erros de ortografia

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Referência Zorzi, J.L. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In Maluf, M.I. (org.). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006, 144-162. Autor Prof. Dr. Jaime Luiz Zorzi Diretor e professor do CEFAC – Pós-Graduação em Saúde e Educação Fonoaudiólogo Mestre em Distúrbios da Comunicação – PUCSP Doutor em Educação - UNICAMP Contato: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 – São Paulo – SP Tel. 11 3675-1677 e-mail: [email protected] Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem RESUMO – Dentre uma série grande de conhecimentos que a criança que aprende a ler e a escrever deve dominar, encontra-se, de forma destacada e visível, a ortografia. Considerada um dos indicadores da aprendizagem da linguagem escrita, a apreensão do sistema ortográfico impõe um conjunto considerável de desafios, o que acaba gerando uma série de erros. Dentre os conhecimentos necessários para o aprendizado convencional da escrita encontram-se a construção da hipótese alfabética, o domínio espacial da escrita, a diferenciação do traçado das letras, o papel da tonicidade, procedimentos de segmentação da estrutura sonora, a diferenciação entre falar e

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Page 1: Erros de ortografia

Referência Zorzi, J.L. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In Maluf, M.I. (org.). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006, 144-162.

Autor

Prof. Dr. Jaime Luiz Zorzi

Diretor e professor do CEFAC – Pós-Graduação em Saúde e Educação

Fonoaudiólogo

Mestre em Distúrbios da Comunicação – PUCSP

Doutor em Educação - UNICAMP

Contato: Rua Cayowaá, 664

CEP 05018-000 – São Paulo – SP

Tel. 11 3675-1677 e-mail: [email protected]

Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem RESUMO – Dentre uma série grande de conhecimentos que a criança que aprende a

ler e a escrever deve dominar, encontra-se, de forma destacada e visível, a ortografia.

Considerada um dos indicadores da aprendizagem da linguagem escrita, a apreensão

do sistema ortográfico impõe um conjunto considerável de desafios, o que acaba

gerando uma série de erros. Dentre os conhecimentos necessários para o aprendizado

convencional da escrita encontram-se a construção da hipótese alfabética, o domínio

espacial da escrita, a diferenciação do traçado das letras, o papel da tonicidade,

procedimentos de segmentação da estrutura sonora, a diferenciação entre falar e

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escrever e a compreensão das relações variadas entre grafemas e fonemas. Os erros

observados na escrita das crianças, e que podem ser classificados em diversas

categorias, revelam o domínio ou não de tais conhecimentos. Ao mesmo tempo em que

eles fazem parte da aprendizagem, podem também ser indicadores de possíveis

problemas neste processo de aprendizagem. Estudos sistematicamente apontam a

presença de erros ortográficos nos casos de transtornos da linguagem escrita. O

objetivo deste texto é o de procurar caracterizar a ocorrência de alterações ortográficas

em crianças apresentando problemas de escrita, quando comparadas com a

aprendizagem considerada normal. Por meio de uma análise preliminar dos escritos de

um grupo de 44 sujeitos, de 7 a 16 anos de idade, apresentando algum tipo de

comprometimento na escrita, verificou-se que os erros de maior ocorrência dizem

respeito, em ordem de freqüência, às confusões devidas à possibilidade de

representações múltiplas, ao apoio na oralidade, à omissão de letras, às trocas

envolvendo a presença ou ausência de sonoridade, e também a uma apresentação

maior de erros atípicos, raramente observados em outras crianças. Desta forma,

constatou-se primeiramente um maior número de erros na escrita das crianças com

transtornos de aprendizagem se comparadas com a ocorrência de erros na escrita

daquelas crianças sem tal problema. Além do mais, as trocas envolvendo o traço de

sonoridade, assim como os erros atípicos, por terem uma presença mais acentuada nos

casos de distúrbios, podem ser considerados como indicadores de problemas na

aprendizagem.

UNITERMOS: Ortografia, linguagem escrita, dislexia, distúrbios de aprendizagem,

disortografia.

Page 3: Erros de ortografia

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3

Introdução Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento global, a linguagem desempenha

papel fundamental, configurando-se como um dos objetivos essenciais da educação.

Por esta razão ela se torna uma das metas iniciais prioritárias da escola que é a de

alfabetizar, ou seja, levar o aluno a dominar a linguagem escrita para que, por meio

dela, ele possa alcançar conhecimentos, assim como expressar-se.

Deste modo, o ensino da leitura e da escrita tem uma ênfase especial na atuação

escolar em termos das etapas iniciais da educação fundamental. Entretanto, aprender a

ler e escrever pode ser um grande desafio para muitos e dificuldades variáveis podem

surgir durante este processo. Neste sentido, um dos aspectos que chama a atenção de

todos, diz respeito à ortografia, isto é, ao domínio da escrita convencional das palavras.

Por sua vez, pode ser difícil, para muitas crianças, compreender como as palavras

devem ser grafadas, fato este que pode ser observado nas alterações ortográficas

presentes em suas produções escritas.

