Silvio Iung.

Sílvio: Bem, quem sabe antes eu explico um pouco o que eu estou fazendo. Isso surgiu quase que por um acaso, aqui numa conversa num seminário que a gente teve sobre ensino superior. Ai eu coletei algumas informações até trouxe aqui, quem sabe depois o senhor possa dar uma olhada para recordar algumas coisas. A História, um pouco, do Conselho Sinodal de Educação do qual o senhor fez parte e algumas discussões que houve no final dos anos 50 e inicio dos anos 60, sobre a criação de faculdade de Filosofia dentro da Igreja.

Naumann: Claro, questão controvertida.

Sílvio: Isto. Houve três pareceres neste histórico. Uma em 57 numa comissão que eu acho que o senhor fez parte, mas ela não tem assinatura e depois outras duas, essas o senhor integrou. Uma em 65, em que a comunidade de Estrela encaminha um pedido ao Conselho Sinodal de Educação se ele poderia apoiar a criação de faculdade, de uma faculdade lá no Alto Taquari e depois em 67 de novo.

Naumann: 67?

Sílvio: Em 67, e tem um terceiro parecer que eu fui descobrir agora há pouco tempo. Ele é um pedido da Igreja diretamente, se a IECLB deveria se envolver na criação de uma Faculdade de Filosofia. Eu tenho cópia desse parecer aqui. E interessante é que a referência é sempre em relação aos anteriores, referendando os pareceres anteriores a partir daquele primeiro estudo de 57, num pedido do Concílio. Então o que eu estou fazendo. Estou tentando resgatar um pouco o histórico das discussões sobre ensino superior, pra chegar evidentemente onde nós estamos hoje. Depois, na criação dos cursos, e quero passar evidentemente por algumas iniciativas como o ISCET e o IFPLA que foram não iniciativas da Igreja, mas que pra sim são sintomáticas encima das decisões que a Igreja tinha tomado através das decisões do Conselho Sinodal de não ingresso no ensino superior. Essa é a minha pesquisa, o levantamento de informações.

Naumann: Eu não me lembro. Em 57 eu fiz parte disso e teve várias reuniões e isso a gente estudou a fundo. Mas em 65, a situação já era um pouco diferente e eu me lembro de uma de 67.

Sílvio: Podemos olhar depois. Quem sabe a gente começa o que o senhor lembra?

Naumann: Do primeiro.

Sílvio: É.

Naumann: Bom, eu sei que o presidente da comissão foi o Saenger.

Silvio: Sim. Ele assina.

Naumann: Fazia parte provavelmente o Fuchs como Diretor do Departamento de Educação. Eu fiz parte....

Sílvio: Ele não é assina. Assinado é pelo Pastor Saenger, só.

Naumann: Mas é. Deve aparecer nas atas do Concílio ou então da diretoria sinodal.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 109

Sílvio: Pois é a referência é o Concílio de Ijuí, que nomeia uma comissão. Eu procurei nos anais da IECLB e não consegui falar ainda com o pastor Hasenack. Mas afora isso não houve um Concílio de Ijuí, em 56, do Sínodo Riograndense. Pelo menos não há indicativo. Talvez, sei lá, o Concílio que houve foi antes em 46.

Naumann: Sim, sim.

Sílvio: Então, ainda tenho que costurar isso.

Naumann: E Panambi.

Sílvio: Pois é Panambi. Acho que teve um Concílio em 55 ou 56. Mas em Ijuí não houve Concílio. Mas esse de Panambi, eu li a ata e não tem referência à constituição de uma comissão para estudos de ensino superior. Eu ainda quero falar com o pastor Hasenack para ver se há algum documento,sei lá algum original. O que eu tenho é o relatório publicado do Concílio que esta na biblioteca da EST. Então eu quero ver se ali tem algum material. É bem possível que tenha isso.

Naumann: Bom nessa comissão se discutiu muito. Foi justamente em 57.

Sílvio: Não, em inicio de 57 saiu. Em fevereiro de 57 saiu.

Naumann: Bom, ai tem que se ver o contexto que havia na época. Estava num lugar que reiniciou a formação dos professores, na antiga escola normal, no antigo Leherseminar. Ele estava depois de muita dificuldade conseguimos a oficialização, em 1954. A primeira tentativa falhou. O prédio não era suficiente. Na verdade havia escolas normais regionais com prédios muito menos adequados. Por exemplo, aqui em Ivoti dez anos depois, aquilo foi uma, um estábulo, salas de aulas menores que essas aqui, que davam para escolas públicas, normal regional....Mas nós não reconhecemos, realmente estava tudo mal mobiliado. Éramos uma escola pobre. Acho que não havia nenhuma escola da rede que tinha prédios tão modestos, tão mal cuidados. Nós não tínhamos recursos para melhorar. Fazíamos quase tudo mesmo, os próprios alunos colaboravam. Este é o contexto. Não havia recursos. Faltava um prédio para a Escola de Teologia, a theologische Hochschule, se chamava escola superior... modestamente se chamava escola de teologia. Isso também é uma História longa. Eu tenho a minha explicação. Afinal na Alemanha havia......Bom mais , isto é outra conversa. Mas faltava isso. Um pouco antes o Dohms tinha falecido, em 56, e a pau e corda tinham feito um novo prédio, lá no mato, mas isso não era suficiente e se viu que “não nós temos que formar, construir uma Escola de Teologia”. Mas nós temos que formar uma escola Normal, porque aqui estava quebrando, o prédio. Tínhamos uns 70, 80 alunos naquela época. E tudo tinha que se expandir. Além disso era um local muito inadequado para internato. Passava caminhões, fazia barulho, era um terror. Não havia espaço absolutamente para fazer esporte, estas coisas todas. E ai veio esse pedido acho que do Concílio.

Sílvio: A referência é do Concílio.

Naumann: Preponderância seria a formação de pastores. Tinham que ser substituídos aos poucos, a maioria dos pastores é que eram alemães. Professores para as escolas da rede. Muitas escolas privadas. Tinha que pagar os professores. Isso era tarefa da Escola Normal Evangélica e para o ginásio da época, ensino médio. Também faltavam. Tanto que muitos egressos da escola normal que tinha o grau ginasial, hoje oitava série, quando saiam, nona série. Eram aproveitados já como professores nos ginásios e alguns logo se tornaram diretores. Tamanha era a falta de lideranças nas nossas escolas. Tudo isso contribuiu para a fundação desse Parecer. Revendo ele hoje, vejo isso, ele está bem.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 110

Sílvio: Uma das coisas que fica bem claro para mim é a preocupação de fazer bem feito. Isso o pastor Saenger tinha

Naumann: Exatamente.

Sílvio: Isso o pastor Saenger em algumas atas que tem ai, que são adicionais ao próprio parecer, em algum lugar eu vi isso, em que diz que é bem isso. Só se justificava criar uma faculdade, se ela fosse de qualidade, porque se fosse apenas para fazer não teria sentido. Isso ele já trazia da UFRGS. Ele era professor da PUC ou da UGFRS?

Naumann: Da UFRGS.

Sílvio: Pois é, isso ele trazia de lá. E ai vem outra manifestação em algum lugar da intenção de colaborar com o Estado na formação profissional. E que a Igreja então poderia fazer uma formação quase paralela, aos moldes da Academia Evangélica daquela época, em que trazendo os alunos para uma Casa do Estudante, lá pudesse fazer uma formação. É o que diz ali.

Naumann: Exatamente. Diz aqui: Casa de Estudante Evangélica e aberta a outras denominações evangélicas (...) Católicas se excluía na época. Sim, isso foi importante, pois em parte contribui para que aquele movimento em torno da casa do Estudante Evangélica. Que foi uma iniciativa dos ex-alunos do Colégio Sinodal onde deles era líder o Twiskon Dick, que mais tarde foi reitor da UFRGS.

Sílvio: Ele foi diretor de relações internacionais na CAPES no governo anterior. Quando o Baeta Neves era diretor da Capes ele era diretor de relações internacionais.... No Governo Fernando Henrique, no mandato do ministro Paulo Renato.

Naumann: E hoje tem alguma função. Ele viaja bastante. Bom isso eu falei. Casa do Estudante não saiu assim como a gente tinha imaginado.

Sílvio; Pois é, ai fala. Ali se falava no Centro Evangélico Universitário.

Naumann: É Centro Evangélico Universitário.

Silvio: Isto foi depois da Casa do Estudante, não foi?

Naumann: Sim. E junto a esse Centro Universitário achamos que deveria se procurar constituir, organizar o um curso superior não reconhecido, não havia lugar na legislação pertinente, de formação de professores de religião. Essa sim, seria uma tarefa da Igreja. Então, a gente procurava ficar na realidade, por isso. E bom em 1965, teria sido o segundo parecer. Aí estávamos em plena campanha de construção aqui da ENE. Também não ia para frente. E até hoje não teria sido construído, apesar de todos os esforços. Por que durante anos eu viajava pelas comunidades, sozinho. O pessoal já estava cansado de ajudar na escola de teologia. Havia em algumas regiões, algumas pessoas acompanhavam. Sozinho, eu fazia palestras. E realmente teve o seu jeito mas... porque veio depois o auxilio da Alemanha. E isto foi decisivo. E depôs a manutenção dessa história aqui. Também foi difícil. O estado naquela época e muito menos a federação, o governo federal, não apoiavam financeiramente o Ensino Superior. Apoiava o ensino, a formação de professores da Escola Normal Evangélica, durante 7, 8 anos. Tinha um convênio com o Estado que nos dava recursos para 120 alunos internos. Se não tivesse os recursos, nada tinha. Isto foi uma luta de vários anos e foi o que se conseguiu.

Sílvio: Eu estou tentando localizar aqui. Justamente esse pedido de Estrela. Aqui está a carta em que o pessoal de Estrela...

Naumann: Do Dr. Ito Snel?

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Entrevista com Hans Günther Naumann 111

Sílvio: Isso, esse mesmo. Olha aqui: De acordo com as resoluções da ultimas reunião do Conselho Sinodal de Educação passa a responder os três quesitos apresentados:

1. incentivar o suprimento de docentes evangélicos para o estabelecimento de todos os graus: Oficial e particular, ainda que haja inflação de cursos normais no Estado de maneira geral esse setor ainda comporta estabelecimentos evangélicos. Hoje a criação de uma faculdade evangélica de Filosofia. Os temas surgirão como conseqüências dos assuntos tratados. Então, essa é a questão. E em algum lugar está esse parecer.Que sai dessa... Deixa eu ver aqui... Eu sei que em algum lugar fala de SIMOM. Deve ser o Pastor Simon. É o Alfredo SIMON. Não sei se ele atuou lá em Estrela?

