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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE
CONSUMO - PPGCOM
Luciana da Silva Corrêa
“ELE É MEU AMIGO”:
comunicação, consumo de smartphones e o envelhecimento conectado
São Paulo
2018
Luciana da Silva Corrêa
“ELE É MEU AMIGO”:
comunicação, consumo de smartphones e o envelhecimento conectado
Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Comunicação e Práticas de
Consumo.
Orientadora: Profa. Dra. Gisela Granjeiro da Silva Castro
São Paulo
2018
Autorizo a reprodução total ou parcial da minha dissertação “‟Ele é meu amigo‟:
comunicação, consumo de smartphones e o envelhecimento conectado”, para fins de estudo e
pesquisa, desde que seja sempre citada a fonte.
Luciana da Silva Corrêa
“ELE É MEU AMIGO”:
comunicação, consumo de smartphones e o envelhecimento conectado
Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação e Práticas de Consumo.
São Paulo, 26 de fevereiro de 2018
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Orientadora e Presidente da Banca:
Profa. Dra. Gisela Granjeiro da Silva Castro - ESPM – SP
____________________________________________________________
Avaliador Externo
Prof. Dr. José Carlos Ribeiro - UFBA
____________________________________________________________
Avaliadora Interna
Profa. Dra. Tania Hoff – ESPM - SP
Dedico este trabalho aos meus pais, Gentil (in memorian)
e Dulce (in memorian). Deles recebi o maior presente que
alguém pode dar: a vida que me trouxe até este momento.
Com especial carinho, volto-me à minha mãe, minha
companheira, minha amiga, minha grande incentivadora.
Mulher corajosa e forte, mas, ao mesmo tempo doce.
Grande exemplo de vida. Sei que, onde quer que esteja, a
senhora continua vibrando por mim. Espero ter lhe feito
orgulhosa.
Agradecimentos
Palavras têm dificuldade de descrever o desafio que uma pós-graduação apresenta. Em
uma mistura de sentimentos, preocupações e desafios, “mestrar” exige determinação, coragem
e dedicação. Certamente, sem o apoio imprescindível de algumas pessoas, eu não teria
conseguido alcançar a realização deste sonho.
Primeiramente, dirijo meus agradecimentos à CAPES e ao PPGCOM da ESPM-SP
pela bolsa de estudos que me permitiu acesso a uma formação de excelência.
Agradeço à Profa. Dra. Gisela Castro, minha orientadora. Seu incentivo permanente,
sua generosidade no compartilhamento de conhecimento e a orientação segura foram
essenciais para a construção deste trabalho. Agradeço também a todos os professores e
professoras com quem um dia tive o privilégio de estudar. Há um pedacinho de cada um nesta
trajetória.
À Profa. Dra. Maria Aparecida Ferrari, meus agradecimentos pela rica discussão que
me levou ao apaixonante tema dos estudos sobre o envelhecimento.
Aos colegas da M-16 e do GRUSCCO, professores do PPGCOM e funcionários da
secretaria meus agradecimentos por terem compartilhado comigo este caminho.
Agradeço ao Prof. Dr. Antonio Jordão Netto, coordenador da Universidade Aberta à
Maturidade da PUC – SP e da UniSantanna, pela generosidade em me oferecer acesso aos
respondentes desta pesquisa. Agradeço também aos respondentes - alunos, alunas, colegas e
amigos - que se dispuseram a conversar comigo sobre suas experiências com smartphones.
A realização deste curso de mestrado coincidiu com um momento de vida no qual eu
me vi repetidamente testada pelas circunstâncias e acontecimentos. Nestes momentos, o apoio
de algumas pessoas foi crucial para que eu continuasse trilhando meu caminho acadêmico. A
Katia Penteado, Cida Napoli e Ana Paula D‟Agostino, amigas queridas, meu agradecimento
por estarem incondicionalmente ao meu lado. Por ouvirem sem julgamentos, por me
oferecerem seu ombro para os momentos de choro, por comemorarem comigo as conquistas.
A todos os meus familiares e amigos pela torcida e as palavras de incentivo, meu sincero
muito obrigada.
Meus agradecimentos também a Erika do Nascimento, Janaína Bispo dos Santos e
Cristina Maria dos Santos, por se desdobrarem para que, na reta final, eu pudesse ter a
tranquilidade necessária para realizar este trabalho.
E, por fim, meu mais profundo agradecimento ao meu amor, meu melhor amigo, meu
companheiro. Robert, saber que você está ao meu lado é o bálsamo para os momentos difíceis
e o incentivo para superá-los, é o brilho a mais nas conquistas. Você vibrou comigo, se
orgulhou, se preocupou, se alegrou. Cada instante sua presença foi sentida de forma especial.
Obrigada pela paciência, pela compreensão e pelo amor. Você é grande parte da realização
deste sonho.
CORRÊA, Luciana S. “Ele é meu amigo”: uma discussão sobre o consumo de smartphones e sua
apropriação por mulheres idosas. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo) –
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de Propaganda
e Marketing (ESPM), São Paulo.
RESUMO
Apoiando-se no tripé teórico que engloba os estudos do envelhecimento, a cibercultura e os
estudos das interfaces comunicação e consumo, esta dissertação toma os smartphones como
objeto empírico para discutir o consumo e a apropriação dos dispositivos inteligentes na vida
cotidiana de mulheres de 60 e 80 anos, de classes média e média alta, residentes na cidade de
São Paulo. Partindo da hipótese que o aparelho é um elemento facilitador das conexões destas
pessoas com família e amigos, vislumbramos que o smartphone se destaca como meio de
comunicação deste público. Entendendo que, em uma perspectiva contemporânea, o binômio
idoso e tecnologias inteligentes já não pode ser considerado paradoxal, nosso estudo pretende
trazer à tona os significados culturais atribuídos aos smartphones e o papel desempenhado
pelas idosas nas práticas de consumo associadas ao artefato. Neste sentido, compreendemos
que uma das formas de envelhecer que marcam o século XXI pressupõe a existência do que
temos chamado nesta dissertação de uma “velhice conectada”. Nossa pesquisa se desenvolveu
em três etapas – revisão bibliográfica; sondagem online e entrevistas pessoais; e análise
crítica. A análise crítica de cunho cultural e reflexivo conclui que velhice e tecnologia podem
efetivamente caminhar lado a lado e que a incorporação ou não de dispositivos inteligentes na
vida cotidiana de idosas não é uma questão atrelada exclusivamente à idade cronológica, mas
encontra-se calcada em variáveis como história pessoal e profissional; estilo de vida;
interesses pessoais e aspirações.
Palavras-chave: Comunicação e Consumo. Cibercultura. Smartphones. Velhice.
Envelhecimento Conectado.
CORRÊA, Luciana S. “‟He is my friend‟: communications, consumption of the smartphones and the
connected aging”. 2018. Dissertation (Masters in Communications and Consumption Practices . Postgraduate Research Program in Communications and Consumption Practices, School of Advanced
Studies in Advertising and Marketing/Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São
Paulo.
ABSTRACT
Based on the theoretical triad that encompasses the aging studies, cyberculture, and the study
of the interfaces of communications and consumer, this dissertation takes smartphones as an
empirical object to discuss the consumption and appropriation of intelligent devices in
everyday life of women aged 60 to 80 years old, of middle and upper middle classes, living
in the city of São Paulo. Based on the hypothesis that the smartphone is a facilitator of the
connections of these people with family and friends, we see that the smartphone stands out as
a means of communication for this public. Understanding that, in a contemporary perspective,
the binomial elderly and intelligent technologies can no longer be considered paradoxical, our
study intends to bring to light the cultural meanings attributed to smartphones and the role the
played by the elderly women in the consumption practices associated with the artifact. In this
sense, we understand that one of the forms of aging that mark the twenty-first century
presupposes the existence of what we have called in this dissertation as a "connected old age".
Our research was developed in three stages - bibliographical review; online survey and
personal interviews; and critical analysis. Cultural and reflexive critical analysis concludes
that old age and technology can effectively walk side by side and that the incorporation or not
of intelligent devices in the daily life of the elderly is not a matter exclusively tied to
chronological age, but is based on variables such as personal and professional history;
lifestyle; personal interests and aspirations.
Keywords: Communications and Consumption. Cyberculture. Smartphones. Old Age.
Connected Aging.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................................ 2
1 Comunicação, Consumo e Envelhecimento ....................................................................... 5
1.1 O envelhecimento como processo demográfico, econômico e sociocultural ....................... 7
1.2 Envelhecimento, longevidade e a promoção da juventude como valor na
contemporaneidade ................................................................................................................... 16
1.3 Mídia, consumo e a promoção do ideário ageless .............................................................. 25
2 Comunicação, Consumo e Tecnologia .............................................................................. 28
2.1 A sociedade em transformação e os objetos sociotécnicos ................................................ 29
2.2 Hibridização humano e tecnologia ..................................................................................... 37
2.3 Os objetos sociotécnicos na esfera do consumo ................................................................. 45
2.4 Velhos e Tecnologia – noções que não se misturam? ........................................................ 50
3 O envelhecimento conectado – pesquisa empírica ........................................................... 52
3.1 A pesquisa .......................................................................................................................... 53
3.2 A definição do corpus ....................................................................................................... 55
3.3 Procedimentos metodológicos ............................................................................................ 58
3.4 Análise e pontos a destacar ................................................................................................. 62
3.4.1 O envelhecimento conectado ..................................................................................... 63
3.4.2 Grupo etário e background: comparando as implicações para as práticas de consumo
de smartphones ........................................................................................................................ 67
3.4.3 Questões de gênero e diferenças nas formas de apropriação do smartphone............ 69
3.4.4 Os smartphones nas relações familiares e intergeracionais ....................................... 72
3.4.5 A pressão social para uma velhice conectada ............................................................ 75
Conclusão ................................................................................................................................ 80
Referências .............................................................................................................................. 90
Apêndice .................................................................................................................................. 99
2
Introdução
Para o senso comum, velhice e tecnologia são termos contraditórios, incapazes de
conviver harmoniosamente. Associados à noção de juventude, os dispositivos digitais são
tidos como distantes da vida cotidiana dos idosos que, vistos como refratários e inflexíveis,
não engajariam computadores, tablets e smartphones em sua vida diária. Na contramão desta
noção, esta dissertação propõe discutir a inserção dos smartphones no cotidiano de mulheres
idosas, buscando compreender as práticas de consumo e as formas de apropriação deste
aparelho.
Lecionando desde 2013 o tema “Comunicação, Tecnologia e Relações Humanas” em
cursos abertos à maturidade, tenho tido a oportunidade de ver na prática que a visão que
considera o velho e a tecnologia como noções mutuamente excludentes não corresponde à
realidade de muitos idosos. Pelo contrário, a observação em sala de aula permite notar que é
vívido e crescente o interesse deste grupo etário pelos dispositivos móveis inteligentes.
Objetos de desejo, os smartphones constituem um mercado de grandes números.
Atualmente no Brasil, são mais de 198 milhões de aparelhos, sendo que se espera que, no
início de 2019, este número chegue a 236 milhões.1 Como principal meio de acesso individual
à internet, os smartphones estão presentes em todas as classes sociais e são distribuídos
equitativamente entre homens e mulheres. Levantamentos recentes trazem à luz que, nos
últimos anos, os brasileiros com mais de 35 anos têm sido os principais responsáveis pelo
crescimento das vendas destas mercadorias.
Símbolos da era da informação e catalisadores da convergência tecnológica e da
informatização que marcam a contemporaneidade, os smartphones se destacam pela
onipresença no cotidiano do homem da atualidade, possibilitando contato permanente com o
mundo. Lemos (2005) os tem chamado de “controle remoto do quotidiano”, ou seja,
dispositivos que estimulam novas vivências e despertam o aperfeiçoamento pessoal e social,
levando, em alguns casos, a serem vistos como “remédios para a solidão”. A multiplicidade
de funcionalidades que oferecem, transformam os smartphones em “teletudo” (LEMOS,
2005), um aparelho que integra as funções de computador, televisor, máquina fotográfica,
1 Fonte: Kantar Brasil Insights. Dados referentes a fevereiro de 2017. Disponível em
http://br.kantar.com/tecnologia/m%C3%B3vel/2017/smartphones-j%C3%A1-est%C3%A3o-nos-bolsos-de-
mais-de-metade-dos-brasileiros/.Último acesso em fev/2018.
3
rádio e tocador de músicas, receptor de notícias jornalísticas e GPS e que tem se firmado
como um facilitador do processo de gestão móvel da vida do dia a dia.
A profundidade do grau de interação que os smartphones despertam nos idosos da
contemporaneidade pode ser expressa com eloquência pela frase que nos conduziu ao
desenvolvimento deste trabalho: “Eu sinto que (o smartphone) fez bem para minha velhice. E
agora, que eu estou sozinha, é um amigo que eu tenho”. Dita de forma despretensiosa durante
uma entrevista em junho de 2016, esta frase despertou curiosidade e interesse ao revelar de
forma tão singela a extensão dos impactos dos dispositivos móveis inteligentes na vida de
mulheres idosas.
Como marcadores sociais, os smartphones diferenciam seus usuários, valorizando
aqueles que os possuem e são hábeis em seu manuseio, reforçando uma imagem de
desprendimento e modernidade, transformando o aparelho em um elemento que contribua
para a afirmação do ideário ageless e da noção de que a velhice bem-sucedida pressupõe estar
digitalmente conectado às redes sociotécnicas que, segundo Castro (2012) podem ser
entendidas como redes de comunicação, sociabilidade e negócios.
Partindo da hipótese que o envolvimento dos idosos com os dispositivos digitais seja
pouco visível à sociedade, o que leva à perpetuação da visão preconceituosa que estabelece
que tecnologia e velhice não se misturam, construímos esta dissertação com o objetivo de
entender as imbricações entre os adultos mais velhos e suas práticas de consumo de
dispositivos digitais. Para tanto, elegemos o smartphone como objeto empírico em nossa
busca de compreender o lugar deste objeto sociotécnico (SIMONDON, 1980) no cotidiano do
grupo etário composto por pessoas acima dos 60 anos. Assim, ponderamos como o dia a dia
destas pessoas é configurado a partir das interações mediadas pelos aparelhos.
O objetivo traçado se delineia em duas perguntas de pesquisa: a) com que finalidade e
de que modo os smartphones são consumidos por mulheres idosas?; e, b) qual o status do
smartphone como meio de comunicação deste público com seus amigos, familiares e o mundo
ao seu redor?
Dividida em três capítulos mais conclusão, esta dissertação se apoia no tripé teórico
que engloba os estudos do envelhecimento, a cibercultura e a comunicação e consumo.
No primeiro capítulo, tratamos do envelhecimento sob a ótica da comunicação e do
consumo. Assim buscamos trazer uma visão compreensiva sobre o assunto abordando temas
como: o preconceito baseado na idade - o idadismo; os comportamentos e atitudes do velho e
4
da sociedade em relação ao velho; o imaginário social construído em torno da velhice e o lado
bom e ruim de envelhecer; e, a construção de novos modos de envelhecer e a adoção de novos
estilos de vida estimulados pelas lógicas de consumo e pela mídia.
No segundo capítulo, abordamos as questões da tecnologia em seu imbricamento com
a sociedade e as práticas de consumo. Para tanto, estabelecemos uma linha do tempo que traça
os avanços tecnológicos que a humanidade realizou desde a II Guerra Mundial até a
contemporaneidade, ressaltando o papel da sociedade na condução do processo de inovação
tecnológica, partindo do entendimento que nenhum objeto é meramente técnico, mas, pelo
contrário, são revestidos de um caráter social que precede a técnica. Abordamos também as
implicações das crescentes interações entre o homem e os dispositivos inteligentes. Por fim,
buscamos compreender os smartphones como bens, exercendo papel de marcadores sociais,
descortinando o papel do consumo como processo sociocultural.
Ao capitulo terceiro, coube apresentar o caminho metodológico, os resultados da
pesquisa exploratória realizada no primeiro semestre de 2016, da sondagem online e das
entrevistas individuais realizadas entre outubro e dezembro de 2017 que, à luz das teorias
discutidas nos capítulos anteriores forneceram o embasamento para a análise crítica de cunho
cultural e reflexivo que desenvolvemos. Com o intuito de trazer uma reflexão sobre as
práticas de consumo e o status do smartphone como meio de comunicação de mulheres
idosas, buscamos aprofundar o assunto e levantar algumas conclusões que nos dessem
indicações sobre o papel desempenhado pelo dispositivo na vida de cidadãos mais velhos.
Por fim, na conclusão, ponderamos sobre os principais resultados obtidos e propomos
possibilidades de desdobramento desta pesquisa em empreendimentos futuros.
5
1. Comunicação, Consumo e Envelhecimento
“Ah, no meu tempo...”
Quantas não são as vezes que ouvimos um integrante idoso de nossa família dizer esta
frase.
Para o senso comum, envelhecer é um processo difícil e até, porque não dizer,
doloroso. Ligada à ideia de decrepitude e falha, a velhice é, em geral, vista como sinônimo de
doença e incapacidade, relegando o adulto mais velho a um patamar de diminuição da sua
significância social, cultural e econômica. Tais conceitos, arraigados na lógica neoliberal que
prega um culto à alta performance (EHRENBERG, 2010) e à auto responsabilização pelo
sucesso de cada indivíduo, propõem uma condição de ostracismo aos integrantes da sociedade
que, com o avanço da idade, veem transformada sua prontidão ao trabalho e ao consumo.
O ideário neoliberal que rege o campo social pressupõe a internalização de posturas e
comportamentos como mandamentos necessários para a atualidade, reforçando a ideia de que
existiria uma vida em alta performance que deve ser o objetivo final de todos, inclusive da
pessoa que envelhece. Segundo Castro (2016, p. 87), “no modelo antropológico vigente de
subjetividade, a autoestima está ancorada nos ideais de alta performance e autonomia. Mais
do que ser, é preciso, o tempo todo, mostrar e provar que se é competente e que se está seguro
de si”. Ao que a estudiosa complementa, ao tratar de modo mais específico
Na mercadorização da esfera emocional, prolifera o pragmatismo dos
cálculos de custo-benefício. Quando a imagem do corpo é tomada como
capital a ser investido na busca incessante do êxito social, os sinais de
velhice são interpretados como sinais de deterioração do patrimônio
individual. Ao se envelhecer, é como se fosse ultrapassado o prazo aceitável
de validade e, assim, a experiência vivida estaria desatualizada, obsoleta,
incompatível. O corpo envelhecido passa a apontar uma pessoa esvaziada de
atributos de qualidade (CASTRO, 2016, p. 89).
Envolto em uma nuvem pessimista, o processo de envelhecimento é visto como a
porta de entrada para uma vida dependente e desamparada, que impõe um pesado fardo às
gerações mais jovens, especialmente no que tange à aposentadoria e aos cuidados de saúde. A
partir das projeções demográficas que dão conta do aumento exponencial de idosos entre a
população brasileira até 20602, as pressões e os conflitos geracionais se exacerbam,
ressaltando uma atitude de discriminação e rejeição entre gerações.
2 Dados demográficos compilados a partir de projeções feitas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, no documento Projeção da População do Brasil por sexo e idade – 2000-2060, revisão 2013,
disponível em https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default.shtm.
Útimo acesso em fev/2018.
6
Em um ambiente desta forma configurado, compreende-se porque ouvimos a
expressão do início deste capítulo com certa frequência. Entretanto, não somente dos aspectos
negativos se faz o processo de envelhecimento. Da mesma forma, é impossível negar que, a
partir da década de 1960, a velhice tem se beneficiado ao receber um olhar mais apurado que
busca desvendar, com maior profundidade, os significados do envelhecimento no contexto do
final do século XX e início do século XXI. Entidades como a ONU e a Comissão Europeia,
dentre outras, têm se debruçado sobre o assunto e incentivado a revisão de políticas públicas e
corporativas que visem à integração plena do idoso à vida contemporânea.
Ponderando sobre as atitudes e preconceitos em relação à velhice, Neri (2007, p. 34)
escreve que “nossos sentimentos em relação a ela são carregados de valor e oscilam entre o
encantamento e o terror, a aceitação e a rejeição, a valorização e a negação, o respeito e a
desvalorização, dependendo do que conhecemos a seu respeito”. Para a autora, os sentimentos
despertados pela velhice são complexos, heterogêneos e, muitas vezes, contraditórios. Assim,
da mesma forma, complexas, heterogêneas e contraditórias, são as formas de envelhecer.
Além dos fatos biológicos e cronológicos, tornar-se velho implica em importantes aspectos
sociais, culturais e econômicos, os quais pretendemos abordar neste capítulo.
Buscando ampliar a compreensão sobre o fenômeno do envelhecimento na
contemporaneidade, dividimos este primeiro capítulo da presente dissertação em três partes. A
primeira parte tratará do processo de envelhecimento a partir das óticas demográfica,
econômica e sociocultural. Com isso, buscamos expor o contexto atual no qual se insere a
questão da velhice, visando a esclarecer os significados de cada aspecto acima para a vida
cotidiana dos idosos. É nosso intuito extrapolar questões predominantemente quantitativas
para tentar compreender os aspectos qualitativos que se interpõe à vida dos adultos acima dos
60 anos.
Em uma segunda parte, endereçaremos a velhice na contemporaneidade e as
implicações sobre os novos modos de viver a velhice que têm sido promovidos pelo ideário
neoliberal vigente (Castro 2015, 2016). Se este grupo etário se destaca pelo crescimento
numérico que tem despertado a atenção de governos, de entidades supragovernamentais, da
sociedade civil e da academia, também merecem reconhecimento as transformações aos
modos hegemônicos de ser que hoje vêm modulando novas subjetividades na última fase da
vida.
Por fim, na terceira parte deste capítulo, será discutido o envelhecimento sob a
perspectiva midiática. Entendendo mídia e consumo como um todo indissociável (Castro,
7
2014), discutiremos o papel que a mídia e as lógicas de consumo exercem na promoção de
determinados padrões de envelhecimento tidos como ideais e que são crescentemente
valorizados socialmente, o que repercute na forma como o idoso se insere na cena social e
cultural contemporânea.
1.1 O envelhecimento como processo demográfico, econômico e sociocultural
O artigo 1º do Estatuto do Idoso3, instituído em 2003, declara como idosa qualquer
pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Com o objetivo de resguardar os direitos deste
grupo etário, a peça legislativa se destaca como o documento balizador das políticas públicas
direcionadas a esta faixa da população, assim como, um indicativo da abordagem que a
sociedade brasileira aplica aos velhos e ao processo de envelhecimento. Com a velhice
ocupando lugar de destaque entre as preocupações da contemporaneidade, seja pelas
previsões demográficas que dão conta do progressivo redesenho da pirâmide etária mundial,
seja pelos desdobramentos sociais, culturais e econômicos que advêm do aumento da
população adulta mais velha, o processo de envelhecimento tem merecido um olhar mais
atento da academia e de outras instituições nacionais e internacionais.
No Brasil, a complexificação da questão demográfica relativa ao adensamento da
população acima dos 60 anos tem sido acompanhada de perto pelo IBGE4, sob o ponto de
vista estatístico e censitário, mas também por instituições como o SESC/SP5 e IPEA
6 que, a
seu modo, também buscam contribuir para descortinar os significados sociais, econômicos e
culturais do processo acelerado de envelhecimento geral da população brasileira.
Fenômeno de repercussões mundiais, a ampliação do contingente populacional de
pessoas acima dos 60 anos vem sendo discutida pela ONU desde a década de 1980, quando a
entidade realizou a primeira Assembleia Mundial para o Envelhecimento, na cidade de Viena,
na Áustria. Em um segundo evento, no ano de 2002, na cidade de Madri - Espanha, a
organização dedicou sua atenção à criação de um documento que pudesse endereçar a questão
3 Estatuto do Idoso, Lei Nº 10.471, de 1º de outubro de 2003, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm. Acesso em fev/2018 4 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, fundação pública de administração federal com
atribuições ligadas ao levantamento de dados geográficos e estatísticos, além da realização de censos
populacionais. 5 SESC/SP – Serviço Social do Comércio em São Paulo, entidade privada mantida pelo empresariado ligado à
área de comércio de bens e serviços, voltada ao bem-estar social dos empregados da categoria. 6 IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, fundação pública federal ligada ao Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), cuja finalidade é realizar pesquisas que ofereçam suporte técnico à
criação de políticas públicas e programas de desenvolvimento.
8
do envelhecimento de forma a contribuir com proposições de políticas públicas que dessem
vazão às demandas advindas do rápido envelhecimento da população mundial, especialmente
das populações dos países em desenvolvimento. No Plano de Ação Internacional para o
Envelhecimento, fruto deste segundo encontro e também conhecido como Plano de Madri, a
organização se focou na inclusão social deste grupo etário, ressaltando a busca pelo
reconhecimento de suas contribuições para a sociedade. No discurso de abertura do evento, o
então secretário geral da ONU, Sr. Kofi Annan, ressalta estes aspectos ao expressar
Espero também que enviem ao mundo uma mensagem mais geral: que as
pessoas idosas não são uma categoria à parte. Todos envelheceremos algum
dia, se tivermos esse privilégio. Portanto, não consideremos os idosos como
um grupo à parte, mas, sim, como nós mesmos seremos no futuro. E
reconheçamos que todos os idosos são pessoas individuais, com
necessidades e capacidades particulares, e não um grupo em que todos são
iguais porque são velhos. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2003, p. 15)7
Ao longo de 117 recomendações, o plano ressalta a necessidade de assegurar ao tema
do envelhecimento um lugar de destaque no que tange aos aspectos do crescimento
econômico, promovendo um compromisso entre os países signatários de resguardar liberdades
fundamentais e direitos humanos da pessoa que envelhece, visando a estabelecer padrões para
a realização pessoal, uma vida saudável e segura, além de uma participação ativa na vida
econômica, social, cultural e política dos países. São ainda pontos fundamentais do
documento o entendimento do idoso como parte imprescindível do desenvolvimento social do
futuro, o estímulo à pesquisa sobre o tema, o fomento ao desenvolvimento de políticas
públicas para a inclusão social e a diminuição das desigualdades em torno da figura do idoso
(CASTRO, 2017).
Iniciativas como estas realizadas pela Organização das Nações Unidas inspiram a
criação de uma teia de proteção ao idoso e a promoção de um processo de envelhecimento
mais generoso e amigável, merecendo destaque por trazer centralidade e ordem ao debate em
torno da velhice que, até então era visto como “marginal”, ressaltando a “necessidade da
„construção‟ e, principalmente, do reconhecimento de um novo ator social – o idoso – com
todas as suas necessidades e especificidades” (CAMARANO, PASINATO, 2004, p. 255).
De fato, do ponto de vista demográfico, os números e as estatísticas disponíveis são
relevantes. No caso brasileiro, projeções realizadas pelo IBGE, no estudo “Projeção da
7 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional sobre o envelhecimento,
2002/Organização das Nações Unidas; tradução de Arlene Santos. Brasilia: Secretaria Especial de Direitos
Humanos, 2003. Disponível em http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_manual/5.pdf
9
População Brasileira 2000/2060”8, revisão 2013, apontam que, até 2060, o Brasil terá mais de
103 milhões de habitantes acima dos 50 anos, para uma população total estimada em 218
milhões. O mesmo estudo ressalta que a população entre 0 e 14 anos, neste mesmo ano,
contará com 28 milhões de pessoas. Fruto da intersecção do aumento da expectativa de vida
do brasileiro com o decréscimo do índice de natalidade no país, estes números apontam para
uma inversão da pirâmide populacional brasileira, com o surgimento de um novo perfil dos
grupos etários.
O aprofundamento do olhar sobre os números fornecidos pelo instituto confere uma
dimensão mais precisa sobre a magnitude das mudanças em curso. Entre os destaques
apontados pelo IBGE, alguns pontos chamam a atenção no que tange os estudos demográficos
do envelhecimento: a) o ano de 2008 foi o primeiro em que o grupo populacional acima de 50
anos passou a ser maior que o de jovens de 15 a 24 anos; b) projeções apontaram que o ano de
2016 foi o primeiro no qual o grupo etário composto por pessoas acima de 50 anos foi mais
numeroso do que o grupo composto por crianças de até 14 anos e; c) em 2030, os habitantes
do país com mais de 50 anos serão mais numerosos do que o grupo de crianças de até 14 anos
e jovens de 15 a 24 anos somados. Em 2013, ainda segundo números do IBGE, a população
de até 49 anos era de aproximadamente 158 milhões, ou seja, 78,9% do total. Na projeção
para 2060, os maiores de 50 anos passarão a ser 47% do total.
Fenômeno de proporções relevantes do ponto de vista demográfico, o aumento da
população idosa também enseja desdobramentos de cunho biológico e cronológico, que se
tornam mais complexos e diversos ao se somarem aos aspectos sociais, culturais, econômicos
que os envolvem.
Com vastos estudos sobre o envelhecimento no Brasil, Guita Grin Debert (1999, 2005,
2006, 2010, 2011, 2012) destaca que, embora o fato demográfico em torno do envelhecimento
acelerado da população seja expressivo, ater-se a ele para entender a dinâmica das mudanças
da velhice e do interesse crescente sobre o tema do envelhecimento é “perder a oportunidade
de descrever os processos por meio dos quais o envelhecimento se transforma em problema
que ganha expressão e legitimidade, no campo das preocupações sociais do momento”
(DEBERT, 2012, p. 12). Na perspectiva da autora, a visibilidade atual alcançada pelo velho
8 Dados demográficos compilados a partir de projeções feitas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, no documento Projeção da População do Brasil por sexo e idade – 2000-2060, revisão 2013,
disponível em http://ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default.shtm. Acesso
em fev/2018.
10
deriva de dois aspectos relevantes que acompanham sua transformação em preocupação
social: a) “a socialização progressiva da gestão de velhice” – que implica na transferência do
tema da esfera privada e familiar para as mãos do Estado, cujo aparelho se ajusta para colocar
em prática políticas públicas e leis que deem amparo ao cidadão na última etapa da vida; b)
“os processos de reprivatização da velhice” – que implicam na responsabilização do indivíduo
por seu próprio processo de envelhecimento.
