errico malatesta e o anarquismo - bruno muniz reis

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ESTE LIVRO FOI DISTRIBUÍDO POR: http://livrosbpi.com ERRICO MALATESTA e O ANARQUISMO Bruno Muniz Reis "Baseando-me na obra mais conhecida e importante de Errico Malatesta, "A Anarquia", e numa coletânea de escritos do mesmo, "Escritos Revolucionários", tentei sintetizar o pensamento de Malatesta em pontos chave: "A Ação Social e O Princípio da Solidariedade", "O Anarquista Dentro da Sociedade", "Dos Meios e dos Fins", "Sobre a Moral", "Sobre A Organização e A Liberdade" e "Sindicalismo e Anarquismo". Não tenho a pretensão de que seja interpretado como uma verdade única, mas como uma das possibilidades de interpretação deste autor tão importante que influenciou o movimento e pensamento anarquista no mundo inteiro, tanto em sua época como nos dias de hoje. Boa leitura!" Bruno Muniz Reis, novembro de 2004. A Ação Social e O Princípio da Solidariedade

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ESTE LIVRO FOI DISTRIBUÍDO POR:

http://livrosbpi.com

ERRICO MALATESTA e O ANARQUISMO

Bruno Muniz Reis

"Baseando-me na obra mais conhecida e importante de Errico Malatesta, "A

Anarquia", e numa coletânea de escritos do mesmo, "Escritos Revolucionários",

tentei sintetizar o pensamento de Malatesta em pontos chave: "A Ação Social e O

Princípio da Solidariedade", "O Anarquista Dentro da Sociedade", "Dos Meios e

dos Fins", "Sobre a Moral", "Sobre A Organização e A Liberdade" e "Sindicalismo

e Anarquismo". Não tenho a pretensão de que seja interpretado como uma

verdade única, mas como uma das possibilidades de interpretação deste autor tão

importante que influenciou o movimento e pensamento anarquista no mundo

inteiro, tanto em sua época como nos dias de hoje. Boa leitura!"

Bruno Muniz Reis, novembro de 2004.

A Ação Social e O Princípio da Solidariedade

Para Malatesta, a história da humanidade não é movimentada e nem

transformada por iniciativas de grupos, sejam políticos ou étnicos, mas sim, por

iniciativa e movimentação de indivíduos, que, movidos por anseios, desejos e

necessidades pessoais, resolvem associar-se a outros (quando não entram em

conflitos diretos uns com os outros). Nisso, resulta a Ação Social.

O indivíduo não é somente egoísta e nem somente altruísta, ele, como todos

animais, busca manter-se vivo, individualmente, e busca manter viva sua etnia,

grupo ou família.

Sua concepção difere-se da concepção marxista, onde a história é

movimentada através das lutas de classes, onde os membros de determinada

classe se reconhecem nos outros e formam uma consciência de classe. Para

Malatesta, não é uma consciência de classe que surge, mas sim, uma

necessidade de preservação da vida, que, enquanto ser social, o humano não vê

outra alternativa além de associar-se com os demais humanos que possuam seus

mesmos ideais e ambições ou de gladiar com outros humanos que se oponham

ou interponham-se em seu trajeto.

Não é, como afirmava Hobbes, questão de o homem ser o lobo do homem,

mas sim, de o homem buscar como todo animal a preservação de sua espécie,

grupo étnico, e de sua individualidade. É então, que entra o princípio da

Solidariedade.

Por muitas vezes o homem entrou em batalhas ou guerras entre outros

homens por algumas divergências, muitas vezes, simples. Mas com o decorrer do

tempo, ele percebe que isto não lhe é vantajoso, e começa a notar que quando se

associa livremente a outros homens, estabelecendo acordos e condutas, sua vida

tende a tornar-se mais agradável, sadia, próspera e tranqüila. Malatesta não faz

como fariam Thomas Hobbes, John Locke ou Jean-Jacques Rousseau, ou seja,

não estabelece um humano natural. Apenas mostra que o humano tem uma

característica (presente em vários outros animais) que visa a preservação de sua

existência. Associar-se a outros humanos é a maneira mais vantajosa de se

buscar a prosperidade e preservação da vida, afinal, o humano afastado do corpo

social se embrutece (como já diria Mikhail Bakunin).

O Anarquista Dentro da Sociedade

Enquanto muitos pensadores anarquistas defendiam que o anarquista só

deveria atuar dentro de lutas que fossem em prol do anarquismo, Malatesta

encara a situação de diferente maneira.