Naumann: Casualmente abri aqui. Parecer do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da Igreja no ensino Superior.

Sílvio: É, eu acho que é este ai. De que data é este?

Naumann: 1967

Sílvio:Este é o último né? É o que eu referi. Tem um intermediário que se refere então a este de Estrela. É o de Estrela. Mas este é o último parecer. Que é aquele .

Naumann: Eles estão em ordem cronológica,sim, 1966 Tá aqui.

Sílvio: Encontrei. É uma ata de 1965, eu acho. Que é a ata número 6 do CSE de 24/11/64. Então aqui o que diz: “Pastor Schneider abriu os trabalhos...

Naumann: Aqui, está o parecer..

Sívio: Pastor Simon, diretor da Escola Normal Martin Luther de Estrela prestasse esclarecimento sobre a criação de uma faculdade de Filosofia por parte do Sínodo Riograndense, em Estrela. Já que o diretor Simon procurara o presidente Schneider para orientar o assunto. O diretor Simon, fazendo uso da palavra, expôs o que já se havia feito no Alto Taquari a respeito do assunto. O mesmo leu parte da ata da reunião levada a efeito em Estrela em que abordava a criação de uma faculdade Evangélica de Filosofia pelas Sociedades Educacionais que mantém estabelecimentos evangélicos no Alto Taquari. Terminada a exposição, o diretor Simon ficou a disposição dos presentes para perguntas. Então começa aqui, oh.

Pastor Schneider disse que a comissão mande subsídios ao Conselho. O diretor Simon sugere que o conselho indique um ou dois membros para integrar a comissão. O Conselheiro Muller insiste na necessidade de haver um expediente por parte da comissão para que o conselho se manifeste. O diretor Simon quer saber se o conselho “em tese” aprova o projeto para que a comissão possa continuar o seu trabalho. O Conselheiro Naumann pede que se procure o parecer elaborado em 1957 sobre o mesmo assunto, de parte do Centro de Diretores. É de parecer ainda que a comissão não pode tomar posição ante o problema mesmo em tese. O conselheiro Schmelling sugere que se leia o parecer de 1957.O conselheiro Dietschi diz que o conselho deve estudar o que a comissão já elaborou... Enfim ai vem uma seqüência. Mas aqui diz: o presidente Schneider pede que o conselheiro Keller leia o parecer de 1957, de 12/02/1957. Então, quer dizer, quando este pessoal de Estrela apareceu o que houve foi que se remeteu a esse Parecer, que me parece que o senhor localizou ai.

Naumann: Sim, eu estou vendo, ai, que folheando rapidamente ele repete.

Sílvio: O que acaba acontecendo nos outros dois é sempre a referência com este parecer de 1957.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 112

Naumann: Por exemplo, aqui diz já que o Sínodo não pode manter uma rede de faculdades de Filosofia, como faz a Igreja romana, a faculdade única estaria fatalmente condenada a adquirir um caráter regional. Exceção feita se sua localização fosse à capital do Estado.

Naumann: Ah! Isso foi o Simon de Estrela. Não o Pastor. Esse foi esse o Ado, Ado, nosso deputado! Gustavo Adolfo, depois ele desapareceu. A ele era mais advogado do que professor. Isso era muito bairrismo, sabe ? Estrela, olha Estrela. Ta gravando?

Silvio: Sim

Naumann: Então eu não vou dizer. Tem que ler depois no livro do Altmann, tem que ler depois. Isso foi em 54, 55, 56 ou 59 eu não sei agora. Quando se discutiu eventualmente a transferência da Escola Normal Evangélica para Ivoti. Que se fosse incluída, integrada a Escola Normal Martin Luther. Naquele prédio que tinha sido construído antes, eles tinham muita dificuldade de encher esse prédio de alunos/alunas.

Sílvio: Em Estrela?

Naumann: Sim, apesar de ter todo esse internato, em uma das regiões mais fortemente evangélicas do nosso estado. È ai uma comissão foi para Estrela estudar este assunto e aquilo terminou de uma forma muito dramática. Isto está relatado no livro do ALTMANN...

Sílvio: Quando foi isso?

Naumann: Pois é.

Sílvio: Quem foi isto, quem levou?

Naumann: O presidente do curatório. Não é segredo. Eu posso falar disto. O Dr. ITO SNELL era um camarada muito impulsivo e tínhamos a nítida impressão de que aquilo foi uma coisa mais ou menos combinada.

Sílvio: E a origem disto? Era algo assim, “nós queremos aparecer mais”.

Naumann: Não, eu acho que eles queriam salvar o colégio Martin Luther. Eles não sabiam o que fazer com esta escola. Isso vinha de um déficit para outro.

Sílvio: Quer dizer, ai a motivação não foi maior. Talvez foi realmente muito...

Naumann: Sim... o prédio existia e não sei com que recurso foi construído. Eu não me lembro. O ITO SNELL, o médico, era uma pessoa muito dinâmica. Ele conseguiu realizar seus objetivos só que a parte pedagógica, a preocupação pelo trabalho pedagógico sério, essa nos parecia que não havia lá, já desde o início.

Sílvio: Estrela já tinha o ginásio na época. Ao lado da escola normal.

Naumann: Tinha o ginásio e a escola normal era do 2º grau, do 2º ciclo. Era a continuação do ginásio. O ginásio também estava lutando, perdia sempre contra a estrutura pedagógica muito mais eficiente do Alberto Torres.

Sílvio: Sim.

Naumann: Porque ali tinha uma pessoa como o Altmann. Tinha professor, ele consegui formar corpo docente.

Sílvio: O professor Altmann não estava no meio desse processo, ele não estava no Conselho Sinodal, não havia, não dava para perceber algum tipo de vaidade ou dificuldades regionais ali.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 113

Naumann: Não. Não sei porque ele não estava nesse conselho. Não me recordo.

Sílvio: Por que ele esteve durante algum tempo no Conselho Sinodal?

Naumann: Não, o Altmann não.

Sílvio: Tudo bem. Eu acho que consigo entender de fato esse caso de 64, 65 de Estrela. Talvez tenha sido muito mais uma motivação regional. Mas em 67, este outro parecer, de novo.

Naumann: Sim, isso veio de veio de Curitiba ou São Paulo.

Sílvio: Sim. Não diz da onde vem.

Naumann: Do Conselho do IECLB

Sílvio: Por que o Conselho do IECLB funcionava meio paralelamente na época. O professor Fuchs me disse que o serviço começava a aumentar muito aí no Conselho da IECLB naquele período. E cada vez mais e nas atas também consta isto. E cada vez mais coisas caiam na mesa do que viria a ser a IECLB.

Naumann: A Federação Sinodal? Sim.

Sílvio: Então eu acho que esse pedido vem daí. Mas ali tem uma referência interessante.

Naumann: O Conselho da IECLB. Isso também é interessante porque disse que a IECLB iniciou em 1968. Isso não é verdade. Eu participei do 1° Conselho Geral da Federação Sinodal que aconteceu em 1950. Eu era um dos delegados e ai dizia Federação Sinodal quer ser IECLB, se discutiu muito em torno da confissão luterana, se era confissão ou de confissão luterana.

Sílvio: Pois é, mas ai vem de novo, já que estamos fazendo algumas pontes.

Naumann: Só que era realmente uma federação de sínodos.

Sílvio: Sim.

Naumann: Mas, o nome era Federação Sinodal, entre parênteses IECLB.

Sílvio: Mas eu quero dizer que aquela referência feita ali ao Concilio de 56, em Ijuí. Ali não poderia ter alguma coisa relacionada à IECLB? Aquilo... acho que era só Sínodo Riograndense.

Naumann: Deve ser só Sínodo...

Sílvio: Pois é, mas aí vem a questão: esse pedido de 1967. Esse parecer do Conselho Sinodal. Interessante, porque isso cai na mesa do Conselho Sinodal se é pedido da IECLB. Porque o Conselho Sinodal era só do RS, do Sínodo Riograndense.

Naumann: A escola Normal Evangélica pertencia do sínodo Riograndense, mas desde o início nós nos consideramos também zuständig, responsáveis, pelo envio de professores para outras Igrejas, se elas quisessem. E recebíamos também alunos de SC, por exemplo. Um ou outro do Paraná, também. Quer dizer, o Sínodo sempre tinha essa abertura, o nosso Sínodo. Essa abertura para com as outras Igrejas. A mesma coisa o Conselho Sinodal. Não havia outros conselhos Sinodais, nos outros sínodos. Então era o único órgão que refletia especificamente sobre assuntos de educação.

Sílvio: Por que o parecer de 67 faz referência a uma coisa que eu descobri nesse meio tempo. Em 1960 houve um congresso das Universidades Católicas e elas na época dizem ou recomendam à Igreja a não criação de novas instituições por conta da falta de professores, os católicos. E ali no final em algum momento, assim de passagem, de que não seria conveniente a Igreja Evangélica

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Entrevista com Hans Günther Naumann 114

investir no ensino superior, porque a Igreja Romana estava diminuindo ou não recomendando ou tinha dificuldade com professores. E ali havia outro elemento. Isto talvez o senhor também possa esclarecer um pouco. No tempo todo sempre parece que há um cuidado em relação a não parecer que a própria Igreja Evangélica tomasse um protagonismo no cenário nacional. Ali sempre se fala: que se for uma iniciativa, seria importante que ela fosse de cunho ecumênico e tal, que só isso justificasse. Isso tem algum cunho político ou isso realmente é falta de força?

Naumann: Na minha opinião, isso não seria ausência de coragem, para fazer alguma coisa somente confessional e sim uma certa abertura ecumênica e também a preocupação de que nós não tínhamos força para manter uma universidade, com os nossos próprios recursos, com os recursos limitados que tínhamos. Uma, já havia, a Mackenzie, e uma metodista, também.

Sílvio: Evangélica, a única que existia, era a Mackenzie de 1952. Depois, em 1973, é criada a Unimep, em Piracicaba. Isso significa que os metodistas nos anos 60 trabalhavam no Ensino Superior para estruturar, preparar. Eu não conheço direito esta história

Naumann: Eu também não conheço a força deles. Mas os metodistas desde o início, da história nos EUA e da Inglaterra também, se preocupavam muita com a fundação de ginásios, não tanto com o ensino primário. Ao passo que nossa história é diferente. Nós estávamos vinculados às comunidades rurais e tínhamos que cuidar dessas escolas.

Sílvio: Os batistas foram um pouco assim. Nesses dias conversei com um batista que disse que as missões americanas tiveram o cuidado de criar uma escola em cada capital de estado brasileiro. È outra idéia que acompanha a Igreja de missão. Acho que tem esse elemento também.

