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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA DISCREPÂNCIA E ACORDO ENTRE INFORMADORES NA AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE EM CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR: DISCREPÂNCIA E ACORDO MÃE CRIANÇA Patrícia Isabel Simões Oliveira MESTRADO INTERGRADO EM PSICOLOGIA (Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/Núcleo de Psicologia Clínica da Saúde e da Doença) 2011

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    DISCREPNCIA E ACORDO ENTRE INFORMADORES NA

    AVALIAO DA ANSIEDADE EM CRIANAS EM IDADE

    ESCOLAR:

    DISCREPNCIA E ACORDO ME CRIANA

    Patrcia Isabel Simes Oliveira

    MESTRADO INTERGRADO EM PSICOLOGIA

    (Seco de Psicologia Clnica e da Sade/Ncleo de Psicologia Clnica

    da Sade e da Doena)

    2011

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    DISCREPNCIA E ACORDO ENTRE INFORMADORES NA

    AVALIAO DA ANSIEDADE EM CRIANAS EM IDADE

    ESCOLAR:

    DISCREPNCIA E ACORDO ME CRIANA

    Patrcia Isabel Simes Oliveira

    Dissertao Orientada pela Professora Doutora Ana Isabel Pereira

    MESTRADO INTERGRADO EM PSICOLOGIA

    (Seco de Psicologia Clnica e da Sade/Ncleo de Psicologia Clnica

    da Sade e da Doena)

    2011

  • i

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo Professora Doutora Ana Isabel Pereira pela presena,

    disponibilidade, orientao e incentivo, que tornaram a realizao deste trabalho mais

    fcil, mais aliciante e enriquecedor. Agradeo ainda por esta oportunidade de

    aprendizagem e crescimento.

    Agradeo tambm Professora Doutora Lusa Barros pelo seu comentrio atento

    e perspicaz.

    minha famlia, ao meu namorado e aos meus amigos pelo constante apoio,

    compreenso e incentivo, pois foram uma contribuio preciosa na realizao deste

    trabalho, especialmente aos meus pais, aos meus dois irmos, ao Ricardo, Carla e

    Telma.

  • ii

    RESUMO

    As Perturbaes de Ansiedade tm uma elevada prevalncia na infncia e na

    adolescncia. Na sua avaliao so verificadas discrepncias na informao recolhida

    aos vrios informadores. Este trabalho teve por objectivo o estudo da discrepncia e

    acordo me-criana na avaliao da ansiedade nas crianas atravs de um estudo

    quantitativo, e a anlise das atribuies para a discrepncia atravs de um estudo

    qualitativo.

    No estudo quantitativo participaram 253 crianas dos 7 aos 13 anos e as suas

    mes. Recorreu-se ao Questionrio de Avaliao de Perturbaes Emocionais

    Relacionadas com a Ansiedade em Crianas (SCARED-R), verso criana e pais para

    avaliao da discrepncia; ao Questionrio de Estilos Educativos Parentais (EMBU-C)

    para avaliar o suporte emocional da me; e ao Inventrio de Estado-Trao de Ansiedade

    (STAI-Y) para avaliar a ansiedade trao da me. No estudo qualitativo foi usada uma

    subamostra de 7 mes. Recorreu-se ADIS-P (Anxiety Disorder Interview Scheduale

    for Parents) verso pais, e guio de entrevista semi-estruturada para avaliao das

    atribuies e perspectivas relativas discrepncia.

    Os resultados demonstraram a existncia de discrepncia significativa me-

    criana, com a criana a reportar mais problemas de ansiedade. Ainda se observou um

    acordo me-criana baixo a moderado. Verificou-se uma associao significativa entre

    crianas do sexo masculino e discrepncia no sentido de a me sinalizar mais

    problemas. Quando a criana reportava mais problemas, havia maior prevalncia do

    sexo feminino. Na ansiedade de separao existe associao significativa entre uma

    baixa discrepncia e crianas em idades mais novas. Na fobia especfica, h um maior

    nmero de casos de crianas mais novas a sinalizar mais problemas. O suporte

    emocional e ansiedade trao da me no revelaram associaes significativas com a

    discrepncia. Quando era a me a reportar maior ansiedade, a atribuio da discrepncia

    era maioritariamente centrada na criana. Este estudo contribuiu na demonstrao que

    as discrepncias no so apenas inconvenientes metodolgicos.

    Palavras-Chave: Perturbaes de Ansiedade, Discrepncia, Acordo, Atribuies

  • iii

    ABSTRACT

    Anxiety disorders are highly prevalent in childhood and adolescence. In its

    assessment, discrepancies in the information collected through various informants are

    observed. This investigation aimed to study the discrepancy and agreement between

    mother and child in the assessment of anxiety in children through a quantitative study,

    and analyze the attributions for the discrepancies through a qualitative study.

    Quantitative Studies involved 253 children from 7 to 13 years old and their

    mothers. It was used the Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders-

    Revised (SCARED-R), version child and parents to evaluate the discrepancy;

    Questionnaire of Parenting Rearing Styles (EMBU-C) to evaluate the mother's

    emotional support perceived by the child; and Inventory State-Trait anxiety (STAI-Y) in

    order to evaluate the mother's trait anxiety. In the Qualitative Study we used a

    subsample of seven mothers. It was used the ADIS-P (Anxiety Disorder Interview

    Schedule for Parents) version for parents and a semi-structured interview for assessing

    the attributes and perspectives of the discrepancy.

    The results demonstrated the existence of significant discrepancy between

    mother and child, being the child to report more anxiety problems. Yet, the mother-

    child agreement was low to moderate. There was a significant association between male

    children and discrepancy in the sense of the mother signaling more trouble. When the

    child reported more problems, there was a higher prevalence of females. In separation

    anxiety disorder exists a significant association between low discrepancy and younger

    children. In specific phobia, there are a greater number of cases of younger children

    reporting more trouble. Emotional support and trait anxiety of the mother were not

    significantly related to the discrepancy between mother and child. When the mother

    reports a higher anxiety, maternal attribution of the discrepancy is mainly focused on

    children. This study helped to demonstrate that the discrepancies are not only

    methodological drawbacks.

    Keywords: Anxiety Disorders, Discrepancy, Agreement, Attributions, Perspectives

  • iv

    NDICE

    1. ENQUADRAMENTO TERICO1

    1.1.Perturbaes de Ansiedade...1

    1.1.1.Medo e Ansiedade: Normal e Patolgico.1

    1.1.2.Tipo de Perturbaes de Ansiedade..3

    1.1.3.Co-morbilidade.9

    1.2.Recolha de Informao relativa s Perturbaes de Ansiedade.10

    1.2.1.Discrepncia e Acordo entre Diferentes Informadores...10

    1.2.2.Caractersticas dos Informadores que Influenciam a Discrepncia/

    Acordo ....13

    1.2.3.Atribuies para as causas do Problema.15

    1.2.4.Modelo ABC para a Anlise das Discrepncias entre Informadores..16

    2. OBJECTIVOS E METODOLOGIA...21

    2.1.Objectivos do Estudo..21

    2.2.Desenho da Investigao22

    2.3. Amostra.22

    2.3.1. Estudo Quantitativo...22

    2.3.2. Estudo Qualitativo.25

    2.4. Procedimento de Recolha de Dados..26

    2.4.1. Estudo Quantitativo...26

    2.4.2. Estudo Qualitativo.27

    2.5 Instrumentos Utilizados..28

    2.5.1. Estudo Quantitativo...28

    2.5.2. Estudo Qualitativo.31

    2.6. Anlise de Dados...32

    2.6.1. Anlise Estatstica do Estudo Quantitativo32

    2.6.2. Anlise do Estudo Qualitativo...34

  • v

    3. APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS....43

    3.1. Estudo Quantitativo...43

    3.1.1. Estudo de Discrepncia entre Me e Criana quanto Sintomatologia

    Avaliada pelo SCARED-R. 43

    3.1.2. Estudo do Acordo entre Me e Criana quanto Sintomatologia Avaliada

    pelo SCARED-R..45

    3.1.3. Estudo dos Factores Associados Discrepncia...46

    3.2. Estudo Qualitativo.50

    3.2.1. Atribuies para a Discrepncia....50

    3.2.1. Factores Associados Discrepncia..53

    4. DISCUSSO DOS RESULTADOS E CONCLUSES....57

    4.1. Estudo Quantitativo das Discrepncias, Acordo e Factores Relacionados com a

    Discrepncia57

    4.2. Estudo Qualitativo das Atribuies para a Discrepncia..63

    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....68

  • vi

    ANEXOS

    Anexo 1 Consentimento informado para os pais para a participao dos prprios e dos

    seus filhos na primeira fase do estudo CD-R

    Anexo 2 Consentimento informado para os pais para a participao dos prprios e dos

    seus filhos na segunda fase do estudo CD-R

    Anexo 3 SCARED-R Verso Criana CD-R

    Anexo 4 SCARED-R Verso Pais CD-R

    Anexo 5 EMBU-C CD-R

    Anexo 6 STAI Y CD-R

    Anexo 7 Guio de Entrevista Semi-Estruturada CD-R

    Anexo 8 Transcrio das Entrevistas CD-R

    Anexo 9 Categorizao das entrevistas CD-R

  • vii

    NDICE DE QUADROS, FIGURAS E GRFICOS

    Quadros

    Quadro 1 Caractersticas da amostra do estudo quantitativo: Variveis da

    Criana.23

    Quadro 2 Caractersticas da Amostra do Estudo Quantitativo: Variveis

    Familiares24

    Quadro 3 Caractersticas da Amostra do Estudo Qualitativo: Variveis da

    Criana.25

    Quadro 4 Caractersticas da Amostra do Estudo Qualitativo: Variveis

    Familiares26

    Quadro 5 Valores da Consistncia interna do SCARED-R.. 29

    Quadro 6 Subcategorias da Categoria Justificao para a Discrepncia.37

    Quadro 7 Subcategorias da Categoria Comunicao entre Me e Filho.40

    Quadro 8 Subcategoria da Categoria Conhecimento do Filho41

    Quadro 9 Subcategorias da Categoria Proximidade Emocional.42

    Quadro 10 Discrepncia entre Me e Criana na Avaliao de Sintomatologia de

    Ansiedade na Criana: Mdias, Medianas, Desvios-Padro e Resultados do Teste

    Wilcoxon.44

    Quadro 11 Coeficiente de Correlao de Spearman do Acordo entre

    Informadores45

    Quadro 12 Factores Associados Discrepncia entre Informadores Atravs do Teste

    2: Sexo da Criana..47

    Quadro 13 Factores Associados Discrepncia entre Informadores Atravs do Teste

    2: Idade da Criana.....48

    Quadro 14 Teste de Kruskal-Wallis para Anlise do Suporte Emocional da Me

    Percebido pela Criana Atravs do EMBU-C.49

    Quadro 15 Teste de Kruskal-Wallis para Anlise da Ansiedade Trao da Me Atravs

    do STAI-Y..49

  • viii

    Grficos

    Grfico 1 Sentido da Discrepncia e Justificao para a Discrepncia...52

    Grfico 2 Situao Hipottica e Justificao para a Discrepncia...53

    Grfico 3 Comunicao entre Me e Filho..54

    Grfico 4 Justificaes para a Percepo Negativa Insatisfao..55

    Grfico 5 Conhecimento do Filho...55

    Grfico 6 Proximidade Emocional..56

    Figuras

    Figura 1 Categoria Discrepncia/Acordo35

    Figura 2 Categoria Justificao para a Discrepncia...36

    Figura 3 Categoria Comunicao entre Me e Filho...39

    Figura 4 Categoria Conhecimento do Filho41

    Figura 5 Categoria Proximidade Emocional...42

  • ix

    INTRODUO

    A presente investigao pretende analisar a discrepncia e o acordo entre os

    informadores, me e criana, quanto sintomatologia de ansiedade da criana, bem

    como alguns factores associados discrepncia. Prope-se ainda analisar as atribuies

    e perspectivas da me para a discrepncia na avaliao da sintomatologia de ansiedade

    da criana.