Do ponto de vista social, estes aspectos estão ligados à transformação do status da
velhice na contemporaneidade, impondo uma nova conformação à geografia social. Se, por
um lado, em função do aumento da preocupação do Estado em intervir com vistas a garantir
uma velhice segura e amparada aos seus cidadãos, “uma nova categoria cultural é produzida:
os idosos, como um conjunto autônomo e coerente [...], autorizando a colocação em prática de
modos específicos de gestão” (DEBERT, 2012, p. 14), por outro lado, o processo de
reprivatização da velhice destaca que
A tendência contemporânea é rever os estereótipos associados ao
envelhecimento. A ideia de um processo de perdas tem sido substituída pela
consideração de que os estágios mais avançados da vida são momentos
propícios para novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da satisfação
pessoal. As experiências vividas e os saberes acumulados são ganhos que
oferecem oportunidades de realizar projetos abandonados em outras etapas e
estabelecer relações mais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos
mais velhos. (DEBERT, 2012, p. 14)
Ainda conforme a autora, a ideia de uma existência produtiva na fase final de vida tem
encontrado lugar em iniciativas como as universidades abertas à maturidade e grupos de
convivência para idosos, os quais “encorajam a busca da autoexpressão e a exploração de
identidades de um modo que era exclusivo da juventude” (DEBERT, 2012, p. 15). Para ela,
estas iniciativas abrem “espaços para que uma experiência inovadora possa ser vivida
coletivamente e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos problemas do
envelhecimento.” (Idem, 2012, p. 15). Porém, se por um lado, podemos dizer que a sociedade
brasileira é mais sensível ao idoso, ainda não é possível dizer que exista um verdadeiro
protagonismo social exercido por este grupo etário, o qual, muitas vezes ainda é referido
como um fardo ao sistema previdenciário, aos serviços de saúde e outros setores da sociedade
e do estado.
Para Justo, Rozendo e Correa (2010), a noção de protagonismo está fortemente
imbricada com a produção de sentido que se delineia nas relações sociais, nos enredos e nas
narrativas que nela se formam. Assim, ao deixar para trás a imagem de um velho recluso,
frágil e dependente para dar lugar a novas imagens nas quais o velho é ativo e exerce tantas
11
atividades quanto qualquer jovem, aumentando sua presença no espaço público e avançando
sobre domínios sociais que antes lhes eram vetados, os idosos dão passos importantes para
que “venham a ocupar um lugar de destaque na sociedade”, surgindo como “personagens
capazes de exercer autonomamente papéis no cenário social e nos enredos que aí se
desenrolam” (Op. Cit., p. 45). Ainda segundo os autores,
A saída da casa para a rua e o desvio dos asilos estão cada vez mais intensos.
Dedicar-se aos afazeres domésticos e serem vovozinhos cuidando dos netos
já não representam os ideais dos idosos. É possível localizar nas cidades
lugares frequentados majoritariamente por idosos: associações, clubes e
outras organizações que funcionam como espaço de encontro, de
convivência e, eventualmente, de organização política. (JUSTO,
ROZENDO, CORREA, 2010, p. 45/46)
Embora, a partir da conquista de novos espaços de expressão, uma nova visão do idoso
esteja sendo construída na sociedade nacional, há ainda muito que ser alcançado pelo velho
para que ele se firme como um efetivo ator social. A complacência em certa medida
desqualificadora e paternalista que a sociedade destina à velhice, “coloca-os no palco social
como personagens agraciados por uma benevolência e caridade daqueles que comandam a
cena” (Idem, p. 46) e exclui o idoso do efetivo papel de gestão sobre seus próprios interesses.
Nesta medida, contrastando com o protagonismo que se espera construir, o otimismo que
emerge do aumento da participação do idoso na vida social, cultural e econômica do país,
basicamente definido pelo crescente envelhecimento populacional, se depara com um papel
secundário que esta mesma sociedade impõe ao velho.
Estudo realizado pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo em
parceria com o SESC São Paulo e SESC Nacional, nos dá indicações sobre o imaginário
social brasileiro sobre a velhice. Buscando priorizar a perspectiva do idoso sobre o contexto
sociocultural em que vivem, a pesquisa entrevistou 3.759 brasileiros de todas as regiões do
país, no período de 01 a 23 de abril de 2006, tendo seus resultados divulgados digitalmente
pelo SESC São Paulo9.
Versando sobre aspectos abrangentes como o perfil sociodemográfico dos idosos
brasileiros; a percepção da terceira idade e auto imagem do idoso; o estatuto do idoso; saúde;
acessibilidade; educação, formação e informação; tempo livre e lazer; fontes de renda e
aposentadoria; relações familiares e de amizade; instituições de longa permanência e, por fim,
percepção sobre a morte; a pesquisa revela dados importantes sobre os impactos do
9 Disponível em
https://www.sescsp.org.br/online/artigo/7102_PESQUISA+IDOSOS+NO+BRASIL+VIVENCIAS+DESAFIOS
+E+EXPECTATIVAS+NA+3+IDADE#apresenta%E7%E3o. Acesso em 02/10/2017.
12
analfabetismo na velhice, do decréscimo da natalidade, da ampliação da rede previdenciária
de proteção, da auto imagem da velhice entre outros, ponderando sobre o quanto as futuras
gerações serão impactadas por estas questões, Chega-se à conclusão de que, apesar dos
avanços obtidos nas últimas décadas, muitos são os aspectos que ainda merecem atenção e
atuação. Sobre isso Venturi e Bokany (2007, p. 28) escrevem
De modo geral, os resultados indicam que apesar das conquistas e melhorias
na situação dos idosos, [...] reconhecidas sobretudo por eles mesmos -, os
avanços da sociedade brasileira nesse campo ainda são tímidos, claramente
insuficientes para acabar com as discriminações de que seguem vítimas,
podendo-se agravar sua situação, diante do forte crescimento, já em curso,
desse segmento da população.
Em alguma medida pessimistas, as autoras ponderam sobre o lado bom e o lado mau
do processo de envelhecimento na sociedade brasileira, entendendo que o maior peso está em
seus aspectos negativos, tanto entre idosos como não idosos respondentes da pesquisa.
Debilidade física, doenças, desânimo, perda de vontade de viver e dependência física são
expressões que, em sua maioria, caracterizam a chegada da velhice no imaginário social
brasileiro. Contudo, contraditoriamente, ao serem perguntados sobre como se sentem com a
idade que têm, os respondentes, em maioria, se disseram felizes ou satisfeitos, resultado esse
que corrobora entendimento de Debert. Para a autora, a velhice “não é um fato total”
(DEBERT, 1999, p. 26), assim como também não é uma categoria de “autoidentificação”,
muito pelo contrário, “o velho é sempre o outro e a velhice, um drama de todos em qualquer
idade, porque todos ficarão velhos um dia.” (DEBERT, 2012, p. 229). Ainda sobre a pesquisa,
por outro lado, no espectro positivo do envelhecimento, destacam-se aspectos como a
experiência de vida e a sabedoria, o tempo livre para projetos pessoais, a proteção familiar,
novos direitos sociais (como a prioridade em filas, descontos em eventos, cinemas, etc) e a
independência financeira advinda da aposentadoria que permite acesso a uma renda própria.
Sem deixar de reconhecer o lado positivo de envelhecer, os velhos entrevistados
mostram-se críticos perante sua condição e compreendem as dificuldades que o
envelhecimento lhes impõe, destacando o forte preconceito social e a discriminação que
sofrem. O idadismo, definido por Bytheway (1995) como o preconceito baseado na idade,
composto por um conjunto de crenças originárias nas variações biológicas existentes de
pessoa a pessoa e relacionadas com o processo de envelhecimento, é um forma complexa de
preconceito engendrada na sociedade atual e que se estende por diversos tipos de situações.
Segundo o autor, vivemos em uma sociedade extremamente sensível à questão etária, cujos
valores nos levam a ser conscientes e alertas quanto à idade no que tange aos padrões de
13
comportamento esperados em cada etapa da vida. Em certa medida opressiva, a hierarquia
estabelecida pela cronologia da vida e sua posição importante e invasiva na relação que o
homem estabelece em sociedade gera e reforça o medo com relação à velhice e denigre o
processo de envelhecimento, criando estereótipos e presumindo verdades sobre as questões da
competência do velho e das necessidades de uma rede de proteção. Para o autor,
Especificamente, o idadismo legitima o uso da idade cronológica como um
marcador de classes de pessoas para as quais são, sistematicamente, negados
recursos e oportunidades proporcionadas a outros grupos, e que sofrem as
consequências de tal depreciação, as quais se apresentam em formas que vão
da bem intencionada complacência à clara difamação. (BYTHEWAY, 1995,
p. 14, tradução nossa)10
Os efeitos negativos do idadismo podem ser sentidos em uma ampla gama de atitudes
que são dirigidas aos velhos em sua vida cotidiana. Alvo de desvalorização e desrespeito, o
adulto mais velho é, muitas vezes, alvo de humor ou de uma atitude condescendente que o
infantiliza e rouba-lhe a prerrogativa de ser adulto e senhor de seu próprio destino, sobre o
que Castro esclarece e exemplifica
Estereótipos negativos associados ao idadismo acionam atitudes nas quais se
mesclam, muitas vezes de modo inconsciente, graus variados de
condescendência e/ou de negligência em relação aos mais velhos. A
problemática infantilização do idoso é uma dessas formas estereotipadas de
se relacionar com os mais velhos. Travestida de carinho diante da fragilidade
da situação de dependência, essa forma de tratamento frequentemente
dispensado por cuidadores e profissionais de saúde atinge a dignidade do
mais velho ao destituir-lhe do status de pessoa adulta. O paternalismo
condescendente frequentemente dispensado aos mais velhos pode ter como
pressuposto implícito o estereótipo que realça a dependência dos mais
velhos. (CASTRO, 2015, p. 108)
Com estudos sobre as questões do envelhecimento e seu imbricamento com a
comunicação e as práticas de consumo na sociedade contemporânea, a autora dispensa um
olhar crítico à forma como o velho é tratado em sociedade, entendendo que a disseminação
contínua de estereótipos e a pouca discussão que se desenvolve sobre as questões do
idadismo, sobretudo no que tange às produções midiáticas, acarreta em um efeito insidioso,
profundamente arraigado, que se repercute, muitas vezes, no desrespeito travestido de humor
nas representações dos idosos (CASTRO, 2015). Neste sentido, insta-se a sociedade a elevar a
busca pela eterna juventude como foco da vida daqueles que envelhecem.
Em um país que se autodenomina jovem e do futuro, envelhecer pode ser um fardo
penoso a ser carregado. Muito embora, como já discutido anteriormente, as projeções 10
No original: “In particular, ageism legitimates the use of chronological age to mark out classes of people who
are systematically denied resources and opportunities that others enjoy, and who suffer the consequences of
such denigration, ranging from well-meaning patronage to unambiguous vilification.”
14
estatísticas demonstrem o contrário, há ainda um sentimento generalizado de que o Brasil é
um país jovem e vigoroso, com todo um futuro a se descortinar pela frente. Nesta medida, a
juventude é vista como um bem de grande valorização. Segundo Castro (2015, p. 109),
“quando todos são instados a querer ser e parecer jovens, o envelhecimento se torna um
problema e seus sinais passam a ser encarados como erro”. Assim, ter um corpo jovem, magro
e belo é considerado capital social. E a prontidão ao trabalho e à vida ativa, essenciais para se
atingir o envelhecimento que se espera ter.
Neste aspecto, ainda lançando mão dos resultados da pesquisa realizada pelo SESC/SP
e pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo como fonte para reflexão,
destaca-se a visão, especialmente entre os próprios idosos, de que a manutenção da vida
profissional ativa é a forma de garantir a permanência dos adultos mais velhos no cerne da
vida econômica do país. Segundo Neri (2007, p. 106),
Valores associados ao trabalho permanecem mais presentes entre os idosos
aposentados do que a ideia de recolhimento ou de exercer atividades mais
lúdicas: 10% deles afirmaram que é importante ter um trabalho mais leve e
adequado à idade; 8% preferem manter o salário para garantir o mesmo
padrão de vida e outros 8% mencionaram itens diversos relativos a cursos,
projetos de trabalho voluntários. Lazer (7%), atividade física (6%) e
descanso (5%) gozam de menor importância entre as sugestões dos
aposentados.
Os resultados acima esclarecem que a via de manutenção do velho na vida econômica
do país se dá pelo trabalho, situação na qual compete com os jovens pelas oportunidades
existentes. Em tempos de crise econômica, quando as oportunidades são mais escassas e os
custos controlados de forma ainda mais crítica pelas empresas, não é raro verificar a
substituição dos profissionais mais experientes por outros mais jovens. Muitas vezes,
baseadas em conceitos preestabelecidos ou em visões que podem ser consideradas distorcidas,
as decisões pela não retenção de profissionais mais velhos (com 45 anos já sendo considerada
uma idade de corte) versam sobre aspectos como a incapacidade para acompanhar o
desenvolvimento tecnológico, a inflexibilidade perante mudanças e o desinteresse por se
manterem atualizados como as principais barreiras para que os profissionais mais velhos
permaneçam nas equipes. De acordo com estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas de
São Paulo (FGV-SP) e pela consultoria PriceWaterhouse Coopers (2013)11
, “as empresas não
11 PRICEWATERHOUSE COOPERS. Envelhecimento da força de trabalho no Brasil: como as empresas
estão se preparando para conviver com equipes que, em 2040, serão compostas principalmente por profissionais
com mais de 45 anos?. Março de 2013. Disponível em
http://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/servicos/consultoria-negocios/envelhecimento-trabalho-brasil.html.
Acesso em fev/2018.
15
demonstraram[...] um movimento estratégico no sentido de aproveitar melhor as
potencialidades desse grupo para atender a suas necessidades de talentos. As práticas das
organizações, na verdade, são contraditórias” (PRICE WATERHOUSE COOPERS, 2013, p. 10).
Mais uma vez, são os efeitos insidiosos do idadismo que se apresentam. Ao atrelar a
capacidade produtiva e a efetividade da contribuição profissional a uma idade preestabelecida,
as empresas, nas entrelinhas, reforçam que o processo de envelhecimento é algo com o qual
não sabem e não querem lidar. E que o capital social e as muitas experiências adquiridas ao
longo dos anos de trabalho de um profissional mais velho não são recursos de maior valia,
perdendo em grau de importância para a disposição e vigor físico, que conforme explica
Ricardo Oliva, então diretor da Divisão de Qualidade de Vida do SESI – SP, entrevistado para
o relatório divulgado pela Price Waterhouse Coopers (2013, p. 30):
Pode-se dizer que existe preconceito, como na ideia de que os idosos são
menos adaptados a novas tecnologias. [...] é que há um discurso de
preocupação, mas quando você observa as práticas, não é o que acontece.
[...] Fisiologicamente as pessoas se desgastam. É da natureza. Por outro lado,
o profissional mais velho tem vantagens operacionais. Ele sabe como fazer
alguma coisa com menor esforço. Isso compensa a não competitividade na
força e na agilidade? Eu acho que sim. Acho que são questões
complementares. Não dá para comparar um jovem de 30 anos e uma pessoa
de 65 e dizer: „Eu quero a mesma produtividade, a mesma capacidade
operacional de trabalho‟. Agora, os resultados concretos, não
obrigatoriamente quantitativos, de um e de outro são adequados à
competitividade da empresa? Sem a menor sombra de dúvida.
A reflexão sobre os aspectos demográficos, sociais, culturais e econômicos do
processo de envelhecimento nos leva a pensar que, apesar de avanços alcançados nas últimas
décadas, o estabelecimento de uma rede de proteção ao idoso, a qual, por exemplo, inclui o
Estatuto do Idoso, ainda não tem sido suficiente para colocar os velhos em papel de
protagonismo na sociedade contemporânea. Se, por um lado, o acesso à aposentadoria,
ampliado às diversas camadas socioeconômicas da população promoveu um movimento para
a inclusão social do velho pela via do consumo, ou seja, pela aquisição de bens e serviços, é
possível dizer que este ainda não goza de uma real valorização na plenitude de sua
potencialidade. Sempre tratado na comparação com os membros mais jovens da sociedade e
instado a buscar a manutenção da juventude por mais tempo, o velho ainda se encontra
oprimido pelo preconceito, seja ele velado ou explícito, influenciando não apenas o modo
como é tratado como também em grande medida a forma como o próprio idoso entende que
deva ser seu processo de envelhecimento.
16
1.2 Envelhecimento, longevidade e a promoção da juventude como valor na
contemporaneidade
Para Debert (1999, p. 74), “uma das características marcantes da experiência pós-
moderna seria a „desinstitucionalização‟ ou a „descronologização da vida‟. A partir desta
afirmação, começamos a refletir sobre os significados do envelhecimento na
contemporaneidade e como novos modos de envelhecer têm sido delineados na atual
sociedade do consumo. Para a autora, a questão da quebra da cronologia da vida é central para
entendermos os desafios enfrentados por aqueles que envelhecem neste início de século XXI,
compreendendo que novas etapas são acrescentadas à vida, trazendo à tona a transgressão das
“fronteiras estabelecidas entre os comportamentos tidos até então como adequados aos
diferentes grupos etários” (idem, p. 70).
Ao observar a forma como os grupos etários são distribuídos, como o processo de
envelhecimento se dá em cada sociedade e quais os rituais de passagem que o cercam
podemos elaborar as sociabilidades e as interfaces culturais deste fenômeno e como ele é
apropriado pelas pessoas. Fruto de uma construção social elaborada, a hierarquia etária
esclarece sobre as formas de organização social e dá a entender como se travam os
relacionamentos, definindo a importância de cada etapa da vida na engrenagem social. Neste
sentido, o estudo de Debert fala sobre três momentos diferentes, nos quais a forma como o
curso da vida foi periodicizado a partir de sensibilidades diferentes no que diz respeito à idade
cronológica. Em um primeiro momento, que a autora classifica como a pré-modernidade, “a
idade cronológica seria menos relevante do que o status da família na determinação do grau
de maturidade e do controle de recursos e poder” (DEBERT, 1999, p. 73). Na modernidade,
segundo momento vislumbrado por Debert, teria havido a cronologização da vida para, por
fim, no terceiro momento, dar lugar a uma “desconstrução do curso da vida em nome de um
estilo unietário” (Idem).
Na perspectiva da autora, neste terceiro momento, ou seja, na contemporaneidade, a
obliteração das idades se dá como consequência de uma sociedade “marcada pela
informatização da economia, pela desmassificação dos mercados de consumo, da política, da
mídia e da cultura, e pela fluidez de estilos de vida, frutos de uma economia baseada mais no
consumo do que na produtividade” (DEBERT, 1999, p. 75). Neste sentido, ao integrar
mundos informacionais que antes eram estanques e claramente delimitados, a
contemporaneidade flexibiliza os padrões de comportamento em cada faixa etária, chegando,
em um extremo, à ideia de que a idade cronológica não é um mais marcador significativo na
17
vida dos indivíduos. O curso da vida não é definido exclusivamente pela questão etária de
forma ritualizada, mas, sim pelas experiências interpretadas individualmente. Neste sentido, já
não é mais impossível avistar mães e filhas que experimentam a maternidade em um mesmo
momento, ou mesmo, casais que têm seu primeiro filho muito após os 40 anos.
As mudanças históricas, sociais e econômicas da modernidade foram determinantes
para que a vida passasse a ser periodizada. Com a aceleração do processo de individualização,
estágios foram separados e demarcados a partir das fronteiras cronológicas. A idade de cada
sujeito passou a contar como marcador social que tocava as dimensões pessoais, familiares e
do trabalho e estava presente na organização do sistema produtivo, das políticas públicas e do
mercado de consumo. Construído sobre a base da lógica produtiva e econômica, o curso de
vida na modernidade é burocratizado e massificado a partir de instituições como a escola e a
aposentadoria, sendo que três fases distintas são claramente demarcadas: “a juventude e a vida
escolar; o mundo adulto e o trabalho; e a velhice e a aposentadoria” (DEBERT, 1999, p. 75).
A padronização da infância, adolescência, idade adulta e velhice pode ser
pensada como resposta às mudanças econômicas, devidas sobretudo à
transição de uma economia que tinha como base a unidade doméstica para
outra baseada no mercado de trabalho. Inversamente, ênfase pode ser dada
ao Estado moderno que – na transformação de questões que diziam respeito
à esfera privada e familiar em problemas de ordem pública – seria, por
excelência, a instituição orientadora do curso da vida, regulamentando todas
as suas etapas, desde o momento do nascimento até a morte, passando pelo
sistema complexo de fases de escolarização, entrada no mercado de trabalho
e aposentadoria (DEBERT, 1999, p. 73-74).
Em um mundo veloz e multifacetado, os velhos da modernidade se adaptaram para
novas formas de viver e experimentar a velhice. As reviravoltas econômicas da época foram
uma importante força motriz sobre a população. As transformações derivadas do processo de
industrialização e de urbanização das sociedades europeias levaram os idosos, especialmente
os idosos pobres, a experimentar grandes mudanças na família, no trabalho, na sua vida em
comunidade, nas oportunidades de acesso aos serviços sociais e de saúde, assim como, no seu
status social, tornando este período especialmente destacado quando na comparação com os
anteriores e trazendo, no bojo das novas realidades econômicas e sociais, repercussões às
expressões culturais e intelectuais da época (COLE e EDWARDS, 2005).
Em um ambiente no qual a industrialização e a mudança estrutural da economia
encolheram o setor agrícola e impulsionaram os empregos urbanos, os idosos viram suas
oportunidades de trabalho migrarem para atividades com salários menores e menor
estabilidade levando-os, em muitos casos, a assumir posições como trabalhadores domésticos.
Para os autores citados acima, o mundo da modernidade passou a ser um mundo de jovens.
18
Para os idosos que optaram por viver nas grandes cidades, as más condições de vida e
o pouco acesso ao estado de bem-estar social estimularam a competição entre pessoas que,
proletarizadas, viam o aumento de sua dependência e vulnerabilidade diante das perdas
inerentes ao processo de envelhecimento, tornando possível questionar se os idosos pobres
passaram, à época, a serem considerados menos merecedores ou mais incapazes devido à
perda de status social.
Em uma visão mais ampla, além das questões econômicas, os aspectos do
envelhecimento na modernidade tiveram também grandes significados sociais e culturais e em
termos dos valores praticados e das subjetividades construídas neste tempo. Os novos padrões
postos em prática complexificaram as relações ao desafiar antigos costumes e crenças. Neste
sentido, envelhecimento não era necessariamente sinônimo de uma vida empobrecida, com
menor satisfação pessoal ou com menos oportunidades de interação entre as gerações. Tratou-
se, na época, de um processo não linear que não afetava todas as áreas de vida na mesma
proporção. Pelo contrário, dependendo da posição na hierarquia social, da saúde e da
capacidade mental de cada indivíduo, uma vida longeva e autônoma poderia ser alcançada
com grande bem-estar. Para os velhos das classes mais abastadas, a perspectiva da velhice não
era uma ameaça, mas, ao contrário, “poderia ser o coroamento de uma vida próspera quando
homens e mulheres poderiam aproveitar sua recompensa na forma de lazer e conforto”
(COLE e EDWARDS, 2005, p. 219).
Por sua vez, a pós-modernidade, ou a contemporaneidade, como optamos por designar
o período histórico que compreende a partir da segunda metade do século XX, abre espaço
para um processo que oblitera as fronteiras etárias, revendo as concepções anteriores de uma
sequência evolutiva linear para uma maior flexibilização no que tange ao comportamento
adequado, às obrigações e aos direitos de cada grupo etário. Embora a cronologização da vida
ainda tenha sua razão de ser e continue como parte fundamental da definição de status de uma
pessoa, nota-se a dissociação entre “a juventude e uma faixa etária específica e a
transformação da juventude em um bem, um valor que pode ser conquistado em qualquer
etapa da vida, através da adoção de formas de consumo e estilos de vida adequados”
(DEBERT, 1999, p. 72), levando a um “compromisso com um tipo determinado de
envelhecimento positivo” (Idem).
Quando a juventude passa a ser encarada como um valor que deve ser exibido em
qualquer idade, a velhice deixa de ser encarada como uma etapa cronológica e passa a ter
contornos de uma expressão da atitude do indivíduo perante si mesmo. Nesse contexto, ser
19
velho vira sinônimo de ser negligente com seu corpo, ser desmotivado ou portador de uma
doença debilitante, normalmente, fruto das escolhas pessoais de vida. Como diz Castro (2014,
2015, 2016), é como se apenas o velho jovem fosse válido socialmente em tempos de
promoção do ideário ageless e da chamada velhice ativa como modo ideal e positivo de
envelhecer (CASTRO e CORREA, 2017).
Para Gilleard e Higgs (2000), a contemporaneidade implica em pensar nas questões do
envelhecimento como um ponto de contradição, mais do que de comunhão. Segundo os
autores, as mudanças demográficas atuais despertam a emergência de uma sociedade nas
quais diversas “culturas do envelhecimento”12
competem entre si e, de forma fragmentada,
vêm a ocupar posição central na atualidade, conforme aumenta a expectativa de vida da
população e cresce o contingente populacional dos idosos. Desta forma, o espectro que trata
do envelhecimento é simplesmente maior e mais complexo do que em épocas históricas
anteriores. Primeiro, por que os números que envolvem o envelhecimento no século XXI são
mais expressivos. Consequentemente, são maiores os desafios e mais longevas as experiências
vividas pelo indivíduo após retirar-se da vida produtiva.
Em segundo lugar, Gilleard e Higgs (2000) destacam que a maioria dos indivíduos que
chegam à fase da aposentadoria possui, na contemporaneidade, maior riqueza e
disponibilidade financeira, recursos que lhes permitem engajar na atual “cultura do estilo de
vida”13
(Op. Cit., p. 9). Como um terceiro ponto a ser analisado, os autores elegem o fato do
corpo se tornar um foco cultural relevante da experiência de adultos de todas as idades, por
meio de amplo interesse e preocupação com a melhora da saúde e do bem-estar pessoal, seja
pela adoção de uma dieta mais saudável ou pela busca de um modo de vida ativo que permita
a explorar novas formas de autoexpressão. A quarta questão levantada pelos autores diz
respeito à chegada dos baby-boomers14
à velhice, ressignificando esta etapa da vida e as
formas de consumo a ela associadas. Por fim, citam as mudanças na forma do Estado
subvencionar as diversas possibilidades ligadas à aposentadoria, colocando nas mãos dos
indivíduos a definição de seu estilo de vida nesta etapa, passando pela escolha de serviços de
saúde e de complementação de renda privados e terminando nas decisões que envolvem os
padrões de consumo e gastos pessoais, os quais, notam os autores, têm se diversificado
fortemente nas últimas décadas do século XX e início do século XXI.
12
No original: “cultures of ageing” 13
No original: “lifestyle culture” 14
São considerados baby-boomers, pessoas nascidas no período que compreende o fim da II Guerra Mundial, a
partir de 1945, até a primeira metade da década de 1960.
20
Em síntese, a questão do envelhecimento tem ocupado uma posição central
na cultura pós-moderna porque o tema “idade” tem estado mais presente do
que nunca nas discussões, porque há formas mais variadas de moldar a
experiência da velhice, há mais convergência sobre do que se trata a fase
adulta da vida a partir da cultura do consumo instituída no pós-guerra e há
mais pontos de conflito acerca da regulação social e da expressão do
envelhecimento (GILLEARD e HIGGS, 2000, p. 9, tradução nossa)15
.
A reflexão sobre as questões discutidas acima, notadamente, destaca a
heterogeneidade como um traço importante do processo de envelhecimento na
contemporaneidade. Nas palavras de Costa Lopes (2006, p. 88), a heterogeneidade da velhice
“é determinada pelas peculiaridades socioculturais e contingenciais dos percursos, implicando
a definição de velhice como constante e inacabado processo de subjetivação”. Seja qual
aspecto sobre o qual nos debrucemos - demográfico, fisiológico, social ou cultural -,
descortinam-se diferenças nas formas de envelhecer. Assim, somos convidados a ponderar
sobre a influência de aspectos como etnicidade; formação e contexto cultural; gênero e classes
sociais sobre a velhice, buscando extrair como e em que medida eles se desdobram sobre o
velho. Neste sentido, as questões ligadas ao gênero se apresentam como uma das mais
relevantes.
Os estudos realizados sobre as questões do envelhecimento têm descortinado o fato de
que homens e mulheres envelhecem de maneiras e em ritmos diferentes. Embora, no caso de
ambos os gêneros, seja marcante a lógica do envelhecimento ativo, a construção social da
velhice possui aspectos particulares para cada um. De forma geral, o advento da aposentadoria
e a repercussão sobre o status social ligado à atividade econômica recaem mais fortemente
sobre os homens e os conduzem a certo retraimento na velhice. Por sua vez, as mulheres
encontram na velhice uma oportunidade para buscar a realização pessoal fora dos círculos
familiares/domésticos, abrindo-se assim as portas para uma atuação mais significativa fora do
lar. Como resultado de pesquisa – intitulada “Experiência de Envelhecimento e Representação
sobre a Velhice” – realizada com homens e mulheres de diferentes estratos socioeconômicos,
estado civil e arranjos familiares (morando só, com familiares ou com cônjuges), Debert
(2012) conclui
eram evidentes as diferenças que marcavam as concepções de homens e das
mulheres sobre o significado de ser velho e das condições de uma velhice
bem-sucedida e que se sobrepunham a outras diferenças sociais. Não era a
dependência, mas a perda da lucidez que aparecia como um índice
15
No original: “In sum, ageing has come to occupy such a central position within postmodern culture because
there is more „age‟ about than ever before, more varied resources to shape its experience, more commonalities
across the whole of adulthood established by post-war consumer culture and more sources of „conflict‟ around
social regulation and expression of ageing.”
21
irrefutável da velhice para os homens, mesmo quando tinham histórias e
estilos de vida muito diferentes; para todos, a boa velhice era a do passado,
do velho respeitado que tinha uma posição central em todos os assuntos de
família. Assim como as mulheres, eles chamavam a atenção para mudanças
culturais radicais, que deram um novo significado à experiência do
envelhecimento. Para os homens, entretanto, essas mudanças teriam tornado
o envelhecimento o momento mais amargo da vida e não uma situação
privilegiada para um exercício gratificante da liberdade. (DEBERT, 2012, p.
