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ESCOLA, PERIODISMO E VIDA URBANA: IMPRENSA OPERÁRIA E FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA EM SÃO PAULO (1888-1925)

Luiz Carlos Barreira Universidade de Sorocaba (Mestrado em Educação)

PUC-SP (Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade)

Introdução

Ler as cidades, para reler e atribuir significado histórico aos processos de

letramento das camadas populares que foram se constituindo nos diferentes espaços

urbanos brasileiros, do final do século XIX às primeiras décadas do XX, mediados

por outras práticas sociais, para além das propriamente escolares (como a imprensa

operária, por exemplo), é um dos principais objetivos da pesquisa que venho

desenvolvendo, cujos resultados (parciais) ora apresento.

Exceção feita a alguns poucos trabalhos, a imprensa operária1 raramente

comparece como objeto precípuo de estudo na produção dos Programas de Pós-

Graduação em História e em Educação, pelo menos até meados dos anos 90 do século

passado. Quando muito essa imprensa compõe, ao lado de tantos outros tipos de

fonte, o universo dos materiais históricos considerados pelos pesquisadores dessas

duas áreas em suas investigações. O mesmo, entretanto, não se verifica em relação à

assim chamada "grande imprensa", o jornal empresarial. Não são poucos os trabalhos

realizados nas duas áreas, sobretudo na de História, que tomam esse tipo de imprensa

como objeto precípuo de investigação. Embora não tenha sido esse o principal motivo

que me levou a investigar a imprensa operária brasileira, o dado é digno de registro,

uma vez que resulta de um primeiro mapeamento que fiz da produção sobre o tema.

O intento de tomar a imprensa operária como objeto de estudo decorre,

principalmente, do interesse em investigar práticas educacionais surgidas no âmbito

dos movimentos sociais urbanos que animaram a sociedade brasileira em um período

de sua história que compreende as duas últimas décadas do século XIX e as duas

primeiras do XX, caracterizado pela presença maciça de imigrantes e por um

acelerado processo de urbanização e industrialização, sobretudo no que diz respeito

aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.2 Nesse período, a julgar pelas inúmeras

1 Na categoria "imprensa operária", incluo, não apenas jornais e revistas operárias, mas também folhetos, folhetins, manifestos, boletins, circulares e toda sorte de impressos produzidos por operários, para operários. 2 Da perspectiva lançada por Rama (1985), é possível problematizar o periodismo para além da identificação dos grandes jornais e jornalistas, estudando-o como prática que compõe o tecido social urbano.

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evidências encontradas na historiografia do movimento operário, a imprensa foi uma

das principais estratégias acionadas pelas lideranças desse movimento, tendo em vista

a politização da classe e a construção de uma identidade operária. É enquanto tal que

a imprensa operária me interessa: como estratégia de modelização (prescrição) de

práticas, mas também como apropriação, ou seja, como práticas (algumas delas de

resistência) nascidas da relação com o impresso.3 Inventariar essas práticas faz-se

condição necessária, ainda que não suficiente, para a consecução dos objetivos da

pesquisa.

Em um período da história em que os meios de comunicação de massa ainda

eram praticamente inexistentes, a imprensa desempenhou papel de fundamental

importância na constituição de comunidades de leitores.4 Ela foi, por exemplo, uma

das principais armas utilizadas pelas lideranças do movimento operário, no processo

de formação da classe trabalhadora. Apoiei-me principalmente nessa evidência para

eleger a imprensa operária como um dos principais objetos de minhas incursões nos

mundos do trabalho.

De acordo com a historiografia relativa ao tema, trezentos e oito jornais

operários foram criados no Brasil entre 1888 e 1925, assim distribuídos, por local de

edição:

3 Nesse sentido, os estudos de Michel de Certeau (1994) sobre os conceitos de estratégia e apropriação (tática que subverte dispositivos de modelização), assim como os de Roger Chartier (1999) sobre impressos, muito contribuem para a análise da imprensa operária. 4 Buscou-se, em Roger Chartier (1999), o conceito de “comunidade de leitores”.