Naumann: Pois é. Então nessas comissões sempre estava presente a preocupação pela formação de professores de Ensino Religioso. Isso já aparece no primeiro parecer e pra mim isso não funcionou. Isso foi uma mola propulsora na nossa campanha para construção de Ivoti. Formação de professores catequistas... só podemos iniciar quando tiver mais espaço e isso tem que ser feito em nível de 2º grau. Normal 2º grau. Isso só pode iniciar aqui. Houve só alguns cursos de férias e quando a primeira turma se formou, esses profissionais tiveram apenas qualificação legal para serem professores de 1ª a 5ª série, mas precisávamos muito de professores, já foi dito no primeiro parecer aqui, para... Ocorreu o seguinte, eu sempre quis ver isto numa ata. Isso foi em 68. Eu fazia parte da diretoria do Sínodo, veio o pedido do Conselho Sinodal de que a Igreja deveria indicar um pastor que fosse professor de religião no Colégio Sinodal. Eles tinham antes um Pastor Goetz, que depois veio para Ivoti especificamente... O curso de catequista. Então eles tinham mais outro pastor lá e um outro pastor que dava religião. Ele saiu e então eles não tinham alguém para dar religião. Então o Colégio Sinodal, diante da impossibilidade da diretoria do Sínodo indicar um professor, eles contrataram um pastor Missúri e aquilo foi uma vergonha. Caiu na diretoria do Sínodo. É um sinal que nós temos que começar a formação da 1ª turma de catequistas formados na escola normal. Vamos dar mais um passo. Retomando esta proposta do 1º parecer. Vamos criar um curso de nível superior para formação de professores de religião.... É, vamos fazer isso. E vamos formar não só especialistas em religião e sim professores de qualquer disciplina, Matemática ou História. Seria muito bom se fosse também de Ciências naturais: História, Português, Inglês e teologia. Seriam professores bivalentes.

Sílvio: e daí surgiu a ISCET.

Naumann: Eu fui encarregado de formar a comissão de elaborar o currículo. Participou desta comissão o Brackemeyer. Ele recém tinha voltado da Alemanha, com doutorado. Ele participou desta comissão. E voltou da Alemanha o Kirst, 2º doutor em Teologia, ele era docente de Antigo

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Entrevista com Hans Günther Naumann 115

Testamento na Faculdade de Teologia, ele foi indicado diretor do CSET. Esses estudantes fariam algumas disciplinas, algum curso de licenciatura na Unisinos ou na Feevale e simultaneamente um currículo de 10 aulas semanais que funcionava nos prédios da antiga escola normal.

Sílvio: Isso começou em 1969?

Naumann: 69, os primeiros foram o Danilo Streck e Valburga Streck e o René Gertz..

Sílvio: Que durou até 1983, durou 14 anos.

Naumann: Sim, depois mudou de nome, porque aquilo também não deslanchava: o Martin Volkmann foi diretor.

Sílvio: Mas veja. No fundo este é o mesmo modelo que o IFPLA. Praticamente é o mesmo modelo. Cerca de 10 horas por semana de formação de professor e o resto é da Universidade.

Naumann: Aí já pode ver onde nasceu isso...

Sílvio: Mas esses são dois modelos de ensino que foi de maneira indireta ingresso no ensino Superior. Mas por que isso? Isso é uma coisa que me intriga, porque a Igreja achava de fato que não tinha condições ou porque ela ?... porque isso era. Essa sua idéia foi o quê? Um atalho porque o contexto não permitia? Foi uma decisão absolutamente consciente porque não se queria oferecer. Como é que o Senhor vê?

Naumann: Vários pontos. O primeiro seria esse de que não tínhamos nenhuma Universidade, com curso superior em licenciatura. Só poderia funcionar numa universidade. Nós não tínhamos Universidade.

Sílvio: A licenciatura só podia funcionar dentro da universidade na época?

Naumann: Sim, até hoje um pouco, em faculdades. Em escolas superiores. Não havia. Esse é o 1° ponto. O 2°: nós não queríamos professores univalentes e sim bivalentes, o que eu até hoje acho certo. Na escola, o poder docente é o professor, não é o médico, nem o psicólogo. Nem o Teólogo somente. Tem que ser o professor formado em X disciplina, “séria”, entre aspas, e com Teologia, com uma formação teológica, mas principalmente pedagogo. Isso nós víamos que não funcionava com o professor-pastor. Além disso, o pastor sempre se acha que é teólogo e que é pastor. Ele professa a fé evangélica por incumbência de um cargo que ele exerce, é Pastor. Do professor não se espera isso. O aluno, digamos. Se o professor é o que professa a fé e ensina, ele é levado muito mais a sério pelo aluno.

Sílvio: Sem dúvida, ele não faz isso como decorrência ou como conseqüência da roupa que ele trás, mas de uma opção dele.

Naumann: Uma opção, ele pode deixar a qualquer hora de ser professor. Ele continua professor, somente. Eu fiz uma palestra sobre esse assunto no Conselho.

Sílvio: Deixa eu tentar dizer uma coisa. Bom nos anos 50, a preocupação era mesmo com a faculdade de Teologia, com a estruturação. Nos anos 60 foi com Ivoti, com a estruturação, com a formação de professores. Fomos em busca da solução melhor do nosso problema teológico da formação de pastores. Vamos em busca da formação de professores da educação básica, fundamental. Tudo bem que nos anos 70, final dos anos 60, se achou essa alternativa do ISCET e do IFPLA, mas em relação ao que se movimentou antes, o que se fez na década de 70, talvez tenha sido modesto na década de 80. De qualquer forma é como vejo isso hoje. E escutando o senhor falar reforça um pouco a minha idéia.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 116

Isso tem a ver, volto a perguntar, com a estruturação da IECLB naquele período? De tal forma que a preocupação maior esta na organização, na acomodação dos sínodos dentro da Igreja, ou seja, as forças estão muito mais para resolver as questões internas da própria Igreja e menos daquelas que são a relação da Igreja com o mundo. Daria para dizer isso, ou o senhor acha que isso é simplista? O senhor entendeu?

Naumann: Não entendi bem, não.

Sílvio: Eu tenho uma suspeita. A de que a criação da IECLB foi um retrocesso, sobretudo para o sínodo Riograndense.

Naumann: Não.

Sílvio: Pois é. É o que eu digo: é uma suspeita. Considerando o espaço que os evangélico-luteranos tinham na década de 50, 60 e daquilo que eles movimentavam e faziam e aconteciam, contra o que se passou a fazer na década de 70 e 80, me parece que foi um passo atrás. E essa suspeita eu descarrego nessa idéia: de que foi importante conseguir acomodar e resolver coisas quase de cunho administrativo dos diferentes sínodos, as diferenças do Sínodo Riograndense, com o sínodo de SC e tal.

Naumann: Não vejo assim. Não vejo retrocesso das décadas de 70 em relação às décadas anteriores. Pelo contrario. O que aconteceu a partir da década de 70, principalmente de 70, quase que de forma explosiva. Quanto a isso há uma ou duas frases no meu artigo. Houve quase uma explosão de tarefas que a Igreja, de repente, passou a verificar, a ver, que antes passavam despercebidas ou não se preocupava com isso. Isso está vinculado com a evolução social. A fuga do campo para as cidades, a criação dos bairros, a pobreza dos bairros. A migração para as novas áreas de concentração, o problema do índio e a necessidade da Igreja se inserir decididamente naquilo que na época se chamava realidade brasileira, toda esta questão política, de tortura militar.

Sílvio: A Igreja foi muito “condenada”, entre aspas, tanto é que não se realizou a Assembléia da Federação em Porto Alegre..

Naumann: Sim. Esse episódio da Assembléia da FLM, que fracassou, foi 3 semanas antes de iniciar. Ela foi transferida rapidamente para aquela cidade vizinha do Lago de Genebra, Evian. Isso foi uma ducha fria para a nossa Igreja. Bom isso e ai os pastores, vêem que a Igreja tem que assumir um papel, seu papel de participante dos problemas políticos aqui também, manifestações.”Wächteramt der Kirche”, guardiã dos problemas sociais e políticos. Não é fácil dizer isto em uma ditadura, mas alguma coisa se podia.

Silvio: Então deixa entrar num outro assunto...

Naumann: E a o abandono de uma Igreja completamente, primordialmente voltada aos descendentes imigrantes. Isso já iniciou na década de 60.

Silvio: As pessoas comentam, o Belmiro, não sei se o Ruben já não comentou, de que justamente naquele período da ditadura militar, não se no Médici ou com o Geisel, inicio dos anos 70, num deles em determinado momento entre aspas “também o governo teria oferecido uma universidade a IECLB”. Mais ou menos assim: chamando para... Eu perguntei isso para o professor FUCHS e ele disse que não lembra, que não sabe e que é são essas conversas. Foi oferecido para A IECLB e ela não quis e a IELB foi lá e pegou, mais ou menos nesses termos. O que existe nesse sentido? Houve algum desafio que tenha sido feito pelo governo na época?

Naumann: Não sei.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 117

Silvio: O senhor já tinha ouvido falar?

Naumann: Não, nunca ouvi. Se isso for lenda sempre tem um fundo histórico. Eu acho que é lenda. Aconteceu o seguinte, mas isso foi na década de 50 já. Quando na Associação Evangélica de Ensino, ainda era Associação dos Seminários Evangélicos. Acho que foi essa. Foi em 54, 55 nós decidimos: nós vamos sair de São Leopoldo e isso foi basicamente Fuchs e eu tomamos a frente nessa historia e vamos para Ivoti. Havia alternativas: Portão, Lomba Grande, Vila Scharlau e Estrela surgiu nessa época também e nós escolhemos Ivoti por uma serie de motivos e ai veio o Deputado Germano Dockhorn, de Três de Maio. Um três-maiense, para um ex-tresmaiense vai ser interessante ouvir isso. O deputado disse que era muito amigo do Getulio Vargas. Então deve ter sido em 54.

Silvio: Em 54.

Naumann: Deve ter sido em 53. Eu sou muito amigo do Getulio e eu vou arrumar recursos para a construção de uma Faculdade de Teologia. E ai o Schliepper que estava na presidência, o Dohms estava na Alemanha, disse que a Faculdade de Teologia nos vamos construir com recursos da Igreja. O que nos falta é uma escola normal. Um prédio para a escola normal. O Dockhorn disse: Tá bem, eu vou fazer isso. Daí vai surgir uma universidade. O Fuchs sentou e elaborou um requerimento solicitando recursos para a construção de uma Escola Normal Evangélica em Ivoti e entregou ao Germano Dockhorn e nunca mais se ouviu nada a respeito. Muitos anos depois surgiu a Escola Normal Presidente Getulio Vargas, em Três de Maio. Isso nunca ficou confirmado, mas eu acho que ele pegou este projeto e...bom, Três de Maio era reduto eleitoral dele, né? Nós achamos, tanto o Fuchs como eu. Pena que nós não recebemos esses recursos, mas achamos que foi uma solução boa, porque realmente Três de maio teve uma importância muito grande como estabelecimento para a formação de professores, até 60 e poucos. Mas eles também tinham dificuldade em conseguir professores, diretor, se não me engano o primeiro foi o Florêncio Berger, depois foi o Donário Bencke, um tempo e a gente via que não funcionava nada bem. Tanto que até recordo disso. Eu falei com a minha esposa. Eu acho que nós deveríamos pensar, isso aqui agora mais ou menos, e ir lá quem sabe vamos nos transferir para lá. Eu conto isso somente para dizer que nós apoiamos isso lá.

