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Pharmacia Brasileira - Agosto/Setembro 2005 4 ERROS DE MEDICAÇÃO: do silêncio e do estigma à luta por mudança O assunto é delicado. Pesam sobre ele es- tigmas, preconceitos, medos, maldições. Prin- cipalmente, desinformação. Muitos – talvez, a maioria – preferem não se pronunciar sobre o mesmo. Acham que o melhor a fazer é mergu- lhar as palavras num poço de silêncio. Mas por que tanto, quando se trata de erros de medica- ção? A revista PHARMACIA BRASILEIRA (PB) inicia, nesta edição, uma série de reportagens sobre o problema, que continuará nas edições seguintes. O objetivo é entender o que se pas- sa nesse emaranhado e ajudar na construção de um caminho que leve à transformação da realidade envolvendo a questão. Entre médicos, farmacêuticos e enfermei- ros entrevistados pela PB, todos eles professo- res dos cursos de Medicina, Farmácia e Enfer- magem, excelências em erros de medicação pelo tanto que vêm se debruçando a estudá-los, há um ponto que ficou cristalizado como uma ver- dade irrefutável, segundo esses próprios pes- quisadores: os erros devem ser entendidos, ava- liados e julgados, não a partir dos profissionais que erram, mas, sim, do sistema em que estes estão inseridos. Então, o que leva o sistema a errar tanto? A impressão deixada pelos entre- vistados é que o tecido desse sistema está es- garçado e grita por socorro. Pelo jornalista Aloísio Brandão, Editor desta revista ERROS DE MEDICAÇÃO: FOTO: Kiko Nascimento

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Pharmacia Brasileira - Agosto/Setembro 20054

ERROS DEMEDICAÇÃO:do silêncio e do estigmaà luta por mudança

O assunto é delicado. Pesam sobre ele es-tigmas, preconceitos, medos, maldições. Prin-cipalmente, desinformação. Muitos – talvez, amaioria – preferem não se pronunciar sobre omesmo. Acham que o melhor a fazer é mergu-lhar as palavras num poço de silêncio. Mas porque tanto, quando se trata de erros de medica-

ção? A revista PHARMACIA BRASILEIRA (PB)inicia, nesta edição, uma série de reportagenssobre o problema, que continuará nas ediçõesseguintes. O objetivo é entender o que se pas-sa nesse emaranhado e ajudar na construçãode um caminho que leve à transformação darealidade envolvendo a questão.

Entre médicos, farmacêuticos e enfermei-ros entrevistados pela PB, todos eles professo-res dos cursos de Medicina, Farmácia e Enfer-magem, excelências em erros de medicação pelotanto que vêm se debruçando a estudá-los, háum ponto que ficou cristalizado como uma ver-dade irrefutável, segundo esses próprios pes-quisadores: os erros devem ser entendidos, ava-liados e julgados, não a partir dos profissionaisque erram, mas, sim, do sistema em que estesestão inseridos. Então, o que leva o sistema aerrar tanto? A impressão deixada pelos entre-vistados é que o tecido desse sistema está es-garçado e grita por socorro.

Pelo jornalista Aloísio Brandão,Editor desta revista

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“O ato de dispensação é uma prerrogativa inalienável do farmacêutico. Para

fazer isso, com qualidade e respaldo técnico que o ato impõe, é preciso que

ele analise a prescrição. Esta análise possibilita que se identifique erros”.

(Farmacêutico Tarcísio Palhano, estudioso de erros de medicação)

Farmacêutico precisaconferir a prescrição

Medicação, o ato de medicar,é um termo vasto, que abriga a pres-crição, a dispensação e a adminis-tração de medicamento. Várias fa-ses, situações e um rosário de dife-rentes itens e nuances dão uma as-sustadora complexidade ao assun-to. Erros de medicação existem, nomundo inteiro, e, segundo os es-pecialistas, é, em geral, impossíveleliminá-los, completamente. Maspodem ser diminuídos. E mais:carecem de políticas públicas deprevenção e de combate, urgente-mente. Melhor dizendo, o assun-to precisa mesmo é ser encarado,de frente, pelas autoridades sani-tárias, profissionais e todos aque-les que lidam, direta e indireta-mente, com o problema. E os paci-entes, vítimas dos erros, onde fi-cam nesse contexto? O que podemfazer para se prevenir ou se livrardo problema?

O ponto de partida para aprodução deste conjunto de ma-térias, na PHARMACIA BRASI-LEIRA, foi uma provocação feitaao seu editor pelo Dr. Tarcísio Pa-lhano, farmacêutico-bioquímicopela Universidade Federal do RioGrande do Norte (UFRN) com es-pecialização em Farmácia Clínicapela Universidade do Chile, em1978, e um estudioso de erros demedicação. “Por que você não es-creve uma matéria sobre erros demedicação?”, desafiou Palhano.

Antes, o editor desta revistajá havia tomado conhecimento doesforço exemplar dos professoresAjith Sankarankutty, do curso deMedicina; Julieta Ueta, do cursode Farmácia e com quem o jorna-lista já havia conversado, e Sílvia

Cassiani, do curso de Enferma-gem, entre outros, todos da USP(Universidade de São Paulo), cam-pus de Ribeirão Preto, ao criar umcentro de pesquisa sobre erros demedicação dentro do curso deMedicina daquela Universidade.

Quanto ao professor TarcísioPalhano, foi quem implantou oprimeiro serviço de Farmácia Clí-nica e o primeiro CIM (Centro deInformação sobre Medicamentos),no Brasil, mais precisamente noHospital das Clínicas, hoje, Hos-pital Universitário Onofre Lopes,pertencente à UFRN.

Durante 12 anos, Palhanodirigiu a farmácia do HospitalUniversitário. “O ato de dispensa-ção é uma prerrogativa inaliená-vel do farmacêutico. E, para fazerisso, com qualidade e respaldo téc-nico que o ato impõe, é preciso queele analise a prescrição. Esta análi-se possibilita que se identifiqueerros”, observa o professor. Salien-tou que isso deve fazer parte dodia-a-dia do farmacêutico, qual-quer que seja a farmácia em queele atua – hospitalar ou comunitá-ria. E acrescentou:

- Mas este ato do farmacêutico éconfundido, principalmente pelo mé-dico, com uma invasão ou uma inter-ferência na prescrição, quando, naverdade, é apenas um desdobramentode suas ações (do médico).

Tarcísio Palhano, quando di-rigiu a farmácia do Hospital Uni-versitário, pregou insistentemen-te entre os seus alunos que ali esta-giavam um princípio farmacêuti-co de que o profissional não podeprescindir: conferir as prescrições.O professor diz ter ficado choca-

do com os erros que presenciou.Por defender as suas posições, foiconvidado pelo Chefe do Departa-mento de Medicina Clínica do cur-so de Medicina da UFRN para umareunião com professores médicosdos seus vários departamentos.

O pessoal da Medicina que-ria que Palhano falasse sobre aqui-lo que defendia e sobre os tantoserros de prescrição que vinha en-contrando. Levou junto à reuniãoos outros farmacêuticos da Casa.E, ali, sustentou, em alto e bomtom, que os farmacêuticos não po-deriam abrir mão do seu direitode analisar a prescrição. Dissemais: que, diante de uma dúvida,deveriam esclarecê-la junto aospróprios prescritores. “Agir emcontrário, é infringir o nosso Có-digo de Ética”, declarou.