    Assim este trabalho composto por sete captulos: o primeiro captulo consiste

    na reviso da literatura e observao do estado da arte relativamente ao tema das

    Perturbaes de Ansiedade na Infncia e ao tema da Discrepncia e Acordo; o segundo

    captulo desta investigao constitudo pela apresentao do estudo emprico. Este

    engloba os objectivos que orientaram este trabalho, bem como a descrio da

    metodologia quantitativa e qualitativa utilizada: no terceiro captulo so apresentados os

    resultados dos estudos quantitativo e qualitativo, bem como a sua anlise; o quarto

    captulo constitudo pela discusso dos resultados e concluses desta investigao,

    bem como algumas consideraes finais; e, por ltimo, no captulo cinco, encontram-se

    as referncias bibliogrficas.

  • 1

    1. ENQUADRAMENTO TERICO

    As Perturbaes de Ansiedade so um dos problemas de sade mental mais

    comuns nas crianas e nos adolescentes (Kessler, Berglund, Demler, Jin, Merikangas &

    Walters, 2005, Ezpeleta, Guillamn, Granero, Osa, Domnech, & Moya, 2007 e Rapee,

    Schniering & Hudson, 2009).

    Este tipo de perturbao parece ter um forte impacto nas crianas e adolescentes

    (Rapee, Schniering & Hudson, 2009), envolvendo custos para as prprias crianas, para

    as suas famlias, e para a sociedade. Grande parte dos problemas que decorrem na

    infncia tm consequncias a longo-prazo (Pereira, 2009). Muitas crianas que tm

    perturbaes de ansiedade, continuam a ter perturbaes de ansiedade na adolescncia e

    idade adulta (Costello, Mustillo, Erkanli, Keeler, & Angold, 2003; Ollendick & King,

    1994). Para alm disso, crianas com perturbao de ansiedade tm a forte possibilidade

    de desenvolver depresso e perturbaes de externalizao (Costello et al, 2003). Por

    exemplo, um estudo de Woodward e Fergusson (2001), encontrou uma associao

    linear entre o nmero de perturbaes de ansiedade na adolescncia e resultados

    adversos no incio da vida adulta. Deste modo, quanto maior o nmero de perturbaes

    de ansiedade, maior o risco de problemas de sade mental como as perturbaes de

    ansiedade, depresses, dependncia de tabaco e lcool, dependncia de drogas ilcitas e

    comportamentos suicidas.

    Segundo Kendall (2000), todas as crianas experimentam medos e ansiedades,

    sendo que estes representam uma perturbao psicolgica apenas quando se apresentam

    de forma intensa, prolongada, e interferindo na vida da criana.

    1.1. Perturbaes de Ansiedade

    1.1.1. Medo e Ansiedade: Normal e Patolgico

    Uma em cada seis crianas padece ou ir padecer de uma perturbao

    psiquitrica (Costello et al, 2003). As perturbaes de externalizao e internalizao

    so as formas mais comuns de psicopatologia na infncia e na adolescncia (Zahn-

  • 2

    Waxler, Klimes-Dougan & Slattery, 2000). Os problemas de externalizao

    caracterizam-se por comportamentos que so prejudiciais e disruptivos para os outros.

    J as perturbaes de internalizao, onde se enquadram as perturbaes de ansiedade,

    dizem respeito a um conjunto de perturbaes nas emoes e no humor, que incluem

    sintomatologia de tristeza, culpa, medo e preocupao.

    Por vezes os conceitos de medo e ansiedade surgem como sinnimos ou surgem

    alternados, no o sendo no entanto (Baptista, Carvalho & Lory, 2005; Muris, 2007).

    Para distinguir estes dois termos, Baptista et al, (2005), consideram que no medo existe

    um estmulo desencadeador externo que leva a comportamentos de evitamento ou fuga.

    J a ansiedade o estado emocional aversivo sem desencadeadores claros que no

    podem ser evitados. Muris (2007) acrescenta que o medo ocorre geralmente quando

    estamos perante uma ameaa prxima ou eminente, sendo que a sua funo a de

    colocar o organismo em alerta para que este esteja preparado para uma aco imediata,

    quer esta seja lutar ou fugir. O mesmo autor refere que a ansiedade pode ser manifestada

    sem a presena de um perigo ou ameaa real, sendo que a sua manifestao mais

    comum a preocupao. Este autor acrescenta ainda que a ansiedade pode evoluir para

    perturbao de ansiedade, caracterizada por tenso, apreenso, preocupao e

    desconforto geral, sendo que a ansiedade emerge sem fonte de perigo objectivo.

    Segundo Ollendick, King e Muris (2002), os medos que surgem na infncia e na

    adolescncia so transitrios, normativos e frequentes. Craske (1997) acrescenta que

    fazem parte do desenvolvimento, sendo adaptativos pois constituem respostas

    protectoras a estmulos que no so compreensveis nem controlveis. Desta forma, os

    medos que vo aparecendo durante a infncia resultam de uma maior capacidade de

    percepo de perigos potenciais em diferentes situaes, e, simultaneamente de uma

    incapacidade em compreender a situao na sua totalidade e de exercer controlo sobre

    essa mesma situao (Pereira, 2009 p.97). Por exemplo, o medo das alturas que surge

    nos bebs pouco tempo depois de estes comearem a gatinhar parece ter a funo de,

    numa altura em que aumenta o comportamento exploratrio do meio, proteger o beb e

    a sua integridade fsica. Desta maneira, os medos surgem em perodos especficos do

    desenvolvimento, visando a facilitao da resoluo de tarefas especficas em cada

    etapa de desenvolvimento, e, quando deixam de ser adaptativos, diminuem ou

    desaparecem (Pereira, 2009). Os medos ou receios ditos normais so transitrios e

    pouco intensos, no tendo repercusses quer no desenvolvimento, quer na rotina da

  • 3

    criana ou adolescente (Crujo & Marques, 2009). Muitos estudos demonstram uma

    diminuio no nmero dos medos medida que a criana cresce (Craske, 1997).

    Muris (2007) refere vrios estudos empricos alusivos aos medos mais

    frequentes das crianas, chegando concluso que estes so, por ordem decrescente, a

    preocupao exagerada com a competncia, necessidade excessiva de tranquilizaes,

    medo das alturas, medo de falar em pblico, medo do escuro, medo que a figura de

    vinculao sofra algum dano, preocupao excessiva com comportamentos passados,

    auto-conscincia, medo de se despir/vestir na frente de outros, queixas somticas, e

    temer o contacto com os outros.

    Desta forma, importante salientar que a ansiedade e o medo so considerados

    patolgicos quando so exagerados e desproporcionais em relao ao estmulo, ou

    qualitativamente diferentes do que esperado naquela faixa etria, interferindo na

    qualidade de vida, no bem-estar emocional, ou no desempenho dirio do indivduo

    (Castillo, Recondo, Asbahr & Manfro, 2000). Os mesmos autores referem que para

    diferenciar a ansiedade normal da patolgica importante avaliar se a reaco ansiosa

    de longa ou de curta durao, se auto-limitada, e se est relacionada com o estmulo.

    1.1.2. Tipos de Perturbaes de Ansiedade

    De seguida so descritas as principais caractersticas das vrias perturbaes de

    ansiedade na infncia, sendo que as quatro principais perturbaes (ansiedade de

    separao, fobia social, fobia especfica e ansiedade generalizada) so apresentadas em

    primeiro lugar.

    Ansiedade de Separao

    A Ansiedade de Separao a nica perturbao de ansiedade especfica da

    infncia. Silverman e Dick-Niederhauser (2004), consideram que a Perturbao de

    Ansiedade de Separao mais prevalente na infncia e no incio da adolescncia. A

    ansiedade de separao manifesta-se pelo medo excessivo e irrealista de separao da

    figura de vinculao, geralmente um dos pais. Este medo interfere de forma

    significativa nas tarefas de desenvolvimento e nas actividades dirias. Uma preocupao

    muito comum a de que a figura de vinculao possa sofrer algum tipo de dano, ou que

  • 4

    esse dano ocorra nelas prprias quando esto separadas da figura de vinculao,

    havendo, assim, a possibilidade de no voltarem a estar juntos. Os sintomas associados

    a esta perturbao (emocionais, cognitivos, somticos e comportamentais), relacionados

    com o medo ou ameaa de separao da figura de vinculao, prejudicam de forma

    marcada o bem-estar da criana, as suas relaes com a famlia e os amigos, a sua

    capacidade de participar e progredir na escola e nas actividades criativas e (ou)

    recreativas.

    A prevalncia desta patologia varia entre 0,7% e 12,9% em crianas e pr-

    adolescentes e 2% a 3,6% nos adolescentes (Craske, 1997). J, segundo o DSM-IV, esta

    perturbao tem uma prevalncia de cerca de 4% nas crianas e adolescentes jovens,

    sendo que em amostras clnicas, esta perturbao parece afectar ambos os sexos. Em

    amostras epidemiolgicas, esta perturbao mais frequente no sexo feminino (APA,

    2002; Foley, Rutter, Pickles, Angold, Maes, Silberg & Eaves, 2004).

    Fobia Social

    Caracteriza-se pelo desejo do contacto e dos encontros sociais, mas, ao mesmo

    tempo, a angustia de quando as crianas o fazem (Beidel, Morris & Turner, 2004). H

    um medo marcado e persistente de situaes sociais, que se manifesta por inibio

    social e timidez generalizada. Os autores referem estudos empricos que delimitam a

    idade mdia de incio da fobia social no incio e meio da adolescncia, facto tambm

    confirmado por Kessler et al, (2005). Segundo o estudo de Beidel, Turner e Morris

    (1999), as situaes que provocam mais ansiedade nas crianas com fobia social so

    apresentaes em pblico como ler em voz alta ou jogar futebol, e interaces sociais

    consideradas normais (iniciar conversas, conversar com adultos, entrar numa conversa,

    atender o telefone). No mesmo estudo, referido que crianas com fobia social

    experienciam um grande sofrimento emocional. A fobia social compromete o

    funcionamento acadmico, familiar e social de crianas e adolescentes. Deste modo,

    estas crianas so geralmente solitrias, evitando actividades extracurriculares,

    experimentando sintomas somticos como o caso das dores de cabea e de barriga

    quando antecipam ou durante situaes de avaliao social. A ansiedade e o evitamento

    das actividades sociais prejudicam o relacionamento interpessoal e impedem que a

    criana se envolva em actividades tpicas da infncia, tendo, assim, impacto na vida da

    criana, pois afecta as relaes de amizade e prejudica outros aspectos do

  • 5

    funcionamento. de referir que as crianas com fobia social tm conscincia de que a

    sua angstia social fora dos limites do que considerado normal para aquela situao.

