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Marcos Alexandre Alves Karla Jaqueline Souza Tatsch (Orgs.) Epistemologia, Interdisciplinaridade e Formação de Professores 2015 Nova Petrópolis

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Marcos Alexandre Alves

Karla Jaqueline Souza Tatsch

(Orgs.)

Epistemologia,

Interdisciplinaridade e

Formação de Professores

2015

Nova Petrópolis

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© Editora Nova Harmonia – 2014

Caixa Postal 60, CEP: 95150.000Nova Petrópolis – RSwww.editoranovaharmonia.com.br

Conselho Editorial:

Alejandro Serrano Caldera – UAM, NicaráguaÁlvaro B. Márquez-Fernandez – Maracaibo, VenezuelaAmarildo Luiz Trevisan – UFSMAntonio Sidekum – Presidente, UNOESCGiovani Meinhardt – IEI IvocvtiJohannes Schelkshorn – Uni-Wien, ÁustriaLuiz Carlos Bambassora – UFRGSNadja Hermann – PUCRSRaúl Fornet-Betancourt – Aachen, Alemanha

Diagramação e arte-finalização: Rogério Sávio Link

Revisão: Nivia Ivette Núñez de la Paz

E642 Epistemologia, interdisciplinaridade e formaçãode professores / Orgs. Marcos Alexandre Alves,Karla Jaqueline Souza Tatsch. Nova Petrópolis:Nova Harmonia, 2015.

128p.; 14 x 21cm

ISBN: 978-85-89379-93-9

1. Ensino. 2. PIBID. 3. Formação deprofessores. 4. Epistemologia. I. Título.

CDU 37CDD 370

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Sumário

Apresentação .......................................................................... 5Marcos Alexandre Alves

Karla Jaqueline Souza Tatsch

A Relação entre Universidade e Escola: Complexidade,

Educação e Conhecimento na Formação de

Professores ....................................................................... 9Marcos Alexandre Alves

Karla Jaqueline Souza Tatsch

Fundamentos para uma Educação Comunicativa .............. 23Diego Carlos Zanella

Planejamento Interdisciplinar e Gestão da Aula ................. 33Elisiane Machado Lunardi

A Influência das Tecnologias Digitais na Constituição da

Identidade do Professor de Línguas (Estrangeiras) no

Século XXI ..................................................................... 47Gabriela Q. Marzari

Portfólio como Proposta de Avaliação Interdisciplinar:

Avaliação/Acompanhamento no PIBID Pedagogia .... 63Eliane Aparecida Galvão dos Santos

Greice ScreminFernanda Figueira Marquezan

O PIBID no Processo de Formação Inicial e

Continuada de Docentes ............................................... 75Najara Ferrari Pinheiro

Noemi LenzMaira Knackfuss

Tania Regina Pires Neves

Epistemologia e Interdisciplinaridade no Ensino de

Matemática .................................................................... 83Lozicler Maria Moro dos SantosSonia Regina Prado de Medeiros

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Epistemologia, Revoluções Científicas e as Contribuições

para o Ensino de Ciências e Matemática ...................... 95Janice Rachelli

Marcos Alexandre Alves

Reflexões sobre o Ensino: O Relato de uma Experiência .107Iuri Coelho Oliveira

Educação Ambiental e Sustentabilidade: Saberes

Necessários à Complexidade da Formação Docente .. 113Gislaine Mocelin Auzan

Ail Conceição Meireles Ortiz

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Apresentação

Epistemologia, Interdisciplinaridade e formação de

professores

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID) é um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento dePessoal de Nível Superior do Ministério da Educação, CAPES/MEC,que incentiva estudantes de cursos de licenciatura plena a exercerematividades pedagógicas em escolas públicas de Educação Básica,aprimorando sua formação e contribuindo para a melhoria dequalidade do processo de ensino e aprendizagem dessas escolas.

O PIBID responde ao compromisso da CAPES/MEC deinvestir na valorização do magistério, em nível inicial e permanente,bem como na melhoria da qualidade da educação básica brasileira,tendo como objetivos incentivar os jovens a reconhecerem arelevância social da carreira docente; promover a articulação teoria-prática e a integração entre escolas e instituições formadoras; econtribuir para a elevação da qualidade dos cursos de formação deeducadores.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID) do Centro Universitário Franciscano conta com 164Bolsistas (130 de Iniciação à Docência, 24 de Supervisão, 8 deCoordenação de Área, e 2 de Coordenação Institucional) das áreasde Filosofia, Geografia, História, Letras: Inglês, Letras: Português,Matemática e Pedagogia. Esses bolsistas atuaram, no ano de 2014,em onze escolas públicas conveniadas, sendo sete da rede estadual equatro escolas da rede municipal, atendendo alunos de nível funda-mental e médio, em atividades de monitoria e apoio pedagógico.Além dessas atividades, os bolsistas envolveram-se em reuniões deplanejamento, avaliação das atividades, em estudos teóricos e naorganização e participação em eventos, retomando e fundamentandoas metas do Plano de Trabalho, refletindo sobre os rumos daeducação básica brasileira e [re]significando suas práticas.

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As reuniões de planejamento aconteceram semanalmente nossubprojetos e quinzenalmente no projeto institucional, além dereuniões junto aos cursos de licenciatura e à Pró-reitoria de graduaçãoabordando propostas curriculares, concretizando um programa degestão compartilhada, delineada no projeto institucional PIBID 2014-2017.

Destaca-se, também, o engajamento do grupo na elaboração eedição do II Volume do Caderno Pedagógico; na elaboração e ediçãode uma revista; nas oficinas técnicas e pedagógicas ofertadas nainstituição; e como formadores no curso de formação continuadade professores da rede municipal de ensino.

As ações desenvolvidas pelos bolsistas de iniciação à docência,tanto na Instituição de Ensino Superior, IES, quanto nas escolas,foram orientadas e acompanhadas pelos supervisores e peloscoordenadores de área e institucionais, estes que realizaram visitasperiódicas nas escolas conveniadas avaliando e refletindo sobre asações do Programa junto com os bolsistas, professores e gestores.

O Projeto Institucional PIBID do Centro UniversitárioFranciscano objetiva o fortalecimento da inter-relação e interlocuçãoentre educação superior e educação básica, no sentido de qualificara formação inicial e permanente de professores para a atuaçãopedagógica interdisciplinar, bem como [re]significar e otimizar agestão universitária e escolar. Para atingir os objetivos propostos,são valorizados o planejar, o elaborar e o desenvolver projetospedagógicos integrados entre os subprojetos. Esses projetos envol-vem diversas temáticas relacionadas às questões socioambientais, àética, à cidadania e à diversidade sociocultural, em busca da melhoriada educação básica e do fortalecimento da formação docente.

Para isso, solidificaram-se ações integradoras entre IES, esco-las parceiras dos subprojetos, 8ª Coordenadoria Regional de Edu-cação, Secretaria Municipal de Educação e Conselho Municipal deEducação de Santa Maria, no sentido de dar suporte pedagógico à[re]significação das concepções e ações dos professores e gestoresdessas escolas.

A produção de materiais teóricos e/ou produtos didático-pedagógicos proporcionou uma forte articulação com os demaisprofessores dos cursos de licenciatura da IES, culminando naelaboração e desenvolvimento de projetos de ensino e em produções

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científicas de excelente qualidade. Além disso, uma gestãoinstitucional compartilhada, no âmbito dos cursos de Licenciaturas,tem se efetivado por meio de reuniões mensais de estudos eplanejamento entre coordenador institucional PIBID, coordenadoresdos cursos de Licenciatura da IES e gestores da Pró-Reitoria deGraduação do Centro Universitário Franciscano.

Dentre os resultados obtidos por meio dos trabalhos teóricose práticos dos bolsistas, comprometidos com a qualidade da educaçãobásica, encontra-se o presente livro, composto de textos teórico-pedagógicos escritos por Professores Coordenadores de Área,Supervisores, Bolsistas Egressos, Colaboradores dos Cursos deLicenciatura e Doutorandos do Programa de Pós-Graduação emEnsino de Ciências e Matemática, associados às atividades de pesquisadesenvolvidas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação àDocência (PIBID) do Centro Universitário Franciscano. Cada artigomostra uma dimensão epistemológica, ética, pedagógica, tecnológicae/ou teórico-prática, envolvida na concepção filosófica, política epedagógica do Programa, em vista de uma gestão comprometidacom a formação dos sujeitos/alunos e com a formação inicial econtinuada de professores, cada vez mais conscientes em suasreflexões e ações na formação humana e no mundo em que estãoinseridos.

A proposta central do livro gira em torno de uma reflexãoacerca do desenvolvimento de uma cultura educacional interdisci-plinar, autônoma e comprometida com ações que fortaleçam osprocessos de formação de professores e a melhoria do ensino e daaprendizagem na Educação Básica. Enfim, essa coletânea de textosvisa contribuir para uma profunda discussão sobre epistemologia,interdisciplinaridade e educação, e destina-se a alunos de cursos delicenciatura, professores e gestores da educação básica e do ensinosuperior.

Prof. Dr. Marcos Alexandre Alves

Profª. Ms. Karla Jaqueline Souza Tatsch

Coordenação Institucional – PIBID/CAPES

Centro Universitário Franciscano – Santa Maria, RS

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A Relação entre Universidade e Escola:

Complexidade, Educação e Conhecimento na

Formação de Professores

Marcos Alexandre Alves*

Karla Jaqueline Souza Tatsch**

Introdução

Em um contexto, onde mudanças significativas repercutemdiretamente na realidade social, cada vez mais o conhecimento setorna imprescindível ao avanço de novos saberes e da própria ciência.Nesse cenário, pretendemos enfatizar a importância da Universidadena formação do sujeito, não apenas como um local onde o alunoaprende e o professor ensina (ensino-aprendizagem), mas tambémcomo um espaço privilegiado de encontro inter-humano, depromoção dos saberes e construção de subjetividade.

Para dar conta dessa demanda, a Universidade precisa alterar asua proposta educativa e se abrir para novos processos de construçãoe desenvolvimento do conhecimento. As demandas da Universidadeextrapolam as exigências do seu currículo, lida com realidadesdiferenciadas, com um universo amplo e crescente de informações,que engloba responsabilidades relativas à formação do sujeito quealém de viver as mudanças, desconhece as perspectivas futuras nocampo social e do trabalho.

* Doutor em Educação – PPGE/UFPel. Professor do Curso Filosofia e do Programade Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. Coordenador Institucional– PIBID/Centro Universitário Franciscano.

** Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática. Professora do Curso deMatemática. Coordenadora de Área de Gestão de Processos Pedagógicos – PIBID/Centro Universitário Franciscano. Professora de Matemática na Rede Estadual deEnsino – RS.

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Antes de abordarmos a importância das políticas públicas naformação de professores, nas Instituições de Ensino Superior (IES),faremos uma rápida análise do momento atual, não só comojustificativa para o investimento público no processo de formaçãoinicial e continuada de professores, mas como a identificação deuma possível contribuição nas Escolas Públicas para a construçãode uma melhor qualidade para a educação com a colaboração detodos os envolvidos.

Dentre as diversas políticas públicas brasileiras, voltadas para aformação de professores, destacamos o Programa Institucional deBolsas Iniciação à Docência (PIBID) que oportuniza pensar, refletire analisar o contexto atual da educação, partindo do cotidiano local,em vista de uma análise global. Com a contribuição desse Programa,as Escolas Públicas estão avançando, junto com os professores emserviço e em formação, em vista de um planejamento de conteúdosque possibilitem ir além dos conhecimentos estabelecidos eprogramados, atingindo um currículo, atingindo um currículo queesteja comprometido com a construção do sujeito/aluno e com aformação para a cidadania.

O PIBID tem colaborado na construção de uma mudança naspráticas dos professores, cuja preocupação antes era com o acúmuloe a transmissão de conhecimentos, e atualmente o foco passa a ser oaluno que apreende. Dessa forma, o ensino não está mais voltadoapenas para a busca de informações, mas para o “como” se formaesse sujeito. Disto decorrem algumas indagações: Quem é e comose forma o aluno hoje? O que é preciso para se educar para o fu-turo? Em que medida as novas tecnologias contribuem para aformação do sujeito para este novo tempo?

O grande desafio que se impõe à educação não reside em ensinaros alunos com uma nova metodologia, um novo saber, mas ajudá-los a analisar, pensar, refletir para agir e progredir com um novosaber. Ora, PIBID visa contribuir com toda a comunidade escolar,numa perspectiva de melhor compreensão do sujeito e de suasrelações dentro e fora da escola. Nesse contexto, o educador tem aatribuição de ajudar o aluno na sua formação, o que não se esgotaapenas no racional, mas engloba o sensível e o emocional, seja naformação do aluno da educação básica ou na formação docenteinicial e permanente.

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A educação e a Universidade em tempos de mudanças

Atualmente, inúmeras são as mudanças e os desafios que oseducadores estão enfrentando. O professor não pode ignorar asalterações do mundo vivido, pois as suas repercussões não serestringem aos limites do campo político, econômico ou social. Acada dia surgem novos discursos teóricos ou práticas pedagógicasque repercutem na vida e prática profissional dos professores.

Santos (2008) chama esse momento de pós-modernidade, ondea ciência, suas regras, normas e critérios tomam outra dimensãopelos tempos/espaços de sua execução. Nesse sentido, podemosindicar três contribuições do pensamento pós-moderno para umaeducação crítica: a) reavaliação dos paradigmas teóricos de referênciana produção do conhecimento; b) sistematização dos novosfenômenos: efêmero, modismo, pluralismo e emergência de novossujeitos sociais; c) mapeamento das transformações do mundocontemporâneo.

Os novos tempos trouxeram mudanças significativas a todosos campos, inclusive do próprio conhecimento, que antes eraconstruído de forma hierárquica de baixo para cima, como umaárvore e, hoje, acredita-se que ele é construído em forma de redes.Então, temos um mundo onde mudanças significativas estãoocorrendo, e um mundo dentro da Universidade onde oconhecimento está sendo construído.

Para Morin (2011) os conhecimentos são produzidos por umacomplexidade social que está inserida numa complexidade do sistemasocial, em interação com a própria complexidade do sujeito. Não sómudaram os tempos, mas também a educação que hoje se efetivatranscorre de forma diferenciada dos modelos tradicionais de épocaspassadas. A educação que se pretende de qualidade está inserida nocontexto da informação e da formação de um sujeito/cidadão queviverá e conviverá em sociedade. Por isso, o educador precisa integrar-se às novas exigências presentes no contexto econômico, políticoou social, exigências essas que vão além do ensino-aprendizagemdentro da Universidade, seja em termos cognitivos ou dasnecessidades, interesses ou expectativas dos alunos enquanto seresintegrantes de uma sociedade.

Quando discutimos o significado hoje de educação, percebemosque novos paradigmas estão surgindo, como, por exemplo, o da

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totalidade que tenta unir três eixos paradigmáticos: a) objetividade –conhecimentos e saberes; b) subjetividade – emoções e valores; c)criatividade – novas formas e estratégias para uma vida feliz e melhor.

O circuito da educação como promotora de sentidos leva-nosa pensar e tentar entender a propagação, o consumo de certosrepertórios de conduta, que por si só têm um sentido próprio e quedão consistência ao imaginário de uma época. Esta educação criauma consistência e consciência que dão significado ao mundo a partirde sua própria experiência pessoal. O significado do saber/poderleva-nos a repensar o papel da educação não só como forma deaquisição de um saber, mas como o poder que esse saber adquire nomundo pós-moderno. Que saberes deverão estar implícitos naeducação, em termos de conhecimento ou de valores?

A questão da identidade e da diferença leva-nos à dimensãosociocultural da educação, com os conceitos do multiculturalismoque atende a uma dimensão intercultural, valorizando o macro e omicro, com uma redescrição das identidades, respeitando asdiferenças sem procurar a igualdade nas culturas dentro daUniversidade. Para que serve a Universidade, quando uma formaçãoespecífica não necessariamente garante um emprego para quempossui determinada formação?

Os espaços da Universidade não são apenas da aprendizagemcognitiva, mas da formação da subjetividade e da construção dacidadania (SANTOS, 2004). Trata-se de um espaço da história devida dos professores e dos alunos, que deve ser recuperado numaação coletiva, a fim de identificar as dificuldades, os sucessos, trabalhara autoestima e valorizar o papel da educação na formação do sujeito.Portanto, a Universidade deve ser um espaço para as múltiplas formasde saber e de conviver.

A Universidade e a cultura nos mostram, como diz Edgar Morin(2000), que temos de religar os saberes para se chegar a conhecer otodo. A cultura nos oferece as diferentes modalidades e inter-relaçõesdesse todo, e a Universidade não pode dela se distanciar sob pena deformar alunos para um mundo que só existe para ela. As mudançassociais e culturais, as transformações no mundo do trabalho e oavanço tecnológico vão incidir diretamente na Universidade,aumentando cada vez mais seus desafios entre o ensinar e o aprender,entre o viver e o conviver, entre o informar e o formar, entre o

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reproduzir e o criar. Esses são alguns dos desafios que podem tornara Universidade um espaço de conhecimento e de formação do sujeito.

Os desafios da Universidade não envolvem somente questõesrelacionadas ao currículo e ao programa a ser cumprido (DEMO,1999). O grande desafio reside em educar para a busca de diferentesvias de acesso ao saber, sem deixar de lado a formação do sujeito, epropiciar o desenvolvimento humano, cultural, científico, tecnológicopara se enfrentar as exigências do mundo contemporâneo.

Para isso, faz-se necessário perceber a importância de umtrabalho interdisciplinar: estar atento ao que outras áreas deinvestigação têm a dizer sobre a educação e a relação entre professorese alunos, sobre gestão e a dinâmica universitária; mudar o foco doolhar e buscar conhecimentos em outros segmentos que estudam epesquisam. Deste modo, aqueles que compõem a Universidadeprecisam saber como se dimensionam as relações humanas, aconstrução do conhecimento, a formação de redes de conhecimento,as questões da construção da subjetividade.

Por conseguinte, não é mais possível continuar a pensar naUniversidade somente como fonte/organização de um saber a serapreendido, onde está inserida a questão do conhecimento: a propostametodológica, o currículo, a avaliação, o cotidiano acadêmico, osprocedimentos metodológicos, as relações interpessoais, o conteúdoetc. Faz-se necessário mudar o foco e pensar na Universidade comoum espaço de educação: os valores/princípios, a formação desubjetividade, as relações com a sociedade, com o mundo do trabalho,com o seu próprio sentido de vida. É exatamente isso que Morin(2000) denomina de complexidade, mostrando-nos que osconhecimentos surgem da complexidade social e nela incidem.

Vemos surgir, a cada momento, novos produtos, novasdescobertas tecnológicas; a sociedade vive numa dimensão que sedeterminou chamar de pós-modernidade, onde as incertezas, dúvidase a própria cientificidade estão vivendo uma crise de paradigmas.Porém, não temos regras fixas que, se seguidas rigidamente, vão noslevar aos resultados mais eficazes possíveis na educação. Entretanto,identificamos alguns pontos que nos permitirão analisar, refletir ediscutir sobre a questão da educação: a) educar é uma prática socialque depende do contexto social e nele interfere para a suatransformação; b) educar é um processo que envolve valores e

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princípios; c) educar segue princípios que devem ser coerentes como que se pretende obter; d) educar é estabelecer limites, é seguir umaorientação com base em valores com os quais se identifica; e) educarnão é apenas instruir, mas formar, informar, ajudar o outro naconstrução da sua própria subjetividade; f) educar é dialogar,argumentar, refletir junto com os alunos sem ter uma opinião fechada,mas dar a oportunidade para que a formação ocorra pelascontingências e contradições da própria vida; g) educar é formar osujeito para ser capaz de pensar, sonhar e trabalhar para um mundomelhor, com ética e cidadania.

Formação de professores e as relações entre Universidade e

escola

O quadro atual, no qual vivemos, mostra-se bastantediversificado e complexo, traduzido em problemas que repercutemno campo educacional: violência, corrupção, falta de ética, falta derecursos econômicos, além da falta de novos significados aos valores.Esses problemas estão em todas as instituições, ressaltando que estasvivem uma nova ordem nos seus objetivos e estrutura. Como educarnesse contexto?

Estamos atravessando um período em que mudançassignificativas ocorrem em todos os setores da nossa sociedade,sobretudo impulsionadas pelo avanço científico e tecnológico(SANTOS, 2008). A tecnologia é capaz de fazer e produzirmaravilhas, porém esse sujeito que utiliza as novas tecnologias fica amercê delas, como usuário, não responsável por pensá-las de outraforma. Além disso, as grandes empresas subordinam o Estado aosseus interesses, na qual as questões sociais têm um peso diferenciadonas suas propostas e ações. Como educadores, identificamos essastransformações, porém não podemos ficar imune a essas mudançascomo meros receptores ou consumidores. Somos sujeitos da nossahistória, e ajudamos a construir coletivamente a história dos nossosalunos.

Na medida em que a essas mudanças geram um novo tempo eespaço, com repercussões na sociedade, na escola, na família; comoprofessores temos de entender essa tessitura e verificar como o sujeitoconstrói sua subjetividade. A preocupação dos educadores deve serauxiliar o aluno, a escola, a refletir sobre esse espaço/tempo sabendo

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como e de que maneira nele interferir para além dos conhecimentosque se deve perseguir.

Em um contexto que se fala de crise, de relações comprometidascom a falta de solidariedade com o outro, é que está centrada aeducação que se comunica e interage com os demais segmentos dasociedade. A educação não é neutra: ela tem um compromisso coma cultura, com a sociedade em geral e com o projeto pedagógico,que contemple a formação integral do sujeito. Portanto, não estamosnos referindo a um professor que saiba apenas ensinar seu aluno ede uma instituição que aprove bem os seus alunos no vestibular e/ou em concurso, mas sim em formar o aluno como um ser humano,que é uma dimensão muito mais abrangente do que o conhecimentoa ser transmitido. Ora, que pretendemos com a educação? Qual arelação da educação com o aluno enquanto sujeito/cidadão? Qual ocompromisso da educação com os valores humanos e democráti-cos?

Diante dessas interrogativas, remetemo-nos a Pérez Gómez(1998) que afirma ser o papel principal da educação escolar o deprovocar a reconstrução das formas de pensar, sentir e atuar dasnovas gerações, oferecendo-lhes os esquemas conceituais historica-mente criados como instrumentos ou ferramentas, num complexosistema de comunicação onde redes de significado se relacionamespontânea e intencionalmente afetando as formas de pensar, sen-tir, expressar e atuar dos sujeitos envolvidos.

Esta é a dimensão que queremos propor à educação: partir docotidiano, chegar a um contexto maior e voltar ao cotidiano commais reflexão e conhecimento, não só no fazer/saber, mas no ter/ser um sujeito crítico, consciente e criativo. E, com isso os sujeitossociais envolvidos (alunos e professores), que têm no âmago da suaexistência e essência a complexidade, precisam muito mais do queapenas aprender o que está nos programas das instituiçõeseducacionais, mas também refletir sobre as questões que envolvemsuas vidas em sociedade.

A educação, para Laranjeira (2000), se fundamenta em teoriasque têm objetivos e valores a serem atingidos por determinadas regrasque regem a sua prática e têm um compromisso maior, que é o daformação do cidadão, seja pela instrução, pelo processo de aquisiçãodo conhecimento sistematizado e/ou pelo exercício dos valores eatitudes vivenciados pelo indivíduo.

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A escola constitui-se numa organização social que possui umagestão, cujos protagonistas são professores e alunos, numa estruturaem funcionamento de acordo com os seus objetivos e com o currículoque ela pretende desenvolver. A escola não é somente o local ondeacontece a educação, mas um lugar em que o aluno recebe estaeducação e ajudá-lo na aquisição de suas finalidades.

Nesse sentido, não é papel apenas da escola receber profes-sores para ensinar, alunos para aprender e diretor para organizarhorários, matrículas e atender pais e responsáveis por alunos, enfim,para gerir a escola. A escola deve ser grande nos seus propósitos,pois grande é a sua responsabilidade com seus alunos in/formando-os para a leitura crítica e a transformação do mundo vivido. A escolanão contém só os conhecimentos, os saberes, a instrução; ela deveestar preocupada com valores, atitudes e conhecimentos quecontribuam com a sociedade inclusiva, solidária e participativa.

Nessa escola, seja na educação infantil, ensino fundamental oumédio, deve existir um projeto pedagógico construído com aparticipação de todos os segmentos que atuam na escola e queresponda pelo processo do que se espera dos alunos ou pelaexpectativa de uma formação desejada pela comunidade. Esse projetodeverá contemplar os objetivos, os conteúdos, as metodologias e osistema de avaliação em que, implícita ou explicitamente, deve serrefletida a formação do sujeito e a articulação do saber com o fazere com o ser.

A escola, atualmente, não é o espaço apenas de aprendizadopara o mundo pós-industrial, da era da informática/virtual, pois asdisciplinas escolares não conseguem traduzir todo o avanço científicoem suas áreas (DEMO, 2002). Ela é também o lugar paravivenciarmos os valores e as atitudes e, portanto, temos de pensarem todos os profissionais que atuam na escola para realizar osobjetivos que se pretende alcançar. Ou seja, os professores precisamdesenvolver competências que facilitem a aprendizagem, as tomadasde consciência e a construção de valores que propiciem vivênciaséticas, em vista de uma formação cidadã. A escola, hoje, tem umpapel muito mais complexo do que antes, pois a ela cabe educarcom as novas formas de educação, proveniente dos meios decomunicação, das representações sociais e do imaginário que estãopresentes quando se fala em educar o sujeito.

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A partir desses aspectos, a contribuição das Políticas Públicasvoltadas para a formação de professores, dentre as quais se destacao PIBID, ocorrem de dois modos: a) contextualização: os dados, ossentimentos e os valores devem partir do contexto, possibilitandouma proximidade da realidade; b) interdisciplinaridade: integraçãodos saberes não no sentido de sua justaposição numa determinadaordem ou disciplina, e sim num entrecruzamento desses saberesatravés de eixos condutores do conhecimento.

Assim, a educação precisa estar envolvida com três áreas doconhecimento: a) conhecimento social – situa os conhecimentos domundo atual, em que a globalização, a revolução tecnológica, opluralismo moral e a diversidade cultural caracterizam um novotempo e espaços para o viver e conviver; b) conhecimento pedagógico– compreende os conhecimentos que devem ser transmitidos, pormeio de seus conteúdos e disciplinas, e que não devem estar presosapenas àqueles conhecimentos que são considerados válidos eprecisos, mas deixar espaço para que novos conhecimentos ocorrampela interdisciplinaridade dos saberes e fazeres; c) conhecimentopessoal – envolve o conhecimento do sujeito, numa dimensãocontextualizada e na sua estreita relação com o outro. Nesseconhecimento, não basta o sujeito se conhecer em suas características,personalidade, interesses e valores, mas o que deve fazer para umaprimoramento pessoal e uma contribuição efetiva na participaçãosocial.

Portanto, a educação terá de considerar, além da especificidade,a questão do trabalho (competitividade, competências e habilidades)e a questão da utopia (escolha, sonho e esperança). Não há comodeterminar um tipo único de educação, mas há como analisar e refletira respeito da modalidade de formação que ofereceremos aos nossosalunos. Porém, alguns princípios devem ser perseguidos nessa análise:a) princípio da compreensão: a educação precisa ser compreendidana sua interface com o sistema social, pois envolve autonomia etransformação; b) princípio da heterogeneidade: a educação não temcomo objetivo a uniformização de comandos, mas o respeito àheterogeneidade de sujeitos; c) princípio da cartografia: a educaçãose dá em diferentes frentes e com diferentes entradas; d) princípioda cidadania: a educação deve promover o desenvolvimento daconsciência crítica em prol da construção de um mundo mais justoe humano; e) princípio da ecologia: a educação tem de estarcomprometida com o homem planetário.

