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Ergodicidade e homeomorfismos anulares do toro Renato Belinelo Bortolatto Tese apresentada ao Instituto de Matem ´ atica e Estat ´ ıstica da Universidade de S ˜ ao Paulo para obtenc ¸ ˜ ao do t ´ ıtulo de Doutor em Ci ˆ encias Programa: Matem´ atica Aplicada Orientador: Prof. Dr. F´ abio Armando Tal Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu aux´ ılio financeiro do CNPq ao Paulo, agosto de 2012

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Ergodicidade e homeomorfismosanulares do toro

Renato Belinelo Bortolatto

Tese apresentada

ao

Instituto de Matematica e Estatıstica

daUniversidade de Sao Paulo

para

obtencao do tıtulo

deDoutor em Ciencias

Programa: Matematica AplicadaOrientador: Prof. Dr. Fabio Armando Tal

Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxıliofinanceiro do CNPq

Sao Paulo, agosto de 2012

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Ergodicidade e homeomorfismosanulares do toro

Esta versao definitiva da tese contem ascorrecoes e alteracoes sugeridas pela

Comissao Julgadora durante a defesa realizada porRenato Belinelo Bortolatto em 22/06/2012.

Comissao Julgadora:

• Prof. Dr. Fabio Armando Tal (orientador) - IME-USP

• Prof. Dr. Salvador Addas Zanata - IME-USP

• Prof. Dr. Alejandro Kocsard - UFF

• Prof. Dr. Andres Koropecki - UFF

• Prof. Dr. Mario Jorge Dias Carneiro - UFMG

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Agradecimentos

Quando eu conheci o Fabio ele ja havia sido indicado como meu orienta-dor e desde esse dia ele nao foi nada menos do que generoso comigo. Eleprovavelmente nao faz ideia de quanto eu aprendi com ele, nao apenas emmatematica. Foi um privilegio e um prazer ter trabalhado ao lado dele essesanos. Obrigado por tudo, Fabio.

Quero tambem agradecer em poucas linhas o muito que as professorasZara, Helena e Lucılia acreditaram e investiram em mim durante minhagraducao. Espero deixar voces orgulhosas nao so com o tıtulo, mas comtudo que o futuro trara.

Sendo aluno deste instituto por tanto tempo nao posso deixar de sergrato pelos muitos amigos que conheci e que me fizeram sentir menos sozinhoe mais feliz. Sou especialmente grato aqueles que foram meus professorese me ensinaram, inspiraram e ajudaram, cada um a sua maneira. Essessao muitos, mas em especial gostaria de agradecer a Mane, Salvador, Rosa,Gladys e Sergio Oliva.

Por fim, agradeco minha famılia: Aline pela companhia e pela baguncaque fez no meu mundo ordenado e chato e meu pai por sempre ter feito pormim mais do que eu pedi. Mesmo sem dizer, espero que voces todos saibamde minha gratidao em todos os dias que restam em nossas vidas.

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Resumo

Seja f : T2 → T2 um homeomorfismo homotopico a identidade e F : R2 →R2 um levantamento de f tal que seu conjunto de rotacao ρ(F ) e um seg-mento vertical nao degenerado contido em 0 × R.

Provamos que se f e ergodico com respeito a medida de Lebesgue no toroe se o vetor de rotacao medio (com respeito a mesma medida) e da forma(0, α) para α ∈ R \Q entao existe M > 0 tal que |(Fn(x)− x)1| ≤ M paratodo x ∈ R2 e n ∈ Z (onde (.)1 : R2 → R e definida por (x, y)1 = x).

Palavras chave: Homeomorfismos do toro, conjuntos de rotacao, ergodici-dade, pontos periodicos.

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Abstract

Let f : T2 → T2 be a homeomorphism homotopic to the identity and F :R2 → R2 a lift of f such that the rotation set ρ(F ) is a non-degeneratedvertical line segment contained in 0 × R.

We prove that if f is ergodic with respect to the Lebesgue measure onthe torus and the average rotation vector (with respect to same measure)is of the form (0, α) for α ∈ R \ Q then there exists M > 0 such that|(Fn(x)−x)1| ≤M for all x ∈ R2 and n ∈ Z (where (.)1 : R2 → R is definedby (x, y)1 = x).

Key-words: Torus homeomorphisms, rotation sets, ergodicity, periodicpoints.

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Sumario

1 Introducao 1

2 Aplicacoes do cırculo 32.1 Numero de rotacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32.2 Intervalo de rotacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

3 O conjunto de rotacao 93.1 Definicoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93.2 Propriedades gerais dos conjuntos de rotacao . . . . . . . . . 113.3 A geometria de um conjunto de rotacao . . . . . . . . . . . . 133.4 Conjuntos de rotacao e continuidade . . . . . . . . . . . . . . 153.5 Conjuntos de rotacao com interior . . . . . . . . . . . . . . . 163.6 Conjuntos de rotacao sem interior . . . . . . . . . . . . . . . 17

4 A conjectura do deslocamento uniforme 214.1 Notacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214.2 Motivacao da conjectura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214.3 Nosso resultado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234.4 O papel da ergodicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

5 Os conjuntos B0, Bπ e ω(B0), ω(Bπ) 275.1 Definicoes; B0, Bπ 6= ∅ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275.2 ω(B0), ω(Bπ) 6= ∅ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325.3 Estrategia da prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

6 Prova do teorema 376.1 Consequencias da negacao do teorema . . . . . . . . . . . . . 376.2 O caso π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) 6= ∅ nao pode ocorrer . . . . . . 386.3 A distancia entre π(ω(B0)) e π(ω(Bπ)) . . . . . . . . . . . . . 406.4 O caso π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ nao pode ocorrer . . . . . . 42

7 Comentarios finais 47

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viii SUMARIO

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Capıtulo 1

Introducao

O numero de rotacao ρ(f) ∈ R para homeomorfismos do cırculo T1 que pre-servam a orientacao e um invariante topologico bem conhecido cuja desco-berta pode ser atribuida a Poincare. Sabemos, por exemplo, que se ρ(f) /∈ Qentao existe uma semi-conjugacao entre f e a rotacao de angulo ρ(f). Oexemplo de Denjoy, por sua vez, mostra que em geral nao e possıvel obteruma conjugacao. No capıtulo seguinte voltaremos a este assunto fazendoum breve resumo desta teoria.

Algumas vezes, no entanto, e preciso considerar nao homeomorfismos,mas endomorfismos do cırculo (isto e, aplicacoes contınuas de T1 de grau 1).Ainda no segundo capıtulo apresentamos uma generalizacao adequada parao numero de rotacao devida a Newhouse, Palis e Takens [NPT83]. Ve-sefacilmente que essa definicao depende de cada ponto de T1, ao contrario donumero de rotacao de Poincare. Olhando entao para o fecho da uniao dosnumeros de rotacao pontuais obtemos um conjunto que mostra-se ser umintervalo fechado da reta, eventualmente degenerado. Chamamos assim esteconjunto de intervalo de rotacao de um endomorfismo do cırculo.

Desejamos estudar aplicacoes contınuas do toro m-dimensional

Tm ∼= Rm/Zm

nele mesmo (diremos simplesmente automorfismos do toro, quando a di-mensao for fixada). Iremos pedir que essas aplicacoes sejam homotopicas aidentidade pois queremos utilizar como ferramenta uma generalizacao apro-priada do numero de rotacao para homeomorfismos do cırculo. Veremosrapidamente que tal generalizacao sera especialmente util ao estudarmos asaplicacoes do toro 2-dimensional.

No terceiro capıtulo definiremos entao o conjunto de rotacao para esteshomeomorfismos e falaremos sobre suas propriedades e resultados pertinen-tes. Os resultados sao usados para motivar a conjectura do deslocamentouniforme, que e explicada no quarto capıtulo.

No quinto capıtulo apresentamos as ferramentas que serao usadas na

1

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2 CAPITULO 1. INTRODUCAO

prova de um caso particular da conjectura do deslocamento uniforme nosexto capıtulo.

No setimo capıtulo falamos sobre um resultado mais geral que pode serobtido a partir de nossa prova e sobre perguntas que ficam em aberto.

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Capıtulo 2

Aplicacoes do cırculo

2.1 Numero de rotacao

Seja f um homeomorfismo do cırculo T1 ∼= R/Z que preserva a orientacao(com isso queremos dizer que consideramos uma ordem ≤ na reta e a des-cemos para no cırculo: “f preserva a orientacao”se x y implica quef(x) f(y)). Naturalmente T1 e uma variedade, de forma que inicialmentepensamos em “descer”f para R. Contudo do ponto de vista da dinamicasera util “levantar”f para seu recobrimento universal como indica o dia-grama abaixo

R F−→ R↓ π ↓ πT1 f−→ T1

onde π : R → T1 e definida por π(x) = x(mod1). Como π nao e invertıvelo diagrama acima define apenas uma semi-conjugacao entre f e seu levan-tamento F . O levantamento nao e unico e por isso sempre precisaremosescolher um. Apesar disso ve-se facilmente no diagrama acima que se F1 eF2 sao dois levantamentos de f entao F1 − F2 ∈ Z.

Tambem e facil ver que F (x + i) = F (x) + i para todo i ∈ Z e nestecaso dizemos que F e uma aplicacao de grau 1. Observe que apesar de f eF serem semi-conjugados essas aplicacoes nao possuem, em geral, a mesmadinamica: basta considerar em T1 ' R/Z a aplicacao

r 14(θ) = θ +

1

4

(para o qual todos os pontos sao periodicos) e seu levantamento

R 14(x) = x+

1

4

que nao tem pontos periodicos.

3

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4 CAPITULO 2. APLICACOES DO CIRCULO

E interessante notar que se f inverte a orientacao (i.e., se x y entaof(x) f(y)) pode-se provar que f tem exatamente 2 pontos fixos. Destaforma o caso mais interessante do ponto de vista dinamico e dos homeomor-fismos que preservam orientacao: esssa hipotese sera usada fortemente norestante dessa secao.

Definicao 1. Denotaremos por h+(T1) o conjunto dos homeomorfismos deT1 que preservam a orientacao.

Definicao 2. Seja f ∈ h+(T1) e F um levantamento. Quando existir olimite

τ(F, x) := limn→∞

Fn(x)

n

diremos que τ(F, x) e o numero de translacao de x ∈ R com respeito a F .

Proposicao 1. Seja f ∈ h+(T1) e F um levantamento. Entao

1. Existe limn→∞Fn(x)n para todo x ∈ R.

2. τ(F, x) = τ(F ), isto e, τ(F, x) independe de x ∈ R.

3. Se f tem um ponto periodico entao τ(F ) ∈ Q.

Note que se F1, F2 sao dois levantamentos de f entao τ(F1)− τ(F2) ∈ Z.Isso permite definir o numero de rotacao diretamente para um homeomor-fismo do cırculo que preserva orientacao.

Definicao 3. Se f ∈ h+(T1) definimos o numero de rotacao de f como

ρ(f) = π(τ(F ))

Quando nao houver confusao indentificamos ρ(f) ∈ T1 com a parte nao-inteira de τ(F ). Observe entao que ρ(f) ∈ [0, 1[.

O numero de rotacao possui duas propriedades interessantes que descre-vemos nos dois enunciados seguintes.

Proposicao 2. Se f, g ∈ h+(T1) sao topologicamente conjugadas (em h+(T1))entao ρ(f) = ρ(g).

Proposicao 3. Seja f ∈ h+(T1). Entao ρ(f) /∈ Q se e somente se f naotem pontos periodicos.

Uma pergunta natural nesse ponto e quando um homeomorfismo docırculo que preserva a orientacao e conjugado a uma rotacao. No caso deuma rotacao por angulo racional (que claramente possui numero de rotacaoracional) todas as orbitas sao periodicas e de mesmo perıodo; por outro ladose f ∈ h+(T1) e ρ(f) ∈ Q a proposicao anterior garante apenas a existenciade uma orbita periodica. Pode-se ver tambem que todas as orbitas periodicas

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2.1. NUMERO DE ROTACAO 5

possuem o mesmo perıodo e estao ordenadas como a rotacao de angulo ρ(f).Nao e difıcil construir (comecando com alguns pontos periodicos e fazendoas outras orbitas serem heteroclınicas a estes pontos periodicos) uma infini-dade de aplicacoes em h+(T1) que possuem numero de rotacao racional masnao podem ser conjugadas a uma rotacao.

Neste sentido, o caso de uma rotacao por angulo irracional e mais inte-ressante. Temos, por exemplo, o seguinte resultado.

Proposicao 4. Seja f ∈ h+(T1) e suponha que ρ(f) /∈ Q. Entao existeh : T1 → T1 contınua, sobrejetora, que preserva ordem e tal que

h f = Rρ(f) h

isto e, f e semi-conjugada a uma rotacao de angulo irracional.

Pode-se provar ainda que se f e topologicamente transitiva entao a semi-conjugacao no teorema acima e uma conjugacao. Note porem que existe umaaplicacao do cırculo que possui numero de rotacao irracional mas que nao econjugada a uma rotacao irracional.

Exemplo (Denjoy). Comece com uma rotacao irracional e tome uma orbita.Mostra-se que trocando os pontos dessa orbita por intervalos In suficiente-mente pequenos (que nao cobrem T1) obtem-se uma aplicacao g ∈ C1(T1)que satisfaz g(In) = In+1 e g|(∪n∈ZIn) e semi-conjugada a uma rotacao irra-cional.