    Em termos de prevalncia, esta perturbao de ansiedade varia entre 0,9% e

    1,1% em crianas em idade escolar. J nos adolescentes, a prevalncia situa-se em 1,1%

    (Craske, 1997).

    Fobia Especfica

    Esta patologia caracterizada por medo persistente e intenso em relao a

    objectos ou situaes especficas (Albano, Chorpita & Barlow, 2003). O DSM-IV

    considera quatro subtipos de fobias especficas. Assim, h o subtipo animal, em que o

    medo relativo a animais ou insectos; o subtipo natural, referente a objectos no

    ambiente, como as tempestades, o escuro ou a gua; ainda o subtipo relacionado com

    sangue-injeces-ferimentos, em que o medo relativo exposio ao sangue de uma

    ferida, de levar uma injeco, ou de ser sujeito a outros procedimentos mdicos

    invasivos; ainda o subtipo situacional referente a, por exemplo, transportes pblicos,

    tneis, pontes, elevadores, espaos fechados, entre outros; e, por ltimo, o subtipo

    referente a outras fobias, como por exemplo, rudos altos, personagens com disfarces,

    vomitar, apanhar uma doena, entre outros exemplos. Nas crianas com fobia

    especfica, a exposio ao estmulo fbico provoca, uma resposta ansiosa quase

    imediata, que pode manifestar-se num ataque de pnico. Desta forma, os estmulos

    fbicos tendem a ser evitados, ou enfrentados com sofrimento. de salientar que a

    criana pode no se aperceber que este medo excessivo ou irrealista.

    Grande parte das fobias especficas comea no incio ou a meio da infncia

    (Kessler et al, 2005). Segundo o DSM-IV, o contedo das fobias varia em funo da

    cultura, sendo que, nas crianas, a ansiedade pode manifestar-se de diferentes formas:

    choro, birras, imobilidade ou comportamento de procurar estar sempre perto de um

    adulto significativo (APA, 2002). No que toca prevalncia desta perturbao, em pr-

    adolescentes varia entre 2,4% e 9,2%, e na adolescncia 3,6% (Craske, 1997).

    Ansiedade Generalizada

    uma perturbao da ansiedade que tem como caracterstica fundamental, a

    preocupao. Nesta perturbao, a preocupao mais intensa, mais prolongada e

  • 6

    incontrolvel do que as preocupaes mais normativas (Flannery-Schroeder, 2004). As

    preocupaes so persistentes e abrangem vrios domnios, eventos e actividades da

    vida da criana. Assim, h preocupao com o futuro, com a sade, com o desempenho,

    e com a segurana dos outros (APA, 2002). Flannery-Schroeder (2004) refere ainda que

    a acompanhar a preocupao surgem sintomas fisiolgicos como o caso da

    inquietao, a fadiga, a tenso muscular e as perturbaes no sono. Assim, as queixas

    somticas so comuns neste tipo de perturbao. Tambm surgem sintomas como a

    irritabilidade e as dificuldades de concentrao. de notar que as crianas com

    perturbao de ansiedade generalizada so, geralmente, perfeccionistas. Assim, caso

    no consigam fazer uma tarefa de forma perfeita, no a fazem de todo. Deste modo,

    estas crianas so excessivamente auto-crticas, requerendo garantias excessivas e

    frequentes, tendo uma auto-conscincia marcada que se manifesta de forma rgida na

    adeso s normas sociais e dos pares, ou atravs da recusa em envolverem-se em

    comportamentos que podem ser avaliados negativamente pelos outros. So ainda

    consideradas crianas muito maduras para a idade.

    Flannery-Schroeder (2004) faz referncia a estudos empricos que observaram

    que h mais raparigas diagnosticadas com ansiedade generalizada do que rapazes.

    Outros estudos referenciados pela autora demonstram ainda que, crianas com idade

    inferior a 12 anos experienciam menos sintomas, enquanto que as mais velhas

    experienciam mais sintomas. Esta perturbao apresenta uma prevalncia entre 2,7% e

    12,4% em crianas e pr-adolescentes e 2,4% a 7% na adolescncia (Craske, 1997).

    Perturbao de Pnico

    Segundo Ollendick, Birmaher e Mattis (2004), a Perturbao de Pnico ocorre

    numa minoria significativa de crianas e adolescentes. A perturbao de pnico tem

    como caracterstica principal o ataque de pnico, que consiste no desenvolvimento

    abrupto de diferentes sintomas fsicos (palpitaes, suores, estremecimento ou tremores,

    dificuldade em respirar, sensao de desconforto, nuseas, sensao de tontura e

    parestesias), atingindo o seu pico em menos de 10 minutos. Esta perturbao manifesta-

    se atravs de crises repentinas de ansiedade, que esto associadas a sintomas somticos

    e cognitivos (Crujo & Marques, 2009). Para se considerar diagnstico de perturbao de

    pnico, tm que ocorrer um ou mais ataques de pnico inesperados e recorrentes,

    existindo, tambm, preocupao persistente em ter outro ataque pnico durante pelo

  • 7

    menos um ms. Tem que haver preocupao relacionada com as consequncias dos

    ataques de pnico ou uma alterao comportamental significativa associada aos ataques

    de pnico. de salientar que os ataques de pnico no so provocados por consumos de

    substncias. A perturbao de pnico pode ocorrer associada a agorafobia, isto , a

    ansiedade por estar num local ou situao do qual a fuga possa ser difcil, ou, caso tenha

    um ataque de pnico, no possa obter ajuda (por exemplo, estar fora de casa (sozinho),

    numa multido ou aguardar numa fila). Assim, a perturbao de pnico pode ser

    classificada em perturbao de pnico sem agorafobia e perturbao de pnico com

    agorafobia (APA, 2002).

    No entanto, no que toca perturbao de pnico em crianas, no h consenso.

    Craske (1997) refere que existem autores que afirmam que a perturbao de pnico

    pode ter a sua origem na infncia, enquanto outros autores dizem que sintomas de

    pnico que ocorrem antes da adolescncia esto associados a outras perturbaes de

    ansiedade. Nelles e Barlow, (1988) afirmam que necessria capacidade cognitiva para

    experienciar ataques de pnico espontneos, isto , para experienciar as atribuies de

    perda de controlo e ficar maluco. Chorpita, Albano e Barlow (1996) tambm se

    serviram do mesmo argumento recorrendo a Piaget, fazendo referncia ao facto de que

    crianas no estdio operatrio concreto podem no ter a capacidade cognitiva de

    associar estmulos internos e imediatos com formas de perigo externo, e muitas vezes

    abstractas.

    Perturbao Obsessivo-Compulsiva

    As caractersticas fundamentais desta patologia so as obsesses (pensamentos,

    ideias, impulsos ou imagens persistentes, os quais so intrusivos e inapropriados,

    causando ansiedade e mal-estar) ou as compulses (comportamentos repetitivos ou

    actos mentais, como contar, que visam reduzir ou evitar a ansiedade ou mal-estar), as

    quais so recorrentes, consumindo tempo, causando um forte mal-estar ou deficincia

    expressiva. As crianas no reconhecem que as obsesses ou compulses so excessivas

    ou irracionais. Nas crianas, as lavagens, verificaes e rituais de ordenao so os

    rituais mais comuns (APA, 2002). Segundo Adams, Waas, March e Smith (1994), nas

    crianas e adolescentes, a perturbao obsessivo-compulsiva est relacionado com a

    escola, sendo que as obsesses que as crianas experienciam encontram-se volta do

    medo de contaminao, medo de se magoar ou de uma doena ou morte, sexo e

  • 8

    nmeros, estando frequentemente associados s compulses correspondentes como os

    rituais de lavagem, de verificao, de repetio e de simetria. Albano, Chorpita e

    Barlow (2003) fazem referncia a estudos empricos onde identificam 50% a 60% de

    crianas diagnosticadas com perturbao obsessivo-compulsiva, que sofrem uma

    interferncia grave no seu funcionamento global. Este prejuzo reflecte a interferncia

    desta perturbao na vida pessoal, social e acadmica da criana.

    Esta patologia tem uma prevalncia de 0.3% em pr-adolescentes e 1.9% a 4%

    em adolescentes (Craske, 1997). Segundo Albano et al, (2003), o incio desta

    perturbao parece ser mais precoce no sexo masculino quando comparado ao sexo

    feminino, o que resulta num predomnio do sexo masculino em amostras de crianas

    mais jovens, apesar de estas diferenas no que toca ao gnero desaparecerem no meio

    da infncia.

    Perturbao Stress Ps-Traumtico

    Segundo o DSM-IV, tem como caracterstica principal o desenvolvimento de

    sintomas subsequentes exposio a um acontecimento traumtico, o qual pode

    envolver morte ou ameaa de morte. Ou ento, um ferimento grave que ameace a

    integridade fsica, quer relativo ao prprio, quer relativo a um outro significativo

    (familiares ou amigos). Ou ainda a observao de um acontecimento que envolva os

    eventos supracitados, podendo ainda resultar do conhecimento de uma morte violenta,

    bem como os restantes exemplos supracitados em relao a um familiar ou amigo.

    Assim, a resposta ao acontecimento traumtico deve compreender um medo intenso, um

    sentimento de horror e de inabilidade de obter ajuda, sendo que, nas crianas, a resposta

    geralmente envolve comportamentos agitados e desorganizados (APA, 2002). Yule

    (2001) afirma que imediatamente aps a experincia traumtica h uma grande

    probabilidade de a criana estar angustiada ou aflita, chorosa, assustada e em estado de

    choque, ocorrendo uma necessidade de proteco e segurana. Posteriormente, a

    maioria das crianas possui pensamentos repetitivos e intrusivos relativos ao

    acontecimento traumtico (reexperiencia o acontecimento), que podem levar a

    perturbaes do sono. Tambm so frequentes dificuldades de separao das figuras

    mais importantes, at nos adolescentes. Ainda so relatadas mudanas ao nvel

    cognitivo, como dificuldades de concentrao e problemas de memria. Para alm da

    reexperiencia da situao traumtica, o DSM-IV acrescenta, como sintomas, o

  • 9

    evitamento insistente de estmulos relacionados com a situao, embotamento da

    reactividade e, activao aumentada. Ainda sugere que esta perturbao deve causar um

    mal-estar expressivo, ou deficincia a nvel das vrias reas de funcionamento (APA,

    2002). Algumas crianas mostram perda de interesse em actividades que anteriormente

    lhes davam prazer (Yule, 2001).