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Qualidade em educação e as políticas públicas de formação

docente

Fala-se muito sobre qualidade na educação, referindo-se aosaspectos relacionados ao desempenho do professor ou às questõesadministrativas. Porém, a qualidade na educação supõe a identificaçãodas grandes prioridades que temos na realidade social e pedagógicae a tentativa de minimizá-las de acordo com a consecução dosobjetivos estabelecidos. Precisamos de políticas públicas em educaçãoque atinjam as necessidades e não “políticas” que resolvam, ou queatendam apenas a interesses eleitoreiros. A qualidade na educação,mais do que uma revisão nos dados existentes, compromete-se comuma avaliação institucional e impõe-se como uma base para aapresentação de uma proposta pedagógica condizente com o con-texto social.

A qualidade na educação precisa da conquista de novasparcerias, da modernização e melhoria dos processos de gestão, comoforma de enfrentar os novos desafios do futuro. Cabe lembrar opapel da educação no processo de desenvolvimento de um país eque suas funções extrapolam o caráter pedagógico relacionado àsfunções da instituição escolar. A qualidade deve ser vista nos seusvários aspectos desde a gestão escolar até a produção doconhecimento que se efetiva na Escola ou Universidade.

Além disso, a qualidade envolve também a democratização, aprática educativa, a busca de maior autonomia e liberdade para asescolas, bem como a avaliação que permite verificar se os objetivosdaquela prática estão sendo alcançados. O maior desafio do sistemaeducacional é o de oferecer ao aluno um ensino de qualidade, voltadopara a formação do cidadão participativo, crítico e consciente de seupapel na sociedade.

A democratização está ligada a uma qualidade política daeducação, entendida como estratégia de formação e emancipação dasnovas gerações (MORIN, 2011). A qualidade formal que a educaçãoexige engloba a aquisição e produção de competências humanas,científicas e tecnológicas. Não podemos falar em qualidade olhandoapenas para o aspecto gerencial da “organização escolar”, como sendoa implantação de técnicas que revertam a situação existente. Temosque nos ater aos valores e à dimensão política da tarefa educacional,sem a qual a qualidade não alcançará as suas finalidades.

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A pedagogia da qualidade requer um novo tipo de escola que,em vez de cuidar da reprodução do conhecimento, trabalhe de formaconfiável na elaboração do saber e na antecipação do futuro. Cabe ànova escola estimular o exercício pleno da cidadania, pela buscaconcreta e permanente da melhor qualidade de vida, através dareconstrução do homem e sua adaptação aos novos modos de sentir,pensar e agir.

A qualidade na educação requerer uma parceria solidária,sistemática, consistente e responsável de todos os segmentos dasociedade. Nesse sentido, a qualidade não é algo fácil de alcançar. Oenvolvimento de pessoas, tanto no processo de gestão da escola,quanto da produção e transmissão do conhecimento, torna-se fun-damental para superar dificuldades e viabilizar as mudançasqualitativas (DEMO, 1999).

Por conseguinte, na escola, a comunicação não é somente ummeio para alcançar um fim, mas a própria essência da educação. Aescola tem um papel significativo no desenvolvimento e disseminaçãode uma prática educativa de qualidade, que acontece por meio deuma autêntica comunicação e comprometimento entre seusprotagonistas: gestores, professores, alunos, familiares, funcionáriose toda a comunidade em geral.

Cuidar da formação do sujeito, além de conhecimentos formaise racionais envolve a sensibilidade. A escola tem de se preocuparcom o saber do aluno, mas também com a forma de adquiri-lo ecom o que ele faz com esse saber. O projeto pedagógico deve estarcomprometido com as redes de subjetividades que estão inseridasna formação do sujeito. A escola tem de ser diversificada para atendera uma comunidade que não é igual em todos os sentidos, mas deveprover a igualdade das oportunidades para todos os alunos.

Para isso, precisamos ter uma política educacional que atenda aessas prioridades de maneira que o estabelecimento de metas sejaefetivado; e rever as condições de remuneração, de trabalho e deformação dos professores. No primeiro caso, devemos traçar umapolítica que venha ao encontro das necessidades educacionais, nosentido de continuidade e totalidade e, no segundo, uma revisão notratamento dispensado aos professores. Somente assim caminharía-mos na direção da concretização de novas propostas educacionaisque viabilizem a preparação de uma educação para o futuro (MORIN,2000).

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Cabe lembrar que os problemas educacionais no paísclassificam-se como problemas pedagógicos, resultando, para a suamelhoria, em retomadas do tipo de reformas educacionais oulançamento de propostas curriculares. Para isso, políticas públicasestão sendo implementadas, e no cenário atual tem tido destaque oPIBID. O Programa foi efetivado como política pública nacional,voltado para a formação inicial e continuada de professores queatuam ou irão atuar na educação básica, a partir da redação da Lei nº12.796/2013, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional, LDBEN 9394/96. Esta Lei traz, em seu artigo 62, areferência à formação dos profissionais do Magistério, especificando,no parágrafo 5º, que a União, o Distrito Federal, os Estados e osMunicípios incentivarão a formação mediante programa institucionalde bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursosde licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educaçãosuperior.

O PIBID possibilita que conteúdos de componentescurriculares que compõem os cursos de Licenciatura sejamproblematizados e relacionados ao cotidiano escolar na EducaçãoBásica, para que profissionais em formação inicial e em formaçãopermanente repensem as práticas em busca pela qualidade daeducação. Para isso, é preciso refletir sobre os aspectos sociais e assuas interfaces da educação e, neste contexto, vislumbramos acontribuição do PIBID, para a qualificação da educação básica: a)tratar/comprometer-se com a educação como uma prática social; b)elaborar um projeto político pedagógico que reflita as finalidades daescola, as expectativas e interesses dos alunos e que seja formuladopor todos que participam da vida da escola; c) rever a questão doespaço-tempo dos alunos na escola; d) contribuir para a construçãodo sujeito; e) elaborar propostas e estratégias de ação que visem àformação do aluno; f) organizar meios e condições de promoção dacidadania; g) trabalhar no sentido de inclusão na vida da sociedadede todos os seus alunos, diminuindo ou eliminando o fator exclusão;h) investir no desenvolvimento das potencialidades dos alunos; i)possibilitar que sejam vivenciados na escola os valores que estãopresentes na formação do aluno; j) colaborar para que o espaçovivido na escola seja para o aluno um lócus de aquisição deconhecimentos e experiências afetivas.

O Programa, ao se comprometer com o desenvolvimentodesses pontos fundamentais, ajuda a escola e os seus alunos a

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entendê-la como um espaço que reflete e repercute as ações dasociedade. A construção da qualidade educativa é contínua epermanente e está alicerçada nos objetivos, conteúdos, metodologias,avaliação, professores, alunos, gestão escolar, valores, política e teoriaseducacional e não apenas em dados numéricos ou quantitativos. Daeducação espera-se a formação de novos sujeitos, capazes de entendera sua própria vida e de procurar uma vida melhor para todos.

Portanto, o PIBID, em face do mundo que vivemos, tem comopapel preponderante ajudar o aluno a perguntar, pesquisar e criar: a)perguntar – fazer com que o aluno postule perguntas, provocando-o, instigando-o a pensar, como forma permanente de buscar e ampliaros seus conhecimentos; b) pesquisar – procurar respostas ealternativas ao trabalho desenvolvido e oportunizar melhorconhecimento de suas possibilidades e necessidades; c) criar –oferecer condições para que o aluno possa criar estratégias de adquirirconhecimento e conquistar suas propostas de vida. Vale dizer que oPrograma tem estimulado o desenvolvimento de projetos queincentivem a formação do sujeito, tomando com base o conheci-mento intelectual/racional e o conhecimento sensível que envolvevalores e sentimentos.

Considerações finais

Diante das transformações que vivemos e que repercutem emtodas as instituições educativas, o PIBID tem desempenhado umpapel significativo na qualificação das práticas docentes, sejam narealidade escolar ou na Universidade. Esse Programa tempossibilitado aos sujeitos envolvidos analisar esse mundo ecompreender-se na relação com o outro. Ajuda, também, a escolana interação de suas relações e de seu projeto pedagógico, valorizandoo viver e o conviver de forma crítica e consciente, buscandoalternativas e criando estratégias para uma escola de qualidade e umasociedade justa.

A proposta atual do PIBID volta-se para a aprendizagem doaluno, na educação básica, e para a aprendizagem docente, nauniversidade e, vai além, pois também se volta para os objetivos ecurrículos das escolas e da Universidade. Além disso, busca-se umapostura docente que perceba o conhecimento e as relações entre asdiferentes áreas, bem como a importância de um trabalho sério e

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comprometido com a sociedade em que se está inserido. Trata-se deum trabalho em busca de uma sociedade mais justa e mais humana.

O foco principal do PIBID está na educação, e o seu trabalhoenvolve o estudo de como, por que, de que forma e por que motivoa aprendizagem com qualidade acontece ou não. A partir daí, buscam-se alternativas, pensadas no conjunto Universidade e escola. Con-texto este que é fecundo nas mais diversas situações, oportunizandoa complexidade e a interdisciplinaridade, para ajudar o aluno aconstruir o seu eu e as suas relações, o que envolve pensar, refletir,sentir e agir a partir de valores por uma sociedade da maior e melhorqualidade possível.

Referências

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Fundamentos para uma Educação

Comunicativa

Diego Carlos Zanella*

Nota introdutória

A pretensão do presente texto é o repensar, de formareconstrutiva, a modernidade para o contexto educacional,desenvolvendo alguns conceitos que se fundamentam na Teoria doAgir Comunicativo (Theorie des kommunikativen Handelns, 1981) deJürgen Habermas (1929-). Habermas pode ser considerado umpensador do campo educacional, uma vez que, nesse sentido, épossível reconstruir as condições que asseguram o agir pedagógicoem uma época em que as garantias metafísicas estão em crise; emum período em que o debate a respeito da crise da modernidadetem como pano de fundo o esgotamento da razão. De acordo comisso, o filósofo alemão procura um entendimento na estrutura dafala que permita, de certa forma, repensar os paradigmas herdadosda razão iluminista, sem negá-los. Por isso, o agir comunicativo éconstituído por um saber de fundo que alimenta as interpretaçõesdos participantes na interação, ou seja, o mundo da vida, que é um apriori, porque constitui um reservatório de saber “pré-reflexivo”, oqual é necessário pressupor para se concretizar um ato de fala dotadode sentido e socialmente comunicativo. Por isso, a pretensão deHabermas é a de propor um ato de fala possível, uma alternativametafísica que não se encerra em negações e pode orientar os agentesnas ambivalências que os atingem.

No caso educacional, ela permite lidar com a pluralidade emultiplicidade de projetos individuais e formas de vida coletiva edisso extrair um núcleo universal, de modo que está ligado a três

* Doutor em Filosofia (PUCRS). Professor do Curso de Filosofia e Coordenadordo Subprojeto Filosofia – PIBID – Centro Universitário Franciscano. E-mail:[email protected].

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aspectos: a teoria da racionalidade, a teoria da evolução social e ateoria da sociedade. A partir daí, pretende-se proceder de duasmaneiras: primeiro, estudando a teoria de Habermas sobre aracionalização e seus aspectos adquiridos em Max Weber (1864-1920);segundo, estudando o conceito de razão comunicativa como umeixo de superação do paradoxo weberiano da modernidade ocidental.

Desde o início, Habermas propõe uma classificação doconteúdo das manifestações do racionalismo ocidental a partir dealguns componentes estruturais do mundo vivido, isto é, sociedade,cultura e personalidade. Assim, a racionalização social pode serentendida como uma especificação da economia capitalista. Aracionalização cultural é entendida como um conjunto de eventosque envolvem a progressiva diferenciação e formalização das esferasculturais de valor. A racionalização do sistema de personalidade éentendida como algo que possa explicar a emergência da economiacapitalista moderna.

Habermas, nesse sentido, ajuda a distinguir dois grandes“impulsos” da racionalização, a saber, a racionalização das imagensde mundo, e, a conversão da racionalidade cultural em racionalizaçãosocial, que ele mesmo chama de “solidariedade indissolúvel”. Dessemodo, a transformação do paradoxo weberiano da modernidadeocidental em uma concepção que diferencie as esferas culturais devalor, assim como, a disjunção entre mundo vivido e sistemarepresentam dois fenômenos conjugados na evolução da sociedademoderna.

O pensamento de Habermas e a educação

Habermas visa, entre outros fatores, repensar o projeto teóricoem torno da razão e da modernidade, valendo-se de uma análisereconstrutiva, formando, assim, sua “crítica” à modernidade. Suateoria se constitui em reconstruir os fundamentos normativos eformular uma teoria crítica que dê conta das patologias1 sociais damodernidade e dos possíveis “remédios” que já acompanham opróprio diagnóstico, permitindo a emergência de um “novo tipo”

1 Entende-se por patologia um desvio em relação ao que é próprio ou adequadoou em relação ao que é considerado como estado normal de uma coisa inanimadaou imaterial, ou melhor, tudo o que pode ser problemático em relação à sociedade.

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de racionalidade. Todo o projeto de Habermas se recusa a umfechamento, a uma completude ou a uma espécie de ponto dechegada, pois, ao mesmo tempo em que realiza as tarefas da razãona estruturação de uma teoria social mais abrangente, mais aberta,guarda em si o dispositivo de uma constante autocrítica.

O filósofo alemão iniciou a construção de sua obra filosóficana década de 19602, mas é somente em 1981 que ele escreve suaobra fundamental, a Teoria do Agir Comunicativo, um marco em suatrajetória. Nesta obra, entre outros elementos, ele abandona omarxismo tradicional e o modelo da filosofia da história. De formaoriginal, integra a teoria da ciência, a hermenêutica e a filosofia dalinguagem e reconstrói os fundamentos normativos da teoria crítica,a partir de um novo giro pragmático3. Segundo Habermas, a Teoria doAgir Comunicativo possui três finalidades: primeiro, procura elaborarum conceito de racionalidade que faça as reduções cognitivo-instrumentais da razão; segundo, procura desenvolver um conceitode sociedade que articule o mundo da vida e o mundo do sistema;terceiro, procura desenvolver uma teoria da modernidade queexplique as patologias sociais (HABERMAS, 1987a, p. 10). Dessemodo, Habermas pretende apropriar-se das melhores tradições etrabalhá-las para conseguir a vitória de uma determinada posição,como teoria social de um paradigma de sociedade enraizado na autocompreensão coletiva.

Uma das formas de investigar o pensamento de Habermas éanalisá-lo como o resultado das inquietações de um pensadorcontemporâneo que contribui na discussão da educação, justamentepela reconstrução das condições que asseguram a validade do agirpedagógico em uma época em que as garantias metafísicas estão em

2 Destacam-se como gênese do pensamento de Habermas os seguintes textos:Student und Politik. Eine soziologische Untersuchung zum politischen Bewußtsein (1961);Strukturwandel der Öffentlichkeit. Untersuchungen zu einer Kategorie der bürgerlichenGesellschaft (1962); Zur Logik der Sozialwissenschaften (1967); Erkenntnis und Interesse(1968); Technik und Wissenschaft als “Ideologie” (1968); Theorie des kommunikativenHandelns (1981).

3 Habermas delineou a sua concepção comunicativa da linguagem, contrastando asconcepções de linguagem associadas com as tradições analítica e hermenêuticaem, pelo menos, três ocasiões. Essas exposições coincidem com os esclarecimen-tos elucidativos do mecanismo conceitual da pragmática formal e contêm variaçõesque indicam claramente alguns dos ajustes mais importantes da teoria (OLIVEIRA,2001, p. 293ss).

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crise. Sobre o debate da crise da modernidade, tendo como pano defundo o esgotamento da razão, no que se refere a sua incapacidadede encontrar perspectivas para o prometido progresso humano,destaca-se a importância de repensar tal projeto e, por isso, asquestões metafísicas encontram-se em debate. Nesse sentido, ofilósofo procura um entendimento na estrutura da fala que permite,de certa forma, repensar os paradigmas herdados da razão iluminista,sem negá-la. A isso o autor propõe uma virada pragmática, ou seja, alinguagem como ato de fala.

Habermas tem como tese a ideia de que os agentes sãoparticipantes de uma intersubjetividade racional, por isso sua teoriaesta ligada a uma racionalidade comunicativa. A possibilidade denão se sucumbir apenas aos desígnios do mundo racionalizado epara que a socialização não seja apenas “repressão” surge a mudançada ação instrumental para a ação comunicativa.

O que o filósofo alemão tem em vista é demarcar uma ideia deracionalidade que não seja alterada pela concepção filosófica damodernidade4, mas que seja capaz de produzir acordos normativos.É nesse sentido que se pode repensar a sua teoria na dimensãopedagógica, como um elemento que pode contribuir para a formaçãodo sujeito.

A ação comunicativa possui uma espécie de âncora, constituídapor um saber de fundo que nutre as interpretações dos participantesna interação. Trata-se do mundo da vida (Lebenswelt), o “horizonteem que nos movemos”. É nesse mundo que os agentes fixam assuas pretensões no discurso, tendo-o como “pré-científico”, intuitivo,não tematizado e não questionável em princípio, não sendo, portanto,fundamentado. Constitui-se não apenas por convicções culturais,mas pela ordem institucional e por estruturas da personalidade. Areprodução dessas esferas do mundo da vida só se vivifica pela práticacomunicativa. Na teoria de Habermas há, por um lado, o mundo davida dos grupos sociais em que as ações são coordenadas peloentendimento e, por outro, o mundo do sistema que se regula a simesmo através das ações em relação a seus fins.

4 Como conceito filosófico, a modernidade é compreendida, por uns, como oprojeto de impor a razão como norma transcendental da sociedade, e, por outros,como a crise da razão na história (HABERMAS, 2002).

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O mundo da vida é um a priori, porque constitui um reservatóriode saber cultural “pré-reflexivo”, em que é necessário pressupor paraconcretizar um ato de fala dotado de sentido e socialmentecomunicativo. O conceito de mundo da vida em Habermas vai maisalém dos horizontes da filosofia da consciência, mas, sobretudo, vaido contexto da comunicação linguística à prática comunicativa dodia-a-dia ou do contexto dos processos de comunicação, voltada aoentendimento e ao consenso, possível através da fala.

Sua pretensão é propor um ato de fala que é possível, umaalternativa metafísica que não se encerra em negações e pode orientar-nos nas ambivalências que nos atingem. No caso educacional, elapermite lidar com a pluralidade e multiplicidade de projetosindividuais e formas de vida coletiva e, disso, extrair um núcleo uni-versal. Habermas não quer abrir mão daquilo que sempre foi a“tarefa” da filosofia, perguntar por questões como a verdade, aunidade e a multiplicidade, entre outras. Mas, reconhece que isso sótem sentido se for validado intersubjetivamente por argumentos nabusca de consensos5.

Segundo a tradição iluminista, o objetivo da educação era oamadurecimento do sujeito para desenvolver sua individualidade econsciência, tornou-se problemático, pois a relação passa a serestabelecida entre um sujeito que conhece e um objeto que precisade compreensão. Desse modo, a problemática da perda do sentido,da redução dos conteúdos da razão, da sociedade moderna comoilusão coletiva e de um possível esgotamento da razão moderna éinterpretado por Habermas de “forma positiva”, como um projetoinacabado (HABERMAS, 2002).

A retomada desse debate sobre a teoria da educação, em umaperspectiva da crise do projeto da modernidade e da própria

5 Habermas visa propor uma teoria da ação com base numa reformulação da teoriaweberiana da racionalidade, na qual, a tipologia das ações é uma compreensãomonológica (sujeito solitário) e um modelo de ações relativas a fins (teleológicoou instrumental). Habermas assume e amplia essa versão weberianatransformando-a numa compreensão dialógica (relação entre ao menos doissujeitos capazes de fala e de ação) e um modelo de interação social (agircomunicativo), dessa maneira os sujeitos através do diálogo “entram” emconsenso, isto é, como se “medissem” a verdade nos termos de um consenso –entre indivíduos – sobre crenças e valores que interlocutores responsáveisalcançariam em “situações ideais de fala”, livres dos fatores que normalmenteservem para “distorcer” as deliberações.

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subjetividade, traz consigo ou a descrição da queda do fundamentoda educação ou uma renovada concepção de educação. A questãopara obter-se um entendimento da educação na modernidade écentralizada no problema de como tornar compatível a singularidadedo sujeito com a realidade requerida pela modernidade. Ora, a críticada razão constituiu um pano de fundo para a reconstrução doconteúdo normativo da própria modernidade e da educação em queHabermas procura um entendimento na estrutura da fala que possapotencializar a razão iluminista, dando um melhor acabamentoformativo, sem negá-la.

A proposta de Habermas é uma das perspectivas de críticas damodernidade, que procura responder à problemática da análise daracionalização do moderno sistema escolar e de uma educação queseja voltada para a autonomia e para o desenvolvimento da capacidadede ação racional, tendo como medium a linguagem, na tentativa deromper a tensão paradoxal entre libertação e limitação. Segundo aformulação de Habermas, a racionalidade surge de um processoefetivo de comunicação que ocorre entre indivíduos situados emum contexto histórico-político e que compartilham o mundo vividocom o sistêmico. É nesse sentido que Habermas tenta identificar aspossibilidades de uma racionalidade se encarnar em formas de vidaconcretas.

Três conceitos: racionalidade, sociedade e modernidade

Habermas pretende assinalar duas razões (consideraçõesintermediárias) que explicam a análise equivocada do processo deracionalização e modernização da sociedade ocidental, porque We-ber restringiu a noção de racionalização social, limitando-a a merainstitucionalização da racionalidade instrumental: a primeira se deveaos impasses da teoria da ação: os conceitos utilizados por Marx,Weber, Horkheimer e Adorno não são suficientemente complexospara apreender nas ações sociais todos os aspectos aos quais aracionalização social pode ser aplicada; a segunda razão diz respeitoa uma mistura de conceitos fundamentais da teoria da ação com osda teoria dos sistemas, a racionalização das orientações de ação edas estruturas do mundo vivido não é a mesma coisa que acomplexidade crescente dos sistemas de ação.

Na primeira, Habermas pretende propor uma teoria da açãocom base numa reformulação da teoria weberiana da racionalidade,

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na qual a tipologia das ações é uma compreensão monológica (sujeitosolitário) e um modelo de ações relativas a fins (teleológico ou ins-trumental). Habermas assume e amplia essa versão weberiana, trans-formando-a em uma compreensão dialógica (relação entre, ao menos,dois sujeitos capazes de fala e de ação) e um modelo de interaçãosocial (agir comunicativo)6.

Na segunda, Habermas vai propor uma nova e complexa ligaçãoentre os conceitos básicos da teoria da ação e da teoria dos sistemas.Baseando-se numa vasta leitura de Georg Herbert Mead (1863-1931)e Émile Durkheim (1858-1917), o filósofo alemão pretendepreencher os espaços vazios da teoria da ação7 e conceituar ossistemas sociais8 para melhor combiná-los. Habermas vai organizarprimeiro as bases de uma teoria do agir comunicativo para, depois,incorporar a perspectiva do sistema, tendo em vista dois tipos decoordenação das ações: primeiro, uma que é mediada a partir doconsenso dos participantes, e a segunda, que é realizada a partir davia funcional dos observadores. A distinção entre sistema e mundovivido permite-nos especificar duas esferas de reprodução social – amaterial e a simbólica – com funções distintas no plano da integração– uma sistêmica e outra social – associadas aos seus respectivoscontextos de ação – estratégica e comunicativa (ARAÚJO, 1996, p.26s).

Dessa maneira, Habermas vai incorporar a teoria da ação coma teoria dos sistemas, evitando uma absorção da primeira pela segundacom seu conceito bipolar de sociedade e procurando dar conta daenorme complexidade das sociedades contemporâneas. A teoria dasociedade, como proposta por Habermas, confirma a necessidadede superação do paradigma da consciência do sujeito monológicomoderno, inaugurado por René Descartes (1596-1650), renovadona análise transcendental de Immanuel Kant (1724-1804),prolongado por Edmund Husserl (1859-1938) e presente,vastamente, no pensamento de Weber.

O ponto referencial da apresentação feita por Habermas deum modelo não seletivo de racionalização é o seu conceito de razão

6 Ou, de outro modo, que exista consensos entre as falas dos sujeitos.7 Passagem de um agir relativo a fins a um agir comunicativo.8 Articulação da perspectiva do “mundo vivido” com a do “sistema”.

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comunicativa que torna possível uma compreensão descentrada domundo. A construção sistemática de Habermas põe em evidência ofato de que os três tipos de racionalidade – cognitiva, moral e estética– referem-se às culturas de valor, anotadas por Weber, e estabilizam-se em processos de aprendizagem permanentes e cumulativos.Habermas tenta construir um modelo que evidencie o caráter damodernização social, diferenciado do weberiano sobre a nossa épocae fruto de um caráter restrito da noção de racionalidade presente nateoria da modernidade.

Três elementos da teoria de Habermas estão divididos na re-formulação da teoria weberiana da modernidade: a teoria daracionalidade, a teoria da evolução social e a teoria da sociedade. Naprimeira, um conceito mais abrangente da razão comunicativa e aconsequente superação da perspectiva monológica da filosofia dosujeito; na segunda, uma distinção entre os domínios da lógica e dadinâmica do desenvolvimento das sociedades modernas e, da última,uma incorporação de categorias da análise funcionalista quepermitem distinguir a esfera sistêmica da esfera do mundo vivido.

O conceito de agir comunicativo dá acesso a um complexo detrês teorias, de maneira que, somente em parte, sobreponham-seumas às outras: racionalidade, sociedade e modernidade. Com isso,a teoria do agir comunicativo tenta ampliar o conceito de razão,manifestando os paradigmas do sistema e do mundo vivido ecolocando em evidência o caráter parcial da modernidade ocidental.

Referências

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Planejamento Interdisciplinar e Gestão da Aula

Elisiane Machado Lunardi*

Introdução

A gestão da aula não é algo estático, nem se reduz à aplicaçãode procedimentos, já que requer a ação-reflexão contínua e vigilantesobre a complexidade das relações que se estabelecem entre asintenções docentes e as expectativas discentes, bem como ao queemerge nessa interação. Trata-se de compreender que a aula é, em simesma, um processo dinâmico, em que professor, alunos e o próprioobjeto de conhecimento implicam-se entre si, (trans)formando-seno percurso de ensinar e de aprender. Compreendida dessa forma,toda a ação docente pressupõe uma atitude investigativa a ser exercidana dinâmica da aula.

A gestão pedagógica da aula, planejada pelos professores,expressa consciente ou inconsciente um projeto de formação, oprojeto político pedagógico da instituição educacional a partir daorganização das ações que concretizam objetivos e fins educacionaiscomuns. Nesse sentido, o ato de planejar embase-se em caráterpolítico e pedagógico ao expressar compromisso com a formaçãodos sujeitos por meio da seleção e organização de objetivos,conteúdos, estratégias metodológicas e avaliativas que podemcontribuir para rever os processos de ensino pautados pelatransmissão recepção, com o intuito de transformar as realidadespessoal, educacional e social.

Nessa perspectiva, o planejamento interdisciplinar deixa de seruma ação técnica e neutra que somente define e racionaliza o trabalhopedagógico; [re]significa-se como um processo dirigido para umaação pedagógica crítica e transformadora que sinaliza caminhos para

* Doutora em educação – PUCRS. Professora do Curso de Pedagogia – CentroUniversitário Franciscano. E-mail: [email protected]

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a emancipação pela via do conhecimento, possibilitando assim ainterlocução com os diferentes campos dos saberes.

