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Dispora Africana no Cear: experincias de insero de estudantes
imigrantes africanos no contexto universitrio
Erclio Langa1 UFC, Brasil
Resumo: Neste paper, abordo as experincias de insero de estudantes africanos em universidades
pblicas e privadas brasileiras. A partir da anlise da situao desses sujeitos inseridos no contexto
universitrio vivenciado em Fortaleza-CE, abordo o seu cotidiano, o encontro com a alteridade, o
preconceito e discriminao raciais, as dificuldades de insero nas faculdades, assim como seus dramas
sociais ao final dos cursos, quanto possibilidade de regresso ao seu pas de origem ou, de permanncia
em territrio brasileiro. De fato, as universidades brasileiras, muitas vezes desconhecem as realidades
desses estudantes e de seus pases de origem, vistos apenas, como consumidores de conhecimento, cujas
experincias so subaproveitadas ou desperdiadas. Essa migrao estudantil tem gerados grupos,
movimentos e associaes estudantis a congregar estudantes africanos baseados em distines nacionais,
portanto, bastante estreis e sem capacidade de negociao com as instituies de ensino superior
brasileiras. Colocados na posio de estrangeiros e negros, muitas vezes, os estudantes africanos vivenciam
um estado de anomia social, onde tem que se virar sozinhos, acabando por adotar uma identidade
capitalista, baseada no consumo.
Palavras-chave: Estudantes africanos; Brasil; universidades; experincias; insero.
1 Doutorando e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Cear (UFC), bolsista CAPES. Foi bolsista de produtividade do CNPq 2012-2013. Licenciado em Sociologia na Universidade Eduardo Mondlane (Moambique) e Bacharel em Cincias Sociais pela mesma universidade. E-mail: [email protected].
mailto:[email protected] -
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Introduo: apresentando a dispora africana no Cear
Em suma, o metropolitano aceitaria o imigrante se
ele fosse invisvel e mudo; ora, a partir de certa
densidade demogrfica, o fantasma adquire uma
terrvel consistncia; ainda mais pelo fato de que,
mais seguro por causa do nmero, ousa, ao contrrio,
falar alto, e em sua lngua natal, a s vezes vestir-se
com seu traje tradicional. Albert Memmi.
A presena de estudantes africanos no estado do Cear, na condio de
imigrantes, teve incio na segunda metade da dcada de 1990, com o primeiro grupo
oriundo de Angola. Nesse perodo, vinham somente estudantes de pases africanos que
falam a lngua portuguesa para integrar-se na Universidade Federal do Cear (UFC),
atravs do Programa de Estudantes Convnio - de Graduao (PEC-G).2 A partir de
1998, inicia-se a imigrao de estudantes bissau-guineenses e cabo-verdianos e, dois
anos depois, estudantes so-tomenses, angolanos e moambicanos. No incio dos anos
2000, h um aumento significativo do nmero de estudantes africanos residentes no
Cear, cuja maioria vem estudar em faculdades particulares, com contratos firmados
em seus pases de origem, a partir de publicidade e vestibulares realizados em Guin-
Bissau. O aumento da imigrao de estudantes africanos para o Brasil, no incio do
sculo XXI, tambm foi impulsionado pelo discurso governamental do presidente Luiz
Incio Lula da Silva e sua poltica de cooperao e aproximao com a frica.3
Tal poltica de cooperao, em curso, visa particularmente atingir o ensino
superior, atravs de criao de distintos mecanismos, como estgios profissionais,
bolsas de estudo e convnios, no sentido de viabilizar a vinda de africanos para estudar
no Brasil. No contexto de diferentes estratgias mobilizadoras, os estudantes saem de
seus respectivos pases com expectativas acadmicas em relao ao Brasil, devido ao
maior nvel de desenvolvimento econmico, tecnolgico e de produo acadmica,
alimentando esperanas de facilidade de insero por conta de uma lngua e culturas
em comum a lngua portuguesa, a culinria, a religiosidade e a cultura negra trazida
pelos escravos a permear a vida brasileira.
