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Epistemologias que curam: por conhecimentos Indígenas, negras e Quilombolas na Universidade Federal de Goiás Marta Quintiliano Universidade Federal de Goiás Vanessa Fonte de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Sul Letícia Jôkàhkwyj Krahô Universidade Federal de Goiás RESUMO: Este texto propõem uma reflexão acerca dos conhecimentos dos estudantes indígenas, negros e negros quilombolas na pós-graduação da UFG que ao adentrar dentro do espaços acadêmico acabam adormecidos em detrimento do conhecimento eurocêntrico. Portanto como validar as matrizes de conhecimentos indígena, negra e negra quilombola na academia? Como discursar/criar teorias em um espaço que por muitos anos construiu os nossos corpos como objeto exótico? É possível uma relação assimétrica de saberes com a academia? Como metodologia utilizou a revisão bibliográfica a partir dos autores negros, negros quilombolas e indígenas e etnografia para captar as redes de significações construídas pelos sujeitos que antes eram compreendidos apenas como objetos de pesquisa. Introdução Com objetivo de democratizar o Ensino Superior a Universidade Federal de Goiás desde 2009 com o programa UFGInclui que tem como objetivo inserir as populações que foram historicamente excluídas (indígenas, negras quilombolas, surdos Letras Libras), porém com a aprovação da Lei das Cotas em 2017 que reserva 50% das vagas para candidatos de escola públicas com renda inferiores, negros e indígenas a UFG decide permanecer com o programa UFGInclui que reserva (1) vaga para o candidato indígenas e (1) vaga negro quilombola e (15) vagas para o surdo letras para curso letras libras em cada curso onde houver demanda. Em 2013 com a criação do Coletivo de Estudantes Indígenas e Quilombolas da UFG (Uneiq) e com demandas pontuais para entrada, permanência e saída quaisquer

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Epistemologias que curam: por conhecimentos Indígenas, negras e Quilombolas na

Universidade Federal de Goiás

Marta Quintiliano

Universidade Federal de Goiás

Vanessa Fonte de Oliveira

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letícia Jôkàhkwyj Krahô

Universidade Federal de Goiás

RESUMO: Este texto propõem uma reflexão acerca dos conhecimentos dos estudantes

indígenas, negros e negros quilombolas na pós-graduação da UFG que ao adentrar

dentro do espaços acadêmico acabam adormecidos em detrimento do conhecimento

eurocêntrico. Portanto como validar as matrizes de conhecimentos indígena, negra e

negra quilombola na academia? Como discursar/criar teorias em um espaço que por

muitos anos construiu os nossos corpos como objeto – exótico? É possível uma relação

assimétrica de saberes com a academia? Como metodologia utilizou a revisão

bibliográfica a partir dos autores negros, negros quilombolas e indígenas e etnografia

para captar as redes de significações construídas pelos sujeitos que antes eram

compreendidos apenas como objetos de pesquisa.

Introdução

Com objetivo de democratizar o Ensino Superior a Universidade Federal de Goiás

desde 2009 com o programa UFGInclui que tem como objetivo inserir as populações

que foram historicamente excluídas (indígenas, negras quilombolas, surdos Letras

Libras), porém com a aprovação da Lei das Cotas em 2017 que reserva 50% das vagas

para candidatos de escola públicas com renda inferiores, negros e indígenas a UFG

decide permanecer com o programa UFGInclui que reserva (1) vaga para o candidato

indígenas e (1) vaga negro quilombola e (15) vagas para o surdo letras para curso letras

libras em cada curso onde houver demanda.

Em 2013 com a criação do Coletivo de Estudantes Indígenas e Quilombolas da

UFG (Uneiq) e com demandas pontuais para entrada, permanência e saída quaisquer

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curso que o estudante desejasse. Sendo assim, foi construída juntamente com a

coordenação de Inclusão e Permanência (CIP) estratégias de comunicação comunitária

para que mais candidatos pudessem ingressar na academia a partir de uma linguagem e

uso de ferramentas que as comunidades pudessem acessar. Como bem sabemos algumas

comunidades não tem acesso a direitos básico como, por exemplo, água e energia as

politicas públicas de fato não chegam às comunidades muitas delas existem no papel e

sabemos de muitos casos que foram publicizado nas mídias sociais de inauguração de

escolas, energias, estradas asfaltadas, porém as comunidades não receberam o serviço.

