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Ministrio do PlanejaMento, oraMento e Gesto secretaria de logstica e tecnologia da informao

organizadoras: Cludia do socorro Ferreira Mesquita nazar lopes Bretas

Braslia, dF 2010

Elaborao: MINISTRIO DO PLANEJAMENTO, ORAMENTO E GESTO Tiragem: 1000 exemplares 1a edio: Ano 2010 Disponvel tambm em: www.eping.e.gov.brLicena deste DocumentoPara a utilizao deste documento necessrio seguir as regras da licena Creative Commons pela mesma Licena 2.5 Brasil Voc tem a liberdade de: Compartilhar Copiar, distribuir e transmitir a obra. Sob as seguintes condies: Atribuio Voc deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas no de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a voc ou ao seu uso da obra). Uso no comercial Voc no pode usar esta obra para fins comerciais. Compartilhamento pela mesma licena Se voc alterar, transformar ou criar em cima desta obra, voc poder distribuir a obra resultante apenas sob a mesma licena, ou sob uma licena similar presente.

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Brasil. Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao. Panorama da interoperabilidade no Brasil / Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao. Org. Cludia S. F. Mesquita e Nazar L. Bretas. - Braslia : MP/SLTI, 2010. 251 p.: il. color. ISBN 978-85-89199-07-0 1. Interoperabilidade - Servio Pblico. 2. Informtica Arquitetura e-PING 3. Software Pblico. I. Ttulo. II. Mesquita, Cludia do Socorro Ferreira. III. Bretas, Nazar Lopes. CDU 316.776:35 Ttulos para indexao: Em Ingls: Overview of Interoperability in Brazil Em Espanhol: Panorama de la Interoperabilidad en Brasil

Presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva Ministro de Estado do Planejamento, Oramento e Gesto Paulo Bernardo Silva Secretaria de Logstica e Tecnologia da informao SLTI Loreni F. Foresti Secretria Substituta Chefe de Gabinete Maria Lcia de Carvalho Porto Departamento de Gesto Estratgica da Informao DGEI Clesito Cezar Arcoverde Fechine Departamento de Integrao de Sistemas de Informao - DSI Nazar Lopes Bretas Departamento de Servios de Rede DSR Antonio Carlos Alff Departamento de Governo Eletrnico DGE Joo Batista Ferri de Oliveira Departamento de Logstica e Servios Gerais DLSG Carlos Henrique de Azevedo Moreira Departamento Setorial de Tecnologia da Informao DSTI Fernando Antnio Braga de Siqueira Jnior

Colaboradores Marcelo Martins Villar Marcus Borges de Souza Revisores Tcnicos Alex Pires Bacelar Cludia do Socorro Ferreira Mesquita Corinto Meffe Danielle Eullia Lelis dos Santos Dayse Vianna Fbio Gomes Barros Fernando Almeida Barbalho Flvio Soares Corra da Silva Hime Aguiar e Oliveira Junior Jose Ney de Oliveira Lima Marcello Alexandre Kill Marcos Antonio Andr da Rocha Paulo Roberto da Silva Pinto Raul Coelho Soares Renan Mendes Gaya Lopes dos Santos Srgio Augusto Santos de Moraes Xnia Soares Bezerra Yuri Fontes de Oliveira

aPresentao com alegria que apresento este livro, o qual rene a evoluo dos Padres de Interoperabilidade de Governo Eletrnico (e-PING), conquistada em sete anos de sua aplicao, e os aprimoramentos fundamentais para a qualificao dos servios de governo eletrnico no Brasil. Esses avanos so abordados por meio das relevantes reflexes acerca dos projetos e experincias em curso no Pas. Esta uma publicao histrica porque recupera a implementao da interoperabilidade no Governo Federal, cuja coordenao est sob a responsabilidade da Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, alm de apontar para os desafios futuros a serem vencidos, os quais corroboram para que alcancemos a simplificao das interaes de cidados e empresas com o Estado Brasileiro. Espero que este material ajude a aprofundar a compreenso e - por que no dizer? - a decodificao da interoperabilidade por gestores das diversas polticas pblicas e projetistas de sistemas. E esperamos que, depois de ler este livro, voc aceite o convite para contribuir com a construo da nossa arquitetura de interoperabilidade, passando a fazer parte do rico panorama brasileiro no setor. Boa leitura!

Loreni Foresti Secretria Substituta de Logstica e Tecnologia da Informao Ministrio do Planejamento

PreFCioA organizao desta publicao teve incio em novembro de 2009. A princpio reuniramos alguns artigos com relatos de experincia com interoperabilidade e estudos de referncia na rea, com o objetivo de documentar as iniciativas, os desafios, os problemas e solues encontrados no contexto de governo. Queramos publicar esse conjunto de artigos em dezembro de 2009, conjuntamente com a verso 2010 da e-PING. No obstante o esforo dos autores e da organizao, as diversas atividades de final de ano, tanto da nossa secretaria quanto de alguns autores, acrescidas importncia que entendemos que essa obra tem, nos fez adiar a publicao. Por outro lado, ampliamos o escopo do trabalho, incluindo experincias de outros estados e aumentando o nmero de envolvidos, resultando neste livro cujo contedo est subdividido em dois grupos de artigos: Caminhos para a Interoperabilidade e Experincias de Interoperabilidade. Em Caminhos para a Interoperabilidade discutem-se os elementos e princpios para a efetividade das aes de interoperabilidade. Organizamos esse conjunto de artigos de maneira a mostrar o caminho trilhado pelo governo para a construo do marco brasileiro de interoperabilidade: a e-PING. Assim, os primeiros artigos discorrem sobre a construo e as estratgias adotadas no desenvolvimento e implementao dessa arquitetura. Outro artigo aborda as potencialidades da e-PING como agente de inovaes em projetos de Governo Eletrnico (e-GOV). Os esforos para consolidar essa arquitetura ocorrem desde 2003 e so realizados coletivamente pelos grupos tcnicos temticos. Esses grupos aprofundam a anlise sobre especificaes abertas lanadas por diversas agncias internacionais de padronizao e tm como base as polticas gerais e as prioridades e especificidades dos projetos do Executivo Federal. A e-PING conta com a colaborao de diversos rgos da administrao direta, autrquica e fundacional, alm de parceiros institucionais, com destaque para o Banco do Brasil, Caixa1, Dataprev2, ITI3, Serpro4 e ABEP5. Anualmente, estudantes, trabalhadores em TI, empresas e centros de pesquisa so convidados a participar do processo, quando da realizao de consultas e audincias pblicas. No obstante os avanos alcanados no percurso de elaborao da primeira verso do documento da e-PING at a de 2010, estamos conscientes de que necessrio aperfeio-la continuamente, em harmonia com as iniciativas de padronizao de e-GOV. Trata-se essa abordagem em um artigo que traz uma viso consolidada das orientaes e normativos adotados para a construo de stios, portais e para a prestao de servios por meios eletrnicos. Esse alinhamento com as padronizaes vital para a oferta de servios de eGOV voltados s necessidades dos cidados.1. 2. 3. 4. 5. Caixa econmica Federal empresa de tecnologia e informaes da Previdncia social instituto nacional de tecnologia da informao servio Federal de Processamento de dados associao de entidades de informtica Pblica

Panorama de interoperabilidade no Brasil

O projeto de e-GOV brasileiro cria possibilidades e oportunidades para a modernizao do Estado, tornando-o mais participativo, transparente e efetivo. Nesse contexto, a interao com a comunidade acadmica pode trazer grande contribuio arquitetura. Assim, como reconhecimento necessria incluso do tema interoperabilidade nas pautas de nossos centros de pesquisa, apresentamos um artigo sobre modelos de interao do Estado com a comunidade acadmica. Essa incluso abre um novo campo de possibilidades para o avano em nossa jornada. Ainda no contexto de caminhos para interoperabilidade agregamos textos sobre interoperabilidade semntica, certificao digital, segurana, software pblico. Temos orgulho de destacar que a e-PING tambm marcada por elementos originais, ausentes nas experincias de ponta mundo afora. Este o caso da articulao da e-PING com o Portal de Software Pblico, a qual considera o potencial de reuso de softwares como uma das estratgias para promover a implantao dos padres. Um outro elemento-chave para o sucesso da implementao da interoperabilidade a arquitetura da informao. Com esta premissa, agregamos um artigo que descreve o Modelo Global de Dados (MGD), uma iniciativa do Serpro em parceria com os ministrios do Planejamento e Fazenda. O escopo deste artigo compreende a arquitetura de informao referente aos macroprocessos de planejamento, oramento e gesto contbil da Administrao Federal. A iniciativa lana luz sobre redundncias nos atuais sistemas de gesto administrativa e serve como base para sua reengenharia, numa perspectiva de melhoria do ambiente de informaes para apoio deciso tanto em rgos centrais, quanto nos diversos ministrios. Fechando esse conjunto de artigos, agregamos uma viso de consultores externos propiciada por cooperao com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, com recursos do Fundo Coreano. No segundo grupo de artigos Experincias de Interoperabilidade apresentamos casos exitosos de aplicao da e-PING. Entendendo que o problema de interoperabilidade com os atuais sistemas administrativos ainda um grande desafio, reunimos artigos que tratam desse tema, como o caso das experincias dos ministrios da Educao e da Justia. A ausncia de padres como limitadores da oferta de informaes qualificadas para apoio deciso tratada em artigos sobre o monitoramento do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) e sobre transferncias voluntrias o Portal Convnios do Governo Federal (SICONV). As duas experincias tm em comum o fato de tratarem dados originalmente coletados em diferentes rgos de forma estanque, sem os cuidados com a observncia de padres semnticos ou tecnolgicos. Condio que se mostrou crtica quando se decidiu realizar a gesto dos temas de forma coordenada. Apesar da obrigatoriedade do uso da e-PING ser compulsria somente no mbito do Executivo Federal, reunimos iniciativas que mostram avanos importantes no Legislativo, Judicirio e nos estados e que, em virtude da relevncia destas, tambm merecem espao na presente publicao. Desta forma, os projetos premiados LexML e Processo Judicial Eletrnico so iniciativas exemplares de aplicao de padres de interoperabilidade com vistas simplificao do acesso informao e melhoria da gesto, bem como8

Prefcio

as experincias do governo de Pernambuco e da Bahia, sendo esta ltima associada s tecnologias geoespaciais, as quais o Governo Federal tem tratado de forma aprofundada, ao implementar a Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE) , iniciativa da Comisso Nacional de Cartografia (Concar), em parceria com a e-PING. Sabemos que h diversas experincias de interoperabilidade que no pudemos incluir nesta publicao. Por isso, queremos convid-los a fazer um relato, no stio da e-PING6, sobre sua experincia de interoperabilidade, esteja ela ancorada ou no nessa arquitetura. Sua participao ir ampliar nosso conhecimento sobre os problemas, a aplicao e as prticas dos conceitos e padres de interoperabilidade utilizados no pas, podendo promover futuras edies. Este livro representa apenas o marco zero, uma das faces do panorama da interoperabilidade no Brasil. Voc nos ajudar a dar visibilidade e a construir as demais. Participe!

