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HARMONY Sy An-Ge Mairi Cy-en Mairi 1

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HARMONY

Sy An-Ge Mairi

Cy-en Mairi

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www.mairisisters.blogspot.com

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HARMONY

Era Uma Vez... Harmonie!

Capa: Cy-en Mairi

É proibida a reproduçãoparcial ou total da obra atravésde qualquer forma, meio ouprocesso eletrônico, digital,fotocópia, microfilme,internet, CD-rom, sem aprévia e expressa autorizaçãodas autoras.

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SUMÁRIO

1. HÉCATE __________________________________ 5

2. A TELA __________________________________ 13

3. REVELAÇÃO _____________________________ 21

4. O CONFLITO _____________________________ 30

5. A ABERTURA _____________________________ 40

6. APEGO __________________________________ 57

7. A VOLTA_________________________________ 65

8. INSTABILIDADE ___________________________ 79

9. O COMEÇO ______________________________ 93

10. HERANÇA ______________________________ 106

11. ARMADURA ____________________________ 112

12. TESTEMUNHO __________________________ 125

13. A PROVA ______________________________ 135

14. FERIMENTO ABERTO ____________________ 149

15. DISSIMULAÇÃO _________________________167

16. PREPARAÇÃO __________________________ 186

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17. O CASTELO E O CAMINHO ________________ 199

18. O DESMAIO ____________________________ 214

19. CELA ESCURA __________________________ 225

20. A SALA DO TRONO ______________________ 235

21. ESPADAS ______________________________ 242

22. ILUSÃO ________________________________ 251

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HÉCATE

“Era uma vez...

Num distante mundo, em que o amor estava acima detodas as coisas, uma bela princesa, que vivia em harmoniacom a sua mãe e o seu pai. Era filha única. A herdeira dotrono de Harmonie...

A primeira coisa que Heródoto e Haidê fizeram aoretomar o trono, após uma sangrenta batalha, em que muitasvidas se perderam, foi trazer o nome de seu reino de volta.Juraram que uma nova guerra seria a última alternativa, pois olegado que pretendiam deixar para os seus governados erauma vida plena de harmonia e amor ao próximo. Nessereinado não existia lugar para a mesquinhez.

Fora a mesquinhez que dera início à batalha que tiraraa vida do pai de Heródoto, rei Heráclito, que sofrera um golpesem jamais ter desconfiado de nada até que fosse tardedemais: sua esposa, Kerina, traíra-o com seu confidente,Lucius, por ele nomeado cavaleiro real de Harmonie.

O reino fora tomado e passara uma década sob odomínio de Lucius...

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Assim que tomou o reino Lucius matou não sóHeráclito, mas também Kerina, e assumiu sua verdadeirapaixão: Napéia. Os dois, juntos, nomearam o seu reino deHécate.

Reinaram absolutos, envolvidos em escuridão e terror.Escravizaram o povo, que dominavam com tirania. Qualquersinal de desobediência era tratado com severidade e osjulgamentos comandados por Lucius e Napéia eramconhecidos pela crueldade: meses, às vezes anos de tortura,até que finalmente vinha a libertação, a morte.

Hécate teria ido ainda muito longe, não fosse um únicodescuido: Heródoto não fora mantido capturado. Tinha apenassete anos quando do golpe sofrido por seu pai, rei Heráclito.

Lucius e Napéia, obcecados pela ideia do poder, nãoderam importância ao herdeiro legítimo de Heráclito.Presumiram que ele morreria perdido pelas florestas daredondeza, afinal, era apenas uma criança. Só que isso nãoaconteceu.

Abnara morava naquela floresta, escondida, longe davida do povoado da então Harmonie, juntamente com suafilha, Haidê. Mantinha-se anônima, desde que foraabandonada pelo seu marido, o que aconteceu assim queHaidê nascera, sete anos antes.

Quando Heródoto fora largado por Lucius e Napéiaem meio às árvores, para morrer, Abnara observou tudodiscretamente. Esperou a certeza de que aquela criançaestivesse sozinha e correu até ela. Heródoto logo soube quepodia confiar nela.