Por isso a importância de ocupar as universidades e compreender os códigos para ajudar

a comunidade em questões burocráticas.

Na primeira reunião dos estudantes do UFGInclui a maioria das falas afirmavam

que estavam na Universidade que existem demandas pontuais da comunidades que o

poder público não alcançam porque de fato não é de interesse. E ocupar o espaço

acadêmico tem com os objetivos bem definidos tornam-se profissionais em curso que a

comunidade demanda e atuarem nas comunidades. De acordo com a Vercilene F. Dias

A gente chega à Universidade com muita expectativa de aprender para

defender a nossa comunidade, no entanto o que acontece e o

epistemicídio dos nossos conhecimentos aprendemos na matriz

curricular branca, se queremos ter uma formação pluriespistemica é

uma busca para encontrar professores que oferecem disciplinas com

autores negros, indígenas e negros quilombolas e como os nossos

conhecimentos servissem apenas para abastecer a academia.( entrevista)

Para nós estudantes cotistas que transitam o espaço acadêmico torna-se um

desafio, os nossos corpos não são os desejáveis, tampouco os nossos conhecimentos e

por mais que tentamos nos posicionar na academia a estrutura acadêmica é branca. É

necessário problematizar a branquitude pois são eles que pensam, confeccionam os

planos pedagógicos, e a UFG com uma quantidade de estudante indígenas tanto na

Educação Intercultural como na graduação regular e os estudantes quilombolas e negros

é necessário levar a sério a inclusão de autores que contemple essa diversidade.

O Plano Pedagógico Político da UFG, no artigo 15, orienta que se deve ater a

inclusão nas matrizes curriculares dos cursos da universidade, para atender a “I -

História e Cultura Afrobrasileira, Africana e Indígena; II - Educação para os Direitos

Humanos; III - Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; IV

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- Educação Ambiental; V - Componente curricular de Libras”. Este último opcional

para o grau bacharelado. Os PPC em sua matriz curricular privilegia como optativa

libras, e as demais são ignoradas, sendo que história da cultura afro-brasileira, africana e

indígena contam com o esforço de alguns professores negros em oferecer disciplinas

optativas que contemplem os teóricos indígenas, negros e negros quilombolas, porém

essas disciplinas são as menos procuradas pelos estudantes não negros.

Não há como uma universidade se comprometer com a democratização do

acesso ao ensino superior e se eximir da responsabilidade da inclusão de outras formas

de saber, de valoração e reparação das violências às quais esses povos foram e ainda são

submetidos. Em concordância com a pesquisadora Célia Krakiabá no território

acadêmico os nossos corpos são a cura para esse espaço que está doente e através das

nossas pinturas e danças vão curando esse espaço.

Território nosso corpo, nosso Espirito.

Existem práticas de ensino que iremos detalhar no decorrer do texto que não se

insere no conhecimento eurocêntrico como saberes por serem praticados pelas

populações que ao longo da história foram marginalizados. Dessa forma, apontamos

Sueli Carneiro que afirma o epistemicídio como uma ferramenta poderosa de

extermínio dos conhecimentos produzidos pelos negros e acrescento indígenas, sendo

que ao matar o intelecto consequentemente o corpo morre “ se a sua mente está morta,

seu corpo ir embora é muito mais fácil”( KL Jayz, 2017).

A branquitude se constitui como a suprema em relação aos outros povos em

algumas situações usurpando os conhecimentos desses sujeitos pode citar inúmeros

exemplos de apropriação dos saberes que ao logo da construção da narrativa dos

colonizadores foram embranquecidas. Como por ex: Egito, Medicina, Geografia,

Matemática conhecimentos oriundos da África que foram reproduzidas pelos livros

didáticos e reforçados pelas mídias sociais, a ideia construir uma narrativa que excluem

e marginaliza os saberes que não foram embranquecidos por eles.