Uma atenção maior tem sido dada para os chamados “erros” ou “alterações”

ortográficas do português escrito no Brasil, atenção esta que tem por finalidade melhor

compreende-los 1-9. Estes estudos indicam, sistematicamente, que os “erros” fazem

parte da aprendizagem, podendo revelar hipóteses que as crianças vão,

gradativamente, construindo para chegar a conhecimentos mais aprofundados sobre a

escrita.

Dito de outra maneira, podemos observar que todas as crianças cometem “erros”

durante a aprendizagem da escrita, os quais tendem a se tornar cada vez mais

específicos e ocasionais, até que elas dominem de forma mais segura o sistema

ortográfico. Porém, por outro lado, também observamos algumas delas que parecem ter

uma trajetória diferente, exibindo uma diversidade e freqüência de alterações de escrita

mais intensa e duradoura. Tais dificuldades podem, por sua vez, ser sintomas dos

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4

chamados transtornos de aprendizagem10-16, como os distúrbios de aprendizagem e as

dislexias. Mais especificamente, enquanto uma aprendizagem consistente e

progressiva da ortografia pode indicar uma condição favorável de aquisição da escrita,

a permanência de erros e a sua dificuldade de superação podem ser consideradas

como indicativas de déficits no processo de aprendizagem. Conseqüentemente, muitas

destas crianças acabam sendo encaminhadas para profissionais especializados para

diagnóstico e atendimento extra-escolar.

A compreensão desta realidade implica o levantamento de questões a respeito

da freqüência e significado de tais erros, assim como a razão pela qual eles ocorrem

para que se possa planejar procedimentos de avaliação e de intervenção, tanto no

âmbito escolar quanto clínico.

Houaiss 17 define ortografia como um “Conjunto de regras estabelecidas pela

gramática normativa que ensina a grafia correta das palavras, o uso de sinais gráficos

que destacam vogais tônicas, abertas ou fechadas, processos fonológicos como a

crase, os sinais de pontuação esclarecedores de funções sintáticas da língua e

motivados por tais funções.” No âmbito deste texto, estaremos enfocando,

essencialmente, aspectos relativos à grafia correta das palavras, assim como

caracterizando os desvios de tais normas.

Configuração geral dos erros de escrita Os erros encontrados na escrita de crianças, durante as séries iniciais, podem

ser categorizados em vários tipos, de acordo com as características que apresentem.

Chama também a atenção o fato que eles ocorrem com freqüências variadas, ou seja,

alguns tipos aparecem constantemente enquanto que outros são mais discretos. Esta

variação pode significar que os mesmos envolvem distintos aspectos da língua escrita

com diferentes graus de complexidade de modo que, quanto mais complexo um

determinado aspecto, mais erros ou confusões ele pode vir a gerar para quem aprende.

Page 5: Erros de ortografia

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Tal realidade nos permite compreender a razão de índices tão altos de erros por

representações múltiplas, em oposição à baixa presença de inversões de letras. Esta

incidência variável reforça a hipótese de que a ocorrência de confusões ou erros pode

estar sendo determinada por características intrínsecas da própria linguagem escrita 4,

18-21 as quais demandam diferentes habilidades ou conhecimentos por parte do

aprendiz.

Observamos uma aprendizagem progressiva, sendo alguns aspectos mais

facilmente assimilados enquanto que outros exigem muito mais tempo e conhecimentos

para que venham a se tornar plenamente dominados. Podemos traçar uma equação

que pode nos levar à identificação de quais as maiores e menores dificuldades que a

escrita impõe: considere-se a freqüência de ocorrência de cada tipo de erro em cada

uma das séries; a média de erros para cada tipo de alteração e, fato importante, o

número de crianças em cada série produzindo os distintos tipos de erros. Quanto

maiores ou menores forem tais números, maiores ou menores serão os desafios a

serem superados pela criança no seu processo de apropriação da escrita.

Aprender a escrever implica compreender uma série de características da língua

escrita que fazem parte do sistema ortográfico o que, por sua vez, demanda um

conjunto considerável de habilidades. Entre estes aspectos podemos citar a

diferenciação visual entre o traçado das letras, conhecer a que sons elas

correspondem, estabelecer correspondências quantitativas, identificar a posição da

letra dentro da palavra, compreender que a palavra pode ser falada de uma forma e

escrita de outra, compreender que uma mesma letra pode representar vários sons,

assim como um mesmo som pode ser representado por diversas letras.

Qualquer problema ou limitação que gere a não compreensão dos aspectos em

questão, a compreensão somente parcial ou a não sistematização dos conhecimentos

envolvidos irá manifestar-se na forma de alterações ou erros. Estes, por sua vez, irão

caracterizar os chamados desvios ortográficos, comumente apontados como fazendo

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parte dos quadros de distúrbios de aprendizagem e dislexias. Considerando-se o modo

como os erros se apresentam no decorrer das séries iniciais, pode-se esboçar uma

espécie de ordem nas aprendizagens, desde as mais complicadas, e que serão

dominadas mais tarde, até as mais simples, cujo domínio se manifesta mais

prontamente. Em trabalho anterior, descrevemos a seguinte progressão de

conhecimentos 5.