Para tanto, neste texto, objetiva-se discutir, a partir de umavisão panorâmica, conceitos de gestão da aula a partir de umaperspectiva do planejamento interdisciplinar, tanto na educaçãobásica como superior. Assim, o presente artigo remete ao seguinteproblema: Quais os principais desafios na gestão da aula a partir deuma perspectiva interdisciplinar do planejamento pedagógico?

Panorama conceitual

Lunardi (2011) aponta que é necessário superar a relação linear emecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática na salade aula. O professor intervém num meio ecológico complexo, numcenário psicológico vivo e mutável, definido pela interação simultâneade múltiplos fatores e condições. Nesse ecossistema, o professorenfrenta problemas de natureza prioritariamente prática, que, querse refiram a situações individuais de aprendizagem ou formas decomportamentos de grupos, requerem um tratamento singular, namedida em que se encontram fortemente determinados pelascaracterísticas situacionais do contexto e pela própria história daturma enquanto grupo social.

Nesse sentido, segundo Veiga (2008, p. 8),

(...) aula é o espaço onde o professor faz o que sabe, expressa oque sente e se posiciona sobre a concepção de sociedade, dehomem de educação, de escola, de aluno e seu próprio papel,aula é dinamizada pela relação pedagógica de cunho dialógico,porque registra em situação concreta, a maneira de viver essarelação com vínculo libertador que propicia o exercício daautonomia.

Araújo (2008) trata sobre a disposição da aula; os sujeitos en-tre a teoria e a técnica e, a Polis, focaliza três dimensões cruciais daaula: os sujeitos (professores e alunos), que mantêm uma interlocuçãointencional, sistemática e organizada, suas relações com a técnica(que se traduz pelo saber fazer, envolve objetivos, finalidades,conteúdos, métodos e técnicas de ensino, tecnologias educativas eavaliação); com a Polis (que se traduz pelo saber para que, ou seja, aaula guarda uma finalidade intencional, organizada e sistemática,constituindo uma instância cultural carregada de projetos em tornode novas gerações).

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Rios (2008) discute sobre o resultado do encontro intersubjetivoentre professores e alunos como pessoas. Para além da dimensãomoral, constituinte desse encontro, chama atenção da presença ética,como olhar crítico que sustenta os valores da prática pedagógica.

Castanho (2008, p. 83) coloca que

O trabalho pedagógico se realiza num espaço e tempo político,no qual transita o poder, configuram-se acordos, estabelecem-se hierarquias. Assumem compromissos. Daí a articulação coma moral – e necessidade de sua articulação com a ética. Falar deuma dimensão ética da docência mais particularmente da aula,é, portanto, pensar na necessidade da presença dos princípioséticos na construção, no seu planejamento, no desenvolvimentodo processo, na revisão e no [re]encaminhamento do trabalho.

Nesse sentido, a aula é permeada pela pluralidade. O trabalhoeducativo de sala de aula constitui numa relação intersubjetiva, naqual está presente a diferença e se procura instalar a igualdade. ParaCastanho (2008, p. 83) “do ponto de vista ético, o contrário daigualdade não é a diferença – é a igualdade. Na aula, estabelecemosrelações. Somos sujeitos de interação”.

Gauthier (1998) aponta que a função pedagógica da gestão damatéria remete ao planejamento, ao ensino e à avaliação de uma aulaou parte de uma aula. Ela engloba o conjunto de operações que oprofessor utiliza para construir o conhecimento. A gestão da matérianão consiste em um conceito unificado, trata-se de constructosabstratos que criam conjunto de variáveis que influenciam aaprendizagem. O autor, ainda, coloca que a gestão da classe consisteem um conjunto de regras e de disposições necessárias para criar emanter um ambiente ordenado favorável ao ensino quanto àaprendizagem. A gestão da classe depende do contexto, do tempo,do material, do social, do desenvolvimento intelectual dos alunos edas influências culturais, institucionais, econômicas e políticas.

Gauthier (1998) apresenta os seguintes passos da organizaçãoda gestão da matéria:

Planejamento da gestão da matéria: a) Planejamento dos objetivosde ensino; b) planejamento dos conteúdos de aprendizagem; c)planejamento das atividades de aprendizagem; d) planejamento dasestratégias de ensino; e) planejamento das avaliações; f) planejamentodo ambiente educativo.

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A gestão da matéria no processo de interação com os alunos – a) atividadesde aprendizagem, planejamento, a apresentação de novos conteúdose estratégias de ensino b) ensino explícito, revisão de conteúdos erecapitulação, conceitos integradores, explicação dos objetivos dotrabalho, sequenciamento e redundância, clareza na apresentação;prática proporcionada aos alunos, retroações, reforço; c) a utilizaçãode perguntas pelos professores: a prática de designar alunos, a clarezadas perguntas, o nível cognitivo das perguntas, perguntas estimulan-tes, questões abertas, questões de acompanhamento, frequência,tempo de espera, a insistência em relação á pergunta, o grau de êxito,reações às respostas; d) a quantidade de instrução: tempo de apren-dizagem, tipos de atividades.

Avaliação da fase de gestão da matéria – a) determina o alcance dosobjetivos da disciplina; b) avaliação formativa: retroações ligadas aosobjetivos da aprendizagem; c) a refletividade dos professores sobreas suas próprias ações relativas ao ensino da matéria: resultados daavaliação para fazer um diagnóstico do ensino ministrado e descobrirse os novos métodos empregados são os esperados.

Nesse processo da condução do planejamento, até a execuçãoda aula, cabe ao professor produzir o conhecimento de como serprofessor (Isaia, 2003). O importante passa a ser como os conteúdossão entendidos, organizados e integrados em um conjuntosignificativo de novos conhecimentos, habilidades e estratégiasmetodológicas.

Sob essa perspectiva, Anastasiou (2003) considera o verboensinar sob duas dimensões: uma utilização intencional e uma deresultado, ou seja, a intenção de ensinar e a efetivação dessa metapretendida. A autora identifica também, a diferença entre os termosaprender e apreender. Embora nos dois verbos exista a relação entre ossujeitos do conhecimento, para apreender é preciso agir, exercitar-se,apropriar-se; já o verbo aprender significa tomar conhecimento, reterna memória mediante estudo, receber a informação.

Anastasiou (2003, p. 14) coloca que é importante distinguirquais ações estão presentes na meta que estabelecemos ao ensinar;“Se for apenas receber a informação de, bastará passá-lo por meioda exposição oral. (...) No entanto, se a nossa meta se refere àapropriação do conhecimento pelo aluno (...) é preciso se reorganizar,superando o aprender (...)”. A partir dessa reflexão que a autorapropõe o termo “ensinagem” como um “processo contratual, de

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parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construçãodo conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala deaula e fora dela” (ANASTASIOU, 2003, p. 15). Nesse processo, éimportante considerar o real envolvimento entre a ação de ensinar ea de apreender, tendo como objetivo a apropriação tanto do conteúdoquanto do processo e as ações pedagógicas se referem a momentosa serem construídos pelos sujeitos em ação acompanhando opensamento.

Leite (2000) problematiza os conceitos de mudança e reformaligados à inovação; visto que a introdução de inovações nos sistemasde ensino tende a dar uma ideia de melhoria, de progresso, sem, noentanto, provocar transformações, ou seja, mantêm-se as coisas comoestão, mas com ares renovados.

A inovação proposta mantém uma forte relação com oconhecimento e implica ruptura com as lógicas de reprodução eregulação. Nesta perspectiva, Leite (2000, p. 121) afirma que a inovação

(...) se estabelece como um processo descontínuo, derompimento com os tradicionais paradigmas vigentes naeducação, no ensino-aprendizagem-avaliação, ou uma transiçãoentre diferentes concepções paradigmáticas, onde se podeobservar uma re- configuração de saberes e, também, depoderes. A inovação nesta condição se constitui, igualmente,em um rompimento com visões hegemônicas da modernidadereguladora. (...) para pensar a inovação é necessário pensar nacentralidade do conhecimento e em sua aplicação em esferasde poder com partilha horizontal.

Dois aspectos podem ser destacados nas pesquisas sobre ainovação: a ruptura epistemológica e o protagonismo do professore do aluno. Este último, identificado pela ousadia do professor emromper com a tradição e efetivar práticas transformadoras e com oentendimento do aluno como autor da sua aprendizagem, podendoparticipar, expressar-se, envolver-se na e com a aula e com a produçãodo conhecimento.

Leite (1999, p. 75) esclarece que o protagonismo se refere

(...) à participação/envolvimento dos sujeitos na sala de aula,nos espaços/ambientes micro ou macro institucionais. Oprotagonismo também envolve a oportunidade de o sujeitodizer a sua palavra; o respeito às diferentes culturas; o aprendercom o outro e o ter o que ensinar/aprender; a valorização dooutro e dos seus saberes e possibilidades.

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Do ponto de vista do professor, o protagonismo é fundamentalpara caracterizar a inovação na perspectiva crítica, porque não setrata de assumir modelos e técnicas de ensino propostas pelosespecialistas, as da inventividade, da criatividade proveniente daruptura conceitual.

A ausência do protagonismo pode produzir a adoção acríticade técnicas didáticas prescritas em manuais ou sugeridas porespecialistas em metodologias e técnicas do ensino, que resultamem alternativas acessórias e provisórias e que pouco ou nadacontribuem para a qualificação do ensino, não gerando impacto sobrea aprendizagem dos alunos.

A ruptura epistemológica e o protagonismo, como fatoresindispensáveis à inovação, permitem localizar a centralidade da relaçãoentre teoria e prática, tanto nas questões que se referem às condiçõesdidático-pedagógicas que favorecem a aprendizagem comoconstrução, quanto na preparação dos alunos para o exercícioprofissional.

No que se refere às condições didático-pedagógicas, salienta-se que para que o professor possa realizar rupturas conceituais queencaminhem para práticas inovadoras precisa ter conhecimentossuficientes para compreender como ocorre o processo de elaboraçãodo pensamento no aluno; como se processa a informação no sentidode transformá-la em conhecimento; como ocorrem as interaçõesentre sujeito e conhecimento e demais aportes necessários para atomada de decisões didáticas.

Em relação a um dado campo profissional, a prática preparatóriapara um determinado ofício precisa ser mediada pelos conceitosque sustentam certas decisões, como, por exemplo, nos Cursos deformação de professores é importante ensinar aos alunos diferentesmetodologias didáticas, mas é preciso que os alunos reflitam sobreas ênfases dadas, problematizando e situando as diferentesconcepções pedagógicas, no sentido de compreender e construiruma prática de planejamento interdisciplinar.

Interlocução entre planejamento interdisciplinar e gestão da aula

O planejamento interdisciplinar remete para o entendimentoda conjunção dos três grandes constituintes na gestão da aula: ensino,

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aprendizagem e avaliação, o que leva a considerá-los como umatotalidade. Nessa perspectiva, o ensino é considerado como aorganização de situações capazes de contribuir para a produção doconhecimento pelo aluno, a aprendizagem, como um processo deconstrução pelo aluno de significados próprios, mediante síntesessobre o que ele vivencia e o que busca conhecer, e a avaliação, comoum componente de diagnóstico e de reorientação do ensino e daaprendizagem pela compreensão da prática docente e da trajetóriaacadêmica do aluno.

Assim, a Figura 1 representa as dimensões do planejamentointerdisciplinar e gestão da aula.

Figura 1: Dimensões do planejamento interdisciplinar e gestão da aula.Fonte: A autora (2014).

Nessa direção, Libâneo (1994) aponta a relação entre ensino eaprendizagem como elemento que possibilita a constituição da teoriadidática e a orientação segura para a prática docente, destacandosuas dimensões: a política, pois o ensino enquanto prática socialfavorece transformações; a científica, porque deve revelar as leis geraise as condições concretas em que se manifestam; e a técnica, enquantoorientações da prática em situações concretas e especificas. Nessarelação, entre o ensinar da docência e o aprender do aluno, o autoresclarece que são ações docentes a explicitação de objetivos, aorganização e seleção de conteúdo, a compreensão do nível cognitivodo aluno, e a definição metodológica dos meios e fins, demonstrandoque a qualidade do ato de ensinar não se resume ao momento daaula.

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Para Farias (2011, p. 111),

(...) o planejamento é ato; é uma atividade que projeta, organizae sistematiza o fazer docente ao que diz respeito a seus fins,meios, formas e conteúdo. É uma ação reflexiva, viva, con-tinua. Uma atividade constante, permeada por um processo deavaliação do que somos, fazemos e precisamos realizar paraatingir nossos objetivos.

O professor é responsável pela gestão da aula, assim, oplanejamento apresenta-se como espaço em que ele exerce seu poderde intervenção sobre os rumos do fazer pedagógico. Tal atuação seconcretiza pela sua participação no delineamento, atualização derevisão do PPP/PPC, bem como no planejamento e implementaçãodo ensino, isto é, de sua ação didática propriamente dita. Nesse con-texto, é fundamental ultrapassar o discurso do reconhecimento dasmútuas relações entre planejamento educacional, institucional e deensino para constituição de uma prática que possibilite o professoratuar com autonomia.

Para isso, é de relevância para esse estudo estabelecer a distinçãoentre o método e as estratégias de ensino. O vocábulo grego méthosquer dizer caminho para chegar um fim (LIBÂNEO, 1994). Nocampo da didática, esse termo traduz um conjunto teórico constituídopor pressupostos, princípios e procedimentos orientadores dotrabalho pedagógico do professor. O método abriga elementosconceituais que permitem ao professor concretizar a prática educativa(FARIAS, 2011), sendo que, os componentes operacionais dométodo são as estratégias de ensino.

Anastasiou (2003) utiliza a expressão como “a arte de explicarou explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis”, comvistas à consecução dos objetivos. A autora destaca a vinculação dostermos estratégias ao “como fazer”, ou seja, as formas, os procedi-mentos, as ações e as atividades decorrentes do planejamento e daorganização dos processos de ensino e de aprendizagem. Para Anas-tasiou (2003, p. 69),

(...) o docente deve propor ações que desafiem ou possibilitemo desenvolvimento das operações mentais. Para isso organizam-se os processos de apreensão de tal maneira que as operaçõesde pensamento sejam despertadas, exercidas, construídas (...).Nisso o professor deverá ser um verdadeiro estrategista, o quejustifica adoção do termo estratégia, no sentido de estudar,selecionar, organizar e propor as melhores ferramentas paraque os estudantes se apropriem do conhecimento.

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Nessa direção, a qualidade da gestão da aula está aliada àprofissionalização de seus professores, superando o dilema entre oensinar e aprender ou a questão sobre o que determina o quê.Concorre, para isso, o entendimento da natureza do ensinar que,necessariamente, enquanto atividade social tem como compromissoassegurar que todos aprendam.

Nessa ótica, compreende-se a importância dos conhecimentostratados por cada área específica, indo além do isolamento. Pois “épreciso substituir um pensamento que isola e separa por umpensamento que distingue e une” (MORIN, 2001, p. 89).

Assim, a interdiscipliaridade é uma forma de trabalhar em quese busca, principalmente, a interlocução dos diferentes saberes. Há,nesse contexto, o enriquecimento para as diferentes disciplinas, umavez que se estabelece uma ponte entre as aprendizagens. Isso con-tribui para a educação e auxilia significativamente na construção daconsciência social dos sujeitos envolvidos no processo. As práticasinterdisciplinares são aquelas que se aproximam da práxis pedagógicaque, ao enfatizarem os conteúdos de forma global, fazem o entrela-çamento entre os vários saberes, oportunizando aos professores ealunos percebê-los de maneira dinâmica e prazerosa.

Segundo Fazenda (2006, p. 117):

A interdisciplinaridade não abandona a contribuição dasdisciplinas, mas procura esclarecer a situação em estudo emsua complexidade, ou seja, interligar as disciplinas, procura fazerrelação entre os conhecimentos que as compõem, procuradesvelar aspectos que possibilitem sua integração.

A efetivação da interdisciplinaridade depende de vários fatores,tais como: comunicação, criticidade, criatividade, compromisso,trabalho em equipe, disponibilidade de tempo, rompendo com avisão individualista que, de certa forma, resguarda o professor dacrítica ao seu trabalho, mantendo-o numa posição de autoridadeconfortável e inquestionável. Entretanto, alguns dos fatores quefavorecem a interdisciplinaridade não dependem exclusivamente doprofessor, mas das condições que poderão ser oferecidas pelainstituição.

A interdisciplinaridade como uma inovação na aula, precisaser compreendida para além das articulações pontuais ecircunstanciais, vista como uma condição para que o currículo de

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um dado nível/curso tenha sentido e sustente uma formação dequalidade.

A partir dessas reflexões, acredita-se que a gestão da aula, apartir da perspectiva interdisciplinar, com novos paradigmas, precisacontar com a disposição do professor em protagonizar o própriotrabalho e de espaços, tempos e condições institucionais favoráveisà inovação e, consequentemente, aponta indicadores de qualidadepara o planejamento pedagógico (LUNARDI, 2012). Há váriaspossibilidades de promover a aprendizagem dos alunos, portanto,há métodos didáticos para garanti-la, é possível afirmar que a rupturacom a concepção tradicional de educação, baseada na perspectivade alguém que ensina e de alguém que passivamente recebe o ensino,favorecerá a mudança, a inovação, desde que sustentada teoricamentee acompanhada por uma opção epistemológica, podendo provocargrandes transformações no ensino, na formação dos alunos e naconfiguração da gestão pedagógica docente.

Cunha e Fernandes (2008, p. 114) colocam que (...) inovações,entendidas como ruptura paradigmática, exigem dos professoresreconfiguração de saberes e favorecem o reconhecimento danecessidade de trabalhar no sentido de transformar, o ensino.

A gestão da aula, ancorada no planejamento interdisciplinar,precisa ser compreendida pelos docentes, não somente como meio,estratégia e técnica para os alunos aprenderem mais e melhor,assimilarem os conhecimentos ditos “conteudistas”. Mas, a possibi-lidade pedagógica capaz de instigar, questionar e intervir na realidade,lembrando ainda o que Freire chamou de “curiosidadeepistemológica”; ou seja, a promoção da ingenuidade para umaconsciência crítica, como bem se sabe, não acontece automaticamentee nem é promovida através de repetições de palavras “milagrosas”.

Lucarelli (2007) esclarece que não há aplicação imediata da teoriana prática.

Da perspectiva dialética, dentro do campo social, a aplicaçãode conceitos teóricos, particulares, não implica reproduzirtaxativamente o anunciado por esses conceitos, mas aceitar aespecificidade de cada caso e de cada via do conhecimento, oque supõe reconhecer que as relações entre as esferas teóricase práticas são parciais, fragmentárias e complementares (p. 83).

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Na relação entre teoria e prática estão implicadas as dimensõesepistemológicas, didáticas, políticas e sociológicas, considerando queas concepções sobre o conhecimento e sua produção (epistemoló-gico), bem como suas formas de veiculação na aula (didático),precisam levar em conta o tipo de sujeito que se pretende formar(político) e como se espera que desempenhe sua atividade no campoprofissional (sociológico). Para tanto, é preciso que o professor tenhauma visão de conjunto do processo formativo, que tenha claro quaisaprendizagens serão necessárias em outros componentes curricularese que conceitos/ações se relacionam com o seu campo de estudos,articulando, de forma interdisciplinar, os conhecimentos queatravessam o currículo, tornando-os significativos porque passíveisde conexões.

Não há uma forma melhor e mais eficaz para promover a a-prendizagem dos alunos, portanto, não há um modelo didático queirá garanti-la, mas é possível afirmar que a ruptura com a concepçãotradicional de educação, baseada na perspectiva de alguém que ensinae de alguém que passivamente recebe o ensino, favorecerá a mudança,a inovação e a qualidade desde que sustentada teoricamente eacompanhada por uma opção epistemológica, podendo provocargrandes transformações no ensino acadêmico, na formação dosalunos e na configuração da docência.

Considerações e inquietudes finais

Tecer considerações finais neste estudo não é pontuar que oproblema tenha sido resolvido, nem que o objeto estudado“Planejamento interdisciplinar e gestão da aula” – tenha se esgotado. Nemtodas as conexões possíveis, que este objeto guarda, foramexploradas, tampouco se tem a segurança da sua completude. Aocontrário, as considerações finais reafirmam a crença na [in]conclusãodeste estudo, na complexidade em que ele se estrutura e nas relaçõespor ele estabelecidas.

Nessa direção, é preciso um olhar criterioso na dimensão dagestão da aula (planejamento, metodologia, avaliação, estratégiaspedagógicas, recursos, relação teoria e prática). O ensino é o núcleode uma instituição educativa que visa promover boa formação. Aqualidade do ensino está, portanto, diretamente vinculada ao trabalhodocente e, logicamente, às condições oportunizadas pela instituiçãopara o desenvolvimento do trabalho. É na aula que a qualidade se

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materializa e quaisquer tentativas de análise do ensino e de elaboraçãode propostas para sua qualificação precisam ter a aula como foco.

Gauthier (1998) coloca que a função pedagógica da “gestão damatéria” está relacionada ao planejamento, ao ensino e à avaliação daaula ou parte de uma aula; ela engloba o conjunto de operações queo professor utiliza para construir o conhecimento. A gestão damatéria não consiste em um conceito unificado, tratam-seconstructos abstratos que criam conjunto de variáveis queinfluenciam a aprendizagem. O autor, ainda, defende que a “gestãoda classe” consiste em um conjunto de regras e de disposiçõesnecessárias para criar e manter um ambiente ordenado favorável aoensino quanto à aprendizagem. A gestão da classe depende do con-texto, do tempo, do material, do social, do desenvolvimentointelectual dos alunos e das influências culturais, institucionais,econômicas e políticas.

Portanto, esse estudo aponta que o planejamento interdiscipli-nar e a gestão da aula não são estático, nem se reduz à aplicação deprocedimentos, mas requer a ação-reflexão contínua e vigilante sobrea complexidade das relações que se estabelecem entre as intençõesdocentes e as expectativas discentes, bem como ao que emerge nessainteração. Trata-se, sobremaneira, de compreender que a aula é emsi mesma, um processo dinâmico, em que professor, alunos e opróprio objeto de conhecimento implicam-se entre si,(trans)formando-se no percurso de ensinar e de aprender.Compreendida dessa forma, toda a ação docente pressupõe umaatitude investigativa a ser exercida na dinâmica da aula.

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A Influência das Tecnologias Digitais na

Constituição da Identidade do Professor de

Línguas (Estrangeiras) no Século XXI

Gabriela Q. Marzari*

Introdução

Independentemente da concepção pedagógica adotada peloprofessor para ensinar línguas, sobretudo línguas estrangeiras,sabemos que, de uma forma ou de outra, sempre fez uso de umadeterminada tecnologia como recurso ou instrumento de mediaçãopedagógica, desde o surgimento da escrita, passando pelas gramáticasimpressas e pelo livro didático, até a lousa digital, a conexão wireless,os computadores portáteis, o uso de redes sociais para o ensino, oarmazenamento de informações na nuvem, entre tantas outrasinovações tecnológicas digitais. Isso porque, conforme nos esclarecePaiva (2008, p. 01), “[o] sistema educacional sempre se viupressionado pela tecnologia, do livro ao computador, e faz parte desua história um movimento recorrente de rejeição, inserção enormalização”.

Portanto, entender como se constitui a identidade do profes-sor de línguas (estrangeiras) na sociedade contemporânea, que seencontra permeada por uma diversidade de recursos digitais acessíveisa praticamente todos os usuários da rede e, ao mesmo tempo,inundada por críticas severas, mitos e (des)crenças em relação aopapel desse professor, é fundamental, para que possamos – a partirda definição de seu perfil atual – repensar suas formas de atuação,com vistas ao ensino de línguas (estrangeiras). Nesse cenáriopromissor, a tecnologia – e, principalmente, as inúmeras

* Doutora em Estudos Linguísticos (UCPel). Professora do Curso de Letras:Português/Inglês e Coordenadora do Subprojeto Inglês – PIBID do CentroUniversitário Franciscano.

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potencialidades pedagógicas que ela carrega – pode ser vista comouma extensão do pensar e do agir docente e estes, se devidamenteconsiderados, poderão resultar em um novo ser docente, ou seja,uma nova identidade profissional para o professor de línguas(estrangeiras).

MOOCs: definição e funcionalidades

Os cursos online gratuitos e massivos (no inglês, Massive OnlineOpen Courses ou MOOCs) são cursos abertos, ou seja, oferecidos deforma gratuita e massiva no ambiente online. Dentre os objetivosprincipais de um MOOC estão: a possibilidade de acesso facilitado,pelo fato de que são recursos oferecidos gratuitamente a todos osusuários da Web 2.0; e a possibilidade de uso, adaptação ecompartilhamento ou redistribuição das informações de que dispõe.Conforme definição proposta por McAuley et al (2010, p. 10), umMOOC é “(…) um curso online que oferece a possibilidade deinscrição gratuita e aberta, um currículo compartilhado publicamente,e resultados não definitivos”1.

A propriedade “abertura” (openness) de um MOOC estádiretamente relacionada às habilidades já desenvolvidas pelo usuáriono que se refere ao acesso às TIC. Ou seja, um MOOC, pelo fato deintegrar diferentes Recursos Educacionais Abertos (REAs) em suaconstituição, estará mais ou menos sujeito a adaptações e alterações,em maior ou menor escala, à medida que seus usuários foremconsiderados mais ou menos letrados digitalmente. Dentre osdesafios atualmente encontrados na implementação de MOOCs paraa aprendizagem em massa, Yuan e Powell (2013) alertam para o fatode que apenas uma parcela de indivíduos, por serem letradosdigitalmente, poderá se beneficiar das potencialidades oferecidas poresses recursos, o que, na opinião desses autores, representaria umverdadeiro risco à proposta de Educação Aberta que tanto se almeja.

Segundo Mota e Inamorato (2012), quando se fala dapossibilidade de abertura de um MOOC, é preciso pensar naspossibilidades de limitação ao “aberto” que, segundo os autores,“(...) está associada à exigência de habilidades mínimas por parte

1 “(…) an online course with the option of free and open registration, a publicly-shared curriculum, and open-ended outcomes”.

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dos participantes, o famoso ‘letramento digital’, além da infraestruturatecnológica com acesso à internet e preferencialmente com umabanda razoável que permita a navegação sem muitas frustrações”.Ainda no que se refere ao aspecto “abertura”, é preciso considerar aexistência de duas modalidades de MOOCs, resultantes deorientações pedagógicas divergentes no que se refere aos processosde produção e oferta: os cMOOCs e os xMOOCs.

Basicamente, os cMOOCs são cursos criados a partir dospressupostos defendidos pela Teoria Conectivista, que prevê odesenvolvimento de redes de conexão entre fontes especializadasde informação, envolvendo a participação ativa de recursos humanose físicos, já que o conhecimento encontra-se distribuído no mundoe não no indivíduo apenas (SIEMENS, 2004, 2006, 2008). Já osxMOOCs são cursos mais estruturados, a exemplo do que aconteceno ensino tradicional, em que os conteúdos a serem desenvolvidosou ampliados são pré-definidos ainda no início do curso pelainstituição promotora. O conteúdo é transmitido por um professor,geralmente um sujeito bastante conceituado e renomado na área,que faz uso de recursos específicos, a fim de torná-lo acessível aseus aprendizes.