O movimento negro e os povos indígenas há tempo vêm reivindicando o direito

à educação diferenciada a partir da vivência da comunidade “parece impossível falar de

vida escolar sem falar da vida social da comunidade em que se vive” (Rodrigues, 2016).

As ações afirmativas trouxe um respiro na educação superior com entrada de outros

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sujeitos com corpos e saberes que difere da branquitude, portanto as diferenças não

promoveram uma inserção dos conhecimentos nas grades curriculares eurocentrada e

apesar dos avanços da lei 10.639 e, posteriormente a Lei 11.645 que orienta o ensino da

cultura afro- brasileiras e indígenas em todas as esferas de ensino de forma positivada

para o combate da discriminação os cursos na sua maioria disponibiliza uma ou outra

disciplina para cumprimento do protocolo.

Pensar a academia como um espaço a ser ocupado por nós negros quilombolas,

negros e indígenas e quaisquer outras minoria política que queira acessar como um

direito negado ao longo da história. A ocupação desses espaços como um meio

estratégico de não sermos mais enganados pelos brancos que chegavam com o discurso

que é solidário as nossas demandas, quando na verdade estão do lado do estado. E, isso

ocorre justamente pela falta de uma matriz curricular que privilegia a história dos povos

negros, negros quilombolas e indígenas ao serem mencionadas nos livros didáticos as

narrativas normalmente aparecem de forma negativa que não colabora com a formação

de um sujeito que reconheça as diferenças e a diversidade de povos. No livro ideias para

adiar o fim do mundo o pesquisador Ailton Krenak nos afirma que:

A ideia de nós, os humanos, nos descolamos da terra, vivendo

numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a

diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de

existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo

figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo (2019,

p.23).

O neoliberalismo se disfarça de diverso, plural e inclusivo quando se trata dos

povos indígenas, negros quilombolas, ciganos, ribeirinhos e outros povos com o

discurso que existe uma aliança. No entanto, não passam de estratégias construídas para

a dominação dos nossos corpos e espíritos e a destruição dos nossos territórios.

Podemos pensar a Educação como uma instância de poder criada e pensada para servir a

branquitude, e excluir/ punir todo o resto que busca preservar o seu modo de vida.

Sendo assim, nesse momento destacamos algumas atividades que priorizam e

dialogam com a educação, realizada por nós autoras do texto, tais como a oficina de

turbantes realizadas por Marta Quintiliano, a vivência da capoeira angola na

ancestralidade e nas redes familiares de Vanessa Fonte e as experiências de pintura e

vida krahô de Leiticia Krahô.

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Oficinas de turbantes na luta antirracista

O pano na cabeça é uma herança da ancestralidade africana. Na minha família as

mulheres como homens sempre usaram os panos para proteger do sol quando iam

cultivar a terra, e em minhas memórias as mulheres estavam sempre utilizando o pano

de diferentes formas para carregar a lata de água na cabeça ou para participar de algum

evento. Cresci compreendendo a utilidade do pano na cabeça associado à proteção do

sol, estética que mais tarde na Universidade conheci com outro nome turbante que tem

haver com empoderamento da mulher negra.

E, assim na minha formatura da graduação usei o Turbante como homenagem

as mulheres e homens da minha família que não tiveram acesso à educação, porém não

deixam de serem produtores de saberes. A única de três turmas de formados em

comunicação a usar turbantes para alguns foi encarada com pêndulante, porém ninguém

se espantou com ausências de negros enquanto formados. No entanto uma africana que

estava formando também me disse “ você nos representa e isso ficará pra sempre na

história dessa Universidade”. Por sermos negados o direito de saber a história a nossa

memória aos poucos resgatam a nossa ancestralidade e nos impulsiona a criar nos

espaços alternativas de troca de conhecimentos.

Imagem 1: formatura da graduação em comunicação Social -2014.

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Fonte: Arquivo pessoal

Compreendi que precisava repassar esse conhecimento para mais pessoas e

assim comecei desenvolver oficinas de Turbantes nas universidades, escolas públicas e

eventos que discutiam questões relacionadas à negritude. Todas as oficinas que fiz me

acrescentaram como uma mulher preta quilombola que busca preservar o seu modo de

viver no mundo, em alguns casos de racismo extremo, porém acredito que as oficinas

ajudaram mais na construção de seres humanos melhores. Além, de colaborar com a

construção de sujeitos antirracistas.