Observe entao que para uma aplicacao f do cırculo ser conjugada a umarotacao irracional e preciso que f tenha todas as orbitas densas em T1. Issomostra que g nao pode ser conjugada a uma rotacao irracional.

E possıvel construir esse exemplo de forma que g ∈ C1+ε para 0 ≤ ε <1 e de forma que a medida de Lebesgue de ∪n∈ZIn seja qualquer numeroestritamente positivo menor que 1.

O teorema de Denjoy diz que se uma aplicacao do cırculo que preservaorientacao, possui numero de rotacao irracional, e C1 e sua derivada tem va-riacao limitada entao ela e transitiva (e portanto conjugada a uma rotacao).Em particular, toda aplicacao C2 que preserva orientacao possui numero derotacao irracional e conjugada a uma rotacao por angulo irracional.

Para finalizar essa secao citamos dois resultados que terao paralelos noproximo capıtulo.

Proposicao 5 ([KH96], Theorem 11.2.9). Se f e um homeomorfismo quepreserva orientacao do cırculo com ρ(f) /∈ Q entao f e unicamente ergodico.Visto como uma transformacao que preserva medida, f e metricamente iso-morfa a uma rotacao irracional.

Corolario ([KH96], Corollary 11.2.10). Um homeomorfismo do cırculo queque preserva orientacao possui entropia topologica zero.

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6 CAPITULO 2. APLICACOES DO CIRCULO

Voltamos a notar que nessa secao a propriedade de preservacao da ori-entacao foi decisiva. Entretanto veremos a seguir que podemos, de certaforma, abrir mao desta hipotese e ainda obter resultados interessantes. Issoindica a possibilidade de que uma versao adequada do numero de rotacaodos homeomorfismo do cırculo que preservam a orientacao seja util no estudoda dinamica em variedades de dimensao maior do que um.

2.2 Intervalo de rotacao

O conceito de intervalo de rotacao para endomorfismos do cırculo apareceem [NPT83] motivado por um problema em teoria das bifurcacoes. As pro-posicoes e provas abaixo sao da mesma fonte.

Denote por End(T1) o conjunto das aplicacoes contınuas φ : T1 → T1

de grau 1. Para φ ∈ End(T1), um levantamento Φ e um ponto x ∈ T1

definimos o numero de rotacao puntual

ρ(Φ, x) := lim supn→∞

Φn(x)− xn

Definimos o conjunto de rotacao por

ρ(Φ) :=⋃x∈T1

ρ(Φ, x)

Tanto o numero de rotacao puntual como o conjunto de rotacao sao invarian-tes topologicos. Note que, para um homeomorfismo do cırculo que preservaa orientacao, o conjunto de rotacao coincide com o numero de rotacao.

O conjunto de rotacao e fechado por definicao. Queremos mostrar queele e um ponto ou um intervalo da reta. Temos o seguinte lema:

Lema 1 ([NPT83], Lemma (3.1)). Suponha que φ ∈ End(T1) e seja Φ umlevantamento. Se φ nao tem um ponto periodico com numero de rotacaopuntual p

q com p ∈ Z e q ∈ N entao ρ(Φ) esta contido emx ∈ R | x < p

q

ou

x ∈ R | x > p

q

Demonstracao. Observe que, para todo x ∈ R, temos Φq(x)− x 6= p pois,caso contrario, π(x) seria um ponto periodico de φ com numero de rotacaopuntual p

q . Note que

Φq(x+ 1)− (x+ 1) = Φq(x)− x

isto e, Φq(x)− x e uma funcao periodica (em x) de perıodo 1. Assim, sendocontınua e podendo ser entendida com domınio [0, 1], existe um ε > 0 talque

Φq(x)− x < p− ε ou Φq(x)− x > p+ ε

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2.2. INTERVALO DE ROTACAO 7

para todo x ∈ R, ou seja,

ρ(Φ) ⊆x ∈ R | x < p

q

ou ρ(Φ) ⊆

x ∈ R | x > p

q

Corolario ([NPT83], Corollary (3.2)). Seja φ ∈ End(T1) e Φ um levanta-mento. Suponha que α, β ∈ ρ(Φ) e que existe p

q ∈ Q satisfazendo α ≤ pq ≤ β.

Entao φ tem um ponto periodico com numero de rotacao puntual pq .

Demonstracao. Se φ nao tem um ponto periodico com numero de rotacaopuntual p

q entao pelo lema anterior que

ρ(Φ) ⊆x ∈ R | x < p

q

ou ρ(Φ) ⊆

x ∈ R | x > p

q

Mas isso nao pode acontecer pois α, β ∈ ρ(Φ) e α ≤ p

q ≤ β.

Corolario. O conjunto de rotacao de um levantamento Φ de um endomor-fismo φ : T1 → T1 e um ponto ou um intervalo fechado da reta.

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8 CAPITULO 2. APLICACOES DO CIRCULO

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Capıtulo 3

O conjunto de rotacao

3.1 Definicoes

Seja f : Tm → Tm e F : Rm → Rm um levantamento fixado. Seja π : R2 →T2 a projecao natural. Uma forma natural de definir o vetor de rotacaopara p ∈ Tm seria tomar x ∈ π−1(p) e considerar ρ(F, x) = limn→∞

Fn(x)−xn .

Definimos entao o conjunto de rotacao baseado em pontos como

ρp(F ) = ∪x∈Rmρ(F, x)

Em tempo, e necessario nos perguntarmos se ρp(F ) esta bem definido.Para isso usamos o seguinte resultado.

Lema 2. Um homeomorfismo F do Rm e um levantamento de um homeo-morfismo de Tm homotopico a identidade se, e so se, F (x+ v) = F (x) + vpara todo x ∈ Rm e v ∈ Zm.

A demonstracao desse lema nao e difıcil, mas necessita de um resul-tado de topologia algebrica que nos desviaria de nosso caminho (uma provapode ser encontrada em [BLR07]). Ao assumirmos esse resultado e ime-diato que, se f e homotopica a identidade, ρp(F ) esta bem definido eρp(F ) = ∪x∈[0,1]mρ(F, x).

Evidentemente, quando m = 1 e f preserva orientacao, ρp(F ) coincidecom o numero de rotacao. Contudo, para m ≥ 2, ρ(F, x) pode depen-der de x e de forma a nao possuir em geral boas propriedades topologicas.De fato, mesmo quando F e levantamento de um automorfismo do toro2-dimensional, homotopico a identidade, o conjunto ρp(F ) nao precisa serconvexo, nem mesmo conexo.

Exemplo. Considere um fluxo do tipo Reeb em R2. Esse fluxo e mais facil-mente explicado por um desenho (veja abaixo). Podemos construir um exem-plo em alguns passos, comecando definindo sobre as retas ]−∞,+∞[×0,

9

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10 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

-

z zz z

z z z z

Figura 3.1: Fluxo de Reeb representado na faixa ]−∞,+∞[×[0, 1].

] −∞,+∞[×12 e ] −∞,+∞[×1 um campo v que vale (−1, 0), (1, 0) e

(−1, 0), respectivamente.

Estendemos entao o campo em ] −∞,+∞[×[0, 1] de forma que as cur-vas integrais restantes sejam assintoticas as retas dadas anteriormente esatisfacam v(x + 1, y) = v(x, y) e v(x, y + 1

2) = −v(x, y). Estendemos essecampo para todo plano de forma natural e consideramos o homeomorfismodado pelo fluxo no tempo 1.

Pelo lema 2 esse homeomorfismo e um levantamento de um homeo-morfismo do toro homotopico a identidade. Alem disso, como a orbita dequalquer ponto tende a uma das retas R × 1

2Z, pode-se ver que ρp(F ) =(1, 0) ∪ (−1, 0).

Note que no exemplo acima tomar o fecho topologico de ρp(F ) (comofoi feito para o intervalo de rotacao) nada modifica. Podemos, e claro,considerar o fecho convexo de ρp(F ), que denotaremos Conv(ρp(F )). Oconjunto Conv(ρp(F )) e um bom candidato para conjunto de rotacao (aomenos coincide com um intervalo nesse exemplo), mas nao e, a priori, nossaunica opcao.

Outra possibilidade e definir como conjunto de rotacao

ρ(F ) =⋂n≥1

⋃k≥n

F k(x)− x

k: x ∈ Im

onde Im := [0, 1]m (vide o lema anterior). Esta definicao lembra a nocao deω-limite e portanto e tambem natural por tentar capturar o comportamentoassintotico das orbitas de forma semelhante ao numero de rotacao de Poin-care. Notamos que ρ(F ) e igual ao conjunto dos pontos de acumulacao dassequencias

ρk(F, xnk) :=

F k(xnk)− xnk

k

para xn ∈ Rm com n, k ∈ N. Segue que para m = 1 a definicao que demospara o conjunto de rotacao tambem coincide com o numero de rotacao. Note

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3.2. PROPRIEDADES GERAIS DOS CONJUNTOS DE ROTACAO 11

que ρ(F ) e fechado por definicao. Pode-se ver que ele e conexo e que, sem = 2, tambem e convexo [MZ89].

Podemos ainda apontar mais uma possıvel definicao de conjunto derotacao em Tm. Considere M(f) o espaco de todas as medidas de probabi-lidade, f -invariantes em Tm e ME(f) o subsespaco das medidas ergodicasde M(f). O conjunto M(f) e compacto se considerado com a topologia∗-fraca (mediante a identificacao das medidas com funcionais lineares emC).

Seja µ ∈ME(f). Pelo teorema de Birkhoff temos para µ-qtp x ∈ X que

1

n

n−1∑i=0

φ fk n→∞−−−→∫φdµ

para toda aplicacao contınua φ : Tm → Rm. Considere em particular aaplicacao φ(x) = F (y)− y, onde y ∈ π−1(x) (que esta bem definida pois Fcomuta com as translacoes por vetores de Z2). Temos entao que

1

n

n−1∑i=0

φ fk(x) =1

n

n−1∑i=0

(F k+1(y)− F k(y)) =Fn(y)− y

n

Concluımos que para µ-qtp x ∈ Tm e todo y ∈ π−1(x)

Fn(y)− yn

n→∞−−−→∫φdµ

ou seja,∫φdµ ∈ ρp(F ) para todo µ ∈ME(f). Definimos

ρerg(F ) =

∫φdµ : µ ∈ME(f)

Como os pontos extremais (no sentido da analise convexa) de M(f) saojustamente as medidas em ME(f), temos que o fecho convexo de ρerg(F ) e

Conv(ρerg(F )) =

∫φdµ : µ ∈M(f)

Definimos ρmes(F ) := Conv(ρerg(F )).

3.2 Propriedades gerais dos conjuntos de rotacao

Como as tres definicoes da secao anterior tem boas razoes de ser, uma boaestrategia e estudarmos de que forma elas estao relacionadas.

Proposicao 6 ([MZ89], Corollary 2.4). Seja F um levantamento de umhomeomorfismo f de T2 entao

Conv(ρp(F )) = ρ(F ) = ρmes(F )

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12 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

Em contraste, temos, para T3 um exemplo em [LM91] que mostra queConv(ρp(F )) 6= ρ(F ). Esse e um dos motivos porque iremos estudar apenaso caso m = 2. No entanto,

ρmes(F ) = Conv(ρ(F ))

para qualquer F que seja levantamento de uma aplicacao contınua f do torom-dimensional, homotopica a identidade ([MZ89], Theorem 2.4). Assim,nas mesmas hipoteses, temos para Tm que

Conv(ρp(F )) = Conv(ρ(F ))

e que

Conv(ρ(F )) = Conv(∪x∈π−1(Ω(f))ρ(F, x))

onde Ω(f) e o conjunto dos pontos nao-errantes de f (o que e consequencia deque, com respeito a uma medida µ, quase todo ponto e nao-errante). Essaultima igualdade e util para determinar o conjunto de rotacao de algunsexemplos explıcitos.

Os conjuntos de rotacao em Tm possuem algumas propriedades que saouteis para descrever o conjunto de rotacao de seus diferentes levantamentose o conjunto de rotacao das iteradas de f .

Proposicao 7 ([MZ89]). Seja F um levantamento de uma aplicacao contınuaf do toro m-dimensional, homotopica a identidade. Entao para todo p ∈ Zme n ∈ N temos que

• ρ(F q − p) = qρ(F )− p

• ρ(F q − p, x) = qρ(F, x)− p, para todo x ∈ Rm

• ρp(F q − p) = qρp(F )− p

• ρmes(F q − p) = qρmes(F )− p

Alem disso, se f e um homeomorfismo entao

• ρ(F−1) = −ρ(F )

• ρmes(F−1) = −ρmes(F )

Apesar de simples, essas propriedades podem ser bastante uteis e seraode fato usadas no restante da tese. Vejamos um importante exemplo de seuuso a seguir. Assumiremos o seguinte resultado:

Proposicao 8 ([Fra88], Theorem 3.5). Seja F um levantamento de umhomeomorfismo f de T2, homotopico a identidade. Se 0 ∈ ρerg(F ) entao Ftem um ponto fixo.

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3.3. A GEOMETRIA DE UM CONJUNTO DE ROTACAO 13

Provemos entao a seguinte proposicao.

Proposicao 9 ([MZ89], Theorem 3.10). Seja F um levantamento de umhomeomorfismo f de T2, homotopico a identidade. Suponha que (r/q, s/q) ∈ρerg(F ) para r, s ∈ Z, q ∈ N com mdc(r, s, q) = 1 . Entao existe um pontof -periodico x ∈ T2 de perıodo mınimo q e que satisfaz ρ(F, y) = ( rq ,

sq )

para todo y ∈ π−1(x).