A conversa do Dr. Palhanocom os professores médicos foitensa. Mas, com argumentações eprovas que reuniu, ele foi derru-bando, uma a uma, as barreiras. Ofarmacêutico teve o cuidado decatalogar e apresentar cerca de 100receitas com prescrições erradas.Depois da conversa, foi convida-do pelo professor Francisco deAssis de Lima a ministrar aulaspara os concluintes de todos os

Dr. Tarcísio Palhano pesquisouerros de medicação, em Natal (RN)

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semestres do curso de Medicinasobre erros em prescrições médi-cas dentro da disciplina EstágioSupervisionado em Medicina Clí-nica, por ele coordenada.

O professor lembra que o quemais dá origem ao erro é a letra domédico. Das prescrições com pro-blemas que ele conseguiu reunir,a maioria trazia nomes de medica-mentos que davam margens a con-fusões com outros nomes, quandoescritos com letras não muito cla-ras. Um exemplo com nomes deprincípios ativos: Clorpromazinae Clorpropamida. “Uma má inter-pretação de uma grafia ruim podelevar à dispensação de medica-mentos com indicações completa-mente distintas”, alertou. Exem-plos de erros com nomes comerci-ais de medicamentos: Flagyl e Pla-sil; Tricocel e Tricocet.

Simulação – Para provar queletras não claras nas prescrições e anão checagem das mesmas pelo far-macêutico são uma combinaçãoexplosiva, Palhano realizou, emoutubro de 1985, uma pesquisa comos seus alunos de Deontologia eLegislação Farmacêutica do primei-ro ano do curso de Farmácia daUFRN. Para tanto, simularam umareceita completamente absurda.

O professor pediu aos alunosque escrevessem, em meia folha depapel tamanho ofício e sem timbrealgum, como se prescrevessem, trêsnomes de medicamentos inexisten-tes, inventados, na hora. E, para serbem incisivo, pediu que os estu-dantes usassem garranchos total-mente incompreensíveis (ver recei-ta digitalizada, nesta página). A recei-ta simulada levava a assinatura in-compreensível de um médico, tam-bém inexistente, cujo CRM tinha onúmero 81686. À época, Natal tinhacerca de 3 mil médicos.

Os estudantes foram a 40 di-ferentes estabelecimentos, entrefarmácias e drogarias, e apresenta-ram a receita. Pasmem, leitores:venderam-lhes 47 unidades de 17diferentes medicamentos, entre vi-tamina E e antibióticos, além deoutros com as mais variadas indi-cações terapêuticas. E mais: ne-nhum estabelecimento rejeitou afalsa receita. “A intenção da pes-quisa foi checar os estabelecimen-

tos farmacêuticos”, argumentaTarcísio Palhano. Em tempo: an-tes de aplicar a pesquisa, o farma-cêutico foi aos Conselhos Regio-nais de Farmácia e de Medicina doRio Grande do Norte aos quais fa-lou da pesquisa e apresentou a re-ceita simulada.

Perguntou aos órgãos se ha-via algum impedimento ético emsua realização e recebeu destes aautorização para tal. “Os farma-cêuticos das farmácias e drogariaspesquisadas erraram, porque nãoestavam presentes aos estabeleci-mentos, ou porque não checarama receita (simulada), deixando pas-sar uma estapafúrdia daquela”,denunciou o Dr. Tarcísio Palhano.

Numa outra ocasião, Palha-no levou algumas receitas quechegaram à farmácia do HospitalUniversitário para que os própri-os médicos e professores de Medi-cina as decifrassem, durante umadas aulas que ministrava sobre er-ros. Ninguém conseguiu. Os er-ros não ficaram resumidos às le-tras ininteligíveis. Outros erros ti-veram origens diferentes, envol-vendo a dispensação e a adminis-tração. Erros, ainda, quanto à esco-lha equivocada da dose e do pró-prio medicamento prescrito, rela-cionados a interações e incompati-bilidades de importância clínica.

“É preciso investir na forma-ção dos alunos de Medicina, Far-mácia e Enfermagem com conteú-dos relativos ao medicamento,através de disciplinas como Far-macologia e Terapêutica”, apelouo professor Palhano.

Esperança - Mas há um fiode luz que aponta para mudançasnesse contexto e para uma espe-rança de melhoria. Quem traz a luzsão os profissionais das três áreasenvolvendo erros de medicação eque vêm se dedicando obsessiva-mente a estudar o fenômeno, como objetivo de contribuir para umnovo olhar sobre o problema.

Além do professor Tarcísio,o Hospital Universitário da UFRN,em Natal, conta com outro timo-neiro no estudo do assunto. Omédico Francisco de Assis deLima, professor do curso de Me-dicina, desenvolve um trabalhofantástico nesse sentido. Sensível

à realidade e aberto a mudanças,ele promoveu uma revoluçãodentro do Hospital Universitário,hoje, Onofre Lopes. A PHARMA-CIA BRASILEIRA entrevistou oDr. Francisco de Assis.

Outro entrevistado é o far-macêutico Mário Borges. Profun-do pesquisador do assunto e ex-tremamente detalhista ao abordá-lo, ele levantou uma vasta biblio-grafia sobre erros de medicação,que disponibiliza aos leitores des-ta matéria. O Dr. Mário, que traz,propostas e um olhar bastante re-flexivo sobre o problema, fez o seumestrado sobre erros de medica-ção. A sua entrevista é uma gran-de contribuição para o conheci-mento do assunto.

Na próxima edição, a PHAR-MACIA BRASILEIRA trará trêsoutras importantes entrevistas. Osentrevistados são os três professo-res da USP de Ribeirão Preto, Aji-th Sankarankutty, Julieta Ueta e Síl-via Cassiani. Os três são referênci-as internacionais em erros de me-dicação e lançam novas luzes so-bre a questão.

Numa terceira edição, estarevista vai ouvir autoridade do Mi-nistério da Saúde, de outros orga-nismos do setor e da Subcomissãode Saúde das duas Casas legislati-vas, em Brasília.

Receita simulada traz letras em garranchos com nomes incompreensí-veis de três medicamentos inexistentes. Ela foi entregue a 40 farmácias,que venderam 17 diferentes medicamentos “receitados”.

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ENTREVISTA / MÉDICO FRANCISCO DE ASSIS DE LIMA

Quebrar resistências

Médico Francisco de Assis de Lima promoveuuma revolução no Estágio Supervisionado emMedicina Clínica, no curso de Medicina da UFRN,ao abrir espaço para a criação da matéria Errosde Prescrição

O médico Francisco de Assis de Lima, professor e Coordenador dadisciplina Estágio Supervisionado em Mecicina Clínica, do curso deMedicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),oferecida dentro do Hospital Universitário Onofre Lopes, é um clarão,no universo acadêmico na área da saúde, na busca de uma resposta paraos erros de medicação. Homem de rara cultura universal, profissionalaltamente qualificado, o Dr. Francisco é a antítese de muitos profissionaisda saúde, quando estão em pauta os erros de medicação, pois ele fala,critica e busca, com destemor, caminhos que levem ao enfrentamento doproblema. Na UFRN, abriu espaço, dentro do curso de Medicina, para acriação da matéria Erros de Prescrição, e a confiou a um farmacêutico, oprofessor Tarcísio Palhano, da Faculdade de Farmácia da mesma Univer-sidade. Francisco de Assis deu uma demonstração de que não se devecurtir o assunto num tambor de silêncio. É preciso enfrentá-los. Sensívelà realidade, aberto a mudanças, o médico promoveu uma revolução den-tro do Onofre Lopes. A PHARMACIA BRASILEIRA entrevistou o Dr.Francisco de Assis. Veja a entrevista

PHARMACIA BRASILEIRA- Dr. Francisco, o que o levou aincorporar o tema Erros de Pres-crições dentro da disciplina Está-gio Supervisionado em MedicinaClínica, no curso de Medicina daUniversidade Federal do RioGrande do Norte (UFRN)?