28)
Essas descobertas ressaltam uma postura masculina saudosista e impregnada da visão
de que a velhice é momento de perdas. Por outro lado, a pesquisadora verifica que, para as
mulheres, abrem-se possibilidades de novos caminhos e novas formas de atuação na teia
social. Considerando como hipótese quais as formas e os contextos nos quais modelos de
velhice poderiam ser acionados por mulheres idosas, ao pesquisar mulheres de classe média, a
autora observa que “com 70 anos ou muito mais, elas não se consideravam velhas, sendo que
a velhice era vista como um problema de outros que se comportavam como velhos, mesmo
que com menos idade” (Op. Cit., p. 26). Outra observação relevante diz respeito à autonomia
e à independência. Para as entrevistadas, o trabalho doméstico, antes de ser um fardo, era uma
forma tátil de reafirmar sua autonomia e independência e de negar o envelhecimento, em
contraposição com os homens que, dependentes do trabalho doméstico feminino, eram
considerados por elas como prematuramente envelhecidos. Aprofundando sua leitura da
pesquisa, a estudiosa ainda esclarece que as mulheres idosas da atualidade se consideram
privilegiadas se comparadas com suas mães e avós, entendendo que a velhice na
contemporaneidade lhes proporciona novos modos, mais gratificantes, de envelhecer
elas não se sentiam vítimas da perda de papéis sociais, tal como o drama da
velhice era apresentado nas teorias. Vivenciavam uma situação considerada
privilegiada, se comparada com a experiência de envelhecimento de suas
mães e avós que depois dos 40 anos “passavam a se vestir de preto”, “não
podiam tingir o cabelo” e “quase não saíam de casa”. A experiência atual era
também concebida como mais gratificantes do que as outras etapas vividas;
liberadas das obrigações e controles a que se submeteram quando mais
jovens, consideravam-se livres para a realização de um conjunto de
atividades prazerosas, em um contexto marcado por mudanças culturais
radicais que levavam a uma tolerância, cada vez maior, para com as
mulheres mais velhas. (DEBERT, 2012, p. 27, grifos da autora)
Em busca de um esclarecimento sobre propriedade de pensar-se em um modelo
hegemônico de velhice, Debert (2012) aponta que não somente não é possível construir-se um
modelo único no que tange as questões de gênero, como também aspectos como etnicidade,
trabalho e arranjos familiares atuam sobre a velhice garantindo que a diversidade seja sentida
22
nos mais amplos aspectos do envelhecer. Assim, resumindo parte do pensamento da
pesquisadora, alguns pontos se destacam: a) existe, na contemporaneidade, a dissociação entre
aposentadoria e velhice, tendo em vista a complexidade das formas de envelhecimento das
sociedades ocidentais e a prontidão ao trabalho que elas suscitam; b) o lazer, desenvolvido ao
longo da vida, dá forma a um senso de autonomia e possibilidades de escolha; c) arranjos
familiares nos quais idosos convivem diretamente com familiares e com gerações diferentes
não são garantia de uma posição de respeito ou de proteção, há espaço para novas formas de
sociabilidade que, criativamente, podem trazer alternativas aos arranjos familiares
tradicionais. Neste aspecto, se ressalta o aumento do contingente de idosos que vivem sós e
integram-se a programas comunitários e outras formas de convivência; e por fim, d) as
questões da etnicidade se apresentam de duas formas distintas: fragilidade social no que diz
respeito a uma dupla exclusão (como idoso e como minoria étnica) e situação de vantagem na
esfera cultural, tendo em vista os níveis de satisfação e de interação sociais aferidos por
pesquisas feitas com idosos membros de minorias étnicas.
A desigualdade social também é um fator de diversidade que se sobrepõe aos modos
de envelhecer. Para Pickard (2016, p. 43), o envelhecimento “possibilita que as desigualdades
baseadas em classes sociais atuem materialmente e, de forma unipresente, embora escondidas
sob a égide da diferença de idade”16
. Esta visão é complementada pela autora,
Na juventude, a „escolha‟ é estruturada e os resultados revelam não falhas
individuais, mas, frequentemente, barreiras estruturais invisíveis ao sucesso
(invisíveis aos próprios indivíduos). A partir da meia-idade e adiante, as
desigualdades do ponto de vista de saúde, riqueza, moradia e status que se
acumulam, e são produtos de múltiplas desvantagens ao longo de muitos
anos, possuem a sua culpa comumente atribuída unicamente à idade.
(PICKARD, 2016, p. 43, tradução nossa, grifos no original)17
Esta visão traz mais um elemento que corrobora a ressaltar o ponto que temos traçado
ao longo desta parte do presente capítulo, ou seja, o quanto os modos de envelhecer na
contemporaneidade são afetados por muito mais variáveis do que simplesmente o fato
cronológico. Neste sentido, Pickard (2016) sugere a troca das atuais lentes pelas quais a
velhice é vista por outras mais inclusivas e positivas, capazes de abarcar com maior plenitude
16
No original: “age enables class-based inequalities to work materially, and ubiquitously, whilst all but
obscured beneath the ideology of age differences.” 17
No original: “In youth, „choice‟ is structured and outcomes of choice reveal not individual failings but often
invisible structural barriers to success (invisible to individuals themselves). In mid-life and beyond, inequalities
of health, wealth, housing and status that accumulate through, and are productive of, multiple disadvantages
over many years are often blamed on age alone.”
23
a experiência vivida ao longo do curso da vida. Para a autora, focar as questões do
envelhecimento a partir dos benefícios que a experiência de vida pode trazer para um
florescimento social e individual é uma forma ideal de pensar a velhice. Contudo, alerta
Neste sentido, estamos muito longe do sistema de classificação etário que
possuímos hoje. Sair deste e chegarmos a um novo modelo irá requerer
mudanças sócio-políticas abrangentes. Certamente, à crítica ao atual sistema
etário se junta um movimento mais amplo em prol da justiça social visto
que, a visada do ponto de vista etário, assim como a visada do ponto de vista
masculino ou de classes sociais, são todas formas reduzidas [...]. Mas, neste
sentido, Beauvoir18
estava certa: da forma como é material, social e
intelectualmente enquadrada hoje a velhice é o fator que expõe as falhas de
toda nossa civilização; em todos esses domínios demanda-se nada menos do
que uma revolução. (PICKARD, 2016, p. 254, tradução nossa)19
De alguma forma, novas abordagens já podem ser sentidas e na esteira das mudanças
em curso nos espectros social, econômico e cultural, notam-se mudanças na linguagem e na
forma de expressar a velhice. Assim, expressões como Terceira Idade, Melhor Idade ou Feliz
Idade são criadas como um esforço para a construção de um olhar mais positivo sobre o
envelhecimento, ressaltando sua heterogeneidade e a noção de que cabe a cada indivíduo a
guarda de seu processo de envelhecimento físico e mental, a fim de garantir condições gerais
de uma velhice produtiva e gratificante. Debert (2012) focaliza esta questão do seguinte
modo:
a terceira idade substitui a velhice; a aposentadoria ativa se opõe à
aposentadoria; o asilo passa a ser chamado de centro residencial, o assistente
social, de animador social e a ajuda social ganha o nome de gerontologia. Os
signos do envelhecimento são invertidos e assumem novas designações:
“nova juventude”, “idade do lazer”. Da mesma forma, invertem-se os signos
da aposentadoria, que deixa de ser um momento de descanso e recolhimento
para tornar-se um período de atividade e lazer (...). As novas imagens do
envelhecimento e as novas formas contemporâneas de gestão da velhice no
contexto brasileiro são ativas na revisão dos estereótipos pelos quais o
envelhecimento é tratado. (DEBERT, 2010, p. 57)
Tais reflexões nos levam a observar o caráter heterogêneo do envelhecimento em
maior profundidade. Envelhecer é um processo natural a que todo ser humano encontra-se
sujeito. Contudo, muitas são as formas como este processo se desenvolve a partir da
18
Referindo-se a Simone de Beauvoir, filósofa francesa, autora do livro “A velhice”, editado no Brasil pela
primeira vez em 1970. 19
No original: “In that sense it is very far from the age system in place today. To get from one to the other will
require sweeping socio-political change. Certainly the critique of the age system feeds into a wider movement
for social justice because the age gaze, like the male gaze and the class gaze, are all „reducing chambers‟ [...]
But in this sense, Beauvoir was quite right: as it is framed materially, socially and intellectually today, it is old
age that most exposes the failure of our entire civilization.”
24
confluência de uma série de fatores. Especialmente, na contemporaneidade, quando a
diversidade nas relações humanas toma contornos de grande relevância, a velhice passa a ser
vivida de forma igualmente diversa, abrindo-se espaço para experiências multifacetadas que,
uma vez acolhidas social e culturalmente, concorrem para a diminuição dos efeitos negativos
de estereótipos e preconceitos sobre comportamentos e modos de ser na última fase da vida.
Contudo, como alerta Debert (2012), nem toda mudança sinaliza a adoção de uma
visão mais tolerante quanto à velhice na contemporaneidade,
Olhar para esses eventos associados à emergência de etapas intermediárias
entre a vida adulta e a velhice é, sem dúvida, aplaudir o lado gratificante do
curso da vida pós-moderno, que não apenas permite, mas também encoraja a
variedade e a diferença. Seria, contudo, ilusório pensar que essas mudanças
são acompanhadas de uma atitude mais tolerante em relação às idades.
(DEBERT, 2012, p. 66)
Muito pelo contrário, o reforço do lado gratificante do envelhecimento e dos ganhos
que o avanço da idade traz, assim como, a disseminação de imagens de uma velhice bem-
sucedida apresentam, nas entrelinhas, um discurso que exalta a juventude como condição sine
qua non, quase como um imperativo que sugere o dever dos indivíduos em mantê-la. Neste
sentido, a velhice se transforma em mercado de consumo. Sobre isso, Debert (2012) pondera
A característica marcante desse processo é a valorização da juventude, que é
associada a valores e a estilos de vida e não propriamente a um grupo etário
específico. A promessa da eterna juventude é um mecanismo fundamental de
constituição de mercados de consumo. (DEBERT, 2012, p. 66)
Em um extremo, trata-se de acreditar que não existe limites para o corpo e que tudo é
possível a partir da adoção de bens e do esforço pessoal. Neste ponto, nos permitimos inserir
uma nota a partir da experiência pessoal da pesquisadora responsável por esta dissertação, que
é tutora de sua tia idosa, com 84 anos, portadora de demência em estágio avançado.
Recentemente, em contato telefônico para parabenizá-la por seu aniversário, a idosa foi
abordada por uma amiga de sua mesma faixa etária que sugeriu que “chutasse o Alzheimer e
voltasse a ser quem sempre foi”. Sem compreender muito bem quem falava, mas,
completamente atingida pelas palavras proferidas, a paciente progrediu para um quadro de
surto emocional. Obviamente, “chutar” a demência não é uma opção viável. O corpo e a
mente já fortemente afetados não serão capazes de “voltar ao que sempre foram”. Porém, é
interessante notar a incorporação do discurso que busca a subversão da velhice em sua forma
mais extrema, como se o fim da doença fosse somente uma questão de escolha, ou atitude
pessoal ou mesmo da aquisição de um produto ou serviço qualquer.
25
Veremos a seguir o importante papel desempenhado pela mídia atrelada às lógicas de
consumo na promoção de modos de envelhecimento alinhados com a perspectiva da
juventude como valor.
1.3 Mídia, consumo e a promoção do ideário ageless
Ampliar a compreensão sobre a forma como a velhice é encarada na
contemporaneidade demanda o exame da confluência de dois aspectos que marcam as atuais
relações em sociedade. De um lado, encontram-se o velho e a velhice na perspectiva das
lógicas de consumo. Trata-se da transformação do processo de envelhecimento em um fato
gerador de abertura para um novo mercado consumidor, no qual a adoção de determinados
estilos de vida e modos de ser afinados com o ideário neoliberal do sujeito auto empreendedor
e responsável último pela sua imagem pessoal e desempenho em qualquer idade e situação,
leva à adoção de produtos e serviços, alguns dos quais têm sido especialmente pensados e
direcionados para o indivíduo que chega a esta fase da vida, embora nem todos.
De outro lado, reforça-se o papel da mídia na modulação destas subjetividades por
meio da disseminação de representações da velhice ideal, longe da sisudez e de certa
melancolia tradicionalmente associadas a essa fase da vida em prol do sempre prazeroso,
positivo e juvenil. Nesse contexto, proliferam relatos e imagens de pessoas idosas
consideradas bem-sucedidas vivendo um cotidiano de pleno gozo, praticando esportes
radicais, exibindo tatuagens e alta desenvoltura com as novas tecnologias. Tais representações
estão invariavelmente atreladas ao consumo de bens e serviços antes simbolicamente restritos
aos mais jovens. Constitui-se assim no imaginário social o ideário ageless20
, ou sem idade,
que pode ser lido como uma forma de escamotear eventuais dificuldades e limitações que
podem surgir no curso da vida (CASTRO e CORREA, 2017).
Neste ponto, convém conceituar subjetividade como a entendemos nesta dissertação.
Para Guattari (1996, p. 40), “a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no
registro social”. Segundo o autor, é essencial a distinção entre a subjetividade e o indivíduo.
Por um lado, o indivíduo é produto de massificação, de uma formação em série, que se
conforma em seu ego. Por outro lado, a subjetividade é composta pela multiplicidade de
vetores aos quais estamos expostos em sociedade. Assim, ela adquire um caráter mais amplo,
mediado pela existência social e produzido a partir de “uma multiplicidade de agenciamentos
20
Expressão proposta pela Dra. Sharon Kaufman, no livro The ageless self (1986), para designar o rompimento
das barreiras cronológicas da idade a partir de um processo de envelhecimento saudável e ativo, em que o idoso
é o protagonista e principal gestor.
26
sociais, a uma multiplicidade de processos de produção maquínica, a mutações de universos
de valor e de universos de história” (Op. Cit., p. 40). Ou seja, subjetividade deriva de modos
de viver gestados no seio da sociedade e incorporados pelos indivíduos aos seus padrões de
ação, comportamento, gostos e, consequentemente, suas práticas de consumo.
Assim, se como proposto por Debert (2012), e já explorado anteriormente neste
capítulo, envelhecer na contemporaneidade passa pela revisão de estereótipos que associam
esta fase da vida a perdas, doenças e decrepitude, trata-se, na atualidade, de um momento de
vida que se apresenta como propício para a realização de novas conquistas e a implementação
de novos comportamentos e formas de viver, “encorajando a busca da autoexpressão e a
exploração de identidades”, abrindo espaço para que “uma experiência inovadora possa ser
vivida coletivamente” (DEBERT, 2012, p. 15). Com isso, reforçam-se as imagens de uma
velhice que possa socialmente ser considerada como bem-sucedida que se tornam parâmetro
para um processo de ressignificação da velhice. Para a autora, ao menos três são os atores que
se mostram particularmente empenhados na promoção desse modo de envelhecimento
considerado bem-sucedido: os gerontólogos, a mídia e os próprios idosos.
Os gerontólogos, pela sua posição de experts no assunto e munidos do saber científico
como forma de legitimização de seu discurso, pregam o controle dos aspectos físicos,
cognitivos e emocionais do envelhecimento como fatores fundamentais da manutenção do
indivíduo em sua plena capacidade, autonomia, cidadania e direitos. Esta postura reforça a
ideia de que saúde precária, má forma física, fragilidade e dependência seriam fruto “da falta
de envolvimento [do indivíduo] em atividades motivadoras ou da adoção de formas de
consumo e estilos de vida inadequados” (DEBERT, 2012, p. 15). A esta ideia de claro cunho
neoliberal, a autora chama de reprivatização da velhice, ou seja, a responsabilização do
indivíduo pelo seu próprio processo de envelhecimento e por afastar a decadência e os dramas
a ele associados por meio do engajamento em atividades e relacionamentos que promovam
um padrão considerado aceitável e positivo de envelhecimento.
Por sua vez, ao estabelecer o debate em torno do tema, a mídia abre espaço para a
disseminação de novos modos desejáveis de envelhecer, promovendo demandas e políticas
sociais que abracem o ideário do envelhecimento ativo e bem-sucedido, favorecendo a
expansão de novos mercados de consumo.
Por fim, verifica-se a participação dos idosos na constituição de novas subjetividades.
Entendendo que não é mais possível pautar suas escolhas de vida pelas formas tradicionais, as
quais foram parâmetros para seus pais e avós, muitos velhos da atualidade atuam para
27
redefinir e ocupar novos espaços sociais, abraçando a diversidade no processo de
envelhecimento e se engajando em modos de gestão de si que favoreçam a manutenção do
controle sobre suas funções cognitivas, fisiológicas e emocionais. Concluindo, Debert (2012,
p. 16) ressalta que “a interlocução intensa entre esses três atores articula significações
específicas num contexto em que o espaço social, o tempo e o curso da vida, o corpo e a saúde
ganham novas configurações”. Complementando o pensamento de Debert, Castro (2016)
pondera sobre a censura ao envelhecimento levada a cabo pela cultura midiática, impondo
a versão ideal da velhice turbinada para homens e mulheres dispostos a
investir, com diligente constância, no corpo como capital, quesito tido como
indispensável para a autoestima e a qualidade de vida. Inflada pelo insumo
da promessa de rejuvenescimento, uma vida desprovida de degeneração ou
morte se insinua. Um êxtase ad inifinutm mantido por meio de fármacos,
próteses, implantes e outras intervenções da tecnociência contemporânea.
(CASTRO, 2016, p. 11)
Se, como abordamos anteriormente, novos modelos de gestão da velhice encorajam a
adoção de novas relações com a busca de prazer e realização nesta fase da vida, revela-se a
perspectiva dos idosos como “seres ativos, capazes de oferecer respostas criativas ao conjunto
de mudanças sociais que redefinem a experiência do envelhecimento” (DEBERT, 2012, p.
206).
Costa Lopes (2006) pondera que a sensação de pertencimento na velhice implica em
“ultrapassar as representações primordialmente atribuídas” a ela (Op. Cit., p. 93), concluindo
que, “no envelhecimento contemporâneo, alguns ideais são especialmente prezados. Dentre
eles, [como parte do ideário neoliberal vigente, destacam-se] a abolição do conflito em nome
do êxito e da eficácia; o descompromisso com laços e limitações, edificando o homem
pragmático; e a busca de fama e poder” (Op. Cit., p. 91).
Com isso, reforça-se o ideário ageless como forma privilegiada de envelhecer. E
torna-se necessária a discussão da disseminação midiática da velhice bem-sucedida como
forma hegemônica de viver esta fase da vida, na medida em que tais representações permeiam
o cotidiano das pessoas e propagam modos específicos de viver, cuja articulação pode se dar
em um conjunto de lógicas de gestão da vida, convertendo-se eventualmente em instrumento
de inclusão e exclusão social.
Com maior disponibilidade financeira do que seus coetários em épocas passadas, o
idoso atualmente passa a ser visto como uma fonte de recursos e segmento de mercado a ser
explorado. Cria-se o imaginário da idade avançada como arena para o consumo de bens
28
específicos que, seguindo padrões considerados positivos de comportamento, abre espaço
para a construção de novas identidades nesta fase da vida (CASTRO e CORREA, 2017).
Considerando que a experiência cotidiana é maciçamente mediada pelas redes e
veículos de comunicação, o papel da mídia (entendida como o conjunto de meios de
comunicação em ação) e das lógicas de consumo na promoção dessas atitudes é o que importa
ressaltar nesse capítulo inicial. Indispensável discutirmos a construção sociocultural da
velhice em nossos dias (CASTRO, 2015, 2016) como ponto de partida desse nosso trabalho
que tem como foco as práticas de consumo de smartphones por um segmento da população
que, de certo modo, foge ao convencional quando se pensa em tecnologia de ponta.
Para discutir a presença e os modos de apropriação do smartphone no cotidiano de um
grupo de mulheres de classe média residentes na cidade de São Paulo, desenvolvemos uma
extensa pesquisa empírica da qual iremos tratar no terceiro capítulo dessa dissertação. Antes
disso, iremos abordar o trinômio comunicação, consumo e tecnologia no próximo capítulo
(Cap. 2), entendendo que os capítulos iniciais constituem os alicerces da discussão que
pretendemos apresentar na parte final.
2. Comunicação, Consumo e Tecnologia
Antes de escrever, o homem contou.
Há cerca de 10 mil anos, com os primeiros assentamentos humanos, o homem passou
a conciliar as atividades de caça e coleta com o plantio de colheitas que, mesmo com baixo
rendimento, eram primordiais para sua sobrevivência. Grupos pequenos com 15 ou 20
caçadores e coletores tornaram-se pequenos vilarejos com algumas centenas de pessoas.
O fim da vida nômade trouxe mudanças significativas para as relações sociais e
econômicas. O crescimento dos grupamentos humanos demandou que o conhecimento
adquirido fosse transmitido de geração para geração e que a produção agrícola e os rebanhos
fossem contabilizados com a ajuda de um sistema complexo, composto por fichas moldadas
em barro, os tokens, que, com diferentes formatos e gravações, determinavam as quantidades.
A partir de evidências arqueológicas, descobertas na região de Bagdá no Iraque,
acredita-se que o sistema de contabilidade inventado tenha sido o precursor da escrita.
Atualmente, é aceito que a escrita do Oriente Médio evoluiu a partir de
fichas tridimensionais e não de desenhos; que foi a agricultura, 5 mil anos
atrás, e não o consequente surgimento das cidades, que determinou a
29
necessidade de armazenar informações; e que a contagem não é decorrente
da escrita, e sim o contrário. A escrita serviu também para organizar a troca
de produtos e melhorá-lo a partir do saber tecnológico armazenado e
disponível para ser transmitido. (GONTIJO, 2009, p. 56)
Em alguma medida, há milhares de anos, sociedade, comunicação e consumo já se
entrelaçavam na vida cotidiana das pessoas, demandando a criação de novas tecnologias que
permitissem o fluxo contínuo de conhecimento e informação, necessários à vida no presente e
à transmissão de seu modo de viver para o futuro.
Na contemporaneidade, da mesma forma que na época de nossos antepassados pré-
históricos, mudanças sociais, culturais e econômicas impulsionam a veia criativa do homem
que, por meio da concepção de artefatos tecnológicos, pavimenta seu desenvolvimento.
Neste capítulo, dividido em três partes, iremos abordar como estas mudanças se
desdobram sobre os dispositivos inteligentes da era digital, ressaltando os smartphones como
representantes destacados do atual momento dos avanços tecnológicos.
Na primeira parte, procuraremos traçar uma reflexão sobre as transformações sociais
da modernidade e como elas são refletidas no processo de inovação tecnológico em curso.
Buscaremos expor como a invenção de computadores, da internet, dos telefones celulares e
dos smartphones foi levada a cabo a partir das demandas sociais, culturais e econômicas que
se descortinaram desde o início do século XX.
Em uma segunda parte, objetivamos discutir o processo de hibridização entre humano
e não humano. Incentivado pelo crescente desenvolvimento de aparatos tecnológicos,
entendemos que este processo traz consequências para as formas como o homem se relaciona
com os dispositivos inteligentes, assim como transforma as relações sociais.
Na terceira parte, discutiremos as consequências das novas formas de relacionamento
entre homem e tecnologia por meio das práticas de consumo. De modo mais específico,
ponderaremos sobre a modulação de subjetividades a partir da apropriação dos smartphones
na vida cotidiana.
2.1 A sociedade em transformação e os objetos sociotécnicos
Para Simondon (1980), nenhum objeto possui um caráter exclusivamente técnico.
Segundo o filósofo francês, todo objeto é revestido de um caráter social, o qual, precedendo a
técnica, impulsiona sua invenção. Assim, ligando homem à natureza, os dispositivos técnicos
se tornam mediadores das aspirações humanas.
30
Segundo o autor, a inovação tecnológica é derivada da existência humana, só fazendo
sentido quando corresponde a um objetivo social e floresce como um instrumento da
expressão do homem. Para o filósofo, há em cada objeto sociotécnico um forte componente
cultural que é o arcabouço necessário para sua invenção. (SIMONDON, 1980, p. 11).
Esta visão é corroborada por Winston (2000) que, refletindo sobre a ideia de uma
revolução da informação, destaca que teses sobre um suposto futuro glorioso ou apocalíptico
desenhado popularmente a partir das tecnologias da informação e da comunicação21
são
questionáveis, visto que a acomodação de qualquer inovação é consequência das formações
sociais que as originam. Ou seja, o futuro é uma consequência das escolhas humanas
traduzidas nos modos de viver. O apocalipse ou a glória não se darão pelo desdobramento da
tecnologia, mas pelas decisões cotidianas da sociedade.
Em linha com este pensamento, Lemos (2010) ressalta que “o „sentido‟ da tecnologia
contemporânea não se refere à sua dimensão material, mas sim ao seu poder de produzir
sentido, de fazer sociedade” (LEMOS e LÉVY, 2010, p. 30). Entendendo esse „sentido‟ como
a finalidade para a qual se encaminha a inovação tecnológica, Lemos reforça ainda a noção de
que, no atual ciberespaço, os rumos são trilhados a partir dos significados dados pela
produção social coletiva e cooperativa
Pela primeira vez, devido às características atuais do ciberespaço, é possível
produzir o sentido coletivamente, cooperativamente, no jogo das
subjetividades e das linhagens, para além das fronteiras das culturas, das
religiões, dos territórios, dos pequenos poderes. Nesse caso, o “sentido” da
tecnologia só se produz em se fazendo. (LEMOS e LÉVY, 2010, p. 30-31)
Para Winston (2000), a esfera social tem supremacia sobre a tecnologia, uma vez que é
nela que se encontra o ponto de partida para o desenvolvimento de atividades que
condicionam e determinam o padrão de inovação e de difusão tecnológico. Desta forma,
ressalta-se a centralidade do homem neste processo, que só pode ser plenamente entendido se
colocado em perspectiva o papel ocupado pela nossa civilização
Um modelo que reflita estes padrões [de inovação] sugere a primazia da
esfera social como o centro destas atividades, condicionando e determinando
o desenvolvimento tecnológico. O que nos permite ir além da história da
tecnologia, para provocar questões mais gerais sobre como um padrão de
inovação e difusão das comunicações elétricas e eletrônicas ilumina um
21
Tecnologias de Informação e Comunicação, também conhecidas como TICs.
31
papel maior representado por estas mesmas tecnologias em nossa
civilização. (WINSTON, 2000, p. 2, tradução nossa)22
Desta forma, ciência e tecnologia, dois aspectos caros à Modernidade nascida a partir
da Revolução Industrial, só se ressaltam como relevantes se olhados a partir do ponto de vista
da sociedade, esta sim, a base do tecido que compõem a vida cotidiana do ser humano.
Ainda conforme Winston (2000), a criatividade, a intuição e a imaginação que movem
o avanço tecnológico são diretamente afetadas pela cultura e pelas forças sociais que se
impõem sobre a mente dos inventores. O autor ressalta a importância das referências culturais
no processo de invenção, destacando a indissociabilidade do ser social do inventor de sua
função como tecnólogo
nós devemos nos lembrar, mais uma vez, que os tecnólogos são seres sociais
e que tudo se desenvolve dentro da esfera social. (...) Os cientistas que
desenvolvem conceitos de fundamental importância também são seres
sociais, exponentes e prisioneiros da cultura que os produziu, assim como os
tecnólogos que têm ideias de dispositivos e constroem protótipos.
(WINSTON, 2000, p. 5, tradução nossa)23
Em um processo que se retroalimenta, sociedade e tecnologia se afetam mutuamente
em um movimento cíclico no qual comportamento afeta tecnologia que, por conseguinte,
transforma as relações sociais. Assim, novos dispositivos são inventados para atender novas
formas de viver que, por sua vez, também são afetadas pela inserção destes mesmos
dispositivos em seu cotidiano.
A segunda metade do século XIX e o século XX foram tempos de rápidas e profundas
mudanças. Economia e política se transformaram na mesma medida em que a sociedade e a
cultura abriram caminhos para a conformação de novos modos de vida.
A crescente urbanização, o ingresso de contingentes cada vez maiores de pessoas nas
atividades industriais, o florescimento do comércio e das passagens parisienses – precursoras
dos atuais shopping centers e de novas formas de consumo –, o sucesso do indivíduo medido
22
No original: “A model to reflect these patterns implicitly suggests the primacy of the social sphere as the site
of these activities, conditioning and determining technological developments. It allows us to go beyond a
straightforward account of technological history to pose more general questions about how the pattern of
innovation and diffusion of electrical and electronic communications illuminates the broader role played by such
technologies in our civilisation.” 23
No original: “we need to remember at this point once again that the technologist is a social being and that all
this is taking place within the social sphere.(...) The scientists conceptualising necessary fundamental
understandings are as much social beings, exponents of and prisoners of the culture that produced them, as are
the technologists who have ideas for devices and build prototypes”.
32
pelos símbolos externos, um toque cosmopolita no jeito de ser e de viver nas grandes cidades
são alguns dos movimentos notados nesta época traduzidos nas invenções tecnológicas. De
certa forma, neste tempo, distinguia-se o ímpeto pelo enobrecimento da técnica como
referência fundamental de uma sociedade que vive movida pelas paixões e pelo frenesi do
tempo acelerado. (BENJAMIN, 2006).
Na reflexão sobre a Paris do século XIX, Benjamin (2006) encontra uma sociedade na
qual se desenvolve os primórdios dos impulsos inovadores. Em uma cidade tocada pelo
emprego crescente do ferro em suas construções, pela nuvem que advém dos meios de
transportes movidos a vapor, pelo passo frenético de seus habitantes, o autor distingue nas
mercadorias a interpenetração entre novo e antigo, como imagem de um consciente coletivo
que se aplica na exacerbação do cientificismo, na exaltação e adesão não crítica à ciência e no
incentivo ao progresso contínuo transmutado em novos dispositivos tecnológicos que passam
a fazer parte da vida cotidiana.
Neste sentido, as transformações da sociedade e da forma como o homem enxergava a
si mesmo tornaram-se o campo fértil para inspirar invenções que permitissem ao homem
falar, ver e ouvir mais longe, mais rápido e com mais pessoas ao mesmo tempo, semeando as
bases para o desenvolvimento, dentre outros, da fotografia, do cinema, do telégrafo, do
telefone, do rádio e da televisão.
Assim como vencer as barreiras impostas pelo tempo e espaço era de primordial
interesse para o desenvolvimento humano, a busca por dispositivos que ampliassem a nossa
capacidade intelectual também se revelou como objetivo a ser alcançado.
Especialmente durante a II Guerra Mundial, quando as esferas políticas e econômicas
dominavam as preocupações da sociedade, a necessidade de se obter a dianteira no conflito
impulsionou marcadamente os esforços em busca da criação de dispositivos inteligentes que
favorecessem a disputa tática.
Do lado americano, o artefato que no futuro seria conhecido como ENIAC24
estava em
desenvolvimento desde a entrada dos EUA na guerra. Como parte de um processo de
aperfeiçoamento e produção em maior escala de dispositivos de balística para a artilharia
norte-americana, surgiu a necessidade da invenção de um analisador mais complexo e
completamente eletrônico. Após ser equalizada a questão balística, cuja solução fez seu début
24
ENIAC é a sigla para Electronic Numerical Integrator and Computer que, em tradução livre, significa
computador e integrador numérico eletrônico.