1. Construção da hipótese alfabética

Significa compreender o que é letra e seu correspondente valor sonoro: isto envolve

certo grau de habilidade em termos de consciência fonológica a fim de realizar a

segmentação da palavra em unidades fonêmicas de modo a permitir a identificação, um

a um, dos fonemas que compõem as palavras e sua correspondência com as letras que

podem escrevê-los.

2. Domínio da posição da letra no espaço gráfico

Os aspectos relativos à posição da letra no espaço gráfico encontram-se entre

os primeiros a serem apreendidos na aquisição da escrita e envolvem a compreensão

da posição que a letra deve assumir ao ser traçada no papel, isto é, se deve estar

voltada para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo; a direção e

linearidade da escrita e a posição exata da letra dentro da palavra.

3. Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial

Identificar a forma das letras de modo a distinguir as características do traçado

de cada uma delas. Os poucos erros relativos à confusão entre letras parecidas

revelam que, para a grande maioria das crianças, discriminar visualmente as letras,

inclusive aquelas que se assemelham quanto à grafia, é uma capacidade que se

desenvolve cedo no aprendizado da escrita, o que resulta na estabilização do traçado.

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4. Compreendendo o papel da tonicidade: a sílaba tônica

A detecção da sílaba tônica em palavras é uma habilidade exigida por nosso

sistema de escrita na medida em que devemos tomar decisões sobre a acentuação, ou

mesmo na hora de optar por escrever com “am” ou “ão” o final de uma palavra.

Confusões desse tipo acontecem porque, apesar de as palavras estarem escritas de

formas diferentes, quando analisadas do ponto de vista fonético, constata-se que elas

são produzidas de modo semelhante, soando como /ão/ (“comeram” e “comerão” são

pronunciados com /ão/ no final). Isto quer dizer que estamos frente a um tipo de

confusão que tem como razão o fato de a criança estar buscando apoio na oralidade

para determinar o modo de grafar a palavra. Este aspecto somente será dominado

quando a criança compreender que, nestes tipos de palavras, caso a última sílaba seja

tônica, a grafia será “ão” e, se esta última sílaba for átona, será escrita com “am”.

5. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros em

unidades vocabulares (palavras)

A possibilidade de segmentar o fluxo contínuo da fala em unidades vocabulares

de extensões variadas apresenta-se como um das habilidades significativas na

aprendizagem da escrita. É esta capacidade que permite identificar onde uma palavra

começa e onde ela termina, de modo a evitar junções ou separações vocabulares

incorretas e compreender o papel dos espaços entre as palavras na escrita. Este

conhecimento implica a noção de palavra, mais especificamente, a capacidade de

detectar, no fluxo contínuo da fala encadeada, os pontos nos quais as palavras devem

ser segmentadas, marcando o início e fim das mesmas.

6. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em

unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de sílabas

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Escrever sem omitir letras implica uma capacidade para identificar todos os

fonemas que compõem as palavras. Isto significa um conhecimento fonológico

avançado em termos da consciência da estrutura sonora das palavras, assim como

uma habilidade para relacionar cada fonema à sua letra (correspondência um a um), ou

às letras que lhe são correspondentes quando a relação não for biunívoca (como no

caso dos dígrafos). Encontramos, portanto, questões de ordem qualitativa (quais os

fonemas) e quantitativa (quantos são os fonemas e quantas letras requerem) que se

apresentam para a criança como um dos aspectos de grande complexidade para a

apreensão do sistema de escrita. Esta pode ser a razão para que as freqüentes

omissões de letras ocupem o terceiro lugar em termos de ocorrência de alterações

ortográficas.

7. A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações entre

falar e escrever e a estabilização da escrita

A oralidade exerce forte influência quando as crianças formulam hipóteses a

respeito de como as palavras devem ser escritas, gerando uma tendência muito grande

no sentido de que os padrões de fala determinem o modo de escrita. Tudo ocorre como

se o sistema de representação gráfica do português fosse fonético, e não alfabético.

Isto quer dizer que a criança toma como referência, para determinar que letra deve

usar, aqueles sons que ela é capaz de identificar em seu padrão de pronúncia da

palavra procedendo então a uma correspondência um a um: som falado / letra que

escreve. A transformação deste padrão de escrita, com forte influência fonética, para

uma escrita determinada ortograficamente depende de a criança compreender a

diferença entre falar e escrever e da criação de um repertório lexical visual, controlado

por regras ortográficas e não fonéticas.

Dominar a forma convencional de grafar as palavras, em oposição ao modo

como são pronunciadas, corresponde a uma das aquisições mais complexas e,

Page 9: Erros de ortografia

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portanto, das mais difíceis. Deve-se considerar que o decréscimo de erros deste tipo

depende da compreensão de que fala e escrita são sistemas diferentes e também do

desenvolvimento de referenciais visuais-ortográficos que passem a influenciar o padrão

de escrita, formando um léxico escrito, de modo que a imagem visual da palavra

impressa possa se sobrepor à imagem sonora da palavra falada.