Em obra publicada, “Escritos Revolucionários”, pela editora Imaginário,

encontramos em seu texto, "O Objetivo dos Anarquistas" (originalmente publicado

em "La Questione Sociale", 1899), uma análise sobre qual deveria ser a

participação dos anarquistas num processo insurrecional de destruição da

monarquia italiana.

Muitos diriam que o anarquista não deveria participar de tal insurreição, tendo

em vista que esta seria, simples e unicamente, a alteração de um tipo de poder

estatal por outro, a troca de governos. Contrariamente, apesar de reconhecer que

é isso mesmo que iria acontecer, afirma que o anarquista deve participar

diretamente desta insurreição, pois, assim, teria maior influência durante e

posteriormente a derrubada da monarquia. Sem a ação do anarquista, hoje, nos

levantes e lutas populares, ele é desmoralizado e seu objetivo acaba ficando

estéril dentro da sociedade.

Qualquer luta que resulte numa vitória em direção à liberdade sobre a

autoridade, deve ser aproveitada, afinal, apesar de que se reconheça que os

próprios autoritários (sejam conservadores, liberais ou socialistas) se destroem

pouco a pouco, o anarquista deve tirar proveito e impulsionar esta destruição.

Esperar que um dia, talvez, a sociedade saia dos grilhões da autoridade não é,

para Malatesta, uma atitude muito inteligente taticamente e quanto menos

anarquista. O anarquista deve introduzir-se na luta social, fazer-se notado. Deve

mostrar os resultados de suas práticas e as vantagens destas em relação às

práticas autoritárias. Porém, não deve almejar sua própria soberania sobre os

demais, mas sim, a de todos.

Malatesta nos mostra em "O Objetivo dos Anarquistas", ainda, algo que tem a

sua personalidade expressa em texto, que é o "anti-sectarismo". Ele foi uma

pessoa que sempre esteve em meio ao povo, seja lutando, seja em momentos de

confraternização. Pessoa de caráter generoso que sempre foi muito querido por

seus próximos (exceto é claro, burgueses e burocratas). Admirado por suas

posturas, mesmo por aqueles que discordavam de suas idéias. É neste aspecto

que ele se difere e mostra a importância de estar inserido no seio das lutas

sociais. Sem sectarismos, ou seja, sem agir de acordo, unicamente, com seus

princípios sem pensar que outras lutas, quer queira ou não, podem trazer mais

liberdade, união e força para os oprimidos.

Dos Meios e dos Fins

Para Malatesta, não há como esperar uma simples "evolução" da sociedade

rumo à anarquia, assim como, esta não pode ser imposta por nenhum grupo, seja

ele autodenominado anarquista ou não. Esperar a sociedade anárquica sem uma

atuação direta no presente é como esperar que a comida caia dos céus, ou seja, é

morrer de fome devido à preguiça. Impor a anarquia não é destruir o poder, mas

sim, substituir o poder do Estado pelo poder de um grupo, uma minoria, ou seja, é

criar uma espécie de "aristocracia" sem Estado (no sentido moderno da

expressão).

Pois, o que deve fazer, então, o anarquista? Para se atingir fins específicos

deve o anarquista usar de todos e quaisquer meios? Se dos princípios mais

importantes da anarquia são o amor e a solidariedade, deve o anarquista agir de

que forma? Pode fazer uso da violência para atingir seus fins?

Assim como a grande maioria dos anarquistas clássicos e contemporâneos,

não suporta e nem tolera a idéia de que "os fins justificam os meios". Para ele, só

se pode alcançar determinado fim agindo de acordo com ele, ou seja, sendo

coerente com sua essência, no caso da anarquia, que é a liberdade do indivíduo e

do coletivo em relação a qualquer autoridade imposta; o anarquista não deve agir

sem que seja da forma mais libertária possível. Não deve se organizar de forma

hierárquica, vertical, autoritária, pois isto seria uma contradição com os princípios

anarquistas e mesmo seria uma espécie de comprovação de que só assim é

possível se organizar.