    Nas vrias perturbaes de ansiedade observa-se um maior risco de

    desenvolvimento destas perturbaes em crianas e adolescentes do sexo feminino. Isto

    acontece especialmente nas fobias especficas, ansiedade de separao e ansiedade

    generalizada (Craske, 1997).

    Rapee et al (2009) fazem referncia a vrios estudos empricos, os quais indicam

    que aproximadamente 2.5% a 5% de crianas e adolescentes cumprem os critrios de

    uma perturbao de ansiedade num determinado perodo.

    1.1.3. Co-morbilidade

    Segundo Crujo e Marques (2009), o tema da co-morbilidade bastante relevante

    pois a presena de comorbilidade entre diferentes quadros um tem impacto ainda maior

    na vida da criana e do adolescente. Costello et al, (2003), no seu estudo, chegaram

    concluso que 25,5% das crianas com diagnstico de perturbao psiquitrica tinham

    dois ou mais diagnsticos.

    No caso especfico das perturbaes de ansiedade, existe uma co-morbilidade de

    cerca de 39% entre as vrias perturbaes de ansiedade. Mais de 50% das crianas e

    adolescentes de amostras clnicas com ansiedade de separao e ansiedade generalizada

    tm outra perturbao de ansiedade, sendo que a ansiedade de separao tem o nvel

    mais alto de co-morbilidade (Craske, 1997). Silverman e Dick-Niederhauser (2004)

    apontam, em amostras clnicas, para uma co-morbilidade entre ansiedade de separao e

    outros distrbios de ansiedade (sobretudo perturbao de ansiedade generalizada e fobia

    especfica) de aproximadamente 50%.

    Tambm pode ocorrer co-morbilidade com outras perturbaes de

    internalizao, especialmente com perturbaes de humor, a qual pode chegar aos 70%,

    embora se situe maioritariamente entre os 20 e os 50% (Zan-Waxler et al, 2000). Vrios

  • 10

    estudos confirmam esta co-morbilidade (Angold et al, 1999; Costello et al, 2003,

    Flannery-Schroeder, 2004, Silverman & Dick-Niederhauser, 2004).

    Tambm de salientar que existe co-morbilidade com perturbaes de

    externalizao (Zahn-Waxler et al, 2000). No estudo de Beidel et al, (1999), foi

    encontrada numa amostra de crianas com perturbao de ansiedade uma co-

    morbilidade de 10% com perturbao de hiperactividade com dfice de ateno.

    Tambm Ezpeleta et al, (2007) no seu estudo encontraram co-morbilidade entre

    perturbao de ansiedade generalizada e perturbao de oposio.

    1.2. Recolha de Informao relativa s Perturbaes de Ansiedade

    1.2.1. Discrepncia e Acordo entre Diferentes Informadores

    Na psicopatologia infantil, a considerao de diferentes fontes de informao

    (professores, pais e a prpria criana) muitas vezes necessria (Ezpeleta, Osa,

    Domnech, Navarro & Losilla, 1997; Kraemer, Measelle, Ablow, Essex, Boyce &

    Kupfer, 2003; Piancentini, Cohen & Cohen, 1992). Assim, o recurso a mltiplos

    informadores pertencentes a diferentes contextos, e a sua integrao no contexto da

    avaliao desejvel, isto porque o comportamento da criana pode variar de acordo

    com o contexto em que se encontra, e diferentes informadores podem ter diferentes

    percepes do comportamento da criana. O uso de vrios informadores ainda contribui

    para uma maior riqueza no processo da avaliao (Pereira, 2009).

    No entanto, recorrer a vrios informadores comporta complexidade no que diz

    respeito integrao das diferentes fontes de informao (Pereira, 2009). A informao

    relativa ao funcionamento emocional e comportamental da criana pode diferir e ser

    inconsistente dependendo da fonte de informao (Achenbach, McConaughy & Howel,

    1987; Frick, Silverthorn & Evans, 1994). Dependendo da idade e do tipo de perturbao

    da criana, o acordo pais-criana tende a ser bastante baixo (Cosi, Canals, Hernndez-

    Martinez & Vigil-Colet, 2010). de acrescentar que a falta de uma Gold Standard

    para avaliar a validade do sintoma, agregado de sintomas ou diagnstico, torna mais

    complexa a integrao da informao de vrios informadores (Bidaut-Russel, Reich,

    Cottler, Robins, Compton & Mattison, 1995).

  • 11

    Segundo alguns estudos (Herjanic & Reich, 1982; Reich, Herjanic, Welner &

    Gandhy, 1982), o nvel de acordo entre pais e criana situa-se entre o baixo e o

    moderado. As discrepncias verificam-se tanto quanto ao tipo de sintoma, bem como

    sua presena ou ausncia. de referir ainda que, de uma forma geral, os pais

    reportavam mais sintomas comportamentais relativos aos seus filhos do que a prpria

    criana. J as crianas apontavam mais sintomas afectivos e de internalizao do que os

    seus pais. O estudo de Younstrom, Loeber e Stouthamer-Loeber (2000) efectuado com

    uma amostra de adolescentes do sexo masculino veio confirmar o que foi dito

    anteriormente, pois verificaram uma maior sinalizao de problemas de internalizao

    por parte da criana do que por parte dos pais, e ainda em menor grau, por parte dos

    professores.

    Estudos tm verificado um maior acordo entre pais e professores do que entre

    pais-criana e professores-criana (Briggs-Gowan, Carter & Schwab-Stone 1996).

    No caso especfico do uso de entrevistas estruturadas, as crianas e as mes, de

    uma forma geral, concordam quando o problema da criana algo concreto, visvel,

    severo e no ambguo. H menos acordo quando o que est em questo a gravidade

    do problema, o reconhecimento do comportamento enquanto problema, e quando a

    questo mal entendida ou interpretada (Herjanic e Reich, 1982).

    Na avaliao de sintomas to subjectivos como a preocupao e a ansiedade, a

    criana a melhor, mais vlida e por vezes, a nica fonte de informao (Herjanic &

    Reich, 1982). No entanto, simplesmente documentar a existncia de diferenas na

    prevalncia de relatos de sintomas por parte dos informadores no prova

    necessariamente uma maior validade da criana como informador, a no ser que se

    considere que qualquer relato positivo clinicamente significativo (Frick et al, 1994).

    Assim, o tipo de sintoma, bem como o tipo de informador devem ser tidos em conta

    quando se estuda o acordo entre informadores (Briggs-Gowan et al, 1996).

    No estudo da discrepncia entre informadores importante considerar o tipo de

    problemtica avaliado (De Los Reyes & Kazdin, 2005). Estudos empricos sugerem que

    existe maior acordo entre informadores quando a criana tem problemas de

    externalizao quando comparados com os problemas de internalizao. Os resultados

    do estudo de Comer e Kendall (2004), que incidia sobre a avaliao dos problemas de

    ansiedade verificou um maior acordo entre pais e filhos quando os sintomas eram

    observveis do que quando no o eram.

  • 12

    No caso especfico das perturbaes de ansiedade, o acordo entre pais e filhos

    situa-se entre o baixo e o moderado (Comer & Kendall, 2004; Cosi et al, 2010; Foley et

    al, 2004; Frick et al, 1994; Grills & Ollendick, 2003; Herjanic & Reich, 1982; Krain &

    Kendall, 2000). De todos os estudos referenciados anteriormente, os nicos com

    amostras comunitrias foram o de Comer e Kendall (2003), Foley et al, (2004), e

    Herjanic e Reich, 1982. Os restantes estudos eram constitudos por amostras clnicas, ou

    por pais que procuravam ajuda para os problemas dos seus filhos. Existem outros

    estudos (Weitkamp, Romer, Rosenthal, Wiegand-Grefe, & Daniels, 2010; Muris,

    Dreessen, Bogels, Weckx, & van Melick, 2004) que apresentam um acordo entre o

    moderado e o elevado, provavelmente devido a especificidades da amostra, pois, alguns

    dos sujeitos j se encontravam em acompanhamento teraputico, e outros, haviam sido

    os pais a procurar ajuda para problemas dos seus filhos.

    O estudo das discrepncias na avaliao da psicopatologia da criana torna-se

    pertinente por outro motivo, pois a discrepncia entre os pais e a criana pode ter

    consequncias futuras negativas. Esta possibilidade demonstrada no estudo de

    Ferdinand, van der Ende e Verhulst (2004) que teve por objectivo estudar o valor

    preditivo da psicopatologia percebida pelos pais e jovens relativamente a diferentes

    indicadores de funcionamento inadaptado (como por exemplo, uso de droga, tabaco,

    contacto policial e judicial, auto-mutilao, recurso a servios de sade mental, entre

    outros), avaliados seis anos depois. Assim, a investigao consistiu num estudo

    longitudinal, com uma amostra de jovens que no primeiro momento de avaliao tinham

    idade compreendida entre os onze e os catorze anos. Para levar a cabo os objectivos, os

    investigadores utilizaram o Child Behaviour Checklist (CBCL) e o Youth Self-Report

    (YSR). Para analisar o funcionamento inadaptado seis anos depois, foi efectuada uma

    entrevista em casa dos sujeitos e utilizado o Young Adult Self-Report (YASR). Este

    estudo concluiu que os valores de discrepncia pais-filhos prediziam uma grande

    variedade de riscos: uso de droga, tabaco, contacto policial e judicial, expulso da

    escola ou emprego, gravidez indesejada, auto-mutilao, necessidade de ajuda

    profissional, recurso a servios de sade mental e relatos de problemas emocionais ou

    comportamentais. No caso da ansiedade e depresso, quando a discrepncia era no

    sentido de o adolescente sinalizar mais problemas, de salientar que quatro anos depois,

    estes jovens ainda indicavam problemas emocionais e comportamentais. No entanto, os

    autores no explicaram, nem especificaram que problemas emocionais e

    comportamentais eram estes.

  • 13

    1.2.2. Caractersticas dos Informadores que Influenciam a

    Discrepncia/Acordo

    Na anlise das discrepncias entre informadores, necessrio ter em conta que

    as caractersticas dos informadores podem influenciar a discrepncia entre informadores

    (De Los Reyes & Kazdin, 2005). No que diz respeito s caractersticas da criana, tm

    sido estudados vrios factores, entre eles, a idade, o gnero, a desejabilidade social,

    entre outros.

    Em relao idade da criana, vrios estudos apresentam resultados

    contraditrios. No estudo de Achenbach et al. (1987) foi verificado um maior acordo em

    crianas mais novas. J Grills e Ollendick, (2003) encontraram um acordo entre

    informadores superior em crianas mais velhas quando comparadas com as mais novas.

    A influncia do gnero foi alvo de vrios estudos (e.g. De Los Reyes & Kazdin,

    2005; Grills & Ollendick, 2003), que revelam resultados mistos. Por exemplo, Grills e

    Ollendick (2003), no seu estudo encontraram que tanto rapazes como raparigas

    demonstravam, de forma predominante, baixos nveis de acordo com os seus pais. No

    entanto, os rapazes por comparao com as raparigas, mostravam um maior acordo nos

    domnios da fobia social e da ansiedade de separao. No estudo de Briggs-Gowan et

    al, (1996) no foram encontradas associaes significativas entre o gnero e o acordo

    entre informadores.