33
durante o conflito, os estudos e experimentos feitos a partir desta necessidade prosseguiram
até 1946, quando no dia 15 de fevereiro, o ENIAC foi demonstrado ao público. Nesta ocasião,
o jornal The New York Times chamou-o de uma ferramenta que reconstruiria as questões
científicas sobre outras bases (WINSTON, 2000).
Pelo lado britânico, a Code and Cipher School (GC&CS) se empenhava em combater
a máquina alemã de criptografia, Enygma. Em junho de 1944, Colossus Mark II, como foi
chamado o dispositivo britânico, estava plenamente operante, dando aos ingleses a dianteira
no patrulhamento do Atlântico, até então dominado pela marinha alemã. Estima-se que a
construção deste aparelho tenha sido primordial para a vitória aliada. Estavam lançadas as
bases para o desenvolvimento dos dispositivos que viriam a ser conhecidos como
computadores. ENIAC e Colossus são considerados seus precursores.
A década de 1940 também viu florescerem os primeiros esforços para a invenção da
internet. Embora a noção de redes de telecomunicações já fosse conhecida desde o final do
século XIX, foi da conjunção deste conceito com a Teoria da Informação formulada no Bell
Labs em 1949 e com o conceito de Cibernética que possibilitou pensar-se no envio de
mensagens eletronicamente codificadas.
Mais tarde, em um esforço do Departamento de Defesa dos EUA para criar um
sistema de comunicação à prova de bombas nucleares, criava-se o protótipo da rede
ARPANET, a partir do qual se derivaram outros esforços, públicos e privados, para a criação
de uma rede mundial de computadores. Assim, entre as décadas de 1960 e 1990, novos
estudos foram realizados por militares e por universidades chegando-se aos sistemas de
protocolo FTP, do login e do sistema de senhas para autenticação, o que culminou com o
desenho da World Wide Web25
, por Tim Berners Lee no CERN na Suíça.
Nestes três exemplos, percebemos que as demandas da sociedade, aqui inicialmente
motivadas por questões militares, foram o terreno para o desenvolvimento de novos
dispositivos que viessem a atendê-las. Assim, como dito anteriormente, as demandas sociais
são o principal fator de transformação tecnológica. As necessidades do tempo histórico, no
contexto da economia, da política, da sociedade e da cultura levam à criação de novas
tecnologias. Para acomodar novas circunstâncias de vida, a tecnologia se redefine conforme
os estímulos da sociedade. Nascidos sobre a égide militar, computadores e a internet vieram a
25
World Wide Web, cuja sigla é WWW. Em tradução livre: teia mundial, ou como é conhecida, rede mundial de
computadores.
34
mudar grandemente a forma como nos comunicamos, nos divertimos, estudamos, trabalhamos
e fazemos negócios.
Em outro lugar do espectro tecnológico, temos os telefones celulares que também
suscitaram transformações de grande alcance.
Os telefones celulares não têm a mesma projeção da Internet, mas eles
alcançaram estatuto de meio de massa. Eles começaram a moldar como nos
comunicamos, seu uso criou novas formas de relacionamentos mediados e,
no mercado, começaram a influenciar os padrões de aquisição e propriedade
de mídias. (KAVOORI, ARCENEAUX, 2006, p. 1, tradução nossa)26
Os telefones celulares proporcionaram ao usuário novas formas de engajamento e
socialização que não eram possíveis antes de sua invenção. A aceitação social que este
dispositivo alcançou tornou-o presente em áreas proeminentes da vida cotidiana, tais como
negócios, educação e saúde, mudando normas sociais e impactando os padrões culturais.
Para Levinson (2006), a mobilidade proporcionada pelo telefone celular é sua
principal inovação, permitindo, pela primeira vez na história da humanidade, que o ato de nos
comunicar e todos os seus benefícios associados possam ser alcançados em qualquer lugar,
sem que haja a obrigatoriedade da conexão via cabos que caracterizava a telefonia até então.
Ampliando os benefícios relacionados com esta tecnologia, Levinson ainda destaca as
características que tornariam os telefones celulares das décadas de 1990 e 2000 nos
smartphones que conhecemos hoje, tais como câmeras, envio de mensagens de texto e a
conexão com a internet.
Estes dispositivos passaram a permear a vida cotidiana das pessoas, concorrendo para
que as barreiras de tempo e espaço fossem vencidas, dando ao ser humano múltiplas
possibilidades de comunicação e interação. Mais recentemente, frutos de um processo de
convergência tecnológica, os smartphones, passaram a integrar telefonia e computação em um
único aparelho, tornando possível acesso a serviços como comunicação por voz, envio de
mensagens, aplicações para gerenciamento de informações pessoais e acesso à internet via
wireless27
. Lançados por volta de 1993, devido ao seu alto custo e as aplicações às quais
davam acesso na época, os smartphones eram percebidos como uma ferramenta de negócios
26
No original: “Cell phones lack the hype of the Internet, but they have achieved the status of a mass medium.
They have begun to shape how we communicate, their use has created new forms of media-centered relations,
and in the marketplace they have begun to influence patterns of media ownership and acquisition.” 27
Wireless, em tradução livre, quer dizer “sem fio”. Tratam-se das redes de acesso à internet sem fio, a partir do
sinal transmitido por um equipamento chamado roteador.
35
com propósitos corporativos. Para Sarwar e Soomro (2013), esta pode ser considerada uma
primeira fase de implantação dos smartphones
Nesta fase, todos os smartphones eram direcionados para empresas e as
ferramentas eram incorporadas a partir das necessidades corporativas. Esta
era começou com o advento do primeiro smartphone, o “Simon” da IBM, em
1993. O Blackberry é considerado o dispositivo revolucionário desta era,
pois introduziu muitas funcionalidades, incluindo e-mail, acesso à internet e
à navegação pela World Wide Web, fax e câmera. (SARWAR e SOOMRO,
2013, p. 217, tradução nossa).28
Para os autores, a segunda fase dos smartphones se deu com o lançamento do iPhone
pela Apple em 2007, direcionando o dispositivo aos consumidores em geral. Ainda em 2007,
o Google lançou o sistema operacional Android. Ambas empresas buscaram introduzir
aplicações que fossem úteis ao consumidor pessoal ao mesmo tempo em que diminuíssem os
custos do produto, garantindo assim o acesso de um público maior ao dispositivo. Ainda
segundo os pesquisadores, vivemos hoje uma terceira fase, na qual, além das aplicações e
características anteriores, há a busca por uma experiência excitante e atraente, tanto para
empresas como para os consumidores em geral.
Contudo, na contemporaneidade, os smartphones são mais do que dispositivos
excitantes ou atraentes. Eles penetram e influenciam fortemente o cotidiano social. Para
Lemos (2007, p. 1)29
, “as práticas sociais emergentes com as novas tecnologias de
comunicação nos colocam em meio a uma cultura da conexão generalizada, engendrando
novas formas de mobilidade social e de apropriação do espaço urbano”. Para o autor, a
mobilidade proporcionada pelo smartphone atua diretamente sobre a teia social
Estaríamos imersos em uma maior flexibilidade social, uma organização
fluida com papéis menos rígidos e lugares sociais intercambiáveis. As
diversas formas de mobilidade contemporâneas exigem esforços complexos
de compreensão por parte das ciências sociais, que não podem mais pensar
em termos de categorias fechadas. A cultura contemporânea só pode ser
compreendida através da “mobile sociology”30
. Essa nova configuração
social vai ser influenciada e impulsionada pelas tecnologias móveis (...)
(LEMOS, 2005, p.8).
28
No original: “During this phase all the smartphones were targeting the corporations and the features and
functions were as per corporate requirements. This era began with the advent of the very first smartphone “The
Simon” from IBM in 1993. Blackberry is considered as the revolutionary device of this era, it introduced many
features including Email, Internet, Fax, Web browsing, Camera.” 29
LEMOS, André. Ciberespaço e Tecnologias Móveis: processos de territorialização e desterritorialização na
cibercultura. Disponível em: https://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/territorio.pdf. Acesso em
fev/2018. 30
Termo que, em tradução livre, quer dizer Sociologia Móvel. Conceito proposto por John Urry no ano 2000,
que trata da importância da mobilidade na sociedade atual, com o fluxo de pessoas, objetos, ideias, informações,
levando à construção de um processo complexo de interdependência e consequências sociais.
36
Ou seja, na perspectiva do autor, a referida mobilidade proporcionada pelas
tecnologias digitais móveis são agentes de controle e, ao mesmo tempo, agentes de libertação,
ao permitir a diminuição das hierarquias.
Ling e Pedersen (2005, p.v, tradução nossa)31
ressaltam que, nos últimos quinze anos,
a comunicação móvel se estabeleceu tecnicamente, comercialmente, socialmente e também no
imaginário das pessoas. Para os autores, os dispositivos móveis de comunicação mudaram “a
forma como nos comportamos na esfera pública”, tornando-se elementos “no nosso senso de
espaço público e privado e no desenvolvimento de nossas personas sociais e psicológicas.”. A
partir dessa perspectiva, somos mais do que simplesmente usuários das novas tecnologias de
comunicação, nós somos gerentes da nossa comunicação, decidindo e fazendo escolhas sobre
quais os meios de comunicação, quais os parâmetros de utilização e quais as questões sociais
e expectativas às quais responderemos, lidando com as opções de interação que se abrem no
cotidiano em um repertório cada dia mais complexo.
Ribeiro, Leite e Sousa (2009, p. 191-192) corroboram com esta visão ao destacar o
modo particular com que os smartphones são apropriados na atualidade. Ao entenderem que o
dispositivo foi “redimensionado para situações não previstas” e que hoje são “quase como
uma extensão de cada indivíduo, acompanhando-o em todos os momentos e para qualquer
lugar”, os autores ressaltam o papel do celular no estabelecimento de “novas formas de
comunicação e cultura”. Em sua visão, os smartphones e suas características de mobilidade e
convergência traduzem eloquentemente a vida na contemporaneidade, na qual rapidez das
transformações e novos comportamentos urbanos se destacam. Neste sentido, formas de
convivência e de sociabilidade “são promovidas e/ou potencializadas pelo uso da
comunicação móvel”, refletindo assim “características relacionadas com as representações da
sociedade contemporânea” (Idem, p. 188). Estas características puderam ser verificadas em
estudo realizado pelos pesquisadores com adolescentes sobre a forma como os smartphones
são apropriados no cotidiano deste grupo. Alguns dos achados dão conta da influência dos
smartphones nos hábitos e rituais do dia a dia dos entrevistados, com desdobramentos sobre,
por exemplo: a) seu sono – com a verificação de uma prontidão em tempo integral para
ligações ou envio/recebimento de SMS32
, mesmo durante a noite, o que leva os adolescentes a
31
No original: “It has changed the way we behave in the public sphere. The mobile telephone has become an
element in our sense of public and private space and in the development of our social and psychological
personas.” 32
SMS – sigla para a expressão em inglês: Short Message Service, cuja tradução livre é serviço de mensagem
curta. Ou seja, serviço que possibilita o envio de mensagens de texto curtas, até 160 caracteres, entre dispositivos
móveis.
37
dormirem com seus aparelhos ao alcance das mãos; b) a apropriação que fazem da língua
falada e escrita – os pesquisadores notaram a forma curta e objetiva com que as perguntas
feitas ao grupo foram respondidas. Embora alguns outros motivos possam ser apontados para
esta atitude, os pesquisadores inferem que o hábito do envio de SMS também esteja ligado à
forma econômica com que os adolescentes se expressam; c) o estabelecimento de relações
emocionais com os dispositivos – os quais foram designados como “filhos” pelos
adolescentes; d) o reforço dos laços de aproximação e intimidade – os quais se dão por meio
da troca de mensagens sem finalidade específica, mas, como forma de articulação e
desarticulação de encontros; e, por fim, e) sua memória e a guarda de sua história – visto que
o smartphone armazena os dados pessoais do usuário, mantendo “todas as informações das
suas vidas na palma da mão” (Ibidem, p. 199).
As conclusões de estudos como o anteriormente citado nos trazem à luz a
complexidade que os arranjos sociais tomaram a partir da mediação realizada pelos
smartphones.
A difusão de dispositivos de comunicação sem fio tem se expandido mais rapidamente
do que qualquer outra tecnologia de comunicação até o momento. E, muito embora estes
avanços tecnológicos tenham sido desenvolvidos com um propósito específico, podemos
notar que as pessoas e as organizações acabaram por leva-los para outros caminhos, não antes
imaginados. Isto nos faz pensar sobre o quanto o fator social se impõe sobre a inovação
tecnológica. E, voltando às ideias de Simondon com as quais abrimos a parte inicial deste
capítulo, reforçamos a noção de que cabe ao homem o papel permanente de organizador e
intérprete do mundo tecnológico.
2.2 Hibridização humano e tecnologia
Observando o caminho percorrido pelas inovações tecnológicas entre a segunda
metade do século XIX e o início deste século XXI, percebemos o quão profundamente se deu
o imbricamento da humanidade com os aparatos por ela desenvolvidos. Mais do que somente
um processo que ocorre na esfera do cotidiano prático, a inovação penetra profundamente na
sociedade, alterando a sensibilidade e a percepção das pessoas, conduzindo a efeitos sobre a
imaginação e o entendimento, sofisticando habilidades e o olhar, ampliando horizontes e
instigando à complexidade nas interações. Nas palavras de Sevcenko (2001), “assim como as
inovações tecnológicas alteram as estruturas econômicas, sociais e políticas, mudam ao
38
mesmo tempo a condição da vida das pessoas e as rotinas do seu cotidiano.” (SEVCENKO,
2001, p. 60).
A redefinição de sensibilidades e da percepção humana também é objeto de reflexão
de Crary (2012), para quem, falando sobre a revolução imagética da contemporaneidade, há
uma reconfiguração das relações entre observador e os modos de representação. Segundo o
autor, por exemplo, “as tecnologias emergentes de produção de imagem tornam-se os
modelos dominantes de visualização, de acordo com os quais funcionam os principais
processos sociais e instituições.” (CRARY, 2012, p. 11).
A partir destas abordagens e das histórias contadas na primeira parte deste capítulo,
podemos trazer à luz a ideia de que a natureza humana se redefine frente aos artefatos criados.
Intencionando ampliar sua capacidade física e cognitiva, a humanidade desenvolve
dispositivos que, por um lado, promovem esta ampliação desejada, mas que, por outro
aspecto, fortemente presentes no cotidiano das pessoas, desenham novas configurações
sociais.
Muito embora os dois teóricos tenham direcionado suas reflexões à evolução
tecnológica sob o ponto de vista da imagem, esta mesma linha de raciocínio pode ser
extrapolada para um contexto mais genérico, no qual a tecnologia é observada em uma
dimensão mais global.
Hoje defrontamo-nos com a cultura digital, a microeletrônica e seu
imperativo de máxima compressão espaço-temporal. A hibridização entre
homem e máquina, carbono e silício, átomos e bits parece gerar esquemas
perceptivos e formas de cognição que apenas começam a ser
esquadrinhados. (BACCEGA e CASTRO, 2009, p. 60)
É neste sentido, mais amplo, que Appadurai (1999) se inspira para desenvolver um
raciocínio que o leva à definição de cinco dimensões da vida social atual, chamadas por ele de
“panoramas”. Diante da complexidade das estruturas sociais, culturais e econômicas, o autor
argumenta que é na interconexão destas esferas que se compõe a existência humana e se
constroem novos modos de viver. Em um contexto globalizado, o autor entende que as
disjunções advindas dos panoramas se articulam, criando movimentos que perpassam a
sociedade até chegar ao indivíduo e seu dia a dia.
Assim, o tecnopanorama, descrito como a cena que envolve a evolução tecnológica e
a inovação, reinventa o mundo pessoal, familiar e afetivo, oferecendo novas lógicas, as quais,
articuladas ao etnopamorana, ou seja, o mundo das pessoas e das relações em sociedade,
39
sempre em mutação e constante aperfeiçoamento, promovem as transformações sociais que as
apropriações sociais dos dispositivos tecnológicos inteligentes acabam por operar.
Castro e Mastrocola (2015) contribuem com a reflexão sobre a sinergia entre homem e
tecnologia ao afirmarem que
Ao criar aparatos tecnológicos, entre outros fatores, está a busca do homem
por interagir de novas maneiras com a natureza, com outros humanos e
também com outros objetos técnicos. [...] Nesse sentido, entendemos que o
homem cria aparatos de crescente complexidade tecnológica que não
funcionam como extensões, apenas, mas engendram hibridizações de
múltiplas conexões. (CASTRO e MASTROCOLA, 2015, p. 138).
A perspectiva proposta pelos autores mencionados, de certa forma, nos remete ao
início deste capítulo, onde discutimos a relação entre sociedade e a demanda por novas
tecnologias. Caminhando a partir deste ponto rumo a uma reflexão mais aprofundada,
notamos que não somente a sociedade redefine as inovações tecnológicas e é redefinida por
elas. O homem, individualmente, também se recria a partir dos aparatos por ele
desenvolvidos, conquistando novas habilidades, aperfeiçoando sua sensibilidade, apurando
sua forma de entender a si mesmo e de se relacionar com os demais.
Neste sentido, Sherry Turkle (2005) analisa a ação dos dispositivos inteligentes, dos
quais os smartphones são representantes, entendendo-os como um espelho no qual o homem
se reflete. Na sua visão, os dispositivos inteligentes são compostos de duas características
básicas, ou naturezas como expresso pela autora. A primeira, de caráter técnico e funcional,
realiza as tarefas para as quais foi inicialmente construído. A segunda natureza trata do caráter
psicológico dos dispositivos inteligentes, de sua função como um meio de expressão que
oferece intermediação para as idiossincrasias do homem na atualidade
Nós vivemos em uma cultura que nos convida a interagir com computadores
de forma a nos permitir nos tornar íntimos de sua segunda natureza. (...)
Aterrorizados com a possibilidade de nos sentir sós, embora com medo da
intimidade, nós experimentamos sentimentos generalizados de vazio,
desconexão e de irrealidade do self. É aqui que se encaixa o computador,
uma companhia sem demandas emocionais, que oferece um meio-termo.
Você pode ser um solitário, mas nunca estar sozinho. Você pode interagir,
mas nunca se sentir vulnerável diante de outra pessoa (TURKLE, 2005, p.
279-280, tradução nossa)33
.
33
No original: “We are living in a culture that invite us all to interact with computers in ways that permit us to
become intimate with their second nature. (...)Terrified of being alone, yet afraid of intimacy, we experience
widespread feelings of emptiness, of disconnection, of the unreality of self. And here the computer, a companion
without emotional demands, offers a compromise. You can be a loner, but never alone. You can interact, but
need never feel vulnerable to another person.”
40
A autora ainda pondera que, ao se colocar no limiar entre humano e não humano, entre
mente e não-mente, os dispositivos inteligentes nos provocam a pensar sobre quem somos e
nos desafia a refletir sobre o que significa ser humano e quem é o protagonista em uma
equação na qual o pensamento é ponto central
As imagens de computadores oferecendo um novo meio de expressão e um
“meio-termo esquizoide” entre a solidão e o medo de intimidade são
emblemáticos do encontro entre a tecnologia e nossa vida emocional. Com
este encontro vem outro: entre computadores e nossa vida filosófica, em
particular nosso pensamento sobre a natureza humana. Como eles se
colocam na linha entre mente e não-mente, entre vida e não-vida, os
computadores nos levam à reflexão sobre a natureza da mente e da vida. Eles
nos provocam a pensar sobre quem somos. Desafiam nossas ideias sobre o
que é ser humano, pensar e sentir. Eles nos apresentam mais do que um
desafio. Nos provocam, pois se colocam como um novo espelho no qual a
mente é refletida como uma máquina. O efeito é subversivo. Coloca em
questão nossas formas de pensar sobre nós mesmos: dramaticamente, se a
mente é máquina, quem é o agente? Onde está responsabilidade, espírito,
alma? (TURKLE, 2005, p. 280, tradução nossa)34
.
Para a autora, o uso destes aparatos não é somente uma questão de atendimento à
demanda prática da vida, mas, mais do que isso, é uma forma do homem refletir sobre si
mesmo, ao mesmo tempo em que se remodela, ou seja, a questão não está no que estes
aparatos fazem por nós. Está no que eles fazem conosco ao usá-los.
São as novas sensibilidades que afloram e se fazem sentir não somente na vida
individual, mas também na construção das relações sociais. Como um espelho, os dispositivos
inteligentes nos convocam a pensar a natureza humana e as novas tensões que se instalam no
relacionamento entre homens e aparatos tecnológicos,
Nós [a humanidade] estamos inseguros sobre o entendimento que possuímos
de nós mesmos, e esta insegurança nos leva a uma nova preocupação com a
questão de quem somos. Buscamos formas de enxergar a nós mesmos. O
computador é um novo espelho, o primeiro aparato psicológico. Além de sua
34
No original: “The images of the computer offering a new expressive medium and of the computer offering a
“schizoid compromise” between loneliness and fear of intimacy are emblematic of the encounter between the
machine and our emotional lives. Along with this encounter comes another: between computers and our
philosophical lives, in particular our thinking about human nature. Because they stand on the line between mind
and not-mind, between life and not-life, computers excite reflection about the nature of mind and the nature of
life. They provoke us to think about who we are. They challenge our ideas about what is to be human, to think
and feel. They present us with more than a challenge. They present us with an affront, because they hold up a
new mirror in which mind is reflected as machine. The effect is subversive. It calls into question our ways of
thinking about ourselves: dramatically, if mind is machine, who is the actor? Where is responsibility, spirit,
soul?”
41
natureza como um dispositivo analítico, repousa sua segunda natureza como
um objeto evocativo. (TURKLE, 2005, p. 279, tradução nossa)35
.
Assim, como um objeto evocativo, o smartphone nos convida a desenvolver um
relacionamento mais próximo e reflexivo, no qual projetamos nossas dúvidas e
questionamentos acerca de nossa condição social. Turkle (2005) ainda argumenta que não é
mais possível enxergar os dispositivos inteligentes somente como ferramentas. Assim,
entende-se que os aparatos digitais se tornaram parceiros íntimos de seus usuários, conforme
indica o título dessa dissertação, retirado da fala de uma de nossas entrevistadas em estudo
exploratório inicial.
Os dispositivos inteligentes influenciam a forma como as pessoas concebem a si
mesmas, a seu trabalho, seus relacionamentos com outras pessoas e suas formas de pensar
sobre o processo social. Conforme argumenta Turkle (2005), estas concepções e
relacionamentos podem ser a base para novos valores estéticos, novos rituais, novas filosofias
e novas formas culturais.
Na fronteira da hibridização humano e não humano, recorrendo novamente ao
pensamento da autora, identificamos que dispositivos inteligentes se colocam entre o animado
e inanimado, tornando possível uma experiência que se realiza entre o self e o mundo exterior,
mudando o senso sobre si mesmo. Ao projetar seu self nos dispositivos, o homem os torna
indispensáveis à sua sobrevivência. É em situações como estas que muitos usuários,
dramaticamente, se dizem “perdidos” ou “mortos” pela perda ou quebra de determinado
equipamento.
Para os designers dos dispositivos inteligentes, trata-se de novas possibilidades de
acesso à informação. Para o usuário, contudo, trata-se do efeito da tecnologia em outro
patamar. Os dispositivos inteligentes mudam sua percepção sobre o self, identificando usuário
com o aparato, como se fosse uma projeção do self sobre o dispositivo, um segundo self,
permitindo ao usuário se sentir sociável e melhor preparado. Sobre isso Turkle (2005)
pondera que, quando do início de seus estudos há mais de 20 anos atrás, referir-se a esta
projeção era algo provocativo. Hoje, entretanto, para ser provocativo, somos tentados não
35
No original: “We are insecure in our understanding of ourselves, and this insecurity breeds a new
preoccupation with the question of who we are. We search for ways to see ourselves. The computer is a new
mirror, the first psychological machine. Beyond its nature as an analytical engine lies its second nature as an
evocative object.”
42
somente a falar sobre um segundo self, mas uma nova geração do self, em uma relação mais
complexa e íntima. (TURKLE, 2005, p. 5).
Em outra dimensão da vida em sociedade, podemos notar que os dispositivos
inteligentes têm sua influência estendida a áreas como educação, por exemplo, provocando
debates em torno de sua apropriação em sala de aula e os benefícios advindos de sua
utilização no processo de aprendizagem. De certa forma, novos dispositivos têm desafiado
educadores a pensar em novos caminhos pedagógicos, nos quais a interatividade esteja
incorporada à vida escolar na mesma medida em que está tão presente no cotidiano. Não se
trata do uso da tecnologia de forma instrumental ou como uma coadjuvante em sala de aula,
mas da inserção dos dispositivos tecnológicos como estratégia de conhecimento.
A revolução tecnológica que vivemos não afeta apenas individualmente a
cada um dos meios, mas, produz transformações transversais que se
evidenciam na emergência de um ecossistema educativo conformado não só
por novas máquinas ou meios, mas por novas linguagens, escritas e saberes,
pela hegemonia da experiência audiovisual sobre a tipográfica e a
reintegração da imagem ao campo da produção de conhecimentos.
(MARTIN-BARBERO, 2014, p. 66, grifo do autor).
Se é possível pensar na tecnologia como um componente ativo do processo de
aprendizagem, como dito acima por Martín-Barbero, somos convidados a pensar também nas
possibilidades que envolvem ainda outra frente de desenvolvimento tecnológico: a
inteligência artificial. Nesta fronteira tecnológica, extrapola-se a ideia de um dispositivo que
faça o que lhe é mandado fazer e passa-se conceber um aparato que faça mais do que o
especificado. Novamente, a hibridização humano e não humano se faz notar, conferindo ao
dito aparato faculdades comparáveis com as capacidades do cérebro humano.
Muito embora os avanços alcançados dentro dos estudos desta disciplina não possam
ser comparados às ideias e fantasias da ficção científica sobre o tema, é possível dizer que,
atualmente, os dispositivos dotados de inteligência artificial já fazem mais do que jogar
xadrez, como nos experimentos das décadas de 1960 e 1970. Antigas representações culturais
de robôs expressando sentimentos humanos como as vistas em filmes como Metrópolis (Fritz
Lang, 1927) ou, mais recentemente, com o Homem Bicentenário (Chris Columbus, 2000) ou
mesmo AI – Inteligência Artificial (Steven Spielberg, 2001), ainda não encontram
correspondente na tecnologia atual. Mas é interessante notar o quanto as referências da ficção
se confundem com as pesquisas da realidade em torno de um mesmo objetivo, proporcionar à
máquina capacidades humanas.
43
Assunto controverso, as discussões sobre visões da Inteligência Artificial se destacam
pelas reações que provocam. Se, por um lado, há grupos que consideram que um dispositivo
inteligente jamais poderá substituir o que é especial para o ser humano, ou seja, sua
criatividade, sua sensualidade, sua dor e seu prazer, há um grupo que discute o quanto o
homem tem tratado os dispositivos inteligentes como uma entidade autônoma, capaz de
pensar e agir por si só.
Neste sentido, Turkle (2005) relata uma de suas experiências como pesquisadora,
quando em entrevista como uma agente de viagens de uma companhia aérea. Acostumada a
utilizar dispositivos digitais diariamente por causa de sua atividade profissional, inicialmente,
a entrevistada representa os computadores como objetos neutros. Contudo, ao relatar suas
interações com clientes insatisfeitos com o overbooking36
, ela aponta o computador como o
responsável pela falha, como se fosse possível que ele agisse de forma autônoma, sendo assim
passível de responsabilização.
Embora a entrevistada tenha colocado à pesquisadora que dizer que “o computador
errou” era somente uma forma de expressão, Turkle considera relevante esta questão. Para a
entrevistada, era só uma forma de se colocar empaticamente frente ao cliente sem
comprometer o relacionamento entre os dois. Contudo, Turkle considera que atitudes assim
autorizam uma continuidade entre a psicologia humana e o dispositivo inteligente. Ingênuo,
na visão da pesquisadora, este pensamento se apoia na sugestão de que um computador
“pensa”, como se a relação entre bits e programas fosse análoga à relação entre o cérebro e a
mente.
Para Gathman (2008), o telefone celular tornou-se uma entidade com a qual
compartilhou bons e maus momentos de sua vida pessoal, em especial de sua vida afetiva,
tendo papel relevante na construção de seus relacionamentos amorosos. Em seu capítulo na
coletânea The Inner History of Devices37
, a autora traça uma linha do tempo na qual descreve
desde a aquisição de seu primeiro telefone celular quando em sua viagem de um ano ao Japão,
até o novo modelo comprado quando de volta à sua Wisconsin natal.
Neste texto, nota-se a relevância do dispositivo em sua história pessoal, não somente
como um meio de comunicação, mas também como uma janela para sua vida e seu futuro. A
autora relata que costumava se tatuar ao final de cada relacionamento afetivo, como uma
36
Prática das companhias aéreas que aceitam mais reservas de passagens do que os assentos disponíveis,
contando que, nem todas as reservas serão confirmadas na hora do voo. 37
TURKLE, Sherry (Ed.). The inner history of devices. Cambridge, MA: MIT Press, 2008.
44
forma de redesenhar seu corpo, tornando-o desconhecido ao antigo parceiro. Contudo, após a
aquisição de seu primeiro telefone celular, ela deixou de se tatuar e passou a trocar o
dispositivo quando do fim negativo de uma experiência amorosa. Para ela, ao nunca ter
utilizado o novo aparelho para falar com o antigo parceiro, nunca tendo se decepcionado por
intermédio dele, ao ouvir algo que não gostaria, é como se houvesse uma nova parte dela
mesma incólume à decepção. Nas palavras da autora, “meu novo RAZR38
é uma parte de mim
que é recém-nascida, incólume” (GATHMAN, 2008, p. 48, tradução nossa)39
.
Para Baym (2010), existe uma controvérsia inerente ao momento histórico que
vivemos, no qual são identificadas mais formas de comunicação interpessoal do que em
qualquer outra época. Se, por um lado, o aumento da interação tecnologicamente mediada que
vivemos parece ameaçar o que é de santificado nas relações humanas, por outro lado, há quem
defenda que este é um momento promissor para criação de novas oportunidades de conexão
com mais pessoas, de forma mais diversificada e mais intensa. Seja como for, segundo a
autora, “ambas as perspectivas refletem um senso de que a mídia digital está mudando a
natureza das nossas conexões sociais” (BAYM, 2010, p. 1, tradução nossa)40
.
