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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA EPIGÊNESE RADICAL A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS João Francisco Botelho Florianópolis 2007 T

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

EPIGÊNESE RADICALA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS

João Francisco Botelho

Florianópolis

2007

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JOÃO FRANCISCO BOTELHO

EPIGÊNESE RADICAL:

A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Filosofia da Universidade Federal de

Santa Catarina como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Filosofia

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Andrés Caponi

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JOÃO FRANCISCO BOTELHO

EPIGÊNESE RADICAL:

A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DESENVOLVIMENTAIS

_____________________________________

Prof. Dr. Marco Antonio Franciotti

Coordenador do Curso

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Prof. Dr. Gustavo Andrés Caponi (Orientador)

Universidade Federal de Santa Catarina

___________________________________

Prof. Dr. Gonzalo Jaime Cofre Cofre

Universidade Federal de Santa Catarina

___________________________________

Prof. Dr. Maurício de Carvalho Ramos

Universidade de São Paulo

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Para Janine

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Agradecimentos:

As reflexões contidas neste trabalho iniciaram-se há algum tempo, quando eu ainda

estava realizando minha graduação em ciências biológicas. Desde então, Kay Saalfeld tem

sido um interlocutor precioso. Nossas conversas iniciaram muitas das questões que discuto

aqui. Neste período, o contato com colegas que compartilham interesses em comum foi

importante, especialmente Fabiano Vieira, Gustavo Ramos e Jorge Linemburg. Nos últimos

anos, dediquei-me ao estudo da filosofia da ciência. Durante o mestrado, fui aluno dos

professors Alberto Cupani, Luiz Henrique Dutra e Déico Krause. Gostaria de agradecer o

estimulante interesse pela docência, componente importante na formação de futuros

professores. O contato com os colegas Thiagus Matheus Batista e Jerzy Brzozowski no

mestrado em filosofia também foi enriqucedor. Jerzy me ajudou em diversas etapas da

realização do trabalho. Sou grato também aos demais membros do promissor Núcleo Fritz-

Müller Desterro de Estudos em Filosofia e História da Biologia (GFMD): Gabriel Porto,

Felipe Faria e Edgar Zachi.

O trabalho foi realizado sob a orientação de Gustavo Caponi, por quem desenvolvi

amizade e admiração ao longo destes anos. Espero que meu trabalho reflita um pouco do rigor

exemplar de suas argumentações histórico-epistemológicas. Sou grato também aos professors

Jaime Gonzalo Cofre-Cofre e Maurício de Carvalho Ramos pela participação na banca e pelas

contribuições para a melhoria do texto. Agradeço aos autores que gentilmente enviaram suas

publicações: Susan Oyama, Jean-Louis Fisher, Timothy Johnston e Eva Neuman-Held,

Sou grato a minha família e amigos por todo tipo de suporte.

Agradeço à UFSC e à Capes pelo apoio.

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The preformation idea has always led to immediate, if temporary successes;

while the epigenetic conception, although laborious, and uncertain, has, I

believe, one great advantage, it keeps open the door to further examination and

re-examination. Scientific advance has most often taken place in this way.

T. H. Morgan

An epigenetic account of development is one that never sidesteps the task of

explaining how a developmental outcome is produced.

S. Oyama, P. E. Griffths e R. D. Gray

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Resumo:

Existe na biologia contemporânea um consenso de que a genética proporcionou uma solução

conciliatória para o longo debate entre preformacionistas e epigenesistas. O

desenvolvimento, segundo a genética, é um processo híbrido de preformação e epigênese. A

preformação persiste como informação, como um programa codificado do desenvolvimento.

A epigênese persiste como a tradução do programa genético, como a revelação da

informação pela expressão gênica. O presente trabalho critica esta conciliação genética a

partir de duas análises epistemológicas — uma histórica e a outra conceitual — e defende

uma posição alternativa — a Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais (PSD). A análise

histórica consiste em mostrar que o conceito de preformação é mais amplo e plástico do que

a simples idéia de preexistência e pré-delineação de um organismo completo. O conceito de

preformação chega ao século XX associado ao conceito de unidades hereditárias

determinantes do desenvolvimento e está historicamente associado à tradição de pesquisa

genética. A análise conceitual consiste em mostrar que a biologia contemporânea desautoriza

o discurso preformacionista contido nas idéias de herança como transmissão genética,

primazia e independência causal dos genes, herança sólida e programa genético. No lugar da

conciliação genética defendo uma perspectiva estritamente epigenética dos processos

celulares e desenvolvimentais como proposta pela PSD.

Palavras-chave: Preformação, epigênese, tradições de pesquisa, genética, biologia do desenvolvimento, Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento.

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Abstract:

There is a consensus in contemporary biology that genetics provided a conciliatory solution

for the long-standing debate between preformationists and epigenesists. Development,

according to the genetic conciliation, is a hybrid process of preformation and epigenesis.

Preformation persists as information, as a codified program of development. Epigenesis

persists as the translation of the genetic program, as the revelation of genetic information.

The present thesis criticizes this genetic conciliation from two epistemological points of view

— a historical one and a conceptual one — and supports an alternative position: the

Developmental Systems Perspective (DSP). The historical analysis shows that the

preformation tradition is wider than the simple idea of preexistence and pre-delineation of

form. The preformation tradition arrives at the 20th century associated to the concept of units

of inheritance controlling development and it is historically associated with the research

tradition of genetics. The conceptual analysis consists of showing that contemporary biology

discourages the preformationists assumptions enclosed in the ideas of heredity as genetic

transmission, causal priority of the genes, exclusively genetic inheritance and genetic

program. In the place of the genetic conciliation, we defend a strict epigenetic view of cellular

and developmental processes, coherent with the DSP.

Keywords: preformation, epigenesis, research traditions, genetics, developmental biolology, Developmental Systems Perspective

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Sumário:

....................................................................— Introdução — A conciliação genética 1

...........................................................................................Conflito de tradições 6

.....................................................................Preformação: além do homúnculo 13

.............................................................Epigênese: além do programa genético 15

.............................................................................— 1 — Preformação e epigênese 19

...........................................................................................1.1 O antigo debate 21

......................................................................1.2 Preexistência e mecanicismo 23

..............................................................................1.3 A epigênese teleológica 33

...........................................................................— 2 — Determinação e regulação 37

....................................................2.1 Da morfogênese à diferenciação celular 39

...................................................................................2.1.1 Hereditariedade 39

.....................................................................................2.1.2 Teoria Celular 41

............................................................................2.1.3 Material hereditário 42

..........................................................................2.2 Embriologia experimental 48

...............................................................2.2.1 Preformação e determinação 51

.........................................................................2.2.2 Epigênese e regulação 54

..........................................................................................2.3. A teoria do gene 57

....................................................2.3.2 Hereditariedade e desenvolvimento 65

......................................................................2.4 Preformação e teoria do gene 72

........................................................................— 3 — Genética e desenvolvimento 78

...............................................................................3.1 Preformação molecular 79

............................................................................3.1.1 Informação genética 80

..............................................................................3.1.2 Programa genético 82

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...................................................................................3.2 Epigênese molecular 88

............................................................................3.2.1 A epigênese do gene 89

........................................................................3.2.2 Regulação molecular 100

.......................................................................................— 4 — A nova epigênese 110

..........................................4.1 Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais 111

..............................................................................................4.1.1 Origens 112

......................................................................................4.1.2 Pressupostos 124

.............................................4.1.2.1 A hereditariedade como re-produção 125

...............................................4.1.2.2 Paridade e interdependência causal 128

.........................................................................4.1.2.3 Herança expandida 134

..................................................................4.1.2.4 Ciclos de contingências 139

..............................................................— Conclusão — Uma aposta epigenética 145

...................................................................................................— Referências — 155

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Lista de Figuras

FIGURA 1. CONFLITO DE TRADIÇÕES DE PESQUISA.................................................................... 17

FIGURA 2. HOMÚNCULO............................................................................................................ 26

FIGURA 3 A GENEALOGIA DA NOÇÃO CONTEMPORÂNEA DE GENÓTIPO E FENÓTIPO................... 72

FIGURA 4. O ORGANISMO DESMONTADO.................................................................................... 75

FIGURA 5. OPERON-LAC............................................................................................................ 83

FIGURA 6. PREFORMAÇÃO MOLECULAR.................................................................................... 89

FIGURA 7. O GENE EM CONTEXTO.............................................................................................. 97

FIGURA 8. EPIGÊNESE MOLECULAR........................................................................................... 99

FIGURA 9. INDUÇÃO NEURAL................................................................................................... 105

FIGURA 10. VISÃO CELULAR DO GENE..................................................................................... 109

FIGURA 11. NORMAS DE REAÇÃO............................................................................................ 123

FIGURA 12: CICLOS DE CONTINGÊNCIAS .............................................................................. 140

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— Introdução —

A conciliação genética

O quinto capítulo do livro O acaso e a necessidade (1970) de Jacques Monod chama-

se Ontogenia molecular. O capítulo discute as conseqüências da biologia molecular para a

compreensão do desenvolvimento dos seres vivos. Nos anos 50, a biologia molecular havia

elucidado a estrutura do DNA e a estrutura de proteínas como a mioglobina e a hemoglobina.

As imagens produzidas por técnicas de cristalografia e raio-X mostraram que as moléculas de

DNA que compõem os cromossomos são duas fitas de nucleotídeos complementares,

organizadas em forma de uma dupla hélice. A estrutura primária das proteínas se revelou uma

seqüência linear de peptídeos. Nos anos seguintes, sob a influência do surgimento em paralelo

das ciências da computação (Morange, 1998), a relação entre as estruturas das proteínas e a

estrutura dos ácidos nucléicos passou a ser descrita em termos de codificação, cópia,

transcrição e tradução da informação (Olby, 1990b). O DNA foi interpretado como um molde,

que armazenava na seqüência linear de nucleotídeos a informação específica para cada

seqüência linear de peptídeos que constituíam as diferentes proteínas.

A associação entre mecanismos genéticos, investigação estrutural e as metáforas

informacionais possibilitaram a compreensão do que eram os genes e de como eles atuavam

— um assunto pendente desde o surgimento da genética. Antes da biologia molecular, não se

entendia de que maneira os genes produziam seus efeitos fenotípicos. Sabia-se apenas que os

genes eram entidades nos cromossomos, cuja atividade, de alguma forma, produzia variações

hereditárias que seguiam padrões mendelianos de segregação. A princípio, nada era conhecido

sobre como eles causavam estes efeitos. A genética era uma ciência quase alheia à fisiologia e

à bioquímica. A investigação estrutural dos ácidos nucléicos e proteínas — a característica

– 1 –

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mais proeminente da biologia molecular — permitiu a definição estrutural e a análise

funcional dos genes como seqüências de DNA que codificavam proteínas.

No entanto, a biologia molecular ainda estava distante de proporcionar a compreensão

dos fenômenos ontogenéticos. Embora a elucidação da estrutura molecular esclarecesse muito

da função gênica, restavam ainda grandes lacunas entre a síntese de proteínas e o processo

coordenado de divisão e diferenciação celular. Uma das principais questões era o que Richard

Burian (2005a) chamou de “paradoxo de Lillie”: como os mesmos genes em todas as células

poderiam ser responsáveis pela diferenciação celular. Nas palavras de Lillie:

É [...] quase universalmente aceito hoje pela doutrina genética que cada célula recebe todo o complexo de genes. Pareceria, portanto, auto-contraditório tentar explicar a segregação [i.e. diferenciação] embrionária pelo comportamento dos genes que são ex. hip. os mesmos em todas as células. (Lillie, 1927, p.365)

A dificuldade em explicar como o desenvolvimento era orquestrado pelos mesmos

genes em todas as células não era apenas um ponto fraco da genética que embriologistas

como Lillie faziam questão de lembrar para defender a abordagem embriológica. Os próprios

geneticistas tinham consciência de que a explicação de como os genes atuavam durante o

desenvolvimento era uma grande lacuna a ser preenchida no futuro. Alguns deles, como T. H.

Morgan, E. E. Just e R. Goldschmidt, já especulavam uma solução: a ativação diferencial dos

genes a partir de variações citoplasmáticas (Gilbert, 1996). Mas não havia dado, método ou

experimento que indicasse como isto poderia acontecer.

A ontogenia no nível molecular discutida por Monod em O acaso e a necessidade se

baseou no que foi considerado o primeiro experimento adequado para solucionar o paradoxo

da diferenciação celular: o modelo do operon. A união, no Instituto Pasteur em Paris, dos

estudos de Monod sobre adaptação enzimática e os de François Jacob e sua equipe sobre

bacteriófagos, permitiu construir um modelo compreensível de como um sinal podia controlar

a atividade dos genes. A partir de um elegante experimento, eles chegaram a um modelo

capaz de explicar a regulação da produção de uma enzima em Escherichia coli. A bactéria E.

coli, normalmente, não sintetiza a enzima !-galactosidase, responsável pela degradação da

lactose. Mas, quando em um meio de cultura contendo a lactose como o único carboidrato, a

bactéria consegue sintetizar a enzima e degradá-la, um fenômeno conhecido como indução

enzimática. Monod, Jacob e seus colaboradores demonstraram que a lactose atuava como um

indutor, ou melhor, um desinibidor da transcrição de !-galactosidase. Ela desativava uma

Introdução

– 2 –

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proteína (Z) que, na ausência da molécula de lactose, se ligava ao DNA e reprimia a síntese de

!-galactosidase (e outras duas proteínas relacionadas).1

O modelo propunha, portanto, que havia no genoma genes para proteínas estruturais,

como a enzima !-galactosidase, e genes para proteínas reguladoras, como a proteína Z,

repressora da produção de !-galactosidase. As proteínas reguladoras inibiam a síntese de

proteínas estruturais ligando-se diretamente ao DNA e impedindo a transcrição de RNA

mensageiro. Eis a imagem da expressão gênica que emergiu do modelo do operon: genes

reguladores controlavam a expressão de genes estruturais no nível transcricional e as

proteínas sintetizadas a partir dos genes estruturais assumiam espontaneamente sua estrutura

funcional.

O modelo do operon foi seguido pela proposta quase simultânea de Jacob e Monod

(1961) e Ernst Mayr (1961) da metáfora do programa genético. “[A] descoberta de genes

reguladores e operadores […] revela que o genoma contém não apenas uma série de mapas,

mas um programa coordenado de síntese de proteínas e os meios de controlar sua

execução” (Jacob e Monod, 1961, p.354). A regulação gênica, perseguida pelos primeiros

geneticistas no citoplasma, agora também estava localizada nos próprios genes. Os genes

estruturais eram regulados por genes reguladores, que, de acordo com sinais celulares,

ligavam e desligavam os genes estruturais (Keller, 2002; Sarkar, 2006). Todo controle e

agência do desenvolvimento estavam concentrados nos genes.

Monod e Jacob enxergaram na extrapolação do modelo do operon e na metáfora do

programa genético a solução para o paradoxo de Lillie: “[a] diferenciação bioquímica

(reversível ou não) de células carregando um genoma idêntico não constitui um ‘paradoxo’

como pareceu representar por muitos anos para embriologistas e geneticistas (Monod e Jacob,

1961, p.397). O desenvolvimento era uma questão de regulação da expressão gênica pelos

próprios genes. A metáfora obteve enorme sucesso e representa uma das maiores conquistas

da história da biologia molecular. Embora a regulação genética tenha se mostrado muito mais

complexa em eucariontes, o conceito de genes reguladores e de regulação da expressão gênica

tornou-se um dos conceitos centrais da genética do desenvolvimento. O modelo do operon e o

programa genético, finalmente, haviam oferecido um mecanismo plausível para explicar

como ocorria a diferenciação celular que caracteriza o processo de desenvolvimento.

Introdução

– 3 –

1 Para uma descrição mais detalhada do modelo do operon e sua história, ver Gros (1991, cap. 4), Judson (1979, cap. 7), e Morange (1998).

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Após discorrer sobre a regulação da expressão gênica pelo modelo do operon e

também sobre outras duas grandes contribuições suas para a biologia molecular — a

regulação alostérica e o RNA mensageiro –, Monod chegou à seguinte conclusão:

Esta análise [...] reduz a uma disputa verbal, destituída de todo o interesse, a antiga querela entre preformacionistas e epigenesistas. A estrutura pronta, como tal, não está preformada em lugar algum. Mas o plano para a estrutura está presente nos seus próprios constituintes. Ela pode, então, se realizar de modo autônomo e espontâneo, sem intervenção exterior, sem acréscimo de informação nova. A informação está presente, mas inexpressa, nos constituintes. A construção epigenética de uma estrutura não é uma criação, é uma revelação. (Monod, 1970, p.117, itálicos no original)

As palavras de Monod refletem um entendimento que se tornou muito comum na

biologia contemporânea: a disputa entre preformação e epigênese, frente à biologia molecular,

não faz mais sentido. Se perguntado se o desenvolvimento pode ser descrito como um

processo de preformação ou epigênese, um biólogo moderno, provavelmente, não hesitaria

em dizer: “ambos ou nenhum dos dois — a transmissão dos genes é responsável pela

transmissão da informação genética e a expressão dos genes é responsável pelo

desenvolvimento”. Ou, de modo mais elaborado: “Preformação é representada pelo DNA, não

pela presença de um diminuto homúnculo no esperma ou zigoto; epigênese é representada

pelos ciclos sucessivos de ativação gênica específica” (Cerdá-Olmedo, 1998, p. 236). Ou

ainda, na expressão sintética e precisa do casal Medawar (1988): “A genética propõe, a

epigenética dispõe”.

Alguns dos mais influentes historiadores e filósofos da biologia, escrevendo após o

surgimento da biologia molecular, expressaram a opinião semelhante de que o programa

genético fornece uma solução entre a preformação e a epigênese (Moore, 1963; Smith, 1977;

Mayr, 1997; Pinto-Correia, 1999; Jacob, 2001; Gould, 2004). Stephen Jay Gould (1977) é

particularmente claro ao expressar a idéia de que a genética forneceu uma terceira via, um

caminho intermediário entre a preformação e a epigênese:

A solução de grandes disputas, geralmente, está próxima ao meio-termo [golden-mean] e este debate não é exceção. A genética moderna está a meio caminho das formulações extremas do século XVIII. Os preformacionistas estavam certos em afirmar que certa preexistência é o único refúgio do misticismo. Mas, estavam enganados em postular estruturas preformadas, pois nós descobrimos instruções codificadas. Os epigenesistas, por outro lado, estavam corretos em afirmar que a aparência visual do desenvolvimento não é uma mera ilusão. (Gould, 1977, p.18)

Introdução

– 4 –

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O objetivo deste trabalho é mostrar que este “consenso moderno” (Robert, 2004a) de que

houve uma conciliação do longo debate entre preformação e epigênese a partir das noções de

plano, informação e programa genético é, historicamente e conceitualmente, falacioso.

Defenderei que a genética, como tradição de pesquisa, está ligada à idéia de preformação e

que a imagem moderna do desenvolvimento por ela proporcionada continua sendo

preformacionista.

O argumento, em parte, se apoiará em um conjunto de discussões que adquiriram

destaque nos últimos anos. A genética e a biologia do desenvolvimento entraram na pauta da

filosofia da biologia a partir da década de 80, impulsionadas pelos grandes e rápidos avanços

empíricos nestas áreas (Griffiths, 2002a). Desde então, diversos autores vem discutindo temas

como o determinismo genético, o conceito de gene, informação e programa genético. A

maioria tem assumido uma postura crítica em relação ao gene-centrismo implicado por estas

idéias (e.g. Nijhout, 1990; Sarkar, 1996; Keller, 2002; Lewontin, 2002; Morange, 2002; Moss,

2003; Burian, 2005b). Uma das mais importantes (e também mais radicais) críticas levantadas

contra o gene-centrismo é a Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento (PSD) (Oyama,

1985; Griffiths e Gray, 1994; Griffiths e Knight, 1998; Oyama, 2000a; Oyama, Griffiths et al.,

2001a). Não pretendo apresentar uma discussão completa da PSD. O objetivo é explorar um

ponto que consideramos ser o ponto central da sua proposta: a defesa de uma abordagem

radicalmente epigenética do desenvolvimento. Aceitarei a sugestão de Godfrey-Smith (2001)

de que é “útil ver a PSD, entre outras coisas, como uma forma muito forte de anti-

preformacionismo” (p.290) ou como uma espécie de “nova epigênese” (Weber e Depew,

2001).

O argumento possui duas partes. Nos dois primeiros capítulos, serão investigados os

meandros históricos e epistemológicos que levaram até a conciliação genética. A intenção

com isso não é simplesmente fornecer bases históricas para o debate. O objetivo é mostrar que

a conciliação genética apóia-se em uma historiografia que busca afastar a genética, ou, mais

especificamente, a teoria morganiana do gene, da tradição preformacionista. Nos capítulos

terceiro e quarto, serão explorados os desdobramentos da genética e da biologia molecular

pós-conciliação. Argumentarei porque a biologia contemporânea desautoriza o

preformacionismo genético e apresentarei a PSD como uma estrutura teórica alternativa para

lidar com as causas do desenvolvimento.

Esquematicamente, o meu objetivo é mostrar que:

Introdução

– 5 –

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(i) a conciliação genética se apóia em uma leitura histórica enviesada da disputa entre

preformação e epigênese e que é mais apropriado associar a genética à tradição

preformacionista;

(ii) o conhecimento atual da genética e da biologia do desenvolvimento permite uma

interpretação exclusivamente epigenética do desenvolvimento, como defendido pela

Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento.

Conflito de tradições

Antes de iniciar a busca por estes dois objetivos, é necessário esclarecer o que entendo

por preformação e epigênese. Da maneira como foram expostas acima nas citações de Monod

e Gould, preformação e epigênese são consideradas, implicitamente, teorias científicas. Elas

são apresentadas como hipóteses ou modelos para explicar como os seres vivos são gerados.

A teoria da preformação propunha que os seres vivos preexistiam completamente delineados

no ovo e apenas cresciam mecanicamente durante o desenvolvimento. A teoria da epigênese,

por outro lado, propunha que os seres vivos eram recriados a cada geração, em geral,

orientados por forças vitais. Esta versão mais conhecida do debate — a caricatura homúnculo

vs vitalismo — coloca em conflito duas teorias. Proponho uma abordagem diferente. A

preformação e a epigênese não serão consideras como teorias propostas nos séculos XVII e

XVIII para explicar a geração orgânica. Elas serão interpretadas como duas tradições de

pesquisas dentro das quais são elaboradas diferentes teorias para explicar como os seres vivos

são gerados. Preformação e epigênese serão consideradas duas perspectivas gerais que

fornecem diferentes ontologias, metodologias e princípios para a investigação de como ocorre

o processo de desenvolvimento.

Para esclarecer esta interpretação, farei algumas considerações sobre o status das

estruturas teóricas em ciência. Nas primeiras décadas do século XX, a filosofia se

caracterizou, sobretudo, por uma abordagem lógica à ciência. O positivismo lógico, o

empirismo lógico e os modelos nomológicos-dedutivos das explicações científicas, a despeito

das suas diferenças, compartilhavam o entendimento de que o papel da filosofia da ciência era

analisar a justificação lógica das teorias científicas. Não havia necessidade de incorporar a

história da ciência à análise filosófica. O objetivo da filosofia da ciência era analisar o

contexto de justificação das teorias. A investigação do contexto de descoberta cabia à história

Introdução

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e à sociologia da ciência (Giere, 1988; Cupani, 2000). Dentro deste contexto, as teorias

científicas foram compreendidas como conjuntos de proposições logicamente relacionadas

entre si e entre as evidências observacionais.

Na década de 1960, ocorreu o que ficou conhecido como a virada historicista da

filosofia da ciência. A nova filosofia da ciência que surgiu neste período rompeu com o ideal

de reconstrução lógica da ciência e forneceu uma alternativa ao já combalido projeto

empirista. A obra mais conhecida deste período é o livro de Thomas Kuhn, A estrutura das

revoluções científicas, publicado em 1962. Em consonância com as idéias de autores como

Hanson, Toulmin e Feyerabend, Kuhn propôs uma teoria da ciência estreitamente ligada à

análise da história da ciência.

Um dos aspectos que se tornou consenso na nova filosofia da ciência é que o

desenvolvimento da ciência não possuiu um caráter cumulativo. A empreitada científica não é

um processo de acréscimo constante de conhecimento. Este é provavelmente o ponto mais

conhecido da tese de Kuhn. Contrariando os preceitos empiristas, Kuhn propôs que o curso da

ciência é marcado por longos períodos de ciência normal intercalados por curtos períodos de

ciência extraordinária. Os períodos de ciência normal caracterizam a maior parte da

investigação científica e se desenrolam de maneira semelhante à visão cumulativa defendida

pela abordagem tradicional. Durante os períodos de ciência normal, os cientistas trabalham

orientados por um mesmo paradigma. No entanto, o acúmulo de questões não resolvidas (ou

anomalias, para usar o vocabulário kuhniano) leva a ciência à períodos de crise e a

subseqüente substituição do paradigma vigente. Esta mudança de paradigma é o que Kuhn

chama de uma revolução científica — a ruptura e a substituição da maneira de compreender e

questionar o mundo. Por exemplo, em um dos casos preferidos de Kuhn, o paradigma

ptolemaico que via a Terra como o centro do universo foi substituído pelo paradigma

heliocêntrico de Copérnico, alterando não apenas os modelos propostos por Ptolomeu, mas os

princípios, métodos, metáforas e conceitos que estruturavam estes modelos.

No posfácio da segunda edição de A estrutura das revoluções científicas, Kuhn

(1997), explicitou dois significados do termo paradigma: (i) o paradigma como exemplar, isto

é, como modelo de investigação, e (ii) o paradigma como matriz disciplinar, isto é, como

“toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc... partilhados pelos membros de uma

determinada comunidade” (ibid, p.218). O conceito de paradigma (sensu matriz disciplinar)

representa o ponto da proposta de Kuhn que gostaria de destacar para discussão: a

Introdução

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necessidade de se levar em conta estruturas conceituais de larga escala e de longa duração

para compreender o desenvolvimento da ciência. Na abordagem tradicional da filosofia da

ciência, as unidades de análise eram as teorias (geralmente entendidas como estruturas

lógicas). Na abordagem kuhniana, a ciência passou a ser abordada como um processo que

ocorre em ao menos dois níveis: as teorias em si e as macro-teorias (paradigmas) dentro das

quais as teorias são construídas (Godfrey-Smith, 2003).2

A metodologia dos programas de pesquisa, proposta pelo húngaro Imre Lakatos

(1979), representa outra abordagem macro-teórica à ciência. Escrevendo sob o impacto das

idéias de Kuhn, a proposta de Lakatos buscou conciliar o falseacionismo popperiano à

algumas questões contrárias levantadas pela tese kuhniana. Segundo o falseacionismo, a

ciência não opera a partir de generalizações indutivas, mas por conjecturas das quais são

tiradas conseqüências observacionais. O objetivo do cientista é “arquitetar conjecturas que

tenham maior conteúdo empírico do que as predecessoras” (Popper apud Lakatos, 1979, p.

163). Uma hipótese primeiro é formulada e depois posta à prova empiricamente. Se a

observação mostrar que a hipótese conjecturada é empiricamente falsa, ela está refutada e

uma outra tentativa deve ser feita. Se a nova conjectura resistir aos novos testes, ela é

corroborada (mas nunca verificada ou confirmada). A teoria persiste enquanto resiste às

tentativas de falseá-la.

A proposta de Lakatos “sofisticou” o falseacionismo popperiano, dando mais robustez

às conjecturas. A partir de argumentos históricos e conceituais, Lakatos defendeu que a

unidade de análise da ciência não são as teorias em si, mas programas de pesquisas. Segundo

Lakatos (1970), programas de pesquisa possuem dois elementos principais: (i) um núcleo

duro ou heurística negativa formado por suposições básicas que não devem ser refutadas. Por

exemplo, as leis do movimento de Newton e a lei da gravidade formam o núcleo duro do

programa newtoniano de pesquisa; e (ii) um cinturão protetor ou heurística positiva formado

por hipóteses e suposições auxiliares que podem ser alteradas. Deste modo, o núcleo duro

jamais é posto à prova. Ele é o esqueleto rígido que deve ser preservado sob um conjunto de

teorias auxiliares maleáveis. O avanço do programa de pesquisa ocorrerá nesta periferia

Introdução

– 8 –

2 Além dos paradigmas de Kuhn (1962), foram propostas outras conceitualizações macro-teóricas, como, por exemplo, os programas de pesquisa de Lakatos, as tradições de pesquisa de Laudan, os ideais de ordem natural de Toulmin (1963), as teorias globais de Feyerabend (1989) e as redes de crenças de Quine (1978).