8. A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das

alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional

O aspecto da linguagem escrita que se revela como o de maior complexidade para

a aprendizagem da ortografia, corresponde ao que foi denominado como

representações múltiplas:

• Um mesmo fonema é escrito sempre pela mesma letra, como é o caso dos

fonemas /p/, /t/ e /m/ que são sistematicamente grafados com as letras “p” “t” e

“m”, respectivamente, havendo uma correspondência estável entre letras e sons;

• Um mesmo fonema pode ser escrito por diferentes letras, como acontece com o

fonema /z/ que pode vir a ser grafado com as letras “s”, “x” e “z” e

• Uma mesma letra pode vir a representar diferentes fonemas, como ocorre com a

letra “x” que pode escrever os fonemas /s/, /S/ e /z/.

Vemos que, ao lado de relações estáveis entre grafemas e fonemas, nos dois

últimos casos o que se observa é a existência de uma correspondência não estável

entre eles. O grau de complicação que tal fato impõe àqueles que estão aprendendo a

escrever não é difícil de ser compreendido. É por esta razão que praticamente a

metade de todos os erros observados na escrita de crianças diz respeito a saber

identificar, com precisão, as situações nas quais pode haver a ocorrência de

representações múltiplas, conhecer que letras podem ser usadas e estabilizar, ou

memorizar, a opção correta. Não é de se estranhar, portanto, que praticamente todos

os que escrevem produzam tal tipo de erro, inclusive adultos experientes. Fato

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semelhante tem sido apontado no caso de outras línguas, como o inglês, por exemplo 19-20.

A diminuição gradativa de tais alterações dependerá do desenvolvimento de

habilidades fundamentais relativas à essência da escrita de natureza alfabética, as

quais permitam compreender a complexidade que está em jogo na questão das

correspondências múltiplas. Dentre elas:

• Identificar, em estruturas sonoras com significados distintos (palavras),

segmentos sonoros que se assemelham a ponto de serem considerados o

mesmo som ou fonema, embora estejam sendo realizados em diferentes

palavras e em diferentes contextos fonéticos;

• Compreender o que é letra e a diferenciação entre o nome que a letra possui e

os sons que ela pode vir a representar;

• A compreensão, fundamental, de que uma mesma letra pode escrever diferentes

sons e, inversamente, que um mesmo som pode ser escrito por distintas letras;

• Um conhecimento de regras contextuais, ou seja, que dizem respeito ao contexto

de ocorrência de relações entre sons e letras de modo que determinadas letras

podem influenciar no valor sonoro de outras, como acontece com a letra “s” que,

quando está entre vogais, assume o som do fonema /z/ (“camisa”, “pousar”).

De posse de conhecimentos deste tipo, a criança pode começar a detectar

situações ou palavras passíveis de conflitos até chegar à estabilização da forma

correta. Tal estabilização depende da formação de memórias e também do uso de

estratégias gramaticais, como a habilidade de recorrer a uma palavra conhecida (por

exemplo, cabeça) para decidir a escrita e uma palavra desconhecida ou pouco

familiar (descabeçado, por exemplo) 21 .

Classificação dos erros mais frequentemente encontrados

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A fim de subsidiar a compreensão do processo normal de aquisição da escrita,

assim como os chamados desvios que podem caracterizar os problemas de

aprendizagem, serão brevemente descritas as alterações mais comumente

encontradas, tomando-se como referência a classificação de Zorzi 4.

1. Substituições de letras em razão da possibilidade de representações múltiplas:

Algumas das correspondências entre letras e sons, no português, são estáveis,

ou seja, a um determinado som corresponde somente uma letra. Entretanto, existem

situações diversas nas quais um mesmo som pode ser escrito por várias letras e até

mesmo o caso de uma só letra poder representar mais do que um som. Este jogo

variável de relações acaba gerando uma grande gama de erros, como por exemplo:

“Carrossa”; “traviceiro”; “queicho”; “girasou” e “macarão”.

2. Apoio na oralidade

Tais alterações correspondem a uma tendência de se escrever as palavras do

modo como elas são pronunciadas, como se fosse uma transcrição fonética. Por esta

razão observam-se grafias como: “girassol” > “girasou” ; “soltou” > “soutou”, “enxugar” >

inchugar” e “parque” > “parqui”.

3. Omissões

As omissões referem-se à ausência de letras que deveriam estar compondo as

palavras. Embora seja muito comum a ocorrência de omissões de letras isoladas (como

“taqui” para “tanque”, na qual o “n” em final de sílaba foi omitido), pode-se também

encontrar a omissão de sílabas ou até mesmo de partes mais significativas das

palavras. A maior parte das omissões corresponde à ausência de “m” e “n” no final de

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sílabas. Exemplos: Taqui; quete; saque; cobinar; ninque; mã; perdi (perdido); fizes

(felizes); mamã (mamãe)

4. Junção – separação indevida de palavras

Uma vez que a produção de fala tem como uma de suas características um fluxo

sonoro continuado, sem quebra em cada uma das palavras, existe uma tendência inicial

de a criança começar a escrever as palavras ligadas umas às outras. Desta forma

surgem problemas quanto ao critério de segmentá-las em unidades distintas. Exemplos:

“derepente” (de repente); “em bora” (embora); “maismagra” (mais magra); “quees tava”

(que estava).