Por sua vez, também em um contraponto ao otimismo e à adoção irrestrita dos
dispositivos inteligentes nas relações humanas, Sherry Turkle, em suas mais recentes obras,
Alone Together (2011) e Reclaiming Conversation (2015), apresenta um chamado à
ponderação e à crítica sobre o crescente papel destes dispositivos no cotidiano humano. Ela
inicia sua argumentação, dizendo que
os computadores não esperam mais que os humanos projetem sentido sobre
eles. Agora, robôs sociáveis nos encaram, falam conosco, e aprendem a nos
reconhecer. Eles nos pedem que tomemos conta deles; em resposta, nós
esperamos que eles possam tomar conta de nós em retribuição (TURKLE,
2011, p. 2, tradução nossa).41
Com uma posição crítica forte, a autora entende que a excitação que cerca a invenção
de dispositivos inteligentes que atuem como companhia ou cuidadores constitui-se um desafio
à humanidade. Para ela, artefatos que oferecem relacionamentos mediados e que se propõem a
38
Modelo de aparelho celular da empresa Motorola, muito popular no início dos anos 2000, tendo sido
considerado por especialistas um marco de uma nova proposta de design para os aparelhos celulares. RAZR
ainda hoje dá nome a uma família de produtos da marca. Fonte:
https://www.tecmundo.com.br/motorola/115512-ha-exatamente-44-anos-motorola-demonstrava-primeiro-
celular-historia.htm. Consultado em 29/07/2017. 39
No original: “My new RAzr is a part of me that is freshly born, unscarred.” 40
No original: “Both perspectives reflect a sense that digital media are chanigng the nature of our social
connections.” 41
No original: “Computers no longer wait for humans to project meaning onto them. Now, sociable robots meet
our gaze, speak to us, and learn to recognize us. They ask us to take care of them; in response, we imagine that
they might care for us in return.”
45
substituir as pessoas e atuar como “o lugar para a esperança” (TURKLE, 2011, p. 3, tradução
nossa)42
, na verdade, reforçam a solidão e, ao nos manter permanentemente conectados, nos
suprime os benefícios de estarmos em contato com nosso íntimo.
Turkle (2015) ainda argumenta que a tecnologia é sedutora, mas que cabe ao homem
manter a aproximação com as gerações futuras por meio do compartilhamento da nossa
história, dos erros e acertos. Para o que, a intermediação dos dispositivos tecnológicos,
segundo a opinião da autora, não é uma condição sine qua non. Ela ressalta que não possui
uma posição “anti-tecnologia”43
, mas sim, “a favor da conversa”44
: “é quando nós olhamos
nos rostos um dos outros e ouvimos a voz que nos tornamos mais humanos em nosso
relacionamento” (TURKLE, 2015, p. 23, tradução nossa)45
.
Enfim, se os novos dispositivos inteligentes nos oferecem maior controle sobre nossa
vida social, ao mesmo tempo também nos sujeitam a novas formas de controle, vigilância e
restrições. Podemos criar novas oportunidades de conversação ou mesmo afastá-las ao, por
exemplo, fingir falar em um telefone celular ou mesmo mantendo-se atento à tela para evitar
que alguém “puxe conversa” em um local público, por exemplo. Mas, por outro lado, nossa
autonomia é constantemente colocada à prova, visto que é esperado que possamos estar ao
alcance de uma ligação ou de uma mensagem instantânea a qualquer momento.
2.3 Os objetos sociotécnicos na esfera do consumo
Um smartphone não é somente uma ferramenta de comunicação. A partir de sua
crescente popularização, este dispositivo inteligente tem se transformado em um objeto
sinalizador de valores e conceitos estéticos incorporados por seu proprietário. A interação
com a vida social daquele que o possui, como vimos na parte anterior deste capítulo, também
é uma questão que tem se adensado nos últimos anos, como parte de um processo cultural e
hierarquizante na sociedade contemporânea. Sua aquisição e posse pode dizer muito sobre
gostos, ideias e estilos de vida de seu usuário, em um processo de categorização, do qual se
extraem valores culturais e identitários compartilhados por esta pessoa.
Segundo Rocha (2006, p. 8) “o consumo é algo ativo e constante em nosso cotidiano e
nele desempenha um papel central como estruturador de valores que constroem identidades,
42
No original: “the place for hope” 43
No orginal: “Anti-technology” 44
No original: “pro-conversation” 45
No original: “It is when we see each other‟s faces and hear each other‟s voices that we become most human to
each other.”
46
regula relações sociais, definem mapas culturais”. Para o autor, o consumo possui significados
culturais, sendo os bens “investidos de valores socialmente utilizados para expressar
categorias e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de vida, de enfrentar mudanças
ou criar permanências.” (Idem, 2006, p. 8).
Com quase 200 milhões de smartphones no mercado brasileiro, este é o principal meio
de acesso individual à internet da população brasileira, estando presente em todas as camadas
sociais, etárias e de gênero. Os números do mercado nacional destacam a importância deste
dispositivo no cotidiano das pessoas e sua função como catalizador dos signos da
contemporaneidade, tais como racionalidade, mobilidade, velocidade e individualismo.
Se, no momento de seu lançamento no Brasil, em meados dos anos 2000, o
smartphone era um símbolo de status e de riqueza, hoje, ele adiciona muitas outras camadas
de significado a quem o possui. Em um repertório amplo associado às múltiplas experiências
e práticas de consumo possíveis para estes dispositivos, eles não somente “se tornaram
extremamente importantes e socialmente significativos”, como também, mais do que uma
ferramenta de comunicação, passaram a encarnar-se como “símbolo de status e uma
afirmação de valores individuais” (KATZ e SUGIYAMA, 2005, p.79).
Conforme demonstraram Douglas e Isherwood (2006), os bens são marcadores sociais
que dão visibilidade a categorias de cultura, estabelecendo e mantendo relações sociais.
Assim, nas relações de consumo, os bens possuem uma função ampliada na qual a capacidade
de dar sentido se destaca. Para os autores, a ideia da aquisição de bens como forma de
subsistir é pequena frente às infinitas possibilidades de associação simbólica.
A função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido.
Esqueçamos a ideia da irracionalidade do consumidor. Esqueçamos que as
mercadorias são boas para comer, vestir e abrigar; esqueçamos sua utilidade
e tentemos em seu lugar a ideia de que as mercadorias são boas para pensar:
tratemo-las como um meio não verbal para a faculdade humana de criar.
(DOUGLAS e ISHERWOOD, 2006, p. 108).
O smartphone incorpora em seu design e em suas funcionalidades teses da
modernidade e da era digital, assumindo lugar de destaque na vida pública e como dispositivo
capaz de refletir gostos pessoais e representar seus usuários no mundo. Hoje, em alguma
medida, o smartphone pode ser associado com as dimensões de estilo e de moda, e como um
condicionante da vida individual de seu proprietário (KATZ e SUGIYAMA, 2005).
Há tempos, moda, consumo e tecnologia convivem em uma espécie de pacto
de cumplicidade e retroalimentação. No reino da obsolescência programada,
o upgrade é um must, sob pena de sermos condenados aos horrores da
47
incompatibilidade e do ostracismo, seja ele funcional ou social. (BACCEGA
e CASTRO, 2009, p. 60).
Assim como na escolha de uma roupa, a adoção de dispositivos inteligentes permite ao
usuário destacar-se na comparação com outras pessoas, acentuando o que lhes é particular,
único em suas personalidades e modos de vida. Ao mesmo tempo, estes dispositivos também
são signos de atualização constante, na qual se prega a importância de estar sempre um passo
adiante. Para Baccega (2008, p. 3), “a linguagem do consumo transformou-se numa das mais
poderosas formas de comunicação social”. A isso acrescenta-se a existência de uma
“transformação intensa das relações sociais em mercadoria, (...) as quais se desenvolvem de
acordo com novos territórios de pertencimentos e que também constituem a identidade do
sujeito”. (Idem, 2008, p. 3).
Tais afirmações no levam a refletir sobre a crescente importância social destes
dispositivos inteligentes, tão marcantes e eloquentes quanto a escolha da roupa do indivíduo.
O uso destes aparelhos diz sobre gostos pessoais e sobre a grande profusão de significados a
eles associados em nossa sociedade. Com isso, inferimos que ao qualificar o cotidiano das
pessoas, as práticas de consumo permitem uma avaliação do seu modo de vida.
Assim, é possível entender que, a partir do consumo, reconhecemos e somos
reconhecidos socialmente, criamos identificação que nos aproximam de nossos pares,
comunicamos sobre nós mesmos e estabelecemos relações com o mundo que nos rodeia. As
práticas de consumo contemporâneas vão além das questões materiais e engajam-se
fortemente nos aspectos simbólicos, relacionados às subjetividades daquele que consome.
Entendendo consumo como um código, Rocha (2006) nos convida a refletir sobre o papel de
classificação que os bens desempenham na sociedade contemporânea, distribuindo indivíduos
e grupos, produtos e serviços, pessoas e coisas conforme referências elaboradas na vida
cotidiana. Para o autor, “consumo é um código e por ele são traduzidas muitas das nossas
relações sociais” (ROCHA, 2005, p. 136). Neste sentido, a apropriação e uso que fazemos dos
bens falam de forma eloquente sobre quem somos.
Neste sentido, entendemos os bens como sinalizadores culturais e sociais capazes de
mediar nossa posição frente a sociedade. Nas palavras de Rocha (2006), o consumo “é
sistema de significação, e a verdadeira necessidade que supre é a necessidade simbólica”, ele
ainda completa dizendo que “os bens são necessários, antes e acima de tudo, para evidenciar e
estabilizar categorias culturais”, sendo sua função essencial “fazer sentido, construindo um
universo inteligível” (ROCHA, 2006, p. 16).
48
Se os bens são marcadores sociais e dão a compreender um sistema de classificação, é
por meio da comunicação de massa que se viabiliza o acesso ao entendimento sobre este
código, dando a conhecer as diferenças e as similaridades que se encontram na vida em
sociedade
Se antes vendiam-se coisas, atualmente vendem-se, sobretudo, imagens e
modos de ser. Verifica-se um investimento mais sutil do mercado nos
próprios processos de subjetivação. Nesse sentido, a mídia desempenha uma
função primordial ao veicular e induzir ideias, atitudes e padrões de
comportamento que podem servir de modelo para a construção de
identidades em nossos dias. (CASTRO, 2008, p. 139).
As ideias citadas acima nos oferecem um olhar sobre outro aspecto das práticas de
consumo. Desta vez, sob o ponto de vista de sua associação ao campo midiático, entendendo
as práticas de consumo como atreladas ao processo de modulação de subjetividades que a
mídia realiza. Sobre isso, a autora completa
No bojo das múltiplas transformações socioculturais que experimentamos
nas últimas décadas, vemos a disseminação dos mais variados códigos
identitários englobando padrões de linguagem, vestuário e comportamento,
hábitos alimentares, práticas de higiene e cuidados de si, valores existenciais
e tradições culturais relativos a diferentes tipos de práticas, hábitos e signos
que a cultura midiática veicula e fomenta, haja vista a criação de
celebridades midiáticas, ícones cadentes do consumo e para o consumo. No
conjunto de estilos de vida contemporâneos percebe-se a participação fulcral
do consumo cultural como balizador de status, distinção e pertencimento.
(CASTRO, 2008, p. 140).
Se a autora, nos trechos acima, nos oferece uma visão crítica das práticas de consumo
na contemporaneidade e sua intersecção com a mídia, podemos dizer que os smartphones,
como um dos artefatos mais desejados pelos brasileiros46
, atrelam-se de forma marcante ao
processo de subjetivação apontado.
Assim, as fabricantes de equipamentos e as operadoras de serviços de dados/voz
tomam papel importante na propagação de novos modos de viver a partir do uso do
smartphone. Campanha da operadora Vivo para venda de planos familiares de telefonia
móvel47
veiculada em 2017 alude a novas formas de comportamento que perfazem hoje o
ideal de uma família feliz. Com a assinatura “Viva mais as novas famílias. E menos os
46
Espera-se que biênio 2017-2019, haja um incremento de 20% na quantidade de smartphones em operação no
Brasil. Fontes: Kantar Brasil Insights. Dados referentes a fevereiro de 2017. Disponível em
http://br.kantar.com/tecnologia/m%C3%B3vel/2017/smartphones-j%C3%A1-est%C3%A3o-nos-bolsos-de-
mais-de-metade-dos-brasileiros/ (acesso em 25/05/2017). FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo): 28ª
edição da pesquisa anual de uso de TI, disponível em
http://eaesp.fgvsp.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa (acesso em 06/05/2017). 47
Campanha veiculada em redes de TV aberta e fechada em julho de 2017. Disponível no canal da operadora
Vivo no YouTube em : https://www.youtube.com/watch?v=w_KyZV934No. Consultado em 24/07/2017.
49
mesmos planos”, a narrativa contada neste comercial alude ao smartphone e ao acesso aos
serviços da operadora como forma de manter contato em família. De certa forma, a narrativa
destaca a tecnologia a serviço das múltiplas formas de organização familiar e social da
atualidade, sendo que os modos de vida e de consumo se interconectam e se reforçam ao
compartilharem o uso das mesmas tecnologias e serviços.
Para Slater (2002), é justamente na interconexão da comunicação com o consumo que
se articulam indivíduo e sociedade “em um sistema social de informações através do qual os
esquemas de classificação social são organizados e controlados” (SLATER, 2002, p. 150).
Neste sentido, o smartphone cristaliza sua posição como um artefato da cultura popular que
avança sobre o espaço público, transformando as relações entre as pessoas e as formas de
comportamento pelas quais elas se pautam.
Hoje, a simples observação do uso dos smartphones em locais públicos nos leva a
perceber que, inventado como uma ferramenta para permitir que seu usuário pudesse se
comunicar em qualquer lugar e tempo, este dispositivo atualmente se tornou um símbolo de
status, que demanda respeito, requerendo imediata atenção, interrompendo o usuário de
qualquer tarefa que esteja realizando. O smartphone tornou-se um aparato grandemente
presente na vida cotidiana das pessoas, em muitos casos, estimulando seu manuseio a cada
sinal que emite. Aceitamos como normal e desejável a constante disponibilidade para
comunicação. Nesse sentido, vencer as barreiras do tempo e do espaço é um objetivo
significativo. Com nossos dispositivos inteligentes e seu acesso à internet, temos acesso
imediato ao que ocorre não somente ao nosso redor, mas potencialmente em todo o mundo.
Como um dispositivo de múltiplas funcionalidades, o smartphone promove o acesso
ao mundo do entretenimento, dos negócios, do trabalho, dos estudos e da vida social. Todas
estas instâncias se conectam através dele, emaranhando-se as diversas esferas da vida. As
fronteiras entre as dimensões públicas e privadas da vida são revistas e o smartphone oferece
a possibilidade de transitar entre elas mais facilmente. Comunicar-se é uma possibilidade à
qual o smartphone dá acesso, mas, em prática, este dispositivo permite a realização de muito
mais: sendo um artefato para a expressão de desejos, de modos de ser e de viver.
50
2.4 Velhos e Tecnologia – noções que não se misturam?
Estudo recente48
realizado pelo instituto Pew Research Center49
dá conta de que o
número de idosos norteamericanos que adotam dispositivos tecnológicos em seu cotidiano
tem crescido nos últimos anos. Na conta do instituto, quatro em cada dez (42%) americanos
com mais de 65 anos possuem um smartphone e o utilizam em bases frequentes. No
levantamento realizado em 2013, este número era de apenas 13%.
Embora estes números possam ser extrapolados para a população dos EUA como um
todo, o instituto ressalta que diferenças na renda familiar, na formação educacional e também
na faixa etária focalizada levam a diferenças na forma de adoção tecnológica. Assim, por
exemplo, segundo o instituto, os idosos na faixa de 65 a 69 anos são duas vezes mais
propensos a manter-se regularmente conectados do que os idosos acima dos 80 anos.
Especificamente sobre o uso de smartphones o instituto destaca
Com a posse de smartphones nos EUA tendo mais do que dobrado nos
últimos cinco anos, os americanos estão abraçando a tecnologia móvel em
um ritmo rápido. E, enquanto as taxas de adoção entre os idosos
acompanhem as taxas da população como um todo, a porcentagem de
adultos mais velhos que possuem um smartphone cresceu 24 pontos
percentuais (de 18% para 42%) desde 2013. Atualmente, aproximadamente
metade dos adultos que possuem um telefone celular tem um smartphone;
em 2013, esta fatia era de somente 23%. (PEW RESEARCH CENTER,
2017, p. 5, tradução nossa)50
No Brasil, os números são parecidos e dão conta de que os habitantes com mais de
35 anos são os principais adquirentes de smartphones, sendo os responsáveis pela
alavancagem das vendas dos dispositivos. 51
48
Pew Research Center, Tech adoption climbs among older adults, 2017. Disponível em:
file:///C:/Users/Windows/Downloads/PI_2017.05.17_Older-Americans-Tech_FINAL.pdf. Acessado em
fev/2018. 49
O Pew Research Center é um instituto de pesquisa sem filiação partidária que atua para informar o público
sobre as tendências comportamentais, atitudinais e temáticas que influenciam a politica, economia, cultura e
sociedade em um mundo globalizado. Ele conduz pesquisas de opinião, levantamentos demográficos, análises de
conteúdo de mídia e outras pesquisas em ciências sociais. 50
No original: “With smartphone ownership in the U.S. more than doubling in the past five years, Americans are embracing mobile technology at a rapid pace. And while adoption rates among seniors continue to trail those of the overall population, the share of adults ages 65 and up who own smartphones has risen 24 percentage points (from 18% to 42%) since 2013. Today, roughly half of older adults who own cell phones have some type of smartphone; in 2013, that share was just 23%.”
51
Fonte: Kantar Brasil Insights. Dados referentes a fevereiro de 2017. Disponível em
http://br.kantar.com/tecnologia/m%C3%B3vel/2017/smartphones-j%C3%A1-est%C3%A3o-nos-bolsos-de-
mais-de-metade-dos-brasileiros/. Acesso em fev/2018.
51
Embora frios, os números destes estudos expressam com certa eloquência o
movimento contínuo e crescente de incorporação dos smartphones no cotidiano dos adultos
mais velhos. Contudo, à parte das questões quantitativas em torno do tema, considerações
sobre os aspectos qualitativos da adoção de dispositivos e inovações tecnológicas na vida
diária dos idosos também se fazem importantes.
Para Alm, Gregor e Newell (2002) não se prova como verdadeira a hipótese de que
tecnologia da informação e a adoção de dispositivos tecnológicos são rejeitadas por pessoas
acima dos 65 anos. Pelo contrário, é entendimento dos autores que este grupo etário e a
tecnologia da informação são parceiros ideais e que a incorporação de tecnologia oferece aos
idosos “uma oportunidade de participar mais plenamente como cidadãos e ter uma vida social
e de lazer mais satisfatória” (ALM, GREGOR, NEWELL, 2002, p. 2, tradução nossa)52
. Os
mesmos estudiosos afirmam que esta incorporação pode se dar em diversas frentes e ajudar a
desenvolver aspectos como a comunicação e conectividade social; o acesso à informação e
serviços; a promoção de aprendizado contínuo ao longo da vida; o acesso remoto a serviços
de saúde; além de estimular a permanência deste grupo etário na vida economicamente ativa.
Esta visão é corroborada por Xie (2003, p. 292, tradução nossa), para quem, “as tecnologias
de informação e comunicação têm a habilidade de diminuir o isolamento social dos
aposentados e aumentam a sua „conectividade‟”.53
.
Uma reflexão sobre as impressões acima e os números dispostos nos estudos
quantitativos anteriormente comentados nos conduz a repensar a visão do senso comum que
entende tecnologia e velhice como noções dissonantes. Mais do que uma questão de aceitação
ou rejeição por parte dos idosos, a adoção de dispositivos inteligentes em sua vida cotidiana
preza pelo sentido e pela praticidade que estes aparelhos, entre os quais o smartphone se
destaca, emprestam ao cotidiano.
Estudos com idosos europeus como os de Fernández-Ardèvol e Prieto (2012) e
Rosales e Fernández-Ardèvol (2016) tratam desta questão e reforçam a ideia de que os
smartphones tem exercido um papel crescentemente central na vida dos idosos. Seus usos
diferem dos realizados pelos jovens, mas, não são menos diversificados, incluindo atividades
como o gerenciamento de informações pessoais, o contato com familiares e amigos; o acesso
às informações sobre o clima e a temperatura, jogos e entretenimento. Com hábitos altamente
52
No original: “(...) an opportunity to participate more fully as citizens and to have a more satisfying social and
leisure life.” 53
No original: “ICTs have the ability to diminish the social isolation of those who are retired and increase the
social “connectedness‟.”
52
individualizados, os respondentes destas pesquisas demonstram que o uso de seus
smartphones deve atender suas necessidades e estilos de vida e que, mais do que ideológica, a
rejeição aos aparelhos se deve a questões de avaliação da relação custo-benefício do
dispositivo, ou seja, seguindo uma racionalidade do ponto de vista econômico.
A partir do aporte teórico abarcado nos dois capítulos iniciais desta dissertação,
passaremos a seguir, no capítulo 3, a discutir a pesquisa empírica desenvolvida, cujo objetivo
foi compreender como os smartphones inserem-se no cotidiano de mulheres entre 60 e 80
anos, de classe média e média alta, residentes na cidade de São Paulo.
3. O Envelhecimento Conectado – Pesquisa Empírica
“Ele é meu amigo.”
A partir desta frase, a pesquisa empírica desta dissertação começou a tomar forma.
Trata-se de afirmativa feita por Ana54
, 74 anos, viúva de classe média alta, moradora da
cidade de São Paulo, durante entrevista realizada em junho de 2016, quando perguntada sobre
como o smartphone se integra em seu cotidiano.
Inicialmente desenhada para abordar a presença dos idosos nas redes sociais digitais,
esta dissertação e a pesquisa empírica que ela apresentará neste capítulo direcionou-se a um
novo caminho a partir das palavras de Ana. A forma como a idosa descortinou a presença
expressiva do dispositivo tecnológico em seu dia a dia inspirou este estudo que se redefiniu
para buscar ampliar a compreensão das imbricações entre idosos e suas práticas de consumo
de dispositivos digitais, especificamente, de smartphones.
Partindo da noção desenvolvida no Capítulo 2 de que tecnologia e velhice são palavras
que, no vocabulário do senso comum, não podem ou não devem andar juntas, este trabalho
propõe uma visão na contramão a partir da hipótese de que o envolvimento e as práticas de
consumo dos adultos mais velhos com relação aos dispositivos digitais ainda são pouco
visíveis à sociedade.
Versando sobre o tema do consumo de smartphones por mulheres acima dos 60 anos
residentes na cidade de São Paulo, pretende-se averiguar o status do smartphone na vida
cotidiana destas pessoas, ao examinar como e em qual extensão o dispositivo se destaca como
meio de comunicação deste público.
54
Nome fictício
53
Realizada em duas etapas, com apoio de insumos iniciais coletados em junho de 2016,
a presente pesquisa mapeou a presença dos smartphones no cotidiano dos entrevistados. Na
primeira etapa, por meio da aplicação de survey online que contou com a participação de mais
de 100 respondentes, além de entrevistas com pessoas selecionadas, levantou-se dados que,
em uma segunda etapa, foram analisados à luz dos aportes teóricos abordados nos capítulos
anteriores, dando corpo à realização de uma análise crítica. Com este estudo, pretendemos
responder a duas questões de pesquisa: com que finalidade e de que modo os smartphones são
consumidos por senhoras idosas? Qual o status do smartphone como meio de comunicação
deste público com seus amigos, familiares e com o mundo ao seu redor?
Dividido em quatro partes, este capítulo abordará o caminho científico percorrido: a) a
pesquisa – na qual são destacados o tema, os objetivos e os problemas de pesquisa; b) a
definição do corpus – onde são abordadas as decisões que embasaram a definição do corpus
de pesquisa; c) os procedimentos de pesquisa – onde é detalhado o caminho metodológico
percorrido; e, por fim, d) a análise crítica e pontos relevantes a destacar - onde, à luz da teoria
aportada nos capítulos iniciais, os resultados empíricos obtidos são discutidos e destacados os
pontos relevantes observados.
3.1 A pesquisa
Ao longo desta dissertação, tem-se discorrido sobre o processo de envelhecimento e os
seus desdobramentos sobre cultura, sociedade e economia, as práticas de consumo e as
representações midiáticas na contemporaneidade. Também se discutiu a sociedade em
transformação a partir do paradigma tecnológico e os objetos sociotécnicos nas relações
humanas e na esfera do consumo. Esta pesquisa se propõe a realizar um entrecruzamento
destas perspectivas para averiguar o imbricamento da velhice com a tecnologia.
Para tanto, tomamos como tema o consumo de smartphones por um grupo de mulheres
idosas de São Paulo. Parte-se do pressuposto que o dispositivo tecnológico é um elemento
facilitador de suas conexões com o mundo e as pessoas ao seu redor, permitindo-lhes
expressar visões e expectativas de vida ao refletirem sobre si mesmas e sobre a
contemporaneidade.
Eleito como objeto empírico desta pesquisa, atualmente, no Brasil, são mais de 198
milhões são smartphones. As expectativas deste mercado preveem que o país terá mais de 236
milhões destes aparelhos no início de 2019. Estes números impressionantes reforçam a ideia
do smartphone como um objeto de desejo da sociedade brasileira, destacando-o como um
54
instrumento que marca a construção de novos modos de viver. Uma breve observação em
locais públicos pode nos levar a refletir o quanto este aparelho está presente no cotidiano das
pessoas. Neste contexto, os idosos também se inserem como consumidores, buscando acesso
crescente ao tipo de funcionalidades e à mobilidade que o smartphone oferece.
A experiência da pesquisadora como docente dos cursos abertos à Maturidade da
PUC-SP55
, da UNIP56
em Barueri e da UniSantanna57
, ministrando desde 2013 a disciplina
“Tecnologia, Comunicação e Relações Humanas” aponta para a observação do quanto os
smartphones têm se tornado relevantes como elemento de conexão entre mulheres mais
velhas e o mundo ao seu redor. Mais do que isso, em alguns casos também se apresentando
como elemento de diferenciação na comparação com outras mulheres de mesma faixa etária e
como elemento de interação entre gerações.
Assim, para esta pesquisa de mestrado, toma-se como objetivo principal conhecer os
modos de interação de mulheres de 60 a 80 anos com os smartphones, e a apropriação do
dispositivo inteligente em seu cotidiano como meio de comunicação e conexão com família e
amigos. Com isso, visa-se a contribuir com a quebra da noção, a nosso ver equivocada, de que
tecnologia seria um atributo exclusivo dos mais jovens.
Entende-se que a ampliação do conhecimento em torno das práticas de consumo deste
dispositivo e as atribuições de sentido a ele associadas beneficia o campo da Comunicação ao
trazer à luz o entendimento sobre como a crescente digitalização da cultura vem
reconfigurando o cotidiano e as práticas comunicacionais e de consumo que envolvem o
grupo etário formado por mulheres mais velhas, as quais ainda não são totalmente visíveis à
sociedade sendo, assim, passíveis de pré-conceitos negativos estimulados por um viés
idadista, ou seja, discriminatório em relação ao velho, e pelo desconhecimento da apropriação
que este grupo etário faz do smartphone.
Com isto, apresenta-se o problema de pesquisa que se traduz em dois aspectos: quais
são as formas e as finalidades com que os smartphones são consumidos por mulheres na faixa
etária de 60 a 80 anos; e de que forma o dispositivo se insere no cotidiano deste grupo como
meio de comunicação.
55
PUC – SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entidade particular de ensino superior que também
oferece nos campi Monte Alegre e Ipiranga cursos de atualização e extensão para pessoas acima dos 60 anos. 56
UNIP – Universidade Paulista. Trata-se de instituição particular de ensino superior que em seu Campus
Barueri disponibiliza curso de educação continuada à Maturidade, direcionado a pessoas com mais de 60 anos. 57
A UniSantanna, localizada na Zona Norte de São Paulo, é uma instituição particular de ensino superior que
oferece o curso Universidade Sênior, de atualização e extensão direcionado a pessoas acima dos 60 anos.
55
3.2 A definição do corpus
A definição do corpus de pesquisa valeu-se da experiência da pesquisadora como
docente dos programas de extensão cultural para a maturidade. Também, se constituiu fator
determinante, os resultados obtidos em pesquisa exploratória realizada no âmbito da
disciplina Metodologia Científica do PPGCOM ESPM, em junho de 2016.
Com o objetivo inicial de abordar a presença de mulheres de 60 a 80 anos nas redes
sociais digitais, no período de 01 a 09 de junho de 2016 a pesquisa exploratória ouviu quatro
mulheres de classes média e média alta, nesta faixa etária e residentes na cidade de São Paulo.
As entrevistadas foram escolhidas entre as alunas pertencentes à primeira turma a quem a
pesquisadora ministrou o módulo “Tecnologia, Comunicação e Relações Humanas”, tendo em
vista sua participação em sala de aula, assim como o interesse demonstrado pelo tema e a
disposição para falar a respeito. Em encontros com duração média de 1 hora e meia, as
entrevistadas ampliaram a discussão inicialmente proposta, passando a abarcar outros
aspectos de suas práticas de consumo dos smartphones, trazendo à luz pontos de interesse que
passaram a nortear o processo de pesquisa.
A partir dos insumos iniciais coletados na pesquisa exploratória citada acima,
delineou-se uma survey online, aplicada no período de 26 de junho a 31 de julho de 2017, por
meio de questionário estruturado e aberto ao público geral disponibilizado pelo aplicativo
Google Forms. A divulgação deste questionário contou com envio para mailing específico de
alunos dos cursos voltados à maturidade da PUC-SP, da UNIP-Barueri e da UniSantanna,
além de postagens realizadas nas páginas pessoais do Facebook da pesquisadora e da
orientadora desta pesquisa, assim como na página oficial do PPGCOM ESPM.
Foram recebidas 117 respostas no período definido para a coleta de dados, as quais
permitiram um mapeamento inicial das práticas de consumo de smartphones do público em
geral. Entre as finalidades para o consumo mais citadas, destacam-se: a) ter acesso à internet,
com 52,7% das respostas e b) para ter um meio de comunicação com a família e amigos, com
50% das respostas.