Demonstracao. Por hipotese (r/q, s/q) ∈ ρerg(F ), logo 0 ∈ ρerg(Fq −

(r, s)). Pela proposicao anterior temos um ponto z ∈ R2 tal que ρ(F q −(r, s), z) = 0. Usando novamente as propriedades aritmeticas de ρ obtemosque ρ(F, y) = ( rq ,

sq ) para todo y ∈ π−1(π(z)).

Seja x = π(z). Observe que f q(x) = x, de forma que x e f -periodicode perıodo q′ que divide q. Temos que F q

′(z) = z + (r′, s′) para algum

(r′, s′) ∈ Z2 e calculando

F q(z) = z +

(q

q′r′,

q

q′s′)

conluimos que r = qq′ r′ e s = q

q′ s′. Observe, portanto, que q

q′ divide r, s e q

logo por hipotese qq′ = 1, ou seja, q = q′.

Corolario ([MZ89], Corollary 3.11). Seja F um levantamento de um ho-meomorfismo f de T2. Entao ρmes(F ) ∩ Q2 = ∪y∈Pf

ρ(F, y) onde Pf e oconjunto dos pontos y ∈ R2 tais que π(y) e f -periodico.

Demonstracao. A inclusao ρmes(F ) ∩ Q2 ⊆ ∪y∈Pfρ(F, y) e consequencia

da proposicao anterior.Para a outra inclusao considere y ∈ Pf e obseverve que a medida de

probabilidade µ com suporte em f i(π(y))i∈N e ergodica e que∫φdµ ∈ Q2

pelo teorema de Birkhoff.

Aqui, a hipotese de que estamos trabalhando em T2 nao pode ser dis-pensada. De fato, a maior parte dos resultados disponıveis hoje diz respeitoao toro de dimensao 2, e mesmo assim partes importantes da teoria conti-nuam sem resposta (veremos mais sobre isso posteriormente). No restantedesse trabalho estaremos supondo que estamos em T2, o que permite nosreferirmos a ρ(F ) unicamente como “conjunto de rotacao”.

3.3 A geometria de um conjunto de rotacao

O conjunto de rotacao de um homeomorfismo do T2, homotopico a identi-dade, e um subconjunto compacto e convexo de R2. Desta forma ele podeser um ponto, um segmento de reta ou possuir interior nao vazio.

Exemplos.

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14 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

1. Um unico vetor v arbitario. Como exemplo, basta considerar a translacaopelo vetor v em R2. E possıvel construir exemplos mais interessantes,por exemplo com entropia topologica positiva (e portanto, nao conju-gados a uma rotacao).

2. Um segmento de reta que

(a) Tenha inclinacao racional e contenha um ponto de coordenadasracionais. Um exemplo e o homeomorfismo derivado do fluxo deReeb, como definimos anteriormente, que tem ρ(F ) = [−1, 1] ×0.

(b) Tenha um ponto extremo racional e todos outros pontos irracio-nais (esses exemplos sao atribuıdos a Katok). A ideia e basica-mente comecar com um campo de vetores de inclinacao irracionalem R2 e criar um ponto fixo. Os detalhes podem ser encontradosem [Beg07].

3. Qualquer polıgono convexo de extremos racionais [Kwa92]. O casogeral e bastante trabalhoso, mas nao e difıcil construir um homeomor-fismo para o qual ρ(F ) = [0, 1]2. Considere

G(x, y) = (x+ φ(y), y), H(x, y) = (x, y + ψ(x))

onde φ, ψ : R → [0, 1] sao funcoes periodicas e satisfazem φ(t) =ψ(t) = 0 se t ∈ Z e φ(t) = ψ(t) = 1 se t ∈ 1

2 + Z. Para F = H Gve-se facilmente que

ρ

(F,

(1

2, 0

))= (0, 1), ρ

(F,

(0,

1

2

))= (1, 0)

e que

ρ

(F,

(0, 0

))= (0, 0), ρ

(F,

(1

2,1

2

))= (1, 1)

de forma que [0, 1]2 ⊆ ρ(F ). E facil ver tambem que F (x, y)− (x, y) =(φ(y), ψ(x+φ(y))), de forma que Fn(x, y)− (x, y) ∈ [0, n]2 e portantoρ(F ) ⊆ [0, 1]2. Esse exemplo foi retirado de [Beg07].

4. Em [Kwa95] e construido um exemplo em que ρ(F ) nao e um polıgonopois contem uma quantidade enumeravel infinita de vertices. A cons-trucao e bastante longa e nao sera tratada aqui.

Francois Beguin propoe a seguinte questao em suas notas de aula:

Pergunta ([Beg07]). Existe um compacto convexo K ⊂ R2 que nao e oconjunto de rotacao de nenhum homeomorfismo homotopico a identidade deT2?

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3.4. CONJUNTOS DE ROTACAO E CONTINUIDADE 15

Esse problema e mais simples se trocarmos “homeomorfismo”por “fluxo”.De fato, Franks e Misiurewicz ([FM90]) mostraram que um fluxo do 2-torocujo conjunto de rotacao possui interior vazio no R2 pode ser apenas

1. Um unico ponto.

2. Um segmento qualquer de uma linha determinada por zero e outroponto de Q2.

3. Um segmento de inclinacao irracional com um extremo em zero.

e que todos esses conjuntos de rotacao sao de fato realizados por algum fluxoem T2.

Franks e Misiurewicz conjecturaram entao que, se o conjunto de rotacaode um homeomorfismo f esta contido em uma reta ele so pode ser de umdos tipos acima. Aparentemente nao houve nenhum progresso significativona direcao de provar ou desprovar esta conjectura desde que foi enunciada.

3.4 Conjuntos de rotacao e continuidade

Um problema interessante e perguntar se Fn → F na topologia da con-vergencia uniforme implica que ρ(Fn)→ ρ(F ) na topologia de Hausdorff.

E facil ver que, em T2, a aplicacao F 7→ ρ(F ) e semi-continua superior-mente usando que ρ(F ) = ρmes(F ) e que o espaco das medidas e compactona topologia ∗-fraca (mediante a identificacao usual que ja comentamos).Contudo, tambem e facil ver com um exemplo que F 7→ ρ(F ) nao e semi-continua inferiormente.

z z

Figura 3.2: Perturbacao de um fluxo de Reeb

Proposicao 10 ([MZ89], Example 4.8 ; [LM91], Example 1). A funcaoρ : HomI(T2) → R2 nao e semi-contınua inferiormente (aqui HomI(T2)denota o conjunto dos levantamentos de homeomorfismo em T2 que saohomotopicos a identidade).

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16 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

Demonstracao. Tomamos um campo de vetores v do tipo Reeb, como de-finimos anteriormente, e consideramos o homeomorfismo F dado pelo fluxono tempo um. Note que F e homotopico a identidade e ρ(F ) = [−1, 1]×0.

Facamos uma perturbacao v de v por “bumps”em torno de R× (12 +Z).

O homeomorfismo F dado pelo fluxo no tempo um de v tem conjunto derotacao igual a (−1, 0) (vide a figura acima).

Apesar disso segue com algum esforco e usando que F 7→ ρ(F ) e semi-contınua superiormente o seguinte resultado.

Proposicao 11 ([LM91]). A aplicacao F 7→ ρ(F ) e contınua em qualquerF tal que ρ(F ) seja um conjunto unitario.

Aqui aparece entao uma distincao entre os casos em que ρ(F ) possuiinterior vazio ou nao-vazio em R2.

Proposicao 12 ([LM91]). A aplicacao F 7→ ρ(F ) e contınua em qualquerF que tenha interior nao-vazio.

Esse resultado e mais delicado, pois precisamos de um tipo de “esta-bilidade”que garanta que para todos vetores de coordenadas racionais queestejam em int(ρ(F )) as aplicacoes proximas de F ainda tenham pontosperiodicos com esse perıodo.

Em particular, obtemos que o conjunto dos homeomorfismos Z2-periodicosde R2 cujo conjunto de rotacao tem interior nao vazio e um aberto na topo-logia da convergencia uniforme.

3.5 Conjuntos de rotacao com interior

Exemplos como o homeomorfismo derivado do fluxo de Reeb mostram que,a princıpio, apenas os pontos extremais (no sentido da analise convexa) doconjunto de rotacao sao realizados por pontos de R2. A seguinte proposicaomostra que os pontos extremais do conjunto de rotacao sao, de fato, semprerealizados.

Proposicao 13 ([MZ89]). Se v e um ponto extremal de ρ(F ) entao existez ∈ R2 tal que ρp(F, z) = v.

Demonstracao. Como ρ(F ) = Conv(ρerg(F )) todo ponto extremal deρ(F ) e um ponto de ρerg(F ). Como argumentamos na secao 2, o teorema de

Birkhoff diz que, dado v ∈ ρerg(F ) existe z ∈ R2 tal que Fn(z)−zn

n→∞−−−→ v,ou seja ρp(F, z) = v.

Pode-se mostrar que se v possui ambas coordenadas racionais entao v erealizado por um ponto periodico. Os pontos na fronteira de ρ(F ) que naosao extremais nao precisam ser realizados (a nao ser quando possuem ambas

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3.6. CONJUNTOS DE ROTACAO SEM INTERIOR 17

coordenadas racionais e estao sobre um segmento de inclinacao irracional[LC05]). Observe essa propriedade nos exemplos da famılia que demos noitem 3 no inıcio dessa secao.

O problema geral possui uma resposta mais direta se nos restringimosaos pontos no interior de ρ(F ).

Proposicao 14 ([Fra89]). Se ρ(F ) tem interior nao vazio entao todos osvetores de rotacao com coordenadas racionais em int(ρ(F )) sao realizadospor orbitas f -periodicas.

O resultado abaixo estende a proposicao anterior no caso em que umponto em int(ρ(F )) nao possui ao menos uma das coordenadas racional.

Proposicao 15 ([MZ91]). Seja f um homeomorfismo de T2 e F : R2 → R2

um levantamento fixado. Se v ∈ int(ρ(F )) entao:

1. Existe um conjunto fechado X ⊆ T2, nao vazio, f -invariante tal queρp(F, y) = v para todo y ∈ π−1(X).

2. Existe uma medida ergodica µ, com respeito a f , que satisfaz∫T2

(F π−1 − π−1)dµ = v

Para finalizar essa secao comentamos mais um importante resultado.

Proposicao 16 ([LM91]). Se ρ(F ) tem interior nao vazio entao f tementropia topologica estritamente positiva.

A aplicacao f = Idmostra que esse teorema nao e verdadeiro se ρ(F ) teminterior vazio. E um problema interessante determinar condicoes adicionaissobre f para garantir que, quando ρ(F ) tem interior vazio, f tenha entropiatopologica positiva.

3.6 Conjuntos de rotacao sem interior

Como ja discutimos, e facil ver que o conjunto de rotacao de uma translacaoTv por vetor v ∈ R2 e o proprio vetor v. A acao Rv induzida por Tv em T2

e chamada, por analogia ao caso do cırculo, de uma rotacao no toro.

Temos entao um problema natural herdado do cırculo: Quando um ho-meomorfismo de T2, homotopico a identidade, e conjugado com uma rotacaopor vetor v?

Definicao 4. Dizemos que um homeomorfismo f , homotopico a identidade,e uma pseudo-rotacao se dado um levantamento F de f temos que ρ(F ) =v, onde v e um vetor de coordenadas irracionais.

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18 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

Consideramos apenas rotacoes por vetores de coordenadas irracionaispois, como vimos no caso do cırculo, e necessario que todos os pontos sejamperiodicos para que um homeomorfismo seja conjugado a rotacao racionalRv.

O problema apresentado nao e simples (ele contem no mınimo dificulda-des similares ao caso do cırculo, devido ao exemplo de Denjoy) e os resul-tados na direcao de resolve-lo sao recentes. Podemos citar, por exemplo, ostrabalhos de Tobias Jager que lidam com o caso em que v e um vetor de co-ordenadas totalmente irracionais (i.e., independentes sobre Q). Precisamosda seguinte definicao.

Definicao 5. Dizemos que uma pseudo-rotacao por vetor irracional Rρ temdesvio medio limitado se

D(n, z) := Fn(z)− z − nρ

se existe c > 0 tal que ‖D(n, z)‖ ≤ c para todo n ∈ Z e z ∈ Rm

Proposicao 17 ([Jag08]). Seja f e uma pseudo-rotacao por vetor ρ quepreserva area e homotopica a identidade. Suponha que f possui desvio mediolimitado. Entao vale que

1. ρ e totalmente irracional se e so se f e semi-conjugado a Rρ.

2. ρ e racional se, e so se, f possui um ponto periodico.

Jager mostrou posteriormente ([Jag09]) que esse teorema nao vale se fnao preserva area. Outro resultado interessante de Beguin, Crovisier, LeRoux e Patou, que melhorou um resultado anterior de Kwapisz no caso dedifeomorfismos.

Proposicao 18 ([BCRP04]). Seja f uma pseudo-rotacao com ρ(F ) = v.Entao Rv pertence ao fecho da classe de conjugacao de f .