Imagem 2: Oficina de Turbante na Escola Municipal de Goiânia.

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Fonte: Arquivo pessoal

Buracão da Arte: A Capoeira Angola como arte terapia

A capoeira é uma expressão da cultura afro-brasileira que mistura o corpo e

ancestralidade. A origem da Capoeira é um tema incerto na nossa história. Grande parte

das fontes pesquisadas acreditam na hipótese de que a Capoeira tenha sua origem no

Brasil, desenvolvida por povos africanos que foram escravizados e trazidos para o país.

Bem como as manifestações negras, a capoeira é um movimento de resistência

dos africanos no Brasil, posteriormente desenvolvido (movimento) por seus

descendentes afro-brasileiros. Hoje, há duas modalidades de capoeira: Angola e

Regional. Os maiores representantes dessas correntes são Mestre Pastinha, Vicente

Joaquim Ferreira Pastinha, (1889-1981) criador da Capoeira Angola e Mestre Bimba,

Manoel dos Reis Machado, (1900-1974) criador da Luta Regional Baiana, ambos

nascidos no estado da Bahia.

Dessa forma, temos o objetivo de pensar a Capoeira Angola desenvolvida no

grupo Só angola, localizado no Ponto de Cultura Buracão da Arte em Goiânia, como

uma arte terapia. O Grupo Só Angola, foi idealizado por Vandely Francisco e Vanderley

Francisco, dois irmãos negros, descendestes de indígenas, pela linhagem de sua avó

paterna da etnia Karajá, que iniciaram suas carreiras na Academia Cordão de Ouro, com

o Mestre Zumbi na Capoeira Regional de 1983 a 1986.

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Imagem 3: Mestre Vermelho e Mestre Caçador, com o Mestre Waldemar e

Mestre Boca Rica na Bahia

Fonte: Associação de Capoeira Angola de Goiás

Após esse período iniciaram-se o intercâmbio entre Goiânia-Goiás com Bahia-

Salvador, e passaram então a praticar a Capoeira Angola com os Mestres renomados da

Bahia, como o Mestre Boca Rica, João Grande, João Pequeno, Valdemar, Bobó e

outros, e o curioso é que todos estes Mestres foram discípulos de Mestre Pastinha o

percussor da Capoeira Angola. Mestre Vermelho (Vandely) e Mestre Caçador

(Vanderley) se tornaram discípulos de Mestre Boca Rica, aluno de Mestre Pastinha1.

O grupo inicialmente era composto por seis pessoas: Mestre Vermelho, Mestre

Caçador, Besouro, Mestre Guaraná e as Contra Mestres Ana Maria e Valéria Costa, os

quais tiveram fundamental importância na divulgação e consolidação da Capoeira

Angola no Estado de Goiás, todos de Goiânia.

A Associação de Capoeira Angola do estado de Goiás foi fundada em 14 de julho

de 1988, e teve como presidente Mestre Vermelho (Vanderly Francisco) e, a partir desse

momento, o grupo foi se expandindo e hoje tem núcleos nas cidades de Pirenópolis,

Anápolis, Tocantins, Taquaruçu. Itumbiara, Florianópolis e recentemente na cidade de

Bordéus na França.

O Ponto de Cultura Buracão da Arte surgiu através da ideia de proporcionar

atividades culturais direcionadas para a comunidade local, crianças jovens, adultos

1 Vicente Ferreira Pastinha, conhecido por mestre Pastinha, foi um dos principais mestres de Capoeira da

história, começou a aprender capoeira aos 8 anos de idade com o Mestre africano Benedito. Tornou-se

professor de capoeira, assim organizou a arte do jogo e estabeleceu um método de ensino com base em

antigas tradições trazidas por africanos escravizados, que constitui a Capoeira Angola.