De acordo com Mouro (2009), nos anos 2000, os estudantes africanos
2 Programa de Estudantes Convnio de Graduao, fruto da cooperao na rea da educao e formao superior entre o Brasil e pases em desenvolvimento, administrado de forma conjunta pelo Ministrio das Relaes Exteriores e pelo Ministrio da Educao brasileiros, fazendo parte dele 45 pases, com 32 pases efetivos que enviam estudantes de frica, da Amrica Latina e de Timor-Leste. O continente africano apresenta o maior contingente de alunos, com 20 pases que enviam estudantes todos os anos. Em 2010, haviam ingressado nas universidades federais e estaduais brasileiras, 383 estudantes africanos, em sua maioria, oriundos de Guin-Bissau, Cabo-Verde e Angola. No mesmo ano, estavam no Brasil, ao abrigo desse programa e outros similares cerca de 18.917 estudantes oriundos dos Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa (PALOP). 3 Ao longo dos oito anos do governo Lula, de 2003 a 2010, o intercmbio estudantil entre o Brasil e pases africanos foi intensificado. Em seus dois mandatos, o presidente Lula visitou 27 pases africanos, enquanto seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, visitou apenas trs pases.
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participantes do convnio com universidades pblicas brasileiras se autodenominavam
comunidade africana em Fortaleza, incluindo, particularmente, jovens de
nacionalidades cabo-verdiana e bissau-guineense, ento unidos e voltados para
questes comuns, como adaptao e resoluo de problemas cotidianos. A autora
argumenta que, mesmo assim, essa unio na dispora no dissipou as diferenas
histricas de classe, renda, prestgio e grau de escolaridade entre os cidados oriundos
dos dois pases. Ao longo dos anos, o nmero de estudantes africanos no Cear cresceu,
constituindo um contingente de imigrantes a tornar-se complexo em sua diversidade.
J Baessa (2005) constata que, devido ao nmero crescente de estudantes
guineenses e cabo-verdianos na cidade, esses sujeitos passam a estabelecer maiores
distines entre si, demarcando suas nacionalidades especficas, contrapondo-se
denominao anterior de comunidade africana. Atualmente, verifica-se um crescente
segmento de estudantes de pases, classes sociais e credos religiosos distintos, oriundos
no apenas de pases lusfonos, mas tambm de pases de expresso inglesa e francesa,
como o caso da Nigria e da Repblica Democrtica do Congo.
Em 2011, a Polcia Federal do Cear registrou mil, duzentos e sessenta
estudantes africanos no estado, dos quais mil cursavam diversas faculdades
particulares, cento e trinta estavam integrados na Universidade Federal do Cear e
vinte na Universidade Estadual do Cear (UECE), sendo a maioria proveniente dos
pases africanos de lngua oficial portuguesa (PALOP) (BRS, 2011). De fato, o nmero
de estudantes se apresenta muito maior do que o cadastrado pela Polcia Federal, pois
muitos estudantes se encontram em situao irregular. Uma parcela significativa de
estudantes, a maioria, vinculada s faculdades particulares, vivenciam condies
precrias de vida, em meio a preconceito e discriminao raciais.
Denomino dispora africana4 ao crescente presena de estudantes oriundos
de Angola, Cabo-Verde, Guin-Bissau, Moambique, Nigria, Repblica Democrtica
do Congo e So-Tom e Prncipe, Senegal no Estado do Cear. Pertencentes a
diversos grupos etnolingusticos, tais sujeitos apresentam identidades multiculturais e
distines de vrias ordens a marcar as suas vidas em territrio cearense. Tal dispora
constituda por estudantes de ambos os sexos, na sua maioria homens jovens entre os
18 e 35 anos de idade, negros, de diversas etnias, pertencentes grande famlia
etnolingustica bantu. A dispora africana tem gerado grupos e movimentos, a
congregar estudantes africanos em um processo de mobilizao e organizao em
diversas agremiaes estudantis, cabendo destacar: a Associao de Estudantes
4 A noo de dispora, que movimento nesta pesquisa, inspirada nas ideias de Hall (2011) sobre as identidades dos imigrantes oriundos da regio do Caribe na Gr-Bretanha, seus mitos de origem, as necessidades e perigos que enfrentam sob a globalizao.