Ao meu conhecimento, o estudo de homeomorfismos cujo conjunto derotacao e um segmento de reta e menos desenvolvido. Entre os resultadosconhecidos podemos citar o resultado de Jonker e Zhang ([JZ98]), que e umaversao do teorema de Le Calvez que citamos na secao anterior (sobre pontosde coordenadas racionais contidos em segmentos de inclinacao irracional)quando o conjunto de rotacao nao possui interior.

Ainda com respeito a existencia de pontos periodicos temos tambem umresultado de Franks que sera usado na prova de nosso teorema principal etem um contrastre interessante com o exemplo derivado do fluxo de Reeb.

Teorema (Franks, [Fra96]). Seja f : T2 → T2 um homeomorfismo que pre-serva area e e homotopico a identidade. Seja F : R2 → R2 um levantamentoe suponha que ρ(F ) e um segmento de reta. Se v ∈ ρ(F ) e um vetor com

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3.6. CONJUNTOS DE ROTACAO SEM INTERIOR 19

coordenadas racionais entao existe um ponto z ∈ R2 tal que π(z) ∈ T2 e umponto periodico de f com v = ρ(F, z). Alem disso, se v = (p/q, r/q), ondep, q e r sao relativamente primos entao o perıodo de π(z) e q.

Notamos tambem que esse resultado admite uma versao topologica (vide[KK08]).

O resultado que apresentamos nessa tese trata do caso em que o con-junto de rotacao e um segmento vertical, mas essa limitacao sera relaxadanos comentarios finais (nosso resultado possui uma relacao importante comum resultado recente de Pablo Davalos, do qual falaremos em breve). Noproximo capıtulo iniciamos a motivacao e explanacao do problema.

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20 CAPITULO 3. O CONJUNTO DE ROTACAO

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Capıtulo 4

A conjectura dodeslocamento uniforme

4.1 Notacao

Chamaremos, para i = 1, 2,

πi :R2 → R(x1, x2) 7→ xi

Essas duas projecoes nao devem ser confundidas com a projecao naturalπ : R2 → T2. Sempre que for conveniente preferimos a notacao sufixa(x)i := πi(x).

Denotamos por λ a medida de Lebesgue em T2.A funcao |.| denota o modulo de um numero real. Denotaremos por 〈., .〉

o produto interno usual do R2 e por ‖.‖ a norma associada. b.c denota afuncao chao (que associa a x ∈ R o maior inteiro menor que x).

Seja R um subconjunto dos numeros reais R. Dadas duas funcoes f, g :R → R diremos que f ∈ o(g(x)) se e somente se para todo M ∈ R+ existex0 ∈ R tal que

|f(x)| ≤M |g(x)| para todo x > x0

tambem diremos que f ∈ O(g(x)) se e somente se existe M ∈ R+ e x0 ∈ Rtais que

|f(x)| ≤M |g(x)| para todo x > x0

Note que o(g(x)) ⊆ O(g(x)).

4.2 Motivacao da conjectura

Como notamos anteriormente decorre de que f e homotopico a identidadeque F (x)− x = F (x+ (p, q))− (x+ (p, q)) para todo (p, q) ∈ Z2, de forma

21

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22CAPITULO 4. A CONJECTURA DO DESLOCAMENTO UNIFORME

que dado x ∈ T2 a funcao

(Fn π−1 − π−1) : T2 → R2

esta bem definida. Suponha agora que ρ(F ) = 0 × [a, b] com a ≤ b. Eevidente que, dado x ∈ T2, para todo y ∈ π−1(x),

(Fn(y)− y)1 ∈ o(n)

e em particular (Fn(y) − y)1 ∈ O(n), de forma que o crescimento destafuncao em termos de n e no maximo linear. A priori a hipotese sobre aforma do conjunto de rotacao permite que (Fn(y) − y)1 ∈ o(ln(n)), pois

limn→∞ln(n)n = 0, de forma que (Fn(y) − y)1 nao precisa tender a zero

e portanto nao precisa pertencer a o(1). No entanto, ainda podemos nosperguntar se e possıvel que (Fn(y)−y)1 ∈ O(1) (ou seja, se ha deslocamentosublinear).

Conjectura (do deslocamento uniforme). Seja f : T2 → T2 um homeomor-fismo homotopico a identidade e F : R2 → R2 um levantamento fixado deforma que ρ(F ) = 0 × [a, b] ⊆ R2, onde a < b.

Nessas condicoes existe M > 0 tal que |(Fn(x) − x)1| < M para todon ∈ Z, x ∈ R.

Podemos ainda motivar esta conjectura da seguinte maneira: Como vi-mos no capıtulo anterior, a geometria do conjunto ρ(F ) pode implicar naexistencia de pontos do plano que se movem assintoticamente em diferen-tes direcoes pela acao de F . Em particular vemos que quando ρ(F ) possuiinterior nao vazio e quando ρ(F ) e um segmento de rela nao vertical po-demos afirmar que existe x ∈ R2 tal que |(Fn(x) − x)1| e ilimitado quandon→∞. Sera verdade entao que quando ρ(F ) e um segmento de reta vertical(eventualmente degenerado) passando por (0, 0) temos que |(Fn(x)− x)1| euniformemente limitado?

Curiosamente, a conjectura do deslocamento uniforme e falsa no casoem que ρ(F ) = (0, 0). Isto foi provado recentemente por Koropecki e Tal(vide [KT12a]), portanto vemos que a hipotese de que a < b e indispensavel.Mesmo assim ainda nao sabemos se essa conjectura e valida, a nao ser sobreas hipoteses adicionais que incluiremos a seguir e devido no caso do seguinteresultado.

Proposicao 19 ([Dav11]). Seja f um homeomorfismo de T2 homotopico aidentidade e suponha que existe levantamente F : R2 → R2 tal que ρ(F ) =0×[a, b] com a < 0 < b. Entao ou todo ponto de coordenadas racionais emρ(F ) e realizado ou para todo x ∈ R2 existe M > 0 tal que |(Fn(x)− x)1| <M para todo n ∈ N.

Note em particular que se F preserva area o teorema de Franks garanteque todo ponto de coordenadas racionais em ρ(F ) e realizado, logo o resul-tado acima nao contempla a conjectura quando a area e preservada.

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4.3. NOSSO RESULTADO 23

4.3 Nosso resultado

O que faremos a seguir e demonstrar a seguinte versao parcial da conjecturado deslocamento uniforme.

Teorema. Seja f : T2 → T2 um homeomorfismo homotopico a identidade eF : R2 → R2 um levantamento fixado de forma que ρ(F ) = 0× [a, b] ⊆ R2,onde a < b.

Suponhamos que f e ergodica com respeito a medida de Lebesgue λ. Su-ponhamos tambem que o vetor de rotacao medio com respeito a esta medida

ρλ(F ) :=

∫x∈T2

(F π−1(x)− π−1(x))dλ = (0, α)

para algum α irracional. Entao existe M > 0 tal que |(Fn(x) − x)1| < Mpara todo n ∈ Z, x ∈ R.

Note que, como f e homotopico a identidade, e suficiente mostrar odesejado para x ∈ [0, 1]. Dado m ∈ Z a funcao Fm−Id e contınua, portanto(Fm − Id)[0, 1] e limitado. Como para m ≥ 0 temos que ρ(Fm) = mρ(F ) esupomos que ρ(F ) e um segmento de reta nao-degenerado podemos assumir,fazendo se necessario uma troca de levantamento, que (0, 0), (0, 1), (0,−1) ∈ρ(F ).

O teorema pode ser generalizado para alguns outros conjuntos de rotacaoque sao segmentos de reta nao degenerados. Isso pode ser feito de maneirasimples que portanto deixamos para tratar ao final do texto. Tambem discu-tiremos posteriormente esse resultado dentro de uma teoria mais geral, quebusca entender alguns homeomorfismos homotopicos a identidade do 2-torocomo aplicacoes do anel e por sua vez aplicar os resultados disponıveis nessecontexto.

A conjectura do deslocamento uniforme tambem pode ser estudada nocaso em que f e homotopica a um Dehn Twist. Ela foi provada por Addas-Zanata, Garcia e Tal ([GTAZ11]), mas nesse caso a teoria difere do quediscutimos no capıtulo anterior e por isso nao a discutiremos aqui.

A ferramenta que usaremos em nosso caso e estudar os conjuntos ω(B0)e ω(Bπ) que serao descritos no capıtulo seis. Estes conjuntos, que estaosendo estudados por Addas-Zanata e Tal ha alguns anos, inicialmente emconexao com a conjectura de Boyland, descrevem alguns conjuntos contınuos(isto e, conexos e completos) na compactificacao do plano por um pontocom boas propriedades dinamicas. A presenca destas estruturas permiteobtermos muita informacao sobre a dinamica discreta determinada por f epode ser informalmente comparada a resultados da teoria de Brouwer quedescrevemos no proximo capıtulo.

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24CAPITULO 4. A CONJECTURA DO DESLOCAMENTO UNIFORME

4.4 O papel da ergodicidade

A hipotese de ergodicidade com respeito a medida de Lebsegue em associacaocom as outras hipoteses do teorema que queremos provar implica, entreoutras coisas, que para λ-quase todo ponto p ∈ T2 existe uma sequencia

njj→∞−−−→∞ tal que

(Fnj (y)− y)1j→∞−−−→ 0

para todo y ∈ π−1(p). Para provar essa afirmacao usaremos o lema abaixoque e uma consequencia do teorema de Atkinson (vide [Atk76]).

Lema 3 (Atkinson). Seja M uma variedade compacta e f : M → Mcontınua. Seja µ uma medida boreliana, de probabilidade, ergodica. Sejag : M → R contınua e satisfazendo∫

Mgdµ = 0

para µ-qtp existe sequencia nkk→∞−−−→∞ tal que

fnk(x)k→∞−−−→ x

enk−1∑i=n0

g(f i(x))k→∞−−−→ 0

Definindo g := (Fπ−1−π−1)1 e pondo µ = λ sabemos que λ(π(Bε(x))) >0 para todo ε > 0 e x ∈ R2. Como λ e ergodica o teorema de Birkhoff garanteque, para λ-quase todo p ∈ π(Bε(x)), temos

1

n

n−1∑i=n0

g(f i(p))k→∞−−−→

∫T2

gdλ

Entao se assumirmos que ρ(F ) esta contido em 0 × R e como para todop ∈ T2 e y ∈ π−1(p) temos que

j∑i=0

g(f i(p)) =

j∑i=0

(F i+1(y)− F i(y))1 = (F j+1(y)− y)1

concluımos que∫T2(F π−1 − π−1)1dλ = 0. Podemos aplicar entao o lema

de Atkinson para obter uma sequencia njj→∞−−−→ −∞ e p ∈ π(Bε(x)) tal

que para λ-quase todo y ∈ π−1(p) temos que fnj (p)j→∞−−−→ p e (Fnj+1(y)−

y)1j→∞−−−→ 0 como desejado.

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4.4. O PAPEL DA ERGODICIDADE 25

Os homeomorfismos ergodicos, por sua vez, sao um Gδ (i.e., interseccaoenumeravel de abertos) denso na topologia da convergencia uniforme den-tre os homeomorfismos do toro que preservam a medida de Lebesgue notoro (esse resultado e conhecido como teorema de Oxtoby-Ulam; uma boareferencia para o assunto e [AP00]).

A hipotese de que o vetor de rotacao medio possui segunda coordenadairracional e um pouco mais tecnica e sera usada em momentos distintos daprova do teorema. Basicamente ela garante que a dinamica e suficiente-mente complicada, a princıpio alem do que e garantido pela ergodicidade eo teorema de Franks.

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26CAPITULO 4. A CONJECTURA DO DESLOCAMENTO UNIFORME

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Capıtulo 5

Os conjuntos B0, Bπ eω(B0), ω(Bπ)

5.1 Definicoes; B0, Bπ 6= ∅

Fixemos a notacao e0 = (1, 0) e eπ = (−1, 0). Definimos

V +0 := x ∈ R2|〈x, e0〉 ≥ 0 = x ∈ R2|(x)1 ≥ 0

e

V +π := x ∈ R2|〈x, eπ〉 ≥ 0 = x ∈ R2|(x)1 ≤ 0

Considere R2 ∪ ∞ ∼ S2 a compactificacao por um ponto de R2 e Fo homeomorfismo induzido por F em S2 que fixa o infinito. Os conjuntos

V +0 := V +

0 ∪ ∞ e V +π := V +

π ∪ ∞ correspondem a V +0 e V +

π , respectiva-mente, em S2.

Seja B0 a componente conexa de⋂n≤0

Fn(V +0 )

que contem o infinito. Seja tambem Bπ como a componente conexa de⋂n≤0

Fn(V +π )

que contem o infinito.

Podemos definir entao os conjuntos B0 e Bπ em R2 que correspondem,respectivamente, aos conjuntos B0 e Bπ de S2. Vamos mostrar que estesconjuntos nao sao vazios, sob as hipoteses de nosso teorema, com o lema quee consequencia dos resultados a seguir.

27

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28 CAPITULO 5. OS CONJUNTOS B0, Bπ E ω(B0), ω(Bπ)

Proposicao 20. Seja f : T2 → T2 um homeomorfismo homotopico a identi-dade e seja F um levantamento fixado com ρ(F ) = 0× [a, b]. Suponha quef e ergodico com respeito a medida de Lebesgue no toro. Se existe M ∈ R,n(M) ∈ Z e x ∈ R2 tal que (Fn(M)(x) − x)1 > M entao existe z ∈ R2 em(M) ∈ Z tal que (Fm(M)(z)− z)1 < −M + 1.