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auxiliar, que se transformará orientada pelo núcleo duro de modo a fornecer explicações cada

vez mais corroboradas.

A consequência mais importante da proposta de Lakatos para esta discussão é que um

programa de pesquisa é uma entidade histórica que se transforma ao longo do tempo

(Godfrey-Smith, 2003). Ao contrário dos paradigmas kuhnianos que são estáticos (em parte

porque não são criticados, pois nunca são explícitos), os programas de pesquisa possuem uma

linhagem de teorias auxiliares que mudam para se adequarem aos dados empíricos. As

transformações das teorias auxiliares podem ser progressivas ou degenerescentes. Elas serão

progressivas se elas expandirem sua aplicação e aumentarem sua precisão em relação aos

casos já abordados. Por outro lado, o programa será degenerescente se suas transformações

não expandirem sua abrangência para novos casos.

Outro exemplo de abordagem macro-teórica à ciência são as tradições de pesquisa

propostas por Larry Laudan (1977; 1984). Uma tradição de pesquisa é definida como “um

conjunto de pressupostos gerais sobre entidades e processos em um domínio de estudo e sobre

os métodos apropriados a serem usados para investigar os problemas e construir as teorias

naquele domínio” (1977, p. 81). Para identificar uma tradição de pesquisa, Laudan enumera

características comuns a todas elas:

(1) Cada tradição de pesquisa possui um número específico de teorias que as exemplifica e parcialmente as constitui; algumas destas teoria serão contemporâneas e outras se sucederão no tempo. (2) Cada tradição de pesquisa exibe certos compromissos metafísicos e metodológicos que, em conjunto, individualizam a tradição de pesquisa e a distingue de outras; (3) Cada tradição de pesquisa (ao contrário de teorias específicas) atravessa diversas formulações diferentes (por vezes mutuamente contraditórias) e geralmente possui uma longa história que se estende por longos períodos de tempo (em contraste com teorias que têm frequentemente curta duração) (Laudan, 1977 , p.78-79)

Um ponto de discordância entre as formulações de Kuhn, por um lado, e Lakatos e

Laudan, do outro, é a coexistência ou não de macro-teorias rivais. Segundo a tese inicial de

Kuhn, o desenvolvimento da ciência é caracterizado por grandes períodos de hegemonia de

uma matriz disciplinar, alternados por curtos períodos de crise, onde propostas rivais

coexistiam e competem até o estabelecimento de uma nova matriz disciplinar hegemônica.

Portanto, via de regra, uma matriz disciplinar não coexiste com suas rivais. Uma ciência

madura possui um único paradigma. De fato, uma revolução científica é descrita as vezes

Introdução

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como uma mudança de visão de mundo ou de Gestalt. As teses de Lakatos e Laudan

contrariam este ponto da tese de Kuhn. Para eles, a coexistência de macro-teorias é a regra,

não a exceção. Sempre mais de um programa ou tradição de pesquisa convivem e a escolha de

um deles é uma questão comparativa.

Aceitar a existência simultânea de programas ou tradições de pesquisa tem como

conseqüência a aceitação de dois níveis de transformação das macro-teorias: (i) dentro das

macro-teorias e (ii) entre as macro-teorias (Godfrey-Smith, 2003). Para Lakatos, como dito

antes, a dinâmica interna dos programas de pesquisa pode ser progressiva ou degenerescente.

Quanto à dinâmica entre programas de pesquisa alternativos, isto é, qual programa deve ser

preferido entre os programas coexistentes, Lakatos é um tanto ambíguo. O esperado seria

escolher o programa mais progressivo e abandonar os programas degenerescentes. Mas

Lakatos afirma que é necessário proteger um programa degenerescente ou estagnado, pois ele

pode recuperar-se e voltar a progredir.

Esta ausência de regras claras para escolher entre macro-teorias é um dos pontos da

tese de Lakatos criticado por Laudan. Retomando a idéia geral de Kuhn de que a ciência é

uma atividade que envolve a solução de problemas, Laudan defende que uma tradição de

pesquisa deve ser avaliada segundo a sua capacidade em resolvê-los. Laudan reconhece dois

tipos de problemas: empíricos e conceituais. Os problemas empíricos são dados experimentais

sem respostas ou contrários às teorias de uma determinada tradição de pesquisa. Se uma

tradição de pesquisa rival é capaz de resolver estes problemas empíricos, eles passam a

representar anomalias.3 Os problemas conceituais, por outro lado, são inconsistências ou

incompatibilidades internas ou externas às teorias de uma determinada tradição de pesquisa.

A escolha entre tradições de pesquisa deverá ser realizada em virtude das suas taxas de

solução de problemas, principalmente conceituais. “Uma tradição de pesquisa bem sucedida

é aquela que, por meio das suas teorias constituintes, leva à solução adequada de um número

crescente de problemas conceituais e empíricos” (Laudan, 1977, p.82, itálicos no original).

A imagem geral do desenvolvimento da ciência que Laudan desenha, inspirado pelas

propostas originais de Kuhn e Lakatos, ilumina consideravelmente a interpretação da disputa

entre preformação e epigênese. As tradições de pesquisa são entidades teóricas que coexistem

e competem por hegemonia. A relação flexível entre uma tradição de pesquisa e as teorias que

Introdução

– 10 –

3 Repare que esta noção de anomalia é distinta da noção de Kuhn, para quem as anomalias não são definidas em referência a paradigmas rivais.

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ela contém permite que as primeiras persistam por longos períodos, mesmo que suas teorias

tenham se transformado profundamente. A identidade de uma tradição de pesquisa é mantida

ao longo da sua evolução pela preservação de certos compromissos centrais. Outro ponto

importante enfatizado por Laudan é a possibilidade de retomada de uma tradição de pesquisa

abandonada. “Quando rejeitamos uma tradição de pesquisa estamos meramente decidindo não

utilizá-la naquele momento, pois há uma alternativa que provou ser uma melhor

solucionadora de problemas” (Laudan, 1977, p. 83). Nada impede que uma tradição de

pesquisa seja retomada, seus pressupostos orientem novas teorias e novos pressupostos sejam

incorporados à sua estrutura.

A tese de Laudan, assim como as teses de Kuhn e Lakatos, se apoiaram, sobretudo, na

história da física. No contexto da biologia, o darwinismo tem sido o principal exemplo de

macro-teoria discutido em filosofia da ciência. Além de teorias específicas, o darwinismo

forneceu uma nova visão dos fenômenos biológicos, rompendo, em muitos aspectos, com a

biologia pré-darwiniana (Ruse, 1999; Bowler, 2005). Mesmo Popper reconheceu a

necessidade de ir além de conjecturas e refutações para compreender o progresso da biologia

evolucionária, afirmando “que o darwinismo não é um programa de pesquisa testável, mas um

programa metafísico de pesquisa — uma estrutura possível para teorias testáveis” (Popper,

1974, p. 134).

No campo da teoria da ciência propriamente dita, as propostas de Griesemer (2000b;

2002), Wimsatt (1972), Kaufmann (1998) e Winther (2006) fazem uma importante

contribuição. A partir da análise da história e da estrutura das ciências biológicas, eles

defenderam que as explicações em biologia são guiadas por perspectivas teóricas. A definição

de perspectiva teórica, em geral, se assemelha à definição de tradição de pesquisa. Griesemer,

por exemplo, diz que “perspectivas teóricas coordenam modelos e fenômeno através de

compromissos que os pesquisadores assumem ao construir modelos em termos de categorias

particulares [...] e ao julgar a adequação entre fenômeno e modelo [...]” (2000, p. 97).4 No

entanto, um ponto fundamental para o contexto da biologia é acrescentado pela noção de

perspectiva teórica. Em biologia, é necessário dividir os sistemas vivos em partes, destrinchar

ontologicamente o organismo para poder investigá-lo. No entanto, os sistemas biológicos,

Introdução

– 11 –

4 Griesemer descreve o weismannismo como a perspectiva teórica hegemônica no estudo da hereditariedade, do desenvolvimento e da evolução durante biologia século XX. Em muitos aspectos, o weismannismo como definido por Griesemer coincide com o que defino como preformacionismo no século XX.

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enquanto sistema hierárquicos, dinâmicos e funcionais, podem ser divididos de muitas

maneiras diferentes. A anatomia comparada, por exemplo, divide o sistema vivo em entidades

estruturais no nível de órgãos e tecidos. Por outro lado, a embriologia, embora também focada

nos órgãos e tecidos, divide o sistema em processos e não em unidades estruturais, pois seu

interesse está voltado para a constituição do sistema (organogênese). Portanto, uma

perspectiva teórica também define as partes e o nível de sua análise. Ela “implica ou sugere

os critérios para identificação e individualização das partes, gerando assim uma decomposição

do sistema em partes” (Wimsatt, 1972 , p.70).5

A partir desta discussão sobre o papel e a natureza de macro-teorias no

desenvolvimento da ciência, é possível apreciar de maneira mais rigorosa a proposta de que a

epigênese e a preformação são perspectivas teóricas ou tradições de pesquisa. Entendo com

isso que elas são arcabouços teóricos que possuem uma dinâmica histórica interna e uma

dinâmica histórica entre elas. Internamente, epigênese e preformação transformaram seus

pressupostos ontológicos e metodológicos e, principalmente, transformaram as teorias que as

constituíam. Externamente, elas se alternaram enquanto tradição de pesquisa hegemônica para

a teorização de fenômenos em um determinado nível dos sistemas vivos — a geração da

forma.

Portando, repetindo a interpretação proposta neste trabalho, preformação e epigênese

são tradições de pesquisa que definem diretrizes ontológicas e metodológicas para a

investigação da geração dos seres vivos. Assim como o atomismo, o mecanicismo ou o

vitalismo, a preformação e a epigênese são macro-teorias de longa duração, linhagens de

perspectivas teóricas concatenadas histórica e conceitualmente. A falácia da conciliação

genética apóia-se, em parte, em não reconhecer o caráter ontológico e macro-teórico do

conflito entre preformação e epigênese.6

Introdução

– 12 –

5 A antiguidade desta decomposição ontológica dos seres vivos revela-se na obra de Aristóteles. Em A reprodução dos

animais, Aristóteles assume uma perspectiva embriológica, enquanto que em As partes dos animais ele assume uma perspectiva anatômica.

6 É conveniente salientar que a abordagem será internalista, isto é, estarei preocupado com a racionalidade interna das tradições de pesquisas. Uma abordagem externalista, interessada no contexto social em que as tradições de pesquisas se desenrolaram, também seria relevante. De fato, valores externos aos valores cognitivos da ciência, provavelmente, nunca foram tão fortes quanto nas ciências biológicas contemporâneas. Contudo, limitarei-me a discutir fatores internos. Para uma abordagem de ambos os aspectos ver Leite (2007).

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Preformação: além do homúnculo

Retorno às citações de Monod e Gould transcritas no início desta introdução. Elas

opõem a genética molecular a uma das mais famosas polêmicas da história da ciência — a

disputa entre preformacionistas e epigenesistas no século XVIII. Preformacionistas, como,

por exemplo, Leibniz, Haller e Bonnet, argumentavam que nos ovos ou espermatozóides

preexistiam animais minúsculos e a aparente geração dos seres vivos era, na verdade, apenas

o crescimento de seres preformados. Por outro lado, epigenesistas, como, por exemplo,

Harvey e Wolff, defendiam que os seres eram produzidos de novo e gradualmente a cada

geração. A disputa, embora não se restrinja ao período moderno, se tornou particularmente

importante com o surgimento do mecanicismo, pois as teorias preformacionistas pareciam a

única explicação possível do desenvolvimento por causas mecânicas.

No entanto, é adequado contrapor os resultados da genética molecular ao debate do

século XVIII? O objetivo do primeiro capítulo é mostrar que não. A disputa entre

preformação e epigênese não se reduz à polêmica do século XVIII. Principalmente, não se

reduz à disputa homúnculo vs vitalismo.7 A história da preformação e da epigênese precede e

ultrapassa o século XVIII. De Aristóteles a Monod, o problema da geração orgânica esteve no

centro das discussões filosóficas e científicas. Comparar o programa genético à disputa do

século XVIII é inadequado. É erguer um falso problema, um homem de palha a ser derrotado

com um simples golpe.

Se o programa genético, ao invés de comparado ao homúnculo de Hartsoecker ou ao

vitalismo de Joseph Needham, for comparado, por exemplo, ao preformacionismo de

Weismann e Roux, a conclusão de que o século XX obteve uma conciliação da disputa através

da genética torna-se muito menos óbvia. No fim do século XIX e início do século XX, a

disputa entre preformacionistas e epigenesistas obteve um novo fôlego (Weismann, 1893;

Hertwig, 1896; Wilson, 1900; Maienschein, 1986; Fischer, 2002). De um lado, as teorias neo-

preformacionistas de Weismann e Roux defendiam que o desenvolvimento procedia como um

mosaico, onde o destino de cada célula do embrião estava internamente determinado. O

desenvolvimento transcorria independentemente do contexto, auto-determinado na estrutura

da primeira célula. Por outro lado, as teorias neo-epigenéticas de Hertwig e Driesch

Introdução

– 13 –

7 Gould (1999) claramente tinha consciência do fato.

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encaravam o desenvolvimento como um diálogo entre as células e seu contexto ambiental e

embrionário. O desenvolvimento procedia em constante regulação.

No segundo capítulo, mostrarei como o debate entre preformação e epigênese, no

contexto da embriologia experimental, contribuiu para o surgimento da genética. Nas

primeiras décadas do século XX, a teoria do gene, formulada pelo ex-epigenetisista T. H.

Morgan, se apoiou na interpretação neo-preformacionista do desenvolvimento. A geração da

forma foi tratada como a manifestação de partículas hereditárias localizadas nos cromossomos

e capazes de determinar as características do organismo.

Ao estudar como as características dos organismos dependiam da transmissão dos

genes, deixando de lado como eles exerciam seus efeitos, a teoria do gene separou e redefiniu

a hereditariedade e o desenvolvimento. A hereditariedade, até então, sempre fora um

problema desenvolvimental. Explicar como uma característica era herdada significava

explicar como o descendente desenvolvia-a novamente. De fato, todos os fenômenos

geracionais — desenvolvimento, hereditariedade, regeneração, reprodução, crescimento, etc.

— eram tratados de maneira unificada. As teorias propostas para explicar como um ovo se

desenvolvia em uma galinha deviam dar conta também de explicar como o filho se parecia

com o pai (ou às vezes com o avô) e também como uma estrela-do-mar era capaz de regenerar

seu braço (e um homem não). A bifurcação entre a embriologia e a genética, tão óbvia para o

biólogo contemporâneo, ocorreu quando a teoria do gene passou a encarar a hereditariedade e

o desenvolvimento como fenômenos distintos. A hereditariedade, antes um fenômeno

desenvolvimental, foi tratada como a transmissão de um material hereditário e o

desenvolvimento redefinido como a manifestação do potencial contido neste material.

A teoria do gene criou o paradoxo de Lillie, cuja solução teve de esperar a genética

molecular. Somente quando a biologia molecular possibilitou a criação de modelos de

ativação diferencial programada foi possível explicar como genes idênticos em todas as

células eram capazes de controlar o desenvolvimento. Contudo, a solução do paradoxo de

Lillie não livrou a genética molecular da sua herança preformacionista. A proposta de um

programa genético não conciliou a preformação e a epigênese. A resposta para a pergunta feita

dentro do paradigma do desenvolvimento como expressão gênica diferencial, continuou,

inevitavelmente, sendo uma resposta preformacionista.

Introdução

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Epigênese: além do programa genético

O primeiro objetivo deste trabalho é mostrar que, historicamente, a tese da conciliação

genética é inadequada. A genética, antes do que um acordo, é uma vitória da preformação

sobre a epigênese. O segundo objetivo é mostrar que, conceitualmente, a genética molecular

ainda é preformacionista e que uma perspectiva epigenética dos processos hereditários e

desenvolvimentais, como proposta pela PSD, é coerente frente à biologia molecular

contemporânea.

O preformacionismo moderno da genética pode ser identificado em quatro princípios:

(i) a hereditariedade é causada pela transmissão genetica; (ii) a forma é determinada pela ação

interna dos genes; (iii) o processo de herança é restrito à transmissão dos genes; e (iv) o

desenvolvimento é um processo programado.

O terceiro capítulo pretende mostrar como estes quatro princípios, presentes na

genética molecular clássica, são enfraquecidos no contexto da biologia molecular pós-

genômica. Os resultados obtidos com a aplicação das tecnologias da biologia molecular em

organismos eucariontes — principalmente em animais –, revelaram uma imagem muito

diferente daquela obtida anos antes com Escherichia coli. Os mecanismos de regulação e

expressão gênica em bactérias se mostraram muito mais simples do que nos demais

organismos. O lema pasteuriano dos anos 60 — o que vale para E. coli vale também para o

elefante — foi negado pelo avanço da própria biologia molecular.

A complexidade encontrada no genoma de organismos como leveduras, plantas,

insetos e mamíferos colocou a própria noção de gene em questão. Quanto mais se investigou

o gene molecular, mais difícil se tornou identificá-lo (Beurton, Falk et al., 2000). Exemplos

como genes sobrepostos, pseudogenes, genes móveis, mecanismos reguladores complexos e

tantos outros dados empíricos colocaram em discussão os pressupostos epistemológicos da

genética (Portin, 1993). Atualmente, é bastante difundida a crença entre filósofos da biologia

de que a genética clássica não pode ser reduzida à genética molecular e de que a noção de

gene molecular que emergiu em meados do século XX não é suficiente para lidar com a

complexidade encontrada pela genômica do século XXI (Falk, 2000). Várias definições

alternativas da noção de gene foram propostas. Defenderei a proposta de que o gene deve ser

definido como um processo molecular que produz uma molécula funcional (Neumann-Held,

1999; Griesemer, 2000b; Dupré, 2004; Griffiths e Stotz, 2006). Desta forma, a noção de

Introdução

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expressão gênica é substitída pela de constituição gênica durante um processo de epigênese

molecular (Burian, 2004; Robert, 2004a).

A disseminação (ou dissolução) da biologia molecular em outras áreas da biologia

também contribuiu para aumentar a complexidade empírica e teórica dos conceitos de

hereditariedade e desenvolvimento. A utilização das técnicas e conceitos da biologia

molecular para responder questões embriológicas revolucionou a biologia do

desenvolvimento. Porém, antes do que a confirmação do programa genético, a biologia do

desenvolvimento levou a um novo enfoque das pesquisas moleculares. O foco voltou-se para

a célula, não mais exclusivamente para o DNA (Morange, 1997; Hall, 2001). Apesar de toda

retórica genômica, o DNA e a expressão gênica se mostraram altamente intricados ao

contexto celular e intercelular.

Somado à contextualização e redefinição do gene proporcionada pela biologia

contemporânea, ocorreu a descoberta (ou, às vezes, revalorização) de novos mecanismos

hereditários. Por exemplo, além da molécula de DNA em si, a herança genética se mostrou

dependente da estrutura tridimensional do cromossomo e de alterações químicas. Gradientes

de proteínas e RNAs citoplasmáticos também se mostraram fundamentais. A reconsideração

de eventos ocorridos durante a ontogênese (p. ex. ação hormonal, a aquisição de simbiontes,

pressões morfodinâmicas, etc.) ampliou o conceito de hereditariedade de forma a englobar

fenômenos desenvolvimentais.

Estes problemas conceituais levantados pela biologia contemporânea, somados a uma

longa tradição de insatisfação com conceitos como instinto e caracteres inatos, forneceram as

motivações e o material para o surgimento da Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais

(PSD). Os argumentos da PSD que fazem com que a considere uma “nova epigênese” serão

discutidos em detalhes no quarto capítulo. Esquematicamente, os dividi em quatro princípios

antagônicos aos quatro princípios do preformacionismo genético acima citados:

(i) hereditariedade como re-produção: o desenvolvimento é um processo de re-reprodução

desenvolvimental. Os caracteres não são transmitidos, mas reconstruídos pelo

desenvolvimento; (ii) paridade e interdependência causal: não há um poder causal

centralizado ou dicotomizado. As causas do desenvolvimento não residem em uma classe

particular de entidades, mas está distribuída na interação de todos os recursos

desenvolvimentais. Todos os elementos e relações são considerados igualmente essenciais;

(iii) herança expandida: o fenômeno hereditário envolve muito mais do que os genes.

Introdução

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Engloba a ampla variedade de recursos que são passados de uma geração para outra, estando

assim disponíveis para a reconstrução do ciclo de vida do organismo. Um recurso pode ser,

por exemplo, uma seqüência de DNA, uma membrana, um gradiente citoplasmático, um

organismo simbionte ou um ninho; e (iv) ciclos de contingências: todos os recursos

desenvolvimentais que contribuem para a reconstrução de um novo ciclo de vida se repetem

de forma contingente, não-programada.

Figura 1. Conflito de tradições de pesquisa: Preformação e epigênese são entendidas como duas tradições de pesquisa que se transformam e se alternam historicamente. Cada período pode ser nomeado de acordo com perspectiva teórica hegemônica que o caracterizou. Note que períodos de crise, sem hegemonia, precedem a troca de tradição de pesquisa.

O prefácio de um influente livro-texto de biologia do desenvolvimento começa assim:

“A biologia do desenvolvimento está no centro de toda biologia. Ela trata do processo pelo

qual os genes do óvulo fecundado controlam o comportamento das células no embrião e,

desse modo, determinam o seu padrão, a sua forma e muito do seu comportamento” (Wolpert

et al., 1998). Este trabalho, em suma, pretende deixar claro que este modelo do

desenvolvimento como expressão diferencial dos genes é uma herança da redefinição do

desenvolvimento a partir de um modelo preformacionista. Principalmente, pretende mostrar

que esta redefinição é limitante. Explicar o desenvolvimento não é explicar o papel dos genes

no desenvolvimento. Explicar o desenvolvimento é entender um sistema de fatores que

interagem em diferentes níveis dos processos de morfogênese e diferenciação. Acredito que

expondo e desconstruindo o preformacionismo sutil da genética molecular clássica e o

Introdução

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substituindo por um modelo estritamente epigenético, que considere o caráter sistêmico,

hierárquico e contingente do desenvolvimento, obtem-se uma maneira mais adequada de

teorizar a constância e a transformação dos seres vivos.

Introdução

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Preformação e epigênese

O embriologista alemão Oskar Hertwig (1849–1922) publicou, em 1894, um livro

intitulado O problema biológico do nosso tempo: preformação ou epigênese?8 À primeira

vista, o título é estranhamente anacrônico. Afinal de contas, a disputa entre preformacionistas

e epigenesistas havia marcado as ciências da vida no século XVIII e parecia ter sido decidida

a favor dos últimos ao longo do século XIX. A embriologia descritiva, principalmente a

tradição alemã, havia revolucionado a embriologia na primeira metade do século. Amparada

nas novas técnicas de microscopia e liderada por Christian Pander (1794–1865), Ernest von

Baer (1792–1876) e Heinrich Rathke (1793–1860), a nova embriologia alemã havia descrito

detalhadamente a estrutura do embrião. O minucioso exame de ovos de vertebrados

identificou as três camadas germinativas — ectoderma, mesoderma e endoderma –, os arcos

faringeais, a notocorda, os somitos e demais estruturas histológicas do embrião. Fenômenos

morfogenéticos como a gastrulação e a neurulação também foram descritos. Von Baer havia

encontrado o óvulo dos mamíferos, confirmando o aforismo de Harvey, há muito perseguido

— ex ova omnia — todo ser vivo nasce de um ovo.

Ao mesmo tempo, eram dados os primeiros passos em direção à teoria celular

(Churchill, 1994). Entre 1838 e 1839, os alemães Theodor Schwann (1810–1882) e Mathias

Schleiden (1804–1881) havia defendido que as plantas e os animais eram formados por

células e, na década de 1850, Robert Remak (1815–1865) e Rudolf Virchow (1821–1902)

havia afirmado que toda célula se origina de uma célula preexistente. A afirmação da teoria

– 19 –

8 Originalmente: Zeit- und Streitfragen der Biologie. Vol 1. Präformation oder Epigenese? Grundzüge einer Entwicklungstheorie der Organismen, Jena: Gustav Fisher, 1894.

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celular levou à exploração da divisão celular. De um lado, os cientistas passaram a vasculhar

minuciosamente a estrutura intracelular, em especial o núcleo, dando origem à citologia. Do

outro, os cientistas passaram a investigar as relações intercelulares, levando a fisiologia

experimental ao nível celular (Maienschein, 1994). O mesmo ideal experimental da fisiologia

foi trazido para o estudo do desenvolvimento dos animais e permitiu que, no fim do século

XIX, a embriologia deixasse de ser apenas descritiva e se tornasse também experimental.

Portanto, o que Oskar Hertwig, colaborador e entusiasta da embriologia experimental,

queria dizer quando falava de preformação e epigênese em 1894? Estava claro que era algo

diferente da versão homúnculo vs. vitalismo pela qual o debate do século XVIII é famoso.

Como foi dito, era sabido, no fim do século XIX, que uma célula surgia apenas de outra célula

e que estas eram as responsáveis pela continuidade material entre uma geração e a outra; que

uma abordagem experimental dos processos fisiológicos é possível e eficaz; e que o embrião

originava-se pela formação e organização sucessiva de tecidos. Evidentemente, os cientistas

não buscavam mais explicar como o organismo surgia da matéria amorfa impulsionado por

algum princípio vital, nem de um minúsculo ser humano pré-delineado. Os cientistas

buscavam explicar como a forma surgia da divisão e diferenciação de uma célula inicial. A

pergunta estava deslocada para como as células em divisão se diferenciavam de maneira a

formar um novo organismo (Maienschein, 1991). Para esta pergunta, os cientistas deram

respostas preformacionista e epigenéticas no fim do século XIX.

O que se percebe ao afirmar que a explicação para o desenvolvimento de um

organismo por divisão e diferenciação celular pode ser rotulada de preformacionista ou

epigenética é que estes termos adquiriram significados bastantes diferentes no fim do século

XIX. Mas a mudança de significado não está restrita a este período. Como tem mostrado a

literatura recente sobre a história do debate (p. ex. Roger, 1971; Roe, 1981), este não foi o

único momento em que os significados dos termos se transformaram. Não apenas no fim do

século XIX, mas ao longo de diversos períodos, a disputa tomou formas distintas, tornando

difícil falarmos em um único debate. Por isso, defendo que a disputa entre preformação e

epigênese é melhor definida como um conflito de tradições de pesquisa. Desde Aristóteles,

passando por Descartes e Kant, o significado desta oposição se transformou, acompanhando a

ciência e a filosofia à sua volta

§1

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1.1 O antigo debate

Como muito do conhecimento ocidental, as teorias sobre o desenvolvimento também

possuem raízes na Grécia Antiga. Neste caso em particular, voltar à antiguidade é

especialmente esclarecedor, pois, segundo diversos historiadores (e.g. Roger, 1971; Radl,

1988), o problema já está bem definido no livro A reprodução dos animais, de Aristóteles

(384–322 A.C.). Neste livro, Aristóteles defende uma posição que viria a ser chamada na era

moderna de epigênese, opondo-a às teorias preformacionistas de Anaxágoras, Demócrito e

Empédocles.

A teoria aristotélica da geração dos seres vivos está fortemente ligada à sua

interpretação metafísica do mundo. Ela faz parte da discussão mais ampla da geração e da

corrupção dos seres. Aristóteles reconhecia quatro causas: formal, material, eficiente e final.

No caso dos seres vivos, o sêmen feminino (menstruum) contribuía com a causa material para

a geração do organismo, enquanto que o sêmen masculino contribuía com a causa formal.

Somadas à causa final ou telos da espécie e à causa eficiente propriamente dita, as quatro

causas cooperavam no processo de desenvolvimento do embrião. Aristóteles defendeu que

apenas a mãe contribuía materialmente para a geração, opondo-se às teorias dos antigos que

defendiam a dupla contribuição dos pais. E, principalmente, defendeu que o organismo não

está formado no ovo, nem são todas as partes formadas de uma só vez. O embrião, guiado

pelas causas formais e finais, desenvolvia-se epigeneticamente, gerando sucessivamente cada

órgão, um após o outro, primeiro o coração, depois os demais:

Ou todas as partes, como o coração, o pulmão, o fígado, o olho e todo o resto, se formam juntas, ou se formam em sucessão, como é dito no verso atribuído a Orfeu, que um animal se origina do mesmo modo que o tecer de uma rede. Que o primeiro não é o caso é claro aos próprios sentidos, pois a existência de algumas das partes é nitidamente visível no embrião, enquanto outras não o são (Aristóteles, 1994, p.131-132).