Ao contrário do que acontece nos cMOOCs, os resultadosobtidos, ao término de um curso xMOOC, são bastante previsíveis,já que os objetivos são definidos a priori e a trajetória do curso é deresponsabilidade do professor, que não busca na interatividade comseus aprendizes uma alternativa para a solução de eventuaisproblemas. A comunicação se faz de um para todos, reforçando aideia de que o professor, por ser o centro do saber, é responsávelpela aprendizagem de seus alunos. Segundo Yuan e Powell (2013, p.07), “(...) o modelo de instrução (xMOOCs) é essencialmente umaextensão dos modelos pedagógicos praticados dentro das própriasinstituições, que é, sem dúvida, dominado pelos métodosinstrucionais de ‘drill e grill’, que contemplam apresentações de vídeo,pequenos questionários e testes”2.

2 “(…) the instructional model (xMOOCs) is essentially an extension of the peda-gogical models practised within the institutions themselves, which is arguablydominated by the “drill and grill” instructional methods with video presentations,short quizzes and testing”.

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Diante do exposto, poderíamos pensar em MOOCs maissujeitos à abertura e MOOCs menos sujeitos à abertura, já que esta,a abertura (openness), é uma característica básica, que define taisrecursos como ideais para uma proposta de Educação Aberta.Segundo Yuan e Powell (2013, p. 06), o objetivo primordial dosMOOCs era democratizar o ensino, promovendo o livre acesso porparte dos alunos ao ensino superior. Nesse sentido, e ao contráriodos cursos online tradicionais, os MOOCs apresentaram, desde a suaidealização, duas características essenciais, que são justamente aabertura (open access), de modo que qualquer pessoa pudesse participarde um curso online gratuitamente, e a escalabilidade (scalability), umavez que os cursos são planejados para atender a um númeroindefinido ou ilimitado de participantes.

Contudo, essas características têm sido interpretadas dediferentes maneiras, conforme observamos anteriormente, a pontode presenciarmos a existência de MOOCs massivos, mas não abertos,e vice-versa. Esse conflito conceitual foi preconizado por Wiley(2012), conforme esclarecem Yuan e Powell (2013, p. 06), que “(...)apontou que as ambiguidades do conceito de MOOCs poderepresentar uma ameaça para o futuro desenvolvimento de REAs ecursos abertos, onde o público entenderá que o fato de serem ‘livres’é bom o suficiente e ninguém mais se preocupará com o fato deserem ‘abertos’ ou não3. Nesse sentido, Wiley (2012) esclarece quemuitos MOOCs são massivos, mas não são abertos (http://www.udacity.com/legal/); muitos MOOCs são abertos, mas não sãomassivos (http://learninganaly.net/syllabus.html); e, por fim, muitosMOOCs lutam para não se tornarem cursos (tradicionais) (http://cck11.mooc.ca/how.htm)4.

Uma interpretação do que afirmou Wiley (2012) revela que asimples existência de recursos online, que podem ser utilizados portodos – desde que gratuitamente – como suporte à aprendizagem,

3 “(…) pointed out that the ambiguities in the concept of MOOCs may pose athreat to the future development of open educational resources and open courseswhere the general public will perceive ‘free’ is good enough and no one will careabout ‘open’”.

4 Segundo Wiley (2012), “Many MOOCs are massive but not open (e.g., http://www.udacity.com/legal/); Many MOOCs are open but not massive (e.g.,http://learninganalytics.net/syllabus.html); Many MOOCs try very hard not to be courses(e.g., http://cck11.mooc.ca/how.htm)”.

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independentemente da área do conhecimento, parece suficiente parasatisfazer muitos dos anseios e interesses dos indivíduos que integrama sociedade atual, ou seja, que estão cercados pela tecnologia e que,em função disso, podem usufruir aquilo que está na rede à disposiçãode todos. O fato de estarem sujeitos à adaptação ou à alteração,tendo em vista necessidades contextuais específicas, não parece sera razão principal pela qual os MOOCs têm despertado tamanhointeresse na atualidade. O acesso facilitado, considerando-seprincipalmente o fato de que são cursos gratuitos, somado àdiversidade de áreas contempladas, estão entre as principaisjustificativas para a propagação dos MOOCs na sociedadecontemporânea.

Identidade docente como reflexo da reconfiguração das

práticas pedagógicas na sociedade da informação

Ao longo da história do ensino de línguas, mais especificamentede línguas estrangeiras, temos testemunhado certa diversidade emrelação aos papéis assumidos pelo professor, ora visto comoprotagonista do processo, porque exerce significativa influência sobrea aprendizagem do aluno a ponto de ser considerado responsávelpor ela; ora, como coadjuvante, porque representa apenas mais umdentre os elementos que integram o complexo cenário do ensino eaprendizagem de línguas (estrangeiras). Essa pluralidade de papéispode ser explicada a partir das diferentes concepções que temossustentado sobre o que significa ensinar e aprender línguas(estrangeiras), mas principalmente a partir da disponibilidade detecnologias que podem ser utilizadas como suporte para diferentesmodelos de aprendizagem, conforme alguns autores têmargumentado, por exemplo, Anderson e Dron (2011).

É essa diversidade de papéis atribuídos ao professor que nosleva a investigar e, por fim, questionar sua verdadeira contribuição,do ponto de vista didático-pedagógico, para a aprendizagem dedeterminado idioma na sociedade contemporânea. Segundo odicionário online Aurélio, “professor” é aquele que ensina; ou, ainda,“professor” é sinônimo de mestre. A definição proposta pelo Aurélio,embora simplista demais se considerarmos a complexidade queenvolve os processos de ensinar e aprender, nos leva a concluir queo professor foi, é e sempre será o sujeito responsável pela aprendizagemdo aluno, já que cabe a ele a tarefa de ensinar.

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Contudo, uma análise mais cuidadosa dessa mesma definiçãonos conduz a uma segunda conclusão: embora o professor sejaresponsável pela aprendizagem de seus alunos, não cabe a ele,unicamente, a tarefa de ensinar. Nesse sentido, o professor seriauma das possibilidades viáveis de acesso ao conhecimento pelo aluno,que poderá, dependendo de sua maturidade acadêmica e grau deautonomia, optar por ele ou por outro mecanismo de mediaçãopedagógica, que poderia ser o livro didático, a tela do computador, ainternet, a lousa digital ou o quadro negro, o celular, entre outrosartefatos, levando-nos a refletir sobre a noção de “natureza cognitivadas coisas”5, conforme problematizada por Sutton (2002), a partirde estudos desenvolvidos por Appadurai (1986) e Kopytoff (1986)e, posteriormente, reiterada por Siemens (2004, 2008), ao definir arede como um “agente cognitivo”.

Ao atribuirmos uma natureza cognitiva aos artefatos quepermeiam nossas práticas sociais, dentre elas, as práticas de ensinare aprender, estaríamos dividindo ou compartilhando uma responsa-bilidade que, outrora, restringia-se ao professor e ao aprendiz,respectivamente. Se entendermos que os artefatos que estão a nossavolta, dentre eles os artefatos digitais, podem desempenhar a funçãode “agentes cognitivos”, alterando a capacidade de alcance, armaze-namento e absorção das informações ao longo do processo deconstrução do conhecimento, no que se refere especificamente aoensino e à aprendizagem de línguas (estrangeiras), estaríamos, pois,nos referindo a uma espécie de cognição distribuída (HUTCHINS,1995, 2006).

O conhecimento, conforme propõe a Teoria Conectivista,encontra-se distribuído entre os diferentes elementos ou “nós”constitutivos da imensa rede que configura o sistema cognitivo. Aconstrução do conhecimento, mais especificamente, o desenvolvi-mento de habilidades linguísticas, nocionais ou funcionais ediscursivas, em relação ao ensino de línguas (estrangeiras), estádiretamente relacionada à capacidade de interação dos sujeitos ouartefatos envolvidos no processo. Sob essa perspectiva, a interaçãoé resultado de conexões entre elementos de natureza diversificada,não necessariamente humanos, mas representativos do cenário doensino de línguas (estrangeiras) na contemporaneidade.

5 No original, “the cognitive life of things”.

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Reiterando a definição de Siemens (2004), acerca doConectivismo, temos que “[o] nosso conhecimento reside nasconexões que criamos, seja com outras pessoas, seja com fontes deinformação, como bases de dados”. Logo, a rede, entendida como orepositório de uma infinidade de artefatos digitais, funcionaria comouma extensão de nossa capacidade cognitiva, que, quando ativada,contribui para a construção e distribuição do conhecimento demaneira coletiva e democrática. Xavier (2013, p. 307-8), ao responderà pergunta “[o] que é ensinar/aprender língua(gem)? E qual é a relaçãoentre professores de línguas e sociedade?”, apresenta uma definiçãode ensinar que evoca, pelo menos, dois papéis distintos para o pro-fessor de línguas (estrangeiras).

Segundo Xavier (2013, p. 307), ensinar pode estar relacionadoa “professar um saber” ou “fazer aprender alguma coisa a alguém”.O primeiro conceito de ensinar, conforme esclarece a própria autora(2013, p. 307), “(...) traz uma concepção de professor transmissivoque, em tempos de globalização, não mais atende às necessidades daescola”. Já o segundo conceito de ensinar, novamente segundo aautora (2013, p. 308), “(...) traz a ideia de professor mediador, aqueleque transita saberes diversos, ditos profissionalizantes, próprios eespecíficos do grupo que os partilha, produz e faz circular (...)”.

Em resposta à diversidade de artefatos digitais atualmenteexistentes, na maioria, de fácil acesso aos usuários da Web 2.0,propomos, neste estudo, a concepção de professor como coadjuvantedo processo de ensinar, fazendo uso da metáfora do professor como“coadjuvante”, a exemplo do que fazem Brown (2006), Fisher (s.d),Bonk (2007) e Siemens (2008), ao descreverem o perfil do professorpor meio de quatro metáforas, respectivamente: a de professor“artista mestre” (Educator as Master Artist), a de professor“administrador da rede” (Educator as Network Administrator), a deprofessor como “concierge” (Educator as Concierge), e a de professorcomo “curador” (Educator as Curator)6.

Segundo a versão online do dicionário Aurélio, “coadjuvante”refere-se àquele que “coadjuva, auxilia ou coopera com outrem”.

6 Para uma discussão mais ampla sobre as demais metáforas que, eventualmente,constituem o perfil do professor de línguas (estrangeiras) do século XXI, conformecitadas previamente, sugerimos a leitura do texto de MARZARI (2014).

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Em se tratando do ensino e da aprendizagem de línguas (estrangeiras),ao assumir o papel de coadjuvante, o professor – a exemplo dosdemais elementos constitutivos da rede – auxilia ou coopera com aaprendizagem do aluno, mas não se responsabiliza por ela, tampoucoexerce a função de mediador. Sob essa perspectiva, portanto, o pro-fessor deixa de ser o elemento responsável pela transmissão doconhecimento ao aprendiz ou, ainda, pela mediação entre o aprendize o conhecimento a ser construído, para se tornar um dos elementosintegrantes da rede onde são realizadas as conexões, essenciais àaprendizagem. Parece oportuno lembrarmos que, para Siemens(2008, p. 15), a natureza do processo de aprender, como mais oumenos guiada7, está diretamente relacionada ao reconhecimento eao uso de ferramentas por parte do aprendiz, que se constitui comoum sujeito mais autônomo na medida em que exerce maior controleno acesso à informação disponível8.

A metáfora do professor coadjuvante como indício de uma

identidade docente diferenciada

Entender o professor como elemento coadjuvante no cenáriodo ensino e da aprendizagem de línguas (estrangeiras) na atualidadeé destituí-lo da autoridade pelo ato de ensinar e da responsabilidade(única) pelo sucesso da aprendizagem do aluno. Não se trata, contudo,de ignorar ou menosprezar o seu papel; ao contrário, o professorpode assumir um papel tão ou mais importante se comparado àqueleque vem assumindo nas últimas décadas, especialmente em contextostradicionais de ensino, na medida em que sua ausência for de fatosentida pelo aluno, que poderá recorrer a ele sempre que sua presençaou interferência for determinante à construção do conhecimento.

A proposição da quinta metáfora encontra respaldo teóriconos princípios da Teoria Conectivista, que, dentre outros aspectos,

7 Neste contexto, o termo “guiada” pode ser entendido como sinônimo de“monitorada” pelo professor ou, segundo a teoria conectivista, por qualquer artefatoque exerça o papel de mediador no processo de interação entre o sujeito aprendentee o alvo de sua aprendizagem.

8 Segundo Siemens (2008, p. 15), “[a]s participative tools grow in popularity, theautonomy of learners and their control over access to information continues toincrease”.

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considera que a “[a]prendizagem é um processo de conectar nósespecializados ou fontes de informação”, desse modo, rompendocom a concepção de conhecimento centralizado no professor, comose fosse o único responsável pela sua propagação. Na sociedade dainformação, o conhecimento encontra-se disperso ou diluído emorganismos humanos e não humanos (artefatos digitais). Logo, asua construção depende, basicamente, do desejo do aprendiz emengajar-se em redes de colaboração, de modo a cultivar e manter asconexões entre si e os demais elementos que conduzem à aprendi-zagem contínua.

O papel do professor encontra-se, pois, descentralizado, umavez que o aprendiz poderá recorrer a fontes variadas de insumo e,por meio das conexões que estabelece ao longo do processo, reforçao que já sabe e avança rumo ao desconhecido. Isso se deve, emgrande parte, ao fato de que a concepção de aprender, na sociedadeda informação, foi sendo significativamente alterada, devido àexpansão e socialização de artefatos tecnológicos. A esse respeito,Siemens (2011, p. 08) esclarece que:

[a]prender não é mais considerado um processo inteiramentesob o controle do indivíduo, uma atividade interna,individualista: está também fora de nós, dentro de outras pessoas,em uma organização, em um banco de dados ou em artefatos,e essas conexões externas, que potencializam o que podemosaprender, podem inclusive ser consideradas mais importantesque nosso estado atual de conhecimento.

O conhecimento, sob essa perspectiva, está distribuído entreos demais sujeitos e objetos que integram a rede de conexõesnecessárias à sua construção. Nesse sentido, entendemos que o pro-fessor assume o papel de coadjuvante ao longo do processo, que,por si só, é caótico e complexo, já que o conhecimento encontra-sediluído na rede, de forma dinâmica e contínua. Como consequência,o papel a ser desempenhado pelo professor continua sendo relevantepara que a aprendizagem aconteça, já que representa um dentre os“nós” constitutivos da rede de conexões potencialmente ativas, masdeixa de ser essencial, na medida em que outros elementos, dentreeles pessoas e objetos, integram essa rede e podem, dependendo danecessidade do aprendiz, ser ativados por ele.

Paiva (2010), ao desenvolver um estudo sobre AmbientesVirtuais de Aprendizagem (AVAs), parece atribuir ao professor opapel de coadjuvante, a exemplo do que temos proposto neste estudo,

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cujo objetivo principal é investigar a identidade do professor delínguas (estrangeiras) no século XXI. Sobre essa questão, a autoraafirma (2010, p. 368): “[o]s AVAs configurados para proporcionarexperiências em redes colaborativas retiram o professor da frenteda sala de aula e o deslocam para os bastidores ou para junto dosalunos”. Mais adiante, ainda referindo-se ao papel desempenhadopelo professor, especialmente em contextos online de ensino eaprendizagem, a autora (2010b, p. 368) afirma que o professor precisa:“(...) perceber que não está mais no centro do processo pedagógico;ter consciência de que não há como dominar e transmitir todo oconhecimento de sua área; e descobrir que não tem domínio sobreo aluno, que aprende apesar do professor” (grifo meu).

Entretanto, é preciso destacar que, ao atuar como coadjuvanteno processo de ensino e aprendizagem de línguas (estrangeiras), oprofessor pode assumir uma postura mais colaborativa ou menoscolaborativa, dependendo do nível de autonomia demonstrado peloaprendiz. Geralmente, aprendizes mais autônomos recorrem à figurado professor com menos frequência, buscando soluções para osproblemas que vão emergindo ao longo do processo junto aos demaiscolegas, através da criação de fóruns online e participação nas redessociais, onde há espaço para discussão de ideias e conceitos relativosao conhecimento que está sendo almejado, ou junto às ferramentasque estão disponíveis aos usuários digitalmente letrados. A interaçãoe, por conseguinte, as conexões entre os elementos ou “agentes”,conforme definição de Latour (1991), que integram os processos deensinar e aprender, continuam sendo essenciais à construção doconhecimento; o que se altera é a natureza da interação, que nãomais se restringe a elementos ou agentes humanos, uma vez que oartefato, ao ser acessado pelo aprendiz, poderá “agir” em prol desua aprendizagem, a exemplo do que fazia o professor ou um colegade turma, geralmente aquele mais desenvolvido do ponto de vistacognitivo.

Nesse sentido, merece destaque a seguinte afirmação de Rosee Jones (2005), a respeito do conceito de “agência”: “[s]e a agência éa capacidade de fazer a diferença, então as máquinas também podemexibir formas de agência. Na Teoria Ator-Rede, a agência não serestringe aos humanos, mas é também atribuída às tecnologias”.Embora não tenhamos abordado a Teoria Ator-Rede ao longo desteestudo, entendemos que seus princípios vão ao encontro do quepropõe o Conectivismo, ao defender que o conhecimento é resultado

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de conexões, estas decorrentes de interações entre os elementos denatureza distinta que compõem a rede, dentre eles, seres humanos eartefatos digitais. Conforme discutido anteriormente, um dosprincípios mais polêmicos do Conectivismo, proposto por Siemens(2004), sustenta que a “[a]prendizagem pode residir em dispositivosnão humanos”, o que parece confirmar um dos preceitos básicos daTeoria Ator-Rede, de que a ferramenta, quando devidamente ativada,poderá se transformar em um importante mecanismo de mediaçãoe interação, desse modo, permitindo que o conhecimento sejaconstruído graças à relação dialética que se estabelece entre agenteshumanos e materiais (ROTH, 2007).

Considerações finais

Portanto, se considerarmos que a ferramenta propicia ainteração entre os elementos constitutivos da rede e, principalmente,se o conhecimento é resultado de conexões decorrentes dessasinterações, podemos concluir que a aprendizagem, na sociedade dainformação, é resultado de um processo essencialmente híbrido(LEFFA, 20149; PAIVA, 2010; SIEMENS, 2004, 2006; LATOUR,2005), porque integra tanto elementos humanos quanto elementosmateriais. Ao compreendermos o ensino sob uma perspectiva híbrida,estamos automaticamente diluindo a responsabilidade pelo sucessoda aprendizagem do aluno, outrora atribuída unicamente à figura doprofessor, aos demais elementos integrantes da rede.

Consequentemente, a visão maniqueísta que se tinha do pro-fessor (good versus bad), sustentada e transmitida por séculos, acabasendo desintegrada, uma vez que o sucesso ou o fracasso obtidopelo aprendiz, ao longo do processo de aprendizagem, pode estarrelacionado, por exemplo, à falta de letramento digital, por parte dopróprio aprendiz, para interagir com a ferramenta, a fim de atendera objetivos educacionais específicos, ou ainda, à sua incapacidade deagir de forma colaborativa na rede, participando ora como emissorda informação, ora como destinatário dela, junto aos demaisaprendizes.

9 Projeto apresentado ao CNPQ para obtenção de bolsa de produtividade empesquisa. Título Recursos educacionais abertos para o ensino de línguas online, Coordenadopelo Prof. Dr. José V. Leffa, disponível em: <http://www.elo.pro.br/cloud>.

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Ao propormos a metáfora do professor como coadjuvante,nos apoiamos na concepção de que o ensino, na sociedade dainformação, constitui-se de forma híbrida, basicamente porque resultade conexões decorrentes de relações entre seres humanos (agênciahumana) e artefatos digitais (agência material), o que conduz àdefinição de “cognição distribuída” (SIEMENS, 2008, 2011;DOWNES, 2006, 2007; LATOUR, 1991, 1993; HARPER et al, 2008),no sentido que o conhecimento, por ser ubíquo, encontra-se dispersotanto em fontes humanas quanto em fontes materiais. Soma-se aisso o fato de que o professor pode se fazer mais ou menos presenteno processo de ensinar, dependendo das necessidades do aprendiz,ora integrando-se ao sistema por completo, por vezes assumindouma posição bastante centralizadora em relação aos demaiscomponentes, ora esvaindo-se gradativamente dele, a ponto de setornar um elemento invisível dentre os demais (LEFFA, 2012).

A proposição de uma metáfora, que seja capaz de explicar aidentidade do professor de línguas (estrangeiras) no século XXI,constituída de forma híbrida, complexa e multifacetada, encontrarespaldo nos atuais estudos sobre a influência da tecnologia sobre aconstrução do conhecimento na sociedade da informação e justifica-se, basicamente, pela necessidade de investigarmos “as metamorfosesimpostas pela tecnologia sobre o ensino de línguas estrangeiras”,conforme propõe Telles (2009, p. 63). Por meio de metáforas,podemos compreender mais claramente qual é o papel desse sujeito,que, mesmo na sociedade da informação, ora está à frente doprocesso, definindo o que e como os alunos devem agir em relação aosconteúdos previstos, ora está à margem do processo, mediando astrocas e o acesso às informações que, eventualmente, serãoconvertidas em conhecimento, ora está incluso no processo, atuandocomo coadjuvante na (re)criação de conteúdos distribuídos entre osdemais sujeitos envolvidos (professores, aprendizes e artefatos), unscontribuindo para a construção do conhecimento de outros.

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Portfólio como Proposta de Avaliação

Interdisciplinar: Avaliação/Acompanhamento

no PIBID Pedagogia

Eliane Aparecida Galvão dos Santos*

Greice Scremin**

Fernanda Figueira Marquezan***

Notas introdutórias

Este trabalho tem o objetivo de apresentar e discutir como aproposta dos portfólios no contexto do PIBID Pedagogia seconstituiu em uma ação interdisciplinar para a avaliação/acompanhamento tanto das atividades propostas no subprojeto,como em relação às aprendizagens infantis.

Com a intenção de sistematizar o processo de acompanhamentodas aprendizagens das crianças, o portfólio foi proposto e discutidocom o grupo de bolsistas como uma estratégia de avaliação formativano contexto do Subprojeto PIBID Pedagogia do Centro UniversitárioFranciscano.

Nesse sentido, os portfólios se constituem como uma propos-ta de avaliação/acompanhamento que integra diferentes áreas deconhecimento, pois permitem que, tanto os bolsistas, como os pro-fessores e a própria criança acompanhe e reflita sobre as distintas

* Doutora em Educação (UFSM). Professora do Curso de Pedagogia e Coordenadorado Subprojeto Pedagogia – PIBID do Centro Universitário Franciscano.

** Doutora em Educação (UFSM). Professora do Curso de Pedagogia eCoordenadora do Subprojeto Pedagogia – PIBID do Centro UniversitárioFranciscano.

*** Doutoranda em Educação (PUCRS). Professora do Curso de Pedagogia eColaboradora do Subprojeto Pedagogia – PIBID do Centro UniversitárioFranciscano.

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habilidades que vêm sendo desenvolvidas no decorrer da escolari-zação.

Os portfólios, no contexto do subprojeto pedagogia ainda seconstituem como um grande desafio, pois a sua compreensão, bemcomo a sua viabilidade, na conjuntura das escolas, ainda precisamser aprimorados e contextualizados.

Assim, nesse texto, buscou-se trazer as principais discussões arespeito dos portfólios propostos e desenvolvidos no subprojeto,bem como os desafios a serem superados no que tange uma avaliaçãointerdisciplinar nos anos iniciais do ensino fundamental.

Para o encaminhamento das discussões desse artigo, elegeu-seuma pesquisa-ação, por se entender que essa pode ser aplicada aocontexto educacional

A pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégiapara o desenvolvimento de professores e pesquisadores demodo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorarseu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos (...)(TRIPP, 2005, p. 445).

Segundo esse autor, o ciclo básico da investigação açãocompreende planejar para uma melhora da prática, agir para implantara melhora planejada, monitorar e descrever os efeitos da ação e avaliaros resultados da ação (TRIPP, 2005). Nesse trabalho, o planejamentoenvolveu não só o estudo teórico acerca dos portfólios, comotambém as discussões realizadas no grupo de bolsistas. A açãoocorreu nas escolas, de modo experimental para que se pudesseidentificar se a proposta seria viável. No decorrer das reuniões dosubprojeto, procurou-se monitorar os efeitos da ação deacompanhamento por meio dos portfólios e a avaliação da relevânciadeles vem sendo realizada por meio desse texto como decorrênciado processo desenvolvido no subprojeto.

Os desafios das práticas interdisciplinares

Quando se trata de abordar a educação, é preciso considerartodos os processos históricos envolvidos no desenvolvimento depráticas, políticas e até mesmo no pensamento e concepções dossujeitos. Essa consideração dos processos históricos envolve a análisedos paradigmas que fundamentam a ciência e, consequentemente, aeducação.

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Sobre esse aspecto, o paradigma cartesiano teve forte influênciana educação, pois

com essa visão fragmentada, no século XIX, a universidade sereorganiza e com uma forte influência positivista passa acredenciar como legítimo o conhecimento científicocomprovável, racional e objetivo. As universidades assumem eaceitam o paradigma mecanicista e ocupam um papel funda-mental na reprodução da atividade científica (BEHRENS, 2005,p.21).

Nesse contexto, houve a divisão dos cursos em disciplinas, emperíodos, levando as instituições a organizarem-se em centros,departamentos fazendo com que os profissionais se restringissem auma especialidade, enfatizando as especificidades e perdendo aconsciência global (BEHRENS, 2005).

Essa visão fragmentada levou professores e estudantes a umprocesso de reprodução do conhecimento no qual a

ênfase do processo pedagógico recai no produto, no resultado,na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprirtarefas repetitivas que, muitas vezes, não apresentam sentidoou significado para quem as realiza (BEHRENS, 2005, p.23).

Essa autora considera que a separatividade propõe uma rupturaentre o ensinar e o formar, portanto, a crise da educação advém daprópria crise paradigmática, pois o pensamento newtoniano-cartesiano precisa ser superado.

A superação de um paradigma não significa a derrubada desse,pois a história é contínua e irreversível, mas significa sim a evoluçãoqualitativa de aspectos que são mais adequados às exigênciashistóricas. Ou seja, “a passagem para um novo paradigma não éabrupta nem radical” (BEHRENS, 2005, p. 26). Essa autoraconsidera, portanto, que a ruptura de um paradigma é decorrênciade uma série de problemas para os quais os pressupostos vigentesna ciência não conseguem solução.

Nesse contexto, de proposição de um novo paradigma, não hádúvida que as contribuições do pensamento de Morin (2006) sãofundamentais para pensar a educação, pois fornecem referenciaispara a religação dos saberes que consiste justamente na possibilidadede fazer com que os estudantes se dêem conta da quantidade deolhares possíveis que se pode dirigir a um objeto.

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Esses pressupostos fundamentam o conceito de interdiscipli-naridade que preferiu-se tratar aqui como uma forma de religarsaberes, pois entende-se que o conceito de interdisciplinaridade temsido utilizado com certa banalidade nos diferentes contextos. ParaPombo (2005, p. 4),

Há uma família de quatro elementos que se apresentam comomais ou menos equivalentes: pluridisciplinaridade, multidisci-plinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.Sentimo-nos um pouco perdidos no conjunto destas quatropalavras. As suas fronteiras não estão estabelecidas, nem paraaqueles que as usam, nem para aqueles que as estudam, nempara aqueles que as procuram definir (...).