Silvio: Sim, eu entendo. Isso já foi na década. 50. Foi antes da morte do Getulio. E talvez quase que o nome lá tenha sido como uma homenagem póstuma, de qualquer forma, e em especial por conta dessa relação.

Naumann: Sim. Por causa dos recursos que o presidente mandava. Nós vamos construir uma escola lá também e construíram.

Sílvio: Sim. Isto, mas na década de 70, então o Senhor não lembra de nada?

Naumann: Duvido muito.

Silvio: O interessante...

Naumann: O Fuchs já estava fora.

Silvio: Sim, mas ele era a pessoa na época responsável por todos os projetos da IECLB, pelos contatos com a Federação Luterana Mundial, e ele disse dificilmente entraria lá alguma coisa desta natureza que ele não soubesse.

Naumann: O Fuchs era Secretario Geral da Igreja, mas tinha uma comissão geral de projetos. O presidente era o Ingo Sudhaus, uma pessoa muito tímida.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 118

Silvio: O que ele disse lá: o Fuchs. Que de fato a IECLB dava aval a IELB para o encaminhamento de projetos e que num determinado momento, eu acho que foi na época do pastor Kunert, então resolveram suspender esses avais, porque o Becker vinha e só assina, não era nem uma questão de encaminhamento de projeto e que isso num determinado momento não teria ficado muito simpático. Então resolveram cancelar os apoios. Isto o professor Fuchs me disse e também que podia ser uma lenda dos anos 60.

Naumann: E também poderia saber alguma coisa, pois a comissão de projetos estava voltada para o exterior.

Sílvio: Sim. Uma outra coisa que o Fuchs falou é que havia no final da década de 60 um movimento em favor da legalização perante o Ministério da Educação do curso de Teologia. Num movimento que na época o estudante Ulrico Sperb meio que liderou e num determinado momento houve uma audiência com o Tarso Dutra, aqui em Novo Hamburgo, da qual o próprio professor Fuchs participou. O Tarso Dutra disse que se fizesse na Igreja como se faz na igreja católica, ou seja, que se vá a busca de uma formação em Filosofia e de que não teria nada que a Igreja ou Estado se preocupar com a formação de pastores e religiosos.

Naumann: Eu até hoje não entendo bem porque uma faculdade de Teologia tem que ter um curso superior tem que ser reconhecido pelo estado num sistema de separação de Estado e Igreja. Sim, tem as suas vantagens sem duvida nenhuma, porque a EST consegui isto. Nós sempre tivemos essa preocupação. A não ser que fosse para dar mais segurança aos pastores.

Silvio: Esta é a questão. Foi ai que o Tarso Dutra teria dito: então façam uma faculdade de Filosofia, quer dizer cursem, né. E ai vem de novo a pergunta: A partir disso não houve nenhum tipo de iniciativa ou algo que levasse a criação de uma faculdade de Filosofia dentro da Igreja. Quer dizer, a pergunta é: este parecer de 67 não poderia ter isso como motivação?

Naumann: Motivação de quê? De...

Silvio: De criar uma faculdade de Filosofia para ser a via legal de formação dos pastores, perante o estado.

Naumann: Não sei. Eu não vejo vinculação.

Silvio: A recomendação na época do Tarso Dutra foi de que ao invés de reconhecer o Curso de Teologia, os pastores fizessem adicionalmente ou fizessem o curso de Filosofia que era reconhecido. Então é isso eu quero dizer: nesse parecer de 67. Por que ali a Igreja que pergunta.

Naumann: Bom isso eu não posso dizer.

Silvio: Mas o senhor não...

Naumann: Aliás, a partir da década de 70, quando começou o IFPLA, eu perdi um pouco a vinculação ex-officio com os órgãos da Igreja. Isso a partir da criação do IFPLA.

Silvio: Essa história eu já conheço. Mas para deixar registrado.Por que se criou o IFPLA?

Naumann: Bom, havia na época uma certa, bom número de escolas da rede, 30, 35 no Maximo que valorizavam o ensino da língua estrangeira e dentre elas, a 1° língua, o alemão. Antes o Inglês como primeira língua. Porque muitos alunos vinham com conhecimentos de alemão de casa, então aproveitavam esses conhecimentos e muito rapidamente, poderiam adquirir conhecimentos mais sólidos. Um pouco também contribuía para isso a oferta de recurso financeiro da Alemanha Sprachbeihilfe. Tanto que na mente de alguns diretores isso era o fator decisivo. Não sei. Mas acho que era. E não havia professores porque os cursos de germanística havia um curso na UFRGS, um

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Entrevista com Hans Günther Naumann 119

na PUC e um na recém criada UNISINOS. Mas eram cursos muito fracos. Eu fiz letras anglo-germânicas na UFRGS, aquilo foi uma coisa muito pobre no que se refere ao nível lingüístico e muito mais como referência parte pedagógica e didática. Não havia praticamente nada. O nível lingüístico que havia no nosso curso eram sete alunos, 4 deles eram ex-alunos do IPI. Eu era mais velho entre eles. O segundo era o Zille, que depois foi diretor do Farroupilha e o Walter Koch. E o quarto era o Dieter Franck, que depois se tornou medico. Havia 3 moças, das três que fizeram Anglo- Germânicas, fizeram alemão porque tinham que fazer, estava vinculado ao Inglês. Só se interessavam pelo Inglês. Eu de saída fui dispensado de freqüentar as aulas disse o professor “Bleiblen Sie Lieber Weg. Sie lernen ja nix mehr”.

Silvio: Bleiben Sie Lieber Weg.

Naumann: E curiosamente ele não disse isso para os outros. Talvez por ser mais velho que os outros. E também porque morava em São Leopoldo, que na época era muito distante de Porto Alegre. Bom, então os cursos não funcionavam e se sai a ai gente com bons conhecimentos de Alemão era porque já tinham adquirido isso antes ou então paralelamente ao curso da universidade, a mesma coisa era a UNISINOS... O Volkmann confirmava isso. O Luiz Bencke que fez o curso na Unisinos, a mesma coisa. Não porque os professores não fossem eficientes e sim porque os estudantes não traziam conhecimentos. Vinham zero km, praticamente. A Alemanha nos dava os recursos e o Keller administrava as coisas. Dizia: “Nós temos que fazer alguma coisa”. E eu hesitava, o que é que dá para fazer? Nós estávamos muito concentrados na formação de catequistas e na época foi quando nos caracterizamos os jovens pastores se conscientizavam de transformar essa igreja de imigrantes alemães numa igreja voltada a todo povo brasileiro. Era uma coisa certa. Eu disse agora nós vamos começar a formar professores em Ivoti, que forme catequistas em 1° lugar. Começa-se a se preocupar com a formação de professores. Então interpretar isso como um retrocesso, essa tentativa de inserção no Brasil. Se bem que não era isto. Depende como se justifica a coisa. Eu achava que não se deveria vincular isto. Eu discuti isso com o colega o Reusch, aqui. Que naquela época já estava aqui. Ele via isso um pouco diferente. Ele estava mais na linha do Keller, depende como se justifica isso. Esses são os principais motivos, Ah e depois o Keller sempre dizia nós estamos recebendo tanto recursos e os professores, os bons professores, estão morrendo aos poucos e nos não podemos aceitar esses recursos senão tivermos, assumirmos uma preocupação séria na formação dos docentes qualificados. Bom, assim as coisas foram evoluindo. Entre nós, eu posso dizer mais uma coisa, na época Ivoti lutava muito. A gente via que a Igreja não tinha recursos suficientes nem para continuar a injetar aqui na formação de catequistas. Então nós temos que procurar outros meios. Então eu disse: “Keller, olha Keller, eu vou me preocupar com um assunto, mas nós vamos vender isso e a Alemanha oferece recursos para isto. Então eles vão pagar aquilo que vale e não o nosso preço, módico. Sempre muito modestos. Então Ivoti vai ter que se beneficiar financeiramente com isso também. E realmente foi. Mas não foi a única solução porque nós, o único motivo. Se nos quisermos formar um curso eficiente, a 1º premissa seria que não se começasse da estaca zero. Os estudantes tinham que ter um nível bastante adiantado. A partir daí se pode montar um curso eficiente tanto na parte lingüística, como pedagógica. Você pode se concentrar mais na parte didática- pedagógica, por isso a vinculação com Ivoti. A Historia comprovou isso, com exceções sempre.

Sílvio: Uma última pergunta. Ecoou, se ouviu, o que se disse da criação lá do curso de Três de Maio de Administração na época. Isso se comentou?

Naumann: Administração Escolar?

Silvio: Não o curso de Administração, que foi o 1° curso Superior da Igreja.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 120

Naumann: Oficializado pode ser.

Silvio: Exato, foi o de 1973.

Naumann: Ah! Sim.

Silvio: Se ouviu disso, se falava disso, aqui?

Naumann: Se tomava conhecimento disso. O Keller era diretor de Departamento. Bom o Keller certamente sabia. Isso foi uma iniciativa. Bom, agora eu não posso dizer. Nesses anos eu estava muito absorvido aqui. Tinha uma série de problemas difíceis e tanto que até saí da diretoria do sínodo.

Silvio: O Conselho Sinodal não existiu no período. Ele foi extinto em 1968 e aí depois ele só retornou em 1981, como Conselho de Educação do Departamento de Educação.

Naumann: Foi uma das ultimas iniciativas do Keller ainda.

Silvio: É, dizem eu vou ter que perguntar isso pro Fleck bem certinho. Quem montou o Departamento de Educação foi o Keller e o Fleck. Os dois.

Naumann: Dá volta, é?

Silvio: É foi lá numa Assembléia...

Naumann: Bom eu não sei. A idéia talvez surgiu na cabeça do Keller, mas o Fleck é o grande organizador. Ele foi o artífice na formação da estrutura.

Sílvio: Pois é, não se falava sobre isto, não foi um feito para a Igreja. Quer dizer, feito foi. Mas não foi falado.