A defesa de uma perspectiva epigenética para o desenvolvimento em Aristóteles fica

bastante clara em seus textos — o embrião é gerado da matéria homogênea através de uma

sucessão gradual de formas. Contudo, o sentido em que as teorias combatidas por Aristóteles

podem ser chamadas de preformacionistas e, portanto, representam o início do antagonismo

com a epigênese, é mais sutil. As diferentes idéias criticadas em A reprodução dos animais

podem ser agrupadas, grosso modo, em dois conjuntos: (i) panspermia, a idéia de que os seres

são gerados como um agregado de partículas ou sementes existentes na naureza que

§1

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determinam as características próprias do ser; e (ii) pangênese, a idéia de que as partículas (ou

fluidos, no caso de Hipócrates) que geram os seres vivos provêm de todas as partes do corpo

dos pais e as características de cada partícula são determinadas de acordo com a parte da qual

ela é proveniente. Não serão abordados os detalhes das teorias citadas em A reprodução dos

animais, nem os argumentos de Aristóteles contra elas. Interessa apenas identificar os

elementos preformacionistas nelas contidas. O principal alvo aristotélico são as teorias

pangenéticas de inspiração hipocráticas defendidas por atomistas como Demócrito e

Empédocles (Smith, 2006). Hipócrates dizia que “a semente vem de todas as partes do corpo

do homem e da mulher para a formação de um ser humano e, caindo no útero da mulher, se

coagula” (Hipócrates, apud Castañeda, 1992, p.8). No caso de Anaxágoras, Aristóteles opôs-

se ao preformacionismo implicado pela idéia panspermática das homeomerias — a idéia de

que a matéria (ouro, osso, carne, etc.) se constitui de pequenas partes iguais a si mesmas. O

ouro é formado por pequenas partes de ouro e os ossos por pequeno ossos, etc. (Hegel, 1983).

Há, portanto, dois elementos preformacionistas na pangênese e na panspermia: (i) a

semente é heterogênea, havendo uma correspondência entre sua estrutura e as partes do

organismo.9 Como escreve Ramos (2004, p.107), “[a semente] é claramente heterogênea, ou

seja, composta por partes que apresentam diferentes atributos. Assim, há uma diferenciação

prévia ou uma preformação da semente anterior à concepção ou mistura dos líquidos”; (ii) a

geração ocorre de maneira imediata, como uma metamorfose. Não há a origem gradual e

sucessiva da forma.

O pensamento aristotélico exerceu grande influência durante a Idade Média e, nos dois

milênios posteriores à sua obra, a perspectiva epigenética do desenvolvimento prevaleceu.

Autores como Galeno, ainda na antiguidade, e Vesalius, já no século XVI, continuaram

tratando o problema da geração animal a partir das idéias aristotélicas de forma, matéria e

potencial e, mesmo após a Revolução Científica, o aristotelismo continuou a influenciar o

estudo da geração dos seres vivos.

William Harvey (1578–1657), por exemplo, o último grande embriologista

macroscopista, construiu sua obra dentro da tradição epigenética aristotélica. Harvey, mais

conhecido pela descrição do papel do coração na circulação sangüínea, cuja interpretação de

§1

– 22 –

9 “É disputado, no entanto, se o embrião é macho ou fêmea mesmo antes da distinção ser clara para os nossos sentidos, havendo adquirido esta diferença dentro da mãe ou antes. É dito por alguns, como por Anaxágoras e outros filósofos, que esta antítese existe desde o início no germe ou na semente” (Aristóteles, 1994, p.235).

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Descartes tanto contribuiu para aceitação do mecanicismo nos domínios da fisiologia,

publicou, no fim da sua vida, em 1651, um tratado embriológico chamado Anatomical

Exercises on the Generation of Animals. A obra é escrita como uma série de ensaios em que

compara as idéias de Aristóteles e de seu tutor, Fabricius de Aquapendente (1537–1619), às

suas próprias conclusões obtidas a partir da observação do desenvolvimento de animais.

Embora o tom geral da obra seja de divergência em relação tanto a Aristóteles quanto a

Fabricius, as divergências não implicam uma mudança de perspectiva. Harvey continuou

trabalhando dentro da tradição aristotélica, invocando mudanças qualitativas e substanciais e

apelando a uma teleologia interna, ou alma, para explicar o processo embriológico (Grene e

Depew, 2004). Alma, calor e sangue se misturavam na explicação da geração dos seres vivos.

E, assim como toda tradição aristotélica, Harvey continuou interpretando a geração como uma

sucessão de novas estruturas. Ele criou o termo epigênese10 para descrever a geração

“gradual, parte por parte” observada nos animais superiores:

A geração da galinha a partir do ovo é o resultado da epigênese [...] e todas as suas partes não são criadas simultaneamente, mas emergem em sua devida sucessão e ordem; é evidente, também, que sua forma é produzida simultaneamente ao seu crescimento e seu crescimento à sua forma; também que a geração de algumas partes sucede outras previamente existentes, das quais elas se tornam distintas (Harvey, 1952, [1651], p.412-413).

O período entre as obras de Aristóteles e Harvey caracteriza o antigo debate sobre a

interpretação da geração dos seres vivos. A tradição de pesquisa preformacionista neste

período é marcada pela idéia de formação simultânea (ou metamorfose, como definida e

aceita por Harvey para os animais inferiores). A preformação estava associada também à pré-

diferenciação das partes e à heterogeneidade do ovo, como postulado pelas teorias

pangenéticas e panspermáticas (Zirkle, 1946). Contudo, a tradição epigenética, entendida

como o processo de formação gradual dos seres vivos orientada por um telos, predominou

como explicação para a geração dos seres vivos até o surgimento do mecanicismo.

1.2 Preexistência e mecanicismo

A geração dos seres vivos, último refúgio do aristotelismo, não demorou a sucumbir

frente à imagem moderna do mundo que emergiu da ciência e da filosofia de Kepler, Galileu,

§1

– 23 –

10 Aristóteles empregou o termo epiginomai.

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Bacon e Descartes. A nova ciência entrou em conflito com a metafísica aristotélica,

fundamentada em causas formais e finais, e demandou uma nova concepção da natureza dos

seres vivos. A ciência natural e sua leis deveriam se basear apenas em causas eficientes

(Westfall, 1977). Os seres vivos haviam tornado-se máquinas, bêtes-machines, autômatos,

cujas ações eram conseqüência do funcionamento da sua própria estrutura. O funcionamento

estava dissociada da alma e devia ser explicado pelo simples movimento da matéria no

espaço.

René Descartes (1596–1650) empregou a mecânica corpuscular em seu Traité de

l’homme (1633) para explicar fenômenos fisiológicos como o movimento, a digestão e as

sensações. Mas foi apenas por volta de 1650, mesmo período em que Harvey publicava suas

idéias sobre a geração, que Descartes se arriscou a explicar a geração dos seres vivos em

termos mecânicos. Em um complemento postumamente adicionado à segunda edição de La

description du corps humain (1647), intitulado De la formation d’animal (1648), Descartes

propôs uma teoria epigenética da geração dos seres vivos baseada simplesmente no

movimento das partículas seminais:

[A semente] sendo muito fluida e produzida originalmente pela conjunção dos dois sexos, parece ser apenas uma mistura confusa de dois líquidos, que, servindo de fermento um para o outro, se aquecem de maneira que algumas de suas partículas, adquirindo a mesma agitação que tem o fogo, se dilatam e empurram as outras, e, dessa maneira, as colocam pouco a pouco do modo que se exige para formar os membros (Descartes apud Castañeda, 1992, p.99).

A proposta cartesiana de uma epigênese mecânica não encontrou aceitação. A idéia de

que os organismos poderiam surgir do simples movimento da matéria passiva era implausível.

Duas máquinas não podiam gerar uma terceira. A ontologia mecanicista parecia encontrar seu

limite na explicação da geração dos seres vivos. Ela era adequada para explicar a fisiologia e

o crescimento dos organismos, mas era incapaz de explicar como a matéria passiva poderia

gerá-los (Roger, 1971). O padre cartesiano Nicolas Malebranche expressou esta visão de

maneira clara: “O vago esboço fornecido por este filósofo [Descartes] pode nos ajudar a

entender como as leis do movimento são suficientes para efetuar o crescimento gradual das

partes de um animal. Mas que estas leis possam formar e unir estas partes é algo que ninguém

jamais provará” (Malebranche apud Roe, 1981, p.5).

O modo de assimilar o problema da geração dos seres vivos à ontologia mecanicista

foi, justamente, negar a ocorrência da geração, isto é, afirmar que todos os seres preexistem e

§1

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apenas crescem. O que se percebe como geração é, na verdade, o crescimento de uma

estrutura preexistente. Todos os seres haviam sido criados por Deus e colocados uns dentro

dos outros, como bonecas russas. Esta idéia recebeu o nome de encaixotamento

(emboîtement). Sua primeira formulação clara foi feita por Malebranche:

Podemos dizer que todas as plantas estão em suas sementes, numa forma menor. Examinando uma semente de tulipa11 com uma simples lupa, ou mesmo a olho nu, descobrimos muito facilmente as diferentes partes de uma tulipa. Não parece absurdo dizermos que há árvores infinitas dentro de uma única semente, pois a semente contém não apenas a árvore, mas também sua semente, ou seja, outra semente, e a natureza apenas faz estas pequenas árvores se desenvolverem12. Também podemos pensar desta maneira sobre os animais. Podemos ver na gema de um ovo fresco, ainda não incubado, um pequeno pinto talvez inteiramente formado. Podemos ver sapos dentro dos ovos de sapos. E ainda outros animais serão vistos em seu sêmen, quando tivermos suficiente habilidade e experiência para descobri-los [...] Talvez todos os corpos dos homens e animais nascidos até o final dos tempos foram criados na criação do mundo, ou seja, as fêmeas dos primeiros animais talvez foram criadas contendo todos os animais da mesma espécie, que procriaram e procriarão no futuro. (Malebranche apud Pyle, 2006, p.205-206)

A alternativa assumida pela idéia de encaixotamento de não buscar desvendar a

origem dos seres, de certa modo, antecipa a perspectiva cosmológica do mecanicismo de

Boyle e Newton. Enquanto o mecanicismo ateu dos epicuristas e cartesianos buscava explicar

a origem do cosmos (e também dos seres vivos) pelas leis do movimento, o dinamismo

newtoniano atribuía a formação do universo e o estabelecimento das leis que o regem à obra

do criador. Deus havia criado as leis da natureza, o universo e o posto a funcionar em infinita

harmonia. A tradição dinamista havia optado por não perguntar suas origens. Deus era a

“Primeira Causa Eficiente” do mundo (Burtt, 1991). Cabia ao homem apenas desvendar o seu

funcionamento (Rossi, 1992). Uma postura em tudo semelhante existe na idéia de

encaixotamento. Deus havia criado todas as espécies e colocado no ventre de cada uma todos

os indivíduos que viriam a nascer. Não havia razão em explicar a geração dos seres. Os seres

apenas se desenvolviam, ou seja, saiam dos seus invólucros e cresciam segundo as leis da

fisiologia mecânica (Roger, 1971).

As teorias da preexistência, inicialmente, tomaram uma forma ovista — o

encaixotamento ocorria nos ovos (idéia que foi fortalecida pela descoberta da existência de

ovos vivíparos). A preexistência espermista se iniciou com a descoberta dos espermatozóides

§1

– 25 –

11 Malembranche provavelmente se referia a um bulbo de tulipa.

12 No sentido preformacionista antigo do termo – desenrolar, sair de um invólucro.

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por Antoni van Leeuwenhoek (1632–1723). As novas observações realizadas com a

introdução do microscópio, das quais se destacam os trabalhos de Marcelo Malphighi (1628–

1694) e Jan Swammerdam (1637–1680) forneceram mais suporte para os argumentos de que

os rudimentos do embrião podiam ser observados em ovos e sementes. Isto pode parecer

contraditório, mas ressalta a tese de que conceito de preexistência não surge simplesmente de

evidências observacionais. Ele está estreitamente associado ao fortalecimento do

mecanicismo corpuscular, a visão de que a matéria é passiva e infinitivamente divisível e de

que Deus produziu as leis do movimento, colocou a máquina do mundo para funcionar, sem

interferir mais em seu funcionamento (Roger, 1971).

Figura 2. Homúnculo: A representação do homúnculo de Hartsoecker , de 1674, ícone da teoria da preexistência.

Antes de prosseguir, cabem alguns esclarecimentos sobre o vocabulário relacionado

aos conceitos discutidos. O termo preexistência tem sido utilizado seguindo a importante

distinção introduzida por Jaques Roger (1971), hoje amplamente adotada pelos historiadores

da biologia, entre preexistência e preformação. Roger reserva o termo preexistência para se

referir à idéia de encaixotamento, ou seja, a idéia de que existe um pequeno ser dentro do ovo

e dentro deste existe outro ser e assim por diante, como infinitas caixas dentro de caixas. O

termo preformação é empregado para se referir às teorias que postulam a formação

instantânea do embrião, seja ela no interior dos pais ou no momento da fertilização. A

distinção entre preexistência e preformação é fundamental, pois refere-se à ocorrência ou não

de geração dos seres vivos. No caso da preexistência, não há geração, ou melhor, há uma

única geração — a criação e o encaixotamento de todos os seres por Deus. No caso da

preformação, ocorre geração ou, como sugere Wilkie (1968), pré-geração. O significado

§1

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atribuído ao termo preformação por Roger é semelhante ao conceito de metamorfose,13 como

definido por Peter Bowler (1971) e já mencionado em relação à obra de Harvey. Tanto na

metamorfose quanto na epigênese (e ao contrário da preexistência) ocorre nova formação. A

diferença está no caráter simultâneo da geração das estruturas na metamorfose, enquanto que

na epigênese há a origem gradual e seqüencial do embrião. Portanto, nos século XVII e XVIII

convivem dois modo preformação — preformação por preexistência (encaixotamento) e

preformação por metamorfose. Esta terminologia não corresponde à terminologia empregada

pelos autores do período, mas auxiliará, daqui em diante, a acompanhar a evolução das teorias

em questão.

Por volta da metade do século XVIII, a preexistência passou a ser questionada por

modelos que misturavam metamorfose, epigênese e, às vezes, vitalismo. As explicações

estritamente mecânicas, baseadas simplesmente no movimento de partículas, começaram a

perder lugar para as teorias inspiradas nas idéias de Isaac Newton (1642–1727). Forças

atrativas passaram a ser invocadas para explicar a fisiologia e a geração dos seres vivos (Roe,

1981). Novos dados observacionais, como a descrição da incrível capacidade de regeneração

e brotamento da hidra e a descoberta da imensa diversidade de microorganismos, também

alimentaram as novas teorias sobre a geração dos seres vivos.

Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698–1759), tradutor da obras de Newton para o

francês, propôs uma teoria da geração dos seres vivos baseada na dinâmica. Inspirado pela

incipiente química newtoniana (ver Mocellin, 2006), Maupertuis assumiu que micro-forças

agindo entre as partículas elementares eram responsáveis pela geração dos seres vivos. Ele

argumentou no livro Venus Física [publicado anonimamente em 1745 (Maupertuis, 2005)]

que estas forças atuavam na mistura dos fluidos seminais dos pais, fazendo com que as partes

afins se unissem. Posteriormente, Maupertuis concluiu que as forças atrativas não eram

suficientes e propôs que, de alguma forma, as partículas “lembravam” suas devidas

localizações.

As idéias de Maupertuis influenciaram seu conterrâneo George-Louis Leclerc, Conde

de Buffon (1707–1788), cujo desafio à preexistência teve grande impacto. A teoria de Buffon

foi publicada em 1749, no segundo volume da sua monumental Histoire naturelle, e se

baseava na distinção entre partículas orgânicas e inorgânicas:

§1

– 27 –

13 Wilkie (1967) propõe o termo hamagenesis para se referir ao mesmo conceito.

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Os animais e as plantas que podem se multiplicar por todas as suas partes são corpos organizados compostos por outros corpos orgânicos semelhantes, cujas partes primitivas e constituintes são também orgânicas e semelhantes [...] Existe na Natureza uma infinidade de pequenos seres organizados, em tudo similares aos grandes seres organizados que compõe o mundo. Este pequenos seres organizados são compostos de partes orgânicas vivas comuns aos animais e aos vegetais. Estas partes orgânicas são as partes primitivas e incorruptíveis e a união delas formam, aos nossos olhos, os seres organizados. Por conseqüência, a reprodução ou a geração não é mais do que uma mudança de forma que se faz e se opera apenas pela adição destas partes similares, como a destruição do ser organizado se faz pela divisão destas mesmas partes. (Buffon, 1984, p.174–175)

Segundo Buffon, ao se alimentar, o organismo assimilava as partículas orgânicas e as

distribuía pelo corpo. O sêmen era composto pelas partículas excedentes enviadas de todo o

corpo para o órgão reprodutor e o embrião era formado pela mistura das partículas nos

sêmens masculinos e femininos. Cada partícula representava a parte do corpo dos pais da qual

ela provinha. Restava explicar como as partículas se arranjavam de modo a dar forma ao

organismo. Maupertuis havia respondido esta questão propondo afinidades eletivas e uma

espécie de memória das partículas. Buffon atacou o problema com o conceito de molde

interior, em analogia aos moldes utilizados em esculturas:14 “Da mesma forma que podemos

fazer moldes pelos quais damos ao exterior dos corpos tais formas, suponhamos que a

natureza possa fazer moldes pelos quais ela não faz somente a forma externa, mas também a

forma interna; não seria por esse meio que a reprodução poderia operar?” (Buffon, 1984

[1749-1789]) Cada espécie possuía um molde interior característico, o que garantia a

continuidade da espécie e dava suporte à idéia de Buffon de que os animais deveriam ser

agrupados em espécies como populações históricas ligadas pelo processo de reprodução15. Ao

molde interior, Buffon acrescentou a ação de forças penetrantes, responsáveis pela adesão das

partículas umas às outras.

As forças, a memória e o molde postulados por Maupertuis e Buffon tinham como

finalidade resolver o que Roe (1981) chamou de “o problema da fonte de organização”. A

preexistência havia resolvido este problema apelando para a única alternativa mecanicista que

lhe parecia plausível — a pré-delineação e o encaixotamento do embrião. Apesar de não

ocasionalista, esta explicação se apoiava em uma criação divina inicial, o que era inaceitável

§1

– 28 –

14 A metáfora do artista, em especial a do escultor, é recorrente nas teorias sobre a geração dos seres vivos, sendo encontrada também em Aristóteles, Descartes e Harvey.

15 Buffon aceitava um transformismo restrito, causado pela degeneração do molde-corpo por influências do ambiente.

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para os materialistas franceses. Por outro lado, as teorias de Buffon e Maupertuis não

representavam uma posição verdadeiramente epigenética, como alegada pelos próprios

autores e também pelos seus críticos. Combater as teorias da preexistência não fazia das

teorias de Buffon e Maupertuis teorias epigenéticas. Por exemplo, a idéia básica da epigênese

de que a forma é gerada por uma sucessão de transformações é contradita por Buffon: “Eu

abri uma grande quantidade de ovos antes e depois da incubação, e estou convencido pelos

meus olhos que a galinha existe inteira no meio da cicatrícula no momento que sai do corpo

da galinha”. A teoria de Buffon, na verdade, reúne elementos de pangênese e metamorfose,

além da preexistência dos moldes, que parece representar o que Kant depois chamaria de

preformacionismo genérico, ou seja, uma preexistência no nível específico, mas não

individual. Em Maupertuis, também encontramos elementos preformacionistas pangenéticos

na forma de predeterminação das partes que formarão o corpo: “Que haja em cada uma das

sementes partes destinadas a formar o coração, a cabeça, as entranhas, os braços, as pernas e

que estas partes tenham, cada uma, maior afinidade de união com aquela que, para formação

animal, deve ser sua vizinha do que com qualquer outra” (Maupertuis, 2005 [1744], p.135).

Tampouco, apesar do entusiasmo e da importância destes autores para introdução do

newtonismo na Europa continental, é possivel considerar os moldes ou a memória coerentes

com a metafísica mecanicista, mesmo na versão dinamista newtoniana. O conceito de

memória proposto por Maupertuis, por exemplo, parece representar a transição da imagem de

natureza-máquina para a imagem de natureza-organismo do fim do século XVIII, quando

metáforas e princípios explicativos como sensibilidade, irritabilidade e memória foram

retirados do domínio dos seres vivos e atribuídos à matéria (Abrantes, 1996).

A postura crítica que adotei em relação ao mecanicismo epigenético de Buffon e

Maupertuis é coerente com a interpretação de que o debate entre preformação e epigênese é,

na verdade, um conflito entre tradições de pesquisa. A conclusão que sou inclinado a aceitar é

que as críticas e alternativas propostas por Buffon e Maupertuis às teorias da preexistência

ocorreram internamente à tradição preformacionista. Elas não romperam com os principais

pressupostos ontológicos do preformacionismo. Como será discutido mais adiante, a

alternativa de Maupertuis e Buffon possui semelhanças e, possivelmente, influências sobre o

preformacionismo dos séculos XIX e XX.

Como uma resposta às críticas dos materialistas franceses, as teorias da preexistência

alcançaram sua maior elaboração nas décadas seguintes com os suíços Albercht von Haller

§1

– 29 –

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(1708–1777) e Charles Bonnet (1720–1793). Haller, figura religiosa e poderosa no meio

científico, adotou três posturas distintas ao longo da sua vida acadêmica em relação à geração

dos seres vivos. Primeiro, quando ainda um jovem aluno, adotou a preexistência espermática;

na década de 1740, impressionado com as experiências de Trembley sobre a regeneração em

hidra, se converteu à epigênese; na década seguinte, após realizar suas próprias experiências

com ovos de galinha, se tornou definitivamente um defensor da perspectiva ovista: “[...] eu

estava inclinado a aceitar a formação gradual dos animais. Mas, desde então, observações

mais maduras [...] me trouxeram de volta para a evolução” (Haller, apud Pinto-Correia, 1999,

p.84). 16 As “observações mais maduras” de Haller mostraram-lhe evidências de que todas as

partes da galinha existiam no ovo não-fertilizado e que elas cresciam pelo fluxo de líquidos

bombeados pelo coração. Haller viu uma continuidade entre as membranas que envolvem a

gema e o intestino e a pele do futuro embrião. Como a gema já existia dentro da galinha, o

embrião já existia também, mas era pequeno e translúcido demais para ser percebido.

As idéias de Haller ecoaram em Charles Bonnet, famoso na juventude por ter

descoberto a partenogênese em pulgões e estudado a regeneração em vermes. Em

Considerations sur les corps organisés, de 1762, Bonnet propôs uma teoria ovista na qual

afirmava que “todos os corpos da mesma espécie estavam encapsulados uns dentro dos outros

e daí desenvolveram-se sucessivamente” (Bonnet apud Pinto-Correia, 1999). Para Bonnet, os

corpos não preexistiam como miniaturas pré-delineadas, mas como partes essenciais, que,

além de crescer, reposicionavam-se durante o desenvolvimento.

A historiografia da biologia, como aponta Gould (1999), tende a caricaturar as teorias

da preexistência, relacionando-as sempre a micrografia fantástica do início do século XVIII,

estigmatizada pela imagem do homúnculo no espermatozóide desenhado por Hartsoecker

(figura 2). A idéia de preexistência parecia fruto de anti-empiristas dogmáticos, para quem o

desenvolvimento envolvia apenas o aumento de miniaturas perfeitamente proporcionais. No

entanto, como dito acima, Haller, Bonnet e outros, como Lazzaro Spallanzani (1729–1799),

estudaram profundamente o desenvolvimento de embriões e sabiam que a forma complexa

§1

– 30 –

16 O termo evolução foi primeiramente utilizado por Haller em 1744 para se referir à preformação (Gould, 1977). Por volta de 1820, iniciou-se a confusão em torno do significado da palavra em biologia. O termo aparece com freqüência nas obras de “evolucionistas” do início do século XIX, como Geoffroy Saint-Hilaire e Charles Lyell, mas sempre no sentido literal – uma série de eventos conectados – ou no sentido preformacionista. O primeiro a utilizá-lo com o significado de transformismo foi Herbert Spencer, em seu ensaio de 1952, The Developmental Hypothesis

(1852). A palavra evolução não consta na primeira edição do Origem das espécies (1859) Seu uso no sentido preformacionista só foi abandonado no início do século XX (Burian, 2003).

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parecia surgir do ovo homogêneo. No entanto, eles alegavam que esta aparente epigênese era

ilusória e construíram seus argumentos em cima de suas observações, discutindo e rebatendo

as observações de seus oponentes. Respondiam afirmando que alguns órgãos eram

translúcidos, que órgãos distintos cresciam em taxas diferentes e não estavam

necessariamente no mesmo local no ovo, no embrião e no recém-nascido. De fato, a

sofisticação das teorias preexistencialistas da segunda metade do século XVIII torna tênue a

distinção entre elas e teorias como as de Maupertuis e Buffon (Huxley, 1879). A preexistência

dos germes era uma pré-delineação dos primórdios do indivíduo e não sua pré-delineação

completa. Um germe de galinha ampliado não seria reconhecido como uma galinha adulta

(Pinto-Correia, 1999). Ainda, Bonnet não aceitava um encaixotamento ad infinitum, aceitando

que, a partir de certo limite, os germes estariam livres na natureza. O debate, novamente,

mostra-se orientado por preceitos filosóficos. Em geral, as teorias da preexistência de Bonnet

e Haller estavam fortemente motivadas em preservar a idéia de harmonia da Criação dos

ataques iluministas, que atribuíam à matéria poderes formativos (Muller-Sieves, 1997). De

qualquer maneira, as semelhanças entre estas teorias e as teorias de Buffon e Maupertuis

reforçam a interpretação de que todas podem ser incorporadas à mesma tradição

preformacionista.

A preexistência dos germes enfrentou ainda uma última oposição antes do seu

abandono definitivo no século XIX — a reformulação das idéias de Harvey pelo alemão

Caspar Friedrich Wolff (1733–1794). Wolff propôs em sua Theoria generationis, de 1759, um

modelo para o desenvolvimento em plantas e animais que resgatava a ontologia da tradição

epigenética. Ao contrário das teorias de Buffon e Maupertuis, na teoria de Wolff não havia

relação alguma entre as partes do germe e o futuro ser vivo e a geração era um processo

gradual onde a formação de cada parte dependia causalmente da estrutura formada

anteriormente. A teoria se baseava em dois fatores: a capacidade de solidificação dos fluidos

orgânicos e a existência de uma força essencial — a vis essentialis. Wolff discordou da

interpretação de Haller (com quem manteve um longo debate) de que havia continuidade

entre a membrana que envolvia a gema dos ovos de galinha e o futuro intestino. Para Wolff, o

intestino se formava a partir de dobras de um tecido inteiramente novo, assim como o coração

e as veias que irrigavam a gema. As estruturas eram formadas de novo a cada geração pela

solidificação dos fluidos secretados pelos ovos e sementes. O processo ocorria como uma

§1

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seqüência ordenada, cada parte secretando a seguinte após a sua formação. O fluxo do fluido

produzia vasos, seu acúmulo produzia vesículas e assim por diante.

Todo este processo era guiado pela agência de uma força essencial. Inicialmente,

Wolff não explicou a natureza da vis essentialis. Ele simplesmente a propôs com bases no que

havia observado em plantas e animais e se esquivou em discutir sua natureza. Em

conseqüência, Haller o acusou de vitalista por invocar uma força oculta e misteriosa como a

causa da geração dos seres vivos. Apenas nos seus escritos posteriores, como discute Roe

(1979), Wolff tratou do problema. Após a publicação das idéias de Blumenbach, Wolff tratou

de desvincular sua Theoria generationis do vitalismo. Ao lidar com o problema da fonte de

organização e da natureza da força essencial, antes implicitamente resolvidos pela sua

natureza formativa e vitalista, Wolff não conferiu à vis essentialis o poder de formação dos

seres vivos. Ele a definiu simplesmente como uma força atrativa, semelhante à força da

gravidade, não como uma força vital. Ela era simplesmente uma força que movia fluidos e

nada mais (Roe, 1979).