Essa autora afirma, assim, que a palavra é ampla demais, “queestá a ser banalizada, aplicada a um conjunto muito heterogêneo desituações e experiências. E esta utilização excessiva gasta a palavra,esvazia-a, tira-lhe sentido (POMBO, 2005, p.4). E aponta que énecessário que se façam aproximações, esforços para encontrarcontornos que aproximem todas essas palavras de modo que sejamsuficientemente diferenciadas, mas sejam funcionais no âmbito quese deseja. É fundamental que se observe que o que essas expressõespossuem de comum é a palavra disciplina e que essas expressõesbuscam, de algum modo, integrar disciplinas.

Sobre esse aspecto, Behrens (2010) afirma que todas as áreasdo conhecimento, bem como a educação são influenciadas pelosparadigmas da ciência que decorrem da história da humanidade. Acompreensão sobre os paradigmas da ciência ajuda a identificar aproposta para a educação e a prática pedagógica. Essa autora destacaque, nas últimas décadas, o movimento de mudança paradigmáticaapoiada em uma visão complexa vem ganhando força não só porparte dos cientistas, como dos educadores e professores. Entretanto,a autora considera que

Essa influência paradigmática atinge a educação e propõe atransformação da prática pedagógica, mas essa mudançadepende da visão de mundo de cada professor. Com esse desafioposto, o docente precisa reavaliar sua prática pedagógica e, assim,buscar a superação da fragmentação com a tentativa dereintegração das partes (BEHRENS, 2010, p.34).

Nesse sentido, o contexto dos anos iniciais do ensino funda-mental, no Brasil, é privilegiado por unificar os saberes de todas asdisciplinas em um único docente que pode realizar essas

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aproximações. Entretanto, a realidade formativa dos docentes, bemcomo o contexto escolar, ainda privilegiam a fragmentação dessessaberes.

Por essa razão, necessita-se de uma mudança, de uma reformado pensamento que precisa, evidentemente, de uma reforma doensino.

Tudo isso significa reaprender a aprender. Reaprender é o maisdifícil, aprender é fácil. Reaprender é mudar as estruturas dopensamento. Por isso é uma tarefa muito difícil, necessita-se dealguns instrumentos de pensamento (MORIN, 2008a, p. 55).

Nesse contexto, talvez haja algumas saídas para auxiliar nacompreensão dos saberes de modo mais integrado no que tange àeducação. A primeira consiste em dar-se conta de que há no ensinouma eufemização da ciência, pois se vai de um problema a umresultado por um caminho bem construído que ninguém questiona,tornando os trabalhos experimentais (práticos) caricatos, pois há,segundo Lebert uma castração intelectual, poupando o aluno de umtrabalho característico do trabalho científico (raciocínio) que é otrabalho de problematização. “Antes de saber o sentido que se podedar a uma questão, talvez seja preciso reconhecer que há uma questão(LEBERT, 2010, p. 531)”.

Outra alternativa, de que trata esse autor, está relacionada àmaneira de ensinar e de aprender. A equação sobre a aprendizagemque é apregoada na escola é a de que “eu entendo antes, e obtenhosucesso depois”. Para Lebert (2010), o sistema de ensino é baseadono consumo dos saberes, não permite a interiorização do sentidodesses saberes para que o indivíduo tenha uma capacidade suficientede descentralização. Portanto, o autor destaca a necessidade deintroduzir outras modalidades pedagógicas que permitam aoestudante “obter sucesso primeiro e entender depois”, comestratégias que implicam uma produção e não somente o consumodo saber.

É nesses aspectos que os portfólios se adéquam como umaforma de acompanhar o desenvolvimento das aprendizagens semvalorizar somente os resultados. Nessa perspectiva, a questão cen-tral está em estimular o protagonismo do aluno para aprender sendoque, nessa dimensão, o direcionamento da prática pedagógica implicaque o educador compreenda que o estudante não entende o mundo

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de forma fragmentada, mas num todo integrado. Entretanto, sabe-se que é um desafio para os docentes despirem-se de suas concepçõesengessadas sobre ensino e aprendizagem e partirem para um processode descoberta junto com seus alunos. É sobre esse desafio que osubprojeto PIBID Pedagogia tem se lançado, na perspectiva de queo trabalho com acadêmicas e supervisoras possa contagiar os espaçosescolares com novas discussões sobre ensinar e aprender.

Os portfólios como proposta de avaliação interdisciplinar

A proposta de utilizar os portfólios como procedimentoavaliativo no contexto das ações do subprojeto PIBID Pedagogiasurgiu com base na compreensão de que “avaliar não é uma açãoesporádica ou circunstancial dos professores(as) e da instituição es-colar, mas algo que está muito presente na prática pedagógica”(GIMENO SACRISTÁN, 1998 p. 296).

Sabe-se que existem distintas modalidades avaliativas e cabeaos docentes e também aos estudantes de licenciatura em formaçãoadotarem uma postura crítica em relação à proposta avaliativa queirão desenvolver. Bassedas et al (1999) distinguem três modalidadesda avaliação: diagnóstica, formativa e somativa.

A avaliação diagnóstica busca determinar, basicamente, apresença ou ausência de conhecimentos e habilidades. Constitui-secomo uma etapa do processo educacional na qual o foco está emverificar em que medida os conhecimentos anteriores ocorreram eo que se faz necessário planejar para superar as dificuldadesencontradas (BASSEDAS et al, 1999).

Já a avaliação formativa busca acompanhar as aprendizagensdiárias dos estudantes, possibilitando que os docentes conheçam oseu desenvolvimento e possam atuar junto às potencialidades edificuldades cotidianas. É uma modalidade avaliativa baseada nodiálogo e no reajustamento contínuo dos processos de ensino e deaprendizagem, para que todos possam alcançar com sucesso osobjetivos educativos (BASSEDAS et al, 1999). A avaliação formativatrabalha, assim, com a subjetividade. Entretanto, exige o planejamentode uma sistematização de registros do docente sobre os estudantesque precisa estar organizada de modo que o professor possa consultá-la sempre que necessário para compreender os avanços nasaprendizagens.

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A avaliação somativa tem o objetivo de classificação ao finaldas unidades de ensino, tem o objetivo de medir o rendimento dosestudantes, com foco nos resultados das aprendizagens e nãoespecificamente no processo de desenvolvimento, apropriação eressignificação de novos saberes. Para Bassedas et al (1999), essamodalidade avaliativa privilegia quem conseguiu aprender, já quemnão acompanhou, dificilmente terá novas oportunidades comple-mentares até por falta de tempo, pois a avaliação é realizada no finaldo trabalho com os conteúdos.

É importante considerar que essas três modalidades avaliativasprecisam ser desenvolvidas de modo associado, pois são comple-mentares no processo avaliativo. O problema é que a realidade esco-lar vem enfocando a avaliação somativa como única forma deidentificar as aprendizagens. Assim, acredita-se que a avaliação precisaestar pautada na relevância do diagnóstico inicial sobre asaprendizagens, no acompanhamento formativo sobre as potenciali-dades e fragilidades de cada estudante, bem como no caráter somativode todo esse processo.

Entretanto, observa-se também que o diagnóstico é maisfacilmente apropriado nas práticas avaliativas, assim como acaracterística somativa. A fragilidade dos processos avaliativos se dámesmo no âmbito da avaliação formativa, justamente por ter anecessidade de acompanhamento individualizado do processo deaprendizagem, portanto, exige registros sistemáticos sobre a trajetóriado estudante. Nesse sentido, os portfólios se constituem comoprocedimentos condizentes com esse tipo de avaliação e por issonecessários de serem discutidos no contexto da formação inicial econtinuada do PIBID.

Muito se vem discutindo sobre o uso do portfólio como umaestratégia que poderá se constituir como formativa, tanto para oestudante, como para o professor. Porém, as indagações acerca decomo essa estratégia pode ser organizada, bem como a suaconstrução, ainda são questões que necessitam ser estudadas de modoaprofundado a fim de que não se torne mais um registro deconstatação para denunciar as fragilidades das aprendizagens dosestudantes. O portfólio deve, portanto, contribuir para que sefundamente, na prática, o permanente diálogo entre professores eestudantes em uma relação cíclica entre aprender, ensinar e avaliar(AMBRÓSIO, 2013).

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Assim, pode-se afirmar que o portfólio, para cumprir a suafunção, precisa se constituir como um processo de avaliação reflexiva.Isto é, que ele seja um suporte para que educadores e estudantespossam analisar, pensar juntos sobre as produções dos estudantes afim de criar novos caminhos, abrindo pistas para novas hipóteses eelaborações. Esses elementos reflexivos são substratos que podemviabilizar o auto direcionamento do aluno no processo de construçãodo seu conhecimento, contrapondo a concepção de uma avaliaçãoclassificatória na qual quem sempre dá o veredicto é o educador.

Assim, questiona-se: Afinal o que é um portfólio? Comoorganizá-lo? Primeiramente, cabe salientar que a palavra portfólio(do inglês) é instituída no campo das artes e que aparece com oobjetivo de criar novas formas de avaliação para o desenvolvimentodas inteligências artísticas. Vieira (2006) ao discutir o conceito dePortfólio escreve que:

(...) muito mais que uma reunião de trabalhos ou materiaiscolocados numa pasta. Além de selecionar e ordenar evidênciasde aprendizagem do aluno, ele possibilita também identificarquestões relacionadas ao modo de os estudantes e os educadoresrefletirem sobre os reais objetivos de sua aprendizagem, quaisforam cumpridos, e os que não foram alcançados (p. 150-151).

Assim, para que o portfólio possa ser um instrumento quevenha auxiliar professor e alunos a identificarem os avanços e osinvestimentos necessários no processo de ensino e de aprendizagemimplica, primeiramente, que o professor tenha uma concepção deavaliação que não se restrinja aos aspectos quantitativos daaprendizagem.

O portfólio como instrumento de avaliação distancia-se da ideiade verificar, apreciar e constatar o que o aluno foi capaz de produzirem um determinado período de tempo de atividade escolar. Aavaliação baseada em portfólios pode e deve estimular entre os alunos,professores e a família, o questionamento, a discussão, a proposição,a análise e a reflexão sobre o desenvolvimento da aprendizagem decada aluno.

Importante salientar que a resolução nº 4/2010, que define asDiretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica,no seu Art. 47 pondera que a avaliação da aprendizagem deve basear-se na concepção de educação que norteia a relação professor-estudante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um ato

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reflexo de reconstrução da prática pedagógica avaliativa, premissabásica e fundamental para se questionar o educar, transformando amudança em ato, acima de tudo, político.

Assim sendo, o portfólio pode ser um instrumento para arealização da avaliação interdisciplinar, uma vez, por meio dele épossível registrar a trajetória de aprendizagem do aluno, pois asamostras de trabalhos que são selecionadas para constar no portfóliodevem ser escolhidas em conjunto com os alunos de forma que seobtenha um panorama do desenvolvimento do aluno nas diversasáreas de conhecimento e nas diversas formas e manifestações delinguagens.

Então, como elaborar esse instrumento de modo que ele venhaa refletir de fato a trajetória formativa do aluno? Não existe uma sóforma de elaborar um portfólio, muito pelo contrário, esseinstrumento tem sua origem nas artes, implica em criação, mas éimportante pontuar elementos que poderão contribuir no momentoda construção do portfólio. Salientam-se alguns:

n Conversar com os alunos sobre o que é o portfólio, paraque serve e como é feita uma avaliação através de um portfólio;

n Decidir a natureza física do portfólio, isto é, se será uma pasta,um caderno, um fichário, ou outro tipo de suporte; poderá ser virtual

n Elaborar um índice dos trabalhos a serem inseridos noportfólio, mas os alunos também devem ser livres e até mesmoestimulados a colocar tudo que acham pertinente relacionado àdisciplina;

Ações no contexto do PIBID Pedagogia

O PIBID subprojeto pedagogia, do Centro UniversitárioFranciscano, possui ações previstas em sua proposta de atuação queestão voltadas tanto para o diagnóstico das realidades escolares comopara a atuação nessas realidades. Nesse sentido, a proposta deacompanhar as aprendizagens e o próprio desenvolvimento das açõesdo subprojeto por meio dos portfólios foi uma possibilidadevislumbrada para este momento de atuação do subprojeto.

Nesse contexto, os portfólios como procedimentos avaliativos,foram projetados como possibilidade de registros reflexivos do

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trabalho desenvolvido no âmbito da formação inicial, das práticaspedagógicas junto às comunidades escolares, envolvendo aperspectiva interdisciplinar que é o pano de fundo do subprojeto.

Em um primeiro momento, previu-se então a exploração dosdocumentos institucionais: calendário escolar, projeto pedagógico,planos de estudos e regimento escolar, para posterior elaboração deinstrumentos para a pesquisa socioantropológica e aplicação destescom a comunidade escolar, tabulando e analisando os dados. Taisdados foram a base para a elaboração da Proposta de TrabalhoPedagógico nos anos inicias do ensino fundamental de cada escolaque teve como foco a alfabetização nas diferentes áreas deconhecimento.

A sistemática de construção dos projetos pedagógicos teve aparticipação dos bolsistas de iniciação à docência, os coordenadoresdos subprojetos, a equipe gestora da escola e os professores da escola.O desenvolvimento dos projetos pedagógicos elaborados utilizandoos diferentes espaços da escola, da IES e da comunidade local, comfins educacionais.

Nesse contexto, foram realizados encontros envolvendo o cursode Pedagogia do Centro Universitário Franciscano, coordenadoresdo subprojeto, bolsistas, professores supervisores das escolasparceiras e demais professores formadores do curso, para ocompartilhamento das ações desenvolvidas no subprojeto, avaliaçãoe planejamento de novas ações.

Foram também desenvolvidos encontros sistemáticos de estudosteórico-práticos acerca da formação docente, alfabetização e políticaspúblicas para a educação básica, bem como para o planejamento ecriação de estratégias de ensino envolvendo as diferentes áreas deconhecimento, com o foco na interdisciplinaridade.

Outra ação do subprojeto envolvendo os portfólios foi arealização de uma oficina ofertada na IES para estudantes e docentesdos demais subprojetos, intitulada “Construção de portfólio comoinstrumento de avaliação”.

Assim, as discussões envolvendo a temática dos portfólios foisendo desenvolvida no decorrer do ano de 2014 e ainda é central parao desenvolvimento de ações futuras do subprojeto, pois a propostade acompanhamento dos processos educativos inerente aos portfólioscontribui fortemente para o andamento da proposta pedagógica.

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Considerações finais

A partir dos estudos realizados sobre o uso dos portfólios nocontexto do subprojeto PIBID Pedagogia do Centro UniversitárioFranciscano, foi possível identificar essa como uma proposta válidade avaliação tanto do trabalho desenvolvido no contexto do sub-projeto, quanto em relação ao acompanhamento das aprendizagensconstruídas pelos estudantes.

Sendo assim, apresentaram-se as ações do subprojeto nosentido de conhecer a proposta dos portfólios, do ponto de vistateórico, visando a compreensão por parte de todos os bolsistas danecessidade de se desconstruir as antigas concepções de avaliaçãocentradas nos resultados da aprendizagem. Esse movimento foinecessário para deslocar o eixo das preocupações pedagógicas doresultado para o processo em construção por parte das crianças

Além dos estudos e discussões teóricas, esse trabalhoapresentou as ações práticas desenvolvidas nas escolas junto aosestudantes. É importante destacar que, ainda que o grupo de bolsistastenha se proposto a construir portfólios por escola, esse ainda é umdesafio, pois os registros estão sendo coletados e organizados,necessitando de uma sistematização criativa para apresentá-los comoregistro das ações do subprojeto no ano de 2014.

Nesse sentido, é relevante enfatizar que o próprio processo decompreensão e transformação das concepções avaliativas inerentesaos portfólios foi de extrema relevância para os bolsistas emformação inicial e continuada.

Sobressai-se ainda a importância dos portfólios comopossibilidade avaliativa interdisciplinar, pois não privilegia uma nemoutra área de conhecimento, bem como leva em conta diversaslinguagens desenvolvidas pelos estudantes durante o processo deconstrução do conhecimento.

Portanto, esse instrumento de avaliação religa conhecimentose saberes que originalmente são afastados nos processos avaliativostradicionalmente desenvolvidos. Entretanto, sabe-se da importânciade não só avaliar a compreensão dos estudantes de modo integrado,como também de se sistematizar o conhecimento escolar de modointerdisciplinar como de fato ele existe no cotidiano.

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O PIBID no Processo de Formação Inicial e

Continuada de Docentes

Najara Ferrari Pinheiro*

Noemi Lenz**

Maira Knackfuss***

Tania Regina Pires Neves****

Introdução

A origem deste trabalho está associada a três aspectos: (1)experiência dos professores como docentes na Educação Básica;(2) atuação como supervisoras e coordenadora no SubprojetoPortuguês, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas deIniciação à Docência (PIBID), do Centro Universitário Franciscano(RS) e (3) estudos realizados para fomentar as práticas de Iniciaçãoà Docência nas Escolas parceiras desse Subprojeto.

Nesse sentido, a reflexão estabelece-se quando são associadasas experiências com as investigações sobre a formação continuada eas potencialidades do PIBID no desenvolvimento desse processo,ultrapassando as propostas cristalizadas e prescritivas. Assim,ultrapassar as prescrições normativas e buscar instaurar o

* Doutora em Ciências da Comunicação (UNISINOS). Professora do Curso deLetras e Coordenadora do Subprojeto Letras-Português – PIBID do CentroUniversitário Franciscano.

** Graduada em Letras Português (UFSM). Professora da Rede Estadual de Educação– RS e Supervisora do Subprojeto Letras/Português – PIBID do CentroUniversitário Franciscano.

*** Graduada em Letras (UFSM). Professora da Rede Estadual de Educação – RS eSupervisora do Subprojeto Letras/Português – PIBID do Centro UniversitárioFranciscano.

**** Graduada em Letras Português/Inglês (UFSM). Professora da Rede Estadualde Educação – RS e Supervisora do Subprojeto Letras/Português – PIBID doCentro Universitário Franciscano.

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protagonismo docente torna-se meta primordial para desenvolveras atividades nesse Programa. Partimos do pressuposto que essacondição só pode ser atingida quando o docente se percebe sujeitoda sua aprendizagem e toma consciência da necessidade de buscar,por meio da formação constante ao longo da carreira, a suaprofissionalização como professor.

Diante de tais perspectivas, este texto propõe-se a refletir acercada relevância do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação àDocência (PIBID), do Centro Universitário Franciscano, comoinstância formativa docente. Assim, a formação de professores, nesteespaço, está permeada por um processo de reflexão e compartilha-mento de saberes e fazeres que se constituem em caminhos para odesenvolvimento profissional e consequente profissionalizaçãodocente.

Além dos aspectos já citados, há que se considerar as aceleradastransformações que vêm ocorrendo no “mundo da Escola” e nomundo que a envolve e configura. Em vista disso, requerem-se novosolhares e procedimentos que direcionam a uma mudança no processode ensinar e de aprender que resulta e repercute no processoformativo docente.

Desse modo, pensamos que se faz necessária a construção deum saber plural, que requer novas concepções, novos conhecimentos,novas linguagens e novos fazeres. Tal pluralidade torna-se relevantepara a busca de diversos lugares de aprendizagem e também lugaresonde se possa promover a interlocução entre os saberes e os fazeresdo professor e dos bolsistas em seu local de aprendizagem e trabalho,valorizando, assim, a experiência docente.

Redefinindo políticas de formação para os profissionais do

ensino básico: a reflexão sobre a prática pedagógica e a

aprendizagem da docência

Os estudos que são realizados neste campo sinalizam para aimportância de se buscar novas concepções acerca da temáticaformação de professores. Além disso, as políticas públicas redesenham-se dentro desta nova configuração educacional, com vistas a darconta de lacunas que envolvem a formação de profissionais daEducação Básica. De acordo com Santos et al. (2012, p. 4538-4539)

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O governo Federal institui, em 2009, o Plano Nacional deFormação dos Professores da Educação Básica no âmbito doMinistério da Educação e organizou a Rede Nacional deFormação Continuada dos Profissionais da Educação Básica,através da Portaria nº 1.129 de 27 de novembro de 2009. Logo,em 2011, através da portaria nº 1.087 o MEC institui o ComitêGestor da Política Nacional de Formação Inicial e Continuadade Profissionais da Educação Básica, responsável pelaformulação, coordenação e avaliação das ações e programas doMEC, no âmbito da Política Nacional de Formação deProfissionais da Educação Básica.

Essas propostas surgem e instigam a reflexão sobre as práticasexistentes e o repensar sobre a formação de professores. Um dadoimportante está associado à observação de que a capacitação pormeio de palestras, eventos e cursos de curta duração, algumas vezes,para um grande número de ouvintes, não são estratégias eficientespara alavancar mudanças nas práticas profissionais. Uma dasjustificativas para isso é que as mesmas não possibilitam umenvolvimento dos docentes, muito menos dão conta de suas reaisnecessidades no contexto específico de atuação, visto que sãoorganizadas e planejadas por grupos de especialistas que nem semprefazem parte da realidade deste professor (BEHRENS, 1996).

Ainda nesta mesma direção, Behrens (1996) acrescenta queessas formações, descontextualizadas, muitas vezes, não fazemsentido, pois não se caracterizam como sendo um processo, de carátercontínuo, mas ações isoladas e estanques que não chegam a produzire gerar saberes e, consequentemente, não possibilitam aaprendizagem do professor e, por extensão da formação inicial dosbolsistas PIBID.

Assim, a redefinição de estratégias e papéis são necessários(Perrenoud, 2002). No entanto não bastam, pois para se tornarexperiências formadoras é necessário incorporar uma posturareflexiva que possibilite ao professor capacitar-se para agir de umaforma relativamente eficaz em atividades que envolvam as maisdiversas situações de ensino. Essa postura pode transformar amaneira de gerenciar as práticas docentes tanto na Educação Básicaquanto na Universidade, visto que o Programa tem como forçamotriz a relação Escola – Universidade – Escola.

O imprescindível para os sujeitos envolvidos é a mobilizaçãode um referencial teórico capaz de sustentar suas reflexões, seuconhecimento que se organizam em processos reflexivos

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permanentes. Esse processo permite gerar a tomada de consciênciado seu inacabamento e de que é preciso buscar novos referenciais,construir e reconstruir saberes e fazeres da docência e da formaçãoinicial de docentes com o intuito de que se instaure uma dimensãoformativa que evidencie o ser professor.

Dessa forma, ao pensar reflexivamente e de maneira crítica, épossível gerar aprendizagens ao longo das proposições de atividadesno decorrer da carreira. Essas proposições são capazes de mobilizaroutros saberes, como os pedagógicos e os da experiência, na medidaem que vai-se reconhecendo a necessidade de ir além do domíniodos conteúdos a serem ensinados, ou seja, quando, efetivamente,provocar o docente e os bolsistas a pensar sobre sua própria formaçãoe atuação como profissional.

Acreditamos que transformar essas práticas pedagógicas sejapossível a partir da construção colaborativa, em uma espécie deintercâmbio, talvez possível, entre escolas e instituições de EnsinoSuperior e do reconhecimento e gerenciamento do processo deensinar como um espaço de construção de saberes e fazeres, a partirda própria experiência.

Desse modo,

a consolidação desse processo implica na criação de políticaspúblicas que leve a cabo as experiências vividas pelos profes-sores da Educação Básica. Do mesmo modo, que fomente ainteração entre a universidade e a escola, em ambientes quesejam dinamizadores de aprendizagens grupais, a partir doinvestimento na criação de espaços em que esses professorespossam interagir, estudar, refletir, compartilhar saberes, pro-blematizar ações, produzir conhecimentos a partir de pesquisassobre suas práticas pedagógicas. Nesse movimento o professorpoderá ampliar o seu repertório de conhecimentos teórico-práticos no intuito de qualificar o seu fazer cotidiano (SANTOSet al, 2012, p. 4542).

Diante dessa perspectiva, o PIBID pode contribuir para queesta construção ocorra, uma vez que, em seu bojo traz a preocupaçãoem fomentar o aperfeiçoamento da formação de docentes além depromover avanços na qualidade da Educação Básica Pública Brasileira(BRASIL, PORTARIA n. 96, 2013).

Ainda, em seu artigo 3º, esclarece que “Os projetos apoiadosno âmbito do PIBID são propostos por instituições de ensino su-

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perior (IES) e desenvolvidos por grupos de licenciandos sobsupervisão de professores de educação básica e orientação deprofessores das IES” (BRASIL, PORTARIA n. 96, 2013, p.1).

É nessa inter-relação e por meio da interação e do diálogoentre os sujeitos envolvidos, entre licenciandos, supervisores ecoordenadores que se instaura um movimento dinâmico deformação, uma vez que essa aproximação entre escola e universidadepossibilita um constante cambiar entre a teoria e a prática, transfor-mando esses espaços em lugares1 de aprender a ser professor.

Esse percurso formativo pode ser compreendido a partir dosconceitos de espaço e lugar estudados por Cunha (2008). Esta autoraexplicita que, a priori, o espaço constitui a possibilidade dedesenvolver-se em lugares de aprendizagens. Isso significa pensá-locomo sendo potencial, mas a sua existência não garante que o mesmose constitua num lugar de aprendizagem.

Este é garantido quando o sujeito atribui sentido aos espaçospor onde transita, ou seja, o caráter principal é lançar bases para quea dimensão humana possa estar presente. Isso implica, então, pensareste lugar como sendo o “lócus” onde o indivíduo torna-se sujeitode seus modos de pensar e de fazer, que lhe garantem autonomianos modos de agir e transformar a sociedade e o contexto em quevive.

Ainda, na concepção desta autora,

A profissionalização docente para os professores [da educaçãobásica], encontra na educação continuada uma possibilidade.Tomam o espaço do trabalho como possível para estudos ereflexões sobre suas práticas, acompanhadas das necessáriasbases teóricas que lhes façam compreender os seus fazeres(CUNHA, 2008, p. 6).

Em vista disso, pensar sobre as práticas pedagógicas, quandoseguidas de leituras, estudos e reflexões sobre as mesmas, podecontribuir para a profissionalização do professor. Acreditamos quea articulação entre escola e instituição de Ensino Superior, por meiodas ações do PIBID pode ter uma contribuição positiva para aformação continuada dos professores da Educação Básica.

1 Neste texto, fazemos uso dos conceitos ‘espaço’ e ‘lugar’ na acepção de Cunha(2008).

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Para tanto, é preciso que seja incorporada esta nova culturaque valorize o protagonismo e o fazer pedagógico que veja o pro-fessor como um profissional construtor de seu próprio conheci-mento e capaz de se desenvolver – e possibilitar espaços de formaçãode futuros professores – levando-se em conta os vários aspectosimprescindíveis para isso acontecer.

Apontamentos em aberto

É necessário inquietar-se e desenvolver estratégias inovadoraspara se pensar a formação continuada de professores, uma vez que,pautar-se em orientações prescritivas não instaura o protagonismodo ser docente.

Um dos caminhos possíveis é dirigir o foco à formaçãocontinuada de professores, a partir de concepções que permitem aoprofessor e aos bolsistas o protagonismo, tornando-os sujeitos na/da construção de seus saberes, tendo como ponto de partida areflexão sobre as práticas pedagógicas vigentes.

Uma das formas de valorizar a experiência na docência éalavancada pelo PIBID que busca

o diálogo e a interação entre licenciandos, coordenadores esupervisores. [Este encontro] gera um movimento dinâmicode formação recíproca e crescimento contínuo, que representauma via de mão dupla, em que tanto a escola quanto auniversidade (através de seus professores e alunos) aprendem eensinam ao mesmo tempo, retroalimentando a relação entreteoria e prática (CANAN, 2012, p.32).

Esta integração põe a escola pública de Educação Básica nocentro da formação docente, valorizando, ao mesmo tempo, osprofessores mais experientes, aqueles que atuam na Educação Básica,como co-formadores desses futuros profissionais (Iniciação àDocência) que atuarão no magistério.