Quanto a isso, cai-se nos princípios de amor e solidariedade. Malatesta não é

nenhum simples sonhador, e sabe que para que estes sentimentos sejam fortes

na sociedade é preciso muito trabalho de convencimento, não apenas emocional,

mas também, convencimento racional. O assalariado industrial, o camponês, o

morador da metrópole, da cidade, têm de compreender e absorver as vantagens

de se agir cooperadamente, tanto para si como para outrem. Não pode haver

solidariedade advinda do ódio, assim, o anarquista que simplesmente odeia a

sociedade não passa de um egoísta que não quer ser subjugado pelo Estado, mas

que, potencialmente, pode ser uma enorme expressão de autoridade mascarada,

ou seja, o anarquista que não é solidário não é anarquista, em sua visão.

Questiona-se muito o emprego da violência nas ações anarquistas, dizendo

que estas seriam contraditórias aos princípios anarquistas. Porém, na visão de

Malatesta, meios pacíficos não são eficientes e nunca o serão. Por quê?

Simplesmente, porque as ações pacíficas tendem a, no máximo, criar uma lei ou

alterar outra. As leis são feitas por quem detém o poder, seja político e/ou

econômico. Assim sendo, não haveria mudanças que realmente trariam bem-estar

para o explorado e excluído, afinal, o explorador e dominador não faria algo que

se contrapusesse a sua dominação e exploração. Assim como a polícia não

evitaria bater nos manifestantes, caso um deles dissesse algo que fosse, no

mínimo, subversivo e perigoso para a preservação da ordem. Um fascista não

evitaria destruir e matar um "diferente" de si. Em resposta a estes atos

repressivos, tanto econômicos, como políticos, morais e físicos, o uso da violência

é justificável e necessário em grande parte dos casos. Seria inocência pensar que

se déssemos a outra face ao fascista, ao policial, ao juiz, ao legislador, ao político

e ao capitalista, que estes repensariam suas atitudes e desistiriam de suas

condutas. Fazer uso da violência não é contradição, mas sim, defesa da vida, da

dignidade e da liberdade de ser quem é, e mais, é ataque direto e frontal à ordem

repressora e diminutiva da liberdade.

É necessário, então, a Revolução Violenta, afinal, nem os autoritários,

governantes, legisladores e afins, nem os burgueses, privilegiados e demais,

estariam dispostos a simplesmente cederem à revolução pacificamente,

abdicando de suas propriedades. A Revolução Violenta nada mais é que a

resposta aos muros construídos no caminho da evolução pacífica (vide Estado e

Propriedade Privada). O Estado é a expressão da monopolização da força física

coercitiva sobre todo e qualquer indivíduo que viva sob seu jugo. É necessário

suprimir sua existência, é necessário abolir o Estado e sua violência, a qual, não

somos nada coniventes, porém a vivenciamos todos os dias, basta observar as

diferenças econômicas, sociais, repressão política sob as armas e escudos da

polícia, mesmo que tenhamos o direito de escolher quem serão os governantes,

não teremos o direito de escolher como eles irão governar, e nem o querem os

anarquistas. “Suprimida a violência governamental, nossa violência não teria mais

razão de ser”. (Malatesta, “Rumo à Anarquia”, 1910 – “Escritos Anarquistas”, Ed.

Imaginário).

Para Malatesta, deixar-se ser governado é abdicar de sua liberdade, de sua

própria vida. Ser subjugado é a maior expressão de submissão, opressão e

dominação. Os próprios trabalhadores são quem devem se organizar para decidir

como efetuarão seu trabalho para o melhor e maior bem-estar da sociedade, e

não um governo ou um corpo de empresários e administradores burocratas.

Porém, reconhece que existem certos serviços necessários hoje que ainda não

possuímos respostas e alternativas. E ele questiona: “devemos destruir tais

serviços?”. E responde que enquanto não temos respostas para certas coisas, por

mais críticas que tenhamos, não podemos simplesmente destruí-las. E exemplifica

com o caso dos correios, escolas e outros... Este último que hoje já existem

muitas propostas, desde “Instrução Integral” (M. Bakunin) até a “Pedagogia

Libertária” (trabalhada por diversos autores). Mas por mais empecilhos e

dificuldades que encontrem os anarquistas, estes não devem esquecer de

construir hoje, amanhã e sempre as possibilidades de anarquia, afinal, se estes

simplesmente se adaptarem à situação atual, nada mais serão do que burgueses,

e pior, burgueses sem dinheiro.