As organizadoras.

6.

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sumrioCaminhos para interoperabilidade Desenvolvimento e implementao da arquitetura e-PING: estratgias adotadas e possveis implicaes ................................................................. 22 Inovao e interoperabilidade ...................................................................... 37 Padres tecnolgicos: o uso na prestao de servios pblicos e no relacionamento com o Governo Federal .................................................. 50 Interao Estado/academia para a inovao em governo eletrnico no Brasil ...... 64 Interoperabilidade semntica no LexML .......................................................... 74 Software pblico e interoperabilidade: uma oportunidade internacional para a produo compartilhada de conhecimento ........................................... 80 Fatores crticos de segurana em web services ................................................ 91 ICP-Brasil: sigilo e conhecimento ................................................................. 113 A integrao de dados no mbito do Macroprocesso de Planejamento, Oramento e Finanas .............................................................................. 117 Para alm da e-PING: o desenvolvimento de uma plataforma de interoperabilidade de e-Servios no Brasil..................................................... 137 Experincias de interoperabilidade Interoperabilidade do Infrasig-UFRN/MJ com os sistemas estruturantes do Governo Federal ...................................................................................... 176 e-STF processo eletrnico: Integrao do Supremo com os demais rgos do Poder Judicirio e da Administrao Pblica ............................................. 194 SIMEC: uma mudana na cultura de gesto integrando informaes setoriais estratgicas ................................................................................. 201 AR um modelo de interoperabilidade aplicado ao monitoramento do PAC ....... 211 Sistema de gesto de convnios SICONv: interoperabilidade via web services no contexto do MDA .............................................................. 217 Sistema georreferenciado de gesto ambiental da Bahia GEOBAhIA: ferramenta de integrao na gesto ambiental .............................................. 227 Interoperabilidade no segmento de geotecnologias: semntica, metadados, servios e formatos abertos ........................................................................ 236 Projeto LexML Brasil ................................................................................. 242 159 13 A construo da e-PING: situao atual e desafios .......................................... 14

Estruturao da ASI-PE por meio da orientao a servios ............................... 160

CaMinhos Para interoPeraBilidade

Nazar Bretas Ministrio do Planejamento, oramento e Gesto (MP) [email protected] Leonardo Motta MP [email protected] Jorilson Rodrigues Ministrio da justia [email protected] Paulo Maia Caixa econmica Federal [email protected] Eli Yamaoka servio Federal de Processamento de dados serpro [email protected] Cludio Cavalcanti MP [email protected] Emrson Xavier Centro de imagens e informaes Geogrficas do exrcito CiGex Ministrio da defesa [email protected] Dayse Vianna Centro de tecnologia da informao e Comunicao do estado do rio de janeiro (Proderj) [email protected]

A Construo da e-PINGsituao atual e desafiosA construo do marco brasileiro de interoperabilidade um processo coletivo e contnuo. O presente trabalho descreve o contexto em que este processo ocorre, bem como os desafios para o pleno alcance de seu objetivo primordial: contribuir para a simplificao das interaes entre Governo e Sociedade.

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Caminhos para a interoperabilidade

1. INtRoDuoA complexidade das interaes entre cidado e governo no Brasil tem como pano de fundo as caractersticas de sua estrutura administrativa: repblica federativa, composta por 27 unidades, mais de 5.560 municpios e 196 estruturas organizacionais apenas no Executivo Federal1. Tal complexidade corresponde a intrincado acervo jurdico-normativo, que, em geral, foi sendo transcrito ao longo do tempo para o ambiente das Tecnologias da Informao. Somando-se a este quadro a autonomia dos rgos para contratar softwares e redes e a prevalncia de uma cultura de gerenciamento hierrquico, chegou-se a um resultado geral insatisfatrio para aplicaes de Governo Eletrnico no pas. Ressalvadas honrosas excees, o que se observava era um quadro de aplicaes de TI em que cidados e agentes pblicos tinham de se responsabilizar pessoalmente pela busca de informaes necessrias para obter determinado servio, mesmo quando tais dados j se encontravam organizados em bases pblicas. O conceito de janela nica como entrada das solicitaes de cidados, empresas e organizaes no governamentais, sinnimo de boa prtica de uso da web em todo o mundo, tendia assim a ser apenas promessa no cumprida pela informtica pblica no pas. Nesse contexto, a deciso tomada em 2003 pela Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto SLTI/MP de focar o tema da interoperabilidade mostrou-se extremamente oportuna. Afinal, sinalizava claramente para a construo de condies necessrias a transformar os ambientes de informtica, no sentido de contribuir para a simplificao de servios de governo eletrnico com demandas de informao intra-agncias, um tema de interesse de todos os brasileiros. Com esta forte motivao, imediatamente a deciso contou com o apoio das principais instituies de informtica pblica do Governo Federal e de vrios rgos que integram a administrao direta. Logo as entidades estaduais de informtica, representadas pela Associao Brasileira de Entidades Estaduais de Tecnologia da Informao e Comunicao ABEP se juntaram iniciativa, o que potencializou a ampliao do alcance da medida: formava-se assim o Comit Constituinte dos Padres de Interoperabilidade de Governo Eletrnico e-PING. Com base na experincia de pases pioneiros na elaborao de marcos nacionais de interoperabilidade, em especial o e-Government Interoperability Framework e-GIF coordenado pelo governo britnico, um grupo de trabalho interinstitucional se aprofundou no tema e em 31 de maio de 2004 foi publicada a verso zero2 do documento de referncia brasileiro. Nascia ali um processo cclico de aperfeioamento do marco brasileiro de interoperabilidade. Levada consulta pblica, a verso zero recebeu contribuies de representantes de diversos segmentos da sociedade. Tais contribuies foram analisadas por grupos de trabalho compostos por representantes de rgos pblicos e contrapostas realidade de ambientes e projetos de Tecnologia da Informao do Governo brasileiro.1. Conforme pesquisa em www.siorg.gov.br, em abril de 2010. 2. Para ter acesso ao contedo das diversas verses do documento da e-PinG, consulte: http://www.governoeletronico. gov.br/acoes-e-projetos/e-ping-padroes-de-interoperabilidade/versoes-do-documento-da-e-ping

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Panorama da interoperabilidade no Brasil

O trabalho dos grupos, debatido na coordenao geral da e-PING, instncia que sucedeu o Comit Constituinte, e sempre observando as polticas gerais, resultou na verso 1.0 do documento de referncia da arquitetura e-PING, publicada em 13 de julho de 2005. Este ciclo tem se repetido anualmente, de forma que a verso atual representa o fecho da quinta iterao. O contexto de trabalho de cada um dos segmentos que compem a e-PING sintetizado a seguir.

2. o tRaBaLho Dos GRuPosDesde a verso zero, o trabalho foi segmentado em grupos de trabalho especializados: Interconexo (GT1), Segurana (GT2), Meios de Acesso (GT3), Organizao e Intercmbio de Informaes (GT4) e reas de Integrao para Governo Eletrnico (GT5). O segmento Interconexo da e-PING estabelece os requisitos bsicos para que os rgos de governo se interconectem, alm de fixar as condies de interoperao do governo e da sociedade. Neste segmento so estabelecidas as especificaes tcnicas para mensageria, infraestrutura e servios de rede. Recomenda-se nas polticas tcnicas a previso para o uso futuro de IPv6 e, como soluo de interoperabilidade, o emprego de Web Services. Desde a verso inicial do documento de referncia possvel observar a evoluo do segmento. Quando a primeira verso da e-PING foi publicada, em 13 de julho de 2005, havia 14 especificaes tcnicas, todas classificadas com o status recomendado. A verso atual do documento de referncia, de 11 de dezembro de 2009, contempla 26 especificaes, sendo nove classificadas como adotado, status considerado de uso compulsrio aos rgos integrantes do Sistema de Administrao dos Recursos de Informao e Informtica SISP, institudo pelo Decreto no 1.048, de 21 de janeiro de 1994. Ou seja, observa-se um aumento de aproximadamente 85,7% no total de especificaes disponibilizadas no documento pelo segmento. O principal desafio para o grupo avanar nas especificaes classificadas com o status em estudo e estudo futuro, alm de ampliar o nmero de especificaes adotadas. Para 2010 os trabalhos sero pautados nos temas: transporte de mensagem eletrnica, acesso caixa postal, mensageria em tempo real, servio de mensagens curtas, rede local sem fio, protocolo de transferncia de arquivos, sincronismo de tempo, protocolo de sinalizao, protocolo de gerenciamento de rede, entre outros. J no segmento Segurana so tratados os aspectos de segurana de Tecnologia da Informao e Comunicao TIC que o Governo Federal deve considerar ao implementar ambientes interoperveis. Desde o incio dos trabalhos, em janeiro de 2004, so tratados os padres para segurana na comunicao de dados, sendo que verso aps verso tem se atualizado os principais tpicos. Atualmente os temas que esto colocados so: segurana de correio eletrnico, criptografia, desenvolvimento seguro de sistemas, servios de rede, redes sem fio e resposta a incidentes de segurana da informao. As polticas tcnicas do segmento esto pautadas na proteo dos dados, informaes e sistemas de informao do governo, objetivando reduzir riscos e garantir a integridade, confidencialidade, disponibilidade e autenticidade. Com isso, os servios e a infraestrutura16