Na etapa seguinte, foram realizadas 18 entrevistas cujo objetivo foi aprofundar a
investigação sobre as experiências de consumo dos respondentes com smartphones e o status
que estes dispositivos possuem como meio de comunicação deste público. Realizados no
período de 01 de outubro a 05 de dezembro de 2017, estes encontros tiveram duração média
56
de 30 minutos, sendo obtido, ao todo, aproximadamente 09 horas de entrevistas. Os
respondentes foram divididos em 06 categorias diferentes:
Mulheres Nº de Respondentes Homens Nº de Respondentes
De 35 a 45 anos 04 respondentes De 35 a 45 anos 02 respondentes
De 60 a 70 anos 04 respondentes De 60 a 70 anos 02 respondentes
De 71 a 80 anos 04 respondentes De 71 a 80 anos 02 respondentes
A distribuição do número de respondentes em cada categoria seguiu critérios que
incluíram duas variáveis principais: gênero e faixa etária. Assim, tendo como objeto principal
de estudo mulheres entre 60 e 80 anos, este grupo destaca-se como o principal respondente.
Contudo, entendendo que gênero e faixa etária poderiam configurar variáveis que
influenciassem os resultados obtidos, optou-se por realizar pesquisas com grupos de controle
compostos por homens e também por mulheres mais jovens.
Outra variável determinante aplicada tanto às entrevistas individuais quanto à
sondagem online foi a designação de classe social à qual pertencem os respondentes.
Tratando-se de um levantamento que visa à coleta de dados referentes a pessoas das classes
média e média alta, adotamos o critério de Classificação Econômica Brasil da ABEP –
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, do ano 2015, com revisão para 2016, sendo
conforme segue:
Estrato Socioeconômico Renda Familiar
A Acima de R$ 9.255,00
B1 De R$ 4.853,00 a R$9.254,00
B2 De R$ 2.706,00 a R$ 4.852,00
C1 De R$ 1.626,00 a R$ 2.705,00
C2 De R$ 769,00 a R$ 1.625,00
D - E Até R$ 768,00
57
Os valores utilizados pela ABEP para realizar a tabela acima são baseados no PNAD58
2014, sendo adotados como classes média e média alta os estratos correspondentes às letras A
e B1. Assim sendo, o público definido para esta pesquisa deveria possuir renda familiar
mínima de R$ 4.853,00.
O corpo de entrevistados selecionados foi composto por alunas dos cursos
direcionados à maturidade nos quais a pesquisadora leciona, pessoas da esfera de
relacionamento pessoal e profissional da pesquisadora, assim como algumas pessoas
indicadas pelos próprios entrevistados. Optou-se por abordar novamente as quatro mulheres
que participaram da pesquisa exploratória de junho de 2016 visando a aprofundar as questões
levantadas na ocasião sobre suas práticas de consumo de smartphones que, por fim,
suscitaram o redirecionamento da pesquisa do presente curso de mestrado.
Torna-se necessário salientar, também, que a proximidade de relacionamento,
especialmente com as alunas da PUC, tornou possível a realização de entrevistas nas quais a
abertura para a discussão ampla e desinibida dos temas mostrou-se benéfica para o alcance
dos objetivos traçados. Além disso, tendo em vista a opção por realizar um número maior de
entrevistas, visto entender-se que um número maior de entrevistados permitiria uma visão
mais ampla do assunto em estudo, optou-se pela proximidade relacional como forma de
superar as barreiras de agendamento que se apresentaram ao longo do processo. Tais barreiras
também influíram na duração do período de coleta de dados, estendendo-o um pouco além do
tempo inicialmente esperado de um mês.
Desse modo, todos os entrevistados são residentes da cidade de São Paulo. Todos os
homens respondentes são casados, com curso superior completo e histórico de atividade
profissional remunerada (alguns ainda em atividade e outros aposentados). Entre as mulheres
respondentes, os estados civis variam entre casadas, divorciadas e viúvas. Três mulheres na
faixa etária de 35 a 45 anos são casadas, uma é solteira e vive só. Todas possuem atividade
profissional remunerada. Entre as mulheres de 60 a 70 anos, duas são viúvas e duas são
casadas. Todas possuem curso superior completo e já exerceram atividade profissional
remunerada. Por sua vez, entre as mulheres de 71 a 80 anos, duas são casadas, uma é viúva e
uma divorciada. Duas jamais exerceram atividade profissional remunerada, sendo as duas
restantes atualmente aposentadas.
58
PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios. Realizada pelo IBGE, obtém informações anuais sobre
características demográficas e socioeconômicas da população, como sexo, idade, educação, trabalho e
rendimento, e características dos domicílios.
58
3.3 Procedimentos metodológicos
Realizadas entre 01 e 09 de junho de 2016, as entrevistas que perfizeram o estudo
exploratório com o qual iniciamos esta pesquisa empírica tiveram duração média de uma
hora. Duas delas aconteceram na casa das entrevistadas e duas em um café localizado na Rua
Monte Alegre, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, onde fica a PUC-SP.
A opção por receber a pesquisadora em sua casa foi por sugestão das mulheres, pela
conveniência e também por considerarem o ambiente mais calmo e propício para uma
conversa mais aprofundada, sendo uma das entrevistas realizada na parte da manhã e a outra,
no final da tarde. Por sua vez, as outras duas entrevistadas preferiram a opção dada pela
pesquisadora de se encontrar em um café próximo à PUC-SP para um chá da tarde. Embora o
café estivesse com praticamente todas as suas mesas ocupadas, o ambiente não ofereceu
dificuldades para a conversa entre as partes e para a realização das entrevistas.
Um aspecto comum a todos os encontros foi a conversa amistosa inicial utilizada para,
como se diz popularmente, “colocar o papo em dia”. Neste ponto, faz-se relevante notar que o
relacionamento preexistente da pesquisadora com as entrevistadas, seja em sala de aula ou
mesmo pelo Facebook, constituiu-se um desafio no sentido do esforço empregado pela
pesquisadora para manter uma postura que não interferisse no processo de entrevista ou que
levasse à condução das respostas dadas pelas entrevistadas. Apoiando-se no aporte teórico de
Bordieu (1998) que pondera,
Sem dúvida a interrogação científica exclui por definição a intenção de
exercer qualquer forma de violência simbólica capaz de afetar as repostas;
acontece, entretanto, que nesses assuntos não se pode confiar somente na boa
vontade, porque todo tipo de distorções estão inscritas na própria estrutura
da relação de pesquisa, Estas distorções devem ser reconhecidas e
dominadas; e isso na própria realização de uma prática que pode ser refletida
e metódica, sem ser a aplicação de um método ou a colocação em prática de
uma reflexão teórica. Só a reflexividade, que é sinônimo de método, mas
uma reflexividade reflexa, baseada num “trabalho”, num “olho” sociológico,
permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os
efeitos da estrutura social na qual ela se realiza. (BORDIEU, 1998, p. 694,
grifo no original)
A pesquisadora utilizou-se do momento inicial dos encontros para realizar uma aproximação
que superasse o distanciamento hierárquico entre professora e alunas, estimulando um clima
de igualdade que favorecesse a reflexão e a liberdade para as repostas. Contudo, esta
aproximação foi feita de forma cuidadosa para que, por outro lado, não houvesse excesso de
descontração, o que também poderia prejudicar a coleta de dados.
59
Outro ponto digno de menção envolve as características pessoais das entrevistadas,
uma das quais teve maior dificuldade em concentrar-se e discorrer espontaneamente sobre o
assunto, sendo necessária maior intervenção da pesquisadora com a inflexão de perguntas de
forma mais frequente para estímulo à reflexão e conclusão da entrevistada.
As entrevistadas são mulheres brancas pertencentes às classes média e média alta,
moradoras do bairro de Perdizes em São Paulo. Suas idades variavam à época da entrevista
entre 61 e 77 anos. Três das entrevistadas possuem curso superior completo, tendo realizado
atividade profissional remunerada, uma delas como professora e as demais como empresárias
em empresas de micro e pequeno porte. A quarta entrevistada não possui curso superior
completo e teve como atividade principal as prendas do lar. Com casamentos duradouros,
todos acima de 30 anos, estas mulheres possuem na família uma referência de grande
relevância em sua vida, tendo reportado com frequência, ao longo das entrevistas, situações
nas quais as relações familiares se sobressaem. Como nota ao perfil das entrevistadas,
considera-se relevante informar que duas pertencem à comunidade judaica de São Paulo,
sendo bastante ativas na propagação de informações sobre Israel e os interesses que
concernem ao povo judeu.
No roteiro de perguntas proposto, oito pontos foram traçados como norteadores, sendo
eles: a) histórico de participação no Facebook; b) uma avaliação da evolução da participação
ao longo dos últimos 03 anos (mesmo período em que as entrevistadas tiveram aula com a
pesquisadora); c) qual a influência das aulas no interesse e no domínio da participação nas
redes sociais online e, particularmente, no Facebook; d) como enxergam a produção de
conteúdo dentro da rede social online; e) se experimentam algum tipo de censura em sua
participação; f) se costumam utilizar a rede como espaço para expressão pessoal; g) se a rede
possui importância no estabelecimento das relações em família e, por fim, h) como enxergam
as oportunidades de travar/consolidar relações entre gerações por meio das redes sociais
online. Neste ponto é importante ressaltar que o roteiro de perguntas refletia a opção temática
realizada na ocasião, ou seja, a presença de idosos nas redes sociais digitais. Tema este que,
em virtude dos resultados obtidos com esta pesquisa exploratória, derivou-se para a atual
dissertação.
Como uma pesquisa de natureza exploratória, buscou-se abrir espaço para a fala
desinibida das respondentes, visando a obter o máximo de dados possíveis sobre suas formas
de relacionamento com a vida digital. Afinal, como nas palavras de Deslauriers e Kérisit
(2014, p. 130), “uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória possibilita familiarizar-se
60
com as pessoas e suas preocupações. Ela também pode servir para determinar os impasses e
os bloqueios, capazes de travar um projeto de pesquisa em grande escala”.
Ainda, como o roteiro de perguntas transitava por questões sobre como determinadas
situações se apresentavam perante as entrevistadas, associou-se um caráter descritivo à
pesquisa, no qual se colocou “a questão dos mecanismos e dos atores (o „como‟ e o „o quê‟
dos fenômenos)”, os quais “por meio da precisão dos detalhes” fornecem “informações
contextuais que podem servir de base para pesquisas explicativas mais desenvolvidas”.
(DESLAURIERS e KÉRISIT, 2014, p. 130, grifo no original). Ao trazer à tona pontos
relevantes sobre as práticas de consumo de smartphones pelas entrevistadas, a análise dos
dados coletados nesta pesquisa exploratória foi utilizada como referência para o
redirecionamento do projeto de pesquisa e a consecução da sondagem online e das entrevistas
individuais que, assim como exposto acima por Deslauriers e Kérisit (2014), fornecem o
ponto de partida que deu conta da relevância do smartphone na vida cotidiana destas
mulheres.
A sondagem online desenvolvida a partir dos resultados obtidos na pesquisa
exploratória esteve disponível para resposta de 26 de junho a 31 de julho de 2017. Por meio
de formulário criado no aplicativo Google Forms foram feitas 12 perguntas, entre abertas e
fechadas, que buscaram mapear a presença do smartphone no cotidiano das pessoas. A
princípio pensada para ser realizada somente com mulheres de 60 a 80 anos, esta sondagem
foi aberta ao público em geral, na expectativa que os dados coletados pudessem trazer
achados que contribuíssem para a discussão da influência das variáveis gênero e idade nos
resultados obtidos.
A opção por utilizar um questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas
deu-se com o intento de permitir que o respondente se sentisse livre e estimulado a discorrer
com um pouco mais de detalhes sobre suas práticas de consumo dos smartphones. Assim,
foram inseridas perguntas como: a) quais são os usos que faz do smartphone? e b) o que lhe
deixa satisfeito com seu smartphone?, bem como um espaço final para comentários,.
Ao todo, a sondagem online obteve 117 respostas. Os pontos relevantes verificados
foram utilizados como referência para o planejamento das entrevistas individuais.
Realizadas entre 01 de outubro e 05 de dezembro de 2017, as entrevistas foram feitas a
partir da livre adesão dos participantes. A divulgação do pedido de colaboração com a
pesquisa se deu junto a mailing especifico de alunos das instituições nas quais a pesquisadora
61
leciona e em sua página pessoal do Facebook, visando a alcançar pessoas de seu
relacionamento pessoal e profissional. Os critérios de seleção dos entrevistados levaram em
consideração a faixa etária, o gênero e o estrato socioeconômico ao qual pertencem.
Os contatos tiveram duração média de meia hora e foram orientados a partir de
instrumento semiestruturado, cuidadosamente delimitado com o objetivo de criar o ambiente
propício para a abordagem dos principais pontos a serem verificados, buscando minimizar
eventuais desvios que interferissem com as respostas dadas pelos participantes. Como bem
apontado por Poupart (2014), a entrevista como instrumento de coleta de dados carrega em
seu bojo um lado positivo e um lado perverso. Se, de um lado, “a possibilidade de interrogar
os atores e utilizá-los enquanto recurso para a compreensão das realidades sociais é uma das
grandes vantagens das ciências sociais sobre as ciências da natureza”, de outro lado, as
entrevistas de tipo qualitativo podem ser fonte de controvérsias, pois “o risco é grande de ver
a ciência confundir as interpretações que os atores dão da realidade com a realidade tal e
qual” (POUPART, 2014, p. 215).
Em consequência, optou-se por realizar os contatos pessoalmente, com o objetivo de
mitigar os impactos da comunicação tecnologicamente mediada sobre entrevistados e a
pesquisadora. Assim, em sua maioria, 14 contatos, eles foram realizados na casa dos
entrevistados (a convite dos mesmos), em seu local de trabalho ou em ambientes públicos
(cafés, universidades e shopping center). Entretanto, quatro entrevistas foram realizadas com
a utilização do aplicativo Skype, em função de sua melhor adaptação à disponibilidade de
horário dos respondentes. Embora os locais de aplicação da entrevista tenham sido variados,
nenhum deles apresentou-se como impeditivo à realização de um encontro produtivo que
pudesse ser incorporado plenamente a esta pesquisa.
Como comentado anteriormente, a conciliação de agendas entre entrevistados e a
pesquisadora constitui-se um desafio a mais. Em alguns casos, os encontros foram marcados,
desmarcados e reagendados mais de duas vezes e, alguns tiveram que ser adiados por mais de
duas semanas.
Do ponto de vista relacional, deve-se ressaltar que a proximidade e conhecimento
prévio da pesquisadora com a maioria dos respondentes facilitou a realização das entrevistas
em clima de descontração e liberdade, favorecendo a adoção de uma atitude de boa vontade e
confiança para a reflexão sobre o tema tratado. Porquanto esta proximidade pudesse oferecer
alguns riscos como a dispersão da entrevista para conversas paralelas ou para, em um único
caso, a atitude de aguardar que a entrevistadora pudesse ajudar no processo de verbalização de
62
suas ideias, ela, na maioria dos casos contribuiu com o estabelecimento de rapport59
entre as
partes.
Faz-se necessário também ressaltar que dois entrevistados, homens, um na faixa de 35
a 45 anos e outro na faixa de 60 a 70 anos, são profissionais que atuam na área de Tecnologia
da Informação, cuja formação acadêmica e a vivência diária no que diz respeito ao uso de
dispositivos tecnológicos poderiam classificá-los como, utilizando-se de termo empregado no
Marketing, heavy users, ou seja, usuários altamente engajados com o produto e com alto nível
de interação. Antes de considerar este aspecto um ponto negativo para o processo de análise
dos dados coletados, considera-se que suas respostas podem apontar padrões de consumo de
smartphones que podem ser utilizados na comparação com os demais entrevistados.
Denzin e Lincoln (2006) nos ensinam que
Como bricouler ou confeccionador de colchas, o pesquisador qualitativo
utiliza as ferramentas estéticas e materiais de seu ofício empregando
efetivamente qualquer estratégia, métodos ou materiais empíricos que
estejam ao seu alcance (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 18).
Neste sentido, lançando mão de recursos que nos permitam mergulhar intensamente
nos dados coletados, a segunda etapa desta pesquisa é fundada em uma análise crítica de
cunho cultural que, subsidiada pela extensa revisão bibliográfica apresentada nos capítulos
iniciais desta dissertação, será a base para a construção de uma discussão de base qualitativa
que permita adensar as reflexões sobre as interfaces comunicação-consumo em relação aos
velhos em suas interações com os dispositivos de comunicação inteligentes. Nesta etapa,
objetiva-se estabelecer um diálogo entre os dados coletados e teorias já legitimadas como
alicerce para a construção de um pensamento analítico que permita responder os problemas de
pesquisa apresentados, quais sejam: a) como e para que os smartphones são consumidos por
mulheres de 60 a 80 anos? e b) Qual o status do smartphone como meio de comunicação deste
público?
3.4 Análise e Pontos a Destacar
Iniciamos esta dissertação trazendo uma provocação ao senso comum que percebe
tecnologia e velhice como noções dissonantes. Nosso questionamento insere-se no âmbito de
uma visão anti-idadista, contrária ao preconceito dirigido ao velho. Buscamos desconstruir
conceitos preestabelecidos que reputam aos jovens maior proximidade e interesse pelas
59
Termo da Psicologia que designa o estabelecimento de uma relação harmoniosa e empática entre partes de um
relacionamento ou conversa.
63
inovações tecnológicas e maior habilidade no manuseio e apropriação dos dispositivos
digitais em seu cotidiano.
Esta parte apresenta uma reflexão sobre os resultados obtidos na coleta de dados, os
quais são articulados à revisão bibliográfica apresentada nos dois primeiros capítulos desta
dissertação, apoiando-se nos eixos: cibercultura; estudos do envelhecimento e das interfaces
comunicação e consumo.
3.4.1 O envelhecimento conectado
Com frequência, os velhos são retratados como usuários pouco afeitos à inovação
tecnológica ou aos dispositivos digitais. Em muitos casos, esse retrato se baseia na
representação de indivíduos inábeis e com atitude refratária, absolutamente avessa e pouco
amistosa em relação às novas tecnologias. O argumento disseminado por essas
representações, como esboçado acima, nasce da concepção de que cabe exclusivamente aos
mais jovens a proximidade com o mundo digital. Porém, faz-se importante notar que associar
tecnologia a um grupo etário específico tende a contribuir com a manutenção de uma visão
estreita e equivocada das possibilidades que cercam o tema.
É possível afirmar que o velho do século XXI não é um completo estranho no que
tange às novas tecnologias. Pessoas nascidas na primeira metade do século XX, hoje com 70,
80 ou 90 anos, foram testemunhas de grandes avanços tecnológicos e alguns dos momentos
mais marcantes da Humanidade. Elas viram o homem conquistar as fronteiras do próprio
planeta Terra e chegar à Lua! Essas pessoas cresceram com acesso ao rádio, ao telefone, ao
cinema e à televisão, tornando suas experiências com novas formas de comunicação algo
natural em suas vidas. Nas palavras de Christensen e Petersen (2017, p. 03, tradução nossa) 60
Os mais velhos de hoje cresceram com o radio, a televisão e a mídia
impressa, tais como jornais e revistas, e nos seus anos de velhice estão
encarando os desafios da nova mídia digital, tais como computadores e
telefones celulares. Assim como pessoas em outros grupos etários, muitos
velhos possuem um computador, um tablet ou um smartphone, e os utilizam
para diversos propósitos – dentre eles para a manutenção de seu círculo
social com famílias e amigos, mas também, para entretenimento,
experiências culturais e para ter contato, por exemplo, com as autoridades de
60
No original: “Older people of today grew up with radio, television and print media, such as newspapers and
magazines, and in their later years they are faced with the challenges of new digital media, such as computers
and mobile phones. Like people in other age groups, many older people own a computer, a tablet or a
smartphone, and they use them for many purposes – not least for maintaning their social network of family and
friends, for entertainment, cultural experiences and for having contact with for example, health autothorities,
their bank or the library. For this group of older people, such media are a completely natural development”.
64
saúde, seu banco ou sua biblioteca. Para este grupo de adultos mais velhos,
tal mídia é um desenvolvimento completamente natural.
Se a integração dos velhos com as novas tecnologias de informação e comunicação
pode ser considerada consequência do processo que tem enriquecido a experiência humana,
torna-se legítimo indagar quais são os desafios que encontram os adultos mais velhos no que
tange à adoção das mais recentes inovações digitais. Para tal questionamento, uma das
respostas que se apresenta está calcada no senso de praticidade que este grupo etário emprega
para qualificar as contribuições das novas mídias e dos dispositivos inteligentes da era digital
ao seu cotidiano, destacando a importância do contexto e as circunstâncias de vida na
aplicabilidade destes artefatos como ferramentas de interação e comunicação. Ao que
Christensen e Petersen (2017, p. 04, tradução nossa, grifos no original)61
apontam, ao falar
sobre as novas mídias digitais e o emprego de dispositivos tecnológicos na vida diária,
as mídias também possuem um papel importante na vida cotidiana de
indivíduos mais velhos, uma vez que elas ajudam a estruturar as práticas e
rotinas diárias e influenciam como os idosos se relacionam com outras
pessoas e interagem em atividades sociais e de comunicação. As mídias
asseguram que a comunicação e a interação social aconteçam, e influenciam
como elas acontecem. Particularmente, a proliferação de tecnologias móveis
de uso pessoal desempenhou um papel crucial ao promover mudanças tanto
no âmbito da sociedade como no âmbito individual do usuário mais velho.
As observações feitas pelas autoras encontram eco na sondagem online realizada como
parte da coleta de dados para a pesquisa que dá corpo a esta dissertação. Ao todo, em 35 dias,
foram respondidos 117 questionários. Deste número, somente sete pessoas responderam não
possuir um smartphone, ou seja, apenas 06% dos respondentes. Todos os demais afirmaram
possuir um dispositivo inteligente.
Alguns dos respondentes se apresentaram como entusiastas da tecnologia, por
exemplo, afirmando: “Para mim, é fundamental. Atualmente, não vivo sem”. A responsável
por esta afirmação, mulher entre 60 e 65 anos com pós-graduação e pertencente ao estrato
socioeconômico A1, possui seu smartphone há mais de 02 anos. Para ela, a rapidez e a
memória do equipamento são fatores que a deixam satisfeita, encontrando na interface de tela
61
No original: “media also play an important role in everyday life of older individuals as they co-structure
everyday practices and routines and influence how older people relate to the other people and interact in
communicative and other social activities. Media ensure that communication and social interaction take place,
and influence how they take place. In particular, the proliferation of personal and mobile media technologies
has played a crucial role in bringing about changes at both level of society and at the level of individual older
media user”.
65
e teclado com o usuário, a duração da bateria e a memória oportunidades para melhoria do
aparelho. Ao descrever os usos que faz de seu smartphone, a respondente afirmou utilizar
para os mais variados fins, desde o acesso às redes sociais à visualização e acompanhamento
de notícias e à leitura em geral, até ferramentas de entretenimento e aplicativos de
geolocalização. Suas repostas configuram um bom exemplo do uso eclético dado aos
dispositivos inteligentes e da penetração que possuem no cotidiano das pessoas que, da
organização da vida prática diária ao entretenimento e às relações pessoais, se apoiam no
smartphone como ferramenta de comunicação e interação com o mundo ao redor.
Da mesma forma, é marcante notar em alguns casos que, tendo sido presenteado ao
respondente, o smartphone tornou-se ferramenta vital. Uma das respondentes, com menos de
60 anos e que possui seu smartphone há um ano e meio, ressalta: “É um equipamento
indispensável em minha vida. Uso diariamente, inclusive em meu trabalho.”.
A reflexão sobre as respostas dadas por estas duas mulheres pode ser confrontada com
entrevista pessoal dada por Helena62
, casada, 79 anos, historiadora, professora aposentada.
Em um encontro de quase uma hora, Helena discorreu com facilidade sobre a incorporação do
smartphone em seu cotidiano. Presenteada pelos filhos, que viam no aparelho uma forma de
contato rápido com os pais já idosos, Helena abriu-se à novidade. Hoje, segundo afirma, o
dispositivo faz parte de seu dia, acompanhando-a em suas atividades e promovendo formas de
interação mais frequente e rápida com família e amigos. Com uso bastante eclético, Helena vê
no artefato um facilitador para sua vida diária, utilizando-o para realizar transações bancárias
e compras, além de ser uma ferramenta de entretenimento e acesso às redes sociais,
atualização sobre as notícias da cidade, do país e do mundo; do bairro onde mora; dicas de
profissionais e prestadores de serviço. Participante de um grupo de doze amigas com idades
que variam dos 70 aos 90 anos, ela comenta que praticamente todas suas amigas possuem um
smartphone e o utilizam de forma diária: “Existe algumas (amigas) que não querem (utilizar o
smartphone), mas elas são exceção. A grande maioria quer (utilizar o smartphone).”, ao que
complementa “Deste grupo de doze (amigas), duas não têm (um smartphone). Uma tem 90
anos. (Ela) não quer. E a outra está beirando (esta idade). São as duas únicas que não querem.
Que não querem, que não sabem. Todas as outras têm (um smartphone).”. Helena conta que
este grupo se reúne mensalmente na casa de uma das participantes há muitos anos, mas, com a
integração do smartphone ao cotidiano destas mulheres, a proximidade aumentou
consideravelmente. Seus interesses envolvem das questões mais corriqueiras do dia a dia até a
62
Nome fictício
66
politica nacional e ela sente que o acesso às notícias via smartphone lhes permite estar sempre
atualizadas: “Estamos todas, assim, super atualizadas”.
A abordagem dos autores de referência que embasam esse estudo provoca a refletir
que envelhecer hoje passa também pela legitimação e pela autoexposição que a assimilação
das novas tecnologias digitais permite. Assim, em compasso com os resultados obtidos na
pesquisa empírica aqui relatada, notamos que a integração, dos smartphones no cotidiano dos
velhos não somente permite que um modo de viver prático e eficiente seja incorporado, mas
também cria uma plataforma ideal para uma conexão e identificação com o tempo presente,
com as práticas cotidianas que os inserem na sociedade e os identificam com as múltiplas
facetas que envolvem viver no século XXI, a partir das trocas dialógicas que o dispositivo
permite.
Assim, retomando a ideia inicial de Christesen e Petersen (2017) acima citados,
enxergamos o que estamos denominando nessa dissertação como a “velhice conectada” como
uma das formas de envelhecer que marcam o século XXI. A extensão de sua interação com
dispositivos móveis inteligentes é designada pelo universo aos quais estes idosos pertencem,
fazendo sentido a partir de sua história e de seus contextos de vida. Esta extensão é ainda
sintomática da forma como este grupo etário se coloca perante a sociedade, servindo como
ferramenta para reafirmar seu status e sua individualidade.
Sem sugerir generalizações, visto que a pesquisa realizada não possui rigor estatístico
na definição da amostra que nos permita extrapolar os resultados para um universo mais
amplo, podemos considerar que se trata de um indicativo de que o fator determinante para a
apropriação dos smartphones no cotidiano dos idosos não está ligado exclusivamente à
variável idade, mas que sofre influência de outros aspectos mais abrangentes. Alm, Gregor e
Newell (2002, p. 04, tradução nossa) 63
sugerem que, na apropriação de inovações
tecnológicas pelos idosos,
Indubitavelmente, o maior problema é a falta de confiança. Muitos, se não a
maioria, dos idosos que se deparam com tecnologias de informação pela
primeira vez, acreditam que será muito difícil acompanha-las em sua idade.
Esta crença é reforçada pela atitude de muitos jovens. A construção de
estereótipos negativos pode ter um sério efeito naqueles que estão sendo
estereotipados, assim como, sobre o resto de nós. Contudo, nós descobrimos
63
No original: “By far the biggest problem is a lack of confidence. Many if not most older people encountering
IT for the first time believe that it will all be far too difficult for them to make sense of at their age. This belief is
reinforced by the attitude of many younger people. Negative stereotyping of elderly people can have a serious
effect on those who are being stereotyped as well as the rest of us. However, we have found, (...) that once
confidence levels are built up, that rapid progress can be made.”
67
que (...), uma vez construídos níveis de confiança, progresso rápido pode ser
feito.
O pensamento dos autores nos convida à reflexão sobre como as representações
midiáticas e as formas de agenciamento da vida cotidiana podem interferir no processo de
apropriação tecnológica pelos idosos e em suas práticas de consumo de dispositivos móveis
inteligentes. Muitas vezes, as limitações não são dadas pelo indivíduo, mas pelo conjunto de
pressupostos em circulação no ambiente a ele, que rotulam os mais velhos como
incompetentes para o uso adequado das novas tecnologias. Tais pressupostos são absorvidos e
reproduzidos em suas práticas como um reflexo de um contexto socialmente construído,
também pelos discursos e imagens da mídia.
3.4.2 Grupo etário e background: comparando as implicações para as práticas de consumo
de smartphones
Conforme observa Galit Nimrod64
(2016), o uso de smartphones por idosos é
extensivo, porém o processo pelo qual este grupo etário os integra em seu cotidiano é ainda
pouco conhecido. Em estudo realizado pela internet no contexto do EU COST Action
ISO90665
, com 1.039 pessoas acima dos 60 anos, provenientes de nove países66
cujos dados
foram coletados no início de 2013, a pesquisadora notou que as práticas dos idosos
pesquisados quanto aos usos feitos de seus smartphones poderia sugerir a existência de uma
hierarquia no que tange à incorporação do aparelho no cotidiano dos pesquisados. Para ela, a
maior incorporação destes dispositivos na vida diária depende do histórico cultural e pessoal
do indivíduo. Neste sentido, o estudo em questão demonstrou que os idosos mais jovens, com
maior renda e com educação de nível superior tendem a adotar o smartphone de forma mais
ampla em seu cotidiano, utilizando-se dele de forma mais variada. O estudo chama a atenção
para a heterogeneidade dos modos de envelhecer, um ponto que já se trabalhou anteriormente
nessa dissertação e que, no entanto, é importante reafirmar. A pesquisa também sugere que os
idosos que ainda estão ativos no mercado de trabalho fazem um uso mais completo das
funções disponíveis.
Os achados relatados pela Dra. Nimrod são, em certo ponto, corroborados pelos
resultados obtidos na sondagem online e nas entrevistas pessoais realizadas neste presente
64
A Dra. Galit Nimrod é pesquisadora da Universidade Ben-Gurion de Negev, Israel. 65
Programa europeu de cooperação em ciência e tecnologia, voltado a coordenar e encorajar pesquisas nos temas
mídia e comunicação e sobre sua correlação com as áreas sociais, culturais e políticas da sociedade europeia. 66
Bélgica, Croácia, Dinamarca, Alemanha, Hungria, Israel. Itália, Polônia e Portugal
68
trabalho. Embora se saiba que os participantes do levantamento realizado no âmbito deste
trabalho possuem perfil socioeconômico, cultural e formação acadêmica parecidos,
posicionando-os como pessoas de maior renda e nível de educação, o que poderia se
configurar em certo viés, ainda se apresenta como possível uma comparação qualitativa dos
achados.