Naumann: Não me recordo. Eu na época vi como iniciativa local, regional.

Silvio: Não, eu digo isso porque se a gente olha hoje essas duas iniciativas da década de 70 são pra nossa herança hoje, no que tange ao Ensino Superior, talvez mais significativas, o IFPLA e Três de Maio. Três de Maio é hoje a nossa mais sólida estrutura de ensino superior. Hoje, tem 7 cursos. É a instituição mais perto de se constituir centro universitário, universidade e o IFPLA é o grande responsável hoje pela, isso nós falamos ainda, os novos diretores e os diretores mais perspicazes., eles são oriundos do IFPLA: O Valdir R., Waldir S., André R., Romerio S., Jadir R., Enfim, toda uma turma, uma geração de novos diretores que são oriundos do IFPLA.

Naumann: Sim, O IFPLA era a única instituição de ensino superior. Se bem que não era autônoma administrativamente.

Silvio: As dez horas passadas conseguiram fazer efeito no grupo de pessoas. Quer dizer foi ali que se constituiu o grupo. Foi ali que se constituía um sentido.

Naumann: Sim, eu acho que um dos segredos foi de que Três de Maio é que crescer organicamente, aos poucos.

Silvio: Isto, exatamente.

Naumann: Começaram com a base, não como Curitiba.

Sílvio: Ou mesmo como Joinville, se a gente quiser. Joinville tem muito mais solidez, mas vai levar dez anos para ter a solidez que tem Três de Maio hoje.

Naumann: Sim, mas os primeiros dez anos também forma difíceis.

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Entrevista com Hans Günther Naumann 121

Silvio: Sim. A vantagem é que hoje quando eles se apresentam com um curso que tem quase 30 anos, eles são vistos de um jeito do que outro que tem curso... Por que Ivoti mesmo quando se apresenta o Normal Superior sempre se apresenta a História de que começa em 1909. Porque isso dá solidez.

Naumann: Eu queria dizer uma coisa que escapou na pergunta ai. Por que faltou coragem de conseguir uma instituição autônoma? Eu sei que assim olha então pra que se comece não vamos repetir a Historia da Escola de Teologia ou então do antigo Lehrseminar. Durante decênios discutia-se nas comunidades e nos sínodos, que estava nascendo a necessidade de se formar pastores. Isso são palavras de 1880. E levou mais 30 anos até que se começou o seminário. Bom, minha posição sempre foi de não falar muito. Aqui eu fiquei muito impaciente com a criação do superior, mas aqui a situação é bem diferente. Ele enfrentou resistência no Ministério também, senão teria saído muito mais cedo. Vamos começar, sem discutir muito. Vamos começar, quase todas as nossas instituições escolares nasceram assim. O Dohms também. Então vamos começar na minha casa paroquial, o seminário de professores, não alugavam... E surgiu mais ou menos assim também só que tínhamos e era a solução mais praticável iniciada rapidamente. Claro que se tivesse esperado um pouco mais a gente teria montado uma estrutura mais ampla. Aquilo foi uma coisa pobre nos dez primeiros anos, doze.

Sílvio: Já que o senhor citou o assunto.

Naumnn: Pobre externamente e não quanto aos efeitos.

Sílvio: Talvez tenha um outro elemento, agora que o senhor falou agora. Eu acho que de fato havia muitas carências que precisavam ser supridas - nós já falamos sobre isso - a formação de pastores e de professores primários. Se a gente se compara com as outras igrejas o grau de inserção, ou a forma de inserção na sociedade aqui foi com objetivos diferentes. Os protestantes que vieram em com missão pra cá eles tinham por trás de si uma condição de se preocupar com aquilo, ou seja: “vamos constituir comunidades”. Mas a forma de fazer isso, no caso os presbiterianos, e metodistas, muito forte, esta relacionado com a criação das escolas. No caso dos católicos, bem os católicos se confundiram com o Estado até final dos anos 40, 50. Havia quase que uma confusão com o Estado. Até o final da década de 30 era uma coisa só. Quer dizer então o apoio para a constituição das universidades católicas, eu não conheço isso a fundo, mas eu imagino que em larga escala isso tenha acontecido por apoio governamental mesmo. Quer dizer nós tínhamos outras carências e não tínhamos os apoios que talvez outras confissões, ou a igreja católica, tinham por um lado e por outro, talvez em alguns momentos faltava esse senso prático... Então vamos lá e vamos fazer. Talvez nem isso tenha sido determinante.

Naumann: É acho que senso prático havia também. FIDENE quando começou, foi uma coisa muito pobre, também, muito modesta, mas havia sempre uma ordem religiosa por traz: os jesuítas, maristas, os capuchinhos lá, os lassalistas tinham estrutura.

Silvio: ah. Deixa ai eu perguntar mais uma coisa: em algum momento os jesuítas e os evangélicos teriam sentado e dito: “olha nos precisamos criar uma faculdade em São Leopoldo e os jesuítas, ‘mas vocês evangélicos tem mais condição de fazer isso’, empurra daqui, empurra de lá e acabou que os jesuítas teriam feito isso e dali surgiu a Unisinos. Isso também é uma lenda ou um fato....

Naumann: Nesses termos é uma lenda. Quem me falou isso, não sei se foi o Marobin, uma vez, ou meu amigo partiuclar, o Padre Wetzel. O que eles disseram, o Sinodal havia se tornado uma escola conhecida, exemplo de escola de 2° grau. Eu acho que os jesuítas estavam pensando: Ah!, o Saenger agora esta na UFRGS, entrou no magistério superior, o Gottschald também. Daqui a

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Entrevista com Hans Günther Naumann 122

pouco eles vão fundar uma escola superior”. Essa preocupação havia entre os jesuítas. Se eles soubessem desse parecer não teriam se preocupado.

Silvio: Quer dizer: nunca houve de sentarem à mesma mesa mas havia uma preocupação com isso.

Naumann: Talvez houvesse algum contato. Não sei. Já a Unisinos, a faculdade ela se abriu, Filosofia eles sempre tinham para os seminaristas, não sei se era reconhecido. Acho que não. Então eles abriram o curso de Filosofia no seminário Cristo Rei, para leigos e para moças. Isso foi no inicio da Unisinos. Isso foi 50 e tantos. O primeiro reitor foi o Nedel. O padre Nedel, que agora é o pároco da comunidade São José, em Porto Alegre. Não o 1° reitor foi o outro que fez tese sobre comunismo. Não me recordo o nome dele. O Nedel foi o segundo.

Silvio: Ele é pároco hoje de onde?

Naumann: Da comunidade São Jose de Porto Alegre, da comunidade Alemã

Silvio: Tá bem.

Naumann: Da igreja São José, defronte ao Plaza São Rafael.

Silvio: Talvez fosse interessante conversar com ele pra esclarecer esse fato. Se ele sabia de alguma coisa.

Naumann: Sim, ele deve saber. Mas no fim eu acho que ele esta senil. Não está mais na ativa.

Silvio: Acho que não.

Naumann: Outra coisa que eu queria dizer ainda. Não havia apenas, eu me criei nessa tradição, que pra nós é sempre mais importante o conteúdo, mais do que a forma. O prédio não é tão importante. O conteúdo é importante. E mais importante do que a legalização. Isso tive que aprender no decurso. Não sei quantos anos, eu corrigi essa parte. Porque nos formávamos também gente que tinha nível de 2° grau e uma da primeira aluna que se formou em 57. A Hildegard Wegner, que foi diretora lá em Agudo, né, hoje. Hoje é Roos.

Silvio: Foi diretora, saiu no ano passado.

Naumann: Já tinha 65 anos. Foi nora do velho professor Roos. Ele foi colega do Fuchs no seminário. E ela, quando se formou, era de Arroio do Tigre, de Sobradinho e foi contratada pelas irmãs católicas, numa escola normal católica, de 2º grau. Com curso de 1° grau foi dar aula de português para o 2° grau .

Sílvio: Mas esta bem eu acho que já da para juntar algumas peças da nossa história de hoje.

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Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 123

Anexo 3

ENTREVISTA COM DORIVAL Adair FLECK

Concedida em 29 de junho de 2005 , a Silvio Iung, em São Leopoldo

Fleck: A questão do Espírito Santo é aquele Colégio Martim Lutero que tinha lá. Isto tu conheces?

Sílvio: Sim, eu conheço. Eu soube da história do fechamento, depois.

Fleck: E esse diretor que tinha lá era membro do conselho diretor. Ele sempre quis abrir uma faculdade de Direito. E ele provocou pelo menos duas vezes oficialmente a Igreja pra isso e aí já fora do âmbito do Conselho Sinodal. Já foi na IECLB. E o Conselho Diretor é que explicitamente negou, com base nesta idéia de que a Igreja só deveria investir na formação teológica.

Sílvio: Mas em que período foi isso?

Fleck: Isso foi depois de 68.

Sílvio: Anos 70?

Fleck: Acho que ele foi do 1º Conselho Diretor.

Sílvio: Nome?

Fleck: Não.

Sílvio: Tá bom.

Fleck: Mas é o cara que nós botamos pra rua depois.

Sílvio: Tá.

Fleck: Ele era vitalício. A coisa lá virou Colégio dele.

Sílvio: Sim.

Fleck: Peter é o nome. E isso reforçou de novo a gente não tentar mexer. Porque via que não adiantava. A IECLB estava fechada para o negócio. Tanto que quando depois nós começamos a dizer: “Olha, não tá na hora?”. A nossa abordagem para a Igreja foi muito cautelosa. Só para pedir o aval e nada mais. Aí, entra a história de Curitiba, aquela mulher querendo o curso superior, que era um projeto muito personalíssimo da Dilma, professora da Universidade Federal. Ela tentou duas vezes e aí com o apoio do Piske.

Sílvio: Pois é. Falando no Piske. O Piske, num encontro que eu tive há dois meses, fez referência de que houve apoio a biblioteca da PUC/ Curitiba, através do projeto que tramitou pela IECLB, com recursos da Federação Luterana Mundial.

Fleck: Não.

Sílvio: Você tem algum conhecimento disso?

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Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 124

Fleck: A coisa é diferente. Isso aí é uma confusão. É que a IECLB no Brasil era a intermediária de um monte de agências na Alemanha. As agências na Alemanha elegeram a IECLB para isso. E a IECLB tinha que servir de caminho. E também a ULBRA. Que foi construída com recursos que tramitaram na IECLB, mas do serviço de projetos. E não recursos da Igreja. Só como uma agência intermediadora. A mesma coisa a PUC, que nada tinha a ver com a Igreja. Mas o serviço de projetos era a instância burocrática pelo qual tramitavam esses projetos. Então só não tramitavam ali... Eu não sei se eram da Federação Luterana Mundial ou do governo alemão. Porque isso também vinha por ali. Só não tramitavam por ali, recursos das agências católicas, a Cáritas, a Miséria. Aí era outro caminho. Mas todos os outros, inclusive do governo alemão era por ali. Não tinha que conexão de uma coisa com a outra. Era como se o Departamento de Educação agenciasse verba do governo federal.