Demonstracao. Seja M > 0, n(M) ∈ Z e xM ∈ R2 tais que (Fn(M)(xM )−xM )1 > M . Por continuidade dado ε > 0 existe δM > 0 tal que para todoy ∈ BδM (xM ) temos

(5.1) M − ε < (Fn(M)(y)− y)1 < M + ε

Aplique o lema de Atkinson, como fizemos na secao anterior, para g :=(F π−1− π−1)1. Podemos fazer isso pois λ(π(BδM (xM ))) > 0 e como paratodo p ∈ T2 e y ∈ π−1(p) temos que

j∑i=0

g(f i(p)) =

j∑i=0

(F i+1(y)− F i(y))1 = (F j+1(y)− y)1

temos, como ja vimos, pelo teorema de Birkhoff que∫T2(F π−1−π−1)1dλ =

0. Obtemos assim uma sequencia njj→∞−−−→ ∞ e p ∈ π(Bε(x)) tal que para

todo y ∈ π−1(p) temos que fnj (p)j→∞−−−→ p e

(5.2) (Fnj+1(y)− y)1j→∞−−−→ 0

Temos tambem que

(Fnj+1(y)− Fn(M)(y))1 = (Fnj+1(y)− y)1 + (y − Fn(M)(y))1

logo por (5.1) e (5.2) temos que (Fnj (y) − Fn(M)(y))1j→∞−−−→ −M . Se defi-

nirmos z := Fn(M)(y) entao

(Fnj+1(y)− Fn(M)(y))1 = (Fnj+1−n(M)(z)− z)1

de forma que

(Fnj+1−n(M)(z)− z)1j→∞−−−→ −M

como desejamos. A demonstracao para M < 0 e analoga.

Proposicao 21. Seja f : T2 → T2 um homeomorfismo homotopico a iden-tidade e F um levantamento fixado de f com ρ(F ) = 0 × [a, b]. Suponhaque f e ergodico com respeito a medida de Lebesgue no toro. Se F possuium ponto fixo entao B0 e Bπ nao sao vazios.

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5.1. DEFINICOES; B0, Bπ 6= ∅ 29

Demonstracao. Seja y ∈ R2 um ponto fixo. Como F (x+ (i, j)) = F (x) +(i, j) podemos assumir que 0 ≤ (y)1 ≤ 1. Seja L := x ∈ R2 | (x)1 = (y)1,i.e., L e a reta vertical passando por todos os pontos (fixos) da forma y+(0, i)para i ∈ Z. Usando a proposicao anterior podemos mostrar que B0 6= ∅dividindo em dois casos:

1. Suponha que existe M > 0 inteiro tal que para todo x ∈ R2 e m ∈ Ztemos que |(Fm(x)− x)1| ≤ M . Em particular temos que |(Fm(L)−y)1| ≤M . Observe que L divide R2 em duas componentes conexas

(V +π + ((y)1, 0)) \ L e (V +

0 + ((y)1, 0)) \ L

Como Fm(L) e ilimitada na vertical para todo m ≤ 0, podemos de-finir uma orientacao “para cima”e dizer quando um conjunto esta aesquerda ou a direita de Fm(L). Note que tambem temos pontos fi-xos em (V +

0 + ((y)1, 0)) \L. Como F−1 e contınua preserva o numerode componentes conexas, portanto estes pontos fixos garantem que aimagem da componente conexa que esta a direita de L tambem esta adireita de F−1(L).

Como |(Fm(L)− y)1| ≤M temos para todo n ∈ Z

Fn(L+ (M, 0)) ⊆ V +0

Observe tambem que V +0 + ((y)1 +M, 0) esta a direita de L+ (M, 0),

de forma que Fn(V0 + (M + (y)1, 0)) esta a direita de Fn(L+ (M, 0))e portanto, para todo n ∈ Z, temos que

V +0 + (M + (y)1, 0) ⊆ Fm(V +

0 )

logo o conjunto ilimitado V +0 + (M + (y)1, 0) esta em B0.

2. Pela proposicao anterior podemos supor que para todo M > 0 existexM ∈ R2 e n(M) ∈ Z tal que (Fn(M)(xM ) − xM )1 > M . Note que,como Fn(M) − Id e invariante pela acao de Z2 podemos tomar xM aesquerda de L com Fn(M)(xM ) a direita de L.

Em particular dado M > 0 existe n(M) ∈ Z o primeiro inteiro talque Fm(L) ∩ (V +

0 + (M, 0)) 6= ∅. Seja Mk uma sequencia ilimitada deinteiros e γk uma curva conexa ilimitada para a direita e que comecaem Fm(Mk)(L) ∩ (V +

0 + (Mk, 0)).

Temos entao que δk := F−m(Mk)(γk) esta a direita de L. Como F ehomotopica a identidade posso assumir, s.p.g., que o ponto inicial decada curva δk esta em [(y)1, (y)1 + 1] × [0, 1]. Tambem podemos verque F i(δk) ⊆ V +

0 para n(Mk) ≤ i ≤ 0 utilizando que os pontos fixosgarantem que a imagem da componente conexa que esta a direira deL tambem esta a direita de F (L).

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30 CAPITULO 5. OS CONJUNTOS B0, Bπ E ω(B0), ω(Bπ)

Olhe entao para as curvas δk ∈ S2 que correspondem as curvas δk ∈ R2.As curvas δk ∈ S2 formam uma sequencia de conjuntos compactosconexos que portanto possui (na topologia de Hausdorff) uma sub-sequencia convergindo para um conjunto fechado conexo Γ, que esta adireita de L pois δk → Γ e F (δk) esta a direita de L. Note que Γ 6= ∞pois a sequencia dos pontos iniciais das curvas δk converge para umponto de [(y)1, (y)1+1]×[0, 1]) Desta forma o conjunto correspondenteΓ ⊂ R2 mostra que B0 6= ∅.

A prova de que Bπ 6= ∅ pode ser obtida analogamente.

No teorema acima podemos argumentar por um raciocınio semelhantesem as hipoteses ρ(F ) = 0 × [a, b] e de ergodicidade para obter que aomenos um dos conjuntos B0, Bπ e nao-vazio (pois ou as imagens de L saouniformemente limitadas em modulo - caso 1 - ou sao ilimitadas em ao menosum dos dois lados - caso 2).

Lema 4. Seja F um levantamento fixado de um homeomorfismo homotopicoa identidade que e ergodico com repeito a medida de Lebsegue. Se ρ(F ) =0 × [a, b] ⊆ R2, onde a ≤ 0 ≤ b entao B0 e Bπ nao sao vazios.

Demonstracao. Se a < b, como (0, 0) ∈ ρ(F ), pelo teorema de Franksexiste x ∈ T2 tal que

F (y)− y = (0, 0)

para todo y ∈ π−1(x). Para o caso a = b = 0 temos que (0, 0) e um pontoextremal e a existencia do ponto fixo pode ser vista como consequencia deoutro resultado de Franks que ja citamos (proposicao 8, pagina 12). Bastaaplicar entao a proposicao anterior.

Em tempo, conhecemos outras condicoes sobre as quais B0 e Bπ sao naovazios. Veja por exemplo [GTAZ11] e [Tal12].

Precisaremos tambem das seguintes caracterizacoes dos conjuntos B0 eBπ:

Lema 5. B0 e a uniao de todas os conjuntos conexos fechados, ilimitadosC de R2 que satisfazem

(Fn(x))1 ≥ 0 ∀n ∈ N+

para todo x ∈ C. Analogamente, Bπ e a uniao de todos os conjuntos conexosfechados, ilimitados D de R2 que satisfazem

(Fn(x))1 ≤ 0 ∀n ∈ N+

para todo x ∈ D.

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5.1. DEFINICOES; B0, Bπ 6= ∅ 31

Demonstracao. Provaremos apenas a primeira afirmacao, pois a segundae analoga. Por definicao B0 e conexo e fechado. Claramente B0 nao precisaser conexo, pois retiramos o ponto no infinito, mas cada uma de suas com-ponentes conexas precisa ser conexa e fechada, alem de ilimitada. Como B0

e a uniao de suas componentes conexas, basta ver que a orbita futura deseus pontos permanece em V +

0 para sempre. Mas isso e consequencia direta

da forma que definimos F e V +0 .

Observe tambem que, como V +0 , V +

π sao fechados e F e homeomorfismo,

B0, Bπ sao fechados. Assim, B0, Bπ sao fechados (o que nao segue do lemaanterior).

Definimos entao o ω-limite de B0, que sera denotado por

ω(B0) :=

∞⋂i=1

∞⋃j=i

F j(B0) =

∞⋂i=1

F i(B0)

(pois F e homeomorfismo, B0 e fechado e F i+1(B0) ⊆ F i(B0) para i ≥ 0 1).Analogamente

ω(Bπ) :=∞⋂i=1

F i(Bπ)

Argumentando como no lema anterior podemos ver que ω(B0) e ω(Bπ) saofechados e todas suas componentes conexas sao ilimitadas. Veja tambemque ω(B0) ⊆ B0 (pois F (B0) ⊆ B0) e que ω(Bπ) ⊆ Bπ.

E facil ver que F (ω(B0)) = ω(B0). Usando que F e um homeomorfismoF−1(ω(B0)) = ω(B0). Vemos por inducao que F i(ω(B0)) = ω(B0) para todoi ∈ Z. Nesse caso diremos que ω(B0) e ω(Bπ) sao totalmente invariantes.

Tambem precisaremos mais a frente do seguinte resultado:

Proposicao 22. Os conjuntos BC0 , B

Cπ , ω(B0)C e ω(Bπ)C possuem, cada

um, uma unica componente conexa.

Demonstracao. Vamos provar que BC0 possui uma unica componente co-

nexa. O restante da proposicao pode ser provado de forma analoga.E claro que B0 ⊆ V +

0 , de forma que podemos considerar Ω a componenteconexa de BC

0 que contem R2 \ V +0 . Como B0 e F -invariante temos que

F (BC0 ) ⊇ BC

0 , de forma que toda componente conexa de F (BC0 ) contem

uma componente conexa de BC0 (lembre que um homeomorfismo preserva

o numero de componentes conexas). Alem disso F (Ω) ∩ Ω 6= ∅ e vale queΩ ⊆ F (Ω). Em particular, ΩC e F -invariante.

Seja z ∈ ΩC e Γ a componente conexa de ΩC que contem z. Como ΩC

e invariante temos que F i(Γ) ∩ Ω = ∅ para todo i ∈ N. Como (V +0 )C ⊆ Ω

1Isto nao foi provado, mas e trivial. Basta supor que F (B0) * B0 e ver o que acontececom o respectivo conjunto em S2.

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32 CAPITULO 5. OS CONJUNTOS B0, Bπ E ω(B0), ω(Bπ)

temos que Γ e um conjunto fechado, conexo cuja orbita futura nao sai deV +

0 .

Alem disso, como ∂(ΩC) ⊆ B0, temos que Γ∩B0 6= ∅. Seja z ∈ Γ∩B0 eΘ a componente conexa de B0 que contem z. Sabemos que Θ e ilimitado ecomo Θ ∩ Γ 6= ∅ entao Θ ⊆ Γ. Portanto Γ e ilimitado, fechado e sua orbitafutura nao sai de V +

0 . Concluımos que Γ ⊆ B0; isso mostra que ΩC = B0, etem portanto uma unica componente conexa.

5.2 ω(B0), ω(Bπ) 6= ∅

Veremos nessa secao que, sob nossas hipoteses, podemos assumir que ω(B0)e ω(Bπ) sao ambos nao vazios.

Proposicao 23. Se (p, q) ∈ Z2 com p ≥ 0 entao B0 + (p, q) ⊆ B0. Alemdisso, B0 + (0, q) = B0.

Demonstracao. Seja Γ uma componente conexa de B0. Claramente Γ +(p, q) e conexo, fechado, ilimitado e tal que (F i(y))1 ≥ 0 para todo y ∈Γ + (p, q) (pois (F i(y))1 ≥ p ≥ 0).

Assim, se x ∈ Γ ⊆ B0 entao (x + (p, q)) ∈ (Γ + (p, q)) ⊆ B0. Por fim,note que se p = 0 entao segue a igualdade do lema 5.

Podemos facilmente ver que vale um resultado analogo para Bπ quandop ≤ 0. Em tempo, a proposicao seguinte e semelhante e sera usada mais afrente.

Proposicao 24. Se (p, q) ∈ Z2 com p ≥ 0 entao ω(B0)+(p, q) ⊆ ω(B0). Se(p, q) ∈ Z2 com p ≤ 0 entao ω(Bπ) + (p, q) ⊆ ω(Bπ). Alem disso, se p = 0entao vale a igualdade em ambos os casos.

Demonstracao. Como ω(B0) =⋂∞i=1 F

i(B0) temos

ω(B0) + (p, q) =

( ∞⋂i=1

F i(B0)

)+ (p, q) =

∞⋂i=1

F i(B0 + (p, q))

Usando que F e homeomorfismo temos da proposicao anterior que ω(B0) +(p, q) ⊆ ω(B0) e que vale a igualdade caso p = 0. O restante do pedido eobtido analogamente.

Lema 6. Se ω(B0) = ∅ entao existe r ∈ R+∗ tal que

lim infn→∞

(Fn(x))1

n≥ r

para todo x ∈ B0.