Entrevistado pessoalmente, João, 80 anos, casado, sociólogo, professor e coordenador
técnico em entidade particular de ensino superior, avaliou seu uso do smartphone como ideal
às suas necessidades, com maior motivação pelas contribuições do dispositivo às suas
atividades profissionais: “(O smartphone) facilita muito minha vida como professor, como
coordenador de curso, no contato com os professores. (O smartphone) foi uma coisa
extraordinária.”, ao que complementa, “para mim é um instrumento de uso profissional
excelente.”. Esta mesma motivação foi verbalizada entre entrevistados homens e mulheres
mais jovens (na faixa de 35 a 45 anos) que afirmam utilizar de forma intensa os dispositivos
móveis em sua vida profissional.
Da mesma forma, constatamos que as mulheres mais velhas também incorporam o
smartphone em seu cotidiano de forma plena. Não necessariamente pela via profissional, mas
como um grande facilitador da condução prática de seu dia a dia. Joana, 77 anos, afirma: “Eu
amo o celular (referindo-se ao smartphone). Eu faço tudo no celular.”. Ela sente-se orgulhosa
ao afirmar: “Tudo o que uma pessoa pode ter, eu uso tudo! Tudo, tudo, tudo.”. Para ela, o
dispositivo é crucial em sua vida: “Ai se eu fico sem celular! Eu sofro pra caramba, eu sinto
falta, né?” Seus usos são extensivos e incluem realizar transações bancárias. Estimulada por
seu filho a adquirir um smartphone durante uma viagem internacional há cerca de três anos,
Joana conta que o dispositivo tornou-se imprescindível, sendo ela capaz de dar meia volta ao
notar que saiu de casa sem ele. Independente e autônoma, Joana tem um histórico profissional
de trabalho e negócios no Brasil e também nos EUA. Embora não esteja ativa no mercado de
trabalho no momento, em ocasiões anteriores à entrevista pessoal realizada em novembro,
Joana já comentou com esta pesquisadora que mantém hábitos desta época em seu dia a dia67
.
Cruzando as palavras dos entrevistados e as impressões extraídas do estudo com
idosos europeus, é possível inferir que as práticas de consumo de smartphones são
influenciadas pelos contextos pessoais dos idosos. Em se tratando de pessoas com experiência
profissional de longa data, acesso a viagens nacionais e internacionais que conduzam a
67
Joana foi aluna desta pesquisadora em quatro ocasiões, o que justifica o conhecimento de detalhes que não se
encontram presentes na gravação da entrevista concedida.
69
padrões de consumo globalizados e trocas culturais intensas, estes idosos não se
circunscrevem às questões etárias para definir a extensão do uso dos dispositivos móveis
inteligentes. Quanto maior suas perspectivas pessoais e o acesso à informação, quer seja
devido à sua formação pessoal/profissional, ou devido ao padrão de vida que possuem, maior
facilidade e maior intimidade demonstram com o artefato tecnológico.
Uma vez mais, inferir que o grupo etário composto por idosos, ou mais
especificamente no âmbito deste trabalho, por idosas seria, por definição, avesso aos avanços
tecnológicos, sem levar em consideração os contextos que os englobam é incorrer no risco de
adotar uma postura preconceituosa, equivocada e inadequada.
3.4.3 Questões de gênero e diferenças nas formas de apropriação do smartphone
No capítulo 1 desta dissertação, abordamos a questão das diferenças nas formas de
envelhecer com relação ao gênero, a partir do aporte conceitual de Debert (2012), que
compreende que, no processo de envelhecimento feminino são abertas portas para novas
experiências e atuação social, quando a mulher se sente à vontade para descobrir novas
formas de viver e novos prazeres nos relacionamentos. Por outro lado, o envelhecimento
masculino implica em certa retração, que levaria o homem a isolar-se dentro de sua casa e a
experimentar a sensação de perda de poder, autonomia e significado social, devido à
aposentadoria.
Neste sentido, Hurd Clarke (2016, p. 154)68
aponta para as desigualdades que os
diferentes processos de envelhecimento de homens e mulheres podem gerar. Em entrevista
publicada pela revista Comunicação, Mídia e Consumo, a estudiosa aborda esta questão,
tomando como exemplo as demandas que tangem a aparência física de homens e mulheres
que envelhecem. Para ela, “existem fatores estruturais que afetam as mulheres e resultam do
idadismo. As mulheres vivem mais do que os homens e são definidas por sua aparência”.
Contudo, embora a abordagem proposta acima tenha como pano de fundo a aparência física e
a manutenção do corpo jovem e esbelto, este mesmo raciocínio pode ser extrapolado para
outras esferas da vida e pode se fazer presente como uma forma de pressão social para um
constante aprimoramento.
Helena, entrevistada já citada acima, foi uma das quatro pessoas a contribuir com a
pesquisa exploratória de junho de 2016, a qual ensejou o tema de discussão trazido para esta
68
A revista Comunicação, Mídia e Consumo é uma publicação do PPGCOM da ESPM SP.
70
dissertação. Naquela ocasião, uma de suas falas chamou a atenção no que diz respeito à forma
como as práticas de consumo de dispositivos móveis digitais podem atuar como um elemento
diferenciador dentro do grupo etário. Ao comparar seu comportamento com a “outra avó” de
sua neta pré-adolescente, ela frisou: “A outra avó, nada! Ela nem sabe o que é. Ela (a neta) até
dá risada. Ela disse para a mãe que ela quer “a face do book”, sabe assim. Mas eu, não. Eu,
eles acham que eu...” Nas entrelinhas de sua fala, percebe-se certa urgência e busca de se
manter atualizada, seja como forma de promoção de integração intergeracional, seja como
afirmação de sua própria imagem de “avó bacana” em tempos de aceleração do processo de
renovação tecnológica. Suas palavras também se voltaram a uma breve comparação com a
atitude do marido que, com mais de 80 anos e com a saúde um pouco debilitada, foi descrito
como mais alheio às práticas de consumo que envolvem os smartphones.
Outras entrevistas também reforçam a postura feminina de expansão social e contatos,
apontando a importância do smartphone como elemento articulador deste processo. Ana,
viúva, 74 anos, esclarece o quanto o aparelho tornou-se presente em sua vida. É dela a frase
que sugere o título deste trabalho: “Eu sinto que (o smartphone) fez bem para minha velhice.
E agora, que eu estou sozinha, é um amigo que eu tenho.”. Entrevistada tanto na pesquisa
exploratória de junho de 2016, quanto em outubro de 2017, Helena conta que se utiliza do
smartphone para manter-se conectada aos amigos e familiares. Estando viúva há pouco mais
de dois anos, após um casamento de quase cinquenta, ela mantem seu smartphone ao seu lado
durante boa parte do dia: “Eu achava que (o smartphone) não era necessário. Hoje, eu não
vivo sem. Eu acordo, eu ligo.”, complementando: “Eu gosto. Eu curto. Eu sinto que ele é meu
amigo. Verdade!”. À noite, quando está só em sua casa, ela o deixa no colo ou na poltrona ao
seu lado, sempre a postos para uma postagem no Facebook, envio de uma mensagem via
WhatsApp ou pelo aplicativo Messenger. Ativa junto à comunidade judaica, na qual atua para
a disseminação cultural, e muito espiritualizada, ela entende que o smartphone é o dispositivo
ideal para desenvolver seus interesses e, por que não, disseminar um pouco do que acredita.
Autodidata, ela afirma ter “quebrado a cabeça” para aprender a lidar com o
dispositivo, eventualmente buscando ajuda do neto. Assim como Helena, Ana também vê na
habilidade em utilizar o smartphone uma forma de diferenciação dentro de seu grupo etário:
“Eu me achava o máximo porque conseguia mexer (no aparelho).”. Em outro momento da
entrevista, ela explica que se sente “mais humana” e melhor preparada para interagir com
outras pessoas a partir do smartphone, que ela apresenta como um elemento fundamental de
71
conexão. Dizendo-se um pouco tímida, ela sente que a interface promovida pelo aparelho a
desperta para formas mais produtivas e amplas de relacionamento:
Eu me sinto mais humanizada, mais evoluída, vamos dizer, para poder sair,
conversar com as pessoas. Eu acho que (o smartphone) me ajudou muito. Eu
sempre fui mais ou menos, um pouco mais tímida, mas isso me soltou muito.
Eu me sinto mais segura. (...) eu me sinto mais liberta, eu me sinto mais
segura. (...) principalmente agora que eu estou viúva e que eu tenho que
resolver as coisas, eu me sinto mais liberta para tudo e eu sinto que o celular
(falando sobre o smartphone) me ajudou. (...) eu desenvolvi mais meu
cérebro. Eu sei que se eu estou com 75 anos mexendo nisso...
As palavras e o entusiasmo demonstrado por Helena e Ana contrastam com as práticas
expressas pelos homens entrevistados. João69
, 72 anos, empresário recentemente aposentado,
começa nosso encontro declarando que possui grande interesse em novidades tecnológicas,
mas que acredita que os mais velhos têm dificuldade para fazer uso dos dispositivos em sua
totalidade de recursos. Para ele, o smartphone “entra na nossa vida por necessidade. Quer
dizer, você gostando ou não, não pode viver sem isso (o smartphone). Então, uns mais outros
menos, todos necessitamos disso”. João afirma que o smartphone foi entrando
“devagarzinho” em sua vida, começando com os primeiros telefones celulares e chegando aos
dias de hoje com o dispositivo móvel inteligente. Ele se apresenta como um early adopter70
tecnológico e entende que algumas dessas novidades nunca são usadas. Em fase de transição
da vida profissional ativa para a aposentadoria, ele declara que utiliza o smartphone para fins
profissionais em maior proporção, visto que ainda mantem negócios e interesses em
andamento. É interessante notar que durante sua entrevista, ele destaca o comportamento de
um cunhado que considera “impensável” para os dias de hoje: desligar o telefone por uma
semana inteira enquanto viaja e deixa-lo em sua residência.
Cheio de idiossincrasias, o ponto de vista de João reflete um pouco das diferenças que
abarcam o processo de envelhecimento conforme discutido acima a partir de Debert (2012) e
Hurd Clarke (2016). Em suas palavras e no seu tom de voz ao se expressar, transparecem
certos constrangimento e autocrítica. Seja pelo fato de não dominar completamente os
aplicativos disponíveis, seja pela percepção de que alguém na sua idade não consegue
aprender e utilizar o aparato em sua plenitude, a atitude de João reforça a ideia de baixa
autoestima que a velhice, notadamente a aposentadoria, poderia trazer ao gênero masculino.
69
Nome fictício 70
Termo que no Marketing designa os consumidores que aderem a determinado produto em sua fase inicial de
lançamento e buscam ter todas as últimas novidades.
72
Diferentemente das mulheres que se declaram mais libertas e expansivas, imputando ao
smartphone parte da facilitação na promoção desta situação.
3.4.4 Os smartphones nas relações familiares e intergeracionais
Assunto controverso, as relações familiares e intergeracionais são alvo de estudos que
apresentam diversidade em suas conclusões. Se, por um lado, estudos dão conta da
importância da família e da relação entre avós e netos, pais e filhos na pavimentação de um
processo de envelhecimento bem-sucedido, por outro, também se destaca a questão da
violência e dos maus-tratos rotineiramente praticados contra diversos idosos em seus
ambientes domésticos e nos locais onde deveriam receber assistência médica e social, além do
isolamento ao que o idoso pode se ver relegado dentro do âmbito familiar (DEBERT, 2012).
O estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo e pelo SESC – SP, já citado no
capítulo 1 desta dissertação, ajuda a quantificar a terrível história de idosos que se veem
vítimas de violência, como apresentado por Venturi e Bokany (2007, p. 27-28)
A violência, o desrespeito ou os maus-tratos estão presentes na vida de
muitos idosos. Embora espontaneamente só 15% relatem alguma
ocorrência, após a menção de uma bateria de dez modalidades de
violência, mais de um terço (35%) reportou já ter sofrido alguma delas
por conta de sua idade. Os casos variam de violência urbana, como
assaltos e estupros, cometidos por desconhecidos, a violência
doméstica física, como espancamentos e atentados contra a vida, ou
psíquica, com humilhações sistemáticas, perpretados por familiares,
passando pela violência institucional e desrespeitos aos direitos dos
idosos, cometida por agentes públicos em hospitais, no comércio e no
transporte público.
O estabelecimento de novas formas de sociabilidade na vida contemporânea reforça a
heterogeneidade com que a velhice é vivida nos diferentes arranjos familiares que hoje são
construídos. Afastando-se de uma visão dicotômica, torna-se difícil pensar somente em
termos de abandono, rejeição e abuso versus valorização, cuidados e proteção na vida
familiar. Povoados de matizes intermediários, novos arranjos familiares e novas relações
sociais se apresentam como opções de convívio social que podem contribuir para enriquecer a
vida dos adultos mais velhos, complementando seu universo social com esferas distintas de
relações, como por exemplo, com a ampliação das amizades a partir da convivência nos
cursos abertos à maturidade.
73
Refletida nas relações entre gerações, a heterogeneidade com que a velhice é vivida na
contemporaneidade encontra eco na forma como se apropriam das mídias em seu cotidiano.
Assim, como já dissemos, os meios de comunicação desempenham um papel importante na
vida de pessoas das mais variadas idades e perfis socioeconômicos. Ao pensarmos as relações
familiares e intergeracionais na atualidade, é relevante destacar a mediação de dispositivos
como o smartphones nas trocas comunicacionais entre parentes próximos ou distantes.
Neste sentido, os resultados das entrevistas realizadas vêm a confirmar esta
importância. Vejamos o exemplo de Maria, 81 anos que considera o smartphone uma
ferramenta, em suas palavras, “sensacional” pela praticidade que ele dispõe para as atividades
diárias. Embora, pessoalmente, não faça uso de algumas funcionalidades como o pagamento
de contas e compras, ela reconhece o quanto o dispositivo facilita o cotidiano de suas netas,
filha e genro. Seu primeiro smartphone foi adquirido por sua filha: “Ela viajou e achou que
deveria comprar (um smartphone). Me disse: “eu vou comprar”, e comprou. E eu estou
feliz.”. Maria ressalta o quanto o uso do dispositivo tem facilitado os relacionamentos em
família. Para ela, a praticidade oferecida por aplicativos de mensagem instantânea, como
WhatsApp, torna-o um elemento agregador e de aproximação entre os membros da família:
“Acho um elemento agregador porque a gente tem, assim, grupos. Temos o grupo Austrália,
eu tenho o grupo com meu irmão que, normalmente a gente se falava por telefone, agora a
gente está sempre se conversando, porque se posta coisas”. Contudo, Maria é bem clara ao
dizer que, nos encontros pessoais, como almoços ou eventos, ela o considera um empecilho à
convivência harmoniosa do momento. Sua crítica recai sobre o fato de que o smartphone, na
sua visão, estimula o isolamento, visto a atenção que desvia das relações pessoais para as
muitas formas de entretenimento que o aparelho oferece. Neste ponto ela é bem taxativa,
dizendo que nestas circunstâncias: “Se é para ficar com o celular aí, eu não fico no almoço,
não”.
A crítica de Maria é acompanhada por Sherry Turkle (2011, 2015), que pondera que os
dispositivos inteligentes nos oferecem “substitutos para nos conectarmos uns com os outros
face a face” (TURKLE, 2011, p. 11)71
. Estudando os efeitos do uso massivo dos dispositivos
tecnológicos nos relacionamentos cotidianos, a pesquisadora entende que a solidão e o medo
da intimidade estariam por trás do anseio de uma mediação quase ininterrupta. A vida online
sugere a construção de relações exatamente como as queremos, no momento em que
queremos, sem que, contudo, seja necessária reciprocidade.
71
No original: “substitutes for connecting with each other face-to-face”
74
As conexões online foram primeiramente concebidas como um substituto
para o contato face a face, quando ele era de alguma forma impossível: Não
tem tempo para fazer uma ligação telefônica? Dispare uma mensagem de
texto. Mas, muito rapidamente, a mensagem de texto se tornou uma conexão
de escolha. Nós descobrimos que a rede – o mundo da conectividade – era
inigualavelmente adequada para a vida de excesso de trabalho e de
compromissos que ela torna possível. E agora nós olhamos para a rede para
nos defender da solidão, assim como a utilizamos para controlar a
intensidade de nossas conexões. A tecnologia torna a comunicação mais fácil
quando queremos e nos permite nos desligar segundo nossa vontade.
(TURKLE, 2011, p. 13, tradução nossa)72
Aprofundando seus questionamentos e críticas, a pesquisadora ainda se pergunta se
estamos mais próximos ou mais separados. Ou, como sugerido pelo título de seu livro de
2011, se estamos alone together, ou seja, sozinhos juntos.
Para Fernanda, os relacionamentos foram modificados a partir do uso generalizado do
smartphone. Ela considera que o aparelho trouxe maior praticidade e proximidade na
comunicação entre os familiares: “Meu filho foi viajar, e ficou uma semana fora. Toda hora
ele mandava notícias. Antigamente, você precisava esperar para ligar uma vez a cada três
dias.”, ao que complementa: “Estamos mais perto um do outro.”. Assim como comentado
anteriormente por Maria, Fernanda também considera o smartphone um elemento agregador.
Embora esteja presente nas redes sociais online, Fernanda comenta que interage muito pouco
por intermédio delas. Na sua visão, o aplicativo WhatsApp é um bom motivo para ser adepta
do smartphone.
Por outro lado, para Helena, o smartphone é um elemento que desperta interesses em
comum, abrindo espaço para trocas entre ela, filhos e netos. Ela cita aplicativos como o 360,
pelo qual ela e as filhas sabem da localização uma das outras. Mais do que uma ferramenta
que pode trazer riscos à privacidade individual, elas consideram o uso do aplicativo uma
oportunidade de conhecimento em comum que enriquece as conversas. Como exemplo, ela
cita a recente viagem de uma das filhas à Itália, dizendo que pôde acompanhar os locais
visitados e que isto foi tema de conversa entre elas.
Neste ponto, é interessante notar que a experiência da pesquisadora como docente para
a maturidade se contrapõe ao relato de Helena. Ao longo dos anos, a questão da privacidade
72
No original: “Online connections were first conceived as a substitute for face-to-face contact, when the latter
was for some reason impractical: Don‟t have time to make a phone call? Shoot off a text message. But very
quickly, the text message became the connection of choice. We discovered the network – the world of
connectivity – to be uniquely suited to the overworked and overscheduled life it makes possible. And now we look
to the network to defend us against loneliness even as we use it to control the intensity of our connections.
Technology makes it easy to communicate when we wish and to disengage at will.”
75
têm se mostrado fulcral nas discussões em sala de aula. Criadas em um contexto pessoal,
familiar e social no qual a privacidade e a preservação de sua intimidade tinham alto valor, as
alunas sempre se questionam qual a extensão adequada para o uso dos smartphones no seu
cotidiano ou mesmo qual a melhor forma de se inserirem nas redes sociais online. Via de
regra, elas afirmam preferir limitar o uso do smartphone a se tornar vulneráveis ou a se
exporem.
Retornando à entrevista concedida por Helena, ela também reforçou a ideia do
smartphone como uma ferramenta de aproximação com a família ao comentar que descobrir
novas funcionalidades e novos aplicativos é uma das atividades que fazem em conjunto:
“Tudo (todos os aplicativos) que elas me mostram, eu quero.”. Entusiasta, Helena se apresenta
como uma mulher curiosa e aberta à experimentação. Sua disposição para aprender destaca-
se. Especialmente por considerar que a troca de experiências realizada entre ela e os membros
mais jovens de sua família atua como um processo de facilitação da manutenção dos vínculos
que os unem, no qual ela aprende e compartilha informações e afeto.
O marido de Helena é natural de uma cidade no interior de São Paulo e o smartphone
é a forma principal de contato com os parentes que vivem na região: “A família dele está lá.
Agora, estamos muito mais juntos. Eu estou vendo quem nasceu. Nasceu a netinha da minha
cunhada. Coisa que a gente não sabia, não participava, não sabia nada. Se não fosse por aí... a
gente está muito mais com a família.”. Para ela, este é um benefício do uso do smartphone
que se destaca: “Eu acho super importante”. Esta proximidade familiar já havia sido
comentada por ela em entrevista de junho de 2016, quando falou sobre o relacionamento com
a neta e o quanto o smartphone era um interesse comum entre elas, estimulando a troca de
conhecimentos e informações.
Estes depoimentos ressaltam a influência do uso do smartphone na dinâmica dos
relacionamentos familiares. Para estas entrevistadas, o uso do aparelho se destaca na
aproximação entre as pessoas e na construção e consolidação de interesses comuns, muitas
vezes aglutinando diferentes gerações de uma mesma família.
3.4.5 A pressão social para uma velhice conectada
Como já exploramos no capítulo primeiro desta dissertação, o conceito de
reprivatização da velhice proposto por Debert (2012) reforça a ideia da responsabilização
individual pela forma como cada indivíduo chega à velhice. Baseado na promoção de
76
determinados padrões de consumo, o processo de envelhecimento na atualidade tem sido
ressignificado, com o entendimento de que a velhice pode e deve ser momento propício para a
realização de sonhos e a conquista de novos espaços e projetos. Estimula-se o aprendizado
contínuo e a adoção de produtos e serviços que estabeleçam uma relação profícua de prazer e
satisfação pessoal entre o velho, os mais jovens e, em um espectro mais amplo, a sociedade. A
apropriação dos dispositivos móveis inteligentes no cotidiano dos idosos pode caracterizar-se
como um exemplo deste movimento. Afinal, utilizando-se das palavras de Givskov (2017, p.
61, tradução nossa) a integração social na atualidade “depende das estruturas de mídia para
uma grande gama de propósitos”73
.
Em estudo realizado por Givskov74
buscou-se, entre outros objetivos, compreender
como as mídias amplificam ou restringem os sentimentos de autonomia em uma sociedade
fortemente midiatizada. Os achados dão conta da sensibilidade das participantes para a forte
presença das mídias na vida cotidiana e a urgência de integrar-se a este panorama.
A ênfase que as participantes colocam nesta dependência das mídias serve
para salientar a conexão entre elas e estilos de comportamento (imaginados
ou praticados) que parecem emergir na velhice dos dias atuais, na medida em
que novas atividades são realizadas, tais como a leitura de notícias online, a
conexão com família e amigos realizada via smartphone durante uma
caminhada, ou uma ligação por vídeo com amigos de lugares distantes. (Op.
Cit., p. 61, tradução nossa)75
Contudo, alguns achados da presente pesquisa de mestrado contrastam com os
resultados obtidos por Givskov. Em particular, chama a atenção o depoimento de Julia76
, 65
anos, graduada em História.
Julia afirma possuir “toda a tecnologia” a seu dispor. Ela possui um dispositivo
moderno e “com todas as funcionalidades”. Contudo, antes de iniciarmos nossa entrevista, ela
faz um alerta sobre o que define como “um problema cultural” que desperta o interesse desta
pesquisadora. Segundo Julia, sua formação acadêmica, a formação pessoal a partir de como
seus pais a criaram e o fato de ser leitora ávida interferem em sua forma de encarar o
smartphone. Ela declara: “Minha vida toda foi baseada sem tecnologia. Para mim, isso foi
73
No original: “social integration in today‟s society depends on media infra-structures for a broad range of
purposes.” 74
Estudo realizado com 22 mulheres com idades entre 74 e 89 anos, de origem dinamarquesa, islandesa,
paquistanesa e palestina. 75
No original: “The emphasis that the participants put on this cross-practice media dependence serves to
underline the connection between media and (imagined or practised) styles of conduct that seems to emerge in
later life today, inasmuch as reading news online, connecting to friends and family via mobile phone when out
walking, and video phoning with peers long distance are new media activities.” 76
Nome fictício
77
uma opção.” (grifo nosso). Ela ainda complementa: “Eu acredito que não foi um processo
rápido e eu não tive consciência da minha opção.”.
Na visão da entrevistada, sua relação com a mídia impressa e com os livros a
distanciaram das mídias eletrônicas, como a televisão, por exemplo. Ela declara que esta
opção não se dá por preconceito quanto às mídias eletrônicas, mas, sim devido a uma
preferência pela leitura de impressos. Embora a televisão ou o smartphone não façam parte da
sua vida cotidiana de forma intensiva, ela entende estar atualizada, acompanhando
absolutamente todos os acontecimentos ao seu redor e ao redor do país e do mundo: “Eu estou
plugada em tudo, mas sempre com uma análise minha, própria, e sempre com informação que
eu busco e não uma informação que vem.”. Articulada, Julia apresenta uma postura reflexiva
e bastante crítica sobre a sociedade moderna e entende-se autônoma com esta postura. Ela
encontra na leitura fonte para apoiar o seu processo individual de aquisição de conhecimento
e de entendimento da contemporaneidade. Para ela, a leitura de jornais e livros e a busca de
conhecimento mais aprofundado sobre seus temas de interesse são suficientemente
motivadores.
Falando sobre seus relacionamentos, ela diz que não sente falta do smartphone como
aparato facilitador da aproximação com as pessoas. Perguntada se sentia falta do smartphone
no que tange aos seus relacionamentos pessoais, a resposta foi pontual: “Nenhuma.”, ao que
ela explica: “Não, porque eu ligo, eu ligo (via telefone), eu escrevo, escrevo bilhete, eu
escrevo o que eu estou sentido.”.
Contudo, após esta explicação, segue-se outra fala da entrevistada que se destaca: “Eu
sofro pressão em casa, do meu filho principalmente, que não acredita que, desculpe-me o que
eu vou falar agora, com a minha possibilidade de aprender, e eu tenho facilidade, eu não uso a
tecnologia. Mas, eu dispenso a tecnologia.”.
A riqueza do depoimento de Julia traz à reflexão um aspecto que pode passar
despercebido: a pressão social para a adoção de um modo de viver hegemônico no qual a
velhice considerada bem-sucedida pressupõe completa integração dos dispositivos
tecnológicos ao cotidiano. Em contraste com outras respondentes que se apresentam com
grandes entusiastas dos smartphones, Julia mantem sua postura e mesmo cobrada por parentes
e amigos, não adere ao uso intensivo de seu aparelho, mas o deixa à mão para utilizações
eventuais. Como ela diz, “ele (o smartphone) está aqui, todos os aplicativos, tudo. Mas eu não
uso. Ele fica aí.”.
78
Bastante significativa, a constatação da pressão social para a incorporação da
tecnologia ao cotidiano dos velhos pode encontrar eco em ideias como as expressas por
Ferreira, Dirino e Toschi (2016, p. 1), que ao discorrerem sobre o Projeto Ciranda Digital da
Cidadania77
, declaram
A ideia do projeto Ciranda Digital da Cidadania parte do pressuposto de que
em uma sociedade permeada de novas tecnologias a pessoa, principalmente
idosos que não têm um mínimo de domínio em relação aos recursos
tecnológicos, ficará à margem da “sociedade digital” em que vivemos.
A inclusão digital dos idosos é vista como um objetivo social a ser perseguido. Afinal,
na visão dos organizadores do projeto, não é possível mais “não ter um mínimo” de domínio
das novas tecnologias.
Contudo, esta postura se choca com a vontade e o entendimento de alguns dos
respondentes desta pesquisa. Embora não tenhamos o rigor estatístico que permita a
generalização dos resultados obtidos, consideramos importante ressaltar a diversidade de
posturas e opiniões entre as pessoas que contribuíram com este estudo.
Entre as justificativas dadas para não utilizarem o smartphone em seu cotidiano,
encontra-se fortemente a ideia da falta de utilidade deste dispositivo móvel inteligente em sua
rotina diária. Um dos respondentes, homem entre 71 e 75 anos, com formação superior,
pertencente ao estrato social B1, expressa claramente esta visão ao dizer que não se interessa
por adquirir um smartphone “devido a não haver qualquer interesse para usá-lo
profissionalmente ou de qualquer outra maneira”. Esta ideia encontra reforço nas palavras de
outra respondente, do gênero feminino, com idade entre 60 e 65, que afirma não ter interesse
em adquirir um smartphone.
Assim, entendemos que a pressão social que estimula o preconceito contra os velhos
que não se apresentam como conectados pode se mostrar como uma forma ainda mais
insidiosa de preconceito. Nesse caso, esses indivíduos sofreriam de dupla discriminação: pelo
fato de serem idosos e, ainda, por não serem “conectados”.
Como exploramos no capítulo 1, a juventude é um atributo valorizado que já não se
encontra exclusivamente ligado à idade cronológica, mas, por outro lado, está atrelado a um
conjunto de atitudes e comportamentos e à manutenção da aparência física. Neste contexto,
77
O Projeto Ciranda Digital da Cidadania é uma iniciativa da Universidade de Goiás e da Rede Goiana de
Pesquisa em Políticas Públicas e Inclusão Digital, com apoio da FAPEG – Fundação de Amparo à Pesquisa de
Goiás e do Ministério das Comunicações, realizado entre 2015 e 2016, visando a ensinar o uso de tablets e
smartphones para acesso à internet a pessoas idosas e de baixa escolaridade.
79
apresentar-se como um velho jovem contribuiria para mitigar a discriminação e o preconceito
que envolve o adulto mais velho. Nas palavras de Castro (2014), “o velho jovem pode. O
velho velho, não”. Em entrevista concedida ao jornal O Globo em dezembro de 2014, a
pesquisadora explora o preconceito do idadismo e a promoção de certos modos de viver na
vida de quem espera chegar “bem” à velhice.
Identificados com o ideal máximo de inovação, os avanços tecnológicos e os objetos
sociotécnicos que deles derivam fomentam o ideário da sofisticação e da tecnologia de ponta,
explicitado pela retórica da “última geração”. Atrelados à ideia de juventude e à capacidade
de assimilação de uma gama de produtos e serviços que se renovam em ritmo acelerado, os
dispositivos inteligentes têm sua percepção fortemente atrelada aos jovens, os quais são
considerados os seus “legítimos” usuários (CASTRO e CORREA, 2017).
Em decorrência disso, associar os idosos às tecnologias digitais pode ser visto como
um ato de subversão de um contexto no qual se espera que o velho não demonstre interesse ou
capacidade para integrar os dispositivos inteligentes de forma plena em seu cotidiano
(CASTRO e CORREA, 2017).