Caminhos para a interoperabilidade

de TIC devem ter requisitos de segurana devidamente identificados e tratados de acordo com a classificao da informao, nveis de servio definidos e resultado da anlise de riscos. O foco a preveno, sendo que a continuidade das atividades expressa um importante objetivo para os ambientes computacionais do governo. Esta mxima deve permear todos os campos de atuao de TIC, inclusive o desenvolvimento de software. Para atender aos objetivos do segmento, o uso de criptografia e certificao digital, para a proteo do trfego, armazenamento de dados, controle de acesso, assinatura digital e assinatura de cdigo, devem estar em conformidade com as regras da ICP-Brasil, bem como as melhores prticas para segurana da informao devem ser observadas, a exemplo das normas NBR ISO/IEC 27002:2005, NBR ISO/IEC 27001:2006, NBR 15999-1:2007, NBR 159992:2008, NBR ISO/IEC 27005:2008, alm das normas do GSI/PR: Instruo Normativa no 01/2000, Normas Complementares no 02/2009, 04/2009 e 05/2009. O Grupo de Trabalho que trata do segmento Segurana deve estudar no ano de 2010 temas como algoritmos para assinatura e autenticao, algoritmos criptogrficos baseados em curvas elpticas, transferncia de arquivos de forma segura, mensagem instantnea, sincronismo de tempo, segurana para redes metropolitanas sem fio, entre outros. O segmento Meios de Acesso foca seu estudo em padres relacionados a dispositivos de acesso aos servios de governo eletrnico, concentrando-se em estaes de trabalho, mobilidade e TV Digital. Os trabalhos do grupo incluem as especificaes tcnicas pertinentes s polticas gerais da e-PING relacionadas nfase no uso da internet, especialmente atravs de navegadores. Com o crescimento de servios em dispositivos mveis e ainda com a evoluo da TV Digital, o grupo de trabalho tem o desafio de acompanhar com padres adequados as aplicaes inovadoras nestes novos campos de acesso aos servios pelos cidados. O segmento Organizao e Intercmbio de Informaes (GT4) tem caractersticas diferentes dos Grupos 1, 2 e 3, que tratam da interoperabilidade na dimenso tecnolgica. O GT4 trata fundamentalmente da interoperabilidade de dados e informaes, considerando tambm os aspectos da semntica. No contexto da organizao da informao, o grupo iniciou em 2004 a construo de um vocabulrio controlado denominado Lista de Assuntos do Governo LAG, com o objetivo de servir como indexador de contedo e tambm como um esquema de navegao de portais governamentais. Como a construo de um vocabulrio controlado diretamente influenciada pela cultura local, no foi possvel utilizar um vocabulrio construdo em outro pas. Assim, a LAG foi construda do zero, de forma colaborativa, com a participao de representantes de vrios rgos do governo. O grupo tambm desenvolveu e publicou o documento que estabelece as diretrizes para construo do Catlogo de Padro de Dados CPD, posteriormente repassado para o Grupo 5. Em 2009 foi publicada a verso 1 do Padro de Metadados do Governo Eletrnico e-PMG, que estabelece um conjunto de elementos de metadados necessrios para descrever os documentos do governo. No primeiro semestre de 2010 ser publicada a segunda verso da LAG, com uma nova denominao (Vocabulrio Controlado do Governo Eletrnico VCGE) e diversas revises tanto na sua estrutura quanto no contedo.17

Panorama da interoperabilidade no Brasil

Como desafios e perspectivas futuras, o GT4 ir investir no aperfeioamento do VCGE, principalmente na metodologia e ferramenta para construo e manuteno. Quanto ao e-PMG, o uso do padro indicar as necessidades de correes e criao de novos elementos. Para evoluo do aspecto semntico da organizao da informao, o grupo tem a expectativa de trabalhar na criao de massa crtica na construo e uso de ontologias. O segmento reas de Integrao para Governo Eletrnico tem como foco temtico as questes transversais que impactam na atuao integrada do Estado, a partir do entendimento de que os governos cada vez mais necessitaro atuar de forma colaborativa e com responsabilidades compartilhadas na gesto administrativa e na prestao de servios ao cidado. Neste contexto, a participao de organismos das esferas estadual e municipal pode alavancar melhorias significativas nos servios de governo eletrnico aos cidados, pois diversos servios ultrapassam a esfera federal. O grupo tenta aproximar e explorar fronteiras entre aspectos tecnolgicos, semnticos e organizacionais, sendo muito relevante para a atuao do grupo, buscar incorporar as diretrizes e polticas de melhoria da gesto pblica na viso de plataformas tecnolgicas interoperveis. Casos prticos em que tais prticas se do, constituem ambientes especialmente propcios para aplicar o conjunto de padres definidos pela arquitetura. Como diretriz tcnica para integrao de sistemas de informao recomenda-se a adoo gradual da Arquitetura Orientada a Servios SOA, tendo como referncia para implementao a iniciativa Arquitetura Referencial de Interoperabilidade dos Sistemas Informatizados de Governo AR. Os principais produtos do grupo so: 1. O Catlogo de Interoperabilidade stio criado para relacionar e organizar contedos de interoperabilidade entre sistemas no mbito do governo federal, com o objetivo de dar visibilidade aos componentes (padres, Schemas, servios etc.) j desenvolvidos e apoiar o desenvolvimento de novas aplicaes que necessitem de integrao. O Catlogo de Interoperabilidade composto pelo Catlogo de Servios (Web Services) e pelo Catlogo de Padro de Dados CPD. 2. A Arquitetura Referencial AR modelo de Arquitetura Orientada a Servios, adaptado realidade dos Sistemas Informatizados do Governo Federal, disponvel no stio http://www.eping.e.gov.br. 3. Guia de Interoperabilidade instrumento que orienta em como implantar a ePING nos rgos do governo, visando melhoria dos servios oferecidos ao cidado. O maior desafio do grupo estabelecer um marco conceitual que incorpore os aspectos organizacionais da interoperabilidade na e-PING. Acreditamos que esse marco proporcionaria maior facilidade para a utilizao da e-PING nas solues governamentais. Em 2010, o segmento tem como prioridade elaborar um guia de referncia para processos, no qual esteja presente a viso de processos no ponto de vista da modernizao/18

Caminhos para a interoperabilidade

simplificao administrativa e do ponto de vista da informatizao ou automao dos processos. Para isso sero utilizados os referenciais do Gespblica3 e dos padres tecnolgicos presentes nas abordagens atuais de BPM (Business Process Management). Alm disso, espera-se consolidar a nova verso do Catlogo de Interoperabilidade, por meio da incorporao de contedo ao mesmo; publicar uma nova verso do Guia de Interoperabilidade; e atualizar a proposta a Arquitetura Referencial AR. O Subgrupo Padres para Intercmbio de Informaes Espaciais SGPIIE foi criado a partir do Grupo reas de Integrao para Governo Eletrnico (GT5) com o intuito de promover discusses especficas para o segmento de geotecnologias no ambiente da arquitetura e-PING. Atualmente, o Subgrupo Geo trabalha uma srie de especificaes relativas a informaes geogrficas tanto para as reas de Integrao como para os Meios de Acesso (GT3). Desde sua criao, o Subgrupo Geo homologou trs padres de arquivos para intercmbio entre estaes de trabalho e, para o Grupo reas de Integrao, foram homologados quatro tipos de servios. Em 2009 foi homologado o servio CSW, que define uma interface para publicar e consultar metadados sobre informaes georreferenciadas. A homologao de mais este padro de intercmbio consolida a interoperabilidade sinttica para o acesso a dados geogrficos na Internet: o usurio consulta os geodados disponveis utilizando o CSW, visualiza um mapa com o WMS, e pode obter os dados, vetoriais ou matriciais, a partir dos servios WFS e WCS, respectivamente. O principal desafio do Subgrupo Geo para 2010 apoiar a implantao e consolidao da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE). Com esta breve descrio do contexto de trabalho dos grupos tcnicos, espera-se ter conseguido descrever o quadro atual dos Padres de Interoperabilidade de Governo Eletrnico no Brasil. Cabe destacar ainda que, alm do trabalho de cada um dos grupos, formados por representantes dos diversos rgos da administrao direta, autrquica e fundacional do Executivo Federal, a e-PING conta tambm com a atuao de representantes da ABEP, com vistas a expandir o uso dos padres definidos e trazer temas de interesse da esfera estadual para o mbito da e-PING, enriquecendo assim seu contedo. A importncia do envolvimento de entidades integrantes de outras esferas/poderes em prticas de interoperabilidade essencial para a efetiva implantao do conceito de janela nica de servios, tendo em vista que, como sabemos, a prestao de servios pblicos em nosso pas ocorre atravs de diferentes agentes.

3. REfLEXEs quaNto sItuao atuaLMuito se avanou desde maio de 2004: tanto em termos dos componentes especificados4 111 na verso zero, 143 na verso 2010, quanto no aumento de maturidade dos nveis de situao: em 2004 havia apenas 2 componentes na situao adotado (cerca de 2% do total), enquanto em 2010 o quantitativo de componentes nesta situao de 41 (cerca de 28% do total).3. www.gespublica.gov.br 4. Considerados apenas os componentes para os quais foi definido um nvel de situao transitrio, recomendado ou adotado.

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Panorama da interoperabilidade no Brasil

Avanos expressivos foram observados tambm na ampliao do nmero de participantes (95 na verso zero e 145 na verso atual), na incluso de novos temas, como informaes georreferenciadas e na publicao de ferramentas para organizao semntica de informaes e servios, como foi descrito no tpico anterior. Esses avanos foram detectados por governos de outros pases, e, em especial no cenrio da Amrica Latina e Caribe, onde a e-PING destacada como boa prtica a ser observada. Contudo, h desafios que se mantm ao longo do tempo: talvez o maior deles seja decodificar a e-PING para gestores e projetistas de aplicaes de Governo Eletrnico. Tal decodificao pressupe a quebra da imagem associada ao marco brasileiro que, no obstante os esforos dos participantes na iniciativa, parece ter se cristalizado como tema estritamente tecnolgico. De fato na dimenso tecnolgica que a arquitetura brasileira encontra maior maturidade. Por mais complexos que sejam os embates realizados nos grupos de trabalho responsveis pelos temas da interconexo, segurana e meios de acesso com maior vis nesta dimenso e para quem a indstria dirige o maior nmero de contribuies as discusses se encerram sempre em consenso: ou seja, todos os agentes diretamente envolvidos no uso da norma que tm disposio para participar do processo de seleo e avaliao dos padres, so corresponsveis pelas decises, o que, conforme tratado em, Santos (2010), parece ter efeitos positivos sobre a efetiva adoo destes. A opo nacional de deixar a indstria fora do processo decisrio sobre as especificaes tem prevalecido como salvaguarda para os agentes pblicos envolvidos, grupo mais afetado pelas escolhas. J os grupos de trabalho que tratam das dimenses semntica e organizacional tm desafios prprios, que envolvem complexidades compatveis com as camadas de especificao e de efetiva adoo dos componentes com que lidam. Ou seja, para implantao efetiva de determinado padro tecnolgico, tem-se prontamente o conjunto de especificaes necessrias e condies de uso construdas e pblicas. No entanto, a implantao efetiva de um servio interopervel no estar pronta pela simples definio do XML Schema. Alm de catalogar o servio, ser necessrio equacionar toda uma gama de condies institucionais: seja no mbito da disponibilizao da infraestrutura e da definio de custos de acesso ao servio, seja na harmonizao da semntica entre as diferentes agncias envolvidas ou ainda em ajustamentos de processos que se fizerem necessrios. Em sntese, em geral, a adoo de um padro tecnolgico envolve menor nmero de atores e temas, enquanto a mudana de abordagem na prestao de servios de governo eletrnico com vistas a agregar os benefcios in totum da interoperabilidade exigir acordo com grupos de gestores, muitas vezes distantes do processo de construo do marco normativo. Neste sentido, at 2009 a principal estratgia adotada para efetivar a implantao da interoperabilidade nas dimenses semntica e institucional vinha sendo a aproximao com projetos relacionados a domnios especficos, cujas condies de institucionalizao e oferta de infraestrutura estavam dadas, por vezes configurando plataformas ponto a ponto, por vezes formando uma rede de n pontos ligados pela mesma temtica, regulao20