São Paulo 135 Rio de Janeiro 91

Rio Grande do Sul 16 Minas Gerais 14 Pernambuco 10

Alagoas 9 Ceará 8 Bahia 6

Paraná 6 Pará 4

Amazonas 3 Sergipe 3 Piauí 1

Maranhão 1 Mato Grosso 1

Fonte: Ferreira (1978)

Esses dados evidenciam o lugar ocupado pelo estado de São Paulo na história

do movimento operário brasileiro. Foi principalmente por essa razão que optei por

iniciar a pesquisa investigando a imprensa operária paulista, mais especificamente,

pelas razões que serão a seguir apresentadas, a imprensa operária sorocabana. É do

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meu interesse, entretanto, ampliar os horizontes da pesquisa e focalizar a imprensa

operária de outras cidades do estado e do país, assim como propor investigações que

incidam sobre essa mesma temática e observem os mesmos recortes espaciais, mas

que avancem ou recuem no tempo, de sorte a se poder construir uma visão cada vez

mais sintética das práticas sociais que nasceram da relação do operariado urbano com

o impresso (operário).

A imprensa operária sorocabana: uma primeira incursão

Por várias razões, elegi a imprensa operária sorocabana para a realização de

um primeiro ensaio da análise da problemática aqui apresentada. Dentre elas, destaco

as de natureza historiográfica.

Não encontrei, na bibliografia relativa ao tema e em outros lugares de

memória, qualquer referência ao jornal O Operario, seguramente a principal folha

operária de Sorocaba no período.

No levantamento de jornais e revistas da imprensa operária brasileira editados

entre 1847 e 1986, realizado por Ferreira (1986), o jornal O Aperto, órgão do

Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba, criado em 1986, é a primeira e única

menção feita a um jornal pertencente à imprensa operária sorocabana. Para a

realização desse levantamento, Ferreira fundamentou-se, basicamente, no que

encontrou no Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade Estadual de Campinas.

Também não encontrei, no Centro de Documentação e Memória da

Universidade Estadual Paulista – CEDEM –, que, desde agosto de 1994 tem a

custódia do Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano – ASMOB –,

qualquer referência ao jornal sorocabano O Operario.

Nem mesmo as primeiras e exaustivas compilações de fontes para o estudo do

movimento operário brasileiro referentes ao período de 1887 a 1944, feitas por

Carone (1979), trazem qualquer indício da existência do referido jornal.

Penso que outras tantas folhas operárias tenham tido o mesmo destino que o

jornal sorocabano O Operario e estejam à espera de algum pesquisador interessado

em libertá-las das malhas do silêncio e do esquecimento que as aprisionam e, assim,

contribuir para a preservação da memória e da história da imprensa operária no

Brasil.

Para certificar que essa circunscrição espacial não traz à pesquisa nenhum

constrangimento de natureza teórica ou metodológica, lembro aqui as considerações

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de Burke (1989) e Cruz (2000) sobre o assunto. Segundo esses dois historiadores, as

investigações dos temas da cultura5, fora dos espaços consagrados por uma certa

historiografia (como metrópoles e cidades cosmopolitas, por exemplo) podem

contribuir para uma reflexão mais generalizada sobre a cultura moderna. Podem

definir, por contraste, o que é especificamente metropolitano ou cosmopolita e, ao

mesmo tempo, revelar os limites de conceitos considerados fundamentais, ao serem

testados em situações para as quais não foram originalmente criados.

Para ler e escrever a cidade de Sorocaba

Sorocaba6 é uma cidade que, em fins do século XIX, começava a viver um

novo ciclo econômico, distinto daquele que fora, até então, a sua principal fonte de

sobrevivência – as atividades comerciais direta e indiretamente ligadas ao

tropeirismo.7 Embora a atividade industrial já se fizesse presente no cotidiano da

cidade desde o início do século XIX (a Real Fábrica de Ferro de São João do

Ipanema, fundada em 1809, é a principal testemunha dessa presença), foi no final

desse século que várias tecelagens iniciaram suas atividades, impulsionadas pelo

desenvolvimento do cultivo de algodão na região.