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Ao lado de Haidê, Heródoto fora criado por Abnaraaté ambos completarem quinze anos, quando Abnara morreu,doente, sem forças para se levantar do lugar em que dormia.No dia de sua morte, Heródoto e Haidê deram as mãos echoraram juntos. Os dois se apaixonaram e sabiam, sem quenada precisasse ser dito entre eles, que tinham pela frente umaárdua missão: reconquistar o reino de Harmonie.

E foi o que fizeram. Foram dois anos de muitoplanejamento e lutas.

No primeiro ano Heródoto teve que falar com osmoradores de Hécate sem se deixar ser visto pelos soldadosreais. Usou o que aprendeu com Abnara, que viveu por quinzeanos sem ser vista na floresta dos arredores de Hécate.Precisou conquistar a confiança do povoado, fazê-losacreditarem que ele era o sucessor legítimo do rei Heráclito.Haidê o ajudou nisso, com sua doçura e habilidade emconversar.

Após ter as pessoas daquele povoado a seu favor, foipreciso treiná-las. Era preciso ter um mínimo de homensdispostos a lutar e a terem suas vidas ceifadas em prol de umbem maior: a retomada de Harmonie, e a devolução da paz aonome de Heráclito, que fora tão covardemente traído.

Não foi tarefa fácil. Os treinos tiveram que ser porgrupos pequenos, para que não se levantassem desconfiançasno reino de Hécate sobre a batalha que estava para ter início.Heródoto sabia que o fator surpresa seria fundamental, já queestaria em desvantagem com relação às armas possuídas peloshomens de Hécate.

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E assim foi. Após dois longos anos de uma silenciosabatalha de estruturação, Heródoto invadiu o castelo de Hécate,sempre protegido pelos seus, agora, cavaleiros, e conseguiuchegar a Lucius e Napéia. Eles estavam trancados no quartoreal.

Primeiro atingiu Lucius com sua espada. Fora umgolpe fatal. Lucius caiu desfalecido no chão, sem chancesequer de chegar perto da sua espada. Napéia, tomada demedo e desespero, pegara a espada de Lucius e tirara suaprópria vida, antes que Heródoto pudesse chegar perto dela.

Cabisbaixo, Heródoto se ajoelhou no chão e largou suaespada ao lado do corpo de Lucius. Tirar a vida de umapessoa era algo inacreditável, ou melhor, inconcebível para osseus valores, mas diante da situação de seu reino, não viraoutra saída, e sabia que agora teria que lidar com isso peloresto de seus dias.

Haidê entrou no quarto real e correu para abraçá-lo.Nesse momento os dois fizeram o juramento sobre o legadoque deixariam para os seus governados. Também foi nessemomento que o sol voltou a aparecer sobre o castelo que,agora, voltara a se chamar Harmonie.

Heródoto e Haidê apareceram juntos em uma sacada, àvista de todo o povoado, e anunciaram:

- Harmonie está de volta.

Heródoto continuou o discurso, de mãos dadas comHaidê, que ficou ao seu lado sorrindo, insistindo que a partirdaquele instante a mesquinhez deveria ser esquecida, pois afelicidade seria parte da vida de todos.

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- Harmonie será o reinado da generosidade.Dividiremos nossas conquistas, mas tambémabsorveremos as derrotas como se fossem nossas.Assim viveremos felizes...

Ele olhou para Haidê e sorriu. O brilho voltara para oseu rosto.

- Em harmonia.

E beijou Haidê em público.

O povo estava ensandecido de alegria. Gritava pelavida dos novos reis. No dia seguinte foi o casamento real deHeródoto e Haidê. As portas do castelo permaneceramabertas.

Não houve muita pompa. Os trajes de Heródoto eHaidê eram condizentes com sua posição, mas semostentação. Eles queriam enfatizar que o que importava era aharmonia entre todos daquele povoado, a confraternizaçãodaquele momento entre todos, e não o ouro que cada umpossuísse, ou o lugar onde tivesse nascido.

- Só assim, meus irmãos... Nós acreditamosque existirá felicidade, a busca de todos nós nessavida.