Caminhos para a interoperabilidade

e infraestrutura, compatveis com o preconizado na e-PING5. Exemplos desta abordagem podem ser dados pelas iniciativas do INFOSEG, Padro Nacional de Licenciamento Ambiental, Nota Fiscal Eletrnica, LexML etc. A publicao do Decreto de Simplificao 6.932/20096, em especial no que se refere carta de servios e no exigncia de documentos constantes de bases de dados oficiais, traz um novo cenrio para a implantao da interoperabilidade nestas dimenses menos tecnolgicas. A transversalidade da mudana, bem como o fato de que sua institucionalizao se d num contexto organizacional e no tecnolgico, potencializa oportunidades novas, ao mesmo tempo em que se exigir uma oferta de servios interoperveis que permitiro efetivar a simplificao que o instrumento normativo prev. Como tentou se demonstrar ao longo do texto, a tarefa de efetivar a plataforma de interoperabilidade brasileira no simples, e tem sido conduzida buscando nichos temticos onde a concertao entre os envolvidos permita aplicar os padres definidos pela e-PING. A resposta para uma abordagem mais global, condizente com a implantao plena das cartas de servio, no pode ser replicada de outro pas ou regio. Por toda a diversidade de nosso contexto cultural, poltico, jurdico e tecnolgico, e ainda que considerando as boas prticas internacionais, ser necessrio criar um framework prprio, que permita minimizar os custos polticos da implantao e maximizar as evidncias de que interoperabilidade sinnimo de simplificao das interaes Estado e Sociedade.

REfERNCIas[1] BARROS, Alejandro et al. Para alm da e-Ping: o desenvolvimento de uma plataforma de interoperabilidade de e-Servios no Brasil. Mimeo, 2010. [2] SANTOS, Ernani M. Desenvolvimento e implementao da Arquitetura e-PING Padres Brasileiros de Interoperabilidade de Governo Eletrnico: Estratgias adotadas e possveis implicaes. Mimeo, 2010.

5. Para ver mais sobre tipos de plataforma de interoperabilidade ver Barros et al, (2010). 6. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6932.htm

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Ernani Marques dos santos secretaria de administrao do estado da Bahia [email protected]

Desenvolvimento e implementao da arquitetura e-PINGestratgias adotadas e possveis implicaesO estabelecimento de padres de interoperabilidade constitui-se em uma condio incontestvel para estabelecer a integrao e o compartilhamento de informaes dos sistemas de informao no ambiente de governo eletrnico. Solues diversas, baseadas em tecnologias distintas e implantadas de forma isolada ao longo do tempo, precisam estar interconectadas para prover servios e informaes, independentemente de onde estejam os dados ou os solicitantes. Este artigo aborda as estratgias adotadas no desenvolvimento e implementao da arquitetura de interoperabilidade especificada pelo Governo Federal Brasileiro (e-PING) e as provveis implicaes na sua adoo.

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Caminhos para a interoperabilidade

1. INtRoDuoO ambiente ideal para as transaes de governo eletrnico configura-se para seus usurios como um nico ponto de acesso s informaes e servios. Para que isso ocorra, torna-se incontestvel a importncia da adoo de padres, tendo em vista a necessidade de integrao dos sistemas e do compartilhamento das informaes entre os vrios rgos e/ou instncias de governo. De acordo com Avgerou et al. (2005), o desenvolvimento de sistemas para suporte aos servios de governo requer a transformao de sistemas legados implantados nas administraes pblicas burocrticas em sistemas de informaes modernos, o que se constitui numa tarefa bastante difcil, tanto no aspecto tecnolgico quanto organizacional. Tecnologicamente, o desafio imposto pela implementao de governo eletrnico contempla a modernizao e a integrao de sistemas fragmentados para formar uma infraestrutura tecnolgica capaz de suportar melhorias na prestao de servios que sejam notadas pelos cidados, tais como a reduo ou eliminao da necessidade de acessar mltiplos rgos do governo, a fim de obter um servio (CIBORRA; NAVARRA, 2003). Mas para Avgerou et al. (2005), no existe um mtodo instantneo ou confivel para conseguir as mudanas organizacionais necessrias para criar a capacidade da administrao melhorar a disponibilizao de servios pblicos a longo prazo. Segundo Oliveira (2003), no ltimo estgio de implantao do governo eletrnico, as aplicaes tornam-se mais avanadas e o portal deixa de ser apenas um simples ndice de pginas do governo na internet, passando a ser um ponto de convergncia de todos os servios digitais prestados por esse governo. Os servios so disponibilizados por funes ou temas, a despeito da diviso real do governo em seus diversos rgos e nveis. Ao efetuar uma transao com o governo, o usurio no precisa saber quais so os rgos ou departamentos, de quais nveis de governo e em que sequncia so mobilizados, para obteno de determinado servio ou informao. As aplicaes e o ambiente disponibilizados so responsveis pelo processamento total da transao, provendo ao usurio a informao ou servio solicitados atravs de um nico ponto de acesso. Esse estgio tem sido denominado como governo de ponto nico de acesso ou de janela nica (dos termos em ingls one-stop government e single-window service, respectivamente) (HAGEN; KUBICEK, 2000; BENT; KERNAGHAN; MARSON, 1999). A essncia do conceito de janela nica colocar juntos os servios de governo ou as informaes sobre esses servios, de modo a reduzir a quantidade de tempo e o esforo que os cidados tm de despender para encontrar e obter os servios que necessitam (BENT; KERNAGHAN; MARSON, 1999). De uma forma simplificada, podemos afirmar que a implementao de governo eletrnico geralmente envolve uma evoluo em trs pontos: presena na internet atravs de informaes bsicas; capacidade de transao para indivduos e empresas; e informaes e transaes integradas, com a colaborao entre diversas agncias (janela nica/governo de ponto nico de acesso). Mas a transio para o ltimo estgio envolve desafios polticos, estratgicos e procedimentais inerentes, quando cooperao interagncias fundamental, alm dos aspectos tecnolgicos.23

Panorama da interoperabilidade no Brasil

Para que essa evoluo seja possvel, segundo Fernandes (2002), necessria uma mudana radical na gesto da administrao pblica, pois muitos dos servios a serem prestados exigiro intensa colaborao, integrao e interoperabilidade entre os diversos rgos e nveis de governo. Para a autora, no estgio avanado de governo eletrnico, a automao das atividades e a racionalizao dos procedimentos implicam transformaes significativas dos processos de trabalho do governo e no apenas na agilizao desses processos. Dentro desse contexto, a padronizao pode trazer inmeros benefcios para a administrao pblica, tais como melhoria do gerenciamento dos dados, contribuio para a infraestrutura de informao, expanso dos contextos de ao dos programas de polticas pblicas, melhoria da prestao de contas e promoo da coordenao de programas e servios, entre outros. A padronizao facilita a troca de dados, sua reutilizao ao longo do tempo e tambm ajuda a prevenir o aprisionamento a ferramentas e formatos proprietrios (EPAN, 2004). Mas, para um padro ser bem-sucedido, necessrio que seja usado por todos os agentes envolvidos nas transaes afetadas por ele. Embora seja senso comum a percepo da necessidade de padres, sua adoo no ocorre facilmente, pois vrios fatores podem atuar como condicionantes desse processo, como, por exemplo, tecnologias incompatveis, interesses particulares de cada rgo, padres profissionais dominantes, influncias externas sobre os decisores e nvel de poder de deciso do rgo. A partir dessas premissas entende-se que o estabelecimento de padres de interoperabilidade entre os rgos governamentais apresenta-se como um processo complexo, tendo em vista o nmero de agentes que participa desse processo, o ambiente onde ele ocorre, o nvel de inter-relao entre os agentes e o ambiente, alm dos possveis conflitos de interesses decorrentes dessa inter-relao. necessria, ento, sua anlise e compreenso, visto que o conhecimento desse processo permite, atravs do direcionamento de aes futuras, a criao de uma melhor condio de disseminao e evoluo dos referidos padres. O objetivo deste artigo analisar o processo de implementao da arquitetura e-PING Padres de Interoperabilidade de Governo Eletrnico, o conjunto de especificaes implementado pelo Governo Federal brasileiro, em relao s estratgias adotadas e, a partir dessa anlise, discutir suas provveis implicaes no estabelecimento e na adoo desses padres.