O problema da fonte de organização recebeu outra solução. Wolff atribui a

organização específica dos seres vivos à qualidade da matéria que compunha a substância na

qual a força essencial atuava. A solidificação de diferentes substâncias gerava espécies

distintas. “Ao invés de extensão passiva, a matéria era vista por Wolff como algo que possuía

forma, qualidades, modos e atributos” (Roe, 1979, p.39). Assim, a forma da espécie passou a

depender da substância do germe. Embora o processo de desenvolvimento fosse efetuado pela

força essencial, a organização dependia da qualidade da matéria. “[T]rata-se de uma força

característica da natureza orgânica, mas que depende da estrutura orgânica

preexistente” (Duchesneau, 1999, p.67). Portanto, a obra de Wolff, embora verdadeiramente

epigenética, não pode ser considerada genuinamente mecanicista. Ao dotar a matéria com

qualidades alheias a ontologia mecanicista, ela não difere, essencialmente, das obras de

autores como Buffon e Maupertuis quanto à fonte de organização. A geração da organização

em Wolff dependia das propriedades específicas da matéria orgânica tanto quanto as teorias

anteriores dependiam da memória orgânica ou do molde interior (Bowler, 1989).

A obra de Wolff foi resgatada e valorizada pela embriologia descritiva no século

seguinte e muitos livros de história geral da biologia insistem em considerar Wolff o precursor

da embriologia moderna. No entanto, a valorização da obra de Wolff ocorreu, principalmente,

devido às descrições epigenéticas de suas observações — que em grande parte adequavam-se

§1

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à nova tradição de pesquisa hegemônica — e não devido à sua teoria da geração. A nova

tradição não se apoiou na substância do germe, mas na sua organização.

1.3 A epigênese teleológica

No fim do século XVIII, a tradição de pesquisa preformacionista cedeu lugar para a

tradição epigenética. Contudo, a epigênese não venceu como uma epigênese mecanicista. Ao

menos não como uma epigênese simplesmente mecanicista. Mesmo as versões dinamistas da

epigênese, inspiradas no newtonianismo e apoiadas por propriedades orgânicas atribuídas à

matéria, não haviam conseguido satisfazer o problema da origem da organização dos seres

vivos. A racionalidade mecanicista, nas suas diversas formas, continuava encontrando seu

limite na geração dos seres vivos. Por outro lado, as evidências e a filosofia do fim do Século

das Luzes tornaram a preexistência uma posição insustentável. A ênfase no caráter histórico e

não cíclico dos processos naturais, os conceitos de reprodução e hereditariedade, o cultivo de

híbridos, etc., tornaram inaceitável a idéia de que a geração dos seres vivos era o crescimento

de seres preexistentes. O desenvolvimento era inegavelmente um processo epigenético,

coubesse ou não dentro da ontologia mecanicista.

Um modo de resolver este dilema e conciliar o mecanicismo ao caráter eminentemente

epigenético do desenvolvimento foi proposto por Johann Friedrich Blumenbach (1752–1840)

e Immanuel Kant (1724–1804).17 Eles recriaram a ontologia da tradição epigenética,

descrevendo o desenvolvimento como um processo mecânico direcionado para um fim, um

teleomecanicismo ou materialismo vital, para usar as expressões de Lennoir (1982).

As idéias de Blumenbach foram expostas pela primeira vez no tratado Uber den

Bildungstrieb und das Zeugungsgeschäft. A obra é marcada por uma explícita rejeição do

preformacionismo e a proposta de uma teoria epigenética do desenvolvimento alternativa e

original em relação às teorias anteriores. Blumenbach, inicialmente simpático ao

preformacionismo ovista de Haller, foi impelido a mudar de convicções por evidências como

a constatação de que espécies diferentes hibridizavam, que o cruzamento entre raças humanas

distintas produziam descendentes com características de ambos os pais e, principalmente, por

suas próprias observações sobre a capacidade de regeneração da hidra. Contudo, Blumenbach

§1

– 33 –

17 Sobre o problema da geração em Blumenbach e Kant ver Lenoir (1980; 1989); Richards (2000); Look (2006) e Zammito (2003; 2006)

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não abandonou o marco central da epistemologia preformacionista de que causas mecânicas

não podiam responder pela origem da organização. Nem tampouco aceitou a imposição da

organização sobre a matéria orgânica por uma força exterior. Entre o reducionismo

mecanicista e o vitalismo, Blumenbach atribui a geração dos seres vivos a uma força

emergente, própria da organização primordial dos seres vivos, que ele chamou de

Bildungstrieb ou impulso formativo. “Ele supôs que a estruturação do organismo requer uma

força capaz de prefigurar a organização estrutural e funcional a ser realizada, uma força que

encarna um tipo de plano imanente e o realiza por adaptação às circunstâncias externas e

internas [...]” (Duchesneau, 1999, p.77-78)

A característica mais importante e original da Bildungstrieb era ser uma força vital

imanente da organização dos seres vivos. O impulso formativo era uma propriedade da

estrutura inicial como um todo. Uma propriedade emergente da organização viva e não uma

propriedade dos seus constituintes. Ela não existia separada da matéria, nem era explicada

pelos elementos que a constituíam (Richardson, 2000). Tampouco, era imposta de fora para

dentro da organização, como uma espécie de alma ou força vital. Ela dependia e imanava da

organização primordial. Nesse aspecto, ela se diferenciava das proposições anteriores como o

molde interior de Buffon ou a vis essencialis de Wolff.

Em a Crítica da faculdade de julgar, de 1790, Kant discute, no longo apêndice sobre a

metodologia do julgamento teleológico, o conceito de Bildungstrieb. Assim como

Blumenbach, Kant estava interessado no problema da origem da forma orgânica e também

aceitava, inicialmente, as idéias preformacionistas. Segundo argumenta Phillip Sloan (2002),

o Kant da Crítica da razão pura, influenciado pelas teorias preformacionistas que formavam

o contexto intelectual do período, ainda possuía um entendimento do processo de geração

mais próximo às idéias de Haller, Maupertuis e Buffon, do que da epigênese posteriormente

defendida na Crítica da faculdade de julgar.18 Embora Kant tenha escrito a expressão

“epigênese da razão pura” na segunda edição da Crítica da razão pura, tudo indica que Kant

tinha uma interpretação preformacionista das categorias a priori.

Na terceira crítica, Kant reavaliou suas idéias e propôs uma nova maneira de conceber

a geração orgânica. Ele discutiu duas posições em relação à formação dos seres vivos. A

primeira delas — o ocasionalismo — foi sumariamente rejeitada. Aceitar que cada ser era

§1

– 34 –

18 Ver também Müller-Sievers (1997) e Zammito (2003)

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gerado por uma intervenção dividida representava renunciar a toda razão mecanicista. A

segunda posição — o pré-estabelecimento das causas — foi divida em outras duas: (i) a

preformação individual, ou teoria da evolução, afirmava que o embrião era um eduto,19 isto é,

ele apenas se desenovelava; (ii) a preformação genérica, ou epigênese, afirmava que o

embrião era um produto, isto é, era re-produzido (Kant, , 1781 [1952]).

Kant preferiu a segundo opção. Negou que a geração dos seres vivos era apenas o

desenovelar de uma estrutura latente e defendeu que a geração era a produção real de um

novo ser vivo. Ao defender a epigênese, Kant afirmou que ninguém fez mais para estabelecer

sua realidade do que Blumenbach. Kant se apropriou do conceito de Bildungstrieb e o

reformulou como um princípio regulador. Os organismos, enquanto uma totalidade auto-

constituinte “em que tudo é fim e, reciprocamente, meio” (Kant, 1952), deviam ser tratados

como se eles fossem teleologicamente constituídos, como se o todo funcionasse para as partes,

como se houvesse uma finalidade guiando a geração da organização. A ciência estava livre de

responder como, por causas mecânicas, os organismos eram gerados. Por exemplo, era

possível, como um princípio regulador, presumir que o coração era gerado para realizar sua

função no todo — bombear o sangue para o corpo — e, então, investigar como este fim era

realizado. O fisiologista podia descobrir que a contração do coração expulsava o sangue de

seu interior para as artérias, que fluíam para o pulmão ou para o resto do corpo, etc., mas

jamais poderia vir a explicar como este coração era gerado em harmonia recíproca com o

todo.

A embriologia do início do século XIX se desenvolveu orientada pelo entendimento

teleológico e epigenético do processo embrionário. A nova embriologia aceitou que uma

explicação mecânica para o desenvolvimento não era possível (e neste aspecto concordavam

com as teorias preformacionistas). Nunca teríamos um Newton capaz de explicar

mecanicamente a geração de um talo de capim. A organização exigia uma explicação

teleológica. A geração devia ser entendida como um processo direcionado para um fim e

genericamente predeterminado pela organização. O organismo se desenvolvia guiado pela

adequação ao tipo. Como disse von Baer: “é auto-evidente que, embora cada passo do

desenvolvimento seja possibilitado pelo estado precedente, o curso total do desenvolvimento

é todavia regido e guiado pela natureza essencial do futuro organismo” (apud Russell, 1930).

§1

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19 Edukt, em alemão. A mesma palavra utilizada por Harvey (educt) para se referir à mesma idéia de preformação.

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Mas, uma vez aceito que o desenvolvimento era um fenômeno teleológico, era possível

descrevê-lo, investigar seu funcionamento e a variabilidade individual do tipo. Com o

teleomecanismo de Blumenbach e Kant, a despeito de qualquer mal-entendido recíproco20, o

problema da fonte de organização deixou de ser questionado (Roe, 1981).

A epigênese teleológica tomou uma dimensão ainda maior quando, influenciada pela

Naturphilosophen, surgiram teorias do desenvolvimento que passaram a explorar a

transformação da organização e a busca de simetrias e padrões entre tipos distintos (Guillo,

2003). O desenvolvimento individual passou a ser visto como parte do desenvolvimento de

todos os seres vivos. A mudança e o progresso se tornaram características inerentes aos seres

vivos. “Não apenas o desenvolvimento individual era visto como resultado de um poder

teleológico imanente, mas também a história da vida na Terra” (Roe, 1981, p.153).

Aceitar o desenvolvimento como um processo teleologicamente guiado a partir de

uma organização primordial teve grande valor estratégico. Liberada da necessidade de

resolver o problema da fonte de organização, a nova embriologia alemã descreveu de maneira

revolucionária a estrutura do embrião. A imagem do desenvolvimento que emergiu poucas

décadas mais tarde representava o embrião como um conjunto de células que se organizavam

em camadas germinativas, que se diferenciavam em tecidos, que migravam e se moviam

formando gradualmente cada órgão e cada parte do novo organismo. Um processo epigenético

como talvez nem Aristóteles, Harvey ou Wolff tivessem sonhado. Tudo indicava que o termo

preformação estava destinado à história da biologia. Mas, em 1894, Oskar Hertwig ainda

considerava o debate entre preformação e epigênese a grande questão da biologia

contemporânea.

§1

– 36 –

20 A Buildungstrieb, para Kant, tinha um papel meramente heurístico, regulativo, enquanto que para Blumenbach, tinha papel um constitutivo, era um princípio causal não-mecânico. Segundo Richards (2000), Kant e Blumenbach jamais perceberam estas diferenças.

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Determinação e regulação

Com o surgimento do darwinismo, a partir década de 1860, a embriologia adquiriu

uma nova meta: fornecer evidências para a reconstrução das relações de parentesco entre os

diversos grupos de organismos. A primeira geração de evolucionistas se concentrou,

sobretudo, na tarefa de elucidar a árvore da vida (Bowler, 1996). Cada grupo de ser vivo, de

microorganismos a plantas e animais, foi ligado um ao outro em uma imensa seqüência

genealógica. As semelhanças entre as diversas espécies, antes associadas à unidade do tipo,

passaram a ser tratadas como evidências de um ancestral comum. Os tipos da embriologia

morfológica se tornaram filos. Nesta corrida pela descoberta das relações filogenéticas, nem

sempre a anatomia fornecia dados inequívocos e suficientes, principalmente entre grupos

distantes evolutivamente. Nestes casos, o embrião se mostrou uma evidência preciosa. Como

já havia feito Étienne Geoffroy Saint-Hilaire (1772-1844), no início do século, a partir de uma

perspectiva pré-evolucionária, os evolucionistas empregaram a embriologia para poder

relacionar organismos tão distintos quanto moluscos, insetos e vertebrados. Acompanhando o

embrião, os cientistas descobriram homologias desenvolvimentais como, por exemplo, o

destino do blastóporo e a efêmera formação de arcos faringeais, que, por sua vez, permitiram

perceber, por exemplo, que os equinodermos e as ascídeas são mais aparentados aos

vertebrados do que aos demais invertebrados. O próprio Darwin havia afirmado que a

embriologia era “segunda para nenhuma outra evidência” da realidade da evolução (Darwin,

1959) e demonstrou, a partir da análise das larvas, que os cracas eram crustáceos e não

moluscos como se acreditava até então.

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Mas a embriologia não ficou restrita à prova mais importante da teoria da

descendência com modificação. A evolução ou (desenvolvimento da espécie, como era

comum dizer na época) foi interpretada por alguns autores como a causa do desenvolvimento

individual. A interpretação da evolução como agente causal do processo embrionário teve em

Ernst Haeckel (1834-1919) seu mais célebre defensor. Haeckel formulou, a partir da

interpretação das idéias de Darwin, Étienne Geoffroy Saint-Hilaire, Johann Friedrich Meckel

(1781- 1833) e Von Baer, sua “lei biogenética”, segundo a qual a ontogenia recapitula a

filogenia.21 Para Haeckel, os mecanismos responsáveis pela filogenia eram os mesmos

mecanismos que dirigiam a ontogenia. O que impulsionava o embrião era sua história

evolutiva (Nyhart, 1987). O desenvolvimento da espécie (filogenia) era o acúmulo do

desenvolvimento dos indivíduos (ontogenias).

Em 1874, o morfologista alemão Wilhelm His (1831-1904) expressou uma profunda

insatisfação com os excessos filogenéticos de Haeckel e a sua embriologia evolutiva (Gould,

1977; Maienschein, 1994). Segundo His, era necessário estudar a embriologia por si mesma.

Era preciso investigar as causas físico-químicas do desenvolvimento embrionário. “Não havia

necessidade de apelar ao passado histórico para uma explicação causal apropriada. [...] a

embriologia se basearia estritamente no estudo de processos desenvolvimentais ocorridos no

indivíduo e não em padrões evolutivos de mudança estrutural” (Maienschein, 1994, p.44).

Embora poucos pesquisadores tenham concordado com os mecanismos propostos por His

para explicar o desenvolvimento embrionário, muitos aceitaram seu convite para entrar no

labirinto das causas mecânicas. Para isso, fizeram da embriologia uma ciência experimental.

Apropriando-se da epistemologia da fisiologia, a nova embriologia rompeu com a tradição

estabelecida desde Kant e Blumenbach. O desenvolvimento deixava de ter um impulso, fosse

ele tipológico ou histórico. Ele deveria ser explicado mecanicamente e em referência ao

indivíduo a partir do método experimental.

§2

– 38 –

21 Haeckel foi um grande criador de termos, muitos esquecidos e alguns poucos célebres. Ontogenia e filogenia são termos criados por Haeckel para se referir ao que entende-se atualmente como os processos de desenvolvimento e evolução, respectivamente.

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2.1 Da morfogênese à diferenciação celular

A embriologia experimental surgiu no fim do século XIX, em um ambiente intelectual

muito diferente daquele em que havia sido construída a embriologia descritiva. O século XIX

produziu a maioria dos alicerces da biologia contemporânea: a teoria celular, a fisiologia

experimental, a microbiologia e a teoria da evolução. Portanto, para compreender como o

antagonismo preformação e epigênese renasceu reformulado dentro da estrutura teórica da

embriologia experimental, é necessário, primeiro, explorar alguns destes elementos que

transformaram a biologia do século XIX. A discussão limitar-se-á aos elementos que

influenciaram mais diretamente a embriologia. Mais especificamente, serão discutido três

elementos que re-configuraram o problema da morforgênese (a geração da forma) em termos

de diferenciação celular (as transformações que as células passam durante a ontogenia): (i) a

identificação da hereditariedade como um fenômeno biológico distinto; (ii) o

desenvolvimento da teoria celular entre as décadas de 1840 e 1880 e (iii) o conceito de

material hereditário.

2.1.1 Hereditariedade

É evidente que fenômenos hereditários eram conhecidos antes do século XIX. A

origem do conhecimento de que os seres vivos dão origem a seres semelhantes e de que filhos

se parecem aos pais é certamente tão antigo quanto a humanidade. A domesticação de plantas

e animais, há mais de dez mil anos, pressupõe este conhecimento. Da mesma forma, doenças

e anomalias hereditárias foram reportadas ao longo dos séculos. Contudo, a hereditariedade

não era reconhecida como um fenômeno distinto dos demais problemas da geração dos

organismos e assim permaneceu até o século XIX. Como visto no capítulo anterior, a

investigação da geração dos seres vivos não estava interessada em esclarecer como as

características dos pais eram passadas para os filhos. A pergunta era mais ampla. As teorias

diziam respeito à geração da forma. Perguntava-se se era possível ou não recriar os seres

vivos a cada geração. E, se possível, como? Na verdade, fenômenos hereditários, como, por

exemplo, a semelhança dos filhos com ambos os pais, foram usados como argumentos para

defender uma ou outra teoria da geração, mas não como um fenômeno a ser explicado por si.

Em geral, os pré-existencialistas negavam a realidade da hereditariedade, atribuindo as

semelhanças entre pais e filhos à ação do mesmo ambiente. Por outro lado, os epigenesistas

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alegavam que os fenômenos hereditários como, por exemplo, a manifestação de

características mistas em cruzamentos híbridos, eram evidências do caráter epigenético da

geração dos seres vivos (Terrall, 2007). A hereditariedade passou a ser reconhecida como um

domínio distinto dos demais domínios biológicos apenas no século XIX, tornando-se assim

acessível à análise (Müller-Wille e Rheinberger, 2007).

López-Beltran (1994; 2004; 2007) aponta a importância da comunidade médica

francesa no inicio do século XIX para a identificação de uma classe de fenômenos sobre a

égide do termo hereditariedade. O termo francês heredité (derivado do latim hereditas)

originalmente designava a transmissão de bens, títulos e propriedades de pais para filhos.

Antes do século XIX, o termo foi freqüentemente emprestado do contexto social e jurídico e

aplicado ao universo biológico, mas sempre na forma do adjetivo hereditário (p. ex. em

Maupertuis, Kant e Blumenbach). O termo qualificava a reaparição nos filhos de doenças,

anomalias e temperamentos dos pais, em expressões como, por exemplo, doença hereditária.

O substantivo hereditariedade foi introduzido pela comunidade médica francesa somente nas

primeiras décadas do século XIX. Mais do que uma mera mudança lingüística, a presença de

um substantivo indica a existência de uma coisa. A metáfora da hereditariedade havia sido

reificada como a causa comum subjacente a um conjunto de fenômenos biológicos (ver

também Pichot, 1999; Cobb, 2006).

A materialização da hereditariedade a partir dos estudos médicos contribuiu para a

discussão de outros temas de ordem mais geral. Na segunda metade do século XIX, o

conceito de hereditariedade passou a ser usado por naturalistas como um conceito explicativo

e adquiriu um papel central na explicação das relações taxonômicas e genealógicas (López-

Beltran, 2004). Em língua inglesa, o substantivo foi empregado pela primeira vez, no sentido

biológico, por Darwin e Spencer, na década de 1860, tanto o termo inglês inheritance quanto

o galicismo heredity (López-Beltran, 1994; Amundson, 2005).

A reificação da metáfora social como um fenômeno biológico — a hereditariedade —

implicou um novo tipo de causalidade no domínio da biologia. Jean Gayon (2000) faz uma

análise original de como a natureza desta causa foi concebida ao longo dos séculos XIX e

XX. As primeiras abordagens foram fenomenológicas. A hereditariedade foi concebida como

uma força conhecida apenas pelos seus efeitos, da mesma maneira que a força da gravidade.

A tentativa mais importante de quantificar a força hereditária foi elaborada por Francis

Galton e levada adiante pela biometria como o conceito de hereditariedade ancestral. A

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principal característica epistemológica da teoria da hereditariedade ancestral era, justamente,

ela ser meramente fenomenológica. Galton e a biometria não propuseram nenhuma hipótese

sobre os mecanismos hereditários. Segundo Gayon (2000), a análise fenomenológica da

biometria foi subjugada, no século XX, pela análise estrutural da hereditariedade proposta

pelo mendelismo e pela genética. A concepção da hereditariedade como força foi substituída

pela concepção da hereditariedade como estrutura. Mais adiante, discutirei como a abordagem

mendeliana instrumental da estrutura hereditária se uniu à abordagem realista e

preformacionista proposta pela teoria cromossômica, dando origem à Teoria do Gene.

2.1.2 Teoria Celular

Diversos autores têm se esforçado em mostrar que a história da teoria celular é mais

complexa do que costumam apresentar os compêndios de história da biologia (e.g. Coleman,

1965; Maienschein, 1990; Sapp, 2003a). A simples atribuição da paternidade da teoria a

Schleiden e Schwann é uma versão simplificada da história. Embora seja possível apontar

nestes dois autores o início da moderna teoria celular, uma apreciação mais detalhada da

história mostra que ela difere do entendimento atual em pontos fundamentais. Ressaltar estas

diferenças é especialmente importante no contexto deste trabalho, pois a evolução da teoria

celular teve conseqüências diretas para a embriologia.

Segundo Sapp (2003), a teoria celular possui três princípios centrais: (i) todos os seres

vivos são compostos de células; (ii) as células são as unidades funcionais fundamentais; (iii)

toda célula surge da divisão de células preexistentes. Os dois primeiros princípios — a célula

como unidade estrutural e funcional dos seres vivos — possuem diversos precursores, mas

não contradizem, em geral, as idéias propostas por Schleiden e Schwann. Contudo, o mais

relevante para o desenrolar da embriologia pós-teoria celular é o terceiro princípio — a

continuidade celular. A teoria celular de Schleiden e Schwann contraria este princípio. Ao

invés da continuidade celular, eles acreditavam na livre formação das células. As células

originavam-se espontaneamente no ambiente. E este era um ponto central da teoria de

Schleiden e Schwann, pois seu argumento dependia do modo como surgiam novas células. O

suporte para a crença na célula como unidade da vida não era fornecida pela estrutura celular.

As células de diferentes tecidos e de diferentes seres vivos são estruturalmente muito

distintas. Para Schleiden e Schwann as células eram a unidade fundamental da vida, mas esta

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unidade se apoiava no modo de formação celular e não na estrutura ou continuidade

genealógica de todas as células. A unidade estava no processo, não na estrutura ou na

história.22

A partir da década de 1850, a maioria dos pesquisadores passou a aceitar uma forma

ou outra da teoria celular. A discussão se concentrou nos princípios e detalhes da teoria. Neste

espírito, surgiram as críticas à teoria da livre formação das células. Diversos autores, em

coerência com o abandono da geração espontânea, questionaram que as células pudessem se

formar livremente no ambiente. A idéia de que a divisão celular, um fato há muito tempo

observado e aceito, era a maneira exclusiva de como as células originavam-se ganhou força.

As células surgiam e se multiplicavam apenas por divisão. Em 1852, Robert Remak

demonstrou que o ovo de rã era uma célula e que as demais células do embrião formavam-se

pela divisão de células previamente existentes. Rudolf Virchow (1821–1902), estudando

tecidos animais, forneceu suporte à idéia de que toda célula se origina de uma célula

preexistente. Em 1855, ele proferiu um novo aforismo: omnis cellula e cellula — toda célula

a partir da célula (Singer, 1947; Coleman, 1965; 1985; Maienschein, 1990; Mayr, 1998).

O princípio de que toda célula se originava apenas de outra célula serviu de marco

para discussões posteriores entre epigenesistas e preformacionistas. Ao se estabelecer que

todo desenvolvimento embrionário se originava de uma célula individual, restringiu-se as

especulações em torno da heterogeneidade ou homogeneidade do germe. O desenvolvimento

se iniciava como uma célula herdada de outro ser vivo.

2.1.3 Material hereditário

Com a teoria celular como alicerce conceitual, Darwin e Spencer iniciaram um

importante conjunto de teorias na segunda metade do século XIX — a proposição da

existência de partículas intracelulares responsáveis pelos diversos fenômenos associados à

geração dos seres vivos. A célula como a unidade fundamental da vida e a continuidade

celular como o princípio que unia as gerações levaram à busca pela natureza estrutural dos

§2

– 42 –

22 Contemporâneos da embriologia teleológica alemã, Schleiden e Schwann acreditavam que a formação de novas células era um processo epigenético. Para o botânico Schleiden, as células formavam-se pela coagulação de material em torno de uma substância granular dentro da célula, que, ao se acumular, dava origem a um novo núcleo. O zoólogo Schwann afirmava a existência de “uma substância sem estrutura […] capaz de produzir células” — chamada de citoblastema —, que se depositava em torno de um núcleo. Para Schwann, o processo ocorria no meio ambiente, fora de células preexistentes (Coleman, 1965; 1985).

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fenômenos geracionais para dentro da célula. A abordagem fisiológica e individual destas

idéias introduziu a noção de hereditariedade como continuidade estrutural, embora ainda não

houvesse uma metodologia quantitativa precisa para se inferir esta estrutura. Por motivos

práticos, irei empregar o termo teorias micromeristas, criado por Yves Delage (1903), para se

referir às teorias que postulavam a existência de partículas hereditárias.23

Em 1861, o fisiologista alemão Ernst von Brücke (1796–1873) enfatizou a utilidade de

assumir a existência de unidades biológicas (Elementarorganismen) posicionadas

hierarquicamente entre as moléculas e as células (Wilson, 1900; Delage e Goldsmith, 1914).

Em 1863, Spencer adotou a hipótese similar das “unidades fisiológicas”. Spencer propôs que

as unidades que compunham os seres vivos, da mesma maneira que as unidades químicas em

cristalização, possuíam um poder inerente de assumir uma disposição definida, o qual chamou

polaridade. Cada espécie de animal ou planta, à maneira dos cristais, era composta por

unidades fundamentais próprias da espécie (Spencer, 1864).24

A despeito da teoria precursora de Spencer, o papel de iniciador da moderna

perspectiva micromerista é melhor atribuído a Charles Darwin. Em 1968, Darwin publicou a

primeira edição do livro The Variation of Plants and Animals under Domestication, obra que

influenciou profundamente a tradição micromerista moderna. Nos dois volumes do livro,

Darwin discutiu extensamente todos os fenômenos conhecidos relacionados à geração dos

seres vivos, ilustrando-os com exemplos tirados da sua familiaridade tanto com o mundo

natural, quanto com a prática de criadores de plantas e animais. No final do segundo volume,

Darwin propôs a sua “hipótese provisória da pangênese”:

É universalmente aceito que as células ou unidades do corpo aumentam por auto-divisão ou proliferação […]. Mas, além desta forma de aumento, eu proponho que as células liberam pequenos grânulos que são dispersos por todo o sistema. […] Estes grânulos podem ser chamados de gêmulas. Elas são coletadas de todas as partes do sistema para constituírem os elementos sexuais e o desenvolvimento [das gêmulas], na próxima geração, forma um novo ser vivo. (Darwin, 1883, p.370)

A teoria da pangênese, como Darwin reconheceu, possui semelhanças com a teoria de

Spencer. No entanto, a teoria de Darwin difere de Spencer em um ponto que se tornou

§2

– 43 –

23 Segundo Holmes (1948) e Rostand (1949), as teorias micromeristas, influenciadas pelo desenvolvimento da química e da teoria celular, representaram uma forma de atomismo novecentista no mundo orgânico.

24 “E aqui a suposição a qual somos levados pelo conjunto das evidências é que as células germinais são essencialmente nada mais do que veículos nos quais estão os pequenos grupos de unidades fisiológicas capazes de obedecer à sua propensão em direção ao arranjamento estrutural da espécie a qual pertence” (Spencer, 1864, p.254).