    A desejabilidade social, isto , o potencial desejo da criana em se apresentar de

    forma socialmente desejvel tambm tem sido foco de ateno (DiBartolo, Albano,

    Barlow e Heimberg, 1998). Por exemplo, o estudo de Grills e Ollendicck (2003) sugere

    uma baixa associao entre o acordo pais-filho e a desejabilidade social da criana,

    excepo da depresso, em que crianas com elevada desejabilidade social revelavam

    um maior acordo com os seus pais.

    Para alm das caractersticas da criana anteriormente mencionadas, so

    estudadas outras caractersticas, como a etnia. No estudo de Youngstom et al, (2000), os

    professores apresentavam maior discrepncia com adolescentes Afro-Americanos no

    que tocava a problemas de externalizao por comparao a adolescentes Caucasianos.

    Um outro estudo que efectuou comparao entre crianas Afro-Americanas e Euro-

  • 14

    Americanas indicou que crianas Afro-Americanas se classificavam a elas prprias

    como mais ansiosas do que as suas mes (Walton, Johnson, e Algina, 1999).

    Tambm a sofrimento percebido pela criana relativamente ao seu problema

    uma caracterstica a considerar, pois uma possvel razo para a discrepncia pode ser o

    facto de a criana, por exemplo, no achar o seu comportamento necessariamente

    problemtico, havendo, assim, uma discrepncia de perspectivas dos informadores

    relativamente problemtica da criana ser ou no angustiante ou anormal (De Los

    Reyes e Kazdin, 2005).

    As caractersticas dos pais, entre elas, psicopatologia, ansiedade parental,

    depresso parental, stress parental e estatuto scio-econmico, tambm se tm mostrado

    importantes no estudo da discrepncia entre informadores (De Los Reyes & Kazdin,

    2005).

    O estudo da relao da ansiedade parental e discrepncia tm-se focado

    especialmente na ansiedade materna. No seu estudo, Frick et al, (1994) concluram que

    os relatos maternos excessivos de sintomas de ansiedade na criana estavam

    relacionados sistematicamente com os nveis de ansiedade da me, havendo uma

    tendncia para sinalizar maior psicopatologia. A ansiedade maternal pode trazer vis na

    classificao da me da psicopatologia da criana e influenciar, assim, a discrepncia

    entre informadores (De Los Reyes & Kazdin, 2005). No entanto, o estudo de Krain e

    Kendall (2000), que incluiu a avaliao da depresso materna, concluiu que a ansiedade

    maternal no era significante quando a depresso era considerada.

    Tambm os nveis de depresso materna apresentam uma relao positiva com a

    discrepncia entre informadores (Krain & Kendall, 2000; Richters, 1992; Youngstrom

    et al, 2000). No estudo de Brigg-Gowan et al, (1996), no s a sintomatologia

    depressiva da me como a de ansiedade estavam relacionadas com relatos da me de

    sintomatologia na criana, sendo essa associao significativa quando considerados os

    problemas de internalizao.

    Youngstrom et al, (2000) concluiu que existe uma relao entre o stress parental

    e discrepncia ao nvel dos problemas de internalizao e externalizao da criana,

    sendo que o stress predizia uma maior discrepncia.

    Tambm o estatuto scio-econmico tem sido considerado no estudo da

    discrepncia e acordo entre informadores. Os estudos empricos apontam resultados

    inconsistentes, revelando associaes negativas ou ausncia de associaes

    significativas com a discrepncia ou acordo (De Los Reyes & Kazdin, 2005). O estudo

  • 15

    de Treutler e Epkins (2003) que considerou caractersticas da criana e dos pais, no

    encontrou associaes significativas entre o acordo ou discrepncia e o estatuto scio-

    econmico. Existe a possibilidade de que a relao entre o estatuto scio-econmico e a

    discrepncia entre informadores seja espria e explicada por outras caractersticas dos

    informadores.

    O estudo das caractersticas da famlia relacionado com a discrepncia tem sido

    alvo de pouca ateno. Um estudo (Treutler & Epkins, 2003) examinou os sintomas

    psicolgicos dos informadores e as variveis da relao familiar na compreenso das

    discrepncias entre informadores. Para isso analisaram aspectos qualitativos (aceitao

    dos pais e intensidade do conflito pais-crina) e quantitativos (quantidade de tempo que

    os pais passam com a criana e nmero de tpico discutidos) da relao pais-criana. Os

    resultados mais pertinentes deste estudo so os seguintes: 1) o nmero de tpicos

    discutidos referido pela criana estavam negativamente relacionados com discrepncias

    me-criana com problemas de externalizao e internalizao; 2) o nvel de intensidade

    das discusses me-criana referida pela criana estava relacionada, ainda que

    negativamente, com discrepncia me criana em problemas de externalizao.

    1.2.3. Atribuies para as Causas do Problema

    Alm das caractersticas da criana, tambm as atribuies que os pais e as

    crianas fazem em relao s causas do problema ou problemas da criana podem ter

    um impacto significativo na discrepncia entre informadores. O estudo de Compas,

    Friedland-Bandes, Bastien e Adelman (1981), tinha por objectivo investigar as

    atribuies feitas por duas populaes clnicas (uma com problemas de aprendizagem e

    outra com problemas de comportamento) relativamente s causas do sucesso e dos

    problemas, e comparar as atribuies das crianas com as dos seus pais atravs de

    instrumentos de auto-relato. Este estudo concluiu que, para o sucesso, quer os pais quer

    as crianas, tinham uma maior tendncia de fazer uma atribuio interna (caractersticas

    da criana), sendo que, para os pais, esta tendncia de fazer atribuies internas tambm

    era utilizada nos problemas da criana. As crianas, pelo contrrio, tinham tendncia a

    externalizar mais os problemas que os seus pais. O estudo de Compas, Adelman,

    Freundl, Nelson, e Taylor (1982) tambm chegou s mesmas concluses com recurso

  • 16

    entrevista. Assim, torna-se claro o desacordo entre pais e criana nas atribuies causa

    dos problemas da criana.

    A discrepncia entre informadores influencia a avaliao, classificao e

    tratamento da psicopatologia da criana, sendo por este motivo um importante objecto

    de estudo.

    1.2.4. Modelo ABC para a Anlise das Discrepncias entre Informadores

    O Modelo ABC proposto por De Los Reyes e Kazdin (2005) um modelo

    terico que visa explicar a discrepncia entre informadores na avaliao da

    psicopatologia infantil. Este modelo tem a sua origem na investigao e teoria do

    fenmeno actor-observador, contempla a importncia da perspectiva dos sujeitos na

    recuperao da informao armazenada em memria, e a investigao e teoria sobre a

    monitorizao da fonte.

    Conceptualizao de base

    O Fenmeno Actor-Observador foi identificado e descrito por Jones e Nisbett

    (1972). Este fenmeno afirma que os observadores do comportamento de outrem

    atribuem as causas desse comportamento a disposies, qualidades da prpria pessoa,

    negligenciando o papel do contexto em que o comportamento ocorre. Por exemplo, os

    pais atribuem os actos da criana a tendncias agressivas da prpria criana. J o actor

    do comportamento atribui a causa do seu prprio comportamento ao contexto em que o

    comportamento ocorre, no tendo em conta o papel da sua prpria disposio. Por

    exemplo, a criana atribui o seu comportamento agressivo ao facto de o colega lhe ter

    batido em primeiro lugar (Jones & Nisbett, 1972, cit. por De Los Reyes & Kazdin,

    2005).

    A investigao e teoria sobre a relao entre a perspectiva do sujeito e a

    recuperao da informao armazenada em memria, atribui um papel determinante

    perspectiva ou posio do indivduo na reorganizao das memrias. Por exemplo, as

    pessoas recordam-se de determinados acontecimentos que apoiam a sua viso da

    realidade e podem ignorar ou no prestar ateno a outras que no esto de acordo com

    essa mesma viso, conduzindo a enviesamentos no processo de recuperao da

  • 17

    informao em memria. Este vis mais marcado em situaes negativas. A viso

    negativa dos sujeitos pode causar um vis na recuperao de memrias atravs do

    desenvolvimento de representaes esquemticas ou heursticas dos eventos, que

    orientam a recordao da informao e que podem contribuir para os erros ou

    atribuies erradas que as pessoas fazem (Tversky & Marsh, 2000). Se as

    representaes heursticas promovem um vis da memria consistente com a

    perspectiva do informador no momento em que pedido que este recorde o

    comportamento da criana, este vis pode aumentar a discrepncia entre informadores,

    principlamente quando a perspectiva dos informadores no momento da recordao

    discrepante (De Los Reyes & Kazdin, 2005). Por exemplo, no caso dos pais, a

    perspectiva mais negativa que eles tm acerca do comportamento agressivo da criana

    pode influenciar que eventos da memria so recuperados durante a avaliao clnica da

    criana. Isto , face perspectiva dos pais, de que a criana necessita de tratamento para

    o seu comportamento agressivo, os pais procuram informao negativa na sua memria

    que apoie a sua perspectiva. J a perspectiva da criana pode ser a de que os problemas

    se situam no ambiente, no sendo uma funo do seu prprio comportamento.

    A teoria sobre a Monitorizao da Fonte procura compreender o mecanismo pelo

    qual a pessoa faz atribuies de como adquiriu memrias dos eventos, conhecimentos e

    crenas (Johnson, Hashtroudi & Lindsay, 1993). Este quadro conceptual postula que as

    decises sobre de onde vm as memrias podem ser feitas de duas formas, de forma

    heurstica ou sistemtica. Estas duas formas consistem em dois processos de

    julgamento. Assim, a fonte pode ser identificada de forma heurstica atravs da

    comparao entre potenciais fontes de memria e a representao esquemtica de onde

    a fonte de memrias semelhantes geralmente se origina. Por exemplo, no caso dos pais,

    pode envolver a recordao de que o seu filho tem muitas brigas na escola com os

    colegas, pois, a sua concepo do comportamento do filho a caminho da escola a de

    que este tambm briga com a irm. No outro processo, a fonte pode ser identificada

    sistematicamente atravs do uso de estratgias mais complexas como recuperar

    memrias adicionais que apoiam ou refutam a fonte identificada, ou ainda, procurando

    uma relao entre as memrias. Um exemplo deste processamento os pais recordarem

    que o seu filho se recusa frequentemente a fazer tarefas domsticas porque no deitou o

    lixo fora na semana passada, mas, numa reflexo posterior, os pais podem descartar essa

    lembrana pois foi a primeira vez num ms que o filho se recusou a deitar o lixo fora,

  • 18

    lembrando-se tambm que ele tem limpado a mesa depois de jantar com bastante

    regularidade no ltimo ms (De Los Reyes & Kazdin, 2005).

    O recurso a ambos os processos heursticos e sistemticos importante porque

    conduz a uma recordao mais fivel. O processo de avaliao da psicopatologia da

    criana baseia-se em medidas que no incorporam a importncia do contexto, o que

    induz os informadores a aceder informao sobre o comportamento da criana

    recorrendo apenas a processos heursticos ou esquemticos na recuperao da

    informao armazenada em memria. Desta forma, a informao fornecida pelos

    informadores pode ser mais propensa a enviesamentos ou distores aumentando a

    magnitude das discrepncias entre informadores (De Los Reyes & Kazdin, 2005).