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5.3. ESTRATEGIA DA PROVA 33

Demonstracao. Afirmo que existe n ∈ N+ tal que F i(B0) ⊆ V +0 + (1, 0)

para todo i > n. De fato, caso contrario existe uma sequencia ij → ∞ talque, para todo j, existe um ponto xj ∈ V +

0 tal que F ij (xj) ∈ V +0 \ (V +

0 +(1, 0)) e portanto 0 ≤ (F ij (xj))1 < 1.

Os inteiros qj = b(F ij (xj))2c sao tais que F ij (xj) − (0, qj) ∈ [0, 1]2.Como xj ∈ V +

0 ⊆ B0 e B0 − (0, qj) = B0 temos que xj − (0, qj) ∈ B0. Maspor compacidade o conjunto F ij (xj− (0, qj))j∈N possui uma subsequenciaconvergindo para um ponto w ∈ ω(B0) : contradicao, pois ω(B0) = ∅.

Afirmo agora que Fn(B0) ⊆ B0 + (1, 0). Seja x ∈ B0. Pela afirmacaoanterior, F i(x) ∈ V +

0 + (1, 0), ou ainda, F i(x) − (1, 0) ∈ V +0 para i > n e

desta forma F i(x)− (1, 0) ∈ B0 o que prova a afirmacao. Veja por inducaoque, para todo k ∈ N+ temos que

Fnk(B0) ⊆ B0 + (k, 0) ⊆ V +0 + (k, 0)

de forma que para todo x ∈ B0

lim infn→∞

(Fn(x))1

n≥ k

nk=

1

n

Corolario. Se ω(B0) = ∅ entao existe v ∈ ρ(F ) com (v)1 > 0.

Demonstracao. Pelo lema anterior e pela proposicao 21 existe x ∈ R2,r ∈ R e N ∈ N suficientemente grande tal que (Fn(x))1

n ≥ r > 0 para todon > N . Desta forma

(ρn(F, x))1 =(Fn(x)− x)1

n≥ r − (x)1

n

n→∞−−−→ r > 0

Seja xii ∈ N uma sequencia em B0 contem infinitos pontos podemosconsiderar

ρ(F ) e compacto podemos extrair uma subsequencia deFn(x)−x

n

n>N

que converge para algum v ∈ ρ(F ) com (v)1 > 0.

De forma analoga podemos ver que

Corolario. Se ω(Bπ) = ∅ entao existe v ∈ ρ(F ) com (v)1 < 0.

Concluımos que, para um homeomorfismo com conjunto de rotacao quecoincide com um segmento de reta vertical, e suficiente estudar o caso emque ω(B0) e ω(Bπ) sao ambos nao vazios.

5.3 Estrategia da prova

A partir do proximo capıtulo assumiremos que o teorema que desejamos pro-var nao vale. Vamos entao dividir a prova do teorema nos casos π(ω(B0))∩

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34 CAPITULO 5. OS CONJUNTOS B0, Bπ E ω(B0), ω(Bπ)

π(ω(Bπ)) = ∅ ou π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) 6= ∅ e mostrar que ambos nao podemacontecer: esse absurdo produz a prova do teorema.

Falemos brevemente desses dois estagios da prova. Supomos primeira-mente que π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) 6= ∅ e olhamos para o conjunto aberto A :=(ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q)))C . Se (p, q) e tal que ω(B0) ∩ (ω(Bπ) + (p, q) 6= ∅podemos mostrar que A possui infinitas componentes conexas distintas.

O lema de Atkinson e usado entao para observar que uma componenteconexa O de A precisa eventualmente interceptar (e portanto coincidir) coma componente conexa O+ (0, i) (que provaremos ser distinta de O se i 6= 0).Isso leva eventualmente a conclusao que um conjunto aberto possui vetorde deslocamento medio com segunda coordenada racional, o que contradizuma de nossas hipoteses e prova que o caso π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) 6= ∅ naopode ocorrer.

-

6

ω(B0)ω(Bπ) + (p, q)O

Fn

O + (0, k)

Figura 5.1: O conjunto A := (ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q)))C deveria possuirinfinitas componentes conexas que sobem com velocidade media racional,uma contradicao.

Assumiremos entao que π(ω(B0))∩ π(ω(Bπ)) = ∅ e mostramos que, sobnossas hipoteses, esses conjuntos sao densos em T2. Iremos entao escolherum ponto nao-fixo x ∈ ω(B0) e transportar uma componente conexa Θ deω(Bπ) de forma que a distancia entre ela e a componente conexa Γ que passapor x seja suficientemente pequena.

Ligamos essas duas componentes conexas por uma reta v: Mostramosentao que o conjunto Γ∪v∪Θ divide o plano em duas componentes conexasque chamaremos Ω1 e Ω2.

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5.3. ESTRATEGIA DA PROVA 35

-

6

ω(B0)

Γ

ω(Bπ) + (p, q)

Θ xvΩ1

Ω2

Figura 5.2: Escolhemos (p, q) ∈ Z2 tais que uma componente conexa Θ fiquesuficientemente proxima da componente conexa Γ que passa por x ∈ ω(B0).Ligamos essas componentes por um segmento v.

A escolha de x ∈ ω(B0) e v como acima garantira que ou F k(Ω1) ⊆ Ω1

ou F k(Ω2) ⊆ Ω2 para todo k ∈ N. Mas isto nao pode acontecer, pois oteorema de Franks da, sob nossas hipoteses, pontos periodicos que no planosempre sobem ou sempre descem e podemos provar que esses pontos estaotanto em Ω1 quanto em Ω2. Isso e novamente uma contradicao que leva aconclusao desejada.

-

6Ω1

F (Ω1) sz (Franks)

R sF k(z)Figura 5.3: Caso em que F (Ω1) ⊆ Ω1. No entanto o teorema de Franksfornece um ponto de Ω1 que deve “descer”para Ω2, uma contradicao.

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36 CAPITULO 5. OS CONJUNTOS B0, Bπ E ω(B0), ω(Bπ)

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Capıtulo 6

Prova do teorema

6.1 Consequencias da negacao do teorema

A prova do teorema sera por contradicao, de forma que por todo este capıtuloestaremos admitindo que o teorema nao vale, a menos de quando notadodiferente. Isso permite que simplifiquemos significativamente as hipotesesdos resultados a seguir.

Definimos o conjunto

A := (ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q)))C

O conjunto A depende a priori de p e q mas, como nao vale o teorema1, podemos mostrar que A nunca e vazio.

Proposicao 25. Seja M ∈ R+. Existe x ∈ R2 e n(x) ∈ Z tais que

(x)1 < −M e (Fn(x)(x))1 ≥M

Em particular, A 6= ∅ para todo (p, q) ∈ Z2.

Demonstracao. Como estamos supondo que nao vale o teorema sabemosque existe n(x) tal que |(Fn(x)(x) − x)1| ≥ 2M + 1. Vamos supor que(Fn(x)(x)− x)1 > 0, de forma que |(Fn(x)(x)− x)1| = (Fn(x)(x)− x)1.

Por definicao 0 ≤ (x)1−b(x)1c < 1. O ponto x0 := x−(b(x)1c+M+1, 0)satisfaz

−M − 1 ≤ (x0)1 < −M

Como (x0)1 < −M entao x0 /∈ V +0 e claramente x0 /∈ ω(B0) .

Mas, como (b(x)1c+M + 1, 0) ∈ Z2, obtemos que

(Fn(x)(x0)− x0)1 = (Fn(x)(x)− x)1 ≥ 2M + 1

o que por sua vez implica que

(Fn(x)(x0))1 ≥ 2M + 1 + (x0)1 ≥ 2M + 1−M − 1 = M

37

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38 CAPITULO 6. PROVA DO TEOREMA

Portanto x0 tambem nao esta em (ω(Bπ) + (M − 1, q)) ja que uma desuas iteradas tem primeira coordenada maior ou igual que M . Tomando emparticular M = p+ 1 concluımos que x ∈ A.

Precisamos considerar o caso (Fn(x)(x)− x)1 < 0. Nesse caso faca y :=Fn(x)(x) e observe que F−n(x)(y) := x, de forma que (y − F−n(x)(y))1 < 0ou seja (F−n(x)(y) − y)1 > 0. Recaımos portanto no caso anterior, o quecompleta a prova.

Proposicao 26. Todas as componentes conexas de ω(B0) e ω(Bπ) sao ili-mitadas na horizontal.

Demonstracao. Vamos mostrar que todas as componentes conexas deω(B0) e ω(Bπ) nao podem ser ilimitadas somente na vertical. Em parti-cular, como ja sabemos que estas sao ilimitadas, concluiremos que todas ascomponentes conexas de ω(B0) e ω(Bπ) sao ilimitadas na horizontal.

Suponha que alguma componente conexa C de ω(B0) e ilimitada navertical mas com comprimento horizontal finito. Entao, para i ∈ Z, C +(0, i) tambem e uma componente conexa de ω(B0) ilimitada na vertical maslimitada na horizontal.

Claramente ∪+∞i=−∞(C+(0, i)) separa os conjuntos R := x ∈ R2 | (x)1 ≥

M e L := x ∈ R2 | (x)1 ≤ −M para M ≥ supx∈C |(x)1|. Sabemos queω(B0)C possui uma unica componente conexa, de forma que ou L ou R estacompletamente contido ω(B0)C .

Suponha que L esta completamente contido em ω(B0)C . Pela proposicaoanterior algum ponto de ω(B0)C tem uma de suas iteradas com primeiracoordenada maior ou igual que M + 1 e portanto pertence a R. Mas isso euma contradicao, pois ω(B0)C e totalmente invariante e L ∩R = ∅ 1.

O caso em que R esta completamente contido em ω(B0)C e analogo,fazendo como antes: tome y := Fn(x)(x) e observe que (y)1 ≥ M e que(F−n(x)(y))1 = (x)1 ≤ −M . Isso tambem leva a uma contradicao, poisvimos que ω(B0)C e totalmente invariante e L ∩R = ∅.

A prova para as componentes conexas de ω(Bπ) segue analogamente.

6.2 O caso π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) 6= ∅ nao pode ocorrer

Nessa secao mostraremos que, se nao vale o teorema, entao π(ω(B0)) ∩π(ω(Bπ)) = ∅.

Se π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) 6= ∅ entao existem x ∈ R2 e (p1, q1), (p2, q2) ∈Z2 tais que (

ω(B0) + (p1, q1))∩(ω(Bπ) + (p2, q2)

)6= ∅

Para simplificar a notacao faca (p, q) = (p2− p1, q2− q1), logo existe x ∈ R2

tal quex ∈ ω(B0) ∩

(ω(Bπ) + (p, q)

)1Pois sabemos que ω(B0) e totalmente invariante

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6.2. O CASO π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) 6= ∅ NAO PODE OCORRER 39

Precisaremos das seguintes proposicoes

Proposicao 27. Se O e uma componente conexa de

A = (ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q)))C

entao O + (0, i) e uma componente conexa de A para todo i ∈ Z.

Demonstracao. Pela proposicao 24 temos que AC + (0, i) = AC para todoi ∈ Z. Isso implica que A + (0, i) = A para todo i ∈ Z, o que prova odesejado pois A e a uniao de suas componentes conexas.

Proposicao 28. Seja O uma componente conexa de A e seja x ∈ O. Entao(x+ (0, i)) /∈ O para todo i ∈ Z∗. Em particular, O e O + (0, i) sao compo-nentes conexas distintas de A para todo i ∈ Z∗.

Demonstracao. Defina para i ∈ Z

y(i) := x+ i(0, 1)

Observe que y(i) ∈ A para todo i ∈ Z. Vamos mostrar que todos os pontosy(i) estao em diferentes componentes conexas de A.

Suponha que nao. Em particular, existem i1 < i2 tais que y(i1) e y(i2)estao na mesma componente conexa de A. Seja α uma curva limitada nahorizontal que liga y(i1) e y(i2) e nao intercepta AC . As curvas α + (0, i)tambem nao interceptam AC , para i ∈ Z.

Temos entao que a curva β := ∪k∈Z(α+k(0, i2− i1)) e conexa, ilimitadana vertical, limitada na horizontal e nao intercepta AC . Note que β separaos conjuntos R := x ∈ R2 | (x)1 > M e L := x ∈ R2 | (x)1 < −M paraalgum M > 0.

Pela proposicao 26, as componentes conexas de ω(B0) e ω(Bπ) sao ilimi-tadas na horizontal. Seja z ∈ ω(B0)∩(ω(Bπ)+(p, q)), seja Γ1 a componenteconexa de ω(B0) e Γ2 a componente conexa de ω(Bπ) + (p, q) que o contem.Como ω(B0) ⊆ V +

0 , ω(Bπ) ⊆ V +π concluımos que Γ := Γ1 ∪ Γ2 e conexa,

ilimitada nas duas direcoes horizontais e Γ ∩ A = ∅. Contradicao, poisΓ ∩ β 6= ∅.

Lembre que, como λ e ergodica, temos para λ-qtp x ∈ T2 que

limn→∞

Fn π−1(x)− π−1(x)

n=

∫x∈T2

(Fn π−1(x)− π−1(x))dλ = (0, α)

ou seja, para quase todo ponto (com respeito a medida de Lebesgue λ emT2) o vetor de rotacao pontual existe e e da forma (0, α) para algum αirracional. Com essa observacao e as duas proposicoes anteriores podemosmostrar que

Proposicao 29. Se nao vale o teorema entao π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅.