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Africanos no Estado do Cear (AEAC), a Associao de Estudantes da Guin-Bissau no
Estado do Cear (AEGBECE), a Fundao de Estudantes Cabo-verdianos nas
Faculdades do Nordeste (FEAF), o Centro de Estudantes Estrangeiros da UFC
(CEEUFC) e, o Movimento Pastoral de Estudantes Africanos (MPEA). Normalmente,
tais associaes estudantis africanas so baseadas em distines nacionais, revelando-
se bastante estreis e sem capacidade de negociao com as instituies de ensino
superior brasileiras, onde os estudantes esto inseridos.
Diante desse fenmeno de migrao estudantil, caracterizado pela vinda e
presena massiva de estudantes oriundos de distintos pases africanos para instituies
de ensino superior pblicas e privadas do Brasil, assim pelo surgimento de agremiaes
estudantis africanas em tais instituies, sinto-me interpelado a compreender este
fenmeno, problematizando acerca da presena e da insero desses estudantes no
contexto universitrio brasileiro. A minha anlise circunscreve-se s experincia dos
estudantes africanos na UFC, a maior instituio pblica de ensino superior do Estado
do Cear, no nordeste brasileiro. Assim, analiso as experincias de estudantes africanos
nos campi da cidade de Fortaleza, onde resido h cerca de trs anos, na condio de
estudante da UFC. Para problematizar tal fenmeno, avanos algumas perguntas que
norteiam este paper: quem so esses estudantes? Como vivem? Como so recebidos
pelas universidades? Como se d a sua insero no espao acadmico brasileiro?
O cotidiano dos estudantes africanos em Fortaleza e o encontro com a
alteridade
Chegados ao Brasil, os estudantes africanos enfrentam desafios cotidianos,
particularmente, dificuldades econmicas de sobrevivncia considerando o elevado
custo de vida nesta metrpole, em relao s suas possibilidades financeiras. Parte
significativa do contingente de estudantes afirma sentir-se discriminada no cotidiano,
por conta da cor da pele e da prpria origem africana, em graus e formas distintas das
discriminaes encontradas nos pases de origem. Gusmo (2006) abre vias de
reflexo, ao circunscrever a prpria posio do Brasil, a receber a dispora africana:
Um pas multirracial e integrante dos chamados pases emergentes, mas que se diferencia dos pases europeus, at muito recentemente privilegiados na busca por qualificao de quadros por parte dos Palop. Em questo, a posio de um pas relativamente perifrico na diviso internacional do trabalho, com um passado igualmente de colonizao portuguesa e que, estruturalmente mestio e negro, pensa-se branco e europeu. Em debate, a existncia de processos intensos de discriminao e racismo na realidade brasileira e a percepo e vivncia do sujeito negro e africano nesse contexto. (GUSMO, 2006:16).
No cotidiano de Fortaleza, o preconceito e discriminao raciais contra os
estudantes africanos manifesta-se de diversas maneiras, muitas vezes sutis, que vo
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desde olhares desconfiados e incomodados nas filas e salas de espera no acesso a
servios como hospitais, bancos, casas lotricas, nibus. Assim como a mudana de
calada e de rua, troca de lado e de bolso onde fica a carteira, bolsas e celulares logo
que um indivduo negro ou de ascendncia africana se aproxima. Tais situaes,
constituem formas daquilo que Bourdieu (2007) designa de violncia simblica.
Tal violncia envolve gestos, sinais, smbolos e prticas culturais partilhados
pela sociedade, muitas vezes sutis e imperceptveis pelos atores como forma de
opresso, seno pela repetio contnua. Os estudantes africanos integrados s
universidades federal e estadual, que constituem, de fato, a minoria, sobrevivem das
bolsas do PEC-G e de outros convnios firmados entre o Brasil e seus pases de origem.
J o segmento maior, que estuda em faculdades particulares, recebe dinheiro das
famlias para pagar mensalidades e manter-se na faculdade, complementando a sua
renda por meio de trabalhos clandestinos em lojas e mercadinhos, sales de beleza,
oficinas, fbricas e construes, restaurantes ou mesmo, nos estacionamentos de
grandes shoppings centers e supermercados, ou, ainda, em casas de famlia como
babs para assim, garantir a sobrevivncia e a prpria locomoo na cidade.