2. PaDREs E PaDRoNIZaoSegundo Tassey (2000), de uma forma ampla, um padro pode ser definido como um conjunto de especificaes para o qual todos os elementos de produto, processos, formatos ou procedimentos sob sua jurisdio tm que estar de acordo. Para David e Greenstein (1990), um padro pode ser compreendido como um conjunto de especificaes tcnicas aderido por um grupo de fornecedores, tacitamente ou como resultado de um acordo formal. David e Steinmueller (1994) classificam os padres em quatro categorias: referncia, qualidade mnima, interface e compatibilidade. Os padres de compatibilidade possuem um papel24

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relevante dentro das TIC, pois so os facilitadores do intercmbio de dados entre componentes de um sistema em particular ou entre diferentes sistemas interorganizacionais. Para Williams et al. (2004), o desenvolvimento e a implementao de padres de compatibilidade no s definem tecnicamente um mtodo de interoperao entre os componentes diferentes em uma rede, como tambm representam principalmente uma proposta para o futuro dos sistemas sociotcnicoscomplexos, que so a forma de uma rede interorganizacional. Os padres tambm podem ser classificados de acordo com os processos por meio dos quais eles surgem. Uma distino feita frequentemente entre formal, de facto e de jure. Padres formais so criados atravs de entidades de padronizao; os de facto so tecnologias unificadas por mecanismos de mercado; e os de jure so os impostos atravs de lei (HANSETH; MONTEIRO, 1998). De acordo com Graham et al. (1995), o processo de padronizao representa uma tentativa de alinhar interesses, prticas de negcios e expectativas de um grupo de pessoas com interesse em desenvolver e usar o sistema que ser padronizado. Ento, padronizar no apenas prover uma soluo utilizvel, mas, principalmente, articular e alinhar expectativas e interesses (WILLIAMS, 1997). Em relao s Tecnologias da Informao (TI), a padronizao pode ser definida como o processo pelo qual dois ou mais agentes concordam e aderem a um conjunto de especificaes tcnicas de um sistema, suas partes ou sua funcionalidade, tacitamente ou como resultado de um acordo formal (DAVID; GREENSTEIN, 1990). Consequentemente, esses padres habilitam e constrangem concorrentemente o comportamento de vrios agentes no futuro (GARUD; JAIN; KUMARASWAMY, 2000). Esses efeitos sobre as aes futuras dos agentes envolvidos devem ser levados em conta pelos seus especificadores, pois podem determinar o grau de adoo dos referidos padres.

3. INtERoPERaBILIDaDEPode-se definir interoperabilidade como a habilidade de dois ou mais sistemas interagir e intercambiar dados, de acordo com um mtodo definido, de forma a obter os resultados esperados. No entanto, essa definio no pode ser tomada como um consenso. O IEEE (2000), por exemplo, apresenta quatro definies: a habilidade de dois ou mais sistemas ou elementos trocar informaes entre si e usar essas informaes que foram trocadas; a capacidade de unidades de equipamentos trabalhar juntas para realizar funes teis; a capacidade promovida, mas no garantida, pela adeso a um determinado conjunto de padres, possibilitando que equipamentos heterogneos, geralmente fabricados por vrios fornecedores, trabalhem juntos em rede; a habilidade de dois ou mais sistemas ou componentes trocar informaes em uma rede heterognea e usar essas informaes.25

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A interoperabilidade pode trazer diversos benefcios, como, por exemplo, maior efetividade (interconexo em vez de solues isoladas), eficincia (reduo dos custos de transao e aumento da participao dos agentes envolvidos) e responsividade (melhor acesso a mais informaes, possibilitando a resoluo mais rpida dos problemas) (LANDSBERGEN; WOLKEN, 2001). Mas, por outro lado, existem barreiras significativas para alcanar a interoperabilidade de forma efetiva e ampla. Essas barreiras podem ser classificadas como polticas, organizacionais, econmicas e tcnicas (ANDERSEEN; DAWES, 1991): polticas definio das diretrizes das polticas adotadas; conflitos nas definies dos nveis de privacidade nos acessos s informaes; cultura organizacional predominante; ambiguidade da autoridade na coleta e uso das informaes; descontinuidade administrativa; organizacionais falta de experincia e ausncia da predisposio de compartilhar; nvel de qualificao do pessoal envolvido nos processos; cultura organizacional; econmicas falta de recursos para disponibilizao das informaes para outros rgos; forma de aquisio dos recursos (normalmente adquiridos pelo menor preo e no pelo melhor valor); tcnicas incompatibilidade de hardware e software adotados; direitos de propriedade; desconhecimento dos dados gerados e armazenados pelos sistemas; mltiplas definies de dados.

4. MEtoDoLoGIaA pesquisa consistiu em um estudo de caso baseado em anlise de documentos e de dados coletados atravs de entrevistas semiestututuradas e de observao direta, e foi realizada em duas fases. A primeira foi a anlise das diversas verses dos documentos que especificam as diretrizes dos padres a serem adotados e dos relatrios das aes realizadas pelo Governo para implement-los, incluindo as perguntas e respostas relativas s consultas e audincias publicas realizadas. Na segunda fase, foi feita a investigao do nvel de adoo da e-PING por rgos governamentais baseada nos dados coletados por uma pesquisa conduzida pela coordenao do projeto. Essa pesquisa teve como objetivo investigar a utilizao dos padres no mbito do Governo Federal, bem como identificar dificuldades e carncias em sua adoo. Com o auxlio do Siorg - Sistema de Informaes Organizacionais do Governo Federal (http://www.siorg.redegoverno.gov.br), foram escolhidos gestores da rea de Tecnologia da Informao de um total de 66 rgos da administrao direta e indireta do Poder Executivo Federal. A pesquisa foi realizada atravs de um questionrio composto de 46 perguntas, disponibilizado na internet em uma pgina gerenciada pelo Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, rgo executivo do projeto. A solicitao para preenchimento do questionrio foi enviada por e-mail para os gestores e foi obtido um total de 45 respostas (aproximadamente 68%). As perguntas abrangeram assuntos como viso geral da e-PING, polticas da instituio respondente em relao ao uso de TICs e tpicos especficos para cada segmento coberto pela arquitetura.26

Caminhos para a interoperabilidade

Adicionalmente, foram realizadas entrevistas no estruturadas com coordenadores e tcnicos responsveis pelo projeto, a fim de clarificar como foram tomadas decises a respeito das especificaes dos padres e da estratgia adotada para a pesquisa com os rgos. Objetivando obter um discurso mais natural dos respondentes acerca do projeto e das decises tomadas ao longo do seu curso, as entrevistas (para checagem de pontos especficos para a pesquisa) foram realizadas atravs de perguntas abertas e no foram gravadas. Durante as entrevistas foram tomadas notas; imediatamente aps foram realizadas anlises preliminares, seguidas de notas expandidas feitas em momento posterior. Alm disso, foi utilizada a coleta de dados complementares por observao direta atravs da participao em reunies, seminrios, congressos e workshops, onde houve apresentaes e discusso do projeto, e tambm pelo acompanhamento das divulgaes e discusses sobre os padres pela internet no site especfico mantido pela SLTI Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao.

5. EstuDo DE Caso: a aRquItEtuRa E-PING 5.1. ConcepoA arquitetura e-PING - Padres de Interoperabilidade de Governo Eletrnico define um conjunto mnimo de premissas, polticas e especificaes tcnicas que regulam a utilizao das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) na interoperabilidade de servios de governo eletrnico, estabelecendo as condies de interao com outras instituies governamentais (inclusive estados e municpios) e com a sociedade. Esses padres englobam cinco segmentos: (1) interconexo, (2) segurana, (3) meios de acesso, (4) organizao e intercmbio de informaes e (5) reas de integrao para governo eletrnico. O quadro 1 apresenta a descrio dos tpicos contemplados em cada segmento (BRASIL, 2008).Quadro 1. Definio dos segmentos da e-PINGsegmentos Interconexo Segurana Meios de acesso Organizao e intercmbio de informaes reas de integrao para Governo Eletrnico tpicos contemplados Estabelece as condies para que os rgos de governo se interconectem, alm de fixar as condies de interoperao entre governo e a sociedade. Trata dos aspectos de segurana para assegurar a validade e privacidade das operaes. Define as questes relativas aos padres dos dispositivos de acesso aos servios de governo eletrnico. Aborda os aspectos relativos ao gerenciamento e transferncia de informaes nos servios de governo eletrnico. Compreende as diretrizes para novas formas de integrao e para intercmbio de informaes baseados nas definies da e-PING.

Para cada um desses segmentos, existe um processo para anlise dos padres que iro compor a arquitetura. Esse processo compreende seleo, aprovao e classificao das especificaes selecionadas em cinco nveis:27

Panorama da interoperabilidade no Brasil

Adotado (A) avaliado e formalmente aprovado (homologado); Recomendado (R) deve ser usado pelos rgos governamentais, mas ainda no foi submetido ao processo de homologao; Em transio (T) no recomendado, por no atender a algum requisito tcnico especificado. Deve ser usado apenas temporariamente; Em estudo (E) ainda sob avaliao; Estudo futuro (F) item ainda no avaliado e que ser objeto de estudo posteriormente. Na sua verso 4.0, de dezembro de 2008, o e-PING especificou 210 padres. A tabela 1 apresenta suas classificaes, agrupadas por segmentos.Tabela 1. Classificao dos padres da e-PINGsegmento Interconexo Segurana Meios de acesso Organizao e intercmbio de informaes reas de integrao para Governo Eletrnico total total de padres especificados 23 34 129 7 17 210 Classificao (a) 9 9 22 4 4 48 (R) 8 18 47 5 78 (t) 2 33 35 (E) 2 7 2 2 6 19 (f) 2 25 1 2 30

A e-PING traa diretrizes para padronizaes no Governo Eletrnico brasileiro a partir das experincias dos EUA, Canad, Reino Unido, Austrlia e Nova Zelndia pases que tm investido intensivamente em polticas e processos para o estabelecimento de padres de TI e estruturas dedicadas para atingir interoperabilidade e assim prover melhor qualidade e menor custo para os servios pblicos prestados. A arquitetura e-PING considerada estrutura bsica para a estratgia de Governo Eletrnico no Brasil e sua elaborao teve como base o projeto e-GIF (Government Interoperability Framework), implementado pelo governo britnico a partir do ano 2000, atualmente j na verso 6.1 (e-GIF, 2004). O e-GIF, pelo seu tempo de implementao e constante evoluo, tem se tornado referncia de padro de interoperabilidade em governo eletrnico. Inicialmente aplicada no mbito do Poder Executivo do Governo Federal brasileiro, a arquitetura prevista cobre o intercmbio de informaes entre Poder Executivo e cidados, governos estaduais e municipais, Poderes Legislativo e Judicirio do Governo Federal, Ministrio Pblico, organizaes internacionais, governos de outros pases, empresas nacionais e internacionais e tambm organizaes do terceiro setor (figura 1). Na sua concepo, a e-PING especificada como de uso compulsrio para os rgos do Poder28

Caminhos para a interoperabilidade

Executivo (inclusive para as empresas pblicas e outras entidades federais) para todos os novos sistemas de informao, para os sistemas legados que incorporem a previso de servios de governo eletrnico ou a integrao entre sistemas e tambm para outros sistemas que envolvam prestao de servios eletrnicos (BRASIL, 2008).Figura 1. Relacionamentos do e-PING