5. Confusão am x ão

Corresponde à tendência de as crianças substituírem a terminação “am” por “ão”,

uma vez que, do ponto de vista fonético, ambas as terminações são pronunciadas da

mesma forma, sendo a diferença unicamente marcada pela tonicidade. Daí a razão

desta troca, também influenciada pela oralidade. Exemplos: gostarão (gostaram);

ficarão (ficaram); falarão (falaram).

6. Generalização

Estas alterações refletem um processo no qual um conhecimento gerado em

uma determinada situação é estendido a outras com as quais a criança vê alguma

semelhança. Desta forma, haverá um erro por generalização quando a situação nova a

que o conhecimento foi aplicado, apesar das semelhanças possíveis com aquela

original, não é passível de tal aplicação. Por exemplo, ao descobrir que “papel” se

escreve com “l” no final, apesar de se pronunciar “u”, a criança acredita que o mesmo

se passe com “chapéu”, grafando-o como “chapel”.

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7. Trocas envolvendo substituições entre letras que representam os fonemas surdos e

sonoros

Neste caso, algumas letras que representam certas consoantes sonoras

(produzidas com vibração das pregas vocais) são substituídas por letras que

correspondem a consoantes surdas (produzidas sem vibração das pregas vocais) e

vice-versa. Exemplos: “machugado” (machucado); “ticholu” (tijolo); “chornal” (jornal);

“viacharão” (viajarão); “jurasgo” (churrasco); “agordou” (acordou); “dende” (dente);

“ninquem” (ninguém); “quera” (guerra); “vasia” (fazia).

8. Acréscimo de letras

Os acréscimos correspondem ao aumento do número de letras que deveriam

escrever uma palavra e podem ser decorrentes de fatores de regularização de sílabas e

até mesmos de falta de atenção ou de correção por parte da criança que escreve.

Exemplos: “Vece” (vez); “carata” (carta); “prerto” (preto).

9. Confusões entre letras parecidas

Tal tipo de erro corresponde a confusões relativas ao traçado das letras,

considerando-se suas características gráficas. São exemplos deste tipo de ocorrência

as trocas entre “ch / cl”; “m / n” ; “l / h”; “nh / lh”; “q /g” observadas na escrita

principalmente com letra cursiva, como por exemplo em: “telha > tenha”; “música >

núsica” e “bicicleta > bicicheta”.

10. Inversões

Exemplos: confusões entre b e d: cedola (cebola), tradalhar (trabalhar); inversões

quanto à posição das letras: braco (barco); secova (escova)

As inversões referem-se a confusões ou alterações que dizem respeito à posição

das letras, quer em relação ao próprio eixo (espelhamento ou rotação: p/q; d/b), quer

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em relação ao local que deveria ser ocupado dentro da palavra (mudanças de posição

dentro da sílaba ou da palavra: “estava – setava”; “preto – perto”). Para a grande

maioria das crianças, este tipo de erro tem baixa ocorrência desde as etapas iniciais da

alfabetização 22.

Os desvios ortográficos

A apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo no qual o aprendiz

vai elaborando hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, as quais revelam

diferentes graus de conhecimentos que estão sendo por constituídos. Isto significa que

não se aprende a escrever de imediato e que “erros” estão implícitos em tal processo 23.

Nas etapas mais iniciais do aprendizado a criança não chega a compreender

com clareza as relações entre a oralidade e a escrita, o que caracteriza a chamada

hipótese pré-silábica. Uma descoberta fundamental tem lugar quando ela passa a

relacionar certas características sonoras da palavra falada com as possibilidades de

representação gráfica. Este conhecimento, por seu lado, parece se tornar possível na

medida em que, em termos de conhecimento fonológico, a criança atinja o nível da

consciência da sílaba.

A partir do momento em que a segmentação silábica é alcançada, parece ocorrer

um direcionamento da atenção da criança para componentes menores das palavras,

mais especificamente para os fonemas, marcando as chamadas fases silábico-

alfabética e alfabética. Por outro lado, chegar ao nível alfabético não significa ter

encerrado um ciclo de aprendizagem, mas sim ter alcançado uma nova etapa que se

caracterizará pelo aparecimento de novos “erros”. Porém, os problemas agora parecem

de outra ordem, implicando a compreensão e o domínio de um vasto conjunto de regras

e convenções da escrita o que demandará o uso de novas habilidades e

conhecimentos.

Page 15: Erros de ortografia

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Pensando nas características lingüísticas que a criança deve dominar a partir da

fase alfabética, pode-se verificar que a noção de maior complexidade diz respeito às

correspondências múltiplas, ou seja, compreender as relações variáveis entre letras e

sons. Em seguida vêm as dificuldades em termos de diferenciar critérios fonéticos e

critérios ortográficos. Além do mais, outro aspecto, com alto grau de complexidade,

encontra-se nas relações quantitativas entre letras e sons, principalmente na

representação de sílabas cuja composição foge do padrão consoante – vogal.