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assim como para a população em geral. O desejo de transformar a Associação em Ponto

de Cultura fez com que o grupo elaborasse vários projetos, que foram apresentados à

Secretária de Cultura da Prefeitura, entretanto, tais projetos foram recusados.

A iniciativa foi exitosa somente quando um aluno se dispôs em escrever o projeto

Buracão da Arte no ano de 2010, assim em 2011 foi aprovado. O projeto é importante

para a comunidade, pois a região é carente de iniciativas por parte do poder público, no

sentido de promover a cultura e o lazer, que poderiam fomentar uma sociabilidade

saudável, vez que a região é conhecida pelos elevados índice de criminalidade violenta.

O Ponto de Cultura tem como objetivo, minimizar estes riscos e proporcionaram

desenvolvimento cultural, assim como uma integração social através das manifestações

culturais propostas. A principal atividade do “Buracão da Arte” é a Capoeira Angola,

ela é a mais procurada por crianças, jovens, adultos e idosos, ao questionarmos o

móvito, o Mestre Vermelho destaca que a Capoeira é uma terapia de resistência da

população negra, pois além de trabalhar com o corpo movimenta a mente.

TABELA 1: Capoeira Angola

Valores Motivações Expectativas

Respeito ao próximo;

Bondade;

Solidariedade;

Coletividade;

Trabalhar o corpo e a mente;

Coordenação motora;

Aprender sobre a cultura afro-

brasileira;

Tentar entender sobre as histórias

dos ancestrais que vieram do

Continente Africano para o Brasil;

Ser conhecedor dessa arte;

Equilíbrio físico e tentar

alcançar o equilíbrio da mente;

Ocupar um potencial na cultura;

Utilizando-se das atividades do Ponto de Cultura, a Capoeira Angola promove

uma preservação da regionalidade negra. O movimento interage com compreensões das

origens através das histórias africanas e afro-brasileiras, apoiando-se em materiais que

dê subsídios para o entendimento da cultura brasileira, como uma linguagem híbrida,

com um trabalho coletivo no qual o educador é na verdade, um “estimulador” e os

alunos os próprios “criadores”.

Conforme pontuou OLIVEIRA (2013) a Capoeira Angola, “trata-se, então, de

uma prática corporal que estabelece a inter-relação com o outro e com o conjunto (roda,

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canto, jogo, instrumentos, luta e dança), esse conjunto da Capoeira, penetra no corpo do

praticante”.

Ao experimentarmos a pratica da Capoeira Angola junto ao grupo Só Angola,

tivemos a oportunidade de perceber que esta atividade é composta por uma

fundamentação filosófica impostas por relações, religião, educação, música, diálogo e

outras manifestações culturais.

Imagem 4: Roda de Capoeira Angola

Fonte: Associação de Capoeira Angola de Goiás

A estrutura musical de uma roda de Capoeira Angola é importante, cuja as

músicas orientam o entendimento sobre o estar presente naquele momento e naquele

lugar. O canto é puxado por quem está tocando um dos três berimbaus, os outros

respondem em forma de coro.

A roda inicia-se com um canto chamado ladainha depois temos os outros cantos

conhecidos como corridos. A bateria da roda de Capoeira Angola é composta por oito

pessoas e oito instrumentos sendo: três berimbaus (Gunga, médio e viola) dois

pandeiros, um agogô, um reco-reco e um atabaque. Ao som da bateria se desenrola o

jogo da capoeira, também conhecido como “vadiação”.

Segundo GOMES; e FERNANDES (2005) a aprendizagem da Capoeira está

baseada na memorização, e que todos os processos de aprendizagem acontecem através

da participação ativa de todos os alunos. Os saberes e fundamentos da Capoeira Angola

são transmitidos oralmente, pelos Mestres, ao observar as aulas se percebe que a

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Capoeira Angola é um campo educativo, onde existe uma união de um processo do

conhecimento a ser desenvolvido e preservado, o Mestre e o aluno estão conectados

numa cumplicidade de vida.

Dessa forma concluímos que a prática da Capoeira Angola é sim considerada uma

arte terapia aos seus praticantes, porque ela trabalha com as movimentais corporais e

mentais. Mestre Pastinha disse sobre a Capoeira Angola “Mandinga de escravo em

ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio

capoeirista”. A capoeira Angola, movimenta o corpo e alma.