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fundamental para todas as teorias micromeristas posteriores: as gêmulas não eram mais todas

idênticas. Cada uma delas representava um tipo de célula do organismo e não mais o

organismo completo.25 Dentro de cada célula havia um molde da própria célula e não mais um

molde de todo o organismo. As células sexuais atuavam como os centros concentradores de

gêmulas oriundas de cada célula do organismo. Por isso, a teoria de Darwin resgata a idéia

central das teorias pangenéticas propostas desde a Grécia antiga26 (ver o capítulo 1). No

entanto, escrevendo após a teoria celular, Darwin fez uma inovação. Enquanto as teorias

anteriores falavam em partículas, humores ou fluidos que representavam as diversas partes do

organismo, na pangênese as gêmulas representavam as células do organismo adulto.

A historiografia neodarwinista, geralmente, diminui a importância do The Variation of

Plants and Animals under Domestication (e, principalmente, da hipótese da pangênese) na

obra de Darwin. A versão tradicional conta que Darwin, quando escreveu o The Origin of

Species, não possuía uma teoria da hereditariedade adequada. Darwin acreditava na teoria da

herança por mistura, na qual os materiais hereditários de ambos os progenitores se

misturavam nos seus descendentes, de modo que os filhos herdavam características que eram

uma média entre as características dos pais. A crença neste mecanismo hereditário rendeu-lhe

as piores críticas (sendo a mais notória a resenha da terceira edição do Origin of Species

escrita por Fleeming Jenking). Pressionado, Darwin formulou a teoria da pangênese — um

equívoco a ser esquecido. Tivera Darwin tomado conhecimento da obra de Mendel e o eclipse

do Darwinismo teria sido evitado e a teoria sintética da evolução teria sido antecipada em

mais de meio século.27

O grande equívoco na historiografia neodarwinista é atribuir à Darwin e à teoria da

pangênese uma resposta a uma pergunta que não estava formulada. Quando Darwin The

Variation of Plants and Animals under Domestication e propôs a hipótese provisória da

pangênese, não pretendia dar uma resposta aos fenômenos hereditários como entendidos hoje.

§2

– 44 –

25 Não há como deixar de relacionar esta mudança de um tratamento tipológico das unidades fisiológicas em Spencer para o tratamento populacional das gêmulas em Darwin, com a introdução do pensamento populacional de Darwin no nível dos organismos.

26 Zirkle (1946) cita e discute dezenas de pensadores entre Demócritos e Darwin que adotaram teorias pangenéticas. Darwin, em uma longa nota de rodapé acrescentada à segunda edição, reconheceu a semelhança de sua teoria com teorias pangenéticas anteriores.

27 p. ex. “Se Darwin tivesse conhecido o trabalho de Mendel [...] poderia ter se poupado do embaraço de, no final da carreira, haver endossado algumas das idéias de Lamarck (Watson, 2005, p.19). A origem desta versão historiográfica é atribuída por Porter (2006) à R. A. Fisher (1930) e T. Dobzhansky (1937).

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Darwin não pretendia descrever como ocorria a transmissão hereditária. Ou melhor, não

pretendia descrever apenas como ocorria a transmissão hereditária. Pois tal pergunta não faria

sentido para ele nem para qualquer outro pensador em meados do século XIX (Olby, 1991a).

A busca de Darwin era por um modelo que explicasse uma variedade maior de fenômenos do

que simplesmente a transmissão hereditária como entendida atualmente. A teoria da

pangênese visava explicar fenômenos como reprodução, metamorfose, regeneração e

atavismos, além da recentemente descoberta diversidade de modos de reprodução como

hermafroditismo, alternância de gerações e partenogênese (Farley, 1982; Müller-Wille e

Rheinberger, 2007). Darwin se perguntava:

Como é possível que um caráter possuído por um ancestral remoto de repente reapareça nos descendentes; como os efeitos da diminuição ou aumento de um membro podem ser transmitido para a criança; [...] como um híbrido pode ser produzido pela união de tecidos de duas plantas independentemente dos órgãos de geração; como um membro pode ser reproduzido na altura exata da amputação, nem mais, nem menos; como o mesmo organismo pode ser produzido por processos tão diferentes quanto brotamento e geração seminal; e, finalmente, como em duas formas afins, uma passa por complexas metamorfoses ao longo do curso de seu desenvolvimento e a outra não, embora quando adultas ambas são iguais em cada detalhe de suas estruturas. (Darwin, 1883, p.439)

Darwin não propôs uma teoria da transmissão hereditária, mas uma teoria da gênese

dos seres vivos: “Reprodução sexual e assexual […] não diferem essencialmente; e nós já

mostramos que na reprodução assexual, o poder de re-crescer [i.e. regenerar] e o

desenvolvimento são todos partes de uma mesma grande lei” (Darwin, 1883, p.357). Hodge

(1985) leva ao extremo esta interpretação. Argumenta que a geração foi uma preocupação de

Darwin por toda sua carreira. A teoria da pangênese não fora um mero adendo subsidiário ao

projeto central de Darwin de uma teoria da evolução, mas a continuação de um amplo projeto

zoonômico iniciado com o The Origin of Species. Hodge vê no conjunto da obra de Darwin a

tentativa de formular um grande sistema da geração dos seres vivos, à maneira de Haeckel e

Spencer. Mesmo sem irmos tão longe quanto a interpretação de Hodge, que de fato parece

exagerada, não se pode negar que a teoria da pangênese extrapola a interpretação

neodarwinista. A teoria da pangênese não é simplesmente uma tentativa de defesa contra o

problema da herança por mistura, nem a proposta de um mecanismo plausível para a herança

de caracteres adquiridos. Ela é a proposta de uma teoria capaz de organizar uma vasta

quantidade de fenômenos antes desconexos e pouco entendidos (Vorzimmer, 1963; Geison).

§2

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Esta discussão um tanto longa sobre a pangênese tem um propósito. Na apreciação da

teoria da hereditariedade de Darwin, principalmente devido à historiografia neodarwinista,

encontra-se com mais freqüência um mal-entendido comum ao tratamento histórico de todas

as teorias micromeristas: a não percepção de que o problema do desenvolvimento e da

hereditariedade era um e o mesmo. A explicação de ambos os fenômenos ocorriam em um

mesmo espaço epistêmico. As teorias micromeristas do século XIX, mesmo as de Galton e

Weismann (ver adiante), não distinguiam a hereditariedade do desenvolvimento. Elas

buscavam nas partículas hereditárias uma explicação para os diversos fenômenos relacionados

ao desenvolvimento da forma, incluindo a hereditariedade. “Os explananda incluíam uma

ampla ordem de fenômenos” (Burian, Richardson et al., 1996). Portanto, não se deve

confundir o conceito de hereditariedade em si com o conceito de transmissão hereditária. No

século XIX, a hereditariedade não era transmitida. Ela era desenvolvida. Os seres vivos re-

desenvolviam as características dos ancestrais. A noção de hereditariedade como transmissão

nasce no século XX com a teoria cromossômica da hereditariedade e amadurece com a teoria

do gene (ver adiante seção 2.3).

Embora, como dito antes, nem sempre seja reconhecido, The Variation of Plants and

Animals influenciou profundamente a direção dos trabalhos posteriores sobre a

hereditariedade e o desenvolvimento e pode ser considerada como a obra que resgata a

tradição preformacionista.28 A obra impulsionou a discussão de uma série de novos

mecanismos, mesmo que, na grande maioria das vezes, para contrariá-los. Weismann

expressou de forma clara a importância das idéias de Darwin: “Eu já apontei o quão

extremamente importante e frutífera sua teoria da pangênese tem sido: ela chamou a atenção,

pela primeira vez, para todos os fenômenos que necessitavam explicação e mostrou quais

suposições deveriam ser feitas a fim de explicá-los” (1893, p.4). No período posterior à

pangênese de Darwin, a busca de respostas para os fenômenos apontados em The Variation of

Plants and Animals levou ao que Mayr (1997, p.744) chamou de uma “orgia de especulações

desinibidas”. De uma maneira que hoje soa quase anedótica, praticamente todo autor

envolvido com o problema propôs sua própria entidade hereditária.29 Todas elas supunham a

§2

– 46 –

28 W. K. Brooks (1883) e Weismann (1893) dedicaram seus livros sobre a hereditariedade a Charles Darwin. A epígrafe de De Vries (1910) cita Darwin em sua autobiografia: “minha bem-abusada hipótese da pangênese”.

29 Entre as denominações de tais partículas encontram-se: unidades fisiológica (Spencer), micelas (Nägeli), gêmulas (Darwin), idioblastos (Hertwig), pangenes (De Vries), biósforos (Weissman), plastidulos (d’Erlberg), moléculas vitais (Haeckel) e granulações elétricas (Fol).

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existência de partículas que, pelas suas propriedades e distribuição, representavam e

determinavam as características dos seres vivos.

Contudo, em paralelo a estas especulações micromeristas, muitos pesquisadores

voltaram seus microscópios para dentro da célula, especialmente, para o núcleo. Por volta de

1880, as elucubrações sobre as partículas hereditárias desenvolveram-se em diálogo com a

citologia, permitindo aprofundar a análise do que se chamou de as bases materiais da

hereditariedade. Cada vez mais, as especulações se apoiaram em observações e experimentos.

O aperfeiçoamento da microscopia, principalmente o uso de novos corantes e a introdução de

lentes de óleo de imersão (que permitem um aumento de 1000 vezes), mostrou a estrutura

celular além da tríade núcleo, protoplasma e membrana plasmática. Estruturas intracelulares

como as mitocôndrias, o complexo de Golgi e os cromossomos foram observadas

(Maienschein, 1990). O debate sobre a continuidade material migrou da célula para as

estruturas intracelulares. A hereditariedade passou a ser discutida no nível da continuidade da

estrutura intracelular. Sintomaticamente, na década de 1880, os citologistas e embriologistas

alemães passaram a empregar o termo Vererbung, mais comprometido com a idéia de

transmissão do que os termos anteriores Erbrecht e Erblichkeit, para se referir à

hereditariedade (Churchill, 1987). A hereditariedade estava sendo gradualmente relacionada à

transmissão de uma estrutura intracelular.

A grande maioria das discussões citológicas sobre hereditariedade remete às idéias do

botânico suíço K. W. Nägeli (1817–1891), também famoso pela sua correspondência com

Mendel. Embora Darwin tenha proposto que as gêmulas eram partículas intracelulares, a

citologia estava virtualmente ausente de sua teoria. As gêmulas eram germes celulares e não

estruturas intracelulares. As idéias de Nägeli foram importantes por integrar, pela primeira

vez, o micromerismo à citologia. Nägeli associou a hereditariedade não com a transmissão da

célula como um todo, mas com a transmissão de uma substância intracelular portadora das

bases físicas da hereditariedade, que ele chamou de idioplasma. O resto do material celular,

chamado de trofoplasma, não desempenhava um papel direto na hereditariedade. Nägeli não

relacionou o idioplasma à nenhuma estrutura celular em particular. Mas, após a publicação

das suas idéias, diversos autores identificaram o idioplasma com o núcleo. Hugo de Vries, por

exemplo, formulou uma espécie de neo-pangênese, rebatizando as gêmulas de Darwin de

pangenes e as isolando no núcleo, impedidas de circularem pelo corpo. A identificação do

comportamento dos cromossomos durante a fertilização, a mitose e a meiose impulsionou a

§2

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interpretação de que o idoplasma estava contido no cromossomo. Em 1884, Hertwig,

Strasburger, Kölliker e Weismann propuseram quase simultaneamente que o núcleo continha

as bases materiais da hereditariedade e que o idioplasma era formado pelos cromossomos. Os

famosos aforismos sobre a continuidade estrutural da vida foram reduzidos por Fleeming a

omnis nucleus e nucleo (Wilson, 1900; Churchill, 1987; Maienschein, 1986).30

2.2 Embriologia experimental

A união do micromerismo com os avanços da citologia fortaleceu a concepção

estrutural e individual da hereditariedade. A idéia de que existia um material hereditário,

inquestionável e onipresente durante o século XX, nasceu desta união. Hereditariedade e

desenvolvimento deveriam ser explicados em referência à diferenciação celular e à estrutura

da célula. A embriologia experimental surgiu entrelaçada a este contexto. Por volta do fim do

século XIX, diversos pesquisadores passaram a buscar uma maneira de incorporar métodos

experimentais à embriologia, que tinha sido, até então, basicamente uma ciência descritiva. O

interesse dirigiu-se, sobretudo, às causas da diferenciação celular. A abordagem fisiológica do

desenvolvimento defendida por His, em oposição à embriologia evolutiva, foi levada adiante

por autores como Eduard Pflüger, Wilhelm Roux, Oscar Hertwig e Hans Driesch. Apesar de

algumas contribuições de embriologistas franceses e ingleses, a embriologia experimental,

também conhecida por embriologia fisiológica, mecânica do desenvolvimento ou

Entwicklungsmechanik, foi uma disciplina eminentemente alemã (assim como havia sido a

embriologia comparada nas décadas anteriores).

A embriologia herdou o ideal experimental da fisiologia, primeiro ramo da biologia a

adotar métodos experimentais. O método experimental foi consagrado por Claude Bernard

(1813–1878) durante o século XIX, na França. Bernard havia demonstrado que muitas das

funções vitais podiam ser entendidas em termos físico-químicos. Para investigar estas

funções, defendeu como metodologia o controle dos procedimentos experimentais, isto é, a

manutenção de todas as influências exceto a que está sendo investigada. Contudo, Bernard

não estendeu os métodos experimentais ao problema do desenvolvimento, restringindo sua

§2

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30 Cometi aqui um certo whiggismo comum à historiografia da genética que costuma narrar a descoberta de que os cromossomos são os portadores do material hereditário como um processo triunfante de acúmulo de conhecimento científico. Contudo, estou ciente de que o tema permaneceu controverso até, pelo menos, a década de 1940. E que, como aponta Sapp (1983), a aceitação da idéia envolveu muito mais que o glorioso peso das evidências.

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aplicação à fisiologia (Goodfield e Toulmin, 1982; Caponi, 2001). Coube à

Entwicklungsmechanik dar o passo que Claude Bernard hesitou em dar: intervir e manipular o

embrião e o ambiente embrionário. Fazer da embriologia uma ciência entre o estudo da forma

e o processo funcional que produz a forma. Entre a morfologia e a fisiologia (Maienschein,

1994).

Como mencionado no início do capítulo, a necessidade de tornar a embriologia

experimental foi apontada pela primeira vez por Wilhelm His (Russell, 1930; Gould, 1977;

Maienschein, 1994). A embriologia deveria fornecer uma explicação por causas físico-

químicas e abandonar a explicação histórica da embriologia evolutiva. Contudo, His não se

limitou a combater Haeckel e a convocar a embriologia à experimentação. Ele mesmo propôs

um mecanismo para o desenvolvimento e a diferenciação celular. Segundo His, o citoplasma

era composto por “regiões germinais formadoras de órgãos”, isto é, os órgãos estavam pré-

diferenciados no ovo. Durante o desenvolvimento, esta diferenciação inicial era traduzida na

diferenciação mais complexa do organismo adulto. O futuro organismo tinha seus órgãos pré-

localizados no citoplasma:

É evidente, por um lado, que todo ponto da região embrionária do blastoderma deve representar um futuro órgão, e, por outro lado, que cada órgão desenvolvido do blastoderma tem seu germe preformado em uma região definidamente localizada no folheto do disco germinal [...] O disco germinal contém os órgãos germinais espalhados em um folheto plano e, inversamente, cada ponto do disco germinal reaparece no órgão futuro. Eu chamo isto de o princípio de regiões germinais formadoras de órgãos (His apud Wilson, 1900, p.398, itálicos no original).

Na década de 1880, também na Alemanha, o fisiologista Eduard Pflüger (1829–1910)

direcionou suas pesquisas para o problema da determinação do sexo em sapos. Como não

podia ser diferente na época, a aquisição do sexo era entendida como um problema

desenvolvimental e não genético, no sentido de transmissão de fatores sexuais, pois a

hereditariedade e o desenvolvimento estavam entrelaçados em um mesmo domínio de

explicação. O sexo do indivíduo era algo que surgia durante a epigênese. “A maioria dos

biólogos assumia que a produção de um sexo ou outro em um indivíduo era algo que ocorria

durante o curso do desenvolvimento, estimulado, em parte, por fatores externos ao

organismo” (Maienschein, 1994, p.46). Portanto, de acordo com este entendimento, um

experimento desenhado para investigar a herança do sexo deveria buscar suas causas no

desenvolvimento. E assim o fez Pflüger. Para investigar a origem dos sexos em sapos, ele

§2

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interveio no ambiente no qual eles se desenvolviam. Em seguida, Pflüger investigou o efeito

do campo gravitacional na ontogenia, concluindo que o primeiro plano de clivagem era

orientado pela ação gravitacional. De seus experimentos, Pflüger concluiu que o

desenvolvimento dependia de causas externas e, assim como havia sido demonstrado para a

fisiologia do organismo adulto, o desenvolvimento embrionário apresentava a capacidade de

regulação.

Na França, o principal nome da embriologia experimental foi Laurent Chabry (1855–

1894), herdeiro de uma importante tradição de pesquisa francesa — a teratologia, estudo de

malformações causadas por perturbações do processo embrionário. A teratologia foi iniciada

por Étienne Geoffroy Saint-Hilaire31 e levada adiante por autores como Isidore Geoffroy

Saint-Hilaire e Camille Dareste, chegando, no fim do século XIX, a Chabry. As alterações no

desenvolvimento provocadas pelos estudos teratológicos não empregavam uma metodologia

experimental, no sentido de serem procedimentos controlados e reproduzíveis. O importante

era alterar o desenvolvimento de modo a revelar a transformação das espécies. Não se

buscava entender como a forma era gerada. A obra de Chabry não teria se descolado da

tradição teratológica se a morte natural de algumas das células dos embriões de tunicados que

estava estudando não tivesse causado anormalidades desenvolvimentais. Chabry não teve

dificuldades em reproduzir experimentalmente estes resultados e percebeu que a perda de

células nos estágios iniciais levava, inexoravelmente, à ausência de estruturas no futuro

organismo. Cada blastômero, aparentemente, continha o potencial para uma determinada

parte do organismo (Sander e Fischer, 1992; Fischer, 1994).

As teses de His, Pflüger e Chabry, rapidamente mencionas aqui, são importantes

porque prenunciam, ainda no seu início, o conflito macro-teórico que ressurgiria dentro da

embriologia experimental. A discussão se o desenvolvimento era determinado pela estrutura

§2

– 50 –

31 A obra de Geoffroy Saint-Hilaire, produzida na primeira metade do século XIX, enquadra-se no que foi chamado de morfologia transcendental. Geoffroy, ao contrário de Cuvier e Von Baer, defendia a existência de um plano de organização comum a todos os animais. De polvos a estrelas-do-mar, de lagostas a homens, todos os animais possuíam um mesmo plano de organização. Além da evidência descritiva em si, Geoffroy via no processo embrionário também as causas das variações do plano de organização. A unidade do plano de todos os seres vivos havia divergido a partir de transformações durante o processo embrionário. As causas das transformações eram as variações de fatores ambientais durante o desenvolvimento. As variações, por exemplo, na quantidade de oxigênio atmosférico, da temperatura, etc., durante as eras geológicas haviam levado o plano de organização original a divergir até as formas animais presentes. Para provar sua teoria da unidade de plano e mostrar que as modificações se originavam a partir de variações ambientais, Geoffroy conduziu experimentos teratológicos. Alterando a temperatura, a posição e o aporte de oxigênio de ovos de galinha, Geoffroy pretendia produzir um plano de organização inferior ou superior. Alterando as condições de incubação do ovo, por exemplo, ele pensava ser capaz de produzir um réptil ou um mamífero

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interna da célula ou se era regulado pelo diálogo com as influências externas reavivou a

discussão entre as tradições epigenética e preformacionista (Maienschein, 1986; Fischer,

2002). Se havia uma relação de isomorfismo entre cada blastômero ou parte do citoplasma e

as partes do futuro organismo, como apontaram His e Chabry, este estava predeterminado. Por

outro lado, se a aquisição de características como o sexo dependia de influências externas

durante o desenvolvimento, como defendido por Pflüger, o organismo não estava

predeterminado, mas emergia durante o processo.

O novo debate adquiriu um caráter bastante distinto dos debates anteriores. Mas, como

foi discutido no capítulo anterior, as tradições epigenética e preformacionista se

transformaram em congruência com panorama científico e filosófico de cada período. No fim

do século XIX, os auto-intitulados preformacionistas defendiam que a forma era

predeterminada pela estrutura do material hereditário contido nas células germinais, enquanto

os epigenesistas defendiam que a forma emergia da regulação de fatores desenvolvimentais e

fisiológicos. Preformação ou epigênese agora eram sinônimos de determinação ou regulação,

mosaico programado ou sistema responsivo. A primeira posição tem seu exemplo

paradigmático nas obras de Weismann e Roux. A segunda, em Hertwig e Driesch.

2.2.1 Preformação e determinação

Weismann escreveu sobre hereditariedade e desenvolvimento em diversos trabalhos,

mas sua obra mais famosa sobre o tema é o livro Das Keimplasma, publicado em 1892 e

traduzido para inglês no ano seguinte. No prefácio deste livro, Weismann explica que

inicialmente tinha simpatia por teorias epigenéticas, mas que estas se mostraram inadequadas:

Minhas dúvidas quanto à validade da teoria de Darwin por muito tempo não se restringiram a este ponto apenas [o não isolamento das gêmulas nas células sexuais]: a suposição de que existem constituintes preformados de todas as partes do corpo me parecia uma solução fácil demais para o problema [...]. Portanto, me empenhei em verificar se era possível conceber que o germe-plasma, embora de estrutura complexa, não era composto de tal imensa quantidade de partículas e sua complicação posterior surgia subseqüentemente no decorrer do desenvolvimento. Em outras palavras, o que eu buscava era uma substância da qual o organismo inteiro pudesse surgir por epigênese e não por evolução [i.e. preformação]. Depois de repetidas tentativas, eu, mais de uma vez, imaginei ter tido sucesso, mas após testes adicionais, todas elas se mostram falsas e eu finalmente me convenci que um desenvolvimento epigenético é impossível. Além disso, encontrei uma prova da realidade da evolução […]. (Weismann, 1882, p.xiii–xiv, itálicos no original)

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A prova consistia em mostrar como ocorria a diferenciação celular. Segundo

Weismann, a diferenciação celular resultava de diferenças internas entre as células. “A

igualdade ou diferença das células-filhas produzidas depende da igualdade ou diferença do

núcleo” (Weismann, 1889, p.193). Cada uma das células do organismo herdava, durante a

divisão celular, partículas distintas, chamadas de bióforos.32 “A ontogenia depende do

processo gradual de desintegração do germe-plasma [...] No final, [...] apenas um tipo de

determinante permanece em cada célula [...] e dá à célula seu caráter específico

herdado” (Weismann, 1893, p.76–77). Para Weismann, as células se auto-diferenciavam: “o

destino das células é determinado por forças situadas dentro delas e não por influências

externas” (Weismann, 1893). Ao contrário do que os epigenesistas defendiam, Weismann não

aceitava que a posição da célula ou as condições externas do embrião pudessem influenciar a

direção do desenvolvimento. As diferenças internas de constituição, isto é, quais bióforos a

célula continha, determinavam seu destino ontogenético.

Embora na teoria de Weismann não houvesse uma pré-delineação da forma como no

pré-existencialismo mecanicista do século anterior, havia uma predeterminação do processo.

Havia uma predeterminação da ontogenia. E assim como em Buffon, Maupertuis e Darwin,

havia uma pré-diferenciação das partes do organismo no material germinal. No germe-

plasma, havia partículas destinadas a tornarem-se tanto os diferentes tecidos, quanto os

membros e órgãos do indivíduo adulto.

O preformacionismo de Weismann foi elaborado por Whilhelm Roux (1850–1924)

dentro da embriologia experimental. Roux é considerado pela maioria dos historiadores o

fundador da Entwicklungsmechanik. Embora seja difícil e talvez arbitrário afirmar quando

começa uma nova disciplina, o esforço de Roux para convencer a comunidade científica de

que a epistemologia experimental por ele proposta era a melhor maneira de investigar o

desenvolvimento e seu empenho para estabelecer institucionalmente a nova disciplina, mostra

que ele desejava o título de iniciador da embriologia experimental. Em 1984, Roux fundou o

jornal Archiv for Entwicklungsmechanik der Organismen, dedicado a publicar artigos que

rompessem com a embriologia morfológica e realizassem pesquisas experimentais. No

primeiro volume, publicou um longo manifesto pela embriologia experimental, defendendo

seu escopo, metodologia e filosofia. Em resumo, Roux defendeu que o objetivo da

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– 52 –

32 Os conjuntos de bióforos formavam os determinantes, os conjuntos de determinantes os ids e, finalmente, os conjuntos de ids formavam os cromossomos.

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embriologia era elucidar as causas mecânicas do desenvolvimento, que a experimentação era

o único método apropriado de investigação causal e que a investigação causal era única forma

legítima de ciência (Roux, 1986).

A teoria do desenvolvimento proposta por Roux é muito semelhante à teoria do

germe-plasma, a ponto de ser chamada por Wilson (1900) de teoria de Weismann-Roux.

Ambas defendiam que a ontogenia era um processo internamente determinado e

independente. Para Roux, ao menos nas fases iniciais da ontogenia, o desenvolvimento

ocorria como um mosaico auto-diferenciador onde o destino de cada célula era determinado

por sua estrutura interna. Assim como uma imagem em mosaico, o todo era formado por

partes independentes. Mas, ao contrário da teoria de Weismann, que não se apoiava em

praticamente nenhum dado concreto, Roux baseou sua teoria em dados experimentais. Em um

experimento que se tornou clássico, Roux colocou em teste as duas alternativas para o

desenvolvimento. De maneira clara, ele expos objetivo do seu experimento era:

Determinar se e se, o quanto o ovo fertilizado é capaz de se desenvolver independentemente como um todo e em suas partes individuais. Ou se, pelo contrário, o desenvolvimento normal só pode ocorrer através das influências formativas diretas do ambiente no ovo fertilizado ou através das interações diferenciadoras das partes do ovo separadas umas das outras pela clivagem. (Roux, 1885, p.148)

O experimento de Roux consistiu em matar um dos blastômeros após a primeira

divisão celular de um ovo de sapo com uma agulha quente e acompanhar o desenvolvimento

do blastômero sobrevivente. Se o blastômero sobrevivente fosse capaz de compensar a

ausência do blastômero morto, seria demonstrado que o embrião era um sistema responsivo

capaz de regulação. No entanto, se o desenvolvimento procedesse na ausência de um dos

blastômeros como se nada houvesse acontecido, se o blastômero se transformasse exatamente

naquilo que ele teria se transformado na presença do outro blastômero, então o destino

ontogenético de cada célula estaria auto-determinado pela estrutura intracelular. Como o

plano da primeira clivagem em sapos determina a simetria bilateral do futuro organismo, na

ausência de um dos blastômeros, se não houvesse regulação, seria esperarado a formação de

meio organismo. E foi isto que, incrivelmente, o experimento mostrou. O blastômero

sobrevivente produziu apenas meia gástrula. A célula remanescente não compensou a célula

morta e o desenvolvimento transcorreu como estava pré-determinado pela sua estrutura

interna. “O desenvolvimento da gástrula de sapo e do embrião formado dela é, da segunda

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clivagem em diante, um trabalho em mosaico [...]” (Roux, apud Wilson, 1900, p.399). Ou,

como diria muitos anos depois o embriologista Hans Spemann: “De acordo com esta teoria,

todo simples primórdio se mantém lado a lado, separados uns dos outros, como pedras em

uma obra de mosaico e se desenvolve independentemente, embora em perfeita harmonia com

os outros, em um organismo final (apud Maienschein, 1994, p.249). 33

2.2.2 Epigênese e regulação

O preformacionismo de Weismann e Roux encontrou sua contraparte nos trabalhos de

Hertwig e Driesch. O livro de Hertwig: O problema biológico do nosso tempo: Preformação

ou epigênese deixa isto claro. O preformacionismo combatido no livro é praticamente

sinônimo das idéias publicadas dois anos antes em Das Keimplasma. A primeira metade do

livro consiste em criticar diferentes aspectos da teoria preformacionista de Weismann.