Inversamente, no outro extremo de uma escala de complexidade encontramos a

discriminação do traçado das letras e a posição que elas devem ocupar no espaço

gráfico como aspectos de mais fácil e rápida compreensão 4.

Como tem sido enfatizado, dificuldades e erros são ocorrências típicas e

esperadas na aquisição da escrita. Sendo os erros parte integrante da aprendizagem, o

que estaria então caracterizando o que pode ser chamado de distúrbio ou desvio

ortográfico, comumente presentes nos transtornos de aprendizagem? Os dados

indicam que a diferença fundamental não se encontra necessariamente nos tipos de

erros uma vez que, em geral, observam-se nas crianças com dificuldades mais

significativas, praticamente os mesmos erros encontrados nas demais consideradas

como tendo um bom desenvolvimento. Eventualmente observam-se algumas alterações

atípicas, que fogem daquele conjunto de erros comumente encontrado.

Desta forma, temos elementos indicativos de que os desvios ou distúrbios da

ortografia estão caracterizados não, necessariamente, pela ocorrência de tipos

diferentes de erros, mas sim, predominantemente, pelo modo como se desenrola o

próprio processo de aquisição da escrita. Tal processo manifesta-se, principalmente,

por uma freqüência e duração maior de certos tipos de erros nas crianças apresentando

problemas de aprendizagem. Isto significa, basicamente, déficits ou conhecimentos

limitados que se refletem em dificuldades ou lentidão acentuada no sentido de gerar e

generalizar hipóteses que, sucessivamente, permitam a apreensão cada vez mais

Page 16: Erros de ortografia

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aprofundada da escrita. Assim sendo, a criança pode estabilizar hipóteses elementares

e insuficientes a respeito da ortografia; ter dificuldades para generalizar novos

conhecimentos; construir hipóteses atípicas ou demonstrar um ritmo de aprendizagem

muito lento, mesmo quando exposta a um ambiente favorável para a aprendizagem.

Em síntese, podemos listar algumas das habilidades ou conhecimentos

fundamentais para o aprendizado da escrita, cujo déficit, ou desconhecimento, podem

gerar os padrões atípicos considerados como desvios ortográficos ou disortografias:

• Construção da hipótese alfabética, a qual implica um certo grau de consciência

fonológica e de habilidades para corresponder fonemas e grafemas;

• Domínio da posição da letra no espaço gráfico;

• Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial;

• Compreender o papel da entonação: a noção de tonicidade e sílaba tônica;

• Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros

em unidades vocabulares (palavras);

• Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em

unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de

sílabas;

• A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações

entre falar e escrever e a estabilização da escrita convencional;

• A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das

alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional;

A fim de realizarmos uma análise um pouco mais aprofundada dos desvios

ortográficos, serão utilizados alguns dados brutos de um levantamento, ainda informal,

da produção escrita de uma população de 44 sujeitos. Tal grupo tem uma idade

variando entre 7 e 16 anos e foi encaminhado para avaliação fonoaudiológica com

queixa escolar de transtorno de aprendizagem. A maior parte do grupo está

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concentrada na faixa dos 7 aos 11 anos (77,2%) e cursando da primeira à quinta séries

do ensino fundamental de escolas da rede pública e privada. A partir de escrita sob

ditado e da produção de textos, foi possível realizar um levantamento dos erros

ortográficos apresentados pelo grupo. Os dados abaixo ilustram os tipos e a freqüência

das alterações encontradas, as quais foram um dos principais motivos do

encaminhamento por parte das escolas.

Tabela I: Tipos de erros apresentados pelo grupo com queixa de transtorno de

aprendizagem, freqüência de ocorrência e porcentagem relativa de cada tipo de

alteração comparada com a porcentagem de erros comumente encontrados em

crianças de 1ª a 4ª séries 4.

Tipos de alterações Nº de erros

observados no

grupo com

queixa

% de ocorrência

de erros no

grupo com

queixa

% de ocorrência

de erros de 1ª a

4ª séries

1. representações múltiplas 840 35,7 47,5

2. oralidade 368 15,6 16,8

3. omissões 337 14,3 9,6

4. junção/ separação 113 4,8 7,8

Page 18: Erros de ortografia

18

18

5. confusão am x ão 95 4,0 5,2

6. generalização 73 3,1 4,6

7. surdas/sonoras 226 9,6 3,8

8. acréscimo 54 2,2 1,4

9. letras parecidas 41 1,7 1,3

10. inversões 20 0,8 0,6

11. outras alterações 168 7,1 1,2

Total de erros encontrados 2352

Apesar das limitações, uma vez que não foi realizada uma análise estatística

apropriada, assim como por estarem sendo comparados dois grupos com distintos

níveis de idade e escolaridade, os dados acima expostos são indicativos de possíveis

diferenças entre eles. Tais diferenças compõem um perfil ortográfico que pode revelar

distinções entre a aquisição considerada normal e a presença de problemas de

aprendizagem. A Tabela I, por exemplo, indica que os erros categorizados como

representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras, trocas surdas/sonoras

e outras alterações são, nesta ordem, os que mais ocorrem na escrita dos sujeitos

encaminhados. Neste caso, o que diferencia ambos os grupos é, a princípio, a mais

alta incidência dos erros denominados “trocas surdas/sonoras” e “outras alterações”.