Dentro deste grupo de estudantes, inseridos nas faculdades particulares, existe
um segmento de jovens que, nos tempos livres, dedica-se ao comrcio de roupas e
calados entre o Brasil e seus pases de origem. Por fim, um grupo seleto de estudantes
de faculdades particulares, com destaque para os cabo-verdianos, sobrevive e estuda de
forma tranquila, graas ao dinheiro enviado por familiares residentes em frica e por
parentes imigrantes em pases da Europa e Amrica do Norte.
As faculdades particulares, como mecanismo de atrao dizem garantir
estgios remunerados para estudantes ao final dos cursos de Administrao,
Contabilidade, Marketing, Comunicao, Cincias e Gesto de Informao. Na
realidade, so oferecidos aos estudantes africanos, estgios remunerados que so
formas de trabalho precrio como panfleteiros, vigias de lojas nos shoppings centers e
em estacionamentos ou como operadores de vigilncia eletrnica, em um artifcio
usado para contornar a norma que os probe de trabalhar.
No cotidiano, os estudantes africanos percebem a dificuldade dos brasileiros em
cham-los pelos nomes prprios, substituindo-os pela categoria nativa brasileira
nego e facilmente esquecem as nacionalidades e os nomes dos pases de origem,
diluindo tudo na categoria genrica de africano. Mendes (2010:27) enfatiza que [...] os
estudantes africanos no esto inteirados dos limites sociais tradicionalmente
construdos pelos brancos para segregar os negros. No esto informados desses
espaos de excluso, eles rompem as fronteiras estabelecidas e transitam em espaos
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brancos. Os estudantes africanos, nos percursos cotidianos em Fortaleza, percebem a
distncia social dos brasileiros negros que, muitas vezes, acreditam que os africanos
so playboys, sujeitos ricos oriundos das elites polticas africanas, ou ento so
indivduos que vm ao Brasil ocupar os lugares que, por direito, seriam seus.
Existe ainda entre os brasileiros negros a representao de que os africanos so
cotistas, isto , estudantes beneficirios das cotas raciais no ensino superior no Brasil.
A rigor, as formas de interao dos estudantes africanos com a populao cearense, no
cotidiano, tende a expressar mecanismos de discriminao, colocando-os na posio de
outsiders (BECKER, 2008); (ELIAS & SCOTSON, 2000). Percebe-se entre os
cearenses, a existncia de mltiplas representaes acerca da presena africana,
destacando-se vises estigmatizantes perpassadas de preconceito racial pela condio
de negro. Estudantes guineenses, em relatrio elaborado, como estratgia organizativa
no mbito do Movimento Pastoral do Estudante Africano, assim denunciam expresses
de racismo:
Temos enfrentado discriminao racial na cidade, inclusive dentro das
prprias faculdades, o que caracteriza racismo institucional, das/os
funcionrios, professores/es e direo. A direo j chegou a impor
regras, para ns, como: tomar banho, usar perfume, creme de pele, no
chegar suado/a [...]. Essas exigncias s so feitas aos estudantes
africanos (2012: 7).
De fato, muitos desses estudantes, deslocam-se ao Brasil com expectativas de
facilidade de insero acadmica e crescimento na vida pessoal e profissional, mas,
deparam-se com a estrutura social da sociedade brasileira, hierarquizada por meio da
raa, cor da pele e classe social. Sua posio de negros, africanos e pobres os coloca na
condio de subalternidade, impedindo-os de aceder a diversas oportunidades.
As dificuldades e distintas formas de discriminao enfrentadas pelas
imigrantes africanas, suas interpelaes raciais e ressignificaes identitrias
assemelham-se aquilo que Turner (2005) define como dramas sociais 5, dificuldades de
se recriar universos sociais e simblicos no mundo contemporneo, onde os indivduos
se veem sozinhos e abandonados diante da responsabilidade de darem sentido sua
vida. Nesse contexto, vrios estudantes africanos encontram dificuldades para pagar
mensalidades e, outros so flagrados a trabalhar, sofrendo ameaas de deportao.