Sílvio: E o fato desse serviço estar localizado dentro, junto à estrutura física da IECLB, possivelmente tenha gerado esse tipo de confusão.

Fleck: Sem dúvida.

Sílvio: E os conselhos, os órgãos que aprovavam esses projetos? Eles estavam aonde, ou eram compostos por quais pessoas?

Fleck: Não tinha. Era só serviço de despacho. As normas eram todas do doador. Então pra esse doador tinha que encaminhar o pedido desse jeito, pra aquele daquele jeito e o escritório só examinava se o pedido estava de acordo com isso. Não tinha órgão de decisão pra dizer: esse tinha e esse não. Não havia crivo nesse ponto de vista.

Sílvio: Sim. A busca de recursos já acontecia antes. Na verdade, possivelmente eram projetos já meio carimbados, ou seja, projetos que já tinha um destino certo. Pra gente pegar dois exemplos concretos. O da PUC de Curitiba e o da ULBRA. O caminho já estava pré- estabelecido. Possivelmente contatos extra, extra não, diretos com estas fontes para que aí apenas se fizesse o trâmite formal.

Fleck: Tinha as duas alternativas. Uma era essa a de já ter conversado com os caras lá, porque todas essas entidades lá tinham agora lá um déficit. Aí todos os projetos, não só do Brasil, também de outras partes do mundo caiam naquela mesa. E aí eles diziam: esse projeto me interessa, esse projeto me interessa e quando já havia o contato antes essa entidade de fomento já vinha preparada. Quando caia , esse é meu. E outros não tinham nada disso. E aí o projeto tinha que convencer alguém dali. Ou não convence ninguém.

Sílvio: Mas havia dentro dessa estrutura prioridades. Eu resgatei um documento que era uma discussão de dentro da IECLB, de quais as áreas necessárias que ela apoiaria.

Fleck: Isso foi depois.

Silvio: Final dos anos 70.

Fleck: Aí é quando o PT começa a mandar na Igreja. Aí entrou a questão dos sem-terra, das áreas missionárias. Mas aí a IECLB foi lá dizer para eles, que ela não queria mais que eles aceitassem tais projetos, mas o crivo não era feito aqui.

Sílvio: Tá.

Fleck: O projeto ainda ia pra lá, mas ninguém pegava. Porque a IECLB tinha dito: “Não peguem isso”.

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Sílvio: É, talvez para os tempos de hoje seja um pouco difícil a gente entender isso. Não era um serviço da IECLB, mas que a IECLB fazia. E justamente nesta relação de que se tramitou pela IECLB, foi a IECLB que avalizou.

Fleck: E inclusive, esse serviço era auto-sustentável. A IECLB não colocava "pila" nenhum ali. Da própria verba recebida um percentual era para o serviço, para a manutenção.

Sílvio: Tá bem. Eu acho que isso esclarece muitas coisas sobre esse aspecto. Agora, em relação a questões como a influência ou aproximação que havia no início dos anos 70 entre a IECLB e o governo. Porque há inclusive algumas trocas de correspondências. Livros falam isso. Da proximidade que o Presidente Gottschald teve com o Presidente Médici e outras coisas mais. E se essa situação houve, o Belmiro já comentou isso, o Ruben, de que havia, foi feito, um desafio ou algo assim para a IECLB instalar cursos superiores. Sabes de alguma coisa?

Fleck: Não. Nunca caiu nada desse tipo em alguma reunião que eu estivesse. Nunca.

Sílvio: Essa discussão que você referiu no início a respeito do Peter, ou seja lá o nome que tenha o diretor do Espírito Santo, do Martin Luther. Ele chegou, por exemplo, em algum seminário, em alguma discussão...

Fleck: Não, porque a coisa foi um pouco diferente. O problema é que aquela escola era mantida pela IECLB, como a Faculdade de Teologia. Porque houve uma evolução daquela coisa, foi uma iniciativa de um pastor que construiu um internato. Para os alunos do interior. Quando o internato não seu mais, ele foi transformado em escola.

Sílvio: Como muitas por aqui.

Fleck: É. Lá em Marechal Candido Rondon foi a mesma coisa. Aquilo foi internato e os luteranos da IELB construíram a escola. Foi uma “joint venture”, depois o internato morreu e nós estávamos com a bucha. E aí o mantenedor daquilo lá acabou sendo a IECLB, assim como a IECLB era mantenedora de Cianorte. E o pedido dele para a IECLB, foi porque a IECLB era a mantenedora e não foi um pedido do ponto de vista de apoio ou de pra IECLB ir pro superior. A coisa é um pouco diferente ali.

Sílvio: Teria sido em termos de aproximação como se a EST tivesse ao lado um outro projeto.

Fleck: Perfeitamente.

Sílvio: Tá legal! Agora, nesse período todo, como é que você vê a formação do ISCET e do IFPLA, que são agências formadoras de nível superior que caminharam meio na informalidade, ou para dizer de outra forma, que optaram por formar mas não certificar os seus egressos. Como você vê isso?

Fleck: Bom, vamos começar pelo ISCET. Isso foi um reconhecimento de que havia necessidade de formar professores de Ensino Religioso. Só que sempre com a idéia de não entrar no superior como tal e fazer isso, sempre em colaboração com outra instituição. A idéia inicial era fazer com a UFRGS. O problema é que os nossos alunos não passavam na UFRGS em número suficiente. E também tinha o problema de lugar. Então, acabou sendo a UNISINOS. O IFPLA, na verdade, é uma evolução do que Ivoti faz. Pela qualidade de ensino de língua. Qualquer um dos dois foi crescendo porque tinha dinheiro para isso. O IFPLA foi financiado pela Alemanha. Se não fosse isso, não existiria. Mas a Alemanha não iria financiar um curso inteiro. A Alemanha só estava interessada em Língua Alemã. Então, porque tinha

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dinheiro pra isso, se moldou essa solução IFPLA. O ISCET é a mesma coisa, funcionava porque tinha dinheiro pra isso. Tinha destinação específica de verbas pra isso. Quando essa vinda de dinheiro da Igreja da Alemanha pra IECLB começou a minguar, dentro daquele programa de autonomia e sobrevivência com os próprios pés da Igreja, ele morreu.

Sílvio: É, eu peguei a discussão disso numa ata. Eu acho que a questão era: como é que os alunos do ISCET recebem auxílio-moradia e os alunos da EST não recebem. Bom, e aí dizia, os do ISCET não recebem o estudo integral. Essa era uma discussão?

Fleck: E também a acusação, porque os alunos do ISCET eram financiados na UNISINOS. "Como? financiados em uma universidade católica?" Essas bobageiras.

Sílvio: Mas nesse espaço, bom...

Fleck: Mas eu quero insistir. Só foi viável porque tinha dinheiro.

Sílvio: Pois é, nesse espaço, meio desavisadamente, Três de Maio começou com uma faculdade.

Fleck: Até não por isso. É uma herança. Porque aquilo foi um convênio entre a Universidade de Santa Maria e o município.

Sílvio: Sim.

Fleck: A universidade de Santa Maria caiu fora e a gente tinha que pegar, meio de "devesgeio", no susto.

Silvio: É por isso que eu digo, meio desavisadamente. É, mas também a IECLB não se pronunciou a respeito. A IECLB não a via como uma instituição superior luterana. Está bem. Vamos fechar os anos 70. Toda discussão nos anos 70 não é o que fazer ou como fazer educação. É como manter ou não manter as escolas. Ou seja, é apenas a administração do passivo. Não é um investimento, não se enxerga assim. Enfim, eu gostaria que você comentasse um pouco isso, também.

Fleck: É, e isso está intimamente ligado a duas coisas. A década de 70 foi uma década muito complicada da administração das escolas do ponto de vista de controle das mensalidades, porque foi toda a década de ação da SUNAB e, de repente, as mensalidades eram controladas assim como as batatas. E isso foi um período extremamente complicado. Teve diretores que foram presos. A SUNAB entrava na escola, arrombava gaveta. Foi um caos aquilo. Tudo por causa do controle da inflação. Então, para as escolas foi um período de extrema angústia e instabilidade em que ninguém tinha a menor chance de pensar em alguma coisa. Era sobreviver de um mês para outro. Esse é um aspecto e o outro é o crescente discurso dos pobres, dos oprimidos e assim por diante. Porque houve situações que acabaram por fim fechando escolas. Santo Ângelo é um resultado disso. Explícito. Acho que não tem uma situação mais clara do que lá. Então 70 foi uma década perdida. E foi 80 adentro. Isso foi até 85, 86.

Sílvio: O que aliás tem paralelo, me parece, com as outras instituições eclesiásticas de um modo geral. Porque se a gente olha o processo de expansão em ensino superior, ele aconteceu muito pouco na década de 70, início dos anos 80. As instituições que estavam aí foram aquelas criadas na década de 50, década de 60 e não na década de 70, 80. São raríssimas as exceções. Então, nesse sentido, a IECLB não foi a única em sofrimento.

Fleck: Com certeza.

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Sílvio: Porque a SUNAB não escolheu as nossas escolas. Agora, ao lado disso, havia um problema de identidade das escolas dentro da Igreja. Não é?

Fleck: É, sim. Eu acho que sim. Foi um período também muito complicado pelas lideranças que havia. Incompreensão. Toda aquela história de estruturação da IECLB deslocou os departamentos para uma situação marginal. E não só os departamentos, de educação, de catequese, em que os executores ficaram desalojados. Não estavam vinculados a lugar nenhum. E todo mundo mandava. Por exemplo, no Departamento de Catequese, quem é que mandava lá? A secretaria de comunicação, de pessoal, de formação, ali não havia nenhuma uniformidade de ação, de programa eclesiástico pra isso. Então, eles viviam no ar. E pra eles ainda foi pior, sobre esse ponto de vista, porque dependiam do orçamento da IECLB. Nós ficamos fora disso e ficamos andando sozinhos. Vamos embora. Não estamos nem precisando de vocês. E isso ajudou a criar um hiato, um espaço vazio entre as escolas e o departamento da IECLB. Porque nós não precisávamos deles, né? Então não havia porque ficar conversando, trocando figurinhas. E era muito forte essa questão ideológica. Nós nos concebíamos de um jeito, as escolas se concebiam de um jeito e não tinham espaço para dizer isso porque o discurso da Igreja era outro. Foi muito complicado. Foi um vazio existencial.