Grafismo do povo Krahô

Chegou um ponto em que as mulheres

botaram os homens para trás. Sabia que

tinha alguma coisa certa ainda. E foi com as

mulheres. Aí eu falei para os senhores: “O

homem também tem muita coisa para fazer,

só que tem coisas que os homens falam que é

deles, e não é. (KRAHÔ PRUMKWYJ,

2017, p. 110)

Sol ensinou para as mulheres-cabaças e elas

repassaram para os seus filhos e os homens-

croás. Envolvidos na rama que os

relacionam entre si, esses homens

compartilharam esse conhecimento.

(KRAHÔ PRUMKWYJ, 2017, p. 110)

O papel das mulheres nos contextos das aldeias do povo Krahô é muito

importante, em especial, os seus conhecimentos originários sobre as histórias de vida

desse povo. A história da estrela, Caxekwýj, reafirma o caráter matrilinear de Caxekwýj.

Ela é ensinada aos Mehi (indígena) pelos mais velhos das aldeias.

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Por anos o povo Krahô viveu de um lado para ou outro até a ocuparem

definitivamente a Terra Indígena Kraholândia, hoje demarcada pelo Governo Federal.

Mesmo diante das distintas situações de imposição do não indígena sobre o povo Krahô,

esse não conseguiu retirar de nós os nossos traços culturais, os quais são muito

marcantes na cultura Krahô, que é a manutenção e o fortalecimento cotidiano de boa

parte de nossos ritos relacionados à memória, a vida social, a econômica e a espiritual.

Isto apesar do seu longo período de contato com a sociedade dominante não indígena,

desde as frentes de colonização, o povo indígena Krahô ainda mantém seus costumes,

dentre eles o de contar histórias. Na aldeia a vida é muito simples e calma. Nós, Mehi,

não estamos preocupados com nada. Se tiver roça plantada, se tem aula na escola, se

tem história sendo contada, se tem música, se vivemos no jeito Mehi, a preocupação é

pouca. As crianças passam o dia brincando e tomando banho no rio e só vão para casa

quando estão com fome ou os pais vão buscar brigando com eles.

Nossas aldeias são de formato circular, o que compreendemos a partir da

narrativa que conta que foi o Sol que deu a estrutura física para o povo Mehi. Conta a

história que o Sol desceu até a Terra e organizou a aldeia nesse formato considerando o

seu próprio formato circular, conforme apresenta a Figura a segui.

Kájpê Krî

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Do alto dessa serra pudemos também observar e reafirmar a forma tradicional do

povo Krahô organizar suas aldeias no formato circular, tendo as casas dispostas ao

longo desse círculo. O formato circular de nossas aldeias, destaco uma dentre as várias

narrativas, por mim ouvidas desde a minha infância, a saber: A lua (Pytwýr)ê,

perpassando a criação e formação dos primeiros Mehi. Que, como o rôpin Pytwýrê não

mudava o seu comportamento Amcrô o Sol chamou para uma conversa séria! Assim

disse o Amcrô: – Temos que volta para céu – cojkwa, porque não podemos ficar mais

aqui na terra – pjê.

Na aldeia tudo é na prática, ela aprendeu a coletar frutas; a subir no pé da

bacaba, palmeira muito alta que precisa de muita técnica, para se retirar os frutos, que

ficam presos a um cacho, no alto do pé da bacaba. A tirar o jenipapo para fazer as tintas

que usamos para nos pintar; a ser corredora; tomar banho todos os dias, primeiro que os

outros, pois segundo minha bisavó, a água está limpa; a comer pouco, pois ela precisa

ser leve para fazer corridas; a saber quais comidas podem fazer mal, quando se tem um

nenê; quais os cuidados com o corpo; quais os alimentos certos para não ter cabelos

brancos; para não ter problemas nas vistas. A ser uma boa esposa e saber cuidar dos

filhos. Aprendemos assim: sabemos fazer desenho no corpo, pintar, cortar o cabelo do

jeito Krahô, só quem corta o cabelo das pessoas é a mulher mais velha que não

menstrua mais, uma mulher nova não pode cortar o cabelo de ninguém.