Mesmo assim, a migrao estudantil para o Brasil apresenta-se como uma experincia
5 De acordo Turner (2005), o drama social apresenta-se como uma experincia vivida que remete noo de perigo, propiciando aos indivduos acesso ao universo social e simblico, opondo o cotidiano ao extraordinrio. Esta noo emerge como um modelo de leitura da realidade em sociedades tribais, pensado em quatro momentos: ruptura, crise e intensificao da crise, ao reparadora e desfecho. O drama apresenta-se como um momento importante de reparao da crise.
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vivida 6, uma experincia nica e significativa sentida de forma intensa que, forma e
transforma a vida e trajetria desses jovens. Quase sempre, a experincia migratria
ressignificada de forma positiva, vista como oportunidade de formao, aprendizado e
crescimento na carreira profissional. Mas, tambm vista uma mudana no modo de
ser e estar na vida por conta das dificuldades econmicas, dificuldades em conseguir
trabalho e em pagar contas pessoais.
Experincias de estudantes africanos nas universidades brasileiras
Os estudantes africanos inseridos nas universidades brasileiras parecem viver
uma situao de anomia social (Merton, 1970). A anomia social entre os estudantes
africanos residentes em Fortaleza manifesta-se atravs de desorientao na vida
pessoal, assim como na vida estudantil. Ela se evidencia atravs da mudana constante
de curso e de faculdade, nas quais, muitos estudantes no se adaptam ao curso em que
esto inscritos, quando gostariam de fazer outros cursos de seu corao ou da sua
vocao. Outros ainda, acabam sabendo de outros cursos e faculdades que oferecem
mais oportunidades de insero no mercado de trabalho e, com o tempo vo
descobrindo sua vocao para outra profisso. Tais desejos de mudana de curso
constante de curso criam embaraos aos prprios estudantes, assim como s direes
das faculdades e gestores dos programas onde esto inseridos, nos quais, esses sujeitos,
passam a ser vistos um problema como alunos problemticos. A maioria dos
africanos est em cursos de graduao em faculdades privadas, poucos conseguem
furar a peneira e conseguir cursar ps-graduao.
A formao nas instituies de ensino superior brasileiras propicia novos
dilogos e novas snteses identitrias possibilitadas por outras prticas culturais
apreendidas no contexto universitrios brasileiro, porm, tais instituies alunos,
professores, docentes e funcionrios ignoram a realidade vivenciada pelos estudantes
em seus pases de origem (FONSECA, 2009). Os conflitos originados pelo estigma de
migrante temporrio e pelo esteretipo refugiado de guerra so outras situaes
apontadas por este autor. rigor, a adaptao desses sujeitos acontece de forma lenta.
Numa atitude colonialista, as universidades e faculdades brasileiras produzem
ausncias, nas quais, a experincia e conhecimentos trazidos pelos estudantes africanos
6 Turner (2005) define literalmente experincia como tentar, aventurar-se, correr riscos, onde experincia e perigo derivam da mesma raiz. Turner distingue trs tipos de experincias: a experincia cotidiana que diz respeito experincia simples, passiva, de aceitao dos eventos cotidianos; experincia vivida, experincia nica que acontece ao nvel da percepo como a dor ou o prazer que podem ser sentidos de forma mais intensa e; experincias formativas que se distinguem de eventos externos e reaes internas a elas, como a iniciao a novos modos de vida, aventuras amorosas, que podem ser pessoais ou partilhadas.
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no so aproveitados ou tidos como vlidos. Existe a percepo de que os estudantes
africanos no so produtores de conhecimento, so apenas consumidores que vem ao
Brasil apenas aprender e no trazer ou produzir conhecimentos. A ordem cientfica
hegemnica nas universidades no se interessa pela realidade desses estudantes, nem
da de seus pases donde so oriundos, resultando naquilo que Sousa Santos (2011)
designa de desperdcio da experincia.