Hertwig questionou o valor heurístico e mesmo científico do neo-preformacionismo e o

comparou à estratégia das teorias pré-existencialistas por também dificultar a pesquisa das

causas do processo de desenvolvimento. A teoria de Weismann “obstrui a investigação, pois

não há como testá-la. A esse respeito, ela é muito parecida a sua predecessora, a teoria da

preformação no século XVIII”. Criticou também a tese de que as causas do desenvolvimento

estavam contidas exclusivamente no germe-plasma. Para Hertwig, as propriedades do

organismo não podiam ser “representadas como partículas materiais preformadas como

determinantes na célula germinal” (Hertwig, 1929, p.199). No lugar da auto-determinação

germinal de Weismann, Hertwig propôs que a diferenciação era determinada por uma

seqüência ordenada de causas internas e externas à célula. A diferenciação celular era uma

sucessão de reações reguladoras.

É importante não confundir a posição de Hertwig com a negação da existência de um

material hereditário. A epigênese de Hertwig não presumia um óvulo desestruturado ou

homogêneo. Hertwig, assim como Weismann e Roux, acreditava que o núcleo era o portador

do material hereditário (fato que, aliás, ele havia sido um dos primeiros a defender). Ele

aceitava que existiam partículas hereditárias localizadas nos cromossomos, que chamou de

§2

– 54 –

33 Roux provavelmente obteve o resultado que esperava. Ele já havia negado que o campo gravitacional orientava a primeira clivagem em ovos de sapos, como defendido por Pflüger (Haraway, 2004). É possivel especular que a imagem mecânica do desenvolvimento que ele tanto prezava o levou a favorecer causas internas do desenvolvimento. A idéia organicista de regulação, embora importante para a fisiologia experimental, não era o objetivo da abordagem analítica e mecânica que Roux defendia para a embriologia experimental.

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idioblastos. Contudo, não aceitava que os idioblastos continham todas as causas do

desenvolvimento. Eles eram o material do desenvolvimento, mas não as causas. Uma

metáfora utilizada por Hertwig deixa claro seu entendimento: “Eu diria que os idioblastos são

comparáveis às letras do alfabeto que, embora sejam poucas, se combinam distintamente para

formar diferentes palavras. E diferentes combinações de palavras fazem frases com

significados diferentes (apud Fischer, 1994, p.40). O material hereditário era um material e

nada mais. Um material utilizado pela fisiologia da célula. Ele não era o agente causal do

desenvolvimento, pelo menos não o único. O argumento lembra a metáfora empregada por

Nijhout (1990) em uma crítica contemporânea à noção de gene. Para Nijhout, os genes devem

ser entendidos como recursos desenvolvimentais e não como controladores do

desenvolvimento. Da mesma forma, Hertwig acreditava que os idioblastos eram um recurso e

que as causas do desenvolvimento emergiam das sucessivas relações celulares:

Por outro lado, nós consideramos o desenvolvimento do germe como dependente de forças ou causas que são externas ao germe-plasma do óvulo, mas que, no entanto, surgem de maneira ordenada durante o curso do desenvolvimento. As causas que reconhecemos são, primeiro, as mudanças contínuas nas relações mútuas que as células exercem umas com as outras enquanto aumentam em número por divisão e, segundo, as influências do meio circundante sobre o organismo. (Hertwig, 1896, p.103)

Além disso, Hertwig, apoiado nos dados recentes fornecidos pela citologia, acreditava

que a arquitetura do material hereditário permanecia constante e estável durante o

desenvolvimento. Não havia desintegração do material hereditário durante as divisões

celulares, como defendia a teoria de Weismann. A diferenciação era o resultado de alterações

fisiológicas nos idioblastos e não da sua variação quantitativa (Hertwig, 1896; Wilson, 1986).

Um dos exemplos discutidos por Hertwig para mostrar a importância das causas

externas para o desenvolvimento é a determinação do sexo por fatores ambientais em animais.

O exemplo é particularmente curioso porque a descoberta da determinação cromossômica do

sexo em insetos foi o principal argumento da teoria cromossômica da herança, formulada nos

primeiros anos do século XX. O fato de que existiam dois tipos de células segundo a

quantidade de cromossomos e que havia uma relação entre o número de cromossomos e o

sexo do inseto foi um argumento poderoso para a aceitação de que os cromossomos

determinavam a hereditariedade. Mas, ironicamente, Hertwig via na determinação sexual,

especialmente em espécies que apresentavam dimorfismo sexual, um dos argumentos mais

fortes a favor da sua teoria. Do fato de que larvas iguais podiam produzir ambos os sexos,

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mesmo em espécies cujas características sexuais secundárias diferem profundamente, ele

concluiu: “Machos e fêmeas, parecidos ou não, crescem do mesmo material germinal. O

material germinal em si é assexuado. Quer dizer, não há um material sexual masculino e outro

feminino” (Hertwig, 1896, p.123). O sexo, assim como as demais características do

organismo, não estava predeterminado no embrião — ele era um produto do

desenvolvimento.

Um apoio importante para a neo-epigênese veio dos experimentos de Hans Driesch

(1867–1941) sobre o potencial de desenvolvimento dos primeiros blastômeros. Roux havia

demonstrado que as duas células resultantes da primeira clivagem de ovos de sapo não

possuíam o potencial para formar um novo indivíduo completo, mas estavam

predeterminadas. Driesch decidiu realizar um experimento similar, mas ao invés de ovos de

sapos, empregou ovos de ouriços-do-mar.34 O experimento havia sido projetado para

confirmar as idéias de Roux, mas Driesch foi surpreendido com resultados contrários:

Esperei ansiosamente a imagem que estava para aparecer em minha placa no dia seguinte. Devo confessar que a idéia de um hemisfério livre-natante ou meia gástrula com seu arquêntero aberto longitudinalmente parecia algo um tanto extraordinário. Eu imaginava que as formações provavelmente morreriam. No entanto, na manhã seguinte, encontrei, em suas respectivas placas, blástulas típicas, mas com metade do tamanho. (Driesch, 1885, p.166)

O resultado do experimento mostrou que o embrião era capaz de compensar a perda de

um dos blastômeros e regular seu desenvolvimento. Ao contrário de uma peça de mosaico

independente, o experimento mostrou que o destino de cada célula dependia da sua posição

no todo. “A posição relativa de um blastômero no todo determina, em geral, o que se

desenvolverá a partir dele; se sua posição é alterada, ele dá origem a algo diferente; em outras

palavras, seu valor prospectivo é uma função da sua posição” (Driesch, apud Wilson, 1900).

O experimento de Driesch pode ser considerado o experimento fundador da

embriologia do século XX. Nele está a raiz da tradição de pesquisa da embriologia organicista

— o conceito de regulação diacrônica do organismo. A homeostase estática da fisiologia fora

apropriada para descrever o processo dinâmico do desenvolvimento. Como descreve

Canguilhem:

§2

– 56 –

34 A escolha do animal modelo viria a ser decisiva. Em ouriços-do-mar não era necessário perfurar um dos blastômeros para realizar o experimento. Bastava chacoalhar a placa com água onde os ovos estavam para que os blastômeros espontaneamente se separassem. Os resultados obtidos por Roux com ovos de sapo foram influenciados pela não remoção do blastômero morto. Em 1910, quando novas técnicas permitiram a separação dos blastômeros de ovos de sapos, eles se mostraram capazes de compensar a perda de um dos blastômeros.

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Ao reconhecer, nos primeiros blastômeros de um ovo em desenvolvimento, uma “potencialidade total”, isto é, uma capacidade de impor ou transformar de uma parte uma regra de conformidade com a estrutura de um todo, os embriologistas tinham completado e confirmado o reconhecimento efetuado pelos fisiologistas, de funções controladoras de outras funções, e que, pela manutenção de certas constantes, permitiam ao organismo comportar-se como um todo. As estas funções foi dado, no último terço do século XIX, o nome de “regulação”. (Canguilhem, 1977)

E. S. Russell (1930), em um capítulo chamado “Algumas teorias epigenéticas

modernas”, buscou reunir um conjunto de teorias que, nas primeiras décadas do século XX,

continuavam abordando o desenvolvimento epigeneticamente. O resultado é uma lista de

pesquisadores que hoje são reconhecidos como os primeiros embriologistas do século XX:

Yves M. Delage (1854–1920), Edwin G. Conklin (1863–1952), Charles M. Child (1869–

1954) e Hans Spemann (1869–1941). Para estes autores, o problema do desenvolvimento era

uma questão de regulação da morfogênese e o foco estava no organismo e nas relações

intercelulares. A tradição de pesquisa neo-epigenética seguiu com a embriologia do século

XX na forma de uma embriologia organiscista (no caso específico de Driesch, vitalista). Já a

tradição de pesquisa neo-preformacionista encontrou seu nicho em uma nova disciplina.

2.3. A teoria do gene

Um nome foi omitido até agora dentre os embriologistas experimentais: Thomas Hunt

Morgan (1866–1945). Aquele que seria o fundador da teoria do gene na segunda década do

século XX era um dos principais nomes da embriologia nos Estados Unidos. Logo após

terminar sua graduação, em 1891, Morgan largou a tradição morfológica sob a qual havia sido

formado e aderiu ao novo programa experimental. Favorável à epigênese, seus primeiros

trabalhos incluíram a confirmação das observações do seu colega Driesch sobre a capacidade

de regulação dos primeiros blastômeros, o estudo da regeneração e a aplicação do conceito de

gradiente em embriologia (Morgan, 1898; 1901; Wolpert, 1991).

Morgan, junto a Edmund Beecher Wilson (1856–1939), Edwin Grant Conklin,

Theodor Heinrich Boveri (1862–1915), entre outros, podem ser considerados representantes

de uma segunda geração da disputa entre preformação e epigênese dentro da embriologia

experimental. Dispondo dos avanços da citologia, eles polemizaram em torno de uma nova

questão: se as atividades do desenvolvimento eram controladas pela microestrutura

intercelular ou por moléculas solúveis de acordo com as leis físico-químicas (Gilbert, 1978).

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Ou, da maneira direta que a disputa logo viria a tomar: o desenvolvimento era direcionado

pela morfologia do núcleo ou pela química do citoplasma.

Como foi visto na seção 2.1.3, a idéia de que os cromossomos portavam o material

celular obteve grande aceitação a partir das duas últimas décadas do século XIX. O

comportamento dos cromossomos durante a fertilização, a mitose e a meiose havia chamado

atenção para sua provável importância na hereditariedade. No fim do século XIX, Boveri, que

em 1902 seria o primeiro a cogitar a relação entre o mendelismo e a dinâmica dos

cromossomos, realizou um experimento que fortaleceu ainda mais a interpretação de que os

cromossomos controlavam a hereditariedade. Boveri fertilizou um óvulo sem o núcleo de uma

espécie de ouriço-do-mar com o esperma de outra espécie. O ovo haplóide resultante desta

hibridização continha apenas o núcleo paterno derivado do espermatozóide. Como a larva do

híbrido lembrava aquela da espécie paterna, Boveri concluiu que o núcleo controlava a

hereditariedade (Gilbert, 1987). As idéias de Boveri foram saudadas por Wilson em seu

influente livro-texto The Cell in Development and Inheritance. Para Wilson, o núcleo

controlava o desenvolvimento secretando substâncias para o citoplasma. “Ambos são

necessários para o desenvolvimento, mas o núcleo sozinho é suficiente para a herança de

possibilidades específicas de desenvolvimento” (Wilson, 1900, p.11). A hereditariedade era

cromossômica.

A idéia de que os cromossomos controlavam a hereditariedade despertou o interesse

de Morgan e ele direcionou suas pesquisas para o interior da célula. No entanto, seus próprios

experimentos indicaram que o desenvolvimento era controlado pelo citoplasma e não pelo

núcleo. Por exemplo, ele demonstrou que a incapacidade de blastômeros pequenos em

produzir embriões inteiros era devida ao volume de citoplasma contido neles e não à perda de

material cromossômico, como seria esperado pela teoria de Roux. Outros experimentos,

realizados em co-autoria com Driesch, demonstraram que a retirada de material

citoplasmático de ctenóforos produzia larvas aberrantes (Gilbert, 1987). As evidências obtidas

pareciam não deixar dúvidas de que o desenvolvimento inicial do embrião era controlado pelo

citoplasma. O volume citoplasmático do embrião como um todo, e não o núcleo individual de

cada célula, guiava a ontogenia.

Em 1902, Walter Sutton, o novo aluno do laboratório de Wilson, inspirado em um

artigo de Boveri (1902), escreveu um comentário associando a segregação mendeliana ao

comportamento dos cromossomos durante a meiose:

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Para finalizar, eu gostaria de chamar atenção para a probabilidade de que a associação dos cromossomos paternos e maternos em pares e sua subseqüente separação durante a divisão redutora [i.e. meiose], como mostrado acima, pode constituir as bases físicas das leis mendelianas da hereditariedade. Eu espero retornar em breve a este assunto em outra oportunidade. (Sutton, 1902, p.39)

E, de fato, Sutton retornou ao assunto no ano seguinte expondo de modo detalhado sua

interpretação citológica das leis mendelianas de segregação independente dos genes e alelos

(1903). A proposta de Sutton foi retrabalhada por Wilson e Stevens, dando origem à teoria

cromossômica mendeliana da herança (TCMH). No mesmo período, outra evidência da

correlação entre os cromossomos e a hereditariedade foi fornecida pelo estudo da

determinação sexual em insetos, fortalecendo assim a concepção cromossômica da

hereditariedade. A análise de dezenas de espécies de insetos mostrou que machos e fêmeas

diferiam cromossomicamente (Mcclung, 1902; Stevens, 1905; Wilson, 1905).

Contudo, Morgan permaneceu cético e não aceitou que os cromossomos controlavam

a hereditariedade e o desenvolvimento (Benson, 2001). Ele continuou cauteloso tanto em

relação à TCMH, quanto à proposta de que o sexo era determinado pelos cromossomos.

Morgan acusou o mendelismo de estar transformando “fatos em fatores” (Morgan, 1909b) e

em tom de aprovação citou Oscar Ridle: “A natureza da interpretação e descrição mendeliana

está inextricavelmente comprometida com a ‘doutrina das partículas’ no germe ou outro lugar

qualquer. [...] Ela é, essencialmente, uma concepção morfológica com apenas um resquício de

caráter funcional. Com um olho vendo apenas partículas e um discurso apenas as

simbolizando, não há tal coisa como o estudo de um processo [...] (Morgan, 1909a, p.509).

Assim como Hertwig, Morgan defendia que os ovos e os primeiros estágios do embrião

tinham a potencialidade de se tornarem ambos os sexos. A determinação sexual dependia da

dinâmica de influências internas e externas durante a ontogenia (Maienschein, 1984). Para

Morgan “[...] a determinação do sexo não deve ser o resultado da divisão nuclear diferencial

que dispõe os cromossomos determinantes do sexo em células diferentes, o processo é

químico ao invés de morfológico” (Morgan, 1905, p.841). Até o fim da primeira década do

século XX, Morgan favoreceu a interpretação epigenética do desenvolvimento em relação ao

preformacionismo:

A interpretação atualmente aceita da herança mendeliana é estritamente preformacionista [...] Quais destes pontos de vista, preformação ou epigênese, podemos considerar mais útil como hipótese de trabalho é, na minha opinião, a questão do momento. Minha preferência — ou

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talvez preconceito — é pela interpretação epigenética, mas a verdade pode estar em algum lugar entre estas duas formas de pensamento que são Cila e Caribdes das especulações biológicas. (Morgan, 1907, p.384)

A “conversão” de Morgan, como é freqüentemente chamada sua aceitação repentina

do mendelismo e do papel dos cromossomos no desenvolvimento, ocorreu em 1910. As

causas que levaram Morgan a mudar tão radicalmente de opinião são variadas e controversas,

passando por motivos empíricos, filosóficos e institucionais. Mas o fato é que as pesquisas

com um novo organismo modelo — a mosca Drosophila melanogaster — lhe oferecu

evidências contundentes. Ele ainda acusava a teoria cromossômica da hereditariedade de

preformacionista quando começou a obter dados ligando a herança do sexo à herança de

mutações. O evento decisivo para a conversão de Morgan e que produziu o experimento

exemplar da teoria do gene se iniciou com a aparição de uma mosca de olhos brancos entre

centenas de moscas normais de olhos vermelhos. O cruzamento desta mosca com uma mosca

normal produziu uma geração composta apenas de moscas de olhos vermelhos. No entanto, o

cruzamento entre as moscas desta geração produziu um resultado surpreendente: cerca de

metade das moscas era de fêmeas de olhos vermelhos, um quarto era de machos de olhos

vermelhos e o quarto restante era formado por machos de olhos brancos. Não havia uma única

fêmea de olhos brancos (Morgan, 1910b). O experimento fornecia uma evidência

inquestionável de que havia uma ligação entre a segregação do sexo e a cor do olho. Como

havia sido demonstrado que a determinação do sexo em moscas drosófilas era cromossômica,

a ligação da segregação mendeliana de um caráter ao sexo era um indício de que o caráter

também era determinado pelos cromossomos, como defendia a TCMH. Um ano depois,

Morgan demonstrou que além da cor do olho, a cor do corpo e o formato da asa também se

segregavam juntos ao sexo.

As evidências a favor da TCMH foram recebidas de bom grado pela nova geração de

estudantes de Morgan — Sturtevant, Muller e Bridges —, todos ex-alunos de Wilson e

simpáticos à teoria cromossômica da herança. Em menos de uma década, eles mapearam

cerca de 400 mutações em Drosophila e, em 1915, o grupo publicou The Mechanism of

Mendelian Heredity, a primeira tentativa de unificar e apresentar sua nova interpretação da

hereditariedade.

A consolidação de uma nova disciplina inclui também contar sua história. E, a partir

da década de 1920, a teoria do gene ou genética começou a contar a sua. Segundo Gilbert

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(1998a), a teoria do gene costuma reconhecer três influências fundadoras (além de Mendel, é

claro): os criadores de plantas e animais, a citologia e o mendelismo (p. ex Dunn, 1965;

Sturtevant, 1965). Os criadores de plantas e animais contribuíram com o papel de

investigadores pré-científicos da hereditariedade. O “mendelismo evolutivo” de Bateson e De

Vries contribuiu com o resgate de Mendel. A contribuição da citologia é limitada a desvendar

o papel dos cromossomos como portadores do material hereditário e preparar o caminho para

descoberta dos mecanismos mendelianos. Apesar da evidente importância da embriologia

para a formulação da teoria do gene, sua influência foi quase que completamente omitida. A

historiografia da genética, começando pela história contada pelo próprio Morgan (1932), fez

questão de ignorar suas origens embriológicas (Gilbert, 1978; Oppenheimer, 1983). No

entanto, é inegável que a teoria do gene nasce de dentro da embriologia experimental, fruto do

debate sobre como ocorria o processo de desenvolvimento e quem o controlava, o núcleo ou o

citoplasma. E, em última instância, se o desenvolvimento era um processo predeterminado ou

regulativo. Esta perspectiva, com o tempo esquecida pela imposição da historiografia

genética, é evidente quando Russell, por exemplo, ainda em 1930, escreve uma história das

teorias da hereditariedade e do desenvolvimento. Ele não teve dúvidas em ligar a teoria do

gene à embriologia experimental e às teorias micromeristas, colocando-a, especificamente, ao

lado da perspectiva preformacionista: “As teorias do germe-plasma e do gene, e de fato todas

as teorias lidando com partículas hipotéticas condicionando ou determinando o

desenvolvimento, pertencem, claro, à mesma corrente de pensamento que produziu as teorias

da preformação anteriores” (Russell, 1930, p.76). A ligação da teoria do gene com o

micromerismo não escapou ao próprio Morgan, que teve de se defender de críticas

semelhantes as que ele mesmo dirigia ao mendelismo cromossômico dez anos antes:

A tentativa de explicar o fenômeno biológico por meio de partículas representativas foi feita com freqüência no passado. A semelhança superficial da teoria do gene com algumas teorias anteriores há muito abandonadas, tem oferecido aos oponentes da teoria mendeliana a oportunidade de atacá-las fingindo que a idéia moderna do gene é igual às idéias de Herbert Spencer a respeito das unidades fisiológicas, de Darwin em relação aos pangenes e, principalmente, de Weismann sobre os bióforos. [...] Não é necessário negar, no entanto, que há uma conexão histórica entre a teoria da preformação medieval e a teoria particulada da herança. (Morgan, 1919, p.234)

Contra as acusações de que a teoria do gene não diferia das teorias micromeristas

anteriores, Morgan tratou de mostrar o que as distinguiam. A primeira diferença apontada é

§2

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que as teorias anteriores explicavam tanto o desenvolvimento quanto a hereditariedade. “De

fato, toda teoria de Weismann foi inventada para explicar primariamente o desenvolvimento

ao invés da genética” (Morgan, 1919). A teoria do gene dividiu ontológica e

metodologicamente o organismo em uma dimensão horizontal — hereditariedade — e em

uma dimensão vertical — o desenvolvimento — e se comprometeu a explicar apenas a

primeira delas (ver adiante a seção 2.3.2).

A outra diferença entre a teoria do gene e a tradição micromerista é a natureza da

evidência na qual as teorias se apoiaram. A teoria do gene apropriou-se da metodologia do

mendelismo para obter evidências da estrutura hereditária. Os famosos experimentos de

Mendel trataram caracteres descontínuos — rugoso, liso, verde, amarelo, etc. — pela sua

probabilidade de distribuição. Ele analisou os resultados de cruzamentos por várias gerações e

percebeu que alguns caracteres presentes na primeira, mas ausentes na segunda, reapareciam

na terceira geração. Tudo se passava como se o caráter fosse determinado por dois elementos

distintos que não se misturavam — cada um proveniente de um dos progenitores. A

interpretação dos trabalhos de Mendel no início do século XX, principalmente por William

Bateson (1902), criou o mendelismo e formulou explicitamente as duas leis de Mendel. A

primeira lei afirmava que as variações dos fatores mendelianos (os alelos) se segregam

separadamente. A segunda lei afirmava que os fatores mendelianos (os genes) se segregam

independentemente.

A abordagem mendeliana da hereditariedade tem muito em comum com a biometria

de Galton, Pearson e Weldon. Ambas as abordagens não se interessaram em explicar a

fisiologia da hereditariedade. Elas apenas estudavam o padrão de distribuição das

semelhanças e das variações entre gerações e nenhuma delas contemplava o problema do

desenvolvimento. Tanto o mendelismo quanto a biometria foram projetados para explicar as

diferenças entre indivíduos e a segregação destas diferenças em uma população (Webster e

Goodwin, 1996). No entanto, seguindo a análise de Gayon (2000), já mencionada na seção

2.1.1, há duas rupturas epistemológicas na abordagem mendeliana em relação à biometria: (i)

para a biometria, a hereditariedade era quase sinônimo de descendência ou linhagem. Ela era

uma força que agia como a soma de influências dos antepassados, como denota a expressão

hereditariedade ancestral utilizada por Galton. No mendelismo, a hereditariedade deixa de

ser uma questão de força ancestral e passa a ser uma questão de estrutura da descendência. O

que importa é a constituição hereditária das gerações anteriores. (ii) Conseqüentemente, as

§2

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duas abordagens diferem quanto ao uso da matemática: para os biometristas a estatística era

uma ferramenta para medir uma magnitude. Já para os mendelistas, “a tarefa da análise

estatística era revelar a estrutura genotípica individual e a dinâmica de recombinação entre

unidades” (Gayon, 2000, p.77). Como disse o mendelista Johannsen, a hereditariedade deve

se investigada “com matemática, não como matemática” (Sapp, 2003a, p.135).

Eis aqui o ponto que Morgan chama a atenção em favor da sua abordagem: o

mendelismo permitia a inferência da estrutura hereditária. As especulações micromeristas

deduziam a estrutura hereditária de pouco mais do que a necessidade de uma explicação da

hereditariedade coerente com a teoria celular e a citologia. Não era isso que fazia a teoria do

gene. A nova teoria foi inferida “passo por passo de evidências genéticas experimentalmente

determinadas e cuidadosamente controladas em cada ponto” (Morgan, 1926, p.31). O gene

não era uma entidade hipotética, era uma variável operacional.

A maior virtude da teoria do gene em relação ao mendelismo é que ela amplia esta

capacidade de mensuração da estrutura hereditária (Gayon, 2000). O mendelismo, na sua

forma original, não se comprometia com a realidade das estruturas hereditárias. Bateson e

Johannsen propuseram a genética como uma ciência independente da embriologia e da

citologia, comprometida exclusivamente com os dados genealógicos dos experimentos de

hibridização (Olby, 1985). Quando Wilhelm Johannsen propôs o termo gene, buscava uma

nova palavra que estivesse livre da contaminação do preformacionismo associado às

partículas das teorias micromeristas. O termo pretendia simplesmente especificar o fato de

que certas características do organismo comportavam-se como unidades que se segregavam

segundo as leis de Mendel:

A palavra gene é completamente livre de qualquer hipótese; ela expressa apenas o fato certo de que muitos caracteres do organismo são de alguma forma estipulados pelas condições, rudimentos ou germes [Anlagen] especiais, separáveis e, conseqüentemente, independentes que estão presentes nos gametas [...] quanto à realidade do ‘gene’ ainda não vale a pena propor qualquer hipótese; mas que a noção de gene cobre uma realidade, é evidente no mendelismo. (Johannsen, 1911, p.133)

O gene era reconhecido pelo seu “representante”, o caráter, ou mais precisamente, pela

aparição alternativa do caráter. Este, por sua vez, era definido como uma unidade fenotípica

transmitida segundo as leis de Mendel, sendo, portanto, tanto o gene quanto os caracteres

identificados pelos seus efeitos (Falk, 1984). De fato, os primeiros geneticistas, como Bateson

§2

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(1861–1926) e De Vries (1848–1935), referiam-se à unidade de herança como “caráter-

unidade”, indiferentemente para a unidade ou para o caráter (Burian et al., 1996).

Mas, evidentemente, a intenção de Bateson e Johannsen de afastar o mendelismo da

embriologia e da citologia falhou. Na segunda década do mendelismo, a disciplina foi

invadida pelas moscas drosófilas e seus cromossomos. O gene passou a ser definido como

uma estrutura especificamente localizada no cromossomo a partir da metodologia mendeliana.

Eis a formulação da Teoria do Gene na sua forma madura:

A teoria propõe que os caracteres do indivíduo se referem aos elementos pareados (genes) no material germinal que estão agrupados em um número definido de grupos de ligação; propõe que os membros de cada par de genes se separam [...] de acordo com a primeira lei de Mendel e em conseqüência cada célula germinal contém apenas um membro do par; propõe que os membros pertencentes a grupos diferentes de ligação se segregam independentemente de acordo com a segunda lei de Mendel; propõe também que ocorre [...] crossing-over entre os elementos dos grupos de ligação correspondentes; e propõe que a freqüência de crossing-over

fornece evidência da ordem linear dos elementos em cada grupo de ligação e da posição

relativa dos elementos em relação uns aos outros. (Morgan, 1926, p.25, itálicos meus)

O conceito de grupo de ligação e a relação da freqüência de crossing-over com a

localização cromossômica permitiram não apenas inferir a estrutura hereditária, como

também associá-la à estrutura morfológica da célula. Ao impor uma condição à segunda lei de

Mendel35 — os genes se segregavam independentemente apenas se pertencessem a grupos de

ligação diferentes — foi possível relacionar os genes aos cromossomos. Ao propor que “a

freqüência de crossing-over fornece evidência da ordem linear dos elementos em cada grupo

de ligação e da posição relativa dos elementos em relação uns aos outros” a teoria do gene

forneceu uma descrição cartográfica da estrutura hereditária. O fator mendeliano tornou-se

uma posição no cromossomo, um loco.

Com a definição do gene como um loco cromossômico, a interpretação instrumental

do conceito de gene dos mendelistas foi gradualmente sendo substituída pela interpretação do

gene como uma entidade real posicionada sobre o cromossomo — a famosa imagem do colar

de contas. Embora sua estrutura material não fosse conhecida, ele existia como uma partícula

no cromossomo, determinante do fenótipo, que se segregava segundo as leis mendelianas.

Como disse Falk (2003), as modernas técnicas de seqüenciamento de DNA são uma extensão

direta dos mapas cromossômicos da teoria do gene.

§2

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35 Esta modificação da segunda lei do mendelismo fornece um bom exemplo de alteração do núcleo duro de uma teoria, como defendido por Laudan contra Lakatos.