Reconhece que os anarquistas não podem assegurar que após uma

insurreição não tentem instituir um novo governo no lugar do derrubado, mas

afirma que o que deve ser feito é que se evite ao máximo isso, e se caso isso

aconteça, que os anarquistas estejam sempre prontos para resistir e lutar contra

este novo poder autoritário. Infelizmente, não nos faltam exemplos históricos

quanto a isso, e poderíamos citar, inclusive a Revolução Russa, onde milhares de

anarquistas foram, senão presos no mínimo, foram mortos tanto pelo governo de

Lênin, quanto por estratégias de Trotsky e, talvez poderíamos citar, o governo de

Stalin. Mas, otimista que sempre foi, lança a afirmação que finaliza sua obra mais

famosa, “A Anarquia”: "e se, hoje, caímos sem abaixar nossa bandeira, podemos

estar certos da vitória de amanhã".

Sobre a Moral

São tantas as vertentes dentro do anarquismo que seria pretensão demais

tentar afirmar quem é mais ou menos anarquista. Isto confunde a cabeça de

qualquer um que não esteja intimamente ligado com o pensamento anarquista,

assim tornando as críticas e posturas anarquistas, muitas vezes, irrelevantes para

o povo em geral. Não que esta pluralidade não seja positiva, pelo contrário, é ela

que torna o anarquismo rico, tanto praticamente como em teoria. Porém, alguns

temas são tão contraditórios nas diferentes concepções anárquicas que passam a

ser até ignoradas por muitos e deturpadas por outros que se oponham ao

anarquismo de modo geral, afirmando não haver concordância e consenso algum

dentro do próprio anarquismo, o que não é realidade.

Um dos temas mais pertinentes a se colocar em discussão foi a questão da

moral. O que é a moral? Em que ela consiste?

Malatesta problematiza esta questão pertinentemente em “Os Anarquistas e

o Sentimento Moral” (Le Réveil, Genebra, 05/11/1904). Sua análise é iniciada sob

o ponto de vista da luta contra a moral, porém, não toda moral, mas sim, a “moral

burguesa”, que se funda sobre princípios individualistas de cada um por si, de

competição, de sentimentos como patriotismos e afins. É esta a moral combatida

pelos anarquistas, a princípio, porém, como ele coloca, alguns anarquistas

acabam por generalizar isso e simplesmente tornam-se “amorais”, no sentido mais

literal da palavra, ou seja, renegam todo e qualquer tipo de moral, visto que a

moral é apenas e nada mais que uma forma de conduta da vida do indivíduo ou de

um grupo de indivíduos.

A oposição à moral é a oposição à moral burguesa, em contrapartida

buscando trazer uma nova moral, superior à primeira, mas não totalmente

desregrada. A vida em sociedade precisa de certas regras, mas não

necessariamente regras são sinônimos de leis. Regras podem ser formas de

conduta para se viver em sociedade com harmonia. Se não houvesse

necessidade de regras de conduta (como por exemplo, respeito e liberdade às

diferenças), não faria sentido algum os anarquistas lutarem contra a exploração do

homem pelo homem, afinal, cada um teria a conduta moral que bem entendesse,

e se alguém quisesse sobrepor-se a outrem, estaria em sua plena liberdade, ou se

alguém quisesse agredir ou mesmo destruir um semelhante por este ser dotado

de características que agradassem ou que causassem inveja, ódio e, mesmo,

medo, ninguém teria razão de se colocar no meio e interferir no exercício de

liberdade individual deste, em breve, assassino.

Não é autoritarismo e nem submissão viver sob certas regras de conduta,

mas sim, é coerência e respeito para com os demais, na medida em que o quanto

mais livre um segundo indivíduo for, tão mais livre poderá ser o primeiro.

“Hoje, privam-se de pão para socorrer um camarada; amanhã matarão um

homem para ir ao bordel!”. (Malatesta, “Os Anarquistas e O Sentimento Moral”,

1904).

Sobre A Organização e A Liberdade

Enquanto muitos afirmariam que a organização é sempre autoridade, criando

possibilidades de vida em sociedade sem organização, Malatesta mostra que para

que exista uma sociedade, ela deve, por questões óbvias de sobrevivência,

organizar-se. Organização significa que grupos de indivíduos se unam livremente

e discutam como manter algo ou criar algo novo para suprir suas necessidades,

das mais simples até as mais complexas, dos desejos mais longínquos aos mais

imediatos da sociedade. Não existe homem fora da sociedade, visto que sozinho

está privado de conseguir seus meios de subsistência, inclusive por uma

deficiência física se comparado aos animais silvestres, que podem ser,

rapidamente, abandonados por suas mães e, mesmo assim, permanecerem vivos.