[...] a compreenso do mundo muito mais ampla que a ocidental. Os colegas da frica do Sul, da ndia, de Moambique tem uma maneira de ver a sociologia, a sociedade e o mundo distinta da que existe no Norte. Ento me pareceu que, provavelmente, o mais preocupante no mundo de hoje que tanta experincia social desperdiada, porque ocorre em lugares remotos. Experincias muito locais, no muito conhecidas nem legitimadas pelas cincias sociais hegemnicas, so hostilizadas pelos meios de comunicao social, e por isso tem permanecido invisveis, desacreditadas (SOUSA SANTOS, 2011:23-24).
De fato, a maioria dos estudantes africanos no consegue se inserir em
atividades de extenso ou de pesquisa dentro e fora das universidades, sendo
subaproveitados no mercados de trabalho precrio. Normalmente, as experincias e
conhecimentos oriundas do mundo no Ocidental so ignorados pelo paradigma
dominante no fazer cientfico, que no dialoga com outras lgicas de pensar o mundo
(SOUSA SANTOS, 2010). Nesse contexto, ignoram-se autores, fatos, histrias,
narrativas e experincias do mundo africano e do mundo no ocidental, tidas como no
cientficas, locais e por isso menores.
A experincia de migrao estudantil em territrio brasileiro influncia e altera
os modos de ver e estar no mundo, dos estudantes africanos. Muitos passam a construir
uma identidade capitalista (Fonseca, 2009) e algumas vezes empresarial. Tais
identidades so baseadas no consumo de bens de um mercado capitalista, com
produtos variados preos acessveis, como vem acontecendo no Brasil dos ltimos
anos. Nessas identidades predominam o consumo de roupas, calados, aparelhos
celulares de marcas famosas, assim como o comercio de roupas e calados entre o
Brasil e seus pases de origem roupas, tnicas, panos coloridos oriundos de pases
africanos e chinelos havaianas, blusas, biqunis, calados, bijuterias provenientes do
Brasil. Nesse cenrio, parte dos estudantes atrada para permanecer no Brasil ou
instalar-se definitivamente, quer devido a um conjunto de facilidades e uma maior
qualidade de vida, quer devido incerteza de insero social no regresso a seus pases
de origem, por conta do sentimento de falta de lugar, mudanas de referenciais
identitrios, de vnculos sociais, afetivos, etc. Gusmo (2008) bem descreve a condio
do estudante africano no Brasil:
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O que aprendem e o que esquecem ao permanecer longo tempo fora do lugar hoje o desafio para as autoridades dos pases de origem. desafio, tambm, para familiares, parentes e amigos, que muitas vezes, sacrificaram-se para dar-lhes apoio de ir em busca de seus estudos e assim, quando formados retornarem aos seus e nao de origem. Por seus novos modos, pela forma de vestir-se, comportar-se, ele prprio j no se reconhece plenamente no grupo de origem, ao mesmo tempo se estranham naquele mundo. So, tambm, estranhados pelos que ficaram naquele mundo. Veem-se a si mesmo, como sujeitos modernos, globalizados e portadores de perspectivas, valores de outra ordem que se contrapem aos valores, costumes prprios dos contextos mais tradicionais. O que percebem que j no se inteiramente dali, mas tambm sabem que no das terras onde esto em busca de novos rumos por meio dos estudos e de qualificao profissional. Nestas so, sobretudo, estrangeiros e depois, africanos e negros. Na frica o que so: angolanos, moambicanos, cabo-verdianos, guineenses, so-tomenses. So balantas, fulas, pepel, quimbundos, ovibundos, crioulos, mestios e sem referncia tnica e, assim por diante. (GUSMO, 2008:8-9).
Entre os estudantes que permanecem em territrio brasileiro, uma minoria
casa-se com mulheres brasileiras ou constitui famlia, mas poucos conseguem
continuar na vida acadmica e cursar ps-graduao. Outros so absorvidos pelo
mercado de trabalho em metrpoles maiores como So Paulo e Rio de Janeiro. Nesse
cenrio e a partir das experincias dos estudantes africanos em territrio brasileiro,
vrias questes se colocam: que relaes histricas de poder foram se construindo entre
os pases africanos e o Brasil? Qual a realidade educacional vivenciada pelos pases
africanos e pelo Brasil a receber esses estudantes?
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