Sílvio: Está bem. Vamos olhar um pouco mais para o início dos anos 80 e essa reorganização que aí também a educação sofreu. Porque me parece que depois de 10, 11 anos ela tinha uma localização, uma possibilidade do Departamento de Educação de ser visto dentro da IECLB como um organismo capaz de congregar todas as instituições educacionais. Porque essa era a discussão. Porque as escolas fora do RS não tinham onde aportar. Bem, essa reorganização coincidiu com um novo projeto, não é?

Fleck: É. Na verdade, a gente, quando começou a pensar essa reorganização, tinha feito um diagnóstico. Nesse diagnóstico estava bem claro que havia necessidade de construir em torno desse conceito de rede, que na verdade significa identidade. Só que a gente não falava em identidade. A gente falava em construir um conceito de rede. E praticamente tudo o que se imaginou foi dentro dessa idéia, de reforçar essa idéia de rede. Interesse igual e identidade. Nos últimos tempos, o Keller, a doença dele, começou a se manifestar de maneira muito forte. O Alzheimer dele. Quando ele não conseguia mais organizar pensamento. Ele começava uma reunião e de repente ficava quieto. Sumia o pensamento dele e todo mundo ficava esperando ele voltar. Ele sentiu necessidade de se cercar de ajuda. E aí concebeu um conselho, que era informal, formado por pessoas que ele tinha convidado. Depois do conselho do departamento e isso foi muito bom. Porque ali é que análise toda foi feita e na conversa com o próprio Keller a gente descobriu muita coisa que podia fazer e que ele dizia "tem que fazer, mas olha, eu não consigo". E foi por aí. Agora, esse lugar das escolas na Igreja só começou a dar resultado na metade de década de 90. A década de 80 foi toda, ainda, de gestão interna. A partir de 90 é que elas começaram a aparecer, e resultado do movimento todo, e começaram a aparecer como uma entidade dentro da Igreja. Começaram a ser vistas como tal. E também a mudança de mentalidade dos dirigentes da Igreja. Quando entra a fase Kirchheim, a coisa muda radicalmente. Não que fosse o Brackemeyer, mas os secretários dele. E aí entra o Kirchheim e ele tinha um discurso específico para as escolas. O discurso do Brackemeyer era teológico. Ele sabia falar. Ele foi professor de Ensino Religioso. Quer dizer, até aí ele ia. Agora, o discurso político veio com o Kirchheim.

Sílvio: Pois é. Se a gente olha da frente pra trás, acho que é importante esse processo de reorganização, porque aí de fato, considerando as dificuldades sociais, econômicas, enfim, a

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história por assim dizer, tenha sido reunida. Os cacos tenham sido juntados. E justamente pensado a educação no conjunto da Igreja, que na tua expressão mesmo acaba se manifestando, entendido assim pela cúpula eclesiástica, e por boa parte das comunidades no final dos anos 90. Mas é dali que surge o projeto que vai dar sustentabilidade para que se olhe para as instituições e do que faz parte o Ensino Superior, mas nesse intervalo houve muitas coisas. Uma delas foi o apoio formal, apoio surgido dentro do Conselho de Educação e sugerindo que a IECLB analisasse projetos de apoio ao Ensino superior. Isso surgiu num Concílio. Tem uma ata num Concílio em que diz que justamente Curitiba pede apoio para uma faculdade de Filosofia e Letras. Se é uma senhora, eu não sabia. Eu desconfiava que poderia ser o Burghard, já naquele tempo.

Fleck: Não.

Sílvio: E isso foi motivador para essa discussão do Conselho de Educação? Essa discussão já começava a correr paralelamente?

Fleck: Não, já antes. Para nós, no Conselho, Curitiba sempre foi uma pedra no sapato, porque sempre era um negócio à margem. A gente sabia que era um projeto pessoal e a gente não apostava nada naquilo. E não queríamos que aquilo prosperasse do jeito que a coisa estava nascendo. Mas a discussão dentro do Conselho já vinha de anos. A gente percebeu que estava na hora entrar no Superior. E isso começou a se espalhar. Curitiba, antes dessas referências que tu encontraste, essa mulher já tinha feito uma tentativa antes, há cinco anos. A mesma. E ela voltou ali, naquele momento, porque ela se aposentou na Federal. Agora vamos adiante. O que resultou dessa recomendação, do documento do conselho pra IECLB, isso leva muito em conta a situação de Curitiba. Olha, alguém tem que avaliar antes da IECLB dar o aval. E por isso o Conselho diz: "nós temos que falar sobre isso". Essa é a razão. Mas a motivação não surge com Curitiba. Curitiba é o tropeço. Atrapalha. A idéia era que a coisa nascesse dentro de uma escola, mas que tivesse um vínculo forte com as demais e não Curitiba, que era marginal. Nem era pra ser no Martinus. Era pra ser fora. E depois, quando veio o projeto Martinus e o Conselho examinou e disse assim "não dá!, melhorem isso aqui". Aí deu aquele “uá”, e o Conselho rejeitou. “Que, cacaca”. Me chamaram para uma reunião.

Sílvio: Mas isso já foi na segunda metade dos anos 90.

Fleck: É. É que depois que Joinville começou, eles correram atrás, mas era continuação da mesma coisa.

Sílvio: Sob a liderança de outra pessoa.

Fleck: Aí era outra coisa. Aquela mulher já tinha desistido.

Sílvio: Aquele pronunciamento dos anos 80 - 87 -, também foi um período da história brasileira inadequado. As condições do momento eram insatisfatórias. Eu me lembro que eu estudava na UNISINOS e a discussão era “será que a UNISINOS corre risco de fechar?”. Porque estava endividada, me lembro como hoje. Eu estava no primeiro ciclo e o meu professor dizia: Olha, a UNISINOS tá muito endividada. Esse foi o período em que se pronunciou sobre o assunto. O momento não favorecia.

Fleck: O Ministro da Justiça, o Galvão. De uma hora pra outra terminou com todas as filantropias. Saiu com uma portaria. E isso foi um baque. E isso foi revertido de novo e tal. Inclusive o Figueredo que num 28 de fevereiro assinou cinco mil e tantas decretos de utilidade

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pública. Foi um negócio. Para que eles ainda falassem. Que dizer, quem tinha e quem não tinha não tinha mais.

Sílvio: Que foi em 77, o Geisel

Fleck: Não, foi o Figueiredo. Eu estava em Três Passos ainda.

Sílvio: Esse fato eu não sabia.

Fleck: Mas foi o Figueredo. Na véspera, ele fechou a coisa. Então foi um período complicado, diferente. De controle. Mas na verdade nunca houve período fácil. Vai me dizer que hoje é um período fácil? Daqui a vinte anos alguém vai olhar e dizer como é que os caras conseguiram. O interessante, eu acho que a gente tem que levar em consideração e que as escolas a partir de um determinado momento começaram a se qualificar. Qualificar-se, também, tecnologicamente. Então elas investiam num microscópio que projetava em grande escala na parede. O próprio data-show mudou a escola. A escola entendeu que a biblioteca é um lugar diferente, que tem que se qualificar. E começou a investir no ambiente da biblioteca. Também os banheiros! É um negócio meio idiota, mas é. E isso foi um processo muito lento. Mas eu acho que faz parte neste conjunto todo de se chegar numa universidade. Se não tivesse acontecido isso, eu acho que não teria chegado lá.

Sílvio: É, mas aquele parecer, pra gente retomar mais um pouco é, (acho que foi o Belmiro que comentou comigo), vocês chegaram a fazer algumas incursões pelo interior do RS, chegaram a visitar algumas comunidades. E que impressões vocês levaram, o que vocês pretendiam, o que não, o que deu certo o que não?

Fleck: O meu sonho era comprar a UNISC. Porque a UNISC estava numa "naba" desgraçada. A UNISC devia as calças, as cuecas, o pijama, tudo para o governo. E não tinha aparentemente saída aquilo lá. O meu sonho era conseguir um dinheiro da Alemanha para comprar a UNISC. Pagar a dívida. Mas aí, politicamente, eles zeraram a dívida e, tudo bem, foram embora. Mas seria bastante complicado, porque dentro da UNISC está muito forte o bispado de Santa Cruz.

Sílvio: É até onde eu sei a UNISC nasceu assim como Três de Maio. Também como extensão de Santa Maria, que acabou depois sendo assumido pela comunidade local e de um outro jeito foi....

Fleck: Aí nós fizemos duas tentativas. Uma foi Carazinho, por provocação de Carazinho. E a outra foi Lajeado por provocação nossa. Lajeado, porque aquela mantenedora tinha muito similaridade com a antiga mantenedora de Teutônia. Porque a antiga mantenedora de Teutônia tinha comunidade evangélica, o município de Teutônia, outro município do lado, a Igreja, o Sínodo. Então, era um negócio meio assim, uma cooperativa e só com o tempo aquilo evoluiu para uma fundação. E a mantenedora na época, a FATES, também eram municípios e havia interesse da FATES em mais uma parceria. E lá nós trancamos num dispositivo do estatuto que dizia que a FATES nunca ia fazer associação com igrejas. Aí não tinha mais como continuar. Agora, lá teria sido viável, em termos de uma parceria. Entrar como parceiros daquele consórcio. Ainda mais que o único dos consorciados que mantinha vínculo era o município de LAJEADO. Os outros municípios todos caíram fora, nunca mais quiseram nada com aquilo. Nós não chegamos a conversar com o pessoal da FATES. Mas o que nós fizemos, foi que o pessoal de Lajeado buscou informações.

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Fleck: E aí restou Carazinho. Carazinho provocado pela escola de lá. Era o Leopoldo na época. Nós fomos lá. Tinha gente da comunidade, um monte de gente de lá. Notamos que era politicagem pura: era PDT pra cá, PMDB pra lá, PDS. Ex-prefeito que queria promover. Já tinha feito movimento.

Sílvio: É que Carazinho eu conheço. Eles chegaram a constituir, como chamava, Associação Carazinhense Pró-Ensino Superior. Eles têm um ginásio de esportes com o nome de ACAPESU. Há um patrimônio como resultado de uma mobilização pelo Ensino Superior.

Fleck: E o patrono dessa mobilização era o Keller, o tal do eterno deputado de Carazinho. Não sei se ouviste falar nele?

Sílvio: Sim, conheço ele.

Fleck:.Ainda vive?

Sílvio: Sim.

Fleck: Quantos anos?

Sílvio: Ah..

Fleck: Ele já era velho quando eu era guri.

Sílvio: Ele foi prefeito umas 4, 5 vezes lá.

Fleck: Esse era o patrono da coisa. Bom, aí entrou um outro complicador junto, porque já tinha uma turma que estava em negociação com a ULBRA. Queriam que a ULBRA fosse pra lá! E tinha um outro interessado, que Passo Fundo fosse pra lá. Então, aquilo era um vespeiro. Quem é que foi comigo?