Cidado

Estados

Legislativo

Municpios Governo Federal Outros pases

Judicirio

Ministrio Pblico

Organizaes internacionais Empresas

Terceiro setor

5.2. desenvolvimento e implementaoA fim de obter uma referncia para a concepo da e-PING, um comit do Governo brasileiro visitou o Reino Unido em junho de 2003, com o propsito de conhecer a e-GIF, a arquitetura de interoperabilidade implementada pelo Governo britnico a partir de 2000. Posteriormente foi criado o grupo de coordenao da e-PING em novembro de 2003 e os grupos de trabalho um ms depois, sendo todos os grupos formados por profissionais de vrios rgos governamentais. Foram criados cinco grupos de trabalho, um para cada segmento coberto pela arquitetura. Cada grupo responsvel por promover os encontros e discusses da sua rea e apresentar os resultados para os outros grupos durante as reunies com a coordenao. O grupo de coordenao responsvel pela superviso das atividades realizadas dos grupos de trabalho, assim como por apresentar e discutir o projeto com outras instituies dos setores pblico e privado (figura 2). Esse grupo tambm se reporta ao Comit Executivo de Governo Eletrnico sobre a progresso do projeto, atravs da sua Secretaria Executiva.29

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Os grupos de trabalho comearam as discusses em janeiro de 2004 para especificar a verso preliminar da arquitetura (verso 0) que foi publicada em maio. No perodo de junho a agosto o documento foi submetido consulta pblica via internet. Nesse mesmo perodo forma realizadas seis audincias pblicas das quais participaram mais de 600 pessoas. Essas consultas e audincias pblicas trouxeram as contribuies de rgos pblicos, pesquisadores e fornecedores de TICs, com mais de 90 sugestes submetidas. Depois da anlise das sugestes apresentadas, o documento foi atualizado e a verso 1.0 foi publicada em maro de 2005, em julho, foi publicada a portaria do Governo Federal institucionalizando o uso da arquitetura.Figura 2. Modelo de gesto da e-PING

Comit Executivo de Governo Eletrnico CEGE

Secretaria Executiva do CEGE

Coordenao da e-PING

Grupos de Trabalho e-PING

rgos da Administrao Pblica Federal

Empresas privadas e outras instituies

Em seu contedo, o documento referncia da e-PING estabeleceu as diretrizes para implementar a interoperabilidade entre as diversas solues tecnolgicas usadas pelo Governo brasileiro. Essas diretrizes contemplam questes como segurana de redes, infraestrutura computacional, requisitos tecnolgicos, padres de desenvolvimento de softwares e acessos a dados e informaes. Como resultado das discusses conduzidas pelos grupos de trabalho, duas outras verses foram publicadas: a verso 1.5, em dezembro de 2005, e a verso 1.9, em agosto de 2006, sendo essa ltima submetida tambm a audincia e a consultas pblicas. Depois da avaliao das sugestes dadas, foi publicada a verso 2.0, em novembro de 2006, e a verso 2.01 (em espanhol e em ingls), em dezembro. Outras verses foram posteriormente publicadas: 2.9, em outubro de 2007; 3.0, em dezembro de 2007 (inclusive em ingls); 3.9, em outubro de 2008; e 4.0, em dezembro de 2008.

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Caminhos para a interoperabilidade

6. DIsCussoOs processos de desenvolvimento e implementao de um padro, mesmo que ocorram em ambientes heterogneos, necessariamente precisam ser realizados atravs de forma inclusiva, envolvendo todos os implicados no seu estabelecimento. Embora atores externos possam de certa forma causar disperso em algumas etapas dos processos por conta de seus interesses particulares, sua participao, conjuntamente com os internos, imprescindvel para um efetivo exerccio de discusso voltada para o interesse pblico. No entanto, no caso da e-PING essa participao ainda pode ser considerada relativamente fraca, com poucos interessados, e sem ter representantes de todos os grupos implicados pela padronizao (organizaes do terceiro setor e da sociedade civil, por exemplo). Tendo em vista ser um processo de seleo entre alternativas cuja escolha pode gerar consequncias para vrios agentes ao redor do padro especificado e, alm disso, coordenado por um grupo composto por membros de vrios rgos do governo, seria de esperar a ocorrncia de conflitos de interesses e poder. No entanto, as estratgias e o modelo de gesto adotados fazem com que esse nvel de conflitos termine sendo atenuado, pelo menos no que se refere aos rgos do governo obrigados a adotar a arquitetura. Atores externos, no entanto, como fornecedores de tecnologias e servios, tm sistematicamente questionado algumas definies feitas nas especificaes dos padres. Essas questes tm sido feitas atravs de audincias e consultas pblicas e respondidas atravs de documentos publicados no site do projeto na internet, trazendo transparncia ao processo. Um ponto forte do projeto tem sido sua estratgia de publicao e discusso. Desde o seu incio at o lanamento da verso 4.0, foram feitas mais de 40 apresentaes nacionais e internacionais em seminrios, workshops e conferncias. Isso trouxe visibilidade ao projeto, tornando possvel um alto nvel de conhecimento sobre suas diretrizes, no s para os gestores pblicos, mas tambm para a sociedade em geral. Alm disso, como mencionado anteriormente, h peridicas consultas e audincias pblicas (presenciais e virtuais). As audincias e consultas pblicas servem para levar para um frum comum as expectativas dos agentes interessados e possibilitar-lhes a oportunidade de oferecer contribuies para o processo, o que pode reduzir os provveis conflitos que podem surgir durante a adoo dos padres. Ao divulgar as especificaes do padro e coloc-las em discusso atravs das audincias e consultas pblicas, a coordenao do projeto busca eliminar posteriores questionamentos sobre a efetividade da implementao da arquitetura ou questes relacionadas ao prevalecimento de interesses restritos na sua definio. A arquitetura e-PING teve sua concepo originalmente baseada no padro e-GIF estabelecido pelo governo do Reino Unido. Tambm as tecnologias adotadas pelo governo tm sido de padres considerados como de facto (tais como XML e webservices, por exemplo), o que pode levar os gestores a serem mais propensos a adotar a e-PING. Diante de um processo complexo como a especificao de padres, a adoo de modelos e tecnologias j consolidados reduz a possibilidade de insucessos e aumenta o nvel de confiana no projeto

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Panorama da interoperabilidade no Brasil

por parte dos atores envolvidos. Alm disso, ao optar por esses padres, a coordenao da e-PING elimina pontos de conflitos e de restrio de adoo, visto que as especificaes no trazem mudanas drsticas ao ambiente tecnolgico de alguns rgos obrigados a adotar essa arquitetura, pois vrios padres j estavam sendo utilizados. Dos 210 padres especificados na verso 4.0 da e-PING, 78 esto classificados como recomendados (R), o que corresponde a cerca de 37% do total; 43 esto definidos como adotados (A), ou seja, menos de 23%. Isso significa que, embora o projeto j esteja sendo conduzido por mais de quatro anos, o nmero de padres definidos como adotados pode ser considerado relativamente baixo. Porm, tendo em vista que a coordenao do projeto visualiza uma adoo gradual dos padres e o contexto tecnolgico existente, com inmeros sistemas legados implantados h bastante tempo, o nvel de especificao de padres classificados como adotados apresenta-se como adequado. Na primeira pesquisa realizada pela coordenao do projeto, mais de 82% dos gestores declararam que conheciam as especificaes da arquitetura e cerca de 53% afirmaram j t-la adotado ao menos parcialmente. Mas apenas pouco mais de 2% no tiveram nenhuma dificuldade em adotar os padres, enquanto o resto enfrentou algum tipo de restrio. Mais de 33% tiveram limitaes de recursos tcnicos ou de qualificao profissional para implementar as especificaes e cerca de 28% afirmaram no ter conhecimento do que est sendo realizado nos demais rgos. Aproximadamente 17% possuem dificuldades com relao ao tempo para implementao de projetos e mais de 12% declararam no conhecer a arquitetura. Esses resultados apontam barreiras para a efetiva adoo dos padres, visto que os rgos no dispem de recursos para implementar a arquitetura e gerir as mudanas decorrentes do processo. necessrio notar, tambm, que embora a coordenao do projeto tenha feito uma publicao intensa sobre a arquitetura, ainda existe uma parcela de gestores de TIC nos rgos pesquisados que desconhecem o assunto. A pesquisa tambm revelou que mais de 58% dos sistemas de informaes em uso esto alinhados com as principais especificaes usadas na internet e com os padres para web. Cerca de 44% dos pesquisados j adotam o XML como padro de intercmbio de dados e mais de 82% adotam navegadores (browsers) como principal meio de acesso, sendo que, desses, aproximadamente 78% empregam um padro mnimo de navegador para poder operar em mltiplas plataformas. Esses nveis de adoo desses padres sugere a possibilidade de um alto nvel de aderncia e-PING, visto que existe um relativo baixo nvel de incompatibilidade entre as tecnologias j implementadas pelos rgos e as especificaes definidas na arquitetura. Por fim, outro ponto a ser mencionado que o nvel de adoo da e-PING no totalmente conhecido. A adoo compulsria apenas para o Poder Executivo Federal, por isso os rgos adotantes dos outros poderes e de outras esferas no so facilmente identificveis. Por outro lado, os coordenadores do projeto tm recebido solicitaes de diversas instituies para ajud-las nas implementaes, o que pode significar um aumento da adoo dos padres.