    Explicitao do Modelo ABC

    O Modelo ABC proposto por De Los Reyes e Kazdin (2005) tem o objectivo de

    contribuir para uma melhor avaliao clnica da criana com recurso a vrios

    informadores. Esta avaliao orienta aspectos importantes do tratamento, como o

    planeamento e avaliao de mudanas durante o tratamento. Este modelo tambm

    postula que os informadores podem entrar no processo de avaliao clnica com

    diferentes motivaes no que concerne participao no tratamento, optando por

    utilizar diferentes processos quando do informao relativa ao comportamento da

    criana.

    Os diferentes informadores tm diferentes atribuies para as causas do

    problema da criana. Mais especificamente, os observadores do comportamento da

    criana, pais e professores, tem uma maior probabilidade de atribuir as causas do

    problema da criana a disposies da prpria criana, havendo uma menor

    probabilidade de atribuio das causas do problema ao contexto ou situao em que o

    problema ocorre. J a criana tem uma maior probabilidade de atribuir as causas do seu

    problema ao contexto ou ambiente em que os problemas so exibidos e menos

    probabilidade de atribuir as causas sua prpria disposio. Este modelo prediz que as

    atribuies dos observadores (pais e professores) so mais semelhantes entre si do que

    com as atribuies da criana.

    Os informadores tambm podem ter diferentes perspectivas no que diz respeito

    necessidade de tratamento do problema da criana. Porque os observadores tm mais

    probabilidade de atribuir as causas do comportamento da criana a disposies da

  • 19

    prpria criana, ou seja, segundo os observadores o problema reside na criana, sendo

    mais provvel que estes entendam que o problema da criana necessite de tratamento.

    Desta forma, existe uma maior probabilidade destes informadores (pais, professores)

    acederem a informao sobre aspectos negativos do comportamento da criana que

    consistente com a sua perspectiva. Por seu lado, a criana tem uma maior probabilidade

    de atribuir as causas do seu prprio comportamento ao contexto em que esse mesmo

    comportamento exibido, assumindo que o problema est no ambiente e no nela

    prpria, e que esses problemas no necessitam de tratamento. Desta forma,

    contrariamente aos informadores que a observam, a criana possui uma maior

    probabilidade de aceder memria procurando informao relativa aos aspectos

    contextuais do seu comportamento, consistente com a sua perspectiva. Mais uma vez, a

    perspectiva dos observadores mais semelhante entre si, do que a perspectiva dos

    observadores e actores, que mais discrepante.

    Alm disso, as atribuies e perspectivas dos informadores podem tambm ser

    discrepantes do objectivo da avaliao clnica. O objectivo desta avaliao consiste em

    reunir informao relacionada com os problemas comportamentais e emocionais da

    criana, visando avaliar a necessidade de tratamento. Mas como foi dito anteriormente,

    as atribuies e perspectivas tambm podem ser discrepantes neste ponto. De uma

    forma geral, as atribuies e perspectivas dos informadores que observam (pais,

    professores) esto mais em consonncia com o objectivo da avaliao clnica (reunir

    informao sobre problemas comportamentais e emocionais) do que a perspectiva da

    criana.

    Por ltimo, o modelo contempla a interaco dos trs componentes

    (informadores observadores, criana e objectivo da avaliao clnica) na avaliao da

    discrepncia entre informadores na avaliao de psicopatologia na criana. A

    discrepncia entre as atribuies dos informadores no que toca s causas do problema e

    a discrepncia de perspectivas no que toca necessidade de tratamento, bem como a

    discrepncia entre as atribuies e perspectivas dos informadores com o objectivo da

    avaliao clnica interagem para produzir discrepncias na avaliao da psicopatologia

    infantil no contexto clnico, sendo esta uma relao interactiva ou sinergtica.

    Estudos prvios (Compas et al, 1982; Compas et al, 1981; Phares & Danforth,

    1994) so consistentes com o Modelo conceptual proposto e consistentes com a noo

    que as discrepncias existem entre as atribuies das causas do comportamento da

    criana e nas perspectivas dos informadores relativamente necessidade de tratamento

  • 20

    daquele problema. Os estudos de Compas et al, (1982) e de Compas et al, (1981),

    referidos anteriormente, observaram que os pais, enquanto observadores do

    comportamento da criana tm mais probabilidade do que a criana em atribuir a causa

    do problema da criana disposio da prpria criana. A criana tem uma maior

    probabilidade de atribuir os seus prprios problemas a causas externas. O estudo de

    Phares e Danforth (1994) concluiu que quando os pais, professores e adolescentes

    concordam que determinado problema existe, h uma menor possibilidade dos

    adolescentes quererem mudar ou tratar o problema quando comparados com os

    professores e pais.

    Na avaliao da psicopatologia infantil torna-se necessrio recorrer a vrios

    informadores (pais, professores e criana) para a avaliao da problemtica da criana.

    No entanto, muitas vezes surgem informaes discrepantes. Estudos demonstraram que

    o acordo pais-criana se situa entre o baixo e o moderado, sendo que os pais reportam

    mais sintomas comportamentais e problemas de externalizao relativos aos seus filhos

    do que a prpria criana. J as crianas apontam mais sintomas afectivos e de

    internalizao do que os seus pais (Herjanic & Reich, 1982; Reich et al, 1982;

    Youngstrom et al, 2000).

    No caso especfico das perturbaes de ansiedade, o acordo entre pais e filhos

    situa-se entre o baixo e o moderado, com algumas excepes em que o acordo se situa

    entre o moderado e elevado, provavelmente devido a especificidades da amostra

    (crianas que esto j a ser acompanhadas ou pais que procuraram ajuda para os seus

    filhos) (Weitkamp, et al, 2010; Muris et al, 2004). de salientar que poucos estudos se

    debruaram sobre o estudo da discrepncia entre informadores e sobre os factores que

    lhe esto associados. Existem ainda poucos estudos que exploram as atribuies dos

    informadores para estas discrepncias.

  • 21

    2. OBJECTIVOS E METODOLOGIA

    2.1. Objectivos do Estudo

    Para o estudo quantitativo, os objectivos colocados foram:

    Analisar a discrepncia e o acordo entre os informadores, me e criana, quanto

    sintomatologia de ansiedade da criana:

    o Analisar a discrepncia entre a me e a criana na avaliao da

    sintomatologia de ansiedade.

    o Analisar o acordo entre a sintomatologia de ansiedade da criana

    reportada pela me e a reportada pela criana.

    Analisar os seguintes factores associados discrepncia entre informadores:

    o Factores da criana:

    Tipo de Perturbao de Ansiedade;

    Sexo;

    Idade.

    o Suporte emocional da me percebido pela criana.

    o Factores da me:

    Ansiedade Trao.

    No estudo qualitativo, os objectivos foram:

    Analisar as atribuies e perspectivas da me para a discrepncia.

    Conhecer e explorar os factores associados s discrepncias entre me e criana

    na avaliao da sintomatologia de ansiedade da criana:

    o Proximidade emocional entre a me e a criana;

    o Relao e comunicao.

  • 22

    2.2. Desenho da Investigao

    O presente estudo encontra-se inserido num estudo mais vasto: Parentalidade e

    vulnerabilidades cognitivas para as perturbaes de ansiedade na infncia, que tem por

    objectivo contribuir para uma melhor compreenso e caracterizao dos problemas da

    ansiedade na idade escolar e conhecer os factores que lhe esto associados.

    Este estudo especificamente, obedece a um desenho no-experimental com um

    nico momento de avaliao, sendo, assim, um estudo observacional transversal. Neste

    tipo de estudos o investigador observa a covariao das variveis sem a manipulao

    das mesmas. Esta metodologia foi escolhida por ser a mais adequada concretizao

    dos objectivos do estudo.

    Tambm pode ser considerado como um estudo misto porque combina

    metodologia quantitativa e qualitativa, utilizando, para isso, uma abordagem qualitativa.

    O estudo qualitativo que recorreu entrevista semi-estruturada foi efectuado com o

    objectivo de complementar e enriquecer a informao obtida atravs do estudo

    quantitativo, introduzindo, tambm outros dados pertinentes para a problemtica em

    estudo.

    2.3. Amostra

    2.3.1. Estudo Quantitativo

    A amostra do estudo mais alargado composta por 897 crianas, sendo uma

    amostra no probabilstica de convenincia. O nico critrio de incluso consistia em

    que as crianas no tivessem qualquer perturbao de desenvolvimento ou dfice

    cognitivo que impedisse a compreenso e preenchimento do questionrio.

    A amostra do presente estudo foi constituda por 253 pares me-criana.

    No Quadro 1, podemos verificar algumas caractersticas das crianas que

    compem a amostra. Como se pode verificar, a amostra composta por crianas que

    frequentam desde o terceiro ao sexto ano. A amostra distribuiu-se de forma muito

    semelhante pelos sexos feminino e masculino. Relativamente s idades, existe uma

    maior representao de crianas a partir dos dez anos.

  • 23

    Quadro 1. Caractersticas da Amostra do Estudo Quantitativo: Variveis da

    Criana

    n = 253

    n (%)

    Idade da Criana

    (anos)

    7 9 anos 10 13 anos

    M 9,89

    81 (32%)

    172 (68%)

    DP

    1,24

    Escolaridade 3ano

    4ano

    5ano

    6ano

    35 (16,2%)

    24 (11,1%)

    72 (33,3%)

    85 (39,4%)

    Sexo Feminino

    Masculino

    119 (47,2%)

    133 (52,8%)

    No Quadro 2 podemos observar as caractersticas familiares das crianas da

    amostra mais relevantes para o estudo. Como se pode ver, as crianas habitam

    maioritariamente com o pai e com a me, sendo que estes se encontram na sua maioria

    casados ou em unio de facto. Grande parte das mes deste estudo possui uma formao

    elevada, sendo que com os pais no acontece o mesmo. A maioria das crianas tem

    apenas um irmo, havendo, desta forma, uma menor frequncia de irmos do meio.

  • 24

    Quadro 2. Caractersticas da Amostra do Estudo Quantitativo: Variveis

    Familiares

    n = 253

    n (%)

    Escolaridade Me Menor ou igual a 4 anos de

    escolaridade

    Concluiu 6 anos de

    escolaridade

    Concluiu 9 anos de

    escolaridade

    Concluiu 12 anos de

    escolaridade

    Concluiu ensino superior

    25 (10,3%)

    27 (11,1%)

    39 (16%)

    68 (28%)

    84 (34,6%)

    Escolaridade Pai Menor ou igual a 4 anos de

    escolaridade

    Concluiu 6 anos de

    escolaridade

    Concluiu 9 anos de

    escolaridade

    Concluiu 12 anos de

    escolaridade

    Concluiu ensino superior

    28 (11,6%)

    50 (20,7%)

    50 (20,7%)

    50 (20,7%)

    62 (25,6%)

    Situao Conjugal

    dos pais

    Casados/Unio de Facto

    Separados/Divorciados

    Outra

    188 (77,7%)

    51 (21,1%)

    3 (1,2%)

    Co-habitao Me e Pai

    S com Me

    S com Pai

    Outros

    186 (73,5%)

    42 (16,6%)

    2 (0,8%)

    12 (4,7%)

    N de elementos do

    agregado familiar

    M DP 3,79 0,81

    Min.-Mx.