Este último tipo engloba erros considerados atípicos ou de caráter idiossincrático,

observados mais em níveis individuais do que como uma dificuldade coletiva. É o caso,

por exemplo, de escritas do tipo “soltou > sondou”; “falou > salou”; “podia > todia”;

“compraram > comprarar”; “sangue > sengue”; “então > estão”; “fugiu > fuziu” e

“chateado > sateado”.

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19

Tabela II – Número médio de erros ortográficos por sujeitos do grupo encaminhado em

comparação com o número médio de erros por aluno nas 4 séries iniciais 4

Tipos de alterações Nº médio de erros

Grupo com queixa

Nº médio de erros por

aluno nas 4 primeiras

séries

1. representações múltiplas 35,7 19.7

2. apoio na oralidade 15,6 6.9

3. omissões 14,3 3.9

4. junção / separação 4,8 3.2

5. confusão am x ão 4,0 2.1

6. generalização 3,1 1.9

7. surdas / sonoras 9,6 1.6

8. acréscimo de letras 2,2 0.6

9. letras parecidas 1,7 0.5

10. inversões 0,8 0.3

11. outras 3,8 0.5

Nº médio de erros no total,

por sujeito

53,45 41,23

A Tabela II, por outro lado, revela, de uma forma geral, uma tendência a uma

média mais elevada no número de erros por sujeito do grupo encaminhado com queixa

de problemas de aprendizagem. Vale observar que tal média apresenta-se

particularmente acentuada nos erros envolvendo representações múltiplas, apoio na

oralidade, omissões de letras, trocas surdas/sonoras e outras alterações.

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20

Que dificuldades os erros de escrita podem revelar De modo geral, confirma-se a idéia de que os erros apresentados por crianças

com problemas de aprendizagem são praticamente os mesmos encontrados em seus

pares sem dificuldades, embora com diferenças na freqüência, incluindo os erros

atípicos configurados como “outras alterações”. Estes dados também indicam que

determinados pontos ou aspectos da linguagem escrita, por seu grau de complexidade

e pelas habilidades que demandam, apresentam-se como mais desafiantes e menos

acessíveis para aqueles cuja aprendizagem pode ter alguma limitação.

Considerando-se os tipos de erros que tendem a se destacar como os mais

presentes na escrita destas crianças com possíveis transtornos de aprendizagem

(representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras e trocas

surdas/sonoras), torna-se viável supor prováveis aspectos da aprendizagem cujos

déficits ou falhas podem estar na origem dos problemas ortográficos apresentados por

elas. Tomando como referência para análise a natureza do sistema alfabético de escrita

e suas características envolvendo as relações entre sons e letras, alguns dos

conhecimentos que se apresentam como menos evoluídos neste grupo dizem respeito

aos seguintes domínios:

1. O que é som.

2. O que é letra.

3. Que as letras escrevem sons.

4. Que os sons podem ser transformados em letras.

5. Diferenciar o som que a letra representa do nome da letra (Exemplo: “efe” é o

nome da letra “f”, enquanto que o som que ela representa é /f/. Ou seja, “efe” é o

nome desta letra e não o som que ela escreve).

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6. Que existem possibilidades variadas de relações entre letras e sons (as quais

definem as alterações consideradas como representações múltiplas):

a. Um mesmo som pode ser sempre escrito pela mesma letra;

b. Um mesmo som pode ser escrito por diferentes letras;

c. Uma mesma letra pode escrever mais do que um som.

7. Diferenciar vogais e consoantes.

8. Compreender o papel das “regras contextuais”, como a influência das vogais

sobre determinadas consoantes: “s”, entre vogais, fica com o som /z/; “g”

quando acompanhada de “e” ou de “i”, escreve o som /�/, enquanto que, com

as demais vogais, representa o som /g/; a letra “z”, no final de palavras, fica com

o som /s/, e assim por diante.

9. Detectar as situações de risco ou conflito produzidas pela própria língua, e

desenvolver estratégias de superação de tais conflitos (por exemplo, buscando

informações sobre como escrever corretamente as palavras que geram

dúvidas).

10. Compreender que falar e escrever correspondem a processos distintos,

havendo variações, apesar das relações entre tais modalidades de linguagem, o

que levará à distinção entre escrita fonética e escrita ortográfica.

11. Segmentar as palavras de modo a detectar todos os sons que as compõem.

12. Saber corresponder letras e sons, ou seja, conhecer o valor sonoro das letras e

as possíveis relações entre ambos.