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7. CoNCLusEsPadres so difceis de serem desenvolvidos e implementados. Alguns deles no passam da fase de desenvolvimento, em decorrncia de problemas no processo de articulao das discusses e definies. Outros, embora especificados, no so adotados, alguns por conta do processo de construo ou institucionalizao. Tambm inovaes tecnolgicas surgidas ou mudanas no mercado podem tornar um padro irrelevante ou exigir adaptaes significativas nas suas especificaes e, como consequncia, torn-lo no adotado. Depois de especificado, um padro adotado mais ou menos amplamente, mas pode tornar-se obsoleto, criando uma necessidade de substituio ou at mesmo no ser mais aplicvel em virtude de mudanas no contexto tecnolgico em que foi criado. Esse carter dinmico da padronizao, caracterizado como um processo contnuo de evoluo e adaptao, tambm apresenta uma constante tenso entre suas definies e a flexibilidade e generalizao necessrias para que o padro possa se tornar robusto e adotado. A interoperabilidade um ponto que est se tornando crtico nas questes de governo eletrnico, principalmente para os pases em desenvolvimento que se comprometeram em atingir as Metas de Desenvolvimento do Milnio (Millennium Development Goals MDGs) em 2015. A ampliao da eficincia e da efetividade do governo e a prestao dos servios pblicos bsicos para todos os cidados so componentes essenciais para atingir tais metas. A maioria desses pases j finalizou o projeto de suas estratgias de governo eletrnico e est trabalhando nas implementaes. Entretanto, esses investimentos em tecnologias no levam automaticamente a servios eletrnicos mais efetivos. Ao contrrio. Em muitos casos, terminam reforando antigas barreiras que tm obstrudo o acesso aos servios pblicos ao longo do tempo. A promessa do governo eletrnico de fazer com que instituies governamentais se tornem mais eficientes e mais efetivas no tem sido cumprida, devido, em grande parte, ao processo de desenvolvimento de sistemas de TICs na base ad hoc. Em curto prazo, esse tipo de ao resolve as necessidades especficas dos rgos, mas no d a devida importncia necessidade de interao entre os diversos sistemas ou a seus componentes para o compartilhamento e/ou troca de informaes. Essa colaborao pode ser considerada ponto-chave para o estabelecimento de acesso nico aos servios de governos. Disponibilizar um nico ponto de acesso de servios para cidados e empresrios requer interoperabilidade, uma vez que os servios de governo so diversos e prestados por diferentes rgos. Alm disso, aumentar a facilidade com que as informaes so compartilhadas entre rgos individuais (at o ponto permitido por lei) resulta em melhores e/ou novos servios. A definio e adoo de padres de interoperabilidade para governo eletrnico tm se estabelecido como instrumentos estratgicos para suportar e impulsionar a integrao envolvendo estruturas e processos dentro da administrao pblica (KNIGHT; FERNANDES, 2006). Para Santos, Corte e Motta (2007),

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(...) a interoperabilidade de tecnologia, processos, informao e dados condio vital para o provimento de servios de qualidade, tornando-se premissa para governos em todo o mundo, como fundamento para os conceitos de governo eletrnico, o e-gov.

Os autores ainda argumentam que a interoperabilidade possibilita a racionalizao de investimentos em TICs, visto que funciona como elemento facilitador do compartilhamento, reutilizao e intercmbio de recursos tecnolgicos. Baseado nesses pontos, acredita-se que a anlise e compreenso dos processos de desenvolvimento e implementao de padres de interoperabilidade para governo eletrnico permitem, atravs do direcionamento de aes futuras, a criao de uma melhor condio de disseminao e evoluo dos padres especificados. Espera-se que esse estudo possa contribuir para o entendimento de como arquiteturas de interoperabilidade para governo eletrnico so desenvolvidas e implementadas, e as provveis implicaes da forma que esses processos so conduzidos na adoo dos padres especificados. So processos complexos que requerem ateno especial para fatores alm da dimenso tecnolgica que podem afetar a adoo dos padres, como, por exemplo, a disponibilidade de recursos, custos de implantao, conhecimento do assunto, influncias externas sobre os decisores, incentivos, fora do mercado, nvel de instabilidade do ambiente, entre outros. Como principais resultados, o artigo apresenta a estratgia para discusso, divulgao e publicao da arquitetura como um fator facilitador do seu desenvolvimento e implementao. Por outro lado, as limitaes de recursos tcnicos e de qualificao profissional, alm do desconhecimento do assunto, ainda continuam como grandes barreiras para a adoo dos padres de interoperabilidade no ambiente de governo eletrnico.

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[5]CIBORRA, C.; NAVARRA, D. Good governance and development aid: risks and challenges of e-government in Jordan. In: KORPELA, M.; MONTEALEGRE, R.; POULYMENAKOU, A. Organizational Information Systems in the Context of Globalization. Dordrecht: Kluwer, 2003. [6]DAVID, P.; GREENSTEIN, S. The economics of compatibility standards: an introduction to recent research. The Economics of Innovations and New Technology, 1 (1-2), 3-41, 1990. [7] DAVID, P.; STEINMUELLER, W. Economics of compatibility standards and competition in telecommunication networks. Information Economics and Policy, 6(3-4): 217-241, 1994. [8]e-GIF e-Government Interoperability Framework. Office of the e-Envoy Cabinet Office, UK, 2004. [9]______. Padres de interoperabilidade de governo eletrnico e-PING. Comit Executivo de Governo Eletrnico Governo brasileiro, 2008. [10]EPAN EUROPEAN PUBLIC ADMINISTRATION NETWORK. Key principles of an interoperability architecture. Ireland, 2004. [11]FERNANDES, A. Compras governamentais no Brasil: como funcionam os principais sistemas em operao. Braslia: BNDES, 2002. 9 p. Disponvel em: . Acesso em: 19 dez 2005. [12]GARUD, R.; JAIN, S.; KUMARASWAMY, A. Institutional Entrepreneurship in the Sponsoring of Common Technological Standards: The Case of Sun Microsystems and Java. Academy of Management Journal, 2000. [13]GRAHAM, I.; et al. The Dynamics of EDI Standard Development. Technology Analysis & Strategic Management, 7(1): 3-20, 1995. [14]HAGEN, M; KUBICEK, H. One-stop-government in Europe: results of 11 national surveys. Bremen: University of Bremen, 2000. [15]HANSETH, O.; MONTEIRO, E. Standards and standardization processes. In: Understanding information infrastructure, 1998. (manuscrito). [16]IEEE STANDARDS INFORMATION NETWORK. IEEE 100. The authoritative dictionary of IEEE standards terms. 7th ed. New York, NY: IEEE, 2000. [17]KNIGHT, P; FERNANDES, C. e-Brasil: um programa para acelerar o desenvolvimento socioeconmico aproveitando a convergncia digital. So Caetano do Sul: Yendis, 2006. [18]LANDSBERGEN JR, D.; WOLKEN JR, G. Realizing the promise: government information systems and the fourth generation of information technology. Public Administration Review, v. 61 (2), p. 205-218, Mar./Apr. 2001.

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fernando almeida Barbalho secretaria do tesouro nacional Ministrio da Fazenda (MF) [email protected]

Inovao e InteroperabilidadeO presente artigo investiga os potenciais de inovao relacionados aos projetos de desenvolvimento de sistemas que se utilizam da e-PING como referncia para as necessidades de interoperabilidade. Aps avaliar o que o documento traz como possibilidades de inovao, realizado estudo de caso sobre um projeto pioneiro no uso das recomendaes do documento de referncia da e-PING. A concluso que a e-PING pode atuar positivamente como agente indutor de inovaes que tendem a se disseminar pelas complexas redes que se formam em torno de projetos de governo eletrnico.

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1. INtRoDuoInovao um tema recorrente nos debates sobre competitividade e sobrevivncia das organizaes. O seu conceito est associado a um processo de transformar oportunidades em novas ideias e de p-las em prtica abrangente. Das organizaes inseridas no ambiente competitivo empresarial, aos poucos o debate foi se expandido para os governos. Esse movimento justifica-se pela necessidade de os pases se demonstrarem alinhados com as recomendaes internacionais de transparncia e governana, bem como pela prpria dinmica interna de amadurecimento das democracias, que impe as mesmas demandas do ambiente externo na conduo da discusso das aes de Estado, gerando a necessidade de implementao de novos instrumentos que facilitem o exerccio da cidadania. Especificamente no caso brasileiro, as estratgias de mudana passam pelo enfrentamento dos resqucios do autoritarismo e pela superao de disfunes trazidas por um modelo de administrao burocrtica (RUA, 1999). De um modo geral, no fcil inovar no setor pblico. Segundo Rua (1999), a herana do modelo patrimonialista, e mesmo o que o substituiu, o de administrao burocrtica, traz uma caracterstica onipresente ao setor, o desestmulo criatividade1. Nesses modelos, que antecedem o atual baseado no profissionalismo, bastava ao agente pblico acatar regras do jogo. Esse ator no contribua na busca de solues para enfrentar desafios. Essa dificuldade de inovar no setor pblico no uma realidade apenas brasileira. Bozeman e Straussman (1990) relatam estudos feitos na realidade da administrao pblica dos EUA, que indicam problemas como: ausncia de incentivos diretos inovao, averso ao risco dos gestores pblicos e recursos amarrados. Especificamente sobre mudanas tecnolgicas no setor pblico, West (2005) destaca que, independentemente do sistema poltico, agentes pblicos diminuem o passo da inovao tecnolgica, at que se assegurem que os seus prprios interesses estejam bem protegidos. Apesar dos problemas relatados, Bozeman e Straussman (1990) so otimistas e indicam que, mesmo no sendo frequente, a inovao ocorre na administrao pblica e um recurso vital. Felizmente, essa constatao tambm percebida na realidade brasileira. Para Rua (1999), o modelo de administrao gerencial, que foi introduzido no Brasil em 1995, propicia uma melhor ambincia para a gerao da inovao. J Paulics (2004) credita a introduo do debate sobre inovao no Brasil necessidade de mudana face ao quadro de profundos problemas sociais enfrentados pelos gestores ps-redemocratizao e maior participao dos atores democrticos. Independentemente dos fatores impulsionadores, o fato que a inovao passou a povoar diversas bases de dados, demonstrando que esse um tema que definitivamente passou a fazer parte do dia a dia da gesto pblica1. em linhas gerais, a administrao patrimonialista caracterizava-se pela confuso entre patrimnio pblico e privado. nesse contexto, predominavam o nepotismo, o empreguismo e a corrupo. a administrao burocrtica surgiu baseada na unidade de comando, na estrutura piramidal, nas rotinas rgidas e no controle. j o modelo de administrao gerencial ou profissional foi adotado no Brasil a partir da reforma de 1995. Caracteriza-se no pela busca da racionalidade perfeita, mas por definir prticas administrativas abertas e transparentes com vistas ao alcance do interesse coletivo. Para maiores aprofundamentos sobre as trs formas de administrao pblica,recomenda-se a leitura de Bresser-Pereira (1999).