Assim, o comprometimento docente para com as açõesformativas dar-se-á na medida em que houver consciência relativa ànoção de inacabamento, de que aprender constitui um processocontínuo que precisa ser incorporado no decorrer da carreira docentepara que a profissionalização se estabeleça e, talvez, comoconsequência conquiste-se a valorização da profissão.

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Referências

BEHRENS, M. A. Formação continuada de professores e a prática pedagógica.Curitiba: Champagnat, 1996.

BRASIL, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação.Portaria n. 96, de 18 de julho de 2013.

CANAN, Silvia Regina. PIBID: promoção e valorização da formaçãodocente no âmbito da Política Nacional de Formação deProfessores. Revista Brasileira de Pesquisa Sobre Formação Docente.Belo Horizonte: Autêntica, 2012. Vol. 04, n. 6, p. 24-43, jan./jul. Disponível em: <http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br>. Acesso em: 22 jul. 2014.

CUNHA, Maria Isabel da. Os conceitos de espaço, lugar e territórionos processos analíticos da formação dos docentesuniversitários. In: XIV Encontro Nacional de Didática e Práticasde Ensino. Porto Alegre: Anais Seiva Publicações. 2008.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor:profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed,2002.

SACRISTÁN, G; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar oensino. 4 ed. Artmed, 1998.

SANTOS, E. A. G. dos et al. Interação universidade escola:contribuições à formação continuada de professores. In: XVIEncontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino. Campinas:Junqueira & Marin Editores, 2012.

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Epistemologia e Interdisciplinaridade no

Ensino de Matemática

Lozicler Maria Moro dos Santos*

Sonia Regina Prado de Medeiros**

Introdução

Durante estudos e discussões que foram formalizadas nadisciplina de Fundamentos Epistemológicos do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática, aprofundados noSubprojeto de Matemática – PIBID/Centro UniversitárioFranciscano, envolvendo a formação tanto inicial como continuadade professores de Matemática, percebeu-se a necessidade de melhorapreender os fundamentos epistemológicos da teoria de Bachelard,abrangendo a ciência matemática e a interdisciplinaridade do ensinodessa disciplina.

Investigar sobre a interdisciplinaridade torna-se um processodesafiador, devido aos diferentes entendimentos que se tem a partirdesse termo. Busca-se, também, compreender as relações que existementre o ensino de Matemática, os conceitos de interdisciplinaridade,a partir da verificação e as conexões comas percepções epistemológi-cas da área de Educação Matemática, segundo o pensamentoepistemológico de Gaston Bachelard.

Muito se tem pesquisado sobre a interdisciplinaridade. O in-teresse sobre esse tema e o ensino de Matemática, se dá pelo papelque essa área tem no discurso da pós-modernidade, a qual ocasionou

* Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática. Professora do Curso deMatemática e Coordenadora do Subprojeto Matemática– PIBID/CentroUniversitário Franciscano.

** Graduada em Matemática (UFSM). Professora do Sistema Municipal de Ensinode Santa Maria/RS- Bolsista supervisora do subprojeto PIBID/Matemática –Centro Universitário Franciscano.

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alterações de ordem social e econômica. Ao estabelecer relação comessa complexidade, é necessário que o indivíduo tenha capacidade,sob uma perspectiva democrática, para realizar uma leitura críticado mundo. Para isso, o conhecimento matemático, nas suaspossibilidades integradoras, torna-se essencial.

Por outro lado, a apreensão do mundo se vale de aspectosrelacionados à imaginação e a intuição, cuja racionalidade foge dequalquer lógica. Desta forma, se fará necessário reconstruir oconceito de epistemologia para renová-lo de modo a contemplaresses aspectos.

Para essa reconstrução, acredita-se que o pensamento deBachelard possa vir a contribuir nas implicações para o campo doensino da Matemática, pois além da epistemologia da imaginação,uma das contribuições fundamentais de Gaston Bachelard é aprimazia conferida ao erro, à retificação, ao invés da verdade, a partirdaí pode constituir-se em um fundamento para a construção doconhecimento matemático. Para tal, torna-se necessário aprofundaro estudo da epistemologia, das teorias de Bachelard e da interdisci-plinaridade.

Com esse intuito, considera-se que essa análise é de funda-mental importância para a área da Educação Matemática, poisoportuniza uma reflexão à formação de professores em Matemáticae a Educação Básica.

Fundamentos epistemológicos da teoria de Bachelard

Gaston Bachelard (1884-1962) foi um dos filósofos modernosque criticou a imagem tradicional da ciência, a visão empírico-indutivista. De origem humilde, nasceu no seio de uma modestafamília, o seu pai era sapateiro.

Bachelard sempre trabalhou enquanto estudava e licenciou-seem matemática em 1912. Pretendia formar-se engenheiro até que aPrimeira Guerra Mundial eclodiu e impossibilitou-lhe a conclusãodeste projeto. Passa a lecionar as matérias de física e química nocurso secundário.

Aos 35 anos inicia os estudos de filosofia, a qual também passaa lecionar. Suas primeiras teses foram publicadas em 1928 (Ensaios

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sobre o conhecimento aproximado e Estudo sobre a evolução deum problema de Física: a propagação térmica dos sólidos). Passa ase projetar e é convidado, em 1930, a lecionar na Faculdade de Dijon.

Mais tarde, em 1940, vai para a Sorbonne e suas aulas acabamsendo muito disputadas pelos alunos devido ao seu espírito livre,original e profundo que, antes de tudo, sempre foi um professor.Em 1955, Bachelard ingressa na Academia das Ciências Morais ePolíticas da França e, em 1961, é laureado com o Grande PrêmioNacional de Letras.

Os livros de Gaston Bachelard transcendem o domínio daepistemologia, desenvolvendo algumas obras também no campo dapoética. A pouca compreensão do caráter dual dos seus trabalhos,no campo da ciência e da epistemologia (1928 a 1953) e no campoda poética (1942 a 1961) contribui para o distanciamento dospesquisadores frente à sua obra.

Neste trabalho tem-se por objetivo, a partir das leiturasrealizadas, analisar as principais concepções epistemológicas deGaston Bachelard, de forma a contribuir para as discussões que hojese fazem no ensino de ciências.

Segundo as leituras, podem-se evocar alguns laços, alguns traçosentre a vida e a obra de Bachelard. Foi, sem dúvida, um filósofomúltiplo, com uma vida marcada por mudanças bruscas de trajetória.De acordo com Lopes (1996) ao falar da multiplicidade de projetosem sua vida profissional, Bachelard tem seu paralelismo com apluralidade de suas ideias filosóficas e com a vivacidade de umpensamento resistente às classificações e aos rótulos. Ou seja, quandose pensa em entendê-lo como idealista, por sua crítica incisiva aorealismo, tem-se que retificar o pensamento, ao se compreender suaanálise sobre o papel constitutivo da técnica frente à razão. Quandose pensa ser ele um materialista, então, surpreendemo-nos com seueixo de construção do conhecimento: do racional ao real.

Bachelard afirmou, de certa forma respondendo aos quetentavam defini-lo como racionalista: “Tentamos tornar-nos isso,não apenas no conjunto de nossa cultura, mas nos detalhes de nossospensamentos, na ordem pormenorizada de nossas imagensfamiliares” (BACHELARD, 1989. p. 7). Nesse sentido, manteve-seequidistante, e igualmente crítico, do materialismo e do idealismo,para construir uma epistemologia intrinsecamente histórica. Segundo

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o filósofo francês, só pode-se efetuar uma reflexão crítica sobre aprodução dos conceitos ao nos debruçar sobre a história das ciências.

Enquanto um intérprete da ciência de seu tempo, especialmentea partir das contribuições da Física Relativística, das GeometriasNão-euclidianas e da Química Quântica, Bachelard organiza umaepistemologia não-normativa, ao contrário das filosofias da ciênciadominantes, de cunho empírico-positivista, pertencentes à matrizanglo-saxônica.

Bachelard inaugura este não-positivismo, distinguindo-se detudo o que se pratica, “noutro lado” sob a designação deepistemologia. O chamado “outro lado” da tradição epistemológica,que engloba tanto os empiristas lógicos como as perspectivas deKarl Popper e de Imre Lakatos, sempre se apresenta como a “ciênciada ciência” ou “a ciência da organização do trabalho científico” ouainda como uma filosofia científica, com base nos conceitos da lógicamatemática.

Trata-se de uma corrente epistemológica lógica, que aponta aoestudo e à construção da linguagem científica, bem como a umainvestigação sobre as regras lógicas que presidem a todo enunciadocientífico correto (positivismo anglo-saxônico). Ao contrário, aepistemologia histórica nos faz questionar a possibilidade dedeterminar de forma definitiva e universal o que é ciência. Nestaperspectiva, ciência é um objeto construído socialmente, cujoscritérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentesciências.

Bachelard não queria dizer aos cientistas como deveriamproceder em seu trabalho. Seu diálogo é com os filósofos de seutempo, seus questionamentos se dirigem a uma filosofia desatentapara as transformações radicais que sofre a razão humana com oadvento da ciência contemporânea. Segundo Lopes (1996), uma dasajudas essenciais da epistemologia histórica de Bachelard é a primaziaconferida ao erro, à retificação, ao invés da verdade, na construçãodo conhecimento científico.

Bachelard defende que é preciso errar em ciência, pois oconhecimento científico só se constrói pela retificação dos erros.Como seu objetivo não é validar as ciências já prontas, tal qualpretendem os partidários das correntes epistemológicas lógicas, oerro deixa de ser interpretado como um equívoco, uma irregularidade

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a ser extirpada. Segundo ele, não se pode fazer referência à verdade,instância que se alcança em definitivo, mas apenas às verdades,múltiplas e históricas, pertencentes à esfera da veracidade, dacapacidade de gerar confiabilidade.

Relacionar ciência e verdade não implica dizer que todo discursocientífico é necessariamente verdadeiro. A ciência é um discursoverdadeiro sob fundo de erro. A ciência é o processo de produçãoda verdade, é o trabalho dos cientistas, considerados os trabalhadoresda prova no processo de reorganização da experiência em umesquema racional. Cada ciência produz sua verdade e organiza oscritérios de análise da veracidade de um conhecimento. Mas a lógicada verdade atual da ciência não é a lógica da verdade de sempre: asverdades são sempre provisórias.

Bachelard se situa como o filósofo da desilusão, aquele queafirma: somos o limite das nossas ilusões perdidas (BACHELARD,1970). O que significa colocar que somos a expressão, não de nossoconhecimento imediato, de nossas habilidades inatas, mas doconstante e descontínuo processo de retificação que nosso espíritosofre no decorrer da existência. O que sabemos é fruto da desilusãocom aquilo que julgávamos saber; o que somos é fruto da desilusãocom o que julgávamos ser. Com esta marcante renovação naconcepção de conhecimento, é inaugurada uma interpretaçãoepistemológica visceralmente polêmica e descontinuísta.

Em um de seus últimos trabalhos, Bachelard questiona algumasdas razões que sustentam os argumentos dos continuístas da cultura.Inicialmente, analisa a defesa que fazem da ideia de avanço contínuodo saber. Como, via de regra, as evoluções científicas foram muitolentas, os continuístas interpretam que os conhecimentos científicospartem dos conhecimentos comuns por lenta transformação. Quantomaior a lentidão, mais ficam mascaradas as rupturas doconhecimento, mais é defendida a ideia de progresso contínuo.

A outra forma de defender a continuidade consiste emargumentar que o mérito do progresso científico se deve a umamultidão de trabalhadores anônimos: o cientista genial apenas temo “insight” daquilo que já se encontrava “no ar”. Essa interpretação,quando feita ao longo da história, traduz a marca do continuísmo.

Um terceiro argumento apresentado é pedagógico. Na medidaem que se crê na continuidade entre conhecimento comum e

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conhecimento científico, procura-se reforçá-la: busca-se considerara ciência como uma atividade fácil, simples e acessível. Tal perspectiva,por sua vez, tende a ser a divulgação de uma falsa imagem da ciência,capaz de estimular a vulgarização.

Bachelard, ao contrário, enfatiza em diversos momentos desua obra o fascínio que a dificuldade pode exercer, o prazer geradopelo mérito de se vencer as dificuldades do saber – as verdadeirasdificuldades racionais, e não as dificuldades externas aoconhecimento. Introduz a concepção de descontinuidade na culturacientífica através das noções de recorrência histórica, de racionalismossetoriais e da concepção de ruptura.

No que se refere à ruptura, apresenta-se tanto entre conheci-mento comum e conhecimento científico, a partir do que seconstituem os obstáculos epistemológicos, quanto no decorrer dopróprio desenvolvimento científico, configurando a filosofia do não.Para Bachelard, as rupturas no conhecimento científico não ocorremapenas em relação ao conhecimento comum, mas também nodecorrer do próprio desenvolvimento científico. Não existe umcontínuo racional na história do conhecimento científico: a FísicaRelativística diz não à Física Newtoniana, a Geometria deLobatchevsky diz não à Geometria Euclidiana, a Química Quânticadiz não à Química Lavoisieriana.

Esse procedimento de negação não insinua o abandono dasteorias anteriormente construídas. Trata-se de reordenar, de ir alémde seus pressupostos, por introduzir uma nova racionalidade. Até asnovas aquisições neste século, compreendia-se a ciência fundamen-talmente como cumulativa (os pressupostos como definitivos e uni-versais).

Bachelard nega a filosofia do não enquanto uma atitude derecusa, para defendê-la como uma atitude de conciliação. Conciliaçãopercebida no sentido da convivência com o diverso, a aceitação dodissenso. Compreender com Bachelard a noção de ruptura no co-nhecimento científico é assumir uma nova forma de compreendertoda a história do conhecimento científico. A partir da recorrênciahistórica, o desenvolvimento do conhecimento científico passa aser compreendido por constantes rupturas. Por exemplo: o espec-trômetro de massas rompe com a balança lavoisieriana. A lâmpadade Edison, produzindo luz ao impedir a queima de um filamento,

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rompe com as lamparinas, onde a queima de um combustível é fontede energia luminosa.

Como complementação à filosofia do não, Bachelarddesenvolveu o que ele denominou ser a filosofia do racionalismoaplicado – termo utilizado de uma forma geral – ou filosofia domaterialismo racional, termo usado em sua segunda obra maisdedicada à Química, Le matérialismerationnel, provavelmenteprocurando marcar o traço mais materialista desta ciência. Mas emambos os termos, o que se demonstra é a dialética entre o material eo racional, entre o empírico e o teórico.

Progressivamente, o positivismo e o empirismo caminham parao realismo, no qual a ciência é a descrição da realidade, enquanto oformalismo e o convencionalismo se aproximam do idealismo. Já oracionalismo aplicado se coloca equidistante tanto do realismo quantodo idealismo.

Pode-se afirmar o quanto devemos nos manter vigilantes nosentido de buscar ultrapassar os obstáculos epistemológicos. Emnossas aulas e pesquisas, preocupados com os obstáculos ao processode ensino aprendizagem situados nas metodologias de ensino, nosprocessos cognitivos dos alunos e no contexto educacional maisglobal, frequentemente, esquece-se de pensar sobre os obstáculosinerentes ao próprio conhecimento científico.

A filosofia da desilusão não pretende ser a filosofia do eternoe do imutável, da razão totalitária, mas se quer aberta e retificável.Não há repouso para o procedimento de retificação, não há reta dechegada, não há certezas definitivas, mas, em contrapartida, faz-nosabandonar a pretensão de alcançar a onisciência divina.

Educar a partir de um novo espírito científico significa ir alémdos referenciais pedagógicos tradicionais. O modelo de formaçãoproposto por Bachelard exige uma ruptura com o paradigma daracionalidade puramente técnica. O pensamento desse filósofocolabora de fato para a construção de novas experiências formativasconsoantes com a formação de um profissional capaz de inovar noseu dia a dia, na prática docente.

A formação, na expectativa de Bachelard, deve ajustar aoeducando uma crítica de sua postura no mundo, de seus preconceitose opiniões, assim como os saberes que estão constituindo a sua vida.

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Na prática pedagógica e na vida pessoal, quanto mais clareza odocente tiver da sua visão de mundo, de ser humano, dos processosde ensino-aprendizagem, melhores serão suas possibilidades deatingir os fins da educação.

Interdisciplinaridade e o ensino de matemática

A interdisciplinaridade é um tema que vem sendo estudadonos últimos anos dentro dos currículos escolares, e não é diferenteem matemática. Porém, este assunto não é algo novo em educação,já que vem sendo discutido desde a década de 70, conformeBittencourt (2004), o qual coloca, também, que esses estudos foramretomados nos anos 90, tendo como ponto chave a integração cur-ricular.

Segundo a concepção da interdisciplinaridade, os estudosmostram que o termo proporciona condições para o profissional dea educação realizar um adequado trabalho de integração entre asdiferentes áreas do saber, ajustando um trabalho de cooperação,porém, acessível ao diálogo e ao planejamento.

As experiências mais recentes dentro do campo educacionaltêm assinalado a interdisciplinaridade como sendo uma solução paraas fronteiras das disciplinas, que demonstram não conseguiremcompreender a realidade e a forma como devem interagir para podertrabalharem em conjunto.

Além do que, investigações sobre a aprendizagem de conceitoscientíficos em alunos, sugerem que o aprendizado de uma matériainfluencia no desenvolvimento de funções superiores que vão alémdos perímetros dessa matéria específica, como, por exemplo, namatemática.

Percebe-se que, a medida em que as disciplinas são relacionadasem atividades ou em projetos, a interdisciplinaridade torna-se umrespeitável instrumento pedagógico e didático capaz de atingir asfinalidades da educação básica.

Retomando o conceito de interdisciplinaridade, Bittencourt(2004), coloca que se deve trabalhar e discutir esse tema dentro daeducação matemática, pois o que se tem observado, nas últimasdécadas, é que os currículos dessa disciplina, apresentavam-se

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fechados, impedindo a integração com outras áreas do conhecimento,ou mesmo então como problemas da realidade cotidiana.

Ao longo do tempo, a matemática se consolidou com umaestrutura de pré-requisitos para a construção de conceitos, o queacabou proporcionando o distanciamento, em alguns casos, dosprincípios contidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que sãoa contextualização e a interdisciplinaridade.

No entanto, os enfoques estudados, consolidados em educaçãomatemática, como metodologias de modelagem matemática eresolução de problemas, acabaram por contribuir e mudar essecenário, descaracterizando a disposição curricular de formatradicional. Com isso, percebe-se atualmente que, a relação e aintegração curricular ocupam um espaço importante, pois estariaconstituindo sujeitos para uma sociedade mais justa.

A compreensão da integração curricular passa primeiro pelahistoricidade das relações entre escola, sociedade e formas deorganização do conhecimento, o que nos remete a Bachelard, quandoeste faz referência a concepção das noções de recorrência históricae dos obstáculos epistemológicos, quanto no decorrer do própriodesenvolvimento científico. A partir da recorrência histórica, o de-senvolvimento do conhecimento científico passa a ser compreendi-do por constantes rupturas.

No entanto, as recentes discussões apontam para soluções paraa contextualização e a transversalidade. Assim, a sugestão para oensino de matemática, que estão nos Parâmetros CurricularesNacionais, vem ressaltar o caráter histórico do saber matemático,sugerindo a possibilidade de integração entre as áreas.

Desta forma, a integração dos currículos vem apresentar uma“aposta” por meio da concepção do conhecimento matemático,estabelecendo a discussão a respeito de matemática e cidadania, ouseja, manifestando a construção de estratégias, criatividade e iniciativapessoal, o que induziria a capacidades de enfrentar desafios.

Finalmente, pode-se aspirar uma maneira de integração namatemática como linguagem, onde o conhecimento matemáticoserve as outras áreas do conhecimento como instrumento. Nessesentido, entende-se que a relação curricular é algo estabelecido apartir de razões sociais, históricas e culturais.

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Ao fazermos referência a interdisciplinaridade e o ensino damatemática, junto à epistemologia de Gaston Bachelard, nãopoderíamos deixar de falar sobre o erro dentro do contexto doconhecimento matemático. É comum, na correção de trabalhos emmatemática o apontamento dos erros e dos acertos obtidos pelosalunos. Os erros acabam constituindo-se sob o ponto de vistanegativo e os acertos pelo ponto de vista positivo.

Porém, deve-se considerar que nem sempre os acertos sãogarantia de que o aluno entendeu ou aprendeu o conteúdoapresentado pelo professor, nem tampouco mostram o que realmenteeles sabem (CURY, 2008). Nesse contexto, os erros não, necessaria-mente, evidenciam o que os alunos não sabem, pelo contrário, elesfornecem “pistas” sobre como os alunos estão aprendendo eentendendo o conteúdo, em questão. Com isso, pode-se dizer que aepistemologia histórica de Bachelard ajuda na primazia conferida aoerro, na construção do conhecimento científico.

Para Bachelard é necessário errar, pois o conhecimentocientífico só se constrói pela retificação dos erros. Desta forma,pode-se dizer que o erro passa a ser interpretado como um equívoco,uma anomalia a ser extirpada.

Considerações finais

Procurou-se, nesse artigo, focalizar a discussão epistemológicada obra de Bachelard com vistas aos aspectos gerais da teoriaBachelardiana, fazendo referência ao ensino de matemática e a in-terdisciplinaridade, os obstáculos matemáticos e o erro.

A interdisciplinaridade é um tema que muito se tem pesquisado.Os estudos e discussões têm mostrado que esse assunto proporcionapara o professor, um apropriado trabalho que envolve a integraçãoentre as diferentes áreas do saber, por meio do planejamento.

O pensamento de Gaston Bachelard vem ao encontro dacontribuição no ensino da Matemática, pois em sua teoriaepistemológica permeia a preferência conferida ao erro, pois a partirdele pode-se efetivar a construção do conhecimento matemático.

Considerando que o erro transita todo o processo de ensino eaprendizagem e, portanto, desempenha um importante papel nesseprocesso, enfatiza-se à necessidade de tomar como objeto de análise

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as produções dos alunos na disciplina de Matemática, para com issoorganizar a compreensão e a contribuição na aprendizagem dosconceitos matemáticos.

Referências

BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes,1989.

_____. Études. Paris: J. Vrin, 1970.BITTENCOURT, Jane. Sentidos da integração curricular e o ensino de

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CURY, H. N. Análise de erros: o que podemos aprender com as respostas dosalunos. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Bachelard: O Filósofo da Desilusão.Caderno Cat. Ensino Física, v.13, n3: p. 248-273, dez. 1996.

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Epistemologia, Revoluções Científicas e as

Contribuições para o Ensino de Ciências e

Matemática

Janice Rachelli*

Marcos Alexandre Alves**

Introdução

Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) é norte-americano, físico efilósofo da ciência. Ao lecionar uma disciplina onde apresentava aciência física para um curso de não-cientistas, na Universidade deHarvard, em 1949, Kuhn passou a dedicar-se ao estudo da históriada ciência. Em 1952, quando começa a lecionar história da ciênciapropriamente dita, observa que “as bases experimentais de uma novateoria são acumuladas e assimiladas por homens comprometidoscom uma teoria mais antiga, incompatível com aquela” (KUHN,2009, p.12). Ao trabalhar, posteriormente, com uma comunidadecomposta predominantemente por cientistas sociais, Kuhnconfronta-se com problemas relativos às diferenças entre essascomunidades e também a dos cientistas ligados às ciências empíricas.Começa a surgir daí as ideias para a sua teoria, o que o tornariaconhecido mundialmente, não como físico, mas como um filósofoda ciência.

Com ideias precursoras sobre o desenvolvimento da ciência, épublicada, em 1962, a primeira edição de seu livro, A estrutura dasrevoluções científicas. Nessa obra, Kuhn sustenta a tese de que a ciênciase desenvolve durante certo tempo, a partir da aceitação, por parte

* Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática. Professora do Curso deMatemática – Universidade Federal de Santa Maria – (UFSM).

** Doutor em Educação – PPGE/UFPel. Professor do Curso Filosofia e do Programade Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. Coordenador Institucional– PIBID/Centro Universitário Franciscano.

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da comunidade científica, de um conjunto de teses, teorias e métodosque formam um paradigma. Além disso, considera próprios daciência, os aspectos históricos e sociológicos que fazem parte daatividade científica, e não só os lógicos e empíricos como defendia opositivismo lógico.

Kuhn encara a observação como antecedida por teorias, e,portanto, não neutra e reconhece o caráter construtivo, inventivo enão definitivo do conhecimento. Quando um paradigma não é maiscapaz de resolver os problemas, surge uma crise junto à comunidadecientífica, que só é resolvida com a emergência de um novoparadigma.

O propósito deste texto é apresentar os principais aspectosrelacionados à teoria epistemológica de Kuhn, permitindo entendera sua concepção de desenvolvimento da ciência e também ascontribuições que sua teoria pode fornecer para o ensino de ciênciase para a historiografia da matemática no que diz respeito a Álgebra.

A estrutura das revoluções científicas de Kuhn

O livro A estrutura das revoluções científicas (2009), publicado em1962, pode ser considerado um dos mais influentes livros da filosofiada ciência do século vinte. Nesta obra, Kuhn rompe com algunspadrões que predominaram na filosofia da ciência da primeira metadedo século passado, que privilegiavam discussões e abordagensabstratas e metodológicas, e mostrou que qualquer análise adequadada ciência tem que levar em conta também a sua história. A recepçãoinicial da obra, na década de 1960, foi controversa (LAKATOS;MUSGRAVE, 1979), de tal forma que autores como Popper eLakatos acusaram a abordagem kuhniana de ser relativista,psicologista, dogmática e irracionalista, sobretudo por atribuir papelsignificativo a elementos não-observacionais: ideologia,comportamento social dos cientistas, capacidade de persuasão einclinações metafísicas, na escolha entre teorias nos períodos derevolução. Obviamente, Kuhn recusou essas críticas e dedicou boaparte do seu trabalho posterior a responder e reformular seupensamento à luz dessa recepção inicial (KUHN, 2006).

Na Estrutura, Kuhn empregou o conceito de revolução científicade modo a salientar os aspectos não cumulativos do desenvolvimentoda ciência e defendeu que a história da ciência contém rupturas.

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Essas rupturas marcam a emergência de novos paradigmas: “oscientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em no-vas direções” e passam a ver “coisas novas e diferentes quando,empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontosjá examinados anteriormente” (KUHN, 2009, p.147). Contudo, “namedida em que seu único acesso a esse mundo dá-se através do queveem e fazem, poderemos ser tentados a dizer que, após umarevolução, os cientistas reagem a um mundo diferente” (KUHN,2009, p.148).

Essas duas passagens levaram alguns autores a perceber Kuhncomo um relativista em ciência. Porém, o autor rejeita esse tipo deleitura, e explica suas próprias concepções dizendo que as hipóteseselaboradas após uma revolução nem sempre podem ser adequada-mente descritas na linguagem do paradigma anterior. As alteraçõesque ocorrem em uma revolução não se limitam ao que é previstopelas teorias em questão, mas afetam também a ontologia da ciênciae o modo como se pensa e se descrevem os objetos, bem como aprática científica (métodos, instrumentos, comportamentos doscientistas etc).