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Os fundadores da genética ainda permaneceram divididos por um longo tempo quanto

a se o gene era uma entidade real ou um recurso instrumental para o estudo da transmissão

hereditária. Para E. M. East (1879–1938), o gene funcionava como um recurso contábil:

“Quase quinze anos atrás, tentei defender a tese de que o método mendeliano de registrar os

fatos da herança era simplesmente uma noção útil para a descrição de fatos

fisiológicos” (East, 1926). Para Herman J. Muller (1890–1967), que havia demonstrado que

raios-X induziam mutações, o gene representava uma espécie de substância orgânica:

Além dos ordinários carboidratos, lipídios, proteínas e extratos de vários tipos, há na célula milhares de substâncias distintas — os “genes”; estes genes existem como partículas ultramicroscópicas; no entanto, sua influência permeia toda a célula [...] os genes estão no cromossomo [...] A composição química dos genes e a fórmula das suas reações permanecem bastante desconhecidas. (Muller, 1922)

Ao receber o prêmio Nobel, em 1933, pelas “suas descobertas a respeito do papel dos

cromossomos na hereditariedade”, Morgan sintetizou o estado do conhecimento do período e

deixou claro que o gene não era uma mera partícula hipotética, mas uma variável com a qual

era possível inferir a estrutura hereditária:

Qual a natureza dos elementos hereditários que Mendel postulou como entidades puramente teóricas? O que são genes? Agora que nós os localizamos nos cromossomos estamos justificados em considerá-los como unidades materiais; como corpos químicos de ordem superior às moléculas? [...] Não há opinião consensual entre os geneticistas sobre o que são os genes — se eles são reais ou puramente fictícios [...] Em qualquer dos dois casos a unidade [o gene] é associado com um cromossomo específico e pode ser localizado lá pela análise puramente genética. (Morgan, 1965, p.316)

2.3.2 Hereditariedade e desenvolvimento

A distinção entre genótipo — “a dotação genética de um indivíduo” — e o fenótipo —

“o corpo em que esse genótipo se transformou durante o desenvolvimento” (Mayr, 1998) — é

um dos alicerces da biologia contemporânea. Contudo, a despeito das duas noções

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desempenharem um papel central na tradição de pesquisa preformacionista que dominou a

biologia do século XX, suas origens e significados são confusos.36

Em geral, a distinção entre genótipo e fenótipo é considerada conseqüência ou mesmo

sinônimo do weismannismo. Mas, quando ela foi proposta por Johannsen, em 1909, não se

referia às idéias de Weismann (pelas quais, aliás, Johannsen não cultivava simpatia). O

weismannismo em si também é sinônimo de outra idéia relacionada — a teoria da

continuidade do germe-plasma. Mas, a idéia de separação entre germe e soma, normalmente

associada à Weismann, possui um precursor legítimo. A idéia de continuidade germinal já

havia sido claramente defendida por Francis Galton (Hertwig, 1929; Olby, 1990a; Gayon,

1998; Mayr, 1998). Em 1896, o próprio Johannsen chamava atenção para a precedência de

Galton: “As concepções nas quais esta importante teoria [a continuidade do germe-plasma] é

baseada são bastante antigas e até onde sabemos foram propostas pela primeira vez por

Galton, há cerca de vinte anos, em conexão com algumas idéias de Darwin agora

abandonadas” (apud Dunn, 1965, p.38). Soma-se a tudo isto o fato de que nem Galton, nem

Weismann, nem Johannsen faziam a distinção entre os fenômenos de transmissão hereditária e

desenvolvimento, a característica fundamental das noções atuais de genótipo e fenótipo.

Dado este quadro bastante complexo, realizarei uma discussão conceitual na tentativa

de esclarecer a gênese destas duas noções tão poderosas. Começarei pelo início, quando

Galton, para impedir a herança de caracteres adquiridos, propôs a separação entre partículas

latentes e partículas patentes. As investigações de Galton sobre a hereditariedade foram tão

influentes quanto variadas. Sua obra pode ser arbitrariamente dividida em três fases (Michael,

1999): (i) os trabalhos com gêmeos e o início do debate entre natureza e criação37 (e.g.

Galton, 1865); (ii) a abordagem fisiológica e micromerista (e.g. Galton, 1876a); e (iii) a

§2

– 66 –

36 Limitar-me-ei em discutir a polêmica conceitual envolvendo as origens das noções de genótipo e fenótipo. Atualmente, o principal problema conceitual é de ordem ontológica. Ambos os termos são usados inadvertidamente para se referir tanto ao type, quanto aos seus tokens. Designa tanto um tipo de coisa quanto os seus casos concretos. O genótipo pode se referir ao conjunto de locos de uma espécie – o genoma humano, por exemplo – ou a um loco particular – o gene do alcoolismo, por exemplo – ou ainda ao conjunto de alelos de um indivíduo – os meus genes, por exemplo. Da mesma forma, um fenótipo pode ser tanto um tipo de caráter da espécie – por exemplo, a cor dos olhos –, quanto uma a manifestação real deste tipo – por exemplo, olhos azuis –, ou ainda, o conjunto de todos os caracteres de um indivíduo. Para uma discussão mais completa do tema, ver Lewontin (1992b; 2004) e Mahner e Bunge (1997).

37O debate entre natureza e criação é conhecido em inglês pelo jogo de palavras nature and nurture . Ele inclui, mas não se limita à dimensão biológica do debate aqui discutida. Oposições filosóficas como razão e experiência, ou sociológicas como biologia e cultura, também são acomodados sob o leque de significados do debate entre natureza e criação.

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abordagem estatística da hereditariedade (e.g. Galton, 1889). A primeira fase será abordada,

brevemente, no capítulo 4, quando discutirei Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais. A

última fase já foi mencionada quando falei da tentativa de quantificação estatística da força

hereditária pela biometria. Irei me concentrar agora na segunda fase, quando Galton abordou

o problema do desenvolvimento e da hereditariedade de uma perspectiva fisiológica e propôs

a idéia de continuidade germinal.

Galton foi um dos primeiros autores a explorar a teoria da pangênese. Impressionado

pela idéia de Darwin, Galton projetou um experimento para testá-la. O experimento foi

concebido de maneira a detectar se as gêmulas (as partículas responsáveis pelos fenômenos

geracionais propostas por Darwin) circulavam pelo corpo. Ele realizou a transfusão de

grandes quantidades de sangue entre diversas raças de coelho. Galton esperava que, se a teoria

da pangênese estivesse correta, as gêmulas circulantes contidas no sangue injetado nas

linhagens puras fariam com que características das outras raças se manifestassem na prole dos

coelhos que haviam recebido as transfusões. O sangue de coelhos de cor cinza, por exemplo,

injetado em coelhos brancos, deveriam causar alterações na coloração do pêlo da prole da

raça branca. Galton repetiu os experimentos por duas gerações, mas não observou qualquer

dado que pudesse dar suporte à hipótese provisória de seu ilustre primo. “A conclusão que não

pode ser evitada a partir desta grande série de experimentos é que a doutrina da pangênese,

pura e simples, como eu a interpretei, é incorreta” (Galton, 1870, p.404).

Em virtude destes experimentos, Galton elaborou uma teoria da herança micromerista

alternativa à teoria da pangênese. Ao invés de permitir que as partículas hereditárias

circulassem pelo corpo e depois se concentrassem nas células sexuais, ele propôs que cada

indivíduo era composto de duas partes: uma latente e “conhecida apenas por seus efeitos na

posteridade” e outra patente que constitui o corpo “manifesto para os nossos

sentidos” (Galton, 1871, p.394). Galton propôs que as partículas hereditárias contidas no ovo,

denominadas por ele de estirpe (Galton, 1876a), em sua maioria eram responsáveis pelo

desenvolvimento da estrutura orgânica, ou seja, o corpo patente. Contudo, uma minoria ficava

latente, isolada da influência das circunstâncias de vida e eram passadas adiante pelas células

sexuais. “A dimensão da verdadeira ligação hereditária não conecta [...] os pais aos filhos,

mas os elementos primários dos dois, tais como eles existiam em cada ovo fertilizado, de

onde eles respectivamente se desenvolveram” (Galton, 1871, p.400).

§2

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Weismann reconheceu as semelhanças da sua teoria da continuidade germinal com as

idéias de Galton, mas fez questão de ressaltar que elas eram superficiais (Weismann, 1893).

Contudo, as grandes diferenças apontadas por Weismann entre as duas teorias envolviam

aspectos não relacionados à continuidade germinal, como, por exemplo, o modo de

desenvolvimento. Em relação à continuidade germinal, as teorias eram, de fato, muito

semelhantes, exceto pelo fato de Galton aceitar algumas violações da separação entre o germe

e o soma que permitiam, excepcionalmente, a herança de caracteres adquiridos. Mas, ao

contrário de Galton, cujas idéias oscilaram em torno de temas e métodos muitos diferentes por

toda sua carreira, a idéia de continuidade germinal desempenhou um papel central na teoria

do desenvolvimento de Weismann.

O que primeiro me chamou atenção quando comecei a considerar seriamente o problema da hereditariedade […] foi a necessidade de assumir a existência de uma substância hereditária distintamente organizada e vivente, a qual em todos os organismos multicelulares, ao contrário da substância que compõem o corpo efêmero do indivíduo, é transmitida de geração para geração. Esta é a teoria da continuidade do germe-plasma. (Weismann, 1892, p.xi, itálicos no original)

A teoria da continuidade germinal parece antecipar os conceitos de genótipo e

fenótipo. O genótipo seria o conjunto de determinantes contido nas células germinais e o

fenótipo a conseqüência da manifestação do potencial dos determinantes. Contudo, esta

interpretação tem dois problemas. Primeiro, Weismann, no sentido estrito do que se entende

hoje como weismannismo, não era weismannista (Griesemer e Wimsatt, 1989; Winther, 2001;

Amundson, 2005). Se o weismannismo for entendido como a proibição da herança tênue (soft

inheritance), como definida por Mayr — a herança de caracteres adquiridos e “da

modificação do material hereditário pelas condições gerais do clima e do meio ambiente

(geoffroysmo), ou diretamente por nutrição, sem que os caracteres periféricos fenotípicos

servissem necessariamente como intermediários” (Mayr, 1998, p.766, itálicos meus) — então

Weismann não era weismannista. Para Weismann, o material hereditário estava

morfologicamente isolado do restante do corpo. Contudo, isto não significada que ele estava

variacionalmente isolado. As variações do germe-plasma eram causadas por influências

externas ao germe plasma durante a existência do corpo. A fonte de variação hereditária — o

material sobre o qual a seleção natural operava — era a ação do meio sobre as células

germinais. Embora Weismann tenha se tornado famoso no século XX “por combater a

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herança de variações somáticas adquiridas, na realidade ele consagrou a herança de variações

adquiridas no germe-plasma” (Winther, 2001).

O segundo ponto pelo qual a interpretação das idéias de Weismann como a

antecipação dos conceitos de genótipo e fenótipo é inadequada deriva do fato de que para ele,

assim como para todos os seus contemporâneos, o desenvolvimento e a hereditariedade eram

explicados no mesmo domínio cognitivo. Este ponto, que já enfatizei diversas vezes, fica

claro se lembrarmos que, como foi visto na seção 2.2.1, Weismann defendia que a

diferenciação celular era conseqüência da desigualdade da divisão dos determinantes. A teoria

de Weismann (assim como a de Galton) explicava tanto os mecanismos desenvolvimentais

quanto os mecanismos hereditários. A separação entre desenvolvimento e hereditariedade, a

característica fundamental dos conceitos contemporâneos de genótipo e fenótipo, não existia

na teoria de Weismann.

Contudo, se Weismann não antecipa as noções atuais de genótipo e fenótipo por não

distinguir a hereditariedade e o desenvolvimento, tampouco os sentidos originais dos

conceitos propostos por Johannsen, em 1909, o fazem. Ao propor o termo fenótipo, Johannsen

tinha em mente a idéia de média como aplicada pelos biometristas (Falk, 1986; Mayr, 1998).

Johannsen realizou uma série de auto-fecundações para a obtenção de linhagens puras de

feijão. Mas, quando as plantas cresciam, permaneciam variações no tamanho dos grãos que

elas produziam. Embora fossem linhagens mendelianamente puras (eram homozigotas em

todos os locos), não produziam plantas iguais. Para referir-se ao valor estatístico médio da

variação do tamanho dos grãos de uma amostragem produzida por uma linhagem pura,

Johannsen introduziu o termo fenótipo. Em contrapartida, para referir-se à constituição

hereditária das sementes, utilizou o termo genótipo. Portanto, originalmente, o termo genótipo

era uma abstração do potencial do embrião, freqüentemente descrito como uma norma de

reação, mas nunca reduzido por Johannsen a uma estrutura material (Falk, 1986). O fenótipo,

por sua vez, era um conceito populacional que se referia ao conjunto de indivíduos formados

a partir de um mesmo genótipo. Johannsen não tinha em mente a continuidade do germe-

plasma. E, principalmente, ele não pretendia redefinir a hereditariedade como a transmissão

do genótipo. Aliás, Johannsen era um crítico das “concepções da hereditariedade como

transmissão” (Johannsen, 1911). “Em 1909, transmissão e desenvolvimento são considerados

por Johannsen um e o mesmo” (Churchill, 1974, p.18).

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Até agora foi esclarecido o que as noções contemporâneas de genótipo e fenótipo não

são. Elas não são sinônimos da teoria da continuidade germinal como entendida por Galton e

Weismann, nem são o sentido original dos termos propostos por Johannsen em 1909. Resta

agora defini-los positivamente. Os sentidos contemporâneos dos termos genótipo e fenótipo

são uma cooptação dos termos realizada pela teoria do gene para se referir à separação

entre os fenômenos hereditários e desenvolvimentais. Como vem sendo dito ao longo do

capítulo, a hereditariedade e o desenvolvimento, antes da teoria do gene, pertenciam a um

mesmo domínio de explicação (Gilbert, 1978; Allen, 1985; 1986; Maienschein, 1986; Sander,

1986; Olby, 1990a; Gilbert, Opitz et al., 1996; Burian, 2005b). Todas as teorias que

propuseram a existência de um material hereditário explicavam tanto a hereditariedade quanto

o desenvolvimento. A teoria do gene limitou seu escopo explicativo. Ela se propôs explicar

apenas a transmissão das partículas hereditárias e não a maneira como elas se manifestavam

na realização da ontogenia:

Entre os caracteres — que fornecem os dados para a teoria — e os genes postulados — aos quais os caracteres se referem — reside todo o campo do desenvolvimento embrionário. A Teoria do Gene, como aqui formulada, não diz nada em relação à maneira como os genes estão conectados ao seu produto final ou caráter. A ausência de informação em relação a este intervalo não significa que o processo do desenvolvimento embrionário não é do interesse dos geneticistas. O conhecimento do modo como os genes produzem seus efeitos no desenvolvimento individual, sem dúvida, ampliaria imensamente nossas idéias a respeito da hereditariedade e provavelmente tornaria mais claro muitos fenômenos que atualmente são obscuros, mas o fato é que a segregação dos caracteres em gerações sucessivas pode ser

explicada atualmente sem referência ao modo como os genes afetam o processo

desenvolvimental. (Morgan, 1928, p.26, itálicos meus)

E, mais adiante, respondendo às críticas dos embriologistas, Morgan se defendeu

afirmando que estes não entendem, justamente, a separação que ele está propondo:

Tem sido dito, por exemplo, que a suposição de unidades invisíveis no material germinal, na realidade, não explica nada, pois atribui as unidades às próprias propriedades que a teoria se propõe a explicar. No entanto, as únicas propriedades atribuídas ao gene são os dados numéricos fornecidos pelos indivíduos. Este criticismo, como outros do tipo, surgem da confusão dos problemas da genética com aqueles do desenvolvimento. (Morgan, 1928, p.27, itálicos meus)

Note o contraste destas afirmações com a abordagem defendida pelo próprio Morgan,

em 1910, período em que iniciava as pesquisas com Drosophila: “Nós temos abordado o

problema da hereditariedade como idêntico ao do desenvolvimento. A palavra hereditariedade

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refere-se às propriedades das células germinais que se expressam do desenvolver do

organismo” (Morgan, 1910a, p.449).38 O amadurecimento da teoria do gene durante a

segunda década do século XX levou Morgan a mudar mais uma vez de opinião. Além de

aceitar a TCMH e materializar os fatores mendelianos como locos cromossômicos, Morgan

separou o problema da “segregação dos caracteres hereditários” do problema do

desenvolvimento dos caracteres. De maneira direta, sem a sábia cautela de Morgan de não se

comprometer com a realidade dos genes, a hereditariedade foi redefinida como a transmissão

dos genes e o desenvolvimento como suas manifestações fisiológicas.

A reinterpretação do weismannismo e dos conceitos de fenótipo e genótipo realizada

pela Teoria do Gene serviram para legitimar a separação entre fenômenos hereditários e

desenvolvimentais. A separação teórica logo se manifestou como uma separação disciplinar.

Durante a maior parte do século XX, a genética e a embriologia seguiram seus caminhos

como disciplinas distintas. A embriologia, com seu modelo epigenético, buscou elucidar a

morfogênese do organismo e a regulação do desenvolvimento com conceitos como gradientes

e campos morfogenéticos. A genética, com seu modelo preformacionista, investigou a

segregação dos caracteres e esperou até que a análise funcional dos genes pudesse revelar

como a ação gênica podia ser responsável pelo desenvolvimento.

§2

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38 A estratégia de fechar o desenvolvimento em uma caixa-preta já havia sido usada pelo Mendelismo no contexto da evolução. Para Bateson, o grande obstáculo para o estudo da evolução, em todo o período pós-darwiniano do século XIX, havia sido o foco excessivo no desenvolvimento. Para Bateson, o estudo da evolução deveria focar apenas a variação, independente de como ela era produzida durante o desenvolvimento. Como é corrente na literatura contemporânea da evo-devo, a estratégia morganiana de fechar o desenvolvimento em uma caixa-preta para estudar a hereditariedade como a transmissão de genes foi empregada para o estudo da evolução pela genética de populações e mais tarde pela Teoria Sintética. A evolução foi redefinida como a alteração da freqüência gênica de uma população e o desenvolvimento ignorado.

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Figura 3 A genealogia da noção contemporânea de genótipo e fenótipo, segundo as suas representações esquemáticas: (a) A segregação da linhagem germinal em Weismann (1893 , p.196). Repare como as células germinais, representas pelos círculos pretos com núcleos brancos, “fazem parte do fenótipo”. Elas são seqüestradas morfologicamente, mas não são seqüestradas variacionalmente. (b) A simplificação da idéia de continuidade germinal apresentada na introdução de Wilson (1900, p.13). (c) O weismannismo molecular representado pelo fluxo unidirecional da informação do DNA para a proteína, como reza o Dogma Central. (d) A interpretação moderna da divisão entre genótipo e fenótipo. Figuras 1c e 1d. adaptadas de Maynard-Smith (1993), p.67, figura 8, intitulada Weismannismo e o Dogma Central.

2.4 Preformação e teoria do gene

Após a discussão de todos estes elementos, é possível avaliar a proposta de que a

conciliação genética é historicamente falaciosa. De maneira direta, é o momento de perguntar:

a teoria do gene é preformacionista? Em que sentido ela rompeu com a racionalidade da

§2

– 72 –

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tradição de pesquisa preformacionista? Segundo Morgan, a teoria do gene rompeu com o neo-

preformacionismo e forneceu uma alternativa às especulações micromeristas devido à nova

metodologia e à separação entre a hereditariedade e o desenvolvimento. A teoria do gene foi

construída em cima de uma metodologia completamente distinta das anteriores. Havia

evidências experimentais das partículas. Evidências tão incisivas que a posição das partículas

nos cromossomos podia ser inferida. E afinal de contas, como uma teoria que não se propõe a

explicar o desenvolvimento pode ser rotulada de preformacionista? Portanto, para responder à

pergunta se a teoria do gene é preformacionista, é necessário primeiro contemplar a própria

defesa de Morgan. É preciso responder se a evidência experimental da estrutura hereditária e a

separação ontológica entre a hereditariedade e o desenvolvimento, como ele argumenta,

libertam a teoria do gene da tradição preformacionista.

De fato, a teoria do gene rompeu metodologicamente com o preformacionismo da

embriologia experimental. Ela inferiu a estrutura do material hereditário a partir da

metodologia mendelista e da teoria de que a freqüência de crossing-over indica a posição dos

genes no cromossomo. Mas isto a liberta da ontologia da tradição preformacionista? O fato de

que há evidências experimentais da existência e da posição dos genes faz com que eles

deixem de ser partículas determinantes do desenvolvimento? Parece evidente que não. A

evidência experimental de que existem genes nos cromossomos (independentemente da sua

constituição) capazes de determinar as características do organismo adulto não faz com que os

genes deixem de ser uma forma de preformação. É claro que o sentido de preformação aqui é

mais amplo do que o sentido de pré-existência. Assim como nas teorias neo-preformacionistas

da embriologia experimental, na teoria do gene não há, logicamente, a pré-existência dos

germes. O século XIX, principalmente através da teoria celular, havia negado a possibilidade

de que os germes fossem miniaturas pré-delineadas. Tampouco, a nova racionalidade

biológica permitia a preformação dos germes no sentido de uma metamorfose, ou seja, a

geração instantânea do germe pré-delineado. Para o século XIX, o Anlagen era uma célula

cuja estrutura interna era complexa e estruturada e o desenvolvimento um processo gradual de

diferenciação celular.

No entanto, o neo-preformacionismo, como exemplificado pelas teorias de Weismann

e Roux, não defendiam a pré-delineação da forma, nem sua metamorfose, mas a

predeterminação do processo de diferenciação celular. O desenvolvimento (e no caso também

a hereditariedade, pois a hereditariedade era ainda um fenômeno desenvolvimental) era auto-

§2

– 73 –

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determinado pela estrutura do material hereditário. As causas da ontogenia residiam todas no

núcleo. O desenvolvimento era a manifestação da complexidade pré-existente nos

cromossomos. Ou, se me permitem um anacronismo, repito a citação de Monod: “[não havia]

acréscimo de informação nova (Monod, 1970, p.117)”.

A tese que defendo é que a teoria do gene mantém a ontologia do neo-

preformacionismo. Os privilégios causais que o gene possui para explicar as propriedades do

organismo são os mesmos dos bióforos weismannianos, por exemplo. Atribui-se às

propriedades das partículas o poder de controlar e determinar o sistema. O fato de a prioridade

causal residir em partículas hipotéticas ou em variáveis operacionais não faz diferença

alguma. As causas do desenvolvimento permanecem concentradas exclusivamente no material

hereditário.

Além disso, o fato de que a teoria do gene rompeu metodologicamente com o

micromerismo não significa que ela rompeu historicamente com a tradição de pesquisa

preformacionista. Isto fica claro ao acompanhar a evolução do modo como as partículas foram

concebidas pelas teorias. De modo geral, elas se aproximaram cada vez mais do que o século

seguinte iria consagrar como o gene. Em Spencer, as partículas eram todas iguais e cada uma

representava todo o organismo. Em Darwin, as partículas eram diferentes umas das outras e

eram amostras de cada célula. Em Galton, estavam isoladas do resto do corpo nas células

germinais. Em Weismann, além de isoladas, estavam localizadas no cromossomo. Em De

Vries, representavam não as células, mas os caracteres do organismo. Há uma linhagem de

conceitos concebidos sob a orientação de uma mesma ontologia.

Na verdade, ao cooptar a metodologia do mendelismo, a teoria do gene tornou-se mais

preformacionista do que a maioria das teorias micromeristas. Pois, assim como os pangenes

de De Vries e os fatores mendelianos, os genes referiam-se a caracteres do organismo e não a

entidades da hierarquia biológica como células, tecidos ou órgãos. Inicialmente, a teoria do

gene manteve a epistemologia instrumentalista do mendelismo e definiu o gene pelo fenótipo.

Mas, com a evolução da teoria do gene, o próprio fenótipo passou a ser definido pelo gene e

não mais o gene definido pelo padrão de segregação do caráter fenotípico. Os cromossomos

foram representados como uma fileira de genes para diferentes caracteres. O resultado é que

os mapas cromossômicos pareciam conter um organismo desmontado. Não havia um ser pré-

delineado, mas existiam todas as partes do organismo representados em uma seqüência linear

de partículas. Havia o gene da cor do olho, ao lado o gene para o formato da asa, ao lado deste

§2

– 74 –

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o gene para o formato do olho e assim por diante. Enquanto que um mapeamento hipotético

dos determinantes de Weismann representaria uma seqüência de tipos celulares

(determinantes de neurônios, osteoblastos, etc.) e, portanto, estaria menos comprometida com

o conceito de forma, a teoria do gene dividiu o organismo em módulos preformados.39 Nos

genes existiam instruções para a forma do organismo adulto.

Figura 4. O organismo desmontado: Representação das mutações nos quatro cromossomos de Drosophila melanogaster. Retirado de Morgan (1922).

§2

– 75 –

39 Aqui caberia a crítica de que a teoria do gene incluiu os conceitos de pleiotropia (o efeito de um gene em mais de um caráter) e caracteres poligênicos (o efeito de mais de um gene em um único caráter). Mas, embora estes fenômenos aumentem consideravelmente a complexidade da teoria do gene, eles não invalidam o raciocínio. O fato de que os cromossomos contêm um mapa do organismo não é alterado. Além disso, estes fenômenos não tiveram um papel central na formulação inicial da teoria do gene, sendo considerados complicações ou mesmo anomalias em relação ao padrão normal da relação um gene – um caráter.

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O segundo argumento de Morgan é que a teoria do gene rompe com o

preformacionismo micromerista, pois não se propõe a explicar o desenvolvimento, mas

apenas a hereditariedade. A teoria do gene não é uma teoria do desenvolvimento, mas uma

teoria da transmissão hereditária. Portanto, ela não pode ser comparada ao neo-

preformacionismo, pois não propõe um mecanismo ontogenético. Ela responde apenas à nova

questão que ela mesma perguntou: a hereditariedade, no sentido limitado de transmissão das

partículas hereditárias determinantes do fenótipo. No entanto, como poderia ocorrer o

desenvolvimento a partir da concepção de que a hereditariedade é efetuada pela transmissão

dos genes? Dito de outra maneira, quais alternativas de explicação do desenvolvimento a

teoria do gene deixa aberta? A resposta é: a expressão diferencial dos genes.

O argumento de que a teoria do gene não é preformacionista porque não diz respeito

ao desenvolvimento é falacioso, pois, embora a teoria do gene não explique o

desenvolvimento, ela redefine o que é o desenvolvimento. A teoria do gene não apenas

separou a hereditariedade do desenvolvimento, mas também redefiniu o desenvolvimento em

termos do gene.40 Para a neo-epigênese e, principalmente, a embriologia organicista do século

XX, o desenvolvimento era um processo fisiológico, uma seqüência de eventos causais que

levavam ao surgimento da forma. Para a teoria do gene, entender o desenvolvimento era

entender o papel dos genes no desenvolvimento.

O preformacionismo contido na redefinição do desenvolvimento pela teoria do gene

fica claro se o compararmos à alternativa epigenética como proposta por Hertwig ainda no

século XX:

Agora, vamos refletir que o ovo e o adulto são dois estágios finais do material organizado e que eles são separados um do outro por uma série quase inconcebivelmente longa de estágios coordenados e intermediários. Considere que cada estágio do desenvolvimento é o germe e o produtor do estágio seguinte, do estágio que segue como conseqüência dele [...]. Então entendemos que é um erro lógico assumir que todos os caracteres presentes na última etapa da cadeia e desenvolvimento têm suas causas determinadas na primeira etapa da cadeia. O equívoco está na falha em distinguir entre as causas contidas no ovo no início do desenvolvimento e as causas introduzidas durante o curso do desenvolvimento a partir do acréscimo de material externo nos vários estágios. Como não pode haver absoluta identidade entre germe e produto, é errado transformar a complexidade visível dos estágios finais do desenvolvimento em uma complexidade invisível no primeiro estágio, como os antigos evolucionistas fizeram e como os novos evolucionistas estão tentando fazer. (Hertwig, 1896, p.87)

§2

– 76 –

40 “A ontologia e a metodologia de uma tradição de pesquisa podem influenciar o que conta como problemas legítimos para suas teorias constituintes” (Laudan, 1977, p. 86).

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O entendimento do desenvolvimento como produto da expressão gênica ignora o

processo de desenvolvimento. A “série quase inconcebivelmente longa de estágios

coordenados e intermediários” entre o primeiro e o último estágio do desenvolvimento é

substituída pela relação imediata entre genes e caracteres. A seqüência ordenada de eventos é

transposta por uma associação direta entre genótipo e fenótipo. As causas da ontogenia ficam

restritas aos genes, sendo o resto apenas as condições em que a relação normal entre gene e

caráter é constituída.