Quando Harmony nasceu, no segundo ano do reinadode Harmonie após sua retomada, o povoado entrou em umnovo ciclo de comemoração. Heródoto e Haidê declararamaquele como o ano da última mudança que ainda faltava emseu reinado para que cumprissem sua missão como reis: aharmonização com a natureza.

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Era preciso que todos em Harmonie aprendessem aviver sem causar mal à natureza, sem destruí-la, mas sim,aproveitando-a de forma a não esgotar os seus recursos.Quando isso fosse alcançado eles sabiam que Harmonie teriasido reconstruída, e o pai de Heródoto, Heráclito, poderiadescansar em paz.

Tudo caminhava perfeitamente bem. Harmony erauma menina linda. A pele alva contrastava com o preto deseus cabelos. Heródoto e Haidê haviam acertado: onascimento da princesa Harmony deu início a um ciclo deharmonia com a natureza. Quanto mais tempo passava maisela demonstrava sua adoração pelos animais, pelas árvores,pelas flores e jardins. E mais ela espalhava harmonia no reinode Harmonie. [...]”

De repente Harmony ouviu repetidos sons em suaporta.

- Harmony?

Droga!

- O que foi, mãe?

E a mãe de Harmony, Lívia, abriu a porta de seuquarto e sorriu.

- Está na hora do almoço...

Harmony retorceu a boca. Fechou o livro, constrangidae com pressa. Tentou escondê-lo de sua mãe jogando-o paradebaixo de sua cama. Só que parte do livro ficou à mostra. E

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depois, Lívia o reconheceria de longe, pela capa diferente quepossuía, e pelo jeito constrangido de sua filha.

Lívia sorriu outra vez.

- O que foi? Que cara é essa?

- Nada, mãe... Eu já estou indo, está bem?

Balançou a cabeça para os lados ao confirmar qual erao livro que sua filha escondeu. Mas não falou nada, fingiu nãoter percebido. Apenas olhou para sua filha, confusa, e deixouo seu quarto, voltando para a cozinha.

Harmony pegou o livro debaixo de sua cama e ofolheou rapidamente.

Queria tanto saber o final dessa história! Se eupudesse lembrar...

O livro não tinha todas as folhas.

Depois que o pai de Harmony falecera a serviço, Lívialevou sua filha para morar em diversas cidades. Lívia dizia aela que era perigoso continuarem por muito tempo no mesmolugar, pois Caio fora morto em uma emboscada preparadapara ele por uma das quadrilhas que ele investigava comodelegado de polícia. Harmony nunca discutira, viviamergulhada em seu mundo de leituras, e isso era o que mais afazia feliz.

Em alguma daquelas inúmeras mudanças de cidadeque fizeram, algumas coisas acabaram por se perder. O livrosobre o castelo de Harmonie não passou invicto. Não foiperdido, mas Harmony logo se deu conta de que faltavam as

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últimas páginas, além de que, algumas das páginas deleestavam praticamente em branco, ilegíveis.

Se eu pudesse me lembrar da época em que opapai lia essa história para mim... Ou se a minha mãese lembrasse... Droga! Por que ela nunca gostou delivros? Ela nunca apostou no papai...

Essa era a história predileta de Harmony. Aliás, o seupai repetia incessantemente a ela que seu nome havia sidoescolhido por causa do reino de Harmonie, livro escrito porele mesmo quando cursava a faculdade, porém, nuncapublicado.

Talvez esse fosse o motivo da adoração pela históriade Harmonie. Tratava-se de um livro único, escrito por seupai, e constituía a lembrança física mais próxima que elapoderia ter dele.

Ainda deitada em sua cama ela suspirou e levou olivro para cima de seu peito.

E o meu nome veio daqui...

Escondeu o livro debaixo de seu travesseiro. Trocoude roupa e saiu de seu quarto. Foi até a cozinha ajudar suamãe a arrumar a mesa, e as duas almoçaram. Mas aqueleburaco deixado pela história de Harmonie não lhe saía dacabeça.

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A TELA

Duas horas da tarde. Era uma terça-feira chuvosa.Harmony já aguardava o seu professor particular de pintura noteatro municipal. Ela adorava essas aulas. Talvez, depois desuas leituras, fosse o que ela mais gostasse. Lá ela podiaconcretizar aquilo que sentia ao ler. Todas as sensaçõescausadas pelos mais variados livros que já haviam passadopela mente de Harmony acabavam, de uma forma ou de outra,expressados em suas telas.

- Harmony! Desculpe-me pelo atraso... Sabecomo é quando chove, o trânsito fica uma loucura e eunão consegui sair mais cedo de casa...

- Não diga mais nada! Não vamos perdertempo com isso! Olha só, Bruno, eu tenho umasurpresa para você...

- Surpresa?

- Quer dizer, é quase uma surpresa, mas eu nãovou aguentar... Não dá para esperar mais!

Bruno sorriu. Achou graça daquele ar de mistério epegou as chaves da sala. Ela começou a rir.

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- Eu já abri a sala, pedi a chave na secretaria.Minha mãe me trouxe hoje. Cheguei mais cedo sópara...

Harmony nem terminou o que iria dizer. QuandoBruno abriu a porta, viu uma tela com tamanho de 80 por 50centímetros.

- Harmony! Isso aqui... É...

Olhou boquiaberto para sua aluna e se aproximou datela.

- Simplesmente fantástico! Como você pôdeesconder essa preciosidade de mim por tanto tempo?

Harmony sorriu.

- Yes!

Sentiu-se realizada. Não conseguia, e nem queriaesconder sua alegria por ter praticamente terminado aquelapintura sozinha. Foi para perto da tela e de Bruno.

- Então você gostou? Você também gostou?Achou verdadeiramente que está um trabalhocaprichado?

- Com certeza!

Bruno olhou mais detidamente aquela tela, econtinuou.

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- Claro, falta fazermos os últimos retoques efinalizá-la com o verniz, para que essa tela dure paratodo o sempre... Mas... Isso é só um detalhe!

Abraçou Harmony e lhe parabenizou.

- Mas você gostou do tema também?

- Vejamos...

Bruno esperou alguns segundos antes de responder apergunta de sua aluna.

- É claro que sim! Um castelo, Harmony! Umcastelo! Isso é algo dificílimo... E com essa riqueza dedetalhes. Veja só isso! Você chegou até a pintar osdetalhes do símbolo que representava a família queteria vivido nesse castelo...

Harmony soltou uma lágrima.

- Sim...

- Você copiou essa pintura de onde?

Ela se afastou da tela, um pouco embaraçada.

- Eu criei... Eu criei!

- Eu nem sei o que dizer. Você quer ser minhaassistente?

Os dois riram.

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- É... Porque diante disso aqui não posso maisser seu professor!

Bruno parou de rir.

- Brincadeiras à parte, minha linda! Como sechamará essa preciosidade?

Harmony não respondeu imediatamente.

Aquela pintura estava sendo criada há quatro mesespor ela, que não se importou com o tempo. O que ela queriaera que ficasse perfeita, que representasse perfeitamente ocastelo de Harmonie, como na história que seu pai criara.

Deu uma volta pela sala de suas aulas de pintura. Porum breve momento teve uma sensação esquisita. Umsentimento de tristeza a invadiu. Bruno chegou a se aproximardela e perguntar se estava tudo bem, mas ela desconversou.Respirou fundo e respondeu a pergunta dele.

- Harmonie.

- É justo. Afinal, primeira obra que você pintousozinha, e, diga-se de passagem, com maestria.

Harmony desviou o seu olhar do de Bruno. Ela nãoexplicou que não se tratava de seu nome, e sim, do castelodescrito na história que seu próprio pai criara. Ninguém, alémda mãe dela, conhecia essa história.

Depois daquela estranha sensação que Harmony tivera,o silêncio predominou no ambiente. Parecia que existia umaparede entre os dois. Não tinha relação com Bruno, mas comas sensações estranhas que passaram a invadi-la. Ela não

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estava entendendo, e muito menos sabendo como lidar comaquilo. Não queria se expor. Por isso mesmo achou melhorpermanecer em silêncio.

Bruno até tentou iniciar alguns assuntos. Ele atémesmo mencionou que entendia o que ela deveria estarsentindo. Fora a primeira tela, e agora estava terminada. Erauma alegria, mas ao mesmo tempo deixava no peito um vazio,por ter sido acabada. Mas nada adiantou. Harmonymeramente respondeu, e de forma vaga, aos primeiroscomentários que Bruno fizera.

O restante daquela aula foi dedicado somente afinalizar Harmonie. E Harmony quis fazer sozinha os retoquesnecessários, sem deixar que Bruno interferisse e tocasse natela. Ela apenas seguiu as orientações dele. E essas foram asúnicas palavras ainda trocadas entre professor e aluna naquelaaula.

Quando eram três horas e trinta minutos, Harmony seassustou. Guardou apressadamente seu material.

- Minha mãe já deve estar esperando por mim...Eu preciso ir!

- Claro. Quer ajuda?

Bruno ia tocar na tela, mas Harmony interveio.

- Não!

E se colocou diante de Bruno.

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Ele olhou assustado e não encostou um só dedo natela.

- Calma... Eu só ia carregá-la até o carro paravocê. É grande, deve ser pesada.

Harmony baixou o tom de sua voz, assustada com suaprópria reação.

- É que eu quero fazer tudo sozinha... Essa telaé muito especial para mim.

Bruno agitou as mãos. Estava surpreso, mas não disseuma só palavra. Apenas se despediu.

Assim que Harmony chegou a casa com sua mãe,correu com a tela para dentro de seu quarto. Não queria maisdeixá-la no quarto de pintura.

Minha mãe pode querer tocá-la... Melhordeixá-la aqui comigo. A partir de agora só eu possomexer nela.

Trancou a porta de seu quarto e ouviu sua mãe achamar. Deixou a tela sobre a cama e foi para perto da porta,encostando seu corpo a ela. Lívia queria que as duas fossemcaminhar, conversar, aproveitar as férias do colégio. Harmonyvoltou para sua cama e inventou que não se sentia muito beme que queria ficar no quarto.

Ótimo! Vou ficar sozinha em casa...

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Apoiou a tela de Harmonie sobre a cadeira de suaescrivaninha e ficou admirando-a. Assim que ouviu sua mãesair, abriu a porta de seu quarto. Foi até a cozinha e buscouuma vela.

Quando entrou em seu quarto outra vez, franziu ocenho.

Ei... Essa cadeira... Eu não mexi nela, eu sóapoiei a tela. Ah, estou mesmo maluca.

Mas a cadeira que apoiava a tela estava virada defrente para o espelho do quarto de Harmony. Ela começou arir.

Aliás, o que é que eu estou fazendo com essavela na mão?

Fechou as cortinas e se sentou no chão, cruzando aspernas a sua frente, em direção à tela de Harmonie, de costaspara o espelho, e largou a vela do seu lado direito.

Depois de alguns minutos olhandocompenetradamente para Harmonie, ela se distraiu, olhou parao seu lado direito e viu que a vela estava acesa. Levou umsusto e se levantou.

Ah, não! Eu não posso estar tão maluca assim!Eu não acendi essa vela! Tenho certeza disso!

Olhou ao seu redor, mas não havia nada por ali. Elaestava sozinha.

Passado o susto, Harmony se aproximou do espelho.Encostou a sua testa e as mãos nele por alguns segundos.

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Que saudades de você, pai... Se eu pudesseencontrá-lo de novo, dizer o quanto eu sinto a suafalta...

De repente viu um clarão. Desencostou-se do espelhoe se virou de frente para a tela de Harmonie novamente.

Parece que tem alguns pontos mais claros... Écomo se as luzes do castelo de Harmonie estivessemacesas.

Riu daquele pensamento. Mesmo assim, aproximou-sevagarosamente da tela para investigar. Mas quanto mais seaproximava, mais aquelas luzes pareciam enfraquecer.

É claro...

Deu mais uma risada, embora com certo nervosismo, efoi se sentar no mesmo lugar de antes.

Pai... E Harmonie, hein? Por que você nuncapublicou? Agora eu poderia saber o que aconteceu...O que você escreveu! Ah! Deixa pra lá.

Assoprou a vela que estava ao seu lado e fechou osolhos.

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