Nesse sentido, no entendimento de Andrade (2000), Kuhndestaca três características do que ele entende por mudançarevolucionária na ciência: a) Mudanças revolucionárias – são holísticase afetam a rede conceitual inteira da ciência e o modo como oscientistas percebem objetos e os instrumentos que usam. Nessasmudanças, o que ocorre não é somente uma revisão ou acréscimoem alguma hipótese ou lei anterior, mas vários enunciados gerais(hipóteses, leis...) inter-relacionados precisam ser revisados, e issoacaba gerando alterações globais na teoria e prática da ciência; b)Mudança de significado – altera não somente os critérios pelos quaisos termos ligam-se à natureza, mas o “conjunto de objetos ousituações a que esses termos se ligam” (KUHN, 2006, p. 42). Alteram-se as categorias linguísticas usadas para as descrições e generalizaçõescientíficas. Isso implica em uma redistribuição dos objetos em no-vas categorias; c) Mudança do modelo, metáfora ou analogia – alteraos padrões de similaridade e diferença entre tipos de fenômenos.Esses padrões são ensinados aos estudantes das respectivasdisciplinas científicas por meio de exemplos concretos exibidos porpessoas que já os reconhecem. Em períodos de revolução, essespadrões de similaridade e as metáforas que os acompanham sãosubstituídos. Portanto, uma das principais características reveladas

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pelas revoluções científicas: o conhecimento da natureza mostra-seinseparável da própria linguagem que expressa esse conhecimento.

Segundo Abrantes (1998), as revoluções como mudança deparadigmas e revoluções científicas acarretam também mudança demundo. Para Kuhn (2009), a ciência desenvolve-se de acordo com oseguinte modelo: uma sequência de períodos de ciência normal, nosquais a comunidade científica adere a um paradigma, interrompidospor revoluções científicas (ciência extraordinária). Os episódiosextraordinários são marcados por anomalias/crise do paradigmadominante, culminando com sua ruptura.

O termo paradigma é usado, em um sentido geral, para designartodo o conjunto de compromissos de pesquisas de uma comunidadecientífica, podendo ser uma constelação de crenças, de leis e detécnicas, partilhado pelos membros e capaz de organizar as pesquisasde uma determinada comunidade científica. A este sentido, Kuhnaplicou o termo matriz disciplinar e estabeleceu os principais tipos decomponentes de uma matriz disciplinar: a) generalizações simbólicas– assemelham-se as leis da natureza. Podem ser encontradas na formasimbólica, ou expressas em palavras. São exemplos, F=m.a e, “Auma ação corresponde uma reação igual e contrária”; b) modelosparticulares – são modelos ontológicos e heurísticos que fornecemas metáforas e as analogias aceitáveis. Por exemplo, “As moléculasde um gás comportam-se como pequenas bolas de bilhar elásticasmovendo-se ao acaso”; c) valores compartilhados – são os valoresaos quais os cientistas aderem. Os valores usados para julgar teoriascompletas devem ser simples, dotadas de coerência interna, plausíveise compatíveis com outras teorias disseminadas no momento; d)exemplares – são as soluções de problemas encontrados noslaboratórios, nos exames, nos capítulos dos manuais científicos, bemcomo nas publicações periódicas, que ensinam, através de exemplos,os estudantes durante sua educação científica. Os estudantes encaramum novo problema como se fosse um problema que já encontrouantes e assim, passariam a dominar o conteúdo cognitivo da ciênciaque estaria não nas regras e teorias, mas nos exemplos compartilhadosfornecidos pelos problemas. Uma ilustração desta situação é dadapor Kuhn através de uma generalização simbólica da segunda lei deNewton. Os estudantes aprendem, quando confrontados com umadeterminada situação experimental, a selecionar forças, massas eacelerações e adaptar a fórmula F=m.a ao tipo de problema, como,

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por exemplo, ao problema de queda livre, do pêndulo simples oudas oscilações.

Em outro sentido, Kuhn define paradigma, como sendo umtipo de elemento da constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças, que empregadas como modelos ou exemplos, podemsubstituir regras explícitas como base para a solução dos restantesquebra-cabeças da ciência normal. Vale dizer, os membros de umacomunidade científica que trabalham dirigidos por um paradigmapraticam aquilo que Kuhn denomina de ciência normal.

De acordo com Kuhn, ciência normal é a tentativa de forçar anatureza a encaixar-se dentro dos limites preestabelecidos erelativamente inflexíveis fornecidos pelo paradigma, ou seja, modelara solução de novos problemas segundo os problemas “exemplares”.

A ciência normal caracteriza-se por aquele período de desen-volvimento científico altamente cumulativo e extraordinariamentebem sucedido nos seus objetivos, um período de resolução de“quebra-cabeças”, ou seja, de resolução de problemas cujas soluçõesjá estão asseguradas pelo paradigma instalado. Uma comunidadecientífica, ao adquirir um paradigma, adquire também um critériopara a escolha de problemas, que, enquanto o paradigma for aceito,podem ser considerados como uma solução possível.

Na perspectiva de Gutierre (2007), alguns exemplos da ciêncianormal apresentados por Kuhn, podem ser assim descritos: a)astronomia durante a Idade Média (paradigma ptolomaico); b) óticado século XIX (paradigma ondulatório); c) mecânica nos séculosXVIII e XIX (paradigma newtoniano); d) teoria da relatividade doséculo XX (paradigma relativista). Kuhn classifica os problemas queconstituem essencialmente a ciência normal em três classes:determinação do fato significativo, harmonização dos fatos com ateoria e articulação da teoria.

Ao empregar um fato significativo, na resolução de problemas,o paradigma, tornou-os merecedores de uma determinação maisprecisa, numa variedade maior de situações. Essas determinaçõessignificativas de fatos incluíram na: Astronomia – a posição e a mag-nitude das estrelas, os períodos dos eclipses das estrelas duplas edos planetas; Física – comprimentos de onda e intensidadesespectrais, condutividades elétricas; Química – os pontos de ebuliçãoe a acidez das soluções, as fórmulas estruturais e as atividades ópticas.

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As tentativas de aumentar a acuidade e a extensão do conhecimentocientífico, as invenções, a construção e o aperfeiçoamento deaparelhos ocupam uma fração significativa da atividade dos cientistasno período de ciência normal.

A harmonização dos fatos com a teoria consiste da manipu-lação de teorias levando a predições que possam ser confrontadasdiretamente com a experiência e do desenvolvimento de equipa-mentos para a verificação de predições teóricas. Consiste em buscarum acordo, cada vez mais estreito, entre a natureza e a teoria. Sãoexemplos, a máquina de Atwood, inventada quase um século depoisdo Principia para fornecer a primeira demonstração da segunda lei deNewton e a construção de aceleradores para detecção de partículassubatômicas previstas teoricamente pelo Modelo Padrão (GUTI-ERRE, 1998).

A articulação da teoria, considerada por Kuhn, como a maisimportante de todas, consiste no trabalho empreendido para articu-lar a teoria do paradigma, resolvendo algumas de suas ambiguidadese permitindo a solução de problemas até então não resolvidos. Adeterminação de constantes físicas, as leis qualitativas e a reformula-ção de teorias, são algumas experiências que visam à articulação dateoria do paradigma.

Há períodos nos quais o quebra-cabeça da ciência normalfracassa em produzir os resultados esperados. Os problemas passama ser considerados como anomalias, gerando um estado de crise naárea de pesquisa – o chamado período de ciência extraordinária. Aemergência de novas teorias é geralmente precedida por um períodode insegurança profissional. A transição para um novo paradigma échamada por Kuhn de revolução científica.

As revoluções científicas são, para Kuhn, “episódios dedesenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma maisantigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatívelcom o anterior” (KUHN, 2009, p. 125). No desenvolvimentocientífico, o sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levarà crise, é um pré-requisito para a revolução.

Kuhn (2009) cita três exemplos, na história da ciência, de crisee emergência de um novo paradigma: 1º – Fim do século XVI:fracasso do paradigma ptolomaico (modelo geocêntrico) eemergência do paradigma copernicano (modelo heliocêntrico); 2º –

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Fim do século XVIII: substituição do paradigma flogístico (Teoriado Flogisto) pelo paradigma de Lavoisier (teoria sobre a combustãodo oxigênio); 3º – Fim do século XX: fracasso do paradigmanewtoniano (mecânica clássica) e o surgimento do paradigmarelativístico (Teoria da Relatividade).

Segundo Kuhn, a emergência de um novo paradigma érepentina, no sentido que pode ocorrer no meio da noite, na mentede um homem, geralmente jovem ou novo na área e nãocomprometido com o velho paradigma, profundamente imerso emcrise. Se novas teorias são chamadas para resolver as anomalias, entãoa nova teoria, bem sucedida, deve permitir predições diferentesdaquelas derivadas de sua predecessora. Essa diferença não poderiaocorrer se as duas teorias fossem logicamente compatíveis. Alémdisso, a tradição científica normal que emerge de uma revoluçãocientífica, não é, para Kuhn, somente incompatível, mas muitas vezesincomensurável com aquela que a precedeu. Aqueles que propõemos paradigmas estão sempre em desentendimento, mesmo que empequena escala.

Para realizar as revoluções, os cientistas que adotam um novoparadigma precisam ter fé, na sua capacidade de resolver grandesproblemas com que se defrontam, cientes apenas de que o paradigmaanterior fracassou. Para Kuhn, a natureza do argumento científicoenvolve a persuasão e não a prova. Ocorrerão algumas conversões,até que, morrendo os últimos opositores, todos os membros passarãoa orientar-se por um único, mas agora, diferente paradigma.

O novo paradigma passa a orientar o novo período de pesquisacientífica normal, até que surjam outras dificuldades quedesencadeiam um novo processo de crise do qual emergirão novasmudanças. Com isso um novo paradigma se estabelece e, com ele,surge um novo período de ciência normal.

Kuhn e o ensino de ciências e as revoluções científicas na

matemática

A partir da leitura e do embasamento teórico na epistemologiade Kuhn, para Fernanda Ostermann (1996), a visão de ciênciatransmitida nas aulas e nos livros didáticos e as estratégias de ensinoutilizadas em sala de aula, deveriam ser fundamentadas no modelode epistemologia apresentado e defendido por Kuhn.

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É prática comum, no ensino de ciências, apresentar o desen-volvimento da ciência como resultado de um processo contínuo ecumulativo de um saber que vem se pondo tijolo por tijolo. Mas,segundo Kuhn, não é assim que a ciência se desenvolve. Os avançosmais significativos produzidos pela ciência implicaram sempre emrupturas com os métodos, critérios e teorias de um paradigma vigente,surgidos a partir de uma revolução científica, onde um novoparadigma surge para responder aos problemas que o paradigmavigente não conseguia resolvê-los.

Para trabalhar essa ideia em sala de aula, Ostermann (1996)cita os passos que Zylbersztajn propõe:

1º – Elevação do nível de consciência conceitual: os alunosdevem conscientizar-se de suas concepções alternativas.

2º – Introdução de anomalias: criar uma sensação dedesconforto e insatisfação com as concepções existentes. Para isso,podem ser usados, demonstrações, experimentos e argumentosteóricos. Este passo é o equivalente ao período de ciência extraordi-nária.

3º – Apresentação da nova teoria: os alunos recebem um novoconjunto de ideias que irão acomodar as anomalias e o professortenta convertê-los a um novo paradigma.

4º – Articulação conceitual: os alunos são estimulados a realizarinterpretação de situações (experimentais ou teóricas) e resoluçãode problemas. Corresponde aos “quebra-cabeças” da ciência nor-mal.

Por conseguinte, podem ser elencadas algumas das implicaçõespara o ensino de ciências e matemática, trazidas pelo modelo deKuhn, quais sejam: a problematização do conhecimento e oquestionamento sobre a visão de ciência, visto que tanto nos livroscomo nas aulas, o ensino é apresentado como uma sequência depassos rígidos; a busca do paralelismo entre a história das ciências eas concepções acerca dos fenômenos físicos; a busca dacorrespondência entre epistemologia e aprendizagem no sentido deutilizar a teoria para entender algumas dinâmicas da mudançaconceitual e inspirar possíveis metodologias de ensino (ARRUDA;UENO; GUIZELLINI; PASSOS; MARTINS, 2005).

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Como é de conhecimento dos estudiosos da epistemologia,Kuhn (2009), ao explicar sua teoria, estabelece vários exemplos derevoluções científicas, baseados nas ciências empíricas. Mas, essasrevoluções científicas também estão presentes na matemática?

Embora, a maioria dos filósofos e historiadores da matemática,afirmam que tais revoluções científicas não ocorreram na matemática,Gilli Martins (2005) mostra, em sua tese de doutorado, que as tesesapresentadas por Kuhn em A estrutura das revoluções científicas, seaplicam quando se trata de analisar o processo segundo o qual oconhecimento matemático, mais especificamente, a história daÁlgebra, é produzido.

Segundo Gilli Martins (2005), a obra do astrônomo ematemático persa al-Khawarismi, do século IX, que trata sobreresoluções de equações algébricas, apresenta certas característicasque permite identificá-la como a primeira realização matemática anortear o primeiro paradigma da Álgebra na Europa e estabelece osobjetos e os métodos de investigação, nessa disciplina, para asgerações futuras de matemáticos que vai até o início do século XIX.

Antes do século XIX, o resultado mais importante alcançadopelos matemáticos governados pelo primeiro paradigma da Álgebra,foi a demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra, feita porGauss. Esse teorema garante que toda equação polinomial de graun, com n maior que zero, com coeficientes complexos, admite pelomenos uma raiz complexa.

Em 1826, Abel publica um trabalho Sobre a resolução algébrica deequações onde apresenta, a não resolubilidade para equações de graucinco. Este trabalho, que mostra a impossibilidade de se encontraruma fórmula geral para expressar as soluções das equações de graumaior que quatro, através de operações algébricas explicitadas sobreos coeficientes, traz à luz uma anomalia irresolúvel do primeiroparadigma da Álgebra na Europa. Ou seja, no período de ciêncianormal surge um problema para o qual o paradigma que governavaaquele período não estava preparado para resolver. Se de um lado oTeorema Fundamental da Álgebra garante a existência da solução,por outro, o resultado de Abel, mostra que não é possível encontrá-la.

Surge aí, uma crise revolucionária na história das equaçõesalgébricas. Abre-se um período de transição – um período de pesquisaextraordinária – onde o velho paradigma não governa mais os modos

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de produção do conhecimento algébrico. Com os escritos de Galoise o Treatiseon Algebra de Peacock, surge um novo paradigma daÁlgebra estruturado na forma de um sistema algébrico abstrato.

Para Gilli Martins (2005), o período de pesquisa extraordináriainaugurado com a publicação de Abel é uma revolução matemáticano sentido clássico dado por Kuhn em A estrutura das revoluçõescientíficas e os trabalhos de Galois e de Peacock, são as tais realizaçõesmatemáticas que deram início a Álgebra moderna de nossos dias,uma Álgebra estruturada na forma de um sistema algébrico abstrato.

Isto mostra que, as concepções apresentadas por Kuhn, seaplicam, quando o objetivo é utilizá-las na análise e na elaboração deuma historiografia da matemática, baseada na Álgebra.

Considerações finais

As ideias de Kuhn são referências indispensáveis para quemtem interesse nos temas centrais da filosofia da ciência contemporânea.Ao olhar a história das ciências, Kuhn mostra que os avanços maissignificativos implicaram sempre em rupturas, parciais ou totais, comos métodos, teorias e critérios utilizados na resolução de problemasaceitos como cientificamente corretos. Essas ideias são referênciaspara mostrar, aos alunos, como a ciência se desenvolve e que, o que éapresentado, nos livros e manuais científicos, de que a ciência é umprocesso contínuo e cumulativo, nem sempre ocorre desta forma.Além disso, para entender como novas teorias foram surgindo namatemática, como a Álgebra Abstrata ensinada hoje nos cursos deÁlgebra nas universidades, foi fundamental, o entendimento da teoriaepistemológica proposta por Kuhn.

Referências

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ANDRADE, N. L. Concepções de progresso científico em Conante Kuhn. Cad. Cat. Ens. Fís., v. 17, n. 1, p. 67-80, abr. 2000.

ARRUDA, S. M.; UENO, M. H.; GUIZELLINI, A.; PASSOS, M.M.; MARTINS, J. B. O pensamento convergente, opensamento divergente e a formação de professores deciências e matemática. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 22, n. 2: p. 220-239, ago. 2005.

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GUTIERRE, J. H. B. Kuhn: um naturalista acidental. Revista EletrônicaInformação e Cognição, v. 5, p. 40-49, 2007.

_____. O que há de polêmico na idéia kuhniana de decidibilidade?Principia, v. 2, n.1, p. 21-36, 1998.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,2009.

_____. O caminho desde a estrutura. Trad. Cezar Mortari. São Paulo:UNESP, 2006.

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OSTERMANN, F. A epistemologia de Kuhn. Cad. Cat. Ens. Fis., v.13, n.3, p. 184-196, dez. 1996.

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Reflexões sobre o Ensino: O Relato de uma

Experiência

Iuri Coelho Oliveira*

Fui bolsista do PIBID-UNIFRA de agosto de 2010 a dezembrode 2012; fiz, portanto, parte do grupo de alunos do primeiro editale, por alguns meses, do grupo de alunos do segundo edital. Ao longodo trabalho, participei de eventos e de atividades relacionados diretaou indiretamente ao programa e considero ter sido possível aprendermuito em virtude desse vínculo.

Em primeiro lugar, gostaria de salientar que, aqui, não trato dedescrever tanto os eventos quanto as atividades de que participei eque, sem dúvida alguma, têm seu peso e importância no conjunto.Quero, portanto, ocupar-me do que considero produto do vínculocom os colegas, professores, coordenadores, supervisores, alunos etodas as pessoas que formam o que se denomina PIBID, pessoasessas que me permitiram, de um modo ou de outro, chegar a algumasobservações que, talvez, possam ser chamadas de conclusões. Não épreciso dizer que sem as vivências viabilizadas nesse contexto, minhaformação teria sido outra e suspeito se teria os benefícios queconsidero provenientes delas.

Dado que é mais fácil começar pelo que é mais conhecido,direi inicialmente algumas palavras referentes à docência, especial-mente considerada quanto à disciplina em que fui formado e a únicapara a qual sou apto legal e formalmente a ministrar aulas: a Filoso-

* Egresso do Subprojeto Filosofia – PIBID do Centro Universitário Franciscano.Mestrando em Filosofia – PUCRS.

Texto elaborado para o painel “Formação Docente e o PIBID: Reflexões debolsistas egressos”, realizado no dia 5 de setembro de 2014, como parte do IVSeminário Interdisciplinar PIBID e da XVII Jornada Nacional de Educação:Profissão Docente: Criatividade, Identidade e Valorização Humana. A propósito,agradeço expressamente ao professor Dr. Laurindo Dalpian pelas valiosassugestões que fez após ler o texto.

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fia. Uma das primeiras observações acerca dessa disciplina é que elatem traços característicos, isto é, traços que lhe são próprios e que,via de regra, são tão seus que se deles for privada, estar-se-á falandode outra coisa. Nesses traços característicos inclui-se, por exemplo,o discurso filosófico; afinal, diante de uma máxima ou diante departe de um texto de algum autor de Filosofia, é possível saber doque se trata, sem saber muitos detalhes além da própria máxima oudo próprio texto.

Além desse traço característico, que se pode denominar clássico,há outros que são importantes para o presente propósito, porquetocam mais sensivelmente na Filosofia no que se refere à sala deaula da Educação Básica. Nesse sentido, pode-se com facilidadeconstatar que numerosos trabalhos vêm sendo desenvolvidos como fito de discutir seu ensino e, embora haja, de um lado, um currículosugerido que formalmente contempla tudo, muito ou o principal doque há em Filosofia, para se trabalhar com crianças e jovens, tem-sede admitir, de outro lado, que o trabalho despendido para haverapenas certa familiaridade com textos e contextos que remontam àantiguidade clássica grega e se estendem até nossos dias exige algumtempo e esforço.

Outro elemento que pesa sobre o ensino de Filosofia é que,especificamente em nosso país, a Filosofia é uma disciplina comtradição diminuta em relação a outras ciências como a Matemática,a Língua Portuguesa, a Geografia, a Química, a História – paramencionar apenas exemplos próximos no que se refere ao históricode ensino dessas disciplinas em nível básico. Com isso quero dizer,precisamente, que o currículo em Filosofia é estabelecido de maneiraque pode variar de acordo com a orientação pessoal do professor e/ou da instituição na qual é ensinada – sem que isso acarrete problemasquanto a seu ensino.

Esses pontos implicam algumas observações que podem assimser resumidas: há em Filosofia uma longa tradição, um currículoflexível à orientação pessoal/institucional, dependente de quem aministra ou de onde ela é ministrada; acarretando, sem dúvida, umconsiderável desafio para um(a) jovem prestes a se ocupar de ensiná-la. Têm-se, ademais, muitos outros fatores de ordem socioeconômicae/ou político-social, que são suficientemente conhecidos para serpreciso enfatizá-los.

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Apesar de a extração desses elementos dever-se à experiênciaespecificamente com a Filosofia, é possível torná-los mais gerais,pois pode-se estendê-los, senão a todas, pelo menos à parte dasciências que nos estão mais próximas no que se refere ao ensino naEducação Básica. Parece correto afirmar, ademais, que todas asciências ensinadas na Educação Básica têm uma tradição, seja elamais ou menos extensa, ao longo do tempo, dado este provenientedo próprio fato de elas ter, por exemplo, manuais e textos didáticos.Além disso, parece que todas elas se colocam questões relativas aoseu ensino, no sentido de buscar novos métodos1.

Há, pois, alguns aspectos que podem ser denominados“comuns” a essas ciências, entre os quais se pode incluir o fato deque elas têm o objetivo de pensar e melhorar seu ensino, tornando-o mais atrativo, mais rigoroso, mais próximo da realidade dos alunos.Eis que chegamos então a um ponto decisivo. Falamos em ensino e,para tanto, é preciso ser professor (formamo-nos, aliás, para sê-lo!),e só há professor se houver aluno, isto é, aquele para quem o pro-fessor ensina. Se entre professor e aluno há o ensino, este é umfazer e é, portanto, uma atividade, isto é, para o ensino ser real requer-se o exercício de determinado(s) ato(s). Ora, dado que há professore aluno no desempenho dessa atividade, parece importante dizeralgumas palavras acerca disso. E serão, de fato, apenas algumas.

Cabe, portanto, indagar: “Como é essa relação? Que aconstitui?”. Essa mesma relação pode ser expressa por outros termose, em vez de dizer professor, pode-se dizer docente e, em vez dealuno, pode-se dizer discente – para o propósito aqui consideradosão expressões equivalentes. Ora, se se trata de ensino na relaçãoentre docente e discente, não parece ser difícil afirmar que devehaver ensino de algo e esse algo, salvo equívoco, pode receber onome de ciência, conhecimento ou saber. Que papel, portanto, cadaparte desempenha nessa atividade?

Para essa resposta, parece legítimo utilizar uma comparação.Digamos, para tanto, que o docente é aquele que conduz, e que

1 Como não é minha proposta fazer um estudo detalhado, aqui, “método” é tomadoem referência ao ensino e, assim, compreendido seja como uma teoria voltadaao ensino, seja como teoria de um modelo de ensino, seja quanto aos recursosnecessários à sua consecução – entre os quais se podem considerar as estratégiasclassificadas ou não pelos manuais, pelos livros de didática ou pelos livros demetodologia de ensino.

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aquele a quem ele conduz é o discente e, ademais, que o caminhopelo qual há a condução é o conhecimento. Ora, para quem conheceum determinado percurso – coisa que nos é plenamente familiar – éfácil transitar por ele com segurança e mesmo com tranquilidade,pois conhece o terreno, suas variações, conhece o que está próximoe o que está mais afastado, conhece o tempo que se leva de umponto a outro; em suma, se não todos, pelo menos os detalhes, emsua maior parte, são-lhe conhecidos. Aquele que é conduzido, porseu turno, pode ter segurança, mas esta é instável; pode ter calma,mas é de curta duração, há, pois, incerteza quanto às consequências;desconhece as variações e, por isso, ora se precipita, ora se retrai; éimpreciso no cálculo, seja da distância, seja do tempo; em suma, senão todos, pelo menos boa parte dos detalhes lhe escapam e podecom facilidade confundir-se.

Mas, ao que tudo indica, para que este último possa trilhar essecaminho, tem consigo alguém que pode ajudá-lo, alguém capaz deguiá-lo, porque esse alguém passou pelo mesmo percurso e essapassagem prévia o habilita a percorrê-lo com maior perícia; isso é oque lhe faz ter paciência para indicar uma direção; seu trabalho ante-rior o preparou e ele também sabe quão árduo foi aprender; em suamemória, esse saber se faz presente, e isso o faz também conscientedos próprios limites e de quão válido é saber respeitá-los; sabe, ainda,que o percurso o faz ponderar acerca dos conselhos que ouviu, bemcomo sobre as consequências dos mesmos; reconhece quão valiosoé receber ajuda quando se precisa e quão bom será ser útil quandonecessário.

Devo lembrar que se trata de uma comparação, e que me pareceválida, porque ver no conhecimento algo como uma via, um caminhoé não pressupor poder percorrê-lo todo de um só fôlego, mas saberquais limites temos, e reconhecer que por um caminho podemoshesitar, mas podemos também “exitar”; percorrê-lo, contudo, éimprescindível, porque essa atividade repercute tanto num aperfei-çoamento técnico-profissional, como também pode se estender aosdemais âmbitos de nossa vida e às pessoas que convivem conosco,ou seja, mais pessoas podem aprender e mais pessoas podem depoisensinar; é possível, em última instância, viver mais e melhor, mas,claro, para isso tudo, é preciso antes ter uma iniciação no aprendizadoe no ensino, cujas consequências apenas mostrarão o que foi agregadoà nossa formação.

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Referências

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KUIAVA, et al. (Org.). Filosofia, Formação e Cidadania. Ijuí: Unijuí,2008.

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Educação Ambiental e Sustentabilidade:

Saberes Necessários à Complexidade da

Formação Docente

Gislaine Mocelin Auzan*

Ail Conceição Meireles Ortiz**

Introdução

Este estudo teve como objetivo evidenciar a relevância daconstrução de saberes, relacionados à educação ambiental e a sus-tentabilidade, diante dos processos formativos à docência. Aconstrução de novas posturas diante do meio ambiente encerra umsentido totalizador, diante do processo de formação humana,transgredindo, de forma valorativa, as fronteiras do conhecimentodisciplinar. Nesta intenção, a condução de espaços à reflexão eembates teórico-práticos, a cerca destes temas, representa firmeestratégia à promoção da construção saberes multidisciplinares.Portanto, integrando as ações do PIBID Institucional/UNIFRA,estão às oficinas pedagógicas, disponibilizando temáticas queperpassam de forma epistemológica e metodológica todas as áreasde formação à docência.

Este artigo apresenta importantes eixos teóricos que baseiama compreensão da crise socioambiental presentificada, bem comoos fatores condicionantes, dando ênfase à relevância da açãoeducativa, como forte atitude ao processo de humanização. Comvista à discussão teórico-prática, em torno da construção deestratégias de ensino, que de conta aos objetivos referidos, foramdescritas ações desenvolvidas, no formato de oficinas pedagógicas.

* Doutora em Ciências do Solo (UFSM). Professora do Curso de Geografia.Coordenadora do Subprojeto Geografia – PIBID/CAPES – Centro UniversitárioFranciscano.

** Mestre em Educação (UFSM). Professora do Curso de Geografia. Colaboradodo Subprojeto Geografia – PIBID/CAPES – Centro Universitário Franciscano.

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A ação empreendida evidencia a necessária discussão em tor-no de pensamento e ações voltadas à educação ambiental e susten-tabilidade diante do processo de formação docente, para que, sejapossível a construção de firmes saberes a serem incorporados à práti-ca docente.