Francisco de Assis de Lima- Por observar, como preceptor deClínica Médica, o descaso com osaspectos formais e de conteúdodas prescrições. Por exemplo: Pe-nicilina Benzatina 1.200.00 U – 01amp. IV. de 8/8 horas. Este traba-lho só foi possível, pela inestimá-vel colaboração do professor Tar-císio Palhano.

PHARMACIA BRASILEIRA- Como a sua iniciativa foi recebi-da por professores, estudantes deMedicina e médicos do quadro daUFRN?

Francisco de Assis de Lima- Tivemos que enfrentar grandesresistências nos corpos docente ediscente do Hospital Universitá-rio Onofre Lopes da UFRN. Qual-quer mudança sempre é recebidacom resistência. Durante o perío-

do em que coordenei a discipli-na, reduzimos as falhas para me-nos de dez por cento. Uma gran-de vitória.

PHARMACIA BRASILEIRA- Em que momento e situação omédico mais comete erros de pres-crição? E por que?

Francisco de Assis de Lima– O médico comete erros, em todomomento. Basta estar desprepara-do ou descuidado. Muitos erram,

por não saber. Outros, por pregui-ça de fazer correto. Outros, porabsoluta imprudência.

PHARMACIA BRASILEIRA- O que é preciso ser feito, para secorrigir essas falhas? E o que já foifeito, nesse sentido?

Francisco de Assis de Lima- Deve retornar ao currículo mé-dico a disciplina de Terapêutica.O ensino da arte de bem prescre-ver. O aluno deve ser cobrado.

Dr. Francisco de Assis de Lima e estagiários em Medicina Clínica, no Hospital Onofre Lopes

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Deve ser supervisionado, desde omomento em que prescreve. De-vemos contar com o apoio da dis-ciplina do curso de Farmácia, Far-macologia Clínica. Aqui, no meutorrão, funciona e muito.

PHARMACIA BRASILEIRA- Falemos de ensino médico. Queavaliação o senhor faz do item pres-crição, no ensino de Medicina? Oscurrículos abordam o problema?

Francisco de Assis de Lima- Como referido, anteriormente.Não há preocupação formal. Estaocorrência foi uma iniciativa in-dividual deste docente e do pro-fessor Tarcísio Palhano (Farmaco-

ENTREVISTA / MÉDICO FRANCISCO DE ASSIS DE LIMA

logia Clínica). O atual preceptorjá não mais se interessa pelo itemprescrição. Tivemos uma quedana qualidade.

PHARMACIA BRASILEIRA– E os coordenadores e diretoresde curso de Medicina, como vêemos erros de prescrição? Eles estãoatentos à questão?

Francisco de Assis de Lima- Os coordenadores do curso mé-dico lato sensu são médicos que,na maioria das vezes, não exerce-ram a profissão médica, traba-lham com áreas afins da ClínicaMédica: nunca prescreveram,nem sabem. Este é exemplo do

meu lugar. Não podem ficar aten-tos a uma questão que desconhe-cem, profissionalmente.

PHARMACIA BRASILEIRA– O que acha da inclusão da dis-ciplina Farmácia Clínica no cur-rículo do curso de Medicina? Elajá é obrigatória no curso daUFRN?

Francisco de Assis de Lima- Sou favorável a um trabalhoconjunto com a Farmácia Clíni-ca. A disciplina de terapêuticadeve retornar. A Farmacologiadeve ser ensinada, visando à suaaplicação na Clínica. Isto nãoocorre.

Anatomia dos erros

ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

Mário Borges Rosa é uma fontede água límpida e farta, quando o as-sunto é erros de medicação. Farmacêu-tico, mineiro, escolheu esse tema para oseu mestrado, depois que participou deum congresso, nos Estados Unidos. Foi,ali, que tomou um conhecimento maiscomplexo e mais real sobre a enormida-de do problema – suas causas, efeitos,questões correlatas, estratégias para o seucombate etc. As pesquisas para o seumestrado foram desenvolvidas no Hos-pital João XXII, público, o maior depronto-socorro, urgências e emergênci-as de Minas. Extremamente detalhista,o Dr. Mário Borges é dessas pessoas queabrigam uma grande inquietação, quan-do estão diante de um “monstro”, e igualdesejo de enfrentá-lo, como no caso doserros de medicação. Borges gosta de es-miuçar os assuntos e deitar um olhar ci-entífico, mas não menos humano, sobreeles. Farmacêutico militar do Comandoda Aeronáutica, ele explica que a prin-cipal causa dos erros é o conhecimentoinsuficiente sobre os medicamentos porparte da equipe de saúde, durante o seuprocesso de prescrição, dispensação,transcrição e administração. Mas há tam-bém os fatores sistêmicos, estes com um

peso assombroso sobre os fatos. Mas pedecuidado ao se analisar e julgar aquelesque cometem erros. “A abordagem doproblema, no sistema de saúde, é, geral-mente, feita, de forma individualista,considerando-os como atos inseguros,cometidos por pessoas desatentas, des-motivadas e com treinamento deficien-te. Quando o erro ocorre, a tendência éescondê-lo, perdendo-se importanteoportunidade de aprendizado”, denun-cia Mário Borges. Segundo ele, uma dascaracterísticas marcantes da abordagempessoal dos erros humanos é acusar in-divíduos. “Esta é sempre uma atitudemais fácil e menos comprometedora, doque culpar instituições, pois os indiví-duos são mais frágeis e um alvo facil-mente identificável”, alerta. O conjun-to de informações sobre esses fatores(blunt ou dull end), acrescenta Mário Bor-ges, é que leva ao conhecimento das fa-lhas latentes, geralmente, presentes emvárias etapas do processo e que podemse tornar ativas, dependendo da situa-ção. As empresas e segmentos da saúdeque seguem por esse caminho - do en-tendimento sistêmico do problema -conseguiram ganhos expressivos emqualidade. Veja a entrevista.

Farmacêutico Mário Borges Rosaestuda erros de medicação.

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PHARMACIA BRASILEIRA- Por que o senhor interessou-setanto por erros de medicação, aponto de elegê-los como objetodos seus estudos e do seu mestra-do?

Mário Borges - Em 1.997,participei de um Congresso, nosEstados Unidos, e, passando per-to de um auditório totalmente lo-tado, resolvi entrar, pois, com cer-teza, o assunto da apresen-tação devia ser muitointeressante. Poracaso, então, as-sisti a uma pa-lestra sobre er-ros de medi-cação, feitapelo farma-cêutico norte-americano Mi-chael R. Cohen.

N a q u e l aépoca, este problemaainda era novo, nosEUA, e eu fiquei muito impres-sionado com a importância dotema e a possibilidade que se vis-lumbrava de melhoria da assistên-cia prestada ao paciente. A partirdesta época, comecei a estudar epesquisar tudo o que conseguiasobre erros de medicação. Solici-tei ajuda e orientação ao farma-cêutico Michael Cohen, haja vis-ta ser ele uma das maiores autori-dades do mundo em erros de me-dicação e um dos fundadores doInstitute for Safe Medication Practi-ces (www.ismp.org), organizaçãomuito ativa, que centra seus esfor-ços para se conseguir o uso segu-ro de medicamentos nas unidadesde saúde.

Estava à procura de um as-sunto específico para começar ocurso de mestrado e me foi suge-rido pesquisar erros com medica-mentos conhecidos como poten-cialmente perigosos ou de alto ris-co, chamados, assim, porque,quando ocorrem falhas com osmesmos, é considerável a possibi-lidade de provocar danos sériosno paciente.