Viver em sociedade é isso. É adquirir formas de conduta que conduzam a si e

à coletividade ao maior bem-estar possível, e sem que se aceite isso, não há

sentido em acreditar na anarquia. O homem é fraco e precisa de outro homem a

seu lado para se manter e suprir suas necessidades.

Alguns anarquistas chegaram a afirmar que a organização é

necessariamente autoritária, ou seja, é sempre imposta de cima para baixo,

hierárquica, e, portanto, os homens que procuram viver em harmonia uns com

outros devem estar distanciados da organização, para que não sejam coagidos à

nada e nem por ninguém. Para Malatesta, a organização não é bem isso.

Inversamente, a organização, além de necessária, é a melhor forma de se

conseguir progresso, seja individual ou coletivo. A organização pode ser a

associação livre feita entre homens que buscam mesmos fins e discutem, e ainda,

discordam ou concordam com os meios a aplicar. Antes a sociedade sob a

autoridade (mínima possível) a uma sociedade sem organização (o que seria

impossível e fatalmente a levaria ao eterno caos do "cada um por si", não muito

diferente dos ideais liberais). Autoridade é a imposição de idéias ou condutas por

alguém ou algum grupo de pessoas, o que significa que ela não é característica da

organização, mas talvez, que a organização seja necessária, inclusive, onde há

autoridade, pois sem ela, não haveria a possibilidade de harmonia entre todos e

nem a dominação de uns sobre outros (parasitismo) e não o inverso.

De acordo com o raciocínio de Malatesta, quanto mais desorganizados

estamos, mais vulneráveis estamos à autoridade, pois se deixamos de, nós

mesmos organizados produzirmos ou criarmos algo, sempre haverá alguém

disposto a este trabalho, e nós não teremos voz de contestação, pois não teremos

a capacidade de produzir e criar algo melhor ou mais coerente com o que

queremos. A partir do momento em que indivíduos que acreditam que a

organização é autoritária resolvem se unir, eles estabelecem uma nova

organização, a que é contra a organização, e isso acontece, por mais paradoxal

que possa parecer. Sem a organização pessoal e coletiva para o desenvolver de

um trabalho, tornamo-nos iscas fáceis para a fome da autoridade. Mesmo que

hajam indivíduos dispostos a fazer certas coisas dentro da sociedade ou

coletividade, se os outros resolverem não se organizar para apoiar ou combater

aqueles primeiros de alcançar seus objetivos, estes irão, mesmo sem intenção, se

tornar autoridades sobre o passivo corpo coletivo. Torna-se rebanho de alguns,

muitos ou poucos, mas não menos escravos que um cidadão da sociedade

capitalista, burguesa, estatal. Organização é combate à autoridade! A única forma

de o indivíduo afirmar-se como seu próprio e único soberano, pois apenas ele

pode aplicar ordens a si mesmo, fazendo valer sua voz no todo e tomando parte

das decisões que o couber.

A liberdade não é uma abstração, uma expressão metafísica, mas sim, é a

possibilidade de agir e de ser como bem entender e de acordo com a cooperação

de outros, o que fortifica a ação do indivíduo e dos grupos organizados. Não é

possível conceber liberdade sem autonomia e possibilidade de ação entre

indivíduos relacionados e associados uns aos outros, afinal, nada consegue um

homem sozinho, ele precisa do máximo de apoio e força para conseguir o que

deseja. O indivíduo seja ou não anarquista, deve procurar os grupos que

comportem suas idéias e concepções, e colocar suas propostas sempre à mesa

para discussão entre todos os membros de tal grupo (Malatesta usa muito a

expressão "partido" em seu texto "Organização II", na edição de "Escritos

Revolucionários"). Quando o indivíduo vê suas opiniões e idéias rechaçadas ou

ignoradas dentro de uma associação livremente organizada, deve procurar

afinidades dentro de outros grupos, e caso não encontre algum, deve procurar

indivíduos que compartilhem de suas idéias, para assim, criar um coletivo com

suas propostas.