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40 CAPITULO 6. PROVA DO TEOREMA

Demonstracao. Vamos supor por absurdo que ω(B0)∩(ω(Bπ)+(p, q)

)6= ∅

para algum (p, q) ∈ Z2. Pela proposicao 25 temos que existe x ∈ A.Como A e aberto se O e a componente conexa de A que contem x entao

existe ε > 0 tal que Bε(x) ⊆ O. Observe que, para todo ε > 0 temosλ(π(Bε(x))) > 0. Como fizemos na proposicao 20 seja g := (F π−1−π−1)1.

Entao, pelo lema de Atkinson, existe sequencia njj→∞−−−→ ∞ e p ∈ π(Bε(x))

tal que para λ-quase todo y ∈ π−1(p) temos que fnj (p)j→∞−−−→ p e

(Fnj (y)− y)1j→∞−−−→ 0

Podemos assumir que existe ρp(F, y), pois o vetor de rotacao existe paraquase todo ponto. Note tambem que para algum kj ∈ Z temos Fnj (y) ∈(Bε(x) + (0, kj)). Mas Fnj e contınua e A e F -invariante, logo F levacomponente conexa de A em componente conexa de A. Pela proposicaoanterior

Fnj (O) = O + (0, kj)

Por inducao vemos facilmente para todo s ∈ N que

(6.1) F snj (O) = O + s(0, kj)

Podemos assumir tambem que existem j1, j2 ∈ N tais quekj1nj16= kj2

nj2.

Para ver isso, suponha quekj1nj1

=kjmnjm

para todo m ∈ N. Temos que

kjm − ε ≤ (Fnjm (y)− y)2 ≤ kjm + ε

dividindo por njm podemos tomar o limite quando m→∞ para ver (comoexiste ρp(F, y)) que

α = limm→∞

kjmnjm

=kj1nj1

um absurdo, pois α e irracional.Usando (6.1) para nj2 e nj1 temos que

O + nj1(0, kj2) = Fnj1nj2 (O) = Fnj2

nj1 (O) = O + nj2(0, kj1)

Mas isso e um absurdo pois pelo lema anterior, comokj1nj16= kj2

nj2, temos

que O + nj1(0, kj2) 6= O + nj2(0, kj1).

6.3 A distancia entre π(ω(B0)) e π(ω(Bπ))

Ja provamos que se nao vale o teorema entao π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅.Vamos provar agora que se π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ entao, sob nossashipoteses, a distancia entre π(ω(B0)) e π(ω(Bπ)) e zero. Na verdade, pro-varemos ainda mais:

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6.3. A DISTANCIA ENTRE π(ω(B0)) E π(ω(Bπ)) 41

Proposicao 30. Vale que π(ω(B0)) = T2 = π(ω(Bπ)).

Comecamos a prova deste resultado com uma proposicao.

Proposicao 31. Para todo ponto z ∈ T2 e para todo ε > 0, existe umacurva γ ⊂ R2 ilimitada na vertical, limitada na horizontal e tal que paratodo y ∈ γ existe n(y) ≤ 0 tal que π(Fn(y)(y)) ∈ Bε(z).Demonstracao. Como fizemos na demonstracao do resultado anterior, po-demos usar o lema de Atkinson para encontrar, para cada x ∈ R2, umy ∈ Bε(x), nj ∈ N∗ e kj ∈ Z para os quais Fnj (y) ∈ Bε(x)+(0, kj). Tambem

como antes podemos assumir que existem j1, j2 ∈ N tais quekj1nj16= kj2

nj2.

Defina O0 = Bε(x), onde x ∈ π−1(z), e para todo n ≥ 1 defina

On = Fnj1 (On−1) ∪ (Bε(x) + n(0, kj1))

Observe que Fnj1 (O0) ∩ (Bε(x) + (0, kj1)) 6= ∅, de forma que O1 e conexo.Como Bε(x) + (0, kj1) ⊆ O1 e F comuta com as translacoes inteiras temosque Fnj1 (O1) ∩ (Bε(x) + 2(0, kj1)) 6= ∅, de forma que O2 e conexo. Vemosfacilmente por inducao que On e conexo para todo n ∈ N.

Definimos analogamente V0 = Bε(x) e para todo n ≥ 1 defina

Vn = Fnj2 (Vn−1) ∪ (Bε(x) + n(0, kj2))

Claramente, Vn e conexo para todo n ∈ N.Alem disso queremos ver que Onj2

∩ Vnj16= ∅. Para isso observe que

segue das definicoes

Onj2⊇ Fnj1 (Onj2

−1) ⊇ F 2nj1 (Onj2−2) ⊇ . . . ⊇ Fnj2

nj1 (Bε(x))

eVnj1

⊇ Fnj2 (Vnj1−1) ⊇ F 2nj2 (Vnj1

−2) ⊇ . . . ⊇ Fnj1nj2 (Bε(x))

Concluımos que Onj2∪ Vnj1

e conexo, de forma que contem uma curva δlimitada na horizontal ligando x + (0, nj2kj1) com x + (0, nj1kj2). Comok := |nj2kj1 −nj1kj2 | 6= 0 entao γ = ∪i∈Z(δ+ i(0, k)) satisfaz ao pedido.

Proposicao 32. π(ω(B0)) = T2.

Demonstracao. Suponha que existe π(x) ∈ T2 e ε > 0 tal que, para todoπ(w) ∈ π(ω(B0)), temos que π(w) /∈ Bε(π(x)).

Seja Γ a componente conexa de ω(B0) que passa por w ∈ π−1(π(w)).Como nao vale o teorema, Γ e ilimitada na horizontal.

Pela proposicao anterior, dado π(x) ∈ T2 e ε > 0 existe curva γ tal quepara todo y ∈ γ existe n(y) ≤ 0 tal que π(Fn(y)(y)) ∈ Bε(π(x)). Alem dissoγ e limitada na horizontal e ilimitada na vertical, de forma que para algumx ∈ π−1(π(x)) temos que Γ ∩ γ 6= ∅.

Mas se z ∈ Γ∩γ entao z ∈ ω(B0) e existe n(z) ≤ 0 tal que π(Fn(z)(z)) ∈Bε(π(x)). Em particular, Fn(z)(z) ∈ ω(B0) (pois ω(B0) e totalmente inva-riante) e π(Fn(z)(z)) ∈ Bε(π(x)) o que contradiz a hipotese de absurdo.

Mostra-se analogamente que π(ω(Bπ)) = T2.

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42 CAPITULO 6. PROVA DO TEOREMA

6.4 O caso π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) = ∅ nao pode ocorrer

Vamos provar a seguir que se π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) = ∅ entao vale o teorema.Precisaremos do seguinte lema

Lema 7. Suponha que π(ω(B0)) 6= ∅. Entao o conjunto

AC = ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q))

possui ao menos um ponto que nao e fixo.

Demonstracao. Basta mostrar que ω(B0) contem um ponto que nao e fixo.Mas ja sabemos que π(ω(B0)) e denso em T2, de forma que se π(ω(B0)) ⊆Fix(f) terıamos que f = Id. Nesse caso vemos facilmente que ρ(F ) e umunico ponto, uma contradicao.

Seja x ∈ ω(B0) e suponha que x nao e fixo. Por continuidade isso dizque existe uma ε-vizinhanca de x tal que F (Bε(x))∩Bε(x) = ∅. Como, sobnossas hipoteses, π(ω(Bπ)) = T2 existe y ∈ R2 tal que π(y) ∈ Bε(π(x)) eπ(y) ∈ π(ω(B0)), ou seja, existem p1, q1 ∈ Z tais que y ∈ ω(Bπ) + (p1, q1).

Existem tambem p2, q2 ∈ Z tais que ‖(y+ (p2, q2))−x‖ < ε (pois π(y) ∈Bε(π(x))) e y + (p2, q2) ∈ ω(Bπ) + (p1 + p2, q1 + q2).

Como π(ω(B0))∩π(ω(Bπ)) = ∅ a distancia entre os conjuntos compactosω(B0)∩Bε(x) e (ω(Bπ)+(p1+p2, q1+q2))∩Bε(x) e um numero estritamentepositivo d. Note tambem que d ≤ ε.

Chamaremos de v o segmento aberto de reta de comprimento d ligandoum ponto x1 ∈ ω(B0)∩Bε(x) a um ponto y1 ∈ (ω(Bπ) + (p1 + p2, q1 + q2)).Observe em particular que, como F (Bε(x))∩Bε(x) = ∅, temos que F (v)∩v =∅. Seja Γ a componente conexa de ω(B0) que contem x1 e Θ a componenteconexa de ω(Bπ) + (p, q) que contem y1. Citamos o seguinte resultado.

Proposicao 33 (Vide [New39]). Sejam K1,K2 conjuntos compactos cone-xos de R2 tais que K1 ∩K2 e conexo. Se x, y estao na mesma componenteconexa de KC

1 e tambem na mesma componente conexa de KC2 entao x e y

estao na mesma componente conexa de (K1 ∪K2)C .

Temos entao a seguinte proposicao.

Proposicao 34. Suponha que π(ω(B0))∩ π(ω(Bπ)) = ∅. Entao o conjunto

A = (ω(B0) ∪ (ω(Bπ) + (p, q)))C

possui uma unica componente conexa.

Demonstracao. Suponha que existem x e y pertencentes a diferentes com-ponentes conexas de A. Como ω(B0)C e ω(Bπ)C sao fechados e possuem,cada um, uma unica componente conexa existem curvas conexas de compri-mento finito γ1 e γ2 ligando x a y e contidas, respectivamente, em ω(B0)C

e (ω(Bπ) + (p, q))C . Seja M > max‖γ1‖, ‖γ2‖.

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6.4. O CASO π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ NAO PODE OCORRER 43

Tomemos

K1 = (ω(B0) ∩BM [0]) ∪ ∂BM [0]

e

K2 = ((ω(Bπ) + (p, q)) ∩BM [0]) ∪ ∂BM [0]

Os conjuntos K1 e K2 sao fechados e limitados na metrica euclideana, por-tanto compactos. Alem disso, K1 e K2 sao conexos, ja que todas as com-ponentes conexas de ω(B0) e ω(Bπ) sao ilimitadas e assim precisam cruzar∂BM [0]. Como ω(B0)∩ (ω(Bπ) + (p, q)) = ∅ vemos que K1 ∩K2 = ∂BM [0],que e conexo.

Notamos agora que quaisquer dois pontos x, y fora de K1 e K2 estao namesma componente conexa de KC

1 e na mesma componente conexa de KC2

(pois ω(B0)C e ω(Bπ)C possuem, cada um, uma unica componente conexa).Pela proposicao anterior temos entao que x e y estao na mesma componenteconexa de (K1 ∪K2)C .

Desta forma, existe uma curva conexa ligando x a y sem tocar K1 ∪K2

e portanto que em particular nao sai de BM [0] (pois para isso precisariatocar ∂BM [0]). Como essa curva tambem nao intercepta ω(B0) ∩ BM [0] e(ω(Bπ) + (p, q)) ∩ BM [0], vemos que x e y pertencem a mesma componeteconexa de A, uma contradicao.

Com isso obtemos que

Lema 8. O conjunto (Γ ∪ Θ)C possui uma unica componente conexa. Oconjunto (Γ ∪ v ∪Θ)C possui exatamente duas componentes conexas.

Demonstracao. A primeira afirmacao e consequencia da proposicao ante-rior. Vejamos entao que (Γ ∪ v ∪Θ)C possui no maximo duas componentesconexas. Pela escolha de v temos que, se vm e o ponto medio do segmento v,temos que Γ∩B d

2(vm) = x e Θ∩B d

2(vm) = y, onde d e o comprimento

de v. Cada uma das metades de B d2(vm)\v esta enta contida em uma unica

componente conexa de (Γ ∪ v ∪Θ)C . Chamamos essas metades de E e D.

Suponha agora que a, b pertencem a diferentes componentes conexas dede (Γ∪ v ∪Θ)C . Vejamos que qualquer c ∈ (Γ∪ v ∪Θ)C pertence ou a com-ponente conexa de a ou a componente conexa de b. De fato, caso contrario,como (Γ∪Θ)C possui uma unica componente conexa existem curvas simples,parametrizadas por [0, 1], denotadas l1 e l2 que ligam, respectivamente, a ab e c a a sem cruzar Γ ou Θ (e portanto, cruzando necessariamente v, que foidefinido como segmento de reta aberto). Suponha que l1 entra em E antesde cruzar v pela primeira vez. Se l2 tambem entra em E antes de cruzar vpela primeira vez entao ligamos esses dois trechos em E e concluımos quec pertence a mesma componente conexa de a. Senao, note que l1 sai de Ddepois de cruzar v pela ultima vez, assim ligando esse trecho final de l1 coml2 vemos que c pertence a mesma componente conexa de b.

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44 CAPITULO 6. PROVA DO TEOREMA

Vejamos agora que (Γ ∪ v ∪ Θ)C possui ao menos duas componentesconexas, o que terminara de provar o desejado. Sejam z ∈ E e w ∈ D.Suponha que z e w estao na mesma componente conexa de (Γ ∪ v ∪ Θ)C eseja α uma curva conexa simples ligando z a w sem tocar Γ ∪ v ∪Θ.

Seja β o segmento de reta que liga z a w. Note que ele nao cruza Γ∪Θ pordefinicao. Entao J := α∪β e uma curva de Jordan que nao intercepta Γ∪Θ.Veja entao que um ponto extremo de v pertence a int(J). A componenteconexa de ω(B0) que passa por este extremo de v e ilimitada e portantoprecisa cruzar α ou β. Isso em qualquer caso leva a uma contradicao.