Inicie o mestrado na UFMG(Universidade Federal de MinasGerais) e a minha dissertação, de-fendida, em 2002, foi “Erros de me-dicação em um hospital de refe-rência de Minas Gerais”. Nestapesquisa, foram utilizadas prescri-ções que continham medicamen-tos potencialmente perigosos,tendo sido avaliados a forma far-macêutica, a concentração, o in-

tervalo, a taxa de infusão, alegibilidade, o nome

do paciente, a datada prescrição, a

identificação doprescritor, o usode abreviaturas(especialmenteUI ou U paraunidades), pon-

tos, zeros e deci-mais e presença

de interações medi-camentosas.

Tenho me dedicadoa este assunto, com entusiasmo, epude notar que, ultimamente, noBrasil, os erros de medicação vêmsendo motivo de crescente inte-resse. Um aspecto importante quedeve ser enfatizado é a vital im-portância do farmacêutico na pre-venção desses eventos, nas unida-des de saúde.

Acredito que esta é uma im-portante atividade na qual o far-macêutico deve investir suas ener-gias e conhecimentos, pois, emgeral, a segurança dos sistemas deutilização de medicamentos ne-cessita de importante melhoria. Oseventos adversos relacionados aosmedicamentos são considerados,nos países desenvolvidos, um im-portante problema de saúde pú-blica, acarretando mortes, incapa-cidades temporárias ou perma-nentes, e geram vultuosos custospara o sistema de saúde.

Em países pobres ou em de-senvolvimento, por desconheci-mento da magnitude desse pro-blema, ainda não foi despertada aconsciência da necessidade demudanças profundas, no sentido

de se prevenir esses eventos. A re-dução dos erros de medicaçãodeve ser buscada, pois melhora aqualidade assistencial e economi-za recursos financeiros.

PHARMACIA BRASILEIRA- Quais as causas dos erros de me-dicação?

Mário Borges - A principalcausa dos erros é o conhecimentoinsuficiente sobre os medicamen-tos por parte da equipe de saúde,durante o seu processo de pres-crição, dispensação, transcrição eadministração. Existem várias clas-sificações das causas de erros e pro-curarei citar aquelas que mais seadaptam à realidade brasileira.

Em análise sistêmica, feitapor Lucian Leape e colaborado-res, em 1995, foram definidas as se-guintes causas: falta de conheci-mento sobre o medicamento, faltade informação sobre o paciente,violação de regras e procedimen-tos, deslizes e lapsos de memória,erros de transcrição, falha na che-cagem da identificação do medi-camento, interação insuficienteentre os serviços dentro dos hos-pitais, falha na checagem da dose,problemas com equipamentosmédicos, especialmente com bom-bas de infusão, monitorização ina-dequada, problemas de distribui-ção e estocagem dos medicamen-tos, erros de preparação, falta depadronização.

Em outra classificação, apre-sentada por Michael Cohen (1999),as causas dos erros foram classifi-cadas em grandes categorias: fa-lhas de comunicação, sistemas dedistribuição de medicamentosinadequados, erros nos cálculosdas doses, problemas relacionadosaos medicamentos e sua distribui-ção, erros de administração e faltade informação do paciente sobreo seu tratamento.

Pode-se citar, ainda, outraclassificação que enumera os fato-res sistêmicos que contribuempara os erros: intensidade da luzno ambiente de trabalho, nível deruído, freqüência de interrupções

ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

“A redução dos

erros de medicação

deve ser buscada, pois melhora

a qualidade assistencial e

economiza recursos

financeiros”(Farmacêutico Mário Borges)

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e distrações, treinamento do pes-soal, qualificação dos funcionári-os do setor, indisponibilidade deassistência de profissional da áreade saúde, existência de pessoalinexperiente trabalhando no setor,presença de sub-estoques nos se-tores, colocando os medicamen-tos facilmente disponíveis, inexis-tência de programas educativospara os pacientes e falta de pres-crições pré-digitadas ou eletrôni-cas (National Coordinating Councilfor Medication Error Reporting andPrevention, 2001).

Quando analisamos os errosde medicação, podemos concluirque esses eventos ocorrem, devi-do a causas multifatorias, dentrode um sistema complexo que en-volve ações de diversos profissio-nais, e a sua prevenção deve estarembasada em uma abordagem sis-têmica, visando a detectar os pon-tos vulneráveis do processo, bus-cando-se a melhoria contínua daqualidade.

PHARMACIA BRASILEIRA- Em que aspectos os prescritoreserram mais? E por que?

Mário Borges - Parte signifi-cativa dos problemas que os paci-entes têm, quando utilizam medi-camentos, são provenien-tes da prescrição. Acausa mais impor-tante dos errosde prescrição éa falta de co-nhecimentosobre medi-camentos econdições dopaciente, porparte do pres-critor. Um doserros de prescri-ção mais comum é aescolha da dose incorre-ta do medicamento.

Os erros de prescrição estãogeralmente associados às seguin-tes condições: a) os medicamen-tos são prescritos, sem levar emconta condições especiais do pa-ciente, como, por exemplo, os pro-

ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

blemas renais ou hepáticos; b)prescrição de medicamentos parapacientes com alergia conhecidaa fármacos da mesma classe; c) uti-lização de nome incorreto do me-dicamento, concentração erradaou uso de abreviaturas que podemlevar a erros; d) erros de cálculos;e) uso de posologias ou dosagenscríticas que podem acarretar da-nos ao paciente.

Em um país como o Brasil,onde uma grande parte das pres-crições é escrita à mão, ainda per-sistem muitos problemas nos se-guintes itens, como: ilegibilidade,prescrições ambíguas, omissão daconcentração, na forma farmacêu-tica, na concentração, na via deadministração e intervalo, na uti-lização de abreviaturas, na escritados zeros, dos pontos e decimaissem padrão definido.

PHARMACIA BRASILEIRA- E os farmacêuticos, onde elesmais erram?

Mário Borges - Em artigopublicado por Willian N. Kelly,em 2000, disponível no site daAmerican Society of Health-SystemPharmacists (www.ashp.org), oserros da farmácia são classificados,conforme a origem deles, em qua-

tro grandes categorias: a)provocados por pesso-

as; b) provenientesde falhas sistêmi-

cas; c) oriundosde problemasde supervisãoe pessoal; d)outros.Os erros pro-

vocados pelaspessoas são clas-

sificados da se-guinte forma: a) er-

ros de cálculos, aopreparar o medicamento;

b) falhas no preparo da dose - nãoler o rótulo, corretamente, distra-ções, erros na preparação de vári-os medicamentos, ao mesmo tem-po; c) erros na dispensação e dis-tribuição – falha na identificaçãodo paciente, no não questiona-

mento das do-ses abaixo ouacima do nor-mal, na não so-licitação de in-f o r m a ç ã o ,quando a pres-crição é confu-sa ou ambígua,na existência degrande númerode especialida-des farmacêuti-cas, condiçãoesta que podelevar a enganos.

Os errosdevido às falhassistêmicas são:a) uso de ordens médicas não es-critas; b) pouca ou nenhuma in-formação sobre o paciente; c) sis-temas falhos de distribuição demedicamentos; d) falta de duplachecagem, principalmente paramedicamentos de alto risco; e)problemas com produtos, nomese rótulos que são muito parecidos;f) os erros não são documentadospara serem fonte de aprendizado.