Referencial teórico

O mundo presentifica a instauração e afirmação de umaeconomia capitalista em espaço global, sobre ferramentas cruéis,que garantem a veiculação e tentativa de consolidação de modelosde produção e padrões culturais internacionais, que carregada detendenciosidade hegemônica, manifesta progressivo processo deanulação das culturas locais. Este processo de homogeneização dereferências identitária tem provocado um movimento decontraglobalização, em que se principia na inculcação de valoresafirmadores da cultura local, resgatando assim, por atitudescoordenadas por mobilizações sociais, a emergência do sentimentode pertencimento aos lugares sobre os quais integram e intervém!

A possibilidade de obtenção da sustentabilidade diante dasdimensões socioeconômica e ambiental tem representado tema dediscussões em múltiplos espaços sociais, uma vez que, sob a perspectivaholística, todos os fenômenos na natureza são vistos como interligadosem um universo interdependente. Essa interdependência baseia-senuma ação recíproca entre os mundos natural, físico e cultural quepermeiam a vida. Os fenômenos no mundo são compreendidos sobuma conexão de processos e unidades sistêmicas, em emergência ainter-relações de pensamento e ação.

O enfoque interdisciplinar apontado no entendimento dequestões ambientais movimenta estruturas do saber e de práticas nabusca incessante à proposição de estratégias eficazes à rigorosa edesenfreada crise ambiental.

Na intenção de qualificação técnica e pró-ativa de ações voltadasao tratamento de questões ambientais impõe-se um processoreflexivo sobre o eixo pensamento e atitude do tema meio ambiente,em efetivo esforço coletivo com vista ao avanço na trajetória deaproximação ao verdadeiro sentido de desenvolvimento humano.Pensar o entendimento acerca de desenvolvimento suscita uma ideiade progresso em forte conjunção entre economia, cultura, sociedade

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e bem estar pessoal e coletivo, sob um padrão de consumo deindustrialização.

O modelo de sustentabilidade apenas terá significado emeconomias solidárias, regidas por princípios de partilha, onde o bemestar social seja atingido por todos, em equidade e justiça social. Ummodelo de desenvolvimento que estabeleça um diálogo entre avançotécnico-científico, padrões alternativos de crescimento econômicoe preservação dos recursos naturais.

A solidariedade, na contemporaneidade, parece utopia, masapresenta o sentido de impulsionar o ser humano a persistir, emplena luta esperançosa em guiar as gerações atuais e futuras! Estaideia de solidariedade e cooperação em mobilizarmos a ilimitadacapacidade intelectual do ser humano diante de já limitados recursosda natureza, embala e alavanca as instituições acadêmicas à iniciativade criar opções novas e originais ao mundo em estado deadoecimento!

A contemporaneidade presencia o desafio cotidiano de discutirética sobre um mundo, que se torna cada vez mais aético. O cenáriopolítico, socioeconômico, histórico e cultural mundial manifesta afirmeza dos processos e modelos desenvolvimentistas, marcadamen-te capitalistas, agregando ao próprio ser humano um valor capital.O mundo do trabalho passa a exigir eficiência técnica e não eficiênciahumana. A emergência da virtude humana sobre os espaços deconvivência social impõe rupturas comportamentais tanto pessoaiscomo interpessoais. Ética representa um comportamento social quebusca a manifestação de atitudes crítica refletidas, voltadas ao sentidodo que fazemos na vida e com a vida. A ética permeia todos osespaços da vida social. A vida social abrange, de forma interdepen-dente, aspectos naturais e sociais. O ser humano integra a totalidadedas relações conflituosas entre sociedade/natureza. A busca nasuperação destas relações conflituosas reafirma a relevância doprocesso educativo como possibilitador da formação ética emprincípio fundante e impulsionador à formação da consciênciaambiental. A Educação representa um processo de formação humanavoltado à provocação de reflexões acerca do sentido das relações doser humano com ele próprio, com o outro e com a vida. Portanto,formar um ser humano eficiente significa provê-lo de formação ética,uma ética plural, que garanta a diversidade e uma visão integradora,onde conteúdo e exercício passem a qualificar suas atitudes. Esta

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eficiência humana, seguramente o encaminhará a um projeto desobrevivência e construção de um futuro de transcendência. Aconstrução da ciência e vivência da solidariedade, da justiça, daconsciência crítica, da humanização e da capacidade de intervençãopró-ativa, apenas será verdade em ambiência educativa. O sentidodeste processo efetivo de formação humana se multiplica emperspicazes essências sobre pensamento e atitude humana,projetando e surpreendendo, em aposta e crédito na capacidade damente humana!

Construir uma educação para a sustentabilidade pressupõe aformação de um ser humano capaz de autocriticar e criticar,autocomprender e compreender, recriar e criar novas visões de mundo,escolher opções exitosas, decidir de forma criteriosa, em consonânciaàs exigências históricas. A preservação dos recursos do ambienteprescinde de atitudes efetivas, que revelem consciência ambiental; e aformação da consciência ambiental prescinde da educação.

O desenfreado crescimento populacional aliado à reduzidaoferta de condições de trabalho e acesso aos padrões de vida dignos,o intensivo processo industrial, a negação à socialização dos recursoseconômicos e a transgressão dos direitos humanos têm contribuídoa determinação do que configura a insustentabilidade.

A educação representa processo de veiculação e ambiência dainformação e formação, aspectos determinantes à transição desentidos da atitude humana, em que se perceba passagem da apatiaalienada à atividade consciente.

A formação da consciência ambiental passa fundamentalmente,pelo conhecimento e valorização de espaços vividos. Este espaçopróximo ocupado é o lugar. Qualificado de sentidos culturais, detrabalho e de relações afetivas. Este lugar integra um todo mundial.Não se presentifica em isolamento, e sim, concretiza-se sobre umcontexto. O lugar representa testemunho de concretizaçõesacontecidas ao longo do e no tempo histórico. Este espaço imediatoatesta a dialeticidade dimensionada na ação humana passada, atual epor vir. Os feitos humanos sejam eles materiais e imateriais, sãoprodutos culturais, sobre um fluxo temporal. Penetrar nesta ondade conhecimento e compreensão de sentidos da produção humana,bem como do patrimônio histórico, representa o ingresso emmensagens deixadas por sujeitos históricos, em seus mais diversostempos de atuação.

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As atitudes humanas refletem a qualidade de sua formaçãomoral e ética, abrangendo as relações sociais e da sociedade com anatureza. Bem como aponta Pierri e Foladori (2005, p. 13) quandoanalisa a definição de desenvolvimento sustentável enunciada pelaONU em 1986:

Esa definición encierra, en sí misma, dos elementos que debenser considerados. Por un lado, la equidad intrageneracional; porotro, la equidad intergeneracional. No obstante, el argumentopara lograr ambas es la utilización de los recursos naturales enuna forma que no perjudique su utilización futura.

A sustentabilidade não pode ser analisada de forma dissociadado contexto econômico neoliberal. A garantia de sustentabilidadeestá subordinada ao modelo de desenvolvimento coordenado pornações desenvolvidas, quando dita às nações subdesenvolvidas,sistemas produtivos que vinculam desenvolvimento à apropriaçãoconsumista de recursos naturais e humanos. Portanto, atingir sus-tentabilidade requer uma revisão conjuntural do modelo político-econômico e social que vigora no país. E, portanto, quando seconsidera desenvolvimento sustentável como aquele que atende àsnecessidades presentes sem comprometer a capacidade das geraçõesfuturas também atenderem as suas, vale levar em conta a contribuiçãodecisiva do processo educativo na formação de consciências cidadãs.Segundo Domingues (2007, p. 62) “Para avançar, de todo modo, deforma sustentável, seria necessário mudar mais radicalmente aeconomia e a sociedade”.

A busca de mudança na sociedade apenas será possível, pelapromoção de políticas educacionais com objetivos e linhas de açãovoltadas à formação de valores humanos, por práticas pedagógicascríticas, com ênfase no desenvolvimento da reflexão, da criticidade,da criatividade, da cooperação, da solidariedade, da humanização edo respeito à diversidade de todas as formas de vida.

A Educação Ambiental deve ser concebida como um processode inserção política, em pleno exercício de luta social, com vista àconstrução de uma sociedade justa, solidária e sustentável. Portanto,deverá ocorrer em associação a princípios fundamentais departicipação, cidadania, autonomia, intimidade à cultura local e sus-tentabilidade. Uma educação que priorize estes princípios, em suasbases epistemológicas e metodológicas, estará formando sereshumanos preparados para os desafios que a realidade socioambiental

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vem impondo à obtenção da qualidade social necessária àemancipação social.

A produção participativa aguça a formação de uma consciênciasocial, por uma postura reflexiva frente à realidade conflituosa e queexige a busca por superação dos problemas encontrados. Pois é naprática social que emergirão novos saberes, novos olhares, novosvalores numa original prática educativa. Assim conforme Lima (1984,p. 23),

A Educação Ambiental exige uma postura crítica e um corpode conhecimentos produzido a partir de uma reflexão sobre arealidade vivenciada. Sendo uma proposta essencialmentecomunitária, materializa-se através de uma prática cujo objetivomaior é a promoção de um comportamento adequado àproteção ambiental. Comporta uma concepção desalienante,porquanto pressupõe ações voltadas para o surgimento de novosvalores, onde a participação é um princípio fundamental.

A função primeira da Educação Ambiental reside no papel deintegrar os sistemas educativos de que dispõe a sociedade, bem comoinstrumento de tomada de consciência do fenômeno dodesenvolvimento e suas implicações ambientais e de transmissão deconhecimentos, habilidades e experiências que permitam ao homematuar eficientemente no processo de intervenção sobre a criseambiental, de forma a manter uma qualidade de vida condizentecom suas necessidades e aspirações. Representando um processoque visa formar uma sociedade consciente e preocupada com oambiente e os problemas que lhe dizem respeito, uma sociedade quetenha os conhecimentos, intencionalidade, as motivações e o sentidode participação e engajamento que lhe permitam agir individualmentee coletivamente para resolver os problemas atuais e impedir que serepitam. Compreendendo um processo permanente e participativode explicitação de valores, instrução sobre problemas específicosrelacionados com o meio ambiente, formação de conceitos eaquisição de conhecimentos que motivem o comportamento dedefesa, preservação e melhoria do ambiente acima de tudo social.Pensar Educação Ambiental prescinde pensar uma educação quepromova conscientização. Assim como fala Freire (1995, p. 19): Naeducação como façanha da liberdade, ser consciente não é umafórmula ou um “slogan”, mas a forma de estar sendo dos sereshumanos, enquanto seres que não apenas conhecem, mas sabemque conhecem. A Educação Ambiental deve representar instrumentoao desenvolvimento da consciência das coisas e dos fatos que rodeiam

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o ser humano. A consciência deste mundo incita também a consciênciade que se pode mudá-lo. Refazendo este mundo, o homem se refaztambém. Compreender o mundo como probabilidades, torna o desejode um mundo melhor, uma realidade possível.

Nesta ideia Morin e Kern (2003, p. 133) afirma que “(...)incerteza do espírito e a incerteza do real oferecem ao mesmo temporisco e oportunidade”. Esta ideia se manifesta também em Freire.Na citação, evidencia-se claramente a importância em priorizar avida frente à existência humana.

Nós temos de colocar a existência decentemente frente à vida,em sua contradição com a vida, em sua dialeticidade, de talmaneira que a existência não mate a vida e que a vida nãopretenda acabar com a existência, para se defender dos riscosque a existência lhe impõe (FREIRE, 1987, p. 14).

Tratar a caminhada de formação de uma consciência ambientalrequer postular uma educação que impulsione a sociedade àdescoberta de mecanismos que mobilizem ao exercício de cidadania.É sabido que a política educacional brasileira vem refletir aspectosque condicionaram historicamente a evolução do ensino no Brasil,envolvendo a herança cultural, o modelo econômico e as relaçõesde poder. Portanto, as Políticas Educacionais no Brasil estão servindoà manutenção dos detentores do poder econômico. Lutar paratransformar esta realidade socioambiental perpassa a consciência decidadania. Que cidadania? Cidadania como princípio democráticocomo fala Medeiros (1997, p. 56).

Cidadania trata-se da consciência dos direitos democráticos, éa prática de quem está ajudando a construir valores. Em nossasociedade, significa a mobilização em busca da mudança de estruturasinjustas onde uns são beneficiados em detrimento da grande maioria.É a luta pela transformação da realidade, através da elaboração depropostas, da crítica de ações inadequadas e da promoção dasolidariedade. Uma educação crítico-reflexiva, comprometida coma realidade iminente, agregadora, humanizadora, marcada na liberdadee autonomia poderá dar suporte mobilizador à cidadania. Cidadania,que qualifique democraticamente o Estado em que a equalizaçãosocial seja uma realidade. A educação não favorece a imediatacidadania. A educação funciona como processo formador deconsciências para a ação coletiva “em ambiente solidário”, para umaação participativa e interventora na sociedade. A aproximação a um

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projeto nacional emancipatório exige confronto, consciência críticacontestatória, a busca pela condução do destino histórico, a formaçãode um projeto próprio de desenvolvimento, e a ocupação de espaçossociais pela massa popular. O sujeito emancipado luta por direitossociais, tendo a ética diante das relações humanas, como fundamentoda conquista.

Esta ética que confunde a consciência de si e consciência dooutro, que aproxima consciência de existência, vem instaurar umoutro princípio fundamental do processo emancipatório – aautonomia. Uma autonomia desejada e concebida pelo esforço detodos e para todos. Uma autonomia que implica participaçãoconsciente no mundo. É a assunção consciente do que é verdadeiroe o que se deseja na caminhada por libertação. Os avanços democrá-ticos e participativos impõem ampliarmos sobre os processoseducativos o exercício da solidariedade, como atitude de inclusão àdiferença e a prática de liberdade, como co-responsabilização social.Autonomia, participação e cidadania são fundamentos estruturaisda práxis ambiental, como produção resultante de uma consciênciaambiental. A Educação Ambiental, vista na dimensão que se acredita,incorpora a possibilidade de superação dos problemas socioambi-entais pela modificação do modelo social, onde uma nova sociedadevenha conciliar as relações dos homens entre si e deles com anatureza, numa tentativa de atingir sustentabilidade.

O ponto de partida deste estudo envolveu a compreensão deque atingir consciência ambiental exige o exame de aspectos comolibertação, participação, autonomia e cidadania como pressupostosinerentes ao ato educativo, e que são condicionamentos fundamentaisà formação de uma sociedade diferente e emancipada e que atinjaqualidade socioambiental.

A sociedade é composta de sujeitos históricos, dotados deatitude transformadora em potencial. Esta composição social podeser setorizada por critérios biológicos e/ou culturais.

As identidades se configuram por processos de auto-reconhecimento, de autoafirmação, que passam a avançar,naturalmente, ao reconhecimento social.

Neste entendimento, destacamos Silva (2000, p. 112),

(...) as identidades são as posições que o sujeito é obrigadoassumir, embora, “sabendo”, que elas são representações, que

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a representação é sempre construída ao longo de uma “falta”,ao longo de uma divisão, a partir do lugar do outro e que, assim,elas não podem, nunca, ser ajustadas – idênticas – aos processosde sujeito que são nelas investidos.

Os desafios postos pela modernidade – avanço técnico-científico em detrimento de uma ética ambiental – devem servir deimpulso às propostas educacionais, em que a inquietude, a ousadiamobilizem a ruptura de padrões, de formalismos, de paradigmas. Aescola deve instigar a pluralidade de pensamentos, em movimentopermanente de contestações e questionamentos. O conhecimentoconstruído deve ter sentido ao ser humano. Sentido, como ferramentaà intervenção social, potencializando a proposição como participa-ção em situações desafiadoras, incertas, inseguras, difíceis. Aapropriação do conhecimento suscita acomodação e/ou desacomo-dação. O conhecimento deve ter significado à vida, percebida emsua problematização cotidiana. Conhecer para prover sabedoria,compreendida como o pensar na incerteza, na adversidade! Na ideiade Morin e Kern (2005, p. 160), “Há necessidade de um pensamentoque reconheça o seu inacabamento e negocie com a incerteza,sobretudo na ação, pois só há ação no incerto”. Que sentidos aeducação pode apresentar diante da sociedade? Pensar o sentido daeducação diante da sociedade pressupõe refletir sobre tendênciasfilosóficas que levam a compreensão deste processo. Pensar acercade seu direcionamento suscita incorporar uma dimensão política,uma vez que este processo deve conduzir à ação. Compreendendo aeducação como reprodutora do modelo social, infere-se que a mesmaintegra a sociedade, implicando em compreendê-la como determi-nação de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais. Nesteentendimento a educação estaria a serviço do modelo social vigente.Diante de uma sociedade capitalista o modelo econômico estariaproduzindo mecanismos de reprodução do sistema produtivo,abrangendo a reprodução de bens materiais, bem como condicio-nantes para sua reprodução. A escola, neste modelo social funcionariacomo formador ao sistema produtivo, qualificando o ser humano –força de trabalho – às metas pretendidas pela ideologia dominante.Segundo Guimarães (2012, p. 56) quando destaca a análise deAlthusser, filósofo francês, acerca do sentido da educação para asociedade moderna, “Para esse pensador, a reprodução do capitalis-mo dependia não apenas da continuidade da dimensão econômica(relações de apropriação e de produção e forças sociais), mas dasdimensões ideológicas, dentre elas a educação”.

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Diante da ideia em que o desejo de um projeto social novo possaser vislumbrado por estratégias sociais, ditadas; não por regras domercado e da ideologia dominante; e sim, pela vontade popular pode-se pensar uma educação com identidade nacional, sublinhada pelaautonomia, participação e luta de massa. A capacidade humana decriação direciona a produção cultural, especialmente oportunizada pelainserção no mundo do trabalho. Nesta sociedade capitalista evidenciam-se importantes sentidos (alienação, acomodação, desacomodação, ideiade progresso) à existência humana, porém, o trabalho contribui àprodução cultural, a construção de saberes e valores.

Se por um lado, a globalização promove o acesso partilhado,porém não equitativo, de conhecimentos e competências e o incentivoàs comunicações, este fenômeno mundial também revela a incorpora-ção de culturas dominantes e a própria transposição cultural das naçõesdesenvolvidas para as menos desenvolvidas. Assim como evidenciaAkkari (2011, p. 23), “A adoção de modelos educacionais internacionais(ocidentais) conduz a semelhanças que transcendem fronteiras. Assim,o currículo é cada vez mais pensado sob a forma de uma padronização,e formulado em competências disciplinares e transversais”.

Portanto, este ideário deve basilar o movimento teórico-práticona trajetória de construção da educação ambiental, como impulso, àpossibilidade em fortalecimento a ações coletivas na busca emaproximação à construção de uma sociedade sustentável.

Metodologia

As oficinas pedagógicas, promovidas pelo ProgramaInstitucional de Bolsas de Iniciação à Docência têm como objetivofomentar e potencializar ações compartilhadas de formação inicial econtinuada de professores, buscando (re)significar o papel do pro-fessor e da escola na sociedade atual, com vistas à melhoria daaprendizagem em escolas de Educação Básica.

Os sujeitos sociais envolvidos compreenderam profissionaisde ensino da educação básica (supervisores do PIBID nas escolas) eacadêmicos dos cursos de Filosofia, Geografia, História, Letras,Matemática e Pedagogia.

O planejamento e a realização das oficinas descritas a seguirforam pensadas a partir dos importantes eixos norteadores: a)

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Abordagem de fundamentos teóricos em aproximação a situaçõespráticas; b) Ênfase sobre os indicadores metodológico da contextu-alização e interdisciplinaridade; c) Emergência de temática comsentido epistemológico e metodológico de transversalidade; d) A-presentação de proposições pedagógicas promotoras ao exercícioda criatividade e criticidade; e) Apresentação de propostas pedagó-gicas possíveis de serem incorporadas à educação básica; f) Apre-sentação de propostas metodológicas fundamentadas sobredimensão inovadora.

As temáticas susceptíveis ao trabalho pedagógico abrangerama relação sociedade/natureza, modelo sociopolítico e econômicohegemônico na sociedade moderna, concepções de educação,educação ambiental, consciência ambiental, sustentabilidade, éticaambiental, tecnologias de informação e comunicação.

A proposta de abordagem do tema educação ambiental e sus-tentabilidade, como importantes saberes à formação docente, foidesenvolvida sobre três oficinas pedagógicas, planejadas e realizadassob a intenção de promover discussões teóricas e práticas em tornoda apresentação de variadas provocações instigadoras, com fortesentido pedagógico.

Resultados e discussão

A proposição de oficinas pedagógicas, como estratégia comfim formativo, constitui possibilidade em mobilizar fortes eixos noprocesso de aprendizagem, sejam eles mobilização para o processode aprender – construção (visualização de saberes postos) –desconstrução (atitude de análise) e a reconstrução (a partir de saberesanalisados, a possibilidade em novas produções).

Esta metodologia de ensino favorece o aprendizadocompartilhado, exercitando o diálogo entre os participantes, criandonovas formas de comunicação entre os integrantes do trabalho,contribuindo à socialização do saber, bem como o movimento en-tre teoria e prática.

Nesta intenção, foram planejadas e desenvolvidas três oficinaspedagógicas, com vista à abordagem do tema educação ambiental esustentabilidade, na perspectiva em transversalizar o processo deformação docente.

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Oficina 1

Título: Educação e sustentabilidade: revisitando fundamentosteóricos sobre análise de recortes espaciais locais.

Objetivo: Promover a discussão de referenciais teóricos acercada educação ambiental e das concepções de sustentabilidade.

Primeiro momento: diálogo reflexivo, em torno de bases teórico-conceituais, sobre os temas, educação ambiental e sustentabilidade.

Segundo momento: análise de imagens de espaços locais,possibilitadores à reflexão em torno de importantes fatoresinterferentes sobre a complexidade da questão ambiental.

Terceiro momento: produção de questionamentos possíveis àconstrução de atitudes reflexivas em torno da questão ambientalsobre estes múltiplos espaços sociais (supermercado – feira deprodutos hortifrutigrangeiros – rua tradicional da cidade (Vila Belgana cidade de Santa Maria, RS) – museu histórico – área de riscourbano (encosta de morros ocupados por população) – shoping(Royal Plaza Shoping na cidade de Santa Maria, RS).

Oficina 2

Título: Educação e sustentabilidade: conhecendo práticassustentáveis locais.

Objetivo: Conhecer práticas sustentáveis locais e estabelecerassociações teórico-práticas.

Primeiro momento: retomada de importantes fundamentosteóricos acerca de saberes interferentes sobre uma análise de práticasconsideradas sustentáveis.

Segundo momento: visita técnica ao Shoping Royal Plaza situadono Bairro Nossa Senhora das Dores na cidade de Santa Maria, RS.A visita técnica guiada contou com a explanação da arquitetaresponsável pelo projeto arquitetônico do prédio, em que a mesma,acompanhou os oficineiros até pontos do prédio, que revelam a in-corporação de equipamentos e dispositivos com o objetivo de mitigaro uso intensivo de recursos naturais que compõe fonte de energiaao estabelecimento comercial.

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Terceiro momento: diálogo dirigido acerca da aproximação entreconcepções de sustentabilidade e práticas locais, consideradassustentáveis.

Oficina 3

Título: Educação ambiental e novas linguagens: a produção vi-sual como ferramenta à construção da consciência ambiental.

Objetivo: Instigar a produção de estratégias de ensino criativas àconstrução da educação ambiental sob a dimensão de uma práticasocial reflexiva. A educação ambiental deve promover a construçãoda consciência ambiental, como retomada crítico-reflexiva em queo ser humano possa imprimir diante da realidade que o cerca, comvista à possibilidade de uma intervenção social consciente. No trajetode produção de caminhos provocativos à reflexão e sensibilização aquestões do ambiente humano, propõe-se, a prática fotográfica comoferramenta à leitura crítica do entorno socioespacial.

Primeiro momento: abordagem de importantes fundamentosteóricos necessários ao entendimento da complexidade que encerraa construção da educação ambiental, sob um sentido de intervençãosocial cidadã. Neste momento foram, portanto, pontuados temascomo: relação sociedade/natureza – crise socioambiental e seus con-dicionantes econômicos, políticos, históricos, éticos – modernidade– concepções de educação – concepções de educação ambiental esua trajetória em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas – sus-tentabilidade.

Segundo momento: abordagem da importância da criatividadesobre o processo pedagógico, como ferramenta à construção depráticas educativas com sentido reflexivo e de intervenção social.

Terceiro momento: apresentação da proposta de educação visual,pela introdução da fotografia, como ferramenta pedagógica aliadaao uso das redes sociais, forte tecnologia de comunicação einformação no presente contexto social e educacional da juventude.

Quarto momento: apresentação da proposta de produção de“posts”, a partir do lançamento de desafios, que busquem a produçãode post, montados em torno de imagens registradas por meio desaída de campo. Os desafios lançados foram, portanto:

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1º Capture uma imagem do cotidiano que esteja relacionada aosignificado da ideia submetida à reflexão; 2º Produza ideias, queconstituam provocações à reflexão acerca de da possibilidade emmobilizar a construção da consciência ambiental, e textualize-as; 3ºElabore um “post” (palavra de origem latina significando pode referir-se a); 4º Poste nas redes sociais as quais você costuma conectar.

Desafio 1 – Vestígios do capitalismo contemporâneo

Desafio 2 – Consumismo/necessidade de autoafirmação

Desafio 3 – Infelicidade/má qualidade de vida

Desafio 4 – Sentimento de pertencimento ao lugar/memória

Desafio 5 – Relações interpessoais/solidariedade

Desafio 6 – Valorização a toda forma de vida

Quinto momento: saída ao entorno do prédio, local de realizaçãoda oficina, com o objetivo de capturar imagens, que atendam aodesafio proposto (produção de post que promova, a partir de umaimagem e frase intimista, reflexão acerca do meio ambiente em risco).

Sexto momento: montagem do post, em programa especial –www.fotor.com, agregando captura de imagem local, atendimento àprovocação, lançada pelo desafio, produção de frase instigadora àreflexão e, possibilidade de acesso em redes sociais, como umaestratégia pedagógica com sentido de intervenção social e leituracrítica do entorno socioespacial.

Conclusão

As oficinas pedagógicas, voltadas à educação ambiental, foramdesenvolvidas a partir de momentos pautados por discussões teóricase proposições práticas, na perspectiva de promover a emergência deuma compreensão ampla e holística, que a complexa temática deveprovocar aos acadêmicos em formação, e que, a partir daí, possamintervir sobre a prática pedagógica, na direção da promoção deestratégias eficazes à construção da consciência ambiental sobreespaços escolares. As ações desenvolvidas ao longo das oficinasmanifestaram o desvelamento de frágeis entendimentos e concepçõesacerca da educação ambiental, mas de forma imediata, percebeu-sea emergência de importantes correlações e contextualizações neces-

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sárias ao avanço acerca de efetiva dimensão sobre a qual se exige aoeducador, sujeito histórico, em meio ao atual cenário da criseambiental presentificada pela sociedade nacional e internacional.

Portanto, a efetivação de atividades acadêmicas, no formato deoficinas pedagógicas, compreende eficiente estratégia contribuinteao processo formativo, uma vez que atende à possibilidade de in-corporação de espaços compartilhados à construção de saberes. Ostemas educação ambiental e sustentabilidade representamconhecimentos que devam transitar sobre as diversas áreas docurrículo escolar, promovendo, acima de tudo a emergência de valoresfundamentais ao desejo de obtenção de qualidade de vida pessoal ecoletiva, em dimensão local e planetária. Neste sentido, sublinha-seo maior objetivo da ação educativa, mobilizar para a humanização,entre os homens e deles com a natureza.

Referências

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