As tecelagens, acompanhadas de outras tantas fábricas produtoras de sabões,

cervejas, chapéus, velas e outros bens de consumo não-duráveis, começavam a

mudar os modos de viver e pensar dos habitantes da cidade, aos quais outros sujeitos

sociais começavam a se agregar – operários e todo um conjunto de trabalhadores

urbanos direta ou indiretamente ligados a atividades industriais.

A emergência desses novos sujeitos sociais, no cenário urbano, provocou

mudanças no campo letrado local. Parte significativa do operariado sorocabano era

composta de imigrantes europeus, vindos, em sua grande maioria, de diferentes

regiões da Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, principalmente. Coube a esses

imigrantes a realização de empreendimentos que modificaram, paulatinamente,

determinados modos de viver e pensar da cidade.

5 O uso que aqui faço da categoria cultura encontra sua principal fonte de inspiração nos estudos de Raymond Williams (1969 e 1979). Nesses seus estudos (como nos de outros historiadores filiados à mesma escola historiográfica a que Williams se filia), a cultura não é tratada como algo separado da vida material, mas como um processo social constitutivo de diferentes e específicos modos de viver e pensar. Não é tratada, portanto, como se fosse um elemento exterior a contemplar uma determinada ordem social, mas pensada e trabalhada como elemento constitutivo do social, podendo ser investigada como um sistema de significações, de maneira bastante ampla, o que possibilita a inclusão de todas as práticas sociais. 6 Sobre a origem da cidade de Sorocaba, consultar Aluíso Almeida (1969).

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A criação do Gabinete de Leitura Sorocabano, na segunda metade do século

XIX, uma iniciativa da colônia alemã, mais especificamente de trabalhadores

alemães radicados na cidade, é um bom exemplo desse tipo de empreendimento.

Outro exemplo pode ser buscado na experiência da colônia italiana. Dentre as ações

desencadeadas pela Società Operaia Italiana di Mutuo Socorso de Sorocaba

encontram-se: o estabelecimento, em 1885, de uma escola – (a Scuola Italiana

“Dante Alighieri”) destinada aos filhos dos associados; a escolha de dois jornais da

cidade (o Diário de Sorocaba e O 15 de Novembro) para a veiculação de notícias e

matérias de interesse dos associados; e a criação de uma Banda Musical, por

exemplo.

À semelhança das colônias alemã e italiana, outras tantas participaram

ativamente do redesenho do campo letrado da cidade, estreitando as relações entre

esse campo e o assim chamado campo letrado popular. Para os alvos da pesquisa,

interessa estar particularmente atento às ações desencadeadas por esse novo sujeito

social (o imigrante), que foi para Sorocaba para trabalhar na indústria têxtil e nas

oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana.

A escrita operária começa a escrever a cidade: o jornal “O Operario”

O jornal sorocabano O Operario, autodenominado órgão de defesa da classe

operária, veio a público a 18 de julho de 1909. Surgiu, inicialmente, com uma

proposta de edição quinzenal, mas, a partir do seu sexto número, passou a circular

todos os domingos.

Exceção feita a algumas poucas edições, o jornal sempre procurou ser regular

e pontual. Nas poucas vezes em que não o conseguiu (umas dez vezes ao longo de

todo o seu ciclo de vida), sempre fez questão de informar o seu leitor sobre as razões

dos atrasos que, diga-se de passagem, raramente ultrapassavam uma semana. Esse

procedimento, bastante incomum na imprensa sorocabana de então, denota, pelo

menos, uma certa consideração do editor para com o leitor.

Ao que tudo indica, 23 de novembro de 1913 foi o último dia em que O

Operario circulou na cidade de Sorocaba e região. Pelo menos não encontrei, até o

momento, evidências de outras possíveis datações. Na hemeroteca do Gabinete de

7 Sobre o comércio tropeiro na região de Sorocaba, consultar Rafael Straforini (2001).

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Leitura Sorocabano, em cujo acervo encontrei a coleção quase completa do jornal8, o

último exemplar localizado foi o correspondente à edição de número 171, que

circulou naquela data.