As falhas devido a proble-mas de supervisão e de pessoalsão: a) a maioria das falhas é pro-veniente de funcionários novos ouinexperientes, revelando que a su-pervisão não está adequada; b) ex-cesso de trabalho e conseqüentecansaço, acarretando aumento deerros.Os outros tipos de erros são os se-guintes: a) falta de acompanha-mento do desempenho dos fun-cionários da farmácia; b) falta depadronização ou registro dos er-ros; c) inexistência de objetivos aserem alcançados pela farmácia;d) falta de política de prevençãode erros de medicação.

A dispensação é um elo ain-da frágil do sistema de utilizaçãode medicamentos. Os erros maiscomuns que ocorrem na dispen-sação são os seguintes: não dis-pensação de medicamento queestá prescrito, dispensação de me-dicamento não prescrito e a pre-

“A principal causa dos erros

é o conhecimento insuficiente

sobre os medicamentos por parte

da equipe de saúde, durante a

prescrição, dispensação,

transcrição e administração”(Farmacêutico Mário Borges).

Mário Rosa: “Quando o erroocorre, a tendência é escondê-lo”

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ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

paração, sem o devido esclareci-mento, de medicamentos, a partirde prescrições incompletas ouambíguas (falta dose ou dosagematípica, omissão de concentração,de forma farmacêutica, posologiae via de administração).

A ilegibilidade das prescri-ções é outro problema para a dis-pensação. Ocorrem situações emque o prescritor é procurado paraclarear uma dúvida presente naprescrição, mas não é encontrado,e os outros médicos que são cha-mados para resolver o im-passe, geralmente, nãose sentem confortá-veis para assumirdecisões sobreo tratamentode um paci-ente que nãoestá sob a suaresponsabili-dade.

Não éraro, nessa situ-ação, o farmacêu-tico ou o funcioná-rio usar a experiência ecapacidade de dedução edispensar, ou administrar, o me-dicamento que supõe estar pres-crito. Então, pode-se somar aos er-ros cometidos, na farmácia, a de-dução da prescrição. Evidente-mente, nestes casos, a possibilida-de de erros é aumentada.

Em interessante trabalho fei-to pela farmacêutica Tânia Azeve-do Anacleto, em 2002, foi analisa-da a ocorrência de erros de dis-pensação em um hospital públi-co de Minas Gerais. Foram anali-sadas 422 prescrições e avaliados2.143 medicamentos dispensados.Em 82% das prescrições estudadas,detectou-se pelo menos um errode prescrição.

Este trabalho reforça a im-portância da checagem sistemáti-ca dos medicamentos que estãosendo liberados pela farmáciapara serem administrados pela en-fermagem. Esta checagem irá con-trolar tudo o que foi realizado,

desde que a prescrição chegou àfarmácia, até o despacho final dosmedicamentos para a administra-ção pela enfermagem.

PHARMACIA BRASILEIRA- Com que medicamentos registra-se o maior número de falhas naprescrição? Há alguma explicaçãopara isso?

Mário Borges – Encontreivários estudos com dados total-mente discrepantes, contraditóri-os. Diante disso, entendo que umaresposta irá confundir as pessoas

que lerem esta entrevista.PHARMACIA BRA-SILEIRA - Quais

são as medidaspreventivasque devemser adotadasem casos deerros?

MárioBorges –

Muitas são asr e c o m e n d a -

ções, protocolose diretrizes publi-

cadas que enumeramdiversas medidas destinadas

à prevenção dos erros de medica-ção. Serão citadas algumas delasque propõe medidas que, emgrande parte, são passíveis de im-plantação, no Brasil.

A primeira referência é umexcelente livro, publicado, em2004, sob a coordenação das pro-fessoras Silvia Helena B. Cassianie Julieta Ueta, da USP - RibeirãoPreto, no qual um capítulo trataespecificamente de recomenda-ções das melhores práticas de me-dicação. Um dos princípios reco-mendados é a adoção da aborda-gem sistêmica na redução dos er-ros de medicação e as melhorespráticas são divididas em duas ca-tegorias: recomendações de curtoe longo prazos.

As medidas de curto prazonormalmente não implicam emgrandes investimentos, sendo,muitas vezes, mudanças de roti-nas já estabelecidas na instituição.

As medidas de curto prazo são: a)implantação da dose unitária,procurando-se utilizar medica-mentos prontos para uso, princi-palmente em situações de urgên-cia e emergência; b) preparaçãocentralizada de todos os medica-mentos, na farmácia, incluindo osinjetáveis; c) remoção de todos oseletrólitos concentrados, princi-palmente o cloreto de potássioinjetável, das áreas de cuidado dospacientes e postos de enferma-gem, dispensando-os prontos parauso; d) implantação de medidasde controle diferenciado para me-dicamentos potencialmente peri-gosos ou de alto risco, tais como:protocolos de uso, prescrições pré-digitas, dupla checagem, rótulosdiferenciados e treinamento espe-cial para a utilização destes medi-camentos; e) disponibilização deinformação sobre medicamentos,no momento oportuno e quandonecessária, principalmente, nasatividades de prescrição, dispen-sação e administração; f) educa-ção continuada para todos os pro-fissionais envolvidos no sistemade utilização de medicamentos; g)educação do paciente sobre a suadoença e os medicamentos de quefaz uso; h) manutenção de farma-cêutico disponível, em qualquermomento que for necessário, paradar informações sobre medica-mentos.

As medidas de longo prazojá demandam investimentos fi-nanceiros de maior vulto, sendoas seguintes: a) implantação deprescrição eletrônica com supor-te clínico; b) disponibilização, nafarmácia, de sistema informatiza-do de verificação da prescriçãomédica; c) utilização de registrosinformatizado da administraçãode medicamentos; d) utilização docódigo de barras na administra-ção de medicamentos.

Uma instituição importanteque publica recomendações fide-dignas, visando a prevenir errosde medicação, é o National Coor-dinating Council for Medication Er-

“Os profissionais de

saúde, devido à sua formação,

não estão preparados para lidar

com os erros, pois estes estão

associados à vergonha,

medo e punições”(Farmacêutico Mário Borges).

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ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

ror Reporting and Prevention(NCCMERP) (http: / /www.nccmerp.org). Em junhode 2005, o NCCMERP publicouvárias recomendações para me-lhorar a segurança do uso dosmedicamentos, enfatizando aimportância do uso da tecnologiana redução dos erros. Entretanto,ressalta a necessidade de avaliaçãoda efetividade deste instrumento,pois novos erros podem surgircom a implantação desta ferra-menta no sistema de utilização demedicamentos.

As recomendações do NCC-MERP, revisadas em 2005, relati-vas à dispensação de medicamen-tos, são as seguintes: a) todas asprescrições devem ser avaliadaspelo farmacêutico, antes de seremdispensadas. Os problemas de ile-gibilidade, de prescrições incom-pletas e ambíguas ou qualqueroutra questão deste tipo, devemser resolvidas, antes de o medica-mento ser liberado; b) o farmacêu-tico deve ter acesso a informaçõessobre o paciente, que permitamanalisar se a prescrição está ade-quada, ou não; c) as condições am-bientais da área de dispensaçãodevem ser condizentes com o tipode trabalho que será desenvolvi-do. Deve-se observar as seguintescondições: luz, barulho, tempera-tura, fatores ergonômicos, quan-tidade de distrações e interrup-ções que ocorrem, durante a dis-pensação, quantidade e qualida-de do pessoal que trabalha no se-tor e possível excesso de trabalho;d) a disposição dos produtos noalmoxarifado e setor de dispensa-ção deve ser feita, de tal maneiraque evite confusões, no momentoem que são retirados para consu-mo; e) estabelecer controle do pro-cesso de dispensação, fazendochecagem dos medicamentos queestão sendo liberados para a ad-ministração pela enfermagem. Re-comenda-se, neste caso, utilizarautomação (código de barras); f)os rótulos devem ser lidos pelomenos três vezes em todas as eta-

pas da dispensação; g) o farma-cêutico deve aconselhar o pacien-te em relação aos resultados espe-rados do tratamento ou profilaxia,possíveis reações adversas, intera-ções com medicamentos ou ali-mentos, medidas a serem tomadas,quando ocorrerem problemas ecomo estocar o medicamento; h)o farmacêutico deve pesquisarpossíveis falhas do sistema de uti-lização de medicamentos e im-plantar medidas de prevenção; i)educação continuada de todo opessoal da farmácia, com o objeti-vo de reduzir os erros demedicação; j) a farmá-cia deve estabeleceras metas de melho-ria do processode dispensação,a responsabili-dade de cada umno processo, de-vendo ser de co-nhecimento de to-dos são os passos aser dados para se alcan-çar os objetivos propostos.