Chamaremos de Ω1 e Ω2 as duas componentes conexas de (Γ ∪ v ∪Θ)C .Note que Ω1 e Ω2 sao abertas. O lema abaixo tem prova semelhante ao quefizemos anteriormente.

Lema 9. Seja (p, q) ∈ Z2. Para todo w ∈ T2 existe z ∈ π−1(w) ∩ A e umacurva δ : R→ R2 que e limitada na horizontal, passa por todos os pontos daforma z+ (0, i), onde i ∈ Z, e e tal que os conjuntos ω(B0) e ω(Bπ) + (p, q)estao em diferentes componentes conexas de δC .

Demonstracao. Como π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ assuma, sem perda degeneralidade, que w /∈ π(ω(B0)). Note entao que existe um ponto z ∈π−1(w) e tal que (z)1 > p. Os pontos z + (0, i) tem primeira coordenadaestritamente maior que p e portanto nenhum deles esta em AC = ω(B0) ∪(ω(Bπ) + (p, q)).

Pela proposicao 34 sabemos que z e z+(0, 1) estao na mesma componenteconexa de AC . Considere uma curva conexa γ : [0, 1]→ AC tal que γ(0) = ze γ(1) = z + (0, 1). A curva δ := ∪i∈Z(γ + (0, i)) satisfaz o pedido.

Corolario. Para todo w ∈ T2 existe z ∈ π−1(w)∩Ω1 e um inteiro k tal quez + (0, k) ∈ π−1(w) ∩ Ω2.

Demonstracao. Sejam z e δ como no lema anterior. Se parametrizarmosa curva conexa δ por R (por consturcao δ e uniao de curvas simples conexasde z+ (0, i) ate z+ (0, i+ 1)) podemos encontrar T ∈ R tal que δ(t)∩ v = ∅para todo |t| > T (isso segue de que δ foi construıda repetindo um mesmosegmento de comprimento finito). Considere t1 < −T e t2 > T tais queδ(t1) = zj e δ(t2) = zk, onde j, k ∈ N. Vamos mostrar que zj e zk nao estaoambos em Ωi.

Suponha que estejam. Temos uma curva conexa α que liga zj com zksem sair de Ωi. A curva δ(] − ∞, t1) ∪ α ∪ δ(]t2,+∞[) e conexa, limitadana horizontal e ilimitada na vertical. Mas, por definicao, essa curva naointercepta a curva conexa Γ ∪ v ∪ Θ: uma contradicao, pois como nao valea teorema, Γ∪ v ∪Θ e ilimitada nas duas horizontais (pois Γ e ilimitada nahorizontal e pertence a ω(B0), de forma que so tem que ser ilimitada paraa “direita”e analogamente Θ e ilimitada para a “esquerda”).

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6.4. O CASO π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ NAO PODE OCORRER 45

Corolario. F (Ωi) ∩ Ωi 6= ∅ para i = 1, 2.

Demonstracao. Como vimos anteriormente podemos assumir que (0, 0) ∈ρ(F ). Pelo teorema de Franks existe y ∈ T2 fixos para f e tal que F (y)−y =(0, 0) para todo z ∈ π−1(y). Assim, pelo corolario anterior, concluımos quetanto Ω1 quanto Ω2 contem pontos fixos, o que prova o desejado.

Com isso obtemos a seguinte proposicao.

Proposicao 35. Ou F (Ω1) ⊆ Ω1 ou F (Ω2) ⊆ Ω2.

Demonstracao. Pela definicao de v temos que v∩ω(B0) = ∅ = v∩(ω(Bπ)+(p1 + p2, q1 + q2)). Como ω(B0), ω(Bπ) sao invariantes, F (v) ∩ Γ = ∅ =F (v) ∩Θ. Alem disso v foi tomada tal que F (v) ∩ v. Assim,

F (v) ∩ (Γ ∪ v ∪Θ) = ∅

Vamos assumir, sem perda de generalidade, que F (v) ⊆ Ω1.Vamos mostrar que F (Γ)∩Ω2 = ∅. Observe que F (Γ) e uma componente

conexa de ω(Bπ), pois Γ e uma componente conexa de ω(Bπ) (invariante).Assim, ou F (Γ) = Γ ou F (Γ) ∩ Γ = ∅.

Se F (Γ) = Γ temos pela definicao de Ω2 que F (Γ) ∩ Ω2 = ∅. Suponhaentao que F (Γ) ∩ Γ = ∅: E claro que F (Γ) ∩ ∂Ω1 = ∅ pois F (Γ) ∩ v = ∅ eF (Γ) ∩ ω(B0) = ∅. Como Γ ∪ v e conexo e F (v) ⊆ Ω1 entao F (Γ) ⊆ Ω1 eportanto F (Γ) ∩ Ω2 = ∅. Analogamente concluımos que F (Θ) ∩ Ω2 = ∅.

Assim, como F (v) ⊆ Ω1, temos necessariamente que F (∂Ω1) ∩ Ω2 = ∅.Mas Ω1 e Ω2 sao conexos, de forma que Ω2 ⊆ F (Ω1) ou Ω2 ∩ F (Ω1) = ∅.

Suponha que Ω2 ⊆ F (Ω1). Terıamos que F−1(Ω2) ⊆ Ω1, de formaque F−1(Ω2) ∩ Ω2 = ∅. Mas pelo corolario anterior F (Ω2) ∩ Ω2 6= ∅, umacontradicao. Vemos assim que necessariamente Ω2∩F (Ω1) = ∅ o que implicaF (Ω1) ⊆ Ω1.

Finalmente chegamos ao

Proposicao 36. Se π(ω(B0)) ∩ π(ω(Bπ)) = ∅ entao vale o teorema.

Demonstracao. Suponha que nao vale o teorema. Pela proposicao ante-rior, ou F (Ω1) ⊆ Ω1 ou F (Ω2) ⊆ Ω2. Suponha que vale o primeiro caso (ooutro caso e analogo). Vemos facilmente por inducao que F k(Ω1) ⊆ Ω1 parak ∈ N. Como vimos no inıcio, podemos assumir que (0, 1) e (0,−1) ∈ ρ(F ).Pelo teorema de Franks existem w1, w2 ∈ T2 fixos para f e tais que

F k(z1)− z1 = k(0, 1) e F k(z2)− z2 = k(0,−1)

para todo z1 ∈ π−1(w1), z2 ∈ π−1(w2) e k ∈ Z. Pelo lema 9 e seu primeirocorolario, podemos assumir que z1 ∈ Ω1 ∩ π−1(w1), z2 ∈ Ω1 ∩ π−1(w2) eque existem curvas γ1 e γ2 passando respectivamente por todos os pontos

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46 CAPITULO 6. PROVA DO TEOREMA

da forma z1 + (0, k) e z2 + (0, k) para k ∈ Z que sao limitadas na horizontal,ilimitadas na vertical e nao interceptam Γ ou Θ.

Suponha que para i ∈ 1, 2 e todo k > 0 temos que zi + k(0, 1) =F k(zi) ∈ Ω1. O trecho δ1 de γ1 que liga z1 com z1 + (0, k) para todo k > 0pode eventualmente cruzar para Ω2, mas para isso precisa cruzar o segmentov (pois γ1 nao cruza Γ ou Θ). No entanto ele so pode cruzar v um numerofinito de vezes. Como estamos supondo que F (Ω1) ⊆ Ω1, se o segmento deδ1 que liga z1 + (0, k) com z1 + (0, k + 1) (para k > 0) cruzar v, podemostrocar ele por F (γ0), onde γ0 e o trecho de δ1 que liga z1 com z1 + (0, 1).Obtemos entao uma curva γ1 ⊆ Ω1 que e ilimitada para cima e limitada nahorizontal (ja que so fizemos um numero finito de trocas na curva δ1 que eralimitada na horizontal).

Analogamente construimos uma curva γ2 ⊆ Ω1 que liga z2 com z2 +(0,−k) para todo k > 0 e ilimitada para baixo e limitada na horizontal.Finalmente, como pedimos que z1, z2 ∈ Ω1, podemos ligar γ1 com γ2 obtendouma curva δ ilimitada na vertical (para cima e para baixo) e limitada nahorizontal totalmente contida em Ω1: mas isso e uma contradicao, pois δprecisa interceptar Γ ∪ v ∪Θ.

Resta entao admitir que para i ∈ 1, 2 e algum k > 0 valer que zi +k(0, 1) = F k(zi) ∈ Ω2. Mas isso tambem leva a uma contradicao poisF k(Ω1) ⊆ Ω1 e Ω1 ∩ Ω2 = ∅.

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Capıtulo 7

Comentarios finais

Podemos notar que a irracionalidade de α (a segunda coordenada do vetorde rotacao medio) so foi usada apenas em tres ocasioes (juntamente com olema de Atkinson): Na prova da proposicao 20 na pagina 28, do teorema 29na pagina 39 e na prova da proposicao 31 na pagina 41.

Nessas tres instancias e possıvel provar os mesmos resultados se assumir-mos, uma hipotese alternativa que explicamos a seguir. Como ρ(F ) e umsegmento vertical contido em 0×R, se z ∈ T2 e periodico de perıodo n ∈ Ne x ∈ π−1(z) entao Fn(x) = x+ (0, i) para algum i ∈ Z. Queremos nao exa-tamente que esses pontos sejam densos em R2, mas que em toda vizinhancaem torno de qualquer x ∈ R2 exista y com i(x)

n(x) 6=i(y)n(y) (isso fara com que

diferentes componentes conexas se interceptem, o que nao era permitido nasdemonstracoes que apresentamos). E claro que se existe um conjunto densocomposto por pontos pontos periodicos com vetores de rotacao dois-a-doisdistintos teremos o desejado.

Como supomos que a medida de Lebesgue e preservada o teorema deFranks garante a existencia de ao menos um ponto periodico para cadavetor de ρ(F ) com segunda racional, descreveremos a hipotese alternativadizendo que “os pontos dados como no teorema de Franks sao densos emR2”.

Pergunta. Quando F possui vetor de rotacao medio racional a ergodicidadeimplica que os pontos dados como no teorema de Franks sao densos em R2?

A ergodicidade com respeito a medida de Lebesgue diz, por exemplo,que a orbita de quase todo ponto e densa no toro. Alem disso, como osconjuntos ω(B0) e ω(Bπ) sao totalmente invariantes, nosso contexto e aspropriedades de ρ(F ) nos dizem que podemos considerar apenas o caso emque ρλ(F ) = (0, 0).

Ao inves de tentar resolver a pergunta acima podemos pensarem se hauma prova direta quando os pontos como no teorema de Franks nao saodensos (o que possivelmente eliminaria a necessidade de olhar para o vetor

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48 CAPITULO 7. COMENTARIOS FINAIS

de rotacao medio). Ate agora nao foi possıvel obter uma prova baseadonessas ideias.

Finalmente, notamos que tambem que podemos aplicar o teorema aquiprovado para mostrar o resultado no caso em que o conjunto de rotacao eum segmento de inclinacao racional que passa por um ponto de Q2.

Para ver isso observe que se nesse caso existe uma matriz de rotacao comcoordenadas inteiras A ∈ GL(2,Z) tal que Aρ(F ) e um segmento contidoem 0×R. De fato, se ρ(F ) tem inclinacao racional p/q podemos encontrarx, y ∈ Z tais que px+ qy = 1 e fazer

A =

(p −qy x

)Observamos que det(A) = 1 e que A(0, 0) = 0 e A(q, p) = (0, 1), de formaque Aρ(F ) precisa ser um segmento contido em 0 × R. Temos entao oseguinte resultado

Lema 10 ([KK08]). Seja f um homeomorfismo de T2 homotopico a identi-dade e F um levantamento de f . Seja A ∈ GL(2,Z) e h um homeomorfismode T2 homotopico a A com levantamento H. Entao

ρ(HFH−1) = Aρ(F )

Em particular ρ(AFA−1) = Aρ(F ).

Podemos entao aplicar o resultado aqui provado para g = hfh−1 (quevemos facilmente ser homotopica a identidade e ergodica desde f o seja).Concluımos que existe levantamento G de g e m ∈ N tal que o deslocamentode Gm e limitado na horizontal, de forma que o deslocamento de Fm elimitado na direcao de angulo p/q (a inclinacao de ρ(F )).

Dizemos, como em [KT12b], que um homeomorfismo de T2 homotopicoa identidade e anular se existe M > 0, v ∈ Z2

∗ e um levantamento G de ftal que

−M ≤⟨Gn(x)− x, v

‖v‖

⟩≤M, para todo x ∈ R2 e todo n ∈ Z

Em particular, o teorema provado aqui diz que, se f : T2 → T2 e umhomeomorfismo homotopico a identidade e F : R2 → R2 um levantamentode f tal que ρ(F ) e um segmento nao degenerado de inclinacao racionalque passa por um ponto de Q2 e, se alem disso, f e ergodico com respeitoa medida de Lebesgue no toro e seu vetor de rotacao medio e da forma(0, α) para α ∈ R \ Q entao alguma potencia de f e anular. Isto, dentrode um contexto adequado (veja [KT12b]) mostra que os homeomorfismoscomo acima nao possuem comportamento estritamente toral, podendo emser entendidos, no sentido adequado, como homeomorfismos do anel.

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