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brasileira (RUA, 1999; PAULICS, 2004). Dada essa constatao interessante verificar o papel das solues de Tecnologia da Informao nesse novo cenrio da administrao pblica brasileira. Nesse sentido, revelador o estudo ps-implantao da reforma administrativa de 1995 realizado por Rua (1999). Com base no banco de dados do concurso anual de solues inovadoras na gesto pblica, tendo como referncia os anos de 1996 e 1997, a autora destacou dez dimenses de gesto nas quais ocorreram inovaes. A dimenso Gesto da Informao liderou o ranking com 19% das iniciativas premiadas. Para Rua (1999), a liderana da dimenso Gesto da Informao decorre de alguns fatores: i) conscincia da importncia da informao e das restries resultantes de sua indisponibilidade; ii) disseminao dos recursos tecnolgicos; iii) racionalizao das rotinas j existentes e iv) compromisso com o usurio da informao. importante ressaltar que esse era o quadro que refletia um momento em que a internet ainda no tinha grande difuso no territrio brasileiro. O grfico 1 mostra a evoluo do nmero de usurios de internet no Brasil e revela uma curva exponencial entre os anos 1993 e 2004. Vale ressaltar que ainda h muito espao para crescimento dado que uma pesquisa de 2007 do Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informao e Comunicao (CETIC) revela que 59% da populao ainda no tiveram acesso grande rede mundial. Com a consolidao dessa infraestrutura, os potenciais de alcance das solues de Tecnologia da Informao e Comunicao (TIC) fazem com que os quatro fatores destacados atinjam propores dignas de criar polticas pblicas especficas para a gesto da informao.Grfico 1. Evoluo do nmero de usurios de internet no Brasil, ano a ano, entre 1990 e 2004

Fonte: Organizao das Naes Unidas (2008)

Os governos de diversos pases perceberam, com o advento da rede mundial de computadores, imensas possibilidades de atenderem s demandas dos seus cidados. Nesse sentido, ampliou-se a ideia do uso estratgico dos recursos de Tecnologia da39

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Informao, que num primeiro momento era mais utilizado para a eficincia das rotinas dos estados (FLETCHER, 1999). A partir do instante em que as administraes pblicas passam a disponibilizar dados e servios atravs de pginas de internet, consolida-se o chamado Governo Eletrnico (e-Gov). Especificamente no escopo da Administrao Pblica Federal brasileira, so disponibilizados servios, produtos e sistemas complexos como o Sistema Integrado de Administrao Financeira (Siafi), o Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB), o ReceitaNET e o Portal da Transparncia. Tais solues de TIC atendem a pblicos distintos que passam pelos gestores federais, servidores pblicos, rgos de controle, outras esferas de poder e cidados de um modo geral. Tais pblicos formam em conjunto o chamado ambiente autorizador e respaldam as decises de estruturas de governana de Tecnologia da Informao prprias do contexto de governo (WEILL; ROSS, 2006). No caso brasileiro, cabe destacar como das mais relevantes a estrutura que coordena os Padres de Interoperabilidade do Governo Eletrnico, conhecidos como e-PING. Tal coordenao consolida, a partir do acmulo de experincias do mercado, do Governo brasileiro e de alguns pases estrangeiros, todos os normativos que influenciaro as decises e as rotinas de construo de novos softwares que demandem integrao de sistemas. Os temas debatidos nas diversas estruturas de governo eletrnico, e em particular a da e-PING, trazem em seu bojo possibilidades para a modernizao dos rgos que compem a Administrao Pblica Federal (APF). A implementao da interoperabilidade significa que sero observados a adoo de novas tecnologias, novos processos e, no limite, novas formas de organizao. Por outro lado, alguns assuntos debatidos no escopo da formulao da e-PING, embora sejam de ampla difuso no ambiente de concorrncia da iniciativa privada, no pertencem esfera de discusses de muitos rgos da APF, incluindo entre esses rgos alguns que tm grande tradio tecnolgica. Isso no ocorre por motivos da prpria dinmica do setor pblico (RUA, 1999; BOZEMAN; STRAUSSMAN, 1990; WEST, 2005). A construo da ambincia para a competitividade das organizaes passa pela interao de diversos nveis de anlise: macro, micro, meso e meta. Normalmente, associa-se o papel do Estado ao nvel meso evidenciado pelo desenvolvimento de polticas de apoio s firmas do ambiente competitivo (OLIVEIRA, 2008). As experincias vitoriosas de conduo de trajetrias tecnolgicas demonstram o papel dos governos como o de fortes indutores da inovao ou reguladores dos processos de disseminao em profunda sintonia com a iniciativa privada, como o caso das experincias norte-americanas e japonesas relatadas por Dosi (2006). Entretanto, conforme lembram Nelson e Winter (2005), as polticas e programas pblicos so executados em ltima instncia por organizaes que aprendem e se adaptam. As polticas pblicas, embora articuladas em um nvel alto, so executadas por nveis inferiores em constantes ajustes com o setor privado. Nesse sentido, as preocupaes do nvel micro que as empresas normalmente enfrentam flexibilidade, qualidade e, muitas vezes, envolvimento em redes de firmas (OLIVEIRA, 2008) devem ser incorporadas pelos rgos executores das polticas pblicas previstas no nvel meso. Faz sentido,40

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ento, que a estrutura organizacional que apoia uma boa poltica seja capaz de aprender e ajustar comportamentos em resposta ao que aprendido. A disseminao de solues inovadoras passa inexoravelmente pela capacidade das organizaes seguidoras de traduzir as mensagens de inovao j testadas empiricamente em organizaes pioneiras, ajustar suas rotinas e, num processo de realimentao, gerar informaes novas sobre o que funciona e no funciona. Nesse cenrio, os documentos gerados pela coordenao da e-PING so potenciais estimuladores de inovaes sobre as rotinas dos rgos de governo que sero, de alguma forma, traduzidas por outras unidades governamentais.

2. a aRquItEtuRa E-PING CoMo EstIMuLaDoR Da PRoDuo E DIssEMINao DE INoVaoO pressuposto para produo e disseminao de inovaes pela interoperabilidade que esses fenmenos ocorram em rede. Partindo da noo de Redes Tecno-econmicas (RTE), elaborada por autores como Callon (1986), a disseminao, ou traduo, de inovaes ocorre em uma rede heterognea composta por atores humanos e no humanos, onde tem relevncia a noo de simetria entre os aspectos tcnicos e sociais (LATOUR, 1987). Tendo essa noo como inspiradora, o documento e-PING o padro de governo eletrnico que ser seguido como ator no humano relevante num processo de disseminao de inovaes, a partir da rede que se forma em torno dos projetos de interoperabilidade, neste trabalho denominada de rede e-PING. importante ento verificar se esse padro pode ser ex-ante um elemento gerador de inovaes. A evoluo das rotinas, a cumulatividade sobre os temas trazidos nos documentos da coordenao da e-PING, a ambincia no nvel micro que propicie uma melhor gesto de conhecimentos e as oportunidades diversas de aprendizagem pelo uso faro a diferena nas experincias de cada projeto que utilize o guia da e-PING como referncia para a interoperabilidade de sistemas. Esses conceitos surgem de forma concreta na leitura do prprio guia, conforme evidenciado a seguir. Sobre a capacitao, o documento informa que:Faro parte da agenda de implantao e gesto da e-PING eventos direcionados para capacitao. Tambm previsto o uso intensivo de Ensino a Distncia (EAD). A Coordenao da e-PING ir elaborar e publicar uma grade mnima de treinamento, de modo que cada rgo da APF tenha subsdios para planejar e estimar investimentos necessrios para capacitao dos profissionais envolvidos no processo de adequao s recomendaes da e-PING (BRASIL, 2007a, p. 17).

Observa-se que a Coordenao prev que cada rgo tenha suas prprias necessidades de capacitao: Cada rgo de governo dever observar as definies de padro da e-PING na montagem de seus planos particulares de capacitao, garantindo o fornecimento de treinamento adequado para os componentes de suas equipes tcnicas (BRASIL, 2007a, p.17).

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A capacitao customizada particularmente relevante, dada a teia de padres que est inserida no guia. Somente numa das sees, Interconexo, so referenciados 47 protocolos distintos, dentre nacionais, internacionais e de governo. necessrio que os analistas envolvidos saibam discernir as necessidades de suas organizaes na medida em que se aprofundem nas especificaes. A facilidade no entendimento e transformao da leitura dessas especificaes em solues tcnicas maior quanto mais acmulo de conhecimentos as organizaes tiverem nos temas apresentados. A rede de atores uma das opes j previstas pela coordenao para a aprendizagem pelo uso e compartilhamento de conhecimentos. Isso fica claro quando se l no documento que as organizaes devem estabelecer ponto de contato nas instituies, para intercmbio de informaes e de necessidades com a Coordenao da e-PING (BRASIL, 2007a, p.18). O documento prev ainda que as organizaes do poder executivo federal devem investir na reviso de suas rotinas e afirma que atribuio das instituies: Aproveitar a oportunidade para racionalizar processos (como resultado do aumento da interoperabilidade) de maneira a melhorar a qualidade e reduzir custos de provimento dos servios de e-Gov (BRASIL, 2007a, p.18). Uma leitura do documento permite inferir que os projetos geraro um legado de inovaes em hardware, software bsico e sistemas corporativos, bem como nos processos de gesto desses ativos. Segundo o documento, atribuio dos rgos de governo dispor de um plano de implementao e adequao da infraestrutura de TIC da organizao. Essa infraestrutura est normalmente associada a hardware (equipamentos de rede, dispositivos de segurana, servidores, dentre outros) e a softwares bsicos (servidores de banco de dados, softwares relacionados segurana da informao e sistemas operacionais de rede, dentre outros). As sees segurana e interconexo trazem diversos protocolos de especificaes que impactam diretamente essa infraestrutura, tais como as que tratam de implantao de rede sem fio e as que lidam com segurana de redes. Para o foco desse trabalho, sero priorizados os impactos sobre sistemas corporativos. Essa opo decorrente da maior possibilidade de interveno dos atores nos processos de desenvolvimento desses artefatos, uma vez que os hardwares e softwares bsicos no se enquadram no tipo de produto oferecido pelo governo eletrnico ao ambiente autorizador. Os sistemas corporativos sofrero impactos na medida em que o guia aponta para uma ampla necessidade de utilizar uma arquitetura com multicomponentes e aberta, que permita uma melhor integrao de sistemas, baseada nos chamados web services. O documento explica essa opo (BRASIL, 2007a, p. 24):A necessidade de integrao entre os diversos sistemas de informao de governo, implementados em diferentes tecnologias, implica adoo de um padro de interoperabilidade que garanta escalabilidade, facilidade de uso, alm de possibilitar atualizao de forma simultnea e em tempo real.

Diante desse contexto, entende-se que o uso de web services adequado a essas necessidades. Web services oferecem uma abordagem dinmica para integrao, na qual os servios so42

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localizados, determina