13. Compreender as várias possibilidades de construção de sílabas não se

limitando à escrita de palavras selecionadas somente com o padrão CV

(consoante/vogal). A criança deve ser capaz de segmentar palavras em sílabas

e saber quantificar a composição sonora das mesmas, a fim de ser levada a

dominar o modo de se escrever sílabas de estruturas mais complexas, como é o

caso daquelas contendo CCV (consoante/consoante/vogal, como em “pra”; CVC

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(consoante /vogal/ consoante, como em “par”; CCVC (consoante /consoante/

vogal / consoante, como em “tres”); CCVCC (consoante /consoante / vogal /

consoante / consoante, como em “trans”) e assim por diante.

14. Detectar e diferenciar, principalmente na própria fala, as diferenças sutis entre

os fonemas surdos e sonoros através de um processo de segmentação

fonêmica e relacionar cada um desses fonemas com os grafemas

correspondentes 24-29.

15. Identificar semelhanças sonoras entre as palavras considerando-se o nível de

morfemas. Isto permite desenvolver uma sensibilidade para detectar palavras

que partilham das mesmas propriedades sonoras, o que pode garantir

processos eficientes de generalização e aplicação de regras ortográficas. Por

exemplo, palavras pronunciadas com /era/ e que são escritas com “eira”, como

“cadera > cadeira”, “bandera > bandeira” e “geladera > geladeira”.

16. Desenvolver atitude de controle consciente do ato da escrita, de modo a

detectar as situações passíveis de erro enquanto escreve.

17. Estabilizar a forma de escrever as palavras que fazem parte de seu léxico

funcional.

Os conhecimentos acima listados dizem respeito a um conjunto de habilidades

necessárias para a escrita adequada de palavras e que se configuram como básicos

para o domínio da ortografia, principalmente em relação aos erros que mais

frequentemente têm sido encontrados em crianças com problemas de aprendizagem.

Por esta razão, procedimentos de avaliação, assim como programas de intervenção

devem estar atentos para poder medi-los e também para criar situações que possam

incrementar seu desenvolvimento.

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Considerações finais

Quando analisamos a aprendizagem da escrita, quer seja ela normal ou desviante,

devemos considerar aspectos ligados ao sujeito que aprende, às condições

sociais/pedagógicas de ensino e também às características do objeto a ser conhecido,

no caso a própria escrita uma vez que erros e dificuldades fazem parte de todo e

qualquer processo de aprendizagem.

Com os avanços no processo de alfabetização observa-se uma construção

progressiva de conhecimentos que geram um domínio cada vez mais aprofundado da

linguagem escrita em todos os seus aspectos, incluindo a questão da ortografia. Este

processo implica variações em termos de aprendizagem, as quais dependem não

somente das características do aprendiz, mas também da qualidade do ensino que lhe

é proposto, assim como do meio social em que vive. Desta forma, fica muito difícil

estabelecer parâmetros rígidos de como se deve dar tal aprendizagem, uma vez que

ela depende de múltiplos fatores. Neste contexto, os distúrbios ou desvios podem ser

caracterizados como processos nos quais dificuldades se acentuam de modo a

lentificar significativamente a aprendizagem, criar rigidez no modo de operar ou levar a

hipóteses ou formas de escrever que fogem daquelas comumente encontradas.

Abordar questões relativas à complexidade de conhecimentos necessários para o

domínio da escrita, assim como analisar as principais alterações ortográficas na

produção gráfica de pessoas com transtornos de aprendizagem, como apontado neste

capítulo, podem fornecer elementos que permitam uma melhor compreensão do

processo de aquisição da linguagem escrita e de seus desvios.

ABSTRACT:

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Orthography is within a large series of knowledge that the child learning to read and to

write should dominate in an outstanding and visible form. Considered one of the learning

indicators for the written language, understanding the orthographic system imposes a

considerable group of challenges, ending up by generating a series of errors. Within the

knowledge required for conventional learning of writing there are the construction of the

alphabetical hypothesis, spatial domination of writing, differentiation of letters outline,

role of tonicity, sound structure segmentation procedures, differentiation between

speaking and writing and understanding the different relations among graphemes and

phonemes. The errors observed in children’s writing, that may be classified in different

categories, reveal the dominion or not of such knowledge. At the same time when such

knowledge is part of learning, it may also be an indicator for possible problems in this

learning process. Studies systematically point out to the presence of orthographic errors

in the cases related to written language disturbances. This text aims at trying to

characterize the occurrence of orthographic alterations in children with writing problems,

when compared with learning considered normal. Through a preliminary analysis of the

writings in a group of 44 subjects, from 7 to 16-year old, with some type of writing

disturbance, the most-occurring errors were verified to relate to, in order of frequency,

the confusions due to the possibility of multiple representations, support in orality,

omission of letters, swaps involving the presence or absence of sonority, and also a

larger presentation of atypical mistakes, rarely observed in other children. In this way, a

larger number of errors was noted firstly in writing of children with learning disturbances,

if compared with the occurrence of errors in the writing of those children without such a

problem. Additionally, the swaps involving the trace of sonority, as well as the atypical

errors, because of having a more accented presence in the cases of disturbances, can

be considered as problem indicators in learning.

Page 25: Erros de ortografia

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KEY-WORDS: Orthography, written language, dyslexia, learning disturbances,

disorthography.

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