As medidas de prevenção ci-tadas foram elaborados, no exteri-or, e podemos adaptá-las à nossarealidade. A seguir, relatamos al-gumas recomendações que, obvi-amente, não esgotam o assunto,sendo sugestões voltadas para asatividades do farmacêutico: a) se-lecionar/padronizar medicamen-tos, utilizando critérios técnicos deeficácia, toxicidade e custo e man-ter a padronização atualizada; b)padronização das atividades deprescrição, dispensação e admi-nistração; c) padronizar o uso deabreviaturas (principalmente UIou U, significando unidades), ze-ros, pontos e decimais; d) utilizar,pelo menos, o sistema de dispen-sação por dose individualizada,buscando-se implantar a doseunitária. O sistema tradicional oucoletivo não deve ser utilizado; e)procurar eliminar a prescrição fei-ta a mão, utilizando a pré-digita-da. Se possível, usar a prescriçãoeletrônica com suporte de progra-

ma de computador; f) procurarutilizar ao máximo a automaçãocomo, por exemplo, o código debarras e outras ferramentas da in-formática; g) o farmacêutico de-verá rever todas as prescrições, an-tes de serem liberadas para a dis-pensação; h) checar os medica-mentos já separados e prontospara serem enviados para a admi-nistração pela enfermagem. Pode-se, neste caso, usar o método daamostragem; i) utilizar indicado-res que possam medir qual a por-centagem de erros de medicação

e adotar medidas para di-minuí-los; j) estabele-

cer metas a seremalcançadas pelaequipe da farmá-cia; k) registrartodas as inter-venções do far-macêutico, nosentido de se

evitar a ocorrên-cia de erros.

PHARMACIA BRA-SILEIRA - Há muita gen-

te debruçando-se em estudos so-bre erros de medicação, no Bra-sil?

Mário Borges Rosa – Já exis-tem pessoas e grupos, no Brasil,pesquisando e publicando estu-dos sobre erros de medicação. Emuma avaliação pessoal, acreditoque o assunto ainda é pouco dis-cutido, sendo necessário incenti-var mais os profissionais a se de-dicarem a esta nova área tão pro-missora.

Quero registrar que sempreque citamos pessoas, estamos co-metendo deslizes, pois estaremosomitindo nomes que, com certe-za, estão desenvolvendo um bomtrabalho em erros de medicação.Desde já, peço desculpas poreventuais falhas neste aspecto.Existe o grupo da USP - RibeirãoPreto, onde temos a professoraJulieta Ueta, na Faculdade de Far-mácia; e, na Escola de Enferma-gem da USP, a professora Helenade B. Cassiani e colaboradoras,

“Quando o erro

ocorre, a tendência escondê-

lo, perdendo-se importante

oportunidade de aprendizado(Farmacêutico Mário Borges).

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ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

como Jorseli Ângela H. Coimbra,Ana Elisa Bauer de C. Silva, Vivia-ne T. de Carvalho, Evelin Bueno,Janice Del Lama Miquelim, Adri-ana Inocenti Miasso e CristianeChiericato.

A Faculdade de Farmácia daUFMG, desde 2004, possui umGrupo de Estudos sobre Uso Se-guro de Medicamentos (GES-MIG), contando com duas disser-tações de mestrado e vários traba-lhos publicados em erros de me-dicação e dedicados profissionais,como Edson Perini, Hessem Mi-randa Neiva, Simone Alves doVale, Tânia Anacleto Azevedo, Pa-trícia de Magalhães Abrantes, Au-xiliadora Pereira Martins, Adria-no Max Moreira Reis, Maria Auxi-liadora Martins, Maria Clara Pa-dovani de Souza.

A Faculdade de Farmácia daUniversidade Federal do Ceará,também, produz bons trabalhos,destacando-se a professora MartaFonteles e a farmacêutica EugenieDesirèe Rabelo Néri. Temos estu-diosos no assunto, também, noParaná, como a farmacêutica Vâ-nia Mari Salvi Andrzejevski.

Na Universidade Federal daBahia, recentemente, foi defendi-da pelo professor Lindemberg A.Costa uma dissertação de mestra-do sobre erros de administração.É importante citar, ainda, as en-fermeiras Kátia Grillo Padilha eSilvia Regina Secolli, professorasda Escola de Enfermagem da USP.

Houve, no V Congresso daSociedade Brasileira de FarmáciaHospitalar, realizado, na cidadede São Paulo, em maio de 2005, ainscrição de um número expres-sivo de trabalhos sobre erros demedicação, demonstrando que aquestão começa a despertar maiorinteresse.

Existem, com certeza, outraspessoas e grupos que estão desen-volvendo trabalhos interessantesem erros de medicação e creio queentidades, como o Conselho Fe-deral de Farmácia ou a AgênciaNacional de Vigilância Sanitária,

possam incentivar a formação deum Comitê de Especialistas, vi-sando a estabelecer uma taxono-mia brasileira de erros e propormedidas para prevenir a ocorrên-cia desses eventos.

PHARMACIA BRASILEIRA- Há boas e acessíveis fontes depesquisa aos interessados em er-ros de prescrição?

Mário Borges - Sim. Embo-ra seja um assunto novo, já exis-tem vários sites, na Internet, livrose grande número de artigos pu-blicados em periódicos indexadosou não. Serão citados alguns links,material disponível na Internet elivros em que é possível conseguirinformações sobre erros de medi-cação (Nota da Redação: ver as fon-tes para pesquisa, após esta entrevis-ta).

PHARMACIA BRASILEIRA- O senhor sustenta, em sua dis-sertação de mestrado, que o errode medicação é equivocadamen-te tratado como um tabu sobre oqual evita-se falar, e que ao seuautor não resta mais que a puni-ção, quando, em verdade, as falhas,ainda de acordo com o senhor, sãosistêmicas e não individuais.Como quebrar o tabu, romper osilêncio e dar o encaminhamentocerto à questão?

Mário Borges – Os profissi-onais de saúde, devido à sua for-mação, não estão preparados paralidar com os erros, pois estes estãoassociados à vergonha, medo e pu-nições. A abordagem dos erros, nosistema de saúde, é, geralmente,feita, de forma individualista,

considerando os erros como atosinseguros, cometidos por pessoasdesatentas, desmotivadas e comtreinamento deficiente. Quandoo erro ocorre, a tendência é escon-dê-lo, perdendo-se importanteoportunidade de aprendizado.

Os acidentes ou erros pos-suem uma primeira e uma segun-da história. A primeira explica oacidente, de forma simples, impu-tando aos fatores humanos a suaprincipal causa. É bastante singe-la: encontra-se um responsávelpelo delito e a investigação estáencerrada.