Embora o ciclo de vida do jornal tenha se encerrado muito provavelmente

nesse momento, sua fase mais rica compreende um período de circulação ininterrupta

de aproximadamente três anos e meio, que vai da data de criação do jornal a 02 de

fevereiro de 1913, quando circulou a edição de número 168. É preciso, pois, destacar

a relevância dessa longevidade, posto que a grande maioria das folhas operárias de

então raramente chegavam a essa marca e muitas delas sequer passavam do primeiro

número. Mas, depois daquela edição, o jornal deixou de circular por mais de oito

meses.

Em 26 de outubro de 1913, com a edição de número 169, o jornal voltou a

circular. Em nota editorial, intitulada “Reaparecendo”, Castro Lima apresenta ao

leitor as razões da prolongada interrupção na edição do jornal: a expulsão do país de

Joseph Juber, que assumira a direção do jornal em janeiro de 1913. Em fins de 1912,

Juber respondia a processo judicial que contra ele fora aberto com base na lei

Adolpho Gordo, que então passou a disciplinar a expulsão de estrangeiros do país.

As “razões” da abertura desse processo ainda precisam ser investigadas. No jornal,

encontrei indícios de algumas delas que deverão ser rastreados. Ao que tudo indica,

Juber deve ter sido condenado e, conseqüentemente, expulso do país. Com esse

episódio, o jornal O Operario encerrava, de fato, um ciclo de vida bastante fértil.

Sob a direção de Joseph Juber, três números do jornal são publicados. O

primeiro deles (edição de número 166, publicada em 19 de janeiro de 1913) traz a

notificação da assunção de Juber à direção do jornal. A edição anterior (de número

165, publicada em 12 de janeiro de 1913) traz uma matéria sobre a lei Adolpho

Gordo. Nas duas edições seguintes (de número 167 e 168, respectivamente

publicadas em 26 de janeiro e 2 de fevereiro de 1913), pelo menos três matérias

vinculam-se ao processo aberto contra Juber, quais sejam: “A veneranda quão

luminosa sentença do processo” (matéria de página e meia), “O que é o

sindicalismo” e “O que é o delito? De que procede? Por que se castiga?”.

A expulsão de Juber do país, bem como seus desdobramentos políticos, talvez

tenha sido uma das principais razões, senão a principal, do encerramento das

8 Dos 171 números editados do jornal O Operário, 7 deles não foram localizados e outros 11 encontram-se bastante danificados.

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atividades do jornal. Entretanto, há indícios de que, para além dessas razões de

natureza político-ideológica, outras talvez tenham contribuído para a extinção do

jornal. Desde a edição de número 164, que circulou em 05 de janeiro de 1913, um

pedido dos diretores do jornal aos assinantes foi publicado, reiteradas vezes, como

segue:

Pede-se a todos os nossos assignantes que se acham atrazados com as assignaturas do nosso jornal, fazerem obsequio de quitarem-se a fim de podermos fazer frente as despezas que a publicação exige. A. R.

Muito embora o jornal reservasse a última página de suas edições para

anúncios e propagandas (uma outra provável fonte de renda, aparentemente

secundária), a existência do jornal dependia, ao que tudo indica, das verbas obtidas

com a venda de assinaturas. Em uma de suas primeiras crises financeiras, ocorrida

entre fevereiro e abril de 1910 e provocada pelo não-pagamento das assinaturas pelos

assinantes, a direção do jornal viu-se forçada a modificar o formato do periódico,

reduzindo drasticamente o seu tamanho e eliminando anúncios e propagandas de suas

quatro páginas. Em contrapartida, o preço da assinatura diminuiu de $500 para $300

réis. Passada a crise, o jornal voltou a ser impresso em seu formato original, os

anúncios e propagandas retornaram (ainda que ocupando um espaço bastante

diminuto), mas o preço reduzido da assinatura foi mantido.

A cidade que a escrita operária sorocabana escreveu: primeiras impressões

As matérias publicadas no jornal O Operario podem ser agrupadas, em linhas

gerais, em torno dos seguintes eixos temáticos: educação e instrução, trabalho,

organização operária, higiene e saúde pública, religião, família, mulher e infância.