Quando na década de 1960 a biologia molecular finalmente forneceu um modelo

capaz de explicar o desenvolvimento como expressão diferencial dos genes, ela não ofereceu

uma conciliação entre as tradições de pesquisa da epigênese e preformação. Ela ofereceu

apenas um mecanismo capaz de explicar o desenvolvimento segundo a redefinição

preformacionista realizada pela teoria do gene. Isto fica claro, por exemplo, em uma

passagem muito citada da terceira edição do livro de Wilson The Cell in Development and

Heredity, 41 de 1925, (citada em Russel, 1930, p.267; Hall, 1992, p.87; Gilbert, 1987, p.800):

“Fundamentalmente, no entanto, chegamos à conclusão de que, em relação a um grande

número de caracteres, a hereditariedade é efetuada pela transmissão de uma preformação

nuclear que é expressa no curso do desenvolvimento por um processo de epigênese

citoplasmática”. A falsa conciliação genética já estava delineada desde a teoria do gene. Ela

não era uma conciliação, mas a única solução para o desenvolvimento possível segundo a

teoria do gene. O fato de que os geneticistas viram na expressão gênica diferencial a

conciliação entre preformação e epigênese não é surpreendente. Nenhum autor do século XX

aceitaria associar sua teoria ao preformacionismo. Afinal de contas, todos querem ser Ulisses

e conseguir navegar sua teoria com destreza entre Cila e Caribdes.

§2

– 77 –

41 Note que o termo inheritance das duas primeiras edições (1896 e 1900) foi substituído no título por heredity, mais restrito ao domínio biológico em língua inglesa.

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— 3 —

Genética e desenvolvimento

Os capítulos anteriores mostraram a falácia histórica da tese da conciliação genética.

A disputa entre as tradições de pesquisa da preformação e da epigênese não alcançaram uma

síntese na genética. Na verdade, a genética possui uma continuidade histórica com a

perspectiva preformacionista que a antecedeu. Por isso, a rigor, também não é apropriado

afirmar que a genética encontrou na molécula de DNA o seu homúnculo, como apontam

alguns críticos do preformacionismo genético (p. ex. Keller, 2000). A genética não representa

um resgate superficial dos modelos da preexistência do século XVIII. Ela possui uma ligação

conceitual e histórica com a noção de preformação. A teoria morganiana do gene se

desenvolveu dentro da tradição de pesquisa preformacionista. Ela empregou a ontologia do

neo-preformacionismo na explicação do desenvolvimento, enfatizando a existência de

partículas hereditárias, controle interno e pré-determinação da ontogenia.

Neste terceiro capítulo, a análise histórica será deixada em segundo plano e o foco se

concentrará na análise epistemológica da biologia atual. Inicialmente, mostrarei como a

tradição de pesquisa preformacionista foi mantida como diretriz teórica para a construção dos

modelos da genética molecular. Conceitos como informação genética e programa genético

refletem os mesmos pressupostos preformacionistas que orientaram a genética morganiana.

Em seguida, me empenharei em uma tarefa mais complexa. Discutirei como os dados da

biologia molecular contemporânea colocam em questão o preformacionismo dos modelos

elaborados pela genética molecular clássica. A biologia molecular, embora reducionista,

permite a construção de modelos epigeneticamente orientados.

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3.1 Preformação molecular

A genética clássica, representada pela teoria de Morgan e sua concepção materializada

do gene, propôs uma solução e uma fez promessa. Propôs uma solução para a hereditariedade

e fez uma promessa para o desenvolvimento. A hereditariedade era causada pela transmissão

do gene. Quanto ao desenvolvimento, não havia ainda uma resposta. Mas havia uma promessa

de solução (ou, se preferirem, uma diretriz de pesquisa específica): o desenvolvimento era

causado pela expressão dos genes. A história subseqüente da genética foi guiada pela

realização desta promessa: responder como os genes eram expressos, isto é, descobrir como

eles funcionavam.

Como foi discutido no capítulo anterior, o termo gene foi originalmente proposto para

designar uma unidade instrumental. Ele era o Merkmale de Mendel, uma unidade útil para

marcar e seguir o padrão de segregação de caracteres entre gerações. A genética de Morgan

trouxe a metodologia mendeliana para o âmbito da biologia fisiológica e materializou o gene

como as unidades que compunham os cromossomos e determinavam as características do

organismo. Uma vez que esta interpretação realista dos genes prevaleceu, era necessário

explicar como os genes causavam seus efeitos e a bioquímica era o ponto de partida mais

evidente.

O período posterior à interpretação realista do gene foi marcado pela associação de

técnicas bioquímicas à análise genética. Nos anos 40, foi proposto que cada gene atuava

produzindo uma determinada proteína com atividade catalítica — hipótese que ficou

conhecida pelo mote um gene – uma enzima (Falk, 1986; Portin, 1993; Keller, 2002). No

mesmo período, os experimentos de Oswald Theodore Avery (1877–1955) demonstraram que

o DNA era a substância responsável pela transformação em bactérias, fornecendo evidências

para a aceitação de que os genes eram compostos de DNA.42

Contudo, não havia uma resposta para como os genes funcionavam. A análise

bioquímica havia indicado que os genes eram formados de DNA e que exerciam suas funções

produzindo proteínas, mas ainda não havia um modelo de como faziam isso. A questão da

função gênica só foi adequadamente respondida a partir do modelo da estrutura do DNA

§3

– 79 –

42 Transformação foi a denominação dada à capacidade de bactérias patogênicas mortas transferirem sua virulência a bactérias vivas inócuas. Na época, era discutido se os genes eram compostos de proteínas ou ácidos nucléicos.

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proposto por Watson e Crick em 1953. Mais do que o famoso modelo icônico em metal e

cartolina da estrutura do DNA, o modelo da dupla hélice forneceu um modelo teórico para

explicar a função gênica. Já no sucinto artigo no qual propuseram a estrutura da dupla hélice,

Watson e Crick adiantaram que “[n]ão escapou à nossa atenção que o pareamento específico

que postulamos imediatamente sugere um mecanismo de cópia do material genético” (1953b).

Cinco semanas depois, mais confiantes na exatidão da proposta, acrescentaram: “a seqüência

precisa das bases é o código que contém a informação genética” (1953a, p.956). O modelo da

dupla hélice havia revelado a estrutura físico-química dos genes cromossômicos e, ao mesmo

tempo, aberto caminho para uma explicação de como eles funcionavam. A materialização do

gene, iniciada pela genética morganiana, estava completa (Gayon, 2000). “Ex omnia DNA”,

diria Wolpert (apud Gilbert, 2003, p.90).

3.1.1 Informação genética

O modelo da estrutura do DNA de Watson e Crick marcou o amadurecimento da

genética molecular.43 Desde a década de 30, a interpretação material do gene clássico havia

levado à investigação da sua natureza físico-química. Havia uma corrida para desvendar “o

átomo da biologia” (Pichot, 1999). Nesta busca, foi criado um conjunto de técnicas

experimentais que, no futuro, viria a se espalhar pela demais áreas da biologia: a biologia

molecular (Burian, 2005c). Unindo técnicas de genética clássica, química estrutural,

cristalografia e biofísica, a biologia molecular forneceu a instrumentação necessária para o

aprofundamento da concepção estrutural do gene.44

Distintamente da bioquímica, a genética molecular concentrou-se na estrutura, relação

e replicação dos ácidos nucléicos e proteínas, deixando de lado as demais moléculas orgânicas

e o metabolismo (Olby, 1990b). Com o modelo da dupla hélice em mãos, os geneticista

§3

– 80 –

43 A história da descoberta da dupla hélice foi contada muitas vezes e envolve uma série de polêmicas (Judson, 1979; Olby, 1990b; Morange, 1998). Não interessa para o objetivo deste trabalho discuti-las, mas não se pode deixar de assinalar que Watson e Crick entraram em uma programa de pesquisa criado e liderado por outros cientistas, especialmente Linus Pauling e Rosalind Franklin.

44 O surgimento de uma disciplina focada na especificidade, estabilidade e replicação de macromoléculas biológicas deve muito ao interesse de físicos e químicos pelos problemas da biologia. Em 1944, o físico Erwin Schrödinger publicou um influente ensaio chamado O que é vida? (1997), onde especulou que o gene poderia ser um tipo de cristal

aperiódico que funcionaria como um código hereditário. Mas o maior impacto veio com a investigação liderada por Max Delbrueck e Salvador Luria (médico de formação) sobre a replicação de vírus – um sistema modelo perfeito para a investigação da hereditariedade definida como replicação de ácidos nucléicos.

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puderam concentrar-se na investigação de como esta estrutura relacionava-se com a estrutura

das proteínas. Em pouco tempo, a relação específica entre um gene e uma proteína antevista

pela análise bioquímica foi explicada pelo que Crick chamou de a hipótese da seqüência: “Na

sua forma mais simples, ela supõe que a especificidade de um pedaço de ácido nucléico é

expressa somente pela seqüência de suas bases e que esta seqüência é um código (simples)

para a seqüência de aminoácidos de uma determinada proteína” (Crick, 1958, p.152). O gene

era uma seqüência de nucleotídeos que continha a informação específica para a produção de

uma determinada seqüência de polipeptídeos.

A leitura da informação codificada no DNA foi explicada por dois mecanismos — a

transcrição e a tradução. Primeiro, a seqüência DNA era transcrita no núcleo em uma

seqüência de RNA mensageiro (RNAm). O RNAm era exportado para o citoplasma, onde era

traduzido, de acordo com o código genético, em uma seqüência de polipeptídeo. DNA !

RNA ! proteína: eis a imagem clássica da função gênica. Como resumiu Crick:

Ao mostrar em detalhes como a linguagem de quatro letras do ácido nucléico controla a linguagem de 20 letras da proteína, confirma-se o tema central da biologia molecular de que a informação genética pode ser armazenada no ácido nucléico como uma mensagem unidimensional e pode ser expressa como a sequência uni-dimensional de aminoácidos de uma proteína. (Crick, 1966, p.9)

Percebe-se nos trechos de Watson e Crick citados acima a marca característica da

biologia molecular: o uso do jargão informacionista para se referir às correlações causais

entre ácidos nucléicos e polipeptídios. Os modelos da genética molecular estavam

encharcados de expressões como código, tradução, transcrição, informação, cópia,

transmissão e etc. Lilly Kay (1995) afirma que estas representações da hereditariedade em

termos informacionais não refletem uma necessidade cognitiva interna dos modelos da

biologia molecular, mas sim o contexto social do pós-guerra, fortemente influenciado pela

cibernética e as tecnologias da informação (ver Mahoney, 1990). Contudo, mesmo que apenas

como retórica, o informacionismo forneceu uma alternativa ao enfraquecido reducionismo

mecanicista da embriologia experimental. As explicações puramente mecânicas, focadas na

redução de sistemas complexos em níveis mais básicos de organização e na análise das partes

independentes, continuavam encontrando dificuldades com a organização dos seres vivos. De

Descartes a Jacques Loeb, já no início do século XX, a relação entre mecanicismo e seres

vivos permanecia desconfortável. O informacionismo da genética molecular trouxe alento

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para esta relação. Ao referir-se à especificidade entre uma seqüência de DNA e uma seqüência

de polipeptídeo como código genético ou à duplicação cromossômica como cópia da

informação genética, a genética molecular recriou o reducionismo mecanicista que Roux

sonhara para a embriologia experimental. A metáfora da máquina mecânica havia sido salva

pela máquina cibernética do século XX:

Animal e máquina, cada sistema torna-se então um modelo para o outro [...]. Órgãos, células e moléculas estão unidos por uma rede de comunicação. Trocam sem cessar sinais e mensagens em forma de interações específicas entre componentes. A flexibilidade do sistema baseia-se nos mecanismos de retroação e a rigidez das estruturas na execução de um programa rigorosamente prescrito. (Jacob, 2001, p.257)

3.1.2 Programa genético

A estrutura em dupla hélice e os mecanismos de transcrição e tradução da informação

genética forneceram uma explicação de como os genes agiam. No entanto, a consolidação de

um modelo para a expressão gênica se aproximava, mas ainda não respondia o problema do

desenvolvimento. Os mecanismos moleculares de expressão gênica só seriam capazes de

explicar o desenvolvimento quando explicassem também a expressão ordenada e dinâmica

dos genes durante a ontogenia. A promessa genética de explicar o desenvolvimento a partir

dos genes seria realizada apenas quando ela se tornasse capaz de explicar a natureza

diacrônica da expressão gênica. A genética molecular havia obtido uma genética fisiológica.

Restava ainda construir uma genética desenvolvimental.

Como foi dito na introdução, o primeiro modelo adequado de expressão gênica

diferencial foi o modelo do operon da lactose. O estudo da síntese de enzimas em bactérias

levou Monod, Jacob e Lwoff a propor um mecanismo que explicava como células

geneticamente idênticas podiam gerar células diferentes. O modelo do operon, de maneira

resumida, propunha (i) que existiam dois tipos de genes — genes estruturais e genes

reguladores; (ii) que as proteínas seqüenciadas a partir dos genes reguladores reprimiam a

transcrição de RNAm dos genes estruturais; e (iii) que a repressão da transcrição era realizada

pela ligação das proteínas reguladoras ao DNA (ver figura 5).

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Figura 5. Operon-lac: Modelo simplificado do operon da lactose. A expressão de genes estruturais é regulada pelo produto de genes reguladores. (a) Proteína reguladora reprime a transcrição ao se ligar ao DNA. (b) A lactose se liga à proteína repressora e a transcrição !-galactosidase é liberada.

A extrapolação do modelo do operon para o desenvolvimento de seres multicelulares

permitiu vislumbrar o cumprimento da promessa genética. O operon indicava como a

ontogenia podia ser controlada pelos genes. As células se diferenciavam durante o

desenvolvimento de acordo com a ativação e repressão da transcrição gênica. O paradoxo de

Lillie tinha uma resposta. Todas as células possuíam os mesmos genes, mas nem todos os

genes eram expressos em todas as células. Cada tipo celular — células nervosas, musculares,

epiteliais, etc. — se diferenciavam de acordo com os genes que eram expressos no seu

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interior. O desenvolvimento era uma questão de ligar e desligar os genes nos momentos e

locais corretos.

A imagem do desenvolvimento como uma cascata de ativação e desativação de genes

foi devidamente transportada para o jargão informacionista da biologia molecular pela

metáfora do programa genético (Monod & Jacob, 1961; Mayr, 1961). A pressuposição

preformacionista de que a ontogenia está predeterminada na estrutura da primeira célula foi

explicada pela existência no DNA de instruções e dos meios para executá-las. O

desenvolvimento, definido como expressão gênica diferencial, era um processo realizado e

controlado pelos próprios genes. De certa maneira, a idéia de que o desenvolvimento era um

processo determinado que poderia ser previsto pela “mente super-penetrante um dia

concebida por Laplace, e rapidamente capaz de perceber qualquer relação causal”, já havia

sido cogitada nas influentes especulações do físico Erwin Schrödinger: “tendo-se o retrato

molecular do gene, deixou de ser inconcebível que a diminuta célula corresponda

precisamente a um plano complicado e específico de desenvolvimento e deva, de alguma

maneira, conter os meios para colocá-lo em ação” (Schrödinger, 1997 [1944]).

Mais do que qualquer outra idéia, o programa genético sintetiza a tese da conciliação

genética. Vale citar uma passagem escrita por François Jacob, muito semelhante à passagem

de Jaques Monod citada na introdução. Ele reafirma a tese de que o programa genético

resolveu o debate entre preformação e epigênese:

Hoje, a biologia pôs fim ao velho debate entre epigênese e preformação ao introduzir o conceito de programa desenvolvimental. Nesta visão, o ovo fertilizado não contém uma descrição completa do futuro organismo, como assumido pelos preformacionistas, mas sim as instruções codificadas requeridas para produzir sua estrutura molecular e fazê-lo operar no tempo e no espaço. (Jacob, 1978, p.249)

A relevância do conceito de programa genético para o debate entre preformação e

epigênese também se reflete na sua freqüente associação com os conceitos de teleologia,

finalidade e propósito. Ernst Mayr, por exemplo, definiu um programa como a “informação

codificada ou pré-ordenada que controla um processo (ou comportamento) em direção a um

determinado fim” (Mayr, 1988, p.49). Segundo Mayr, o programa genético naturalizou a

§3

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teleologia.45 Ele forneceu um mecanismo capaz de explicar o propósito natural dos seres

vivos. 46

Foi dito no primeiro capítulo que a teleologia orientou a tradição de pesquisa

epigenética em dois momentos distintos — durante o aristotelismo e durante o

teleomecanicismo kantiano. Parece incompatível, portanto, que a teleologia seja aproximada à

metáfora preformacionista do programa genético. Mas, de fato, Mayr traçou uma analogia

direta entre o programa genético e o telos aristotélico:47 “Somente quando foi entendida a

natureza dual dos organismos vivos é que se percebeu, nos nossos dias, que a matriz do

desenvolvimento e da atividade — o programa genético — representa o princípio formativo

que Aristóteles havia postulado” (Mayr, 1997, p.112). Há uma contradição entre as idéias aqui

defendidas e a afirmação de Mayr: apresentei Aristóteles como ponto de partida da

perspectiva epigenética, enquanto Mayr percebe no telos aristotélico uma quase antecipação

da solução alcançada pela genética. A aparente contradição ocorre devido a dois pontos na

interpretação de Mayr. Primeiramente, Mayr não vê no programa genético um modelo

preformacionista do desenvolvimento embrionário, mas sim a solução conciliatória entre

preformação e epigênese, à maneira de Gould, Jacob e Monod. Portanto, Mayr vê no telos de

Aristóteles algo próximo à solução do debate entre preformação e epigênese porque vê na

idéia de programa genético a solução do debate e não a versão contemporânea do

preformacionismo. A interpretação de Mayr, assim como a de Gould, Jacob e Monod, é

enviesada por um entendimento restrito do significado de preformação.

Em segundo lugar e mais importante, Mayr faz uma interpretação equivocada do telos

aristotélico. Ele vê o potencial aristotélico precedendo a realização do ser, como se ele fosse

um plano para um determinado fim. Mas, como diz Lennox (2006): “Para Aristóteles, o real

precede o potencial em todos os aspectos — ontológico, causal e epistemológico. Um

processo de vir-a-ser é a realização de um potencial para um ser real específico e,

conseqüentemente, para entender um processo de vir-a-ser é preciso entender o que é vir-a-

ser” (ibid, p.23, itálico no original). Quando Aristóteles propõe um telos para explicar a

§3

– 85 –

45 O programa genético foi definido como teleonômico – uma das quatro categorias de processos teleológicos reconhecidas por Mayr (1997, p. 66-68).

46 O argumento de Mayr apóia-se em uma concepção etiológica do conceito de função. O programa genético teria sido “programado” pela seleção natural.

47 Ver também Muller (1996).

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realização potencial de um embrião, não atribui um propósito ou intenção, mas um

desenvolvimento ordenado para um fim, uma cascata de eventos na qual o que acontece em

cada etapa é causado pela etapa anterior (Grene e Depew, 2004). O potencial é a possibilidade

para forma. A forma não preexiste, nem representada ou programada. Não há forma sem

matéria, mas hilomorfismo. Não há predeterminação, mas epigênese.48

Da mesma maneira, o teleomecanicismo de Kant não pressupunha um mecanismo

responsável pelo caráter teleológico dos seres organizados. A teleologia era apenas um

princípio heurístico. Uma estratégia para contornar o não-explicável mecanicamente. A

teleologia permitia abrir mão de explicar o propósito natural dos seres vivos e aplicar os

princípios constitutivos da razão para investigar seus mecanismos. Mayr afirma que a

descoberta da existência de programas genéticos forneceu uma explicação mecânica

justamente para os fenômenos teleológicos que Kant havia alertado não serem explicáveis

mecanicamente. “Da perspectiva de Mayr a biologia alcançou o que Kant pensou ser

inalcançável. Ela explicou o propósito natural por meio do mecanismo do programa

genético” (Moss, 1992, p.346).

O programa genético se desdobrou em muitas outras metáforas, todas evocando a

predeterminação da ontogenia e o privilégio causal dos genes. O DNA conteria o livro da

vida, a planta arquitetônica, o projeto do futuro organismo, etc. Mas a metáfora que melhor

revela as sutilezas da conciliação genética é a preferida por Richard Dawkins (2001): a

metáfora da receita. A metáfora do plano arquitetônico, segundo Dawkins, é inadequada pois

implica um preformacionismo (leia-se preexistencialismo) por representar a forma

tridimensional em duas dimensões. A forma, neste caso, preexistiria como uma representação

simplificada da verdadeira forma. Por outro lado, na metáfora da receita, a forma não

preexiste, mas instruções de como construir a forma sim: “uma receita em um livro de

culinária não é, em nenhum sentido, uma planta do bolo que no fim sairá do forno.[...] Ela é

um conjunto de instruções que, se seguidas na ordem correta, resultarão em um bolo”. Mais

adiante, Dawkins conclui: “O desenvolvimento embrionário é um processo. É uma seqüência

ordenada de eventos, como os procedimentos de preparo de um bolo, só que há milhões de

passos a mais no processo e passos diferentes são dados simultaneamente em diferentes partes

da ‘iguaria’” (Dawkins, 2001, p.428–429).

§3

– 86 –

48 Para uma critica detalhada da interpretação do telos aristotélico como um plano ou programa, ver Grene (1972) e Vinci e Robert (2005).

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A crítica de Dawkins é esclarecedora. A rejeição da metáfora da planta arquitetônica é

uma rejeição da idéia de preexistência da forma mesmo como representação. A forma, em si,

não preexiste. No entanto, ele aceita a idéia de que o desenvolvimento é um processo

predeterminado, executado como uma receita de bolo. Existem instruções que dirigem o

processo para um determinado fim. Portanto, Dawkins assume uma perspectiva muito

semelhante à perspectiva neo-preformacionista de Roux e de Weismann: a ontogenia é um

processo predeterminado. As semelhanças são reforçadas ainda mais pela concepção de que o

organismo é composto como um mosaico de células autonomamente determinadas:

[Os genes são] uma receita que é seguida não pelo embrião em desenvolvimento como um todo, mas individualmente pelas células ou por agrupamentos locais de células em processos de divisão. Não estou negando que o embrião, e posteriormente o organismo adulto, tem uma forma em grande escala. Mas esta forma emerge devido a numerosos efeitos locais sobre as células por todo o corpo em desenvolvimento [...]. (Dawkins, p.2001, p.88, itálicos no original)

É possível perceber que os modelos da genética molecular mantiveram os

pressupostos da tradição de pesquisa preformacionista. As diretrizes ontológicas que haviam

orientado Roux, Weismann e a genética morganiana prosseguiram orientando a nova

disciplina. O pressuposto de que desenvolvimento é um processo determinado e de que existe

uma relação direta entre a primeira e a última etapa da ontogenia foi preservado no conceito

de programa genético. O pressuposto de que a hereditariedade é a transmissão de entidades

que determinam as características do organismo foi preservada pelo conceito de informação

genética. As diferenças em relação a genética clássica, embora grandes, se estabeleceram no

nível teórico, metodológico e metafórico. Por baixo, como alicerce, a perspectiva

preformacionista permaneceu guiando a genética molecular. François Jacob, no entusiasmo do

triunfo desta imagem dos sistemas vivos, não deixa dúvidas:

A hereditariedade é descrita hoje em termos de informação, mensagem e código. A reprodução de um organismo tornou-se a reprodução das moléculas que o constituem. Não porque cada espécie química tenha a capacidade de produzir cópias de si mesma, mas porque a estrutura das macromoléculas é minuciosamente determinada pelas seqüências de quatro radicais químicos contidos no patrimônio genético. O que se transmite, de geração em geração, são as “instruções” que especificam as estruturas moleculares. São as plantas arquitetônicas do futuro organismo. São também os meios de executar estas plantas e coordenar o sistema. Portanto, cada ovo contém, nos cromossomos recebidos dos pais, todo o seu futuro, as etapas de seu desenvolvimento, a forma e as propriedades do ser que surgirá dele. O organismo torna-se

assim a realização de um programa prescrito pela hereditariedade. (Jacob, 2001, p.10, itálicos meus)

§3

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3.2 Epigênese molecular

Na seção anterior, preocupei-me em mostrar como a perspectiva preformacionista foi

preservada na genética molecular com as noções de que o DNA contém informação para os

caracteres dos organismos e o genoma contém um plano ou receita para o desenvolvimento.

Kenneth Waters (2007) chama esta interpretação de teoria fundamental da genética molecular.

Ela deriva do pressuposto de que a genética molecular reduziu a genética clássica. Apóia-se

também em um reducionismo característico da abordagem molecular dos anos 60 e 70.

Supunha-se que a ordem celular e organismal se originava por auto-assembléia dos produtos

dos genes estruturais (Sapp, 2003a). Membranas, organelas e todo resto se originava

diretamente das propriedades físico-químico das proteínas. Como afirmou Monod, na fé de

que a organização macroscópica era o resultado da organização molecular, “a construção de

um tecido ou a diferenciação de um órgão, fenômenos macroscópicos, devem ser

considerados como a resultante integrada de múltiplas interações microscópicas devidas às

proteínas [...]” (Monod, 1970, p.118). Consequentemente, a função dos genes era concebida

muito além da produção de polipetídeos. Os genes faziam proteínas e as proteínas faziam nós.

A cadeia causal seguia: DNA ! RNA ! proteína ! célula ! organismo.

Mas a genética molecular também possui um significado mais restrito, que Waters

chama de teoria básica. Ela refere-se simplesmente aos modelos da genética molecular que

explicam como os genes produzem proteínas. DNA ! RNA ! proteína e só. Os genes

codificam ou determinam seqüências de polipeptídios, não organismos. Atualmente, esta

versão tem substituído a versão forte da genética molecular. Frente à grande complexidade

dos dados contemporâneos, não é possível sustentar que os genes produzem caracteres. No

entanto, a versão moderada da genética molecular persiste: “A informação genética carregada

pelo DNA é expressa em dois estágios: transcrição do DNA em RNAm e tradução do RNAm

em proteína” (Lewin, 2007, p.147). A especificidade da seqüência de polipeptídios continua

sendo atribuída à relação de colinearidade com uma seqüência de DNA. Esta imagem

poderosa e persistente da função genética legitima uma forma mitigada de preformacionismo,

como exposto por Godfrey-Smith: “Eu sustento que uma justificação parcial moderna do

preformacionismo se baseia no fato de que genes codificam quase todas as proteínas — e

portanto muito da maquinaria celular (Godfrey-Smith, 2001, p.292) (ver figura 6).

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Figura 6. Preformação molecular: A seqüência de nucleotídeos é transcrita em RNAm que é traduzida em polipeptídeos segundo o código genético. A proteína é a decodificação de uma representação preexistente no DNA.

No próximo capítulo, apresentarei a Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais

como uma alternativa à perspectiva preformacionista da genética molecular. Mas, antes disso,

argumentarei porque um preformacionismo molecular no sentido moderado, como defendido

por Godfrey-Smith, também não se sustenta frente aos dados empíricos da biologia

contemporânea. Nem mesmo um preformacionismo reduzido à simples noção de que as

seqüências de DNA pré-figuram as seqüências de polipeptídios é coerente com a

complexidade dos mecanismos e entidades envolvidos na expressão gênica. Por último,

contestarei outra faceta da teoria moderada da genética molecular: a noção de que o programa

genético alude simplesmente à cascatas predeterminadas de ativação e desativação de genes

específicos e não a um plano do futuro organismo (Rosenberg, 2006).

3.2.1 A epigênese do gene

A biologia molecular redefiniu o gene clássico como uma seqüência de nucleotídeos

que especifica uma seqüência de polipeptídios. Esta conceituação tem a imensa virtude de

sintetizar o aspecto estrutural e o aspecto funcional do gene. Estruturalmente, o gene foi

definido como uma seqüência de DNA delimitada por uma região promotora e um códon de

terminação (uma open reading frame [ORF]). Funcionalmente, o gene foi definido como a

produção de uma proteína por meio da transcrição e tradução da informação codificada em

sua seqüência de nucleotídeos. Griffiths e Neumann-Held (1999) chamam este conceito de

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gene molecular clássico. Enquanto que o gene clássico havia sido inferido instrumentalmente

a partir da sua função — seu efeito fenotípico –, o gene molecular possuía uma dupla