Ainda existem as críticas à organização que a apontam como alvo fácil de

repressão, mas Malatesta rebate esta idéia com argumentos que levam-nos a

entender que a lógica está inversa, ou seja, que quanto mais organizados

estamos, mais chances de nos defender teremos, enquanto que se nos

mantivermos desorganizados ou apenas indivíduos, seremos alvo fácil da

destruição e repressão estatal. Até o fato de estar um grupo associado por idéias

compatíveis torna mais difícil e menos legítima a repressão do Estado, que se agir

de forma repressora, principalmente violenta, perante os subversivos organizados,

serão alvo de críticas por todos os cantos. O que se torna mais favorável ainda à

causa anarquista: a imagem do governo e do Estado manchadas. A organização

formal não é o que mais importa, mas sim o espírito associativo e as amizades e

afinidades encontradas dentro dos coletivos. Desta forma, diz Malatesta, "o

trabalho dos indivíduos, mesmo isolados, participará do objetivo comum. E

encontrar-se-á rapidamente o meio de nos reunirmos de novo e repararmos os

danos sofridos" (Organização II).

Chega a afirmar, inclusive, na mesma obra, que é "melhor estarmos

desunidos que mal unidos", afinal, os anarquismos existentes nem sempre falam a

mesma língua, apesar de aspirarem, em geral, mesmos fins. Isso também é

expresso em carta resposta ("Anarquia e Organização", de 1927) a autores do

movimento anarquista russo que chamavam a todos os anarquistas a se unirem

em uma única organização, a "União Geral" (dentre eles estava Nestor Makhno).

Para Malatesta, apesar de as aspirações deste chamado serem das mais

plausíveis, isso não seria, nem coerente com a idéia da diversidade do

anarquismo, quanto menos seria possível sua aplicabilidade. Ademais, por esta tal

união não se pretender enquanto uma organização plural, mas sim, uma

organização que teria uma espécie de filtro sobre o que e quem é anarquista ou

não. Estabelece uma "verdade anarquista" imutável, o que é, minimamente,

absurdo, além de possuir um caráter totalmente autoritário: “... dirigir a ideologia e

a organização dos grupos em conformidade com a ideologia e com a linha de

tática geral da União". (trecho retirado do chamado pela União Geral). "Isso é

anarquismo? É, na minha opinião, um governo e uma igreja”.(Malatesta). A

proposta de U.G. fere, aos olhos de Malatesta, diversos, senão todos, os

princípios do anarquismo, excluindo a possibilidade de qualquer ação e iniciativa

individual ou de grupos pertencentes a tal União. Depois de expor diversos

aspectos que condena na Proposta Russa, finaliza o escrito com uma frase que

define toda a necessidade de coerência entre meios e fins (já explicado o ponto de

vista anarquista anteriormente). "Queremos combater e vencer, mas como

anarquistas e pela anarquia".

Sindicalismo e Anarquismo

Quanto aos sindicatos, como devem os anarquistas se posicionar na visão de

Malatesta? O sindicato é o meio ideal a se alcançar a revolução social? Longe

disto! Em sua concepção, os sindicatos são as organizações operárias que

buscam alcançar e conquistar nada mais nada menos que direitos e privilégios

imediatos. Nada mais que organizações reformistas que buscam direitos e

privilégios imediatos para uma certa classe de trabalhadores, visto que estes

estão cada vez mais fragmentados e cada vez mais com aspirações burguesas de

vida. Para Malatesta, os sindicatos são as organizações que podem propiciar um

aumento de solidariedade entre os trabalhadores (atualmente, de mesma classe e

função) e, então, deve ser aproveitado pelos anarquistas como um campo de

propagação da idéia revolucionária anarquista, que está longe de ser a ação de

mendigar, como são os sindicatos em relação a patrões e governantes. Sem

deixarem-se enraizar nos sindicatos, os anarquistas devem apenas tê-lo como um

ponto de luta imediata para propaganda e apoio a tais aspirações dos

trabalhadores, mas nunca com expectativas revolucionárias em relação a estes.

Esperar isso seria ilusório e, fatalmente, frustrante, isso quando não acaba

destruindo as aspirações do indivíduo e em alguns casos, o forçando a situações

de submissão. Além de estar sempre atento em relação a aqueles que negociam

com os patrões e burocratas, suas habilidades de manipulação e de corrupção

são enormes. Referências e contatos, experiência e campo de conhecimento, e

nada além disso, são os sindicatos. Com a ressalva que quanto mais

independente de uma influência direta e direcionada de algum partido, seja ele

qual for, quanto mais autônoma, for a vitória do sindicato para a melhoria de vida

dos trabalhadores, melhor. Mas, ainda assim, não se deve esperar que seja o

movimento sindical que erguerá uma insurreição.