A maior parte das matérias publicadas no jornal gira em torno da temática

educação e instrução. Nesse subconjunto, destacam-se os temas voltados para a

educação e instrução do operário e de seus filhos. Questões relativas ao ensino

noturno e à alfabetização de jovens e adultos são as mais freqüentes. No que diz

respeito à implantação dessa modalidade de ensino em Sorocaba, o jornal destaca a

participação da Loja (maçônica) Perseverança III no processo de abertura de escolas

noturnas para o operariado local. Entretanto, o pioneirismo de tal iniciativa é

atribuído a um industrial da cidade que, em fins do século XIX, abriu uma escola

noturna para os operários de sua fábrica. Inicialmente, a freqüência às aulas não foi

imposta aos trabalhadores. Mas, devido ao sucesso da experiência, ela passou a ser

obrigatória e quem não a observasse seria sumariamente demitido.

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Temas relativos ao trabalho nunca deixaram de estar presentes nas páginas de

O Operario, mas nem sempre foram tratados de maneira que ficassem evidenciadas

as suas determinações históricas. Nas matérias publicadas sobre o assunto,

encontramos discussões que vão desde a organização científica e racional do trabalho

até a exploração da mão-de-obra infantil nas fábricas de tecidos da cidade, passando

por discussões sobre a relação entre trabalho e liberdade, por exemplo. Mas, o que

mais chama a atenção neste subconjunto temático é a discussão, talvez pioneira,

acerca do trabalho como princípio educativo, que veio a público na edição de 07 de

janeiro de 1912, em artigo intitulado “O trabalho”.

Sob a rubrica organização operária, encontram-se, como era de se esperar,

várias matérias, artigos, notícias e comunicados. Redatores e colaboradores do jornal

mostraram-se incansáveis no trabalho de politização da classe trabalhadora,

advertindo-a sobre a necessidade e a importância da instrução e participação de todos

os trabalhadores em suas associações de classe. São inúmeras as matérias sobre

sindicalismo, socialismo, anarquismo, legislação (direta ou indiretamente ligada à

vida do trabalhador, como a Lei Adolpho Gordo, por exemplo), congressos operários

e demais temas julgados de interesse dos trabalhadores.

Bem de acordo com o “espírito” da época, temas sobre higiene e saúde

pública não poderiam deixar de estar presentes nas páginas de O Operario.

Alcoolismo (sobretudo na infância), arejamento de casas e abastecimento de água,

dentre outros temas ligados a questões de saneamento básico, são freqüentes no

jornal.

A religião também foi notícia no jornal. Artigos como “O nascimento da idéia

religiosa”, de 15 de dezembro de 1912, e “Porque os operários são religiosos”, de 12

de janeiro de 1913, evidenciam, em suas linhas, mais que um mero reconhecimento e

admissão da religiosidade do operariado local. Eles evidenciam todo um empenho

dos diretores do jornal em cultivar esse sentimento de religiosidade no trabalhador.

Não são poucas as sugestões de leituras de passagens bíblicas feitas aos leitores do

jornal. Vez, ou outra, versículos bíblicos são publicados e igrejas de diferentes credos

religiosos conclamam seus fiéis a participarem de missas, cultos e encontros

religiosos. Mas é preciso registrar, entretanto, que nem sempre matérias, artigos e

notícias dessa natureza compuseram as páginas de O Operario. Há ainda muito que

investigar para que se possa atribuir algum sentido a tais ocorrências. Por enquanto, é

possível afirmar apenas, que elas estão diretamente ligadas às orientações político-

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ideológicas daqueles que estiveram à frente do jornal durante todo o seu ciclo de

vida. Não foi possível identificar, até o momento, todos esses sujeitos sociais e suas

respectivas orientações político-ideológicas. Por enquanto, posso afirmar, com base

em evidências encontradas no próprio jornal, que se tratar de uma folha operária

cujos diretores foram, em sua grande maioria, seguidores ou simpatizantes de

doutrinas socialistas. Mas é preciso identificar e bem caracterizar, ainda, essas

doutrinas.

Temas relativos à família operária também não deixaram de ser debatidos,

problematizados em matérias e artigos publicados no jornal. Artigos como os

publicados em 14 de janeiro de 1912 e em 30 de junho de 1912, respectivamente

intitulados “Os castigos dos paes aos filhos e suas consequencias” e “A nossa futura

família”, expressam bem a opinião dos editores do jornal sobre o assunto.