    2-8

    N de irmos 0

    1

    2 M DP

    1,22 1,19

    50 (20,8%)

    136 (56,7%)

    54 (22,5%)

    Min.-Mx.

    0-7

    Ordem na Fratria Mais novo

    Do meio

    Mais velho

    86 (34%)

    15 (5,9%)

    85 (33,6%)

  • 25

    2.3.2. Estudo Qualitativo

    No estudo qualitativo participou uma sub-amostra de 7 mes que foram

    entrevistadas.

    Como se pode verificar no Quadro 3, nesta sub-amostra h uma maior

    representao de crianas mais velhas, a frequentar o sexto ano de escolaridade. A

    amostra distribui-se de forma equilibrada pelos sexos feminino e masculino.

    Quadro 3. Caractersticas da Amostra do Estudo Qualitativo: Variveis da

    Criana

    n = 7

    n (%)

    Idade da Criana

    (anos)

    9 anos

    10 anos

    11 anos

    2 (28,6%)

    1 (14,3%)

    4 (57,1%)

    Escolaridade 4ano

    5ano

    6ano

    2 (28,6%)

    1 (14,3%)

    4 (57,1%)

    Sexo Feminino

    Masculino

    4 (57,1%)

    3 (42,9%)

    J o Quadro 4 inclui as caractersticas da me e da famlia desta sub-amostra. A

    maioria das mes, bem como os pais, possuem uma escolaridade elevada, estando

    maioritariamente casados ou numa unio de facto. As crianas tm na sua maioria um

    irmo.

  • 26

    Quadro 4. Caractersticas da Amostra do Estudo Qualitativo: Variveis Familiares

    n = 7

    n (%)

    Escolaridade Me Menor ou igual a 4 anos de

    escolaridade

    Concluiu 12 anos de

    escolaridade

    Concluiu ensino superior

    1 (14,3%)

    3 (42,9%)

    3 (42,9%)

    Escolaridade Pai Concluiu 6 anos de

    escolaridade

    Concluiu 9 anos de

    escolaridade

    Concluiu 12 anos de

    escolaridade

    1 (14,3%)

    2 (28,6%)

    4 (57,1%)

    Situao Conjugal

    dos pais

    Casados/Unio de Facto

    Separados/Divorciados

    5 (71,4%)

    2 (28,6%)

    N de elementos do

    agregado familiar

    3

    4

    5

    1 (14,3%)

    5 (71,4%)

    1 (14,3%)

    N de irmos 1

    2

    4 (57,1%)

    2 (42,9%)

    Ordem na Fratria Mais novo

    Do meio

    Mais velho

    3 (42,9%)

    1 (14,3%)

    2 (28,6%)

    2.4. Procedimento de Recolha de Dados

    2.4.1. Estudo Quantitativo

    Para proceder recolha de dados, inicialmente, foi pedida a autorizao da

    Comisso Nacional de Proteco de Dados e da Direco Geral de Inovao e

    Desenvolvimento Curricular. Seguidamente foram efectuados contactos com as

    direces de onze escolas visando a sua colaborao no estudo. Todos os professores

    titulares e directores de turma foram contactados para serem esclarecidos quanto aos

    objectivos do estudo. Depois, os professores enviaram aos pais, atravs das crianas, os

    formulrios de consentimento informado. Somente as crianas autorizadas pelos pais

    puderam participar no estudo. A taxa de adeso, isto , a taxa de pais que deram

  • 27

    autorizao para que os seus filhos participassem no estudo mais alargado, foi de 82%.

    Algumas turmas de crianas que participaram no estudo mais alargado, foram

    seleccionadas aleatoriamente para participarem neste trabalho.

    As crianas responderam ao Questionrio de Avaliao de Perturbaes

    Emocionais Relacionadas com a Ansiedade em Crianas (Screen for Child Anxiety

    Related Emotional Disorders-Revised, SCARED-R) verso criana e o Questionrio de

    Estilos Educativos Parentais (EMBU-C) numa sesso colectiva, na sala de aula com a

    presena de um investigador. O SCARED-R teve uma durao aproximada de 45

    minutos e a do EMBU-C de 10 minutos. As crianas tambm deram o seu assentimento

    aquando do preenchimento dos questionrios.

    O SCARED-R verso pais e o Inventrio de Estado-Trao de Ansiedade (STAI-

    Y), a serem preenchidos pelos pais, foram entregues aos pais e preenchidos de forma

    autnoma por estes. Se a criana vivesse com ambos os pais, ambos preenchiam os

    questionrios. Se habitasse apenas com um dos progenitores, apenas o progenitor que

    vivesse com a criana preencheria os questionrios. Posteriormente os questionrios

    foram devolvidos em envelope fechado equipa de investigao atravs dos professores

    titulares ou directores de turma.

    2.4.2. Estudo Qualitativo

    As 7 mes que participaram no estudo qualitativo foram seleccionadas por

    apresentarem uma discrepncia substancial relativa aos resultados dos filhos na escala

    total do SCARED-R. Como critrio de incluso, um dos informadores tinha de ter um

    valor total da escala acima do limite clnico, isto , acima do Percentil 80, e o outro

    informador abaixo do Percentil 50.

    No incio da entrevista, era perguntado me se permitia a gravao udio da

    mesma. Todas as mes deram o seu consentimento. O guio de entrevista destinado a

    avaliar as atribuies relativas s discrepncias foi integrado na verso para pais da

    entrevista Anxiety Disorder Interview Scheduale for Parents (ADIS P). O tempo total

    de entrevista teve durao aproximada de duas horas.

  • 28

    2.5. Instrumentos Utilizados

    2.5.1. Estudo Quantitativo

    a) Questionrio de Avaliao de Perturbaes Emocionais

    Relacionadas com a Ansiedade em Crianas SCARED-R (Screen

    for Child Anxiety Related Emotional Disorders-Revised) verso para

    crianas e verso para pais (Muris, Merckelbach, Schmidt e Mayer,

    1999, verso portuguesa de Pereira e Barros, 2010)

    Este um questionrio de avaliao das perturbaes emocionais relacionadas

    com a ansiedade em crianas, constitudo por 69 itens, que tem por objectivo a

    avaliao de diferentes dimenses de problemas de ansiedade nas crianas segundo a

    DSM-IV. Esta escala possui duas verses, uma para pais e outra para crianas (Muris,

    Dreessen, Bogels, Weckx, & van Melick, 2004; Muris, Mayer, Bartelds, Tierney &

    Bogie, 2001; Muris & Steerneman, 2001). A resposta dada numa escala tipo likert de

    3 pontos no que toca frequncia com que a criana experiencia cada um dos sintomas

    nos ltimos trs meses, em que 0 corresponde a Nunca ou quase nunca, s vezes

    equivale a 1 e Frequentemente corresponde a 2.

    Assim, este instrumento constitudo por dez dimenses: Ansiedade de

    Separao (Fico com medo quando durmo fora de casa) constitudo por oito itens;

    Ansiedade Generalizada (Sou nervoso) com nove itens; Perturbao de Pnico

    (Quando me sinto assustado tenho dificuldade em respirar) que compreende treze

    itens; Fobia Social ( difcil para mim falar com pessoas que no conheo bem)

    composta por sete itens; Fobia Escolar (No gosto de ir escola) constituda por

    quatro itens; Fobia Especfica do tipo situacional/ambiental (Tenho medo de estar em

    stios altos) com cinco itens; Fobia especfica do tipo sangue/injeces (Quando vejo

    sangue fico tonto) que compreende sete itens; Fobia Especfica do tipo Animal

    (Tenho medo de um animal que no realmente perigoso) constituda por trs itens;

    Perturbao Obessivo-Compulsiva (Penso que me vo pegar uma doena grave) com

    oito itens; e Perturbao Stress Ps-Traumtico (Tenho sonhos assustadores acerca de

    uma coisa muito m que j me aconteceu) que compreende quatro itens.

  • 29

    A partir da soma dos resultados de cada uma das subescalas obtm-se uma

    pontuao global e atravs da soma de todos os itens obtm-se a pontuao para cada

    uma das sub-escalas. As trs sub-escalas da fobia especfica anteriormente referidas

    foram neste estudo transformadas em apenas uma varivel. Os valores de consistncia

    interna de cada uma das subescalas e da escala total encontram-se no Quadro 5. A

    maioria dos valores de consistncia interna so adequados com excepo da sub-escala

    de Fobia Escolar e Perturbao Stress Ps-Traumtico.

    Quadro 5: Valores da consistncia interna do SCARED-R

    Verso Criana

    Verso Pais

    Perturbao de Pnico 0,82 0,70

    Fobia Especfica 0,78 0,77

    Fobia Escolar 0,50 0,65

    Fobia Social 0,73 0,83

    Perturbao Obsessivo-Compulsiva 0,66 0,67

    Ansiedade de Separao 0,73 0,69

    Ansiedade Generalizada 0,73 0,72

    Perturbao Stress Ps-Traumtico 0,68 0,60

    Escala Total 0,93 0,92

    b) Questionrio de Estilos Educativos Parentais EMBU-C verso para

    crianas (Castro, Toro, van der Ende, 1993; Castro, Toro, van der

    Ende, Arrindell e Puig, 1990, verso portuguesa de Canavarro e

    Pereira, 2007)

    O objectivo do EMBU-C avaliar a percepo das crianas dos estilos parentais

    educativos dos progenitores de forma separada para o pai e para a me em trs

    dimenses: Suporte Emocional, Rejeio e Tentativa de Controlo (Canavarro & Pereira,

    2007). Neste estudo foi usada apenas a dimenso de suporte emocional do EMBU-C,

    composta por 14 itens. A escala de suporte emocional avalia o tipo de comportamento

    manifestado pelos pais relativamente criana que a faz sentir confortvel na presena

    dos pais e que lhe confirma que ela aceite e aprovada como pessoa pelo progenitor

    (Canavarro & Pereira, 2007). Como exemplos de itens encontramos Os teus pais

    dizem-te que gostam de ti e abraam-te ou beijam-te?; Se as coisas te correm mal,

    achas que os teus pais te tentam compreender?. A resposta dada numa escala tipo

  • 30

    Likert de 4 pontos (No, nunca = 1, Sim, s vezes = 2, Sim, frequentemente = 3 e

    Sim, sempre = 4).

    Este instrumento foi desenvolvido com base no EMBU (Egna Minnen Betraffae

    Uppfostran Perris, Jacobsson, Lindstrom, von Knorring & Perris, 1980), o

    instrumento de auto-relato mais utilizado na avaliao retrospectiva dos estilos parentais

    educativos.