A análise do erro é prejudi-cada pelo conhecimento préviodo resultado adverso ocorrido.Isto bloqueia o conhecimento de-talhado da situação como um todo,que levou ao erro, conduzindo aconclusões superficiais sobre acausa do acidente. Analisam-sesomente o local e os profissionaisque interagiram diretamente como acidente (sharp end). Os casos cé-lebres de erros médicos possuemuma forte tendência de somentese investigar a ponta da linha, re-levando muitos detalhes do fatoocorrido e perdendo, com isso, achance preciosa de se aprendercom o erro.

A segunda história é umaanálise profunda das causas quecontribuíram para que o erro ocor-resse. São investigados todos os fa-tores que interferiram no proble-ma: os recursos disponíveis, a pre-sença de normas e regulamentos,as condições ambientais presen-tes, os equipamentos envolvidosno problema, a carga de trabalhoda equipe presente, no momentodo erro, e vários outros aspectos.

O conjunto de informaçõessobre esses fatores (blunt ou dullend) é que leva ao conhecimentodas falhas latentes, geralmente,presentes em várias etapas do pro-cesso e que podem se tornar ati-vas, dependendo da situação. Asempresas e segmentos da saúdeque conseguiram ganhos expres-sivos em qualidade, obtiveram

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ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

dados importantes para imple-mentar melhorias sistêmicas, estu-dando e aprendendo lições com asegunda história.

A análise sobre os erros hu-manos pode ser feita de duas ma-neiras: a abordagem pessoal e asistêmica. Estes dois tipos de abor-dagem são normalmente antagô-nicos e influenciam diretamenteno entendimento das causas econseqüências dos erros huma-nos.

O sistema de saúde adota,em sua maioria, a abordagem in-dividual na análise e tomada dedecisão sobre os erros médicos. Ea abordagem individual normal-mente leva em consideração so-mente a primeira histórica, e, emuma visão simplista do problema,encontra um culpado pela falhaocorrida.

As correções provenientesda abordagem pessoal significam,quase sempre, medidas discipli-nares, como reprimendas orais ouescritas, suspensões, punições eaté demissão. É de se concluir queum indivíduo, quando cometeum erro em um ambiente regidopor essas normas, tenha vergo-nha, medo e frustração, entre ou-tros sentimentos negativos. Amensagem passada é: “Coisas er-radas acontecem com pessoas ru-ins”.

A visão sistêmica consideraque os homens são falíveis e quetodas as organizações, incluindoaquelas de excelência em seguran-ça, irão conviver com uma certataxa de erros. Esta abordagem des-taca os erros como conseqüênciase não causas, imputando grandeimportância à segurança dos sis-temas.

A abordagem sistêmica temcomo norma ser melhor mudar osistema e torná-lo mais seguro doque mudar as condições huma-nas. Quando ocorre um erro, pro-cura-se conhecer a segunda his-tória em todos os seus detalhes, enão saber quem foi e aplicar pu-nições.

Uma das características mar-cantes da abordagem pessoal doserros humanos é acusar indivídu-os. Essa é sempre uma atitude maisfácil e menos comprometedora doque culpar instituições, pois osindivíduos são mais frágeis e umalvo facilmente identificável. Essacaracterística está relacionada àvisão simplista de que, se algumacoisa vai mal, é sempre por causadas pessoas. Afinal, errar é huma-no! Do ponto de vista legal, tam-bém, é mais conveniente culparas pessoas do que as instituições.Entretanto, temos organizações eatividades na área da saúde quepodem servir de exemplo paramudar esta situação.

A aviação pode ser to-mada como exemplode atividade queadota a aborda-gem sistêmica.Os seus traba-lhadores ope-ram em umsistema com-plexo, cominúmeras in-terfaces entrepessoas e tecnolo-gia e, mesmo assim,possui índices de aciden-tes extremamente baixos.

Desde a Segunda GuerraMundial, a aviação vem dandoênfase à segurança de seus siste-mas e, como resultado, pode sercitado que, no ano de 1998, nãoocorreram acidentes aeronáuticoscom mortes, nos Estados Unidos.A chance de morte em um vôodoméstico, em jatos, nos EUA, en-tre 1967 e 1976, era de um em 2 mi-lhões e, em 1990, este risco dimi-nuiu para um em 8 milhões, con-forme a Federal Aviation Adminis-tration.

Os acidentes aeronáuticossão raros, altamente visíveis e dãoorigem a exaustivas investigaçõespara se saber tudo o que envolveuo acidente, com o propósito mai-or de aprender com os erros e evi-tar outros acidentes. Em contra-

partida, os erros médicos, em suamaioria, não são tão visíveis, sãosub-notificados e a documentaçãoe o conhecimento obtidos com oestudo do erro ocorrido, geral-mente, não é difundido, ou seja,pouco se aprende com os erros.

Algumas experiências bem-sucedidas na área da saúde tam-bém podem ser citadas: anestesiae implantação da dose unitária. Aespecialidade de anestesia na áreamédica foi pioneira no estudo dosfatores humanos, conseguindodiminuir, dramaticamente, asmortes de pacientes, durante o atoanestésico.

Os estudos de Beecher &Todd, em 1954, e, a partir da déca-

da de 70, com a utilização dométodo de estudo de

erros chamado detécnica do inci-

dente crítico au-mentou, consi-deravelmente, asegurança dotrabalho dosanestesistas. A

mortalidade foidiminuída de

duas mortes, em10.000 procedimentos,

para uma morte para cada200.000 a 300.000 atos anestésicos,segundo a Joint Commission onAcreditation of Healthcare Organi-zations.

Em relação à implantação dadose unitária, em hospitais, des-tacamos o trabalho pioneiro dosfarmacêuticos norte-americanosBarker e MacConnel, feito, em1962, em que foi demonstrado queo sistema tradicional de distribui-ção de medicamentos, centradonas atividades de enfermagem,apresenta taxa de 16,2% de errosde medicação.

Posteriormente, surgirampropostas de um novo método dedistribuição, a dose unitária, emque os medicamentos são distri-buídos pela farmácia, prontospara serem administrados pela en-fermagem com grande diminui-

“Muitas vezes, simples

medidas podem evitar, de

imediato, considerável

quantidade de erros. As

mudanças normalmente

geram resistência(Farmacêutico Mário Borges).

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ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

ção na taxa de erros demedicação.

Em interessante tra-balho, publicado, em 1995(Allan), analisando as ta-xas de erros de medica-ção, publicadas em outrostrabalhos, estimou que,no sistema de distribuiçãode medicamentos semdose unitária, exista umerro por paciente, por dia,nos hospitais. Com a im-plantação da dose unitá-ria, esta taxa de erros di-minui para dois ou trêserros por paciente, porsemana.

Diante do que foi ex-posto, é imprescindívelque ocorra uma mudan-ça na abordagem dos er-ros que acontecem no sis-tema de saúde. A ênfase na capa-citação técnica dos profissionaispara a prevenção dos erros será emvão, se a abordagem pessoal per-manecer como hegemônica nasunidades de saúde. Devemos bus-car, então, a adoção da abordagemsistêmica, propiciando-se, assim,um ambiente favorável à preven-ção dos erros.

PHARMACIA BRASILEIRA- O silêncio deixa, então, de enri-quecer o debate sobre os erros demedicação?

Mário Borges – Conformefoi explanado na pergunta anteri-or, a abordagem individualistautilizada nas unidades de saúdecria um ambiente hostil para a dis-cussão do problema, pois nin-guém quer ser o culpado ou obode expiatório. Se existe o silên-cio sobre o assunto, uma das con-seqüências é a inexistência de da-dos ou sub-notificação, pois aspessoas têm medo e vergonha deregistrar esses eventos, sendo que,na maioria das vezes, nem existesistema de notificação de erros.