Sílvio: O Belmiro. O Belmiro me disse que esteve lá, também.

Fleck: Mas foi mais gente. Quem mais foi junto? O Erni.

Sílvio: É o Erni era daquela região.

Fleck: Eu disse: olha aqui, não adianta nos metermos, porque só vamos dar com os burros na água. E como de fato foi. Foi Passo Fundo pra lá e depois ULBRA.

Sílvio: É, a ULBRA bem mais tarde. Passo Fundo foi e se instalou no colégio La Sallle e ficou por uns dez anos lá.

Fleck: E depois deu briga, porque Passo Fundo recolheu tudo e Carazinho tinha posto lá biblioteca. Aí, meu Deus, os caras são fogo.

Sílvio: Pois é. Aí na seqüência acabou surgindo Joinville. A informação que eu tive de Joinville é de que a motivação não foi tanto por causa desse parecer. Foi mais uma motivação local. De umas pessoas, de um médico que teria vindo de um outro local. Quer dizer é... Dá pra dizer assim que o resultado, ele acontece nos demais cursos depois. Talvez Ivoti seja diferente. Mas Horizontina, o processo de ingresso no ensino superior se dá como conseqüência de um momento favorável na comunidade. E não como um desafio que a escola daqui a pouco lança pra a comunidade. Que tal nós irmos para o Ensino Superior!

Fleck: Eu acho que é uma conseqüência daquilo que a escola já tem, daquilo que a escola já tá fazendo, mas com uma motivação que vem do local. Horizontina é muito claro! É a Jorge Logemann lá, a John Deere agora disposta a sustentar a coisa, porque eles precisam dos

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profissionais de nível superior e só por isso. Horizontina não dá para pensar sem John Deere, não existe. E o curso técnico não existe sem a John Deere. Então, ali a escola tá fazendo, mas eu diria que o peso dela é 30% na história.

Sílvio: Mas nessa relação, pra gente pensar um pouco na história das instituições. Aonde entra o desafio que a escola da comunidade coloca e aonde entra a resposta que a escola dá ao anseio da comunidade civil. Por que isso? Porque isso nos ajuda a entender um pouco as comunidades que migraram para determinadas áreas de ensino. Panambi, quando foi para o ensino técnico, ou algumas outras quando oferecem ou não curso superior hoje, ou apenas a educação média. Parece-me que nos anos 40, 50 - não vamos nem falar na origem com as escolas primárias - mas as escolas secundárias são uma clara resposta a uma necessidade da comunidade de ter o ensino secundário. Será que nós temos conseguido fazer isso nessa relação hoje, ainda? onde entra o desafio que uma escola pode oferecer a uma comunidade civil agora?

Fleck: Isso é muito complicado, Sílvio. Eu acho que não dá nem pra tentar generalizar. Eu acho que Horizontina é uma resposta ao desafio da comunidade. Sem dúvida. Acho que Três de Maio também é. Agora, com o curso de Pedagogia não é mais. Aí já é invenção da escola. Se vai se impor e ter importância, isso o futuro vai mostrar. O de Administração, sim. Bem, é só o que eles têm. O de Informática que a comunidade ocupa com facilidade. Eu acho que a única nesse sentido é Ivoti. Talvez também Joinville, pela Enfermagem. Como uma resposta da escola a comunidade. Mas eu não sei se isso é tão importante. Seja de onde for que venha a motivação - se é da escola ou se é uma resposta da escola a uma demanda da comunidade - o que vai interessar é o tipo de curso que a escola vai ser capaz de oferecer. Ou a diferença está ali, ou é irrelevante de onde vem a motivação. Não adianta vir a motivação da escola e ser um curso como qualquer outro e também não há nenhum mérito em responder a uma demanda da comunidade com um curso como qualquer outro. A capacidade desta escola de fazer um curso diferente do que tem por aí: ali tem um valor! Se não, não. Dohms, por exemplo. O que o Dohms esta fazendo é uma iniciativa da escola, não há demanda, não tem ninguém pressionando o Dohms para fazer isso. O que ele tá tentando fazer - eu acho difícil implementar e eu já disse isso pro Belmiro - é muito complicado. Mas o que ele tá tentando fazer, se der certo, vai ser um diferencial fantástico. Vai ser um estouro. O problema vai ser ele conseguir parceiros suficientes para isso. Ivoti tá fazendo uma coisa diferente também. E eu acho que vai acabar “fazendo escola”, inclusive. Agora, interessante, na continuidade - eles estão pensando adiante agora - querem ficar extremamente presos ao tradicional. Eles conseguiram, nas duas licenciaturas, um negócio belíssimo, inovador. Ao pensar adiante, caíram no tradicional. Talvez não consigam romper isso.

Sílvio: Pois é. Essa é a questão que se põe. Também já nos aproximando mais do final. O que justifica de fato o ingresso no ensino superior, se for para não oferecer cursos que estão aí, que são repetidos em larga escala, hoje. Eu peguei o jornal hoje de manhã. Só no vestibular de inverno, há no mínimo 20 instituições, fora as universidades que estão oferecendo vestibular. Quer dizer é um tal de FARGS, e outros. Um negócio que eu nunca tinha visto. E reproduzindo certamente modelos que foram sendo consolidados ao longo do tempo. E aí, qual é o desafio que move as nossas instituições quando falam em oferecer ensino superior?

Fleck: Bom, uma delas, eu acho, é sobrevivência. Pra mim isso é nítido. Assim como há um tempo atrás quem tinha jardim da infância - das OASES por aí - pra sobreviver tinha que entrar no primário. Depois do primário tinha que botar o ginásio, como quem tinha o ginásio tinha

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Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 132

que colocar o colégio. Senão, morre mesmo. Assim hoje é o superior. Eu acho que no andar, com o tempo, vão se manter ou aquelas instituições médias muito boas.

Sílvio: Em grandes centros.

Fleck: Em grandes centros. Eu estava comentando ontem com a Eliane. Eu acho interessante que o Sinodal não consiga bater a barreira dos mil alunos. O Sinodal tinha que ser uma escola com demanda para 2000, 2500 alunos. Demanda, não quer dizer que tem que aceitar todo mundo. Mas demanda de 2000 alunos e não consegue. Claro, pra São Leopoldo, ele é muito caro. Esse é o problema dele. Mas por outro lado, se ele tivesse 500 alunos a mais, ele poderia fazer uma mensalidade mais barata. Tem um problema de concepção administrativa. Acho, também, que eles estão trabalhando com menos de 70% de comprometimento da receita com pessoal. Acho. Entende. O Sinodal está sujeito a não se manter. Foi o que aconteceu com Cachoeira. Cachoeira quase quebra. Fui pra lá e, primeiro: “Olha, vocês têm a maior mensalidade em relação ao salário pago ao professor”. Lajeado paga mais ao professor e cobra menos do aluno. Aonde tá indo o dinheiro? Aí fizeram uma “reforma” lá. Tiraram aquele tesoureiro vitalício e mudou a coisa. E aí, bom vamos recuperar! Aí eles conseguiram. Não sei com quantos alunos eles estão hoje.

Sílvio: Estão com 420, 430.

Fleck: Mas é muito pouco!

Sílvio: É, mas aí também não dá pra entrar, essa até onde eu vi, é uma das aprendizagens com Joinville. Entrar cheio de estilo e achar que o fato de transferir o nome da escola de educação básica que tem um conceito, acha que isso automaticamente se transfere para o ensino superior. E com isso, isso é um temor que eu tenho em relação a estas instituições. De superestimar a condição, a capacidade que estas escolas tem. Por exemplo, Ivoti, ah Ijuí, pensa em colocar um curso de normal superior. Não tem nada a ver coma escola e não tem o publico, a clientela já não seria de qualquer forma, ´porque o publico lá já está buscando outra coisa, que estuda na escola. Mas ainda oferece um curso de Magistério, na área de magistério.

Fleck: Não. Só lá é viável se eles fizerem convenio de numeros clausus com os municípios. De não esperar que os alunos paguem e sim os municípios.

Sílvio: Acho que é uma alternativa.

Fleck: Mas eu não to vendo empenho deles no sentido de busca solução desse tipo. Eu acho que eles pensam, vamos fazer vestibular e vamos embora.

Sílvio: Bom, pra gente, é a última pergunta que eu faço gravando. Essa é uma possibilidade. Mas nós temos hoje no RS, em 35 cidades, nós temos escola. Também não dá pra imaginar que a gente possa ter universidades em 35 cidades.

Fleck: Essa é outra que não tem solução. Sabe qual é o grande problema que nós temos com o superior e que Ivoti vai logo começa a sentir. É só ela começa a crescer um pouquinho. Aumenta o numero de turmas do normal, é o corpo docente, nós não temos uma inteligência luterana formada. Nós não temos um plantel, nós vamos buscar o pessoal lá onde eles estão sedimentados, com todos aqueles vícios acadêmicos. Aquela invejeira desgraçada. Foi o que estourou com Joinville. Eles tinham um projeto inicial quando chamaram o pessoal, fizeram o que acabaram fazendo. O outro problema de Joinville foi buscar gente a peso de ouro. Isso não se faz. O pessoal gasto dinheiro e não resolveu coisa nenhuma. Não chamo algum. Mas eu não

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sei, isso aí não tem solução. Isso é contigo..Faz disso como descoberta da tua profissão. Não sei.

Sílvio: Ta legal.

Fleck: Eu só sei que Sapiranga ou dá um jeito naquela escola ou vai fechar. Ou tem que entrar no técnico com força. Sapiranga é uma cidade industrial. Não tem técnico lá ou vai pro superior. Que lá tem espaço, mas tem quer ser na área tecnológica. Se ficar só na escola que está fecha. Interessante que eles com muita ênfase disseram não, não faço isso. Alguns diziam que eram muito caro e o René eu acho que tinha que estar mordido de alguma forma com a IECLB. A posição dele era de jeito nenhum, a universidade tem que ser pública. A universidade abre e não fecha para uma confissão. Essa era a posição dele. A gente saiu com a sensação de que a reunião não serviu para nada. Não é que, não sei o que a gente queria. Não era em curso superior. Isso foi uma reunião que alguém sugeriu que era interessante fazer...

Sílvio: Sem muita finalidade.

Fleck:É não tinha um objetivo assim. Também dali não saiu motivação pra pensar em coisa mais seria pra alguma coisa, foi ao contrário. Não fica calma. Não entra nisso.

Sílvio:É essa trajetória eu quero reconstruí um pouco, porque, olha as pessoas não estavam paradas evidentemente. Mas havia um cenário que conspirava contra.

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Anexo 4 -

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