    No presente estudo, este instrumento apresenta um valor de consistncia interna

    satisfatrio quer em relao ao suporte emocional percebido pela criana por parte da

    me (=0.80), quer por parte do pai (=0.80).

    c) Inventrio de Estado-Trao de Ansiedade - S.T.A.I. Forma Y

    (Spielberg, Gorsuch e Lushene, 1970, verso portuguesa de Santos e

    Silva, 1997, 1998 e Silva, Silva, Rodrigues e Lus, 1999/2000)

    O STAI Forma Y um questionrio composto por 20 itens e tem por objectivo

    avaliar a ansiedade trao, isto , a propenso relativamente estvel para a ansiedade.

    Este um questionrio de auto-avaliao com auto-aplicao usado individualmente ou

    em grupo. As respostas so dadas numa escala tipo likert de 4 pontos, em que 1

    corresponde a um grau mnimo de ansiedade e o 4 a um grau mximo de ansiedade

    (Silva, 2003). Exemplo de itens so Sinto-me nervoso e inquieto, Sou calmo,

    ponderado e senhor de mim mesmo e Tenho pensamentos que me perturbam. Alguns

    dos itens so de cotao inversa, sendo que estes no evidenciam ansiedade. um

    instrumento relativamente breve, de fcil aplicao com leitura e compreenso

    acessveis (Silva, 2003).

    Neste estudo este instrumento apresenta um valor de consistncia interna

    satisfatrio (=0.92).

  • 31

    2.5.2. Estudo Qualitativo

    a) ADIS - P - Anxiety Disorder Interview Scheduale for Parentsn

    (Albano e Silverman, 1996, verso portuguesa de Pereira & Barros,

    2010)

    A verso para pais da ADIS uma entrevista diagnstica semi-estruturada

    organizada que permite a realizao de uma avaliao diagnstica de todas perturbaes

    de ansiedade, segundo o DSM-IV. A entrevista visa avaliar as perturbaes em crianas

    dos 7 aos 17 anos (Albano & Silverman, 1996). Esta entrevista teve a sua origem na

    Anxiety Disorders Interview Scheduale (DiNardo, OBrien, Barlow, Waddell &

    Blanchard, 1983, cit. por Albano & Silverman, 1996) e inclui uma verso para pais e

    para crianas. Neste estudo foi apenas utilizada a verso para pais.

    A entrevista utilizada neste estudo constituda por diferentes seces que

    correspondem a diferentes problemas: recusa em ir escola, perturbao de ansiedade

    de separao, fobia social, fobia especfica, perturbao de pnico, agorafobia com ou

    sem perturbao de pnico, perturbao de ansiedade generalizada, perturbao

    obsessivo-compulsiva e perturbao ps-stress traumtico. Tem ainda outras seces

    relativas a perturbaes de humor (distimia e perturbao depressiva major) e

    perturbaes de externalizao (perturbao de hiperactividade com dfice de ateno,

    perturbao do comportamento e perturbao de oposio) para permitir uma avaliao

    mais compreensiva da criana (Albano & Silverman, 1996). Em cada seco so feitas

    questes que avaliam a presena ou ausncia de determinado sintoma, sendo que

    calculado o nmero total de sintomas de forma a verificar se h critrios suficientes para

    o diagnstico, segundo o DSM-IV. de acrescentar que no final dos quadros

    diagnsticos se encontra uma questo para avaliar o grau de interferncia da perturbao

    no dia-a-dia da criana, essencial para o diagnstico destas perturbaes (Albano &

    Silverman, 1996). A interferncia avaliada segundo uma escala que varia do 0, o qual

    corresponde a nenhuma interferncia, ao 8 que equivale a muitssima interferncia.

    Neste estudo foram eliminadas algumas seces da entrevista original de modo a

    que esta se tornasse mais breve.

  • 32

    b) Guio de Entrevista Semi-Estruturada para Explorao das

    Discrepncias

    As questes que compe o guio de entrevista para explorao das

    discrepncias e factores associados foram integradas ao longo da entrevista da ADIS.

    Em primeiro lugar so feitas algumas questes relativas Proximidade Emocional

    (Sente que uma pessoa prxima do seu filho, que algum a quem ele recorre

    quando lhe acontece algo importante por exemplo para partilhar as coisas boas e ms

    que lhe acontecem?), Relao e Comunicao entre me e filho (Sente que ele fala

    abertamente consigo sobre as coisas que se passam com ele?), e ainda ao

    Conhecimento do Filho (Acha que conhece bem o seu filho?). Posteriormente, a

    entrevista continuada com a temtica da recusa em ir escola, e assim por diante pela

    ordem anteriormente exposta.

    O guio de entrevista sobre a discrepncia foca-se apenas nas quatro principais

    perturbaes de ansiedade: ansiedade de separao, fobia social, fobia especfica e

    ansiedade generalizada. Assim, quando na ADIS se analisa a existncia de critrios de

    diagnstico destas situaes, so introduzidas questes que exploram a percepo de

    discrepncia e acordo e as Atribuies e Perspectivas da Me para a Discrepncia

    (Acha que o seu filho se preocupa muito com o facto de estar longe de casa ou de si?

    Qual que acha que seria a resposta do seu filho a esta pergunta? Imagine que ele

    respondia no sentido oposto/diferente do seu, porque acha que ele o teria feito?). As

    atribuies para a discrepncia so tambm exploradas em relao interferncia da

    perturbao (Imagine que questionvamos o seu filho quanto ao grau de interferncia,

    qual acha que seria a resposta dele?).

    2.6. Anlise dos Resultados

    2.6.1. Anlise Estatstica do Estudo Quantitativo

    Na anlise estatstica dos dados quantitativos foi utilizado o Programa SPSS

    verso 18 (Statistic Package for the Social Science). Em primeiro lugar recorreu-se a

    procedimentos de anlise descritiva para a caracterizao da amostra de forma a obter as

  • 33

    mdias, desvio-padro, mximos e mnimos de cada uma das variveis da amostra.

    Posteriormente foram realizados procedimentos de estatstica inferencial. Os valores de

    prova inferiores a 0.05 foram encarados como indicativos de resultados estatisticamente

    significativos.

    Com o objectivo de analisar a discrepncia entre a me a criana na avaliao da

    sintomatologia de ansiedade, foram realizadas anlises para verificao dos

    pressupostos da normalidade das variveis. Dado que nenhuma das subescalas do

    SCARED-R verso pais seguia uma distribuio normal, e apenas quatro das subescalas

    do SCARED-R verso criana apresentavam uma distribuio normal (fobia social,

    perturbao obsessivo-compulsiva, ansiedade de separao e ansiedade generalizada),

    foram utilizadas alternativas no paramtricas, isto , o Teste de Wilcoxon.

    Relativamente ao segundo objectivo, que consistia em analisar o acordo entre a

    ansiedade reportada pela me e a ansiedade reportada pela criana, depois de

    verificados os pressupostos de normalidade e linearidade das relaes, concluiu-se que o

    pressuposto da linearidade das relaes estava cumprido em todas as variveis. No

    entanto, o pressuposto da normalidade s se encontrava cumprido em algumas das

    variveis, as mesmas indicadas anteriormente. Desta forma, recorreu-se novamente

    alternativa no paramtrica, o Teste de Correlao de Spearman.

    Com o intuito de analisar os factores associados discrepncia entre

    informadores, primeiramente, foram criadas, num primeiro momento, cinco novas

    variveis. Cada uma destas variveis foi calculada subtraindo o valor obtido pela

    criana pelo valor obtido pela me em cada uma das quatro subescalas principais e

    escala total do SCARED-R. A partir destas cinco variveis foram criadas cinco

    variveis nominais, compostas cada uma por trs grupos: Discrepncia, em que a me

    apresenta valores mais elevados do que a criana (M>C), Discrepncia, no sentido em

    que a criana apresenta valores mais elevados do que a me (C>M) e Baixa

    Discrepncia. De seguida foram realizadas as anlises para explorar os factores

    associados discrepncia entre a me e criana, nos diferentes domnios considerados.

    Em primeiro lugar foi realizada uma anlise com recurso ao Teste 2 para

    verificar a associao entre a discrepncia e o sexo. O mesmo procedimento estatstico

    tambm foi efectuado para anlise da associao entre a discrepncia e a idade da

    criana. Ao ter as cinco subescalas em que quatro delas eram as principais perturbaes

    de ansiedade, j foi analisado o tipo de perturbao de ansiedade.

  • 34

    Posteriormente, para analisar um outro factor associado discrepncia entre

    informadores, isto , o suporte emocional da me percebido pela criana, mais uma vez,

    foram analisados os pressupostos de normalidade, e foi verificado que a varivel de

    suporte emocional no possua uma distribuio normal (EMBU-C). Assim foi

    realizado o Teste Kruskal-Wallis, uma alternativa no paramtrica.

    Relativamente ao objectivo de analisar o factor da ansiedade trao da me

    associado discrepncia entre informadores, depois de verificada a no-normalidade da

    distribuio da variveis, tambm foi utilizado Teste Kruskal-Wallis.

    2.6.2. Anlise do Estudo Qualitativo

    A anlise de contedo das entrevistas foi realizada com recurso ao software

    QSR-NVivo verso 8. O QSR-NVivo verso 8 um programa desenvolvido para o

    tratamento de dados qualitativos de forma a tornar a anlise de contedo mais fcil.

    Estes tipos de programas foram criados nos anos 80 e so intitulados de CAQDAS

    (Computer-aded Qualitative Data Analysis Software) (Hutchinson, Jonhston &

    Breckon, 2010). Este programa informtico muito til na organizao dos dados de

    forma a dar sentido informao obtida. Permite trabalhar o material de forma a

    descobrir padres, identificar e descobrir novos temas e produzir relatrios. Pode ainda

    proporcionar um modelo explicativo fundamentado dos dados (Hutchinson et al, 2010).

    As entrevistas gravadas foram transcritas e de seguida transportadas/importadas

    para este programa o qual facilita o processo de codificao dos dados num sistema de

    categorias, a pesquisa de texto ou padres de codificao, o registo histrico da

    evoluo da investigao, a representao visual dos dados, e a construo terica.

    Com base no guio de entrevista semi-estruturada e nos blocos temticos, foram

    criadas categorias-me mais abrangentes. De seguida, foram criadas subcategorias mais

    especficas, que estavam interligadas entre si.

  • 35

    a) Desenvolvimento da rvore de Categorias

    Atravs da anlise de contedo das entrevistas foram obtidas cinco categorias-

    me principais: Discrepncia Acordo, Justificaes para a Discrepncia, Comunicao

    entre me e filho, Conhecimento do Filho, Proximidade Emocional

    Na Figura 1 podemos observar a rvore de categorias referente Discrepncia

    /Acordo, constituda por trs subcategorias principais.

    Figura 1: Categoria Discrepncia/Acordo.

    Em relao questo Qual acha que seria a resposta do seu filho a esta

    pergunta? a resposta era classificada como Acordo sempre que a me respondia que a

    resposta do filho seria a mesma que a sua, e em relao s questes de interferncia,

    sempre que a me dizia que o filho iria reportar o mesmo grau de interferncia que ela.

    Quando a me respondia, por exemplo, Eu no sei, era classifica