Preocupados com a formação do novo ser social em gestação no interior de uma

sociedade que se fazia cada vez mais industrial, os diretores do jornal procuravam

discutir, no interior dessa temática, aspectos que, segundo eles, estavam

determinando a constituição e instituição de uma nova família: a operária. Como

deveria ser essa família? Quais seriam suas principais características? Que papéis

seriam atribuídos aos seus membros? Como esses membros deveriam se relacionar

entre si? Assim procedendo, diretores, redatores e colaboradores do jornal

procuravam (in)formar a classe operária sorocabana, de acordo com suas visões de

mundo.

Não foram poucos os artigos sobre mulher publicados no jornal. Muitos dos

comentários feitos anteriormente sobre a família operária são igualmente válidos

para a temática ora focalizada. São bastante ricos os artigos sobre a mulher do

operariado, podendo-se deles extrair algumas das principais representações sociais

que sobre ela estavam sendo então elaboradas. A título de ilustração, destaco os

artigos intitulados “As mães operárias”, “As nossas mulheres” e “A burgueza e a

anarchista”, respectivamente publicados em 31 de dezembro de 1911, 10 de março

de 1912 e 12 de janeiro de 1913.

A educação da infância também foi destaque nas páginas de O Operario. Nas

matérias sobre o assunto, o jornal problematizou a utilização da mão-de-obra infantil

nas fábricas de tecido da cidade e região, chamando a atenção da sociedade local

para as drásticas conseqüências de tal utilização, embora reconhecesse ser ela um

mal necessário, haja vista as condições objetivas em que então se encontravam

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aquelas crianças, via de regra largadas à própria sorte, posto que suas mães também

trabalhavam fora de suas casas e não dispunham de tempo suficiente para se

dedicarem à educação de seus filhos. Deixadas à própria sorte, essas crianças far-se-

iam, segundo os editores do jornal, vítimas fáceis das drogas e do alcoolismo.

Nas páginas de O Operario, notas policiais denunciavam, ainda, toda sorte de

violência que vitimava os trabalhadores urbanos, sobretudo em seus ambientes de

trabalho (fábricas e oficinas, principalmente), mas também em espaços públicos (nas

ruas, nos horários em que se deslocavam de suas casas para o trabalho ou do trabalho

para suas casas, ou, ainda, em dias e horários dedicados ao lazer).

Por fim, datas comemorativas não deixaram de ser lembradas pelos diretores

do jornal. Além da data de aniversário do próprio jornal (18 de julho), sempre

comemorada, outras datas, como o 1º e o 13 de Maio, eram lembradas. A edição

comemorativa de 1º de maio de 1912, por exemplo, além das inúmeras matérias e

artigos sobre o Dia do Trabalho, foi toda ela impressa em vermelho.

Considerações finais

Uma análise aprofundada desses temas é o que estou realizando no momento.

Com ela, entendo que estarei destacando e pondo em discussão algumas das

principais estratégias de modelização de práticas para o operariado local. O passo

seguinte, talvez o mais difícil de ser dado, será o de verificar como os leitores do

jornal O Operario se apropriaram de tais prescrições. Para a consecução desse

objetivo, as estratégias de pesquisa deverão ser, evidentemente, distintas daquelas até

aqui acionadas. Mas esse é um outro desafio, uma outra história, que impõe a

necessidade de vasculhar outros lugares de memória.

Estou ciente de que os resultados dos meus esforços analíticos podem revelar

ações humanas pouco (ou quase nada) “espetaculares”. Mas, na espetacular luta

cotidiana pela sobrevivência, a maioria esmagadora da população do planeta vem

produzindo sua existência sem, no entanto, produzir acontecimentos que, segundo

uma determinada historiografia, poderiam ser denominados “espetaculares”. Ainda

que os resultados da pesquisa revelem (como têm até aqui revelado) ações humanas

pouco (ou em nada) “espetaculares”, mesmo assim serão consideradas. São ações e

práticas que orientam projetos sociais e, enquanto tais, carregadas de sentido. Buscar

e registrar o sentido (histórico) dessas práticas e ações faz-se o maior desafio desta

pesquisa.

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