Com papel destacado na construção do ideário do envelhecimento, a mídia tem
procurado mostrar exemplos de “não nativos” digitais que exploram os dispositivos
inteligentes em sua vida diária. Longe de apresentar uma atitude de aceitação frente à
experimentação e à incorporação dos aparatos digitais na vida dos velhos, algumas
comunicações têm reforçado a ideia de estranheza em torno do tema e utilizando-se do velho
como alavanca para uma piada ou para reviravolta narrativa que chame a atenção do
espectador (CASTRO e CORREA, 2017).
Neste sentido, a pesquisa realizada para esta dissertação contribuiria para chamar a
atenção para a necessidade de colocar em questão e se contrapor a visões estereotipadas e
preconceituosas que equacionam de forma naturalizada e acrítica as interações online aos
mais jovens e com frequência relegam aos mais velhos o papel de canhestros coadjuvantes no
uso de tecnologias inteligentes que se inserem no cotidiano de todos nós (CASTRO e
CORREA, 2017).
80
Conclusão
“Eu sinto que (o smartphone) fez bem para minha velhice. E agora, que eu estou
sozinha, é um amigo que eu tenho.”
Esta frase deu início ao caminho que percorremos ao longo desta dissertação. Dita de
forma despretensiosa em entrevista realizada dentro do micro contexto de avaliação de uma
disciplina78
, ela despertou a atenção e aguçou a curiosidade. Afinal, um olhar a partir das
lentes do senso comum normalmente não enxergaria como possível uma interação tão direta
entre uma idosa e um dispositivo inteligente como um smartphone.
Tocados pelo depoimento de Ana, então com 73 anos, passamos a questionar a ideia
amplamente disseminada de que inovação tecnológica seria um interesse exclusivo dos jovens
e que os adultos mais velhos seriam, por definição, refratários e inflexíveis com relação ao
tema. Estas reflexões deram origem a esta dissertação que, intitulada “Ele é meu amigo:
comunicação, consumo de smartphones e o envelhecimento conectado”, se debruçou sobre
práticas de consumo de smartphones na velhice contemporânea.
Com o propósito de apresentar uma visão na contramão do senso comum, foi nossa
hipótese ao iniciar este trabalho que, mais do que incomum ou, até certo ponto, subversivo, o
envolvimento dos idosos com dispositivos inteligentes é fato pouco visível à sociedade que
não se mostra atenta às formas como estes itens têm sido consumidos e apropriados pelos
mais velhos. Como consequência desta invisibilidade, entendemos que se reafirma e se
perpetua uma visão preconceituosa que separa tecnologia e velhice, tratando-os como noções
excludentes entre si.
Com isso, estabelecemos como nosso objetivo entender as imbricações entre idosos e
suas práticas de consumo de dispositivos digitais. Para tanto, elegemos o smartphone como
objeto empírico em nossa busca de compreender o lugar deste objeto sociotécnico
(SIMONDON, 1980) no cotidiano do grupo etário composto por pessoas acima dos 60 anos.
Assim, ponderamos como o dia a dia destas pessoas é configurado a partir das interações
mediadas pelos aparelhos.
Visando à consecução de uma pesquisa que pudesse ser realizada no âmbito de um
curso de mestrado, optamos por recortar o universo composto pelos maiores de 60 anos,
78
Metodologia Científica, disciplina obrigatória para os alunos ingressantes no curso de mestrado do PPGCOM
ESPM-SP, ministrada pela Profa. Dra. Denise Cogo e cursada no primeiro semestre de 2016.
81
delimitando como corpus mulheres entre 60 e 80 anos, residentes na cidade de São Paulo e
pertencentes às classes média e média alta.
O objetivo traçado nos leva às nossas duas questões de pesquisa: a) com que finalidade
e de que modo os smartphones são consumidos por mulheres idosas?; e, b) qual o status do
smartphone como meio de comunicação deste público com seus amigos, familiares e o mundo
ao seu redor?
A fim de atender os objetivos estipulados dividimos estre trabalho em três etapas
metodológicas. A primeira etapa consistiu em uma extensa revisão bibliográfica que
apresentamos nos capítulos 1 e 2 desta dissertação. Em uma segunda etapa foram realizadas
sondagem online e entrevistas individuais junto a um grupo selecionado de consumidoras de
smartphones. Na última etapa, os dados obtidos a partir da coleta de dados foram analisados à
luz das leituras realizadas, as quais fundamentam os aportes teórico-conceituais da pesquisa.
No primeiro capitulo, “Comunicação, Consumo e Envelhecimento”, buscamos
compreender a velhice na contemporaneidade e o que significa chegar à terceira e à quarta
idades dentro da sociedade do consumo. As previsões demográficas para as próximas quatro
décadas dão conta de um redesenho da pirâmide demográfica mundial. Este movimento tem
despertado o interesse para o rápido envelhecimento populacional, o qual traz à tona, além das
consequências quantitativas, as consequências sociais, culturais e econômicas que envolvem o
tema. Verificamos neste capítulo que a velhice é uma fase vivida de forma heterogênea, que
pode compreender uma diversa gama de comportamentos, atitudes e estilos de vida. A
descronologização da vida, discutida a partir de Debert (2012), se destaca ao trazer a
juventude como o valor maior a ser perseguido em qualquer idade, o que pode caracterizar o
compromisso com determinado tipo de envelhecimento, paradoxalmente ligado à luta
antienvelhecimento, que movimenta lucrativo segmento no mercado de consumo.
Verificamos também que, longe de ser um momento de vida que se identifica somente
com perdas e vulnerabilidades, a velhice contemporânea pode abrir espaço para a satisfação e
realizações pessoais negados em momentos anteriores. Entendemos também que o processo
de envelhecimento costuma se dar de forma diferente entre os gêneros, representando para os
homens certo recolhimento, especialmente após a aposentadoria, enquanto que, para as
mulheres, representaria uma fase de expansão de seus interesses e perspectivas quando, livres
das obrigações domésticas e da criação dos filhos, elas podem ir em busca de auto realização.
Destaca-se também a diversidade que envolve o envelhecimento sob os pontos de vista da
etnicidade, das classes sociais e das trajetórias pessoais de vida. A revisão bibliográfica
82
aborda ainda o preconceito do idadismo, cujos efeitos insidiosos discriminam a velhice,
equiparando-a à doença, à debilidade física e cognitiva, resultando na desqualificação de todo
um grupo etário o qual se coloca em foco nesse estudo. Por fim, destaca-se o papel da mídia
na construção do ideário ageless e na modulação de subjetividades a partir da disseminação
crescente de imagens de uma velhice considerada bem-sucedida, que abarca um cotidiano de
pleno gozo, positividade e eterna juventude.
No segundo capítulo, abordamos a tecnologia sob a ótica do consumo e da
comunicação. Entendemos, a partir de Simondon (1980), que nenhum objeto é meramente
técnico. Ao contrário, criado a partir das necessidades da sociedade como forma de realizar as
aspirações humanas, os objetos sociotécnicos são revestidos de um caráter social que precede
a técnica e impulsiona sua invenção. Ao traçarmos uma linha do tempo que se inicia na
Modernidade, compreendemos que a invenção dos dispositivos inteligentes digitais é
consequência do caminho tomado pela humanidade a partir da metade do século XX,
culminando no século XXI em aparatos como o smartphone, objeto empírico desta
dissertação, que se destacaram como objetos que suscitaram transformações de grande
alcance, abrindo espaço para novas formas de engajamento e socialização, tornando-se
massivamente presente na vida cotidiana dos dias atuais. A partir de sua forte presença no dia
a dia das pessoas, compreendemos o quanto estes objetos têm alterado nossas formas de
interação e de construção de relacionamentos que, crescentemente mediados pelos
smartphones, têm se destacado pela velocidade, mobilidade e pela prontidão permanente de
seus usuários.
Para melhor entender os desdobramentos do uso intensivo do smartphone, nos
apoiamos nas reflexões de Turkle (2005, 2011, 2016) que pondera sobre as transformações
sofridas pelos indivíduos a partir de suas interações com os dispositivos inteligentes digitais.
Para a autora, mais importante do que pensar o que os smartphones fazem por nós, devemos
pensar o que eles fazem conosco. Neste capítulo também descortinamos o tema do consumo
como um processo sociocultural, entendendo que além das características físicas e dos
benefícios práticos que oferece, o smartphone incorpora valores e conceitos estéticos que,
como um marcador social, empresta a seu usuário, destacando o que lhe é de particular. A
partir do aporte teórico de estudiosos como Slater (2002), Douglas e Isherwood (2006), Rocha
(2006) e Baccega (2008), entendemos os bens como sinalizadores culturais e sociais que
mediam nossa posição frente à sociedade, atendendo a necessidades que extrapolam seus
benefícios físicos e adentram o campo simbólico, no qual construímos sentido e falamos sobre
83
quem somos. Por fim, discutimos o imbricamento velhice e tecnologia, buscando qualificar a
interação entre velhos e os smartphones. Sendo esta a primeira geração de idosos que se
defronta com a onipresença das conexões sem fio no cotidiano, é compreensível que haja
variações importantes no grau de assimilação desses dispositivos por parte dos mais velhos.
Como vimos, fatores como nível socioeconômico e cultural, formação educacional e
profissional, dentre outros, são importantes moduladores da relação entre idosos e tecnologias
móveis. Concluímos que a racionalidade na aquisição e no uso e as expectativas de benefícios
para o seu dia a dia são fatores que determinam a adoção do smartphone entre os mais velhos.
No terceiro capítulo, nos apoiamos nas teorias estudadas nos capítulos anteriores para
discutir os achados obtidos em pesquisa exploratória de junho de 2016, em sondagem online e
entrevistas realizadas no segundo semestre de 2017. Estes resultados são ainda confrontados
com outros estudos realizados em âmbito internacional que nos apoiaram para construir uma
discussão mais ampla sobre o tema. Delimitamos o que estamos chamando de envelhecimento
conectado, as implicações do pertencimento a certo grupo etário e do background para as
práticas de consumo de smartphones, as diferenças de usos em função do gênero, as relações
familiares e intergeracionais e a pressão social para uma velhice conectada às redes ubíquas
que se multiplicam em nossos dias.
O caminho percorrido por esta dissertação nos levou a discutir as práticas de consumo
e o status do smartphone como meio de comunicação de mulheres idosas. Iniciamos nossa
pesquisa questionando a visão do senso comum e propondo um novo olhar sobre o tema.
Apoiando-nos em vasta literatura e na realização de trabalho de campo, buscamos aprofundar
o assunto e levantar algumas conclusões que nos dessem indicações sobre o papel
desempenhado pelo smartphone na vida de cidadãos mais velhos.
Sabemos que vivemos em uma sociedade que envelhece em ritmo acelerado e que os
velhos constituem um segmento da população crescentemente expressivo. No Brasil, a
universalização da aposentadoria a partir da década de 1960 ampliou o contingente
populacional que, a partir do trabalho assalariado, passou ter sua velhice assegurada pela
previdência social. Mais exigente e autônomo, este grupo demonstrou dispor de saúde,
independência financeira e os meios para constituir-se como consumidores com papel
relevante no mercado. Os baby boomers, nascidos imediatamente após a II Guerra Mundial e
que hoje chegam à velhice, formam a primeira geração de consumidores nascidos e criados
dentro das lógicas da sociedade de consumo. Diferentemente de seus pais e avós, os idosos da
atualidade foram socializados para o consumo desde sua juventude, o que os tornam mais
84
propensos a se engajarem em práticas de consumo que seriam consideradas como supérfluas
ou sofisticadas demais para as gerações anteriores.
Também sabemos que vivemos em um mundo midiatizado, no qual os meios de
comunicação permeiam praticamente todas as áreas e práticas da vida social, atuando nas
esferas privada e pública, exercendo influência sobre a cultura e a sociedade e reestruturando-
as em função de sua onipresença. A midiatização avança sobre a cultura ocidental na medida
em que as instituições culturais e sociais são alteradas dentro do raio de influência dos meios
de comunicação. Nas palavras de Hjarvard (2012, p. 61-62), comentando sobre a perspectiva
de Baudrillard para o tema,
as representações da realidade nos meios de comunicação assumiram uma
posição tão dominante na nossa sociedade que tanto nossas percepções e
construções da realidade quanto nosso comportamento têm seu ponto de
partida em representações mediadas e são guiados pelos meios de
comunicação.
Neste cenário, constituímo-nos como consumidores, cujos gostos, estilos de vida e
comportamentos são influenciados a partir da mídia.
Sensibilizado pelo ritmo alucinante das inovações tecnológicas que ocorreu após a II
Guerra Mundial, o idoso do século XXI testemunhou alguns dos avanços mais
impressionantes da humanidade. Como dissemos anteriormente, o velho de hoje viu a corrida
espacial de perto e se impressionou quando o homem chegou à Lua, acompanhou o
lançamento da sonda espacial Voyager no fim da década de 1970 e desde então se acostumou
a receber imagens daquela que ficaria conhecida como a missão mais longa da história,
conhecendo os planetas que fazem fronteira em nosso sistema solar. Este grupo etário também
testemunhou o desenvolvimento da cibercultura a partir da microinformática e do computador
pessoal na década de 1970, passando pela popularização da internet a partir da década de
1980 e as redes sem fio e os telefones celulares da década de 1990, chegando, por fim, a este
início de século XXI, com o desenvolvimento da computação móvel e “novas tecnologias
nômades” (LEMOS, 2005, p. 2), entre as quais se destaca o smartphone.
Dentro deste espectro, propomos nestas conclusões a desconstrução do senso comum
de que velhice e tecnologia não se misturam. Entendemos que, se de alguma forma
verdadeira, esta afirmação certamente não pode ser dada como uma realidade absoluta que
venha a ser generalizada para toda a população idosa. Como bem observado por Debert
(1999, p. 26) e exposto no capítulo primeiro desta dissertação, “a velhice não é um fato total”,
mas, sim um processo que se desenvolve e é influenciada a partir de contextos pessoais,
85
sociais, econômicos e culturais. Assim como não são um fato total as formas como a velhice
irá se desenrolar na vida de cada indivíduo e os interesses que, a partir dela, se descortinarão.
Com isso, é nosso entendimento que reputar aos velhos, por definição, uma postura de
desinteresse e refração com relação aos avanços tecnológicos é incorrer na desconsideração
da heterogeneidade que engloba o processo de envelhecimento, ao mesmo tempo em que são
reforçadas ideias preestabelecidas e preconceitos que relegam a velhice à posição de perdas,
desinteresse, incapacidade, pauperização e isolamento social, envolvendo-a, assim, em uma
nuvem de estigma.
Verificamos que a apropriação do smartphone na vida cotidiana dos idosos costuma
ser, antes de tudo, uma escolha que atende a critérios de racionalidade e praticidade na medida
em que no mais das vezes o artefato se apresenta como um elemento facilitador de suas
rotinas. Longe de delimitado pela idade cronológica, o consumo do dispositivo inteligente tem
como base os benefícios trazidos à vida de seus usuários. Variáveis como a formação
educacional, o nível de renda, a experiência profissional, o perfil socioeconômico e cultural e
os contextos pessoais possuem forte influência na integração do smartphone à vida diária
deste grupo etário. Idosos com maior nível de renda, com maior acesso a experiências e
viagens, especialmente as internacionais, interagem com o aparelho há mais tempo e de forma
mais diversificada, utilizando uma gama maior de aplicativos, atendendo a um leque também
maior de necessidades por meio de mais funcionalidades.
Os usos dados aos smartphone por este grupo são bastante ecléticos. Porém, algumas
funcionalidades se destacam: o acesso à internet; a realização de compras online e transações
bancárias; o acesso às redes sociais; a utilização de aplicativos de geolocalização, como o
Waze; a utilização de aplicativos para serviços de transporte, como o Uber, Cabify, 99 Taxi;
além do uso da câmera para tirar fotos e capturar vídeos e fazer ligações telefônicas. O
depoimento de Elisa, 67 anos, nos traz indicações destes usos ecléticos: “Eu uso tudo o que
tenho direito! Fotos, vídeos, WhatsApp, e-mails (...), eu faço tudo pelo telefone. Eu uso o
Waze, o Uber, faço compras, entro nas redes sociais. Eu uso mais o Facebook e o
WhatsApp.”.
Decorre dessa constatação acima a nossa formulação de que a velhice do século XXI
parece ser eminentemente conectada. Nesse contexto, o smartphone possui papel importante
na construção de um processo de interação mais próximo e direto entre idosas e seus
familiares e amigos, tornando-o um agente de transformação dos relacionamentos que este
grupo etário empreende. De alto potencial para a facilitação da conexão intergeracional, os
86
smartphones se mostram como elementos comuns que estimulam a aproximação entre avós,
filhos e netos, a partir da troca de experiências, mensagens, imagens e afetos. Especialmente
no caso das mulheres idosas entrevistadas na pesquisa, este contato é aprofundado ao solicitar
ajuda com o processo de aprendizado das funcionalidades oferecidas pelo dispositivo ou por
meio das interações facilitadas pela conexão aos aplicativos de mensagens instantâneas como
o WhatsApp, por exemplo.
Neste ponto, vale abrirmos um espaço para aprofundar a discussão sobre o processo de
aprendizado que envolve o uso das inovações tecnológicas. Neste sentido, Castro (2012) nos
lembra que o acesso a um computador ou dispositivo inteligente não é suficiente para que o
processo de aprendizado ocorra. Conforme observa a autora, antes disso, faz-se necessário o
conhecimento das lógicas de uso destes aparelhos, o que acontece a partir da educação.
Assim, retomando o pensamento de Alm, Gregor e Newell (2002), apresentado no capítulo 3,
avistamos que a falta de confiança e a ideia preconcebida de incapacidade para o uso do
dispositivo inteligente apresenta-se como uma barreira à plena integração do smartphone ao
cotidiano de alguns idosos. Para os autores, o embaraço que muitos deles sentem ao
demonstrarem dificuldades físicas no manuseio do aparelho e a lentidão para adquirir
proficiência no uso são fatores que levam ao abandono das tentativas de aprendizado. Em
certo grau, esta visão se reflete nas entrevistas realizadas. Por exemplo, Ana demonstra
grande orgulho ao dizer que foi capaz de aprender: “Eu me acho a tal!”. A princípio quando
adquiriu seu atual telefone, ela ouviu de suas filhas que não conseguiria usá-lo na plenitude
Sabe quando os filhos não valorizam certas coisas nos pais? Quando
começou este celular (quando o adquiriu), ouvi que não era bom nem
comprar. Ainda mais estes aqui: você não vai se virar. Falei: é claro que eu
vou! Estou viva! Vou botar para trabalhar a cabeça, ora (...) eu sou vitoriosa
nisso aqui (no uso do smartphone). Eu tenho orgulho do que eu consegui. Eu
falo para minhas filhas: vocês falaram (...), elas apostaram que eu não iria
conseguir e eu consegui.
Hoje, confiante, Ana se coloca à disposição de pessoas que queiram aprender a utilizar
o smartphone, chegando a citar uma vizinha que possui um aparelho igual ao dela, a quem
costuma ajudar. Tal exemplo nos ajuda a colocar em questão a tão frequentemente alardeada
dependência dos mais velhos em relação aos mais jovens para orientá-los no uso dos
dispositivos inteligentes. Importa colocar em questão o mito dos chamados “nativos digitais”,
um mito que naturaliza a destreza no manuseio das tecnologias como sendo uma questão de
data de nascimento, desconsiderando as múltiplas outras variáveis em questão e ainda
desconsiderando a heterogeneidade de cada grupo etário – inclusive no que diz respeito a esse
tipo de destreza. Ainda que limitado a um grupo restrito de entrevistadas, nosso estudo
87
empírico comprovou não somente que é possível adquirir competência no uso das novas
tecnologias, como ainda mostrou como são heterogêneas as práticas de consumo de
smartphones entre o grupo estudado.
Cabe também apontar as diferenças entre as formas de apropriação dos smartphones
em função do gênero. Para os homens, o dispositivo parece ser fundamentalmente um
facilitador de sua vida profissional, algo que o torna produtivo e ativo, catalizando suas
atividades em um único aparelho que prima pela prontidão que lhe oferece. Por sua vez, as
mulheres compreendem o smartphone como um meio de comunicação que as aproxima das
pessoas que amam. Como constatamos, por meio do dispositivo elas despertam interesses em
comum, estreitam laços e trocam afetos com familiares e amigos.
Considerados como marcadores sociais, os smartphones diferenciam seus usuários
“dos outros velhos”, sendo mais valorizados aqueles que possuem o seu próprio smartphone e
o manuseiam com maior presteza. Especialmente entre as mulheres, como ouvimos de uma
das entrevistadas, ser uma usuária desenvolta oferece a oportunidade de ser identificada como
a “avó bacana”, reforçando a imagem de modernidade e desprendimento, promovendo assim
a subversão da hierarquia cronológica da vida e estimulando a adoção de práticas de consumo
e comportamento que se identifiquem com a juventude. Neste sentido, trata-se do smartphone
também como elemento de promoção do ideário ageless e da noção de que a velhice bem-
sucedida pressupõe estar digitalmente conectado às redes sociotécnicas que, segundo Castro
(2012) podem ser entendidas como redes de comunicação, sociabilidade e negócios. Reforça-
se ainda a noção de que a inclusão digital na velhice deve ser encarada como importante
objetivo social a ser perseguido em nossos dias, sendo o envelhecimento conectado parte do
modo considerado adequado e bem-sucedido de envelhecer na atualidade.
Por outro lado, também nos chama a atenção a ideia do smartphone como um
dispositivo que estimularia novas vivências e despertaria o aprimoramento pessoal e social,
levando-o a ser considerado, em alguns casos, como um “remédio” para a solidão. A partir da
multiplicidade de usos que o smartphone oferece, Lemos (2005) o designa como um “controle
remoto do quotidiano”, um “teletudo”. Para o autor, “a ideia forte aqui é de que o celular
possibilita um contato permanente com o mundo. A ubiquidade, as estruturas em rede e o
contato social, motes da cibercultura, estão em plena prática com o uso da telefonia celular
mundial” (LEMOS, 2005, p. 7). Em nossa dissertação, a presença ubíqua do smartphone se
reflete na frase inicial que nos trouxe à definição do tema deste trabalho: “Eu sinto que (o
smartphone) fez bem para minha velhice. E agora, que eu estou sozinha, é um amigo que eu
88
tenho”. Entrevistada em duas ocasiões, a responsável por esta fala se mostrou fortemente
impactada pelo dispositivo em sua vida, repetindo nas duas oportunidades que, mais do que
um simples aparelho, o smartphone seria seu “amigo”, acompanhando em casa, na rua, na
interação com família, amigos. A mesma entrevistada se diz “mais humana” a partir do uso do
smartphone, entendendo que o aparelho lhe ajudou a superar sua timidez e, pelo contato com
notícias e acontecimentos de todo o mundo, de perto e de longe, ela se sente segura e
atualizada quando de suas interações sociais.
A profundidade do grau de interação desta idosa com seu smartphone nos remete às
ponderações propostas por Turkle (2005, 2011, 2016), sobre as quais discorremos no capítulo
2 desta dissertação, e que dão conta de um processo de hibridização das formas de interação
humano–não humano. Para a autora,
O advento dos computadores elevou nossos relacionamentos com a
tecnologia a um novo nível. Os computadores, com sua reatividade e
interatividade, se colocam em um novo e evocativo relacionamento entre o
vivente e o inanimado. Eles tornam crescentemente tentador projetar nossos
sentimentos em objetos e tratar as coisas como se elas fossem pessoas.
(TURKLE, 2005, p. 287, tradução nossa)79
Assim, os dispositivos inteligentes não seriam somente meios de comunicação, mas,
espelhos nos quais o homem se enxerga, companheiros de jornada com os quais dividimos as
experiências do cotidiano e a quem podemos confiar nossa intimidade, nossos pensamentos e,
em alguma medida, os nossos sentimentos.
Considerando que os resultados de pesquisa apresentados nesta dissertação carecem de
rigor estatístico, entendemos que as nuances das práticas de consumo de smartphones aqui
delimitadas podem apresentar indicações de como estes aparelhos são integrados ao cotidiano
de certo perfil de idosas, apenas. Como parte das limitações de um trabalho desse escopo,
restringimos nosso estudo ao universo de senhoras entre 60 a 80 anos deixando, portanto,
deixando de considerar as possíveis interações entre membros da chamada velhice mais
avançada (acima de 80 anos) com os smartphones e suas potencialidades. Poderia ser
interessante estender longitudinalmente o alcance da pesquisa acompanhando, por exemplo,
essas mesmas senhoras daqui a uma década ou mais.
79
No original: “The advent of the computer has taken our relationships with technology to a new level.
Computers, with their reactivity and interactivity, stand in a novel and evocative relationship between the living
and the inanimate. They make it increasingly tempting to project our feelings onto objects and to treat things as
though they were people.”
89
Ainda como possível empreendimento futuro, entendemos que este trabalho possa se
desdobrar em uma tese de doutorado que vise a estudar com mais densidade temas como as
práticas de consumo de smartphones entre idosos e idosas de variados perfis etários, culturais
e socioeconômicos; o papel das narrativas midiáticas, dentre elas a publicidade, na construção
da velhice conectada às redes ubíquas por meio de dispositivos de “controle remoto do
cotidiano” (Lemos, 2005) como os smartphones, dentre outros temas relevantes dos quais nos
aproximamos ao longo dessa dissertação.
Com essa pesquisa de mestrado, esperamos ter contribuído para situar devidamente o
envelhecimento conectado no debate sobre o consumo de smartphones e tecnologias
inteligentes de comunicação e informação. Consideramos que o momento histórico e social
atual instiga à reflexão que leve em conta os mais velhos como também usuários desses
dispositivos, aptos a participar ativamente do contexto sociocultural em que estamos todos
inseridos. Acreditamos na contribuição da pesquisa acadêmica no combate ao preconceito do
idadismo e na luta contra as diversas formas de discriminação contra os mais velhos em nossa
sociedade.
Ao delimitar o escopo da pesquisa empírica empreendida, esse trabalho pretendeu
prestar uma justa homenagem às alunas com as quais tenho tido a honra de conviver nos
cursos abertos à maturidade nas Universidades onde leciono. A convivência com idosos e
idosas na vida pessoal e profissional tem sido enriquecedora em muitos sentidos. Trabalhar
em prol da convivência harmoniosa entre gerações tornou-se uma bandeira. Que venham
novos desdobramentos desse tão instigante estudo!
90
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Apêndice
Questionário – Sondagem Práticas de Consumo de Smartphones
Este questionário faz parte do levantamento de dados para pesquisa acadêmica sobre práticas de
consumo de smartphones. A pesquisa está sendo desenvolvida no âmbito do curso de Mestrado do
Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de
Propaganda e Marketing (PPGCOM ESPM), São Paulo.
Agradecemos a sua participação.
Completar este questionário levará menos de 05 minutos.
Para começar, vamos a algumas informações.
Smartphone – é um celular que possui acesso à internet, seja via Wi-Fi ou pacote de dados contratado
com a operadora.
Pacote de dados – são os conjuntos de serviços contratados com a operadora de telefonia móvel que
lhe permitem acesso à internet, independentemente do Wi-Fi.
Gênero: ( ) feminino ( ) masculino ( ) prefiro não dizer
Idade:
( ) menos de 60 anos
( ) de 60 a 65 anos
( ) de 66 a 70 anos
( ) de 71 a 75 anos
( ) de 76 a 80 anos
( ) acima de 80 anos
Grau de escolaridade:
( ) ensino médio
( ) superior completo
( ) pós-graduação
( ) mestrado
( ) doutorado
Renda familiar:
( ) Até R$ 2.700,00
( ) De R$ 2.700,00 a R$ 9.200,00
( ) Acima de R$ 9.200,00
1. Possui um smartphone? ( ) Sim ( ) Não
Caso tenha respondido Sim, continue abaixo.
Caso tenha respondido Não, por favor, pule para a pergunta 08.
2. Possui acesso à internet: ( ) via Wi-Fi ( ) Via pacote de dados ( ) ambos
3. Há quanto tempo aproximadamente é usuária de um smartphone?
( ) menos de 6 meses
( ) de 6 meses a 1 ano
( ) de 1 ano a 1 ano e meio
( ) em torno de 2 anos
( ) há mais de 2 anos
4. Com que finalidade adquiriu seu primeiro smartphone?
( ) Ganhou de presente
( ) Para ter acesso à internet
( ) Para ter um meio de comunicação com família e amigos
100
( ) Outros. Especificar: _____________________
5. Quais são os usos que faz do smartphone?
__________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
6. Qual seu grau de satisfação com o seu smartphone? Dê nota de 1 a 10, sendo 01, nada satisfeita, e
10, plenamente satisfeita.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
O que lhe deixa satisfeito(a)?
__________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
7. Em sua opinião, o que poderia ser aprimorado?
( ) tela
( ) teclado
( ) memória
( ) botões de comando / controles
( ) câmera
( ) bateria (duração)
( ) fones de ouvido
( ) carregador
( ) outros. Especificar: ___________
8. Interessa-se por adquirir um smartphone?
( ) Sim ( ) Não – caso tenha respondido Não, pular para a pergunta 11
9. Qual sua principal motivação para adquirir um smartphone?
( ) comunicação com a família e amigo(a)s
( ) acesso às redes sociais
( ) acesso à internet
( ) tirar fotos
( ) acesso a sistema de mensagem instantânea
( ) acesso a e-mails
( ) manter-me atualizado(a) tecnologicamente
( ) outros. Especificar: ________________
10. Possui alguma marca de preferência?
( ) Apple (iPhone)
( ) Samsung
( ) LG
( ) Nokia
( ) Motorola
( ) Sony
( ) não tenho preferência
11. Por que não se interessa em adquirir um smartphone?
__________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________
101
12. Espaço para suas impressões e comentários sobre os smartphones e seus usos:
__________________________________________________________________________________
____________________________________________________________________
102
Roteiro de perguntas – entrevistas individuais
1. Comente sua experiência com smartphones, tablets, notebooks
2. Lembra-se de quando adquiriu seu primeiro smartphone? Como foi?
3. Como e para que vc utiliza o smartphone no seu cotidiano? Comente.
4. O smartphone traz facilidades para sua vida? Descreva por favor.
5. Vc tem algum tipo de dificuldade com seu smartphone ? Descreva por favor.
6. O uso do smartphone trouxe alguma diferença para os seus relacionamentos? Comente
por favor.
7. Poderia relatar algum caso (curioso, engraçado, triste, etc) que envolva o seu
smartphone?
8. Como vê o design de seu smartphone? Considera adequado? Modificaria algo?