Existindo a falta ou insufici-ência de dados, dificilmente, me-didas adequadas são implemen-tadas, pois o conhecimento sobre

o assunto é escasso. É umcírculo vicioso, em quecada etapa reforça a ou-tra e o sistema não podeser aperfeiçoado, pois asatenções estão voltadaspara culpar as pessoas enão para promover me-lhorias sistêmicas. Umadas principais medidasde prevenção de todos ostipos de erros é rompero silêncio que envolveesta questão, adotando-se uma abordagem aber-ta e permeável à discus-são e à prevenção doserros.

PHARMACIA BRA-SILEIRA - O ensino, emnível de graduação, é omelhor espaço para cor-rigir os erros, ou são as

unidades de saúde, onde o pro-fissional vivencia a prática?

Mário Borges – Acreditoque tanto na graduação, como noexercício profissional dentro dasunidades de saúde, a abordagematualmente utilizada deva ser to-talmente modificada. Desde 2002,a Organização Mundial da Saúdemodificou o conceito de farmaco-vigilância, incluindo neste, alémdas reações adversas, quaisquerproblemas relacionados aos medi-camentos.

Portanto, o aluno já deve re-ceber informações e conhecimen-to, na graduação, sobre epidemi-ologia das reações adversas e er-ros de medicação. A prática pro-fissional, nas unidades de saúde,deve ser local para a discussão doassunto e implantação de medi-das de prevenção de eventos ad-versos.

A prática dos profissionaisde saúde deve ser modificada,adotando-se uma nova postura emrelação aos erros. O melhor espa-ço para melhorar a segurança douso de medicamento é aquele noqual está sendo formado o alunoou o profissional. A graduação dosprofissionais de saúde deve se

adaptar aos novos conhecimentossobre erros de medicação e propi-ciar ao aluno formação adequadanesta área.

Em relação à prática profis-sional, as instituições ou unida-des devem ser adaptar, modificaro modo de tratar esses eventos efornecer educação continuadapara os profissionais de saúde.Não é possível mensurar se a gra-duação ou a prática profissionalé mais importante na prevençãodos erros de medicação, pois estesdois segmentos são igualmenteimportantes, complementares einterdependentes.

PHARMACIA BRASILEIRA– Em sua opinião, como será, maisà frente, a prevenção dos erros demedicação?

Mário Borges – Pode-se, sim,fazer uma previsão do futuro daprevenção dos erros de medica-ção, analisando-se o que ocorreucom o controle das infecções hos-pitalares. Até a morte do Presiden-te Tancredo Neves, em 1985, as in-fecções hospitalares eram ignora-das pela maioria dos profissionaisde saúde e raros hospitais tinhamprogramas de prevenção desseseventos.

A partir de 1985, foram edi-tadas leis e portarias que normati-zaram a área e foram criadas as co-missões de controle das infecçõeshospitalares. Treinamento emcontrole das infecções foram fei-tos, em todo o Brasil, e passou-se aexigir dos hospitais uma série deprocedimentos e o envio de indi-cadores para órgãos de vigilânciasanitária ou epidemiológica.

Posteriormente, verificou-seque as comissões não apresenta-vam a efetividade requerida, poisos profissionais não podiam sededicar, de forma adequada, aocontrole de infecção, devido aofato de exercerem outras ativida-des nos hospitais.

Foi proposto, então, a cria-ção dos serviços de controle dasinfecções hospitalares, com pro-fissionais dedicados à notificação,

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Pharmacia Brasileira - Agosto/Setembro 200516

à análise e ao controle desses even-tos. O controle das infecções hos-pitalares teve, então, grande avan-ço, havendo a profissionalizaçãoda atividade, tendo sido introdu-zidos novos indicadores que pas-saram a medir a qualidade do ser-viço prestado em relação às infec-ções, com possibilidades de com-paração entre hospitais.

Provavelmente, acontecerá si-tuação semelhante com os erros demedicação, no Brasil. Alguns hos-pitais brasileiros de excelência jápossuem comitês ou gerências derisco, onde os eventos relacionadosaos medicamentos são monitoradospelo responsável pela farmacovigi-lância. Existe, atualmente, o progra-ma dos Hospitais Sentinela, im-plantado pela Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, com uma pro-posta inovadora em relação aoseventos adversos que ocorrem naassistência ao paciente.

O Hospital Sentinela possuium gerente de risco e responsá-veis pelas atividades de farmaco-vigilância, tecnovigilância e he-movigilância. Os eventos não es-perados, ocorridos com medica-mentos, equipamentos e hemode-rivados são notificados, analisadose medidas de prevenção imple-mentadas, existindo profissionaisresponsáveis por essas ações.

Um dos grandes avanços des-se programa é a troca de informa-ções entre as mais de 100 institui-ções sentinela, permitindo, assim,o compartilhamento de experiên-cias e conseqüente rico aprendiza-

do para os hospitais. É provável que,no futuro, ocorra a criação de comi-tês para o uso seguro de medica-mentos, que serão integrados porfarmacêuticos, médicos, enfermei-ros, gestores de risco e representan-tes da direção do hospital.

Até o futuro chegar, devemosrepensar a nossa atividade profis-sional em relação aos erros de me-dicação. Muitas vezes, simples me-didas podem evitar, de imediato,considerável quantidade de erros.As mudanças normalmente geramresistência. Entretanto, a quanti-dade de erros que ocorre atual-mente na assistência ao paciente émuito maior do que imaginamose podemos aceitar as mudanças.Os profissionais de saúde têm amissão de modificar esta situação.

ENTREVISTA / MÁRIO BORGES ROSA

Onde consultar

Conheça as fontes sobre erros de medica-ção, levantadas pelo Dr. Mário Borges e cedidas,gentilmente, à revista PHARMACIA BRASILEI-RA para consulta dos farmacêuticos.

Sites de interesse na Internet

• Agency for Healthcare Research and Quality– http://www.ahrq.govwww.ahcpr.gov

• American Hospital Association – www.aha.org• American Society of Health-Systems Pharma-

cists – www.ashp.orghttp://www.ashp.org• Australian Council for Safety and Quality in

Health Care – www.safetyandquality.org• Center for Proper Medication Use –

www.cpmu.orghttp://www.cpmu.org• Florida Society of Health-Systems Pharmacists

- www.cihsp.org• Food and Drug Administration –

www.fda.govhttp://www.fda.govhttp://www.fda.gov/opacom/7alerts.html

• Institute for Healthcare Improvement –www.ihi.orghttp://www.ihi.org

• Institute for Safe Medication Practices –www.ismp.orghttp://www.ismp.org

• Joint Commission on Accreditation of Health-care Organizations (JCAHO) www.jcrinc.com–www.jcaho.org

• Massachusetts Coalition for the Prevention ofMedical Errors – www.macoalition.org

• National Association for Healthcare Quality

– http://www.nahq.orgwww.nahq.org• National Patient Safety http://www.npsf.org

Foundation – www.npsf.org / ww.npsa.nhs.uk/health

• National Coordinating Council for Medicati-on Error Reporting and Prevention –www.nccmerp.org

• Pharmacy Society of Wisconsin –www.pswi.org

• Sociedad Spañola de Farmacia Hospitalaria –www.sefh.org.eswww.sefh.es

• The California Institute for Health Systems Per-formance – www.cihsp.org

• United States Pharmacopeia –www.usp.orghttp://www.usp.org/medmarx

Material bibliográfico disponível na Internet

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