No meu Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em História na

Universidade Federal de Tocantins (UFT), realizei estudos que descreveram alguns ritos

e narrativas do povo Krahô. Com o meu pertencimento e origem de ser Mehi, pude

trazer para o diálogo acadêmico as compreensões tradicionais face aos estudos

adquiridos no Ensino Superior. Um dos desafios enfrentados por mim agora, como

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pesquisadora antropóloga é o de transformar o que aprendi na oralidade em escrita, que

são as narrativas do meu povo.

As pinturas corporais que são um símbolo para nós mehi, geralmente somos

pintados quando tem festas culturas, quando a gente vai pra uma caçada longe da aldeia,

nossas pinturas tem alguns significados, os dois que são as bases são um no vertical e

outro na horizontal. Nós nos pintamos com jenipapo (a fruta ainda verde) que ralamos,

esquentamos e depois de fria nós nos pintamos de forma coletiva, sempre tem alguém

que pinta depois é pintado, como disse anteriormente a pintura vai de acordo com o rito,

normalmente a pintura dura umas quinze dias no corpo, também tem o urucum que a

tinta fica vermelha no corpo também chamado como protetor solar que protege a pele,

em festas específicas usamos as penas dos passados como periquito e juriti (pequenos

aves do cerrado).

Festa kyjkajû

Fonte: Prum Krahô, 2003

Momento Intercultural na Escola Indígena Krahô

Fonte: https://portal.to.gov.br/noticia/2018/4/19/tocantins-apresenta-avancos-na-educacao-

indigena/, acesso em 25de agost.2019.

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Nossas pinturas são importantes, pois nós diferenciamos de outros povos também

são usadas para momentos importantes antigamente também era usada para guerrear

entre outros grupos. Desde nossos os antepassados vem sendo preservado esses

costumes de pinturas que nos constituem como povos mehi, sendo assim cada povo tem

suas pinturas e sabe o quanto é importante para sua resistência como indígena. Fora da

aldeia é importante continuar fazendo as nossas pinturas como demarcação de outro

território, porém sem essas características somos criticadas pela sociedade não

indígenas e nas instituições, por isso a importância de manter a nossa cultura e nossos

traços através de nossas pinturas corporais.

E para (não) Concluir

Para nós o conhecimento tem que circular ele não cabe nas caixinhas, nem nas

bolhas, nem no Lattes. É importante que os conhecimentos circulem que de fato exista

uma troca de conhecimento, sabendo que todo o povo tem seus conhecimentos e que

eles possam dialogar dentro e fora da academia. Não podemos entrar nesse espaço e sair

apenas com os conhecimentos eurocêntricos temos as nossos mestres, as nossas

bibliotecas que não podem simplesmente desparecer quando entramos a Universidade.

Com um público de mais de trezentos estudantes indígenas e negros quilombolas

no UFGInclui é de suma importância que os currículos sejam repensados e que

adicionem conhecimentos das nossas comunidade. Compreendam que estamos

reivindicando o acréscimo de outros conhecimentos para que possamos sentir que existe

uma troca de conhecimentos, e que de faro a UFG valoriza os corpos de saberes que

circulam no espaço acadêmico. É que possamos também esta nesse espaço produzindo

conhecimentos que de fato irá impactar as nossas comunidades, através da nossa forma

de SER e EXISTIR nesse país que a cada dia nos matar em prol de uma sociedade que

acreditar fielmente na branquitude acrítica.

Destacamos que as questões indígenas negras e de negros quilombolas se

entrelaçam, e ressaltamos que esse texto não está concluído. Nossos diálogos estão em

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constantes processos, dessa forma, o que podemos destacar é que esses entrelaçamentos

nos permitem criar e consolidar redes nesse meio acadêmico.

E percebemos que essas redes nos possibilitam caminhar, não só apenas em

dialogo com os nossos pares, mas também com as nossas comunidades e com as nossas

novas formas de fazer ciência, nas quais priorizamos nós como sujeitos da pesquisa das

nossas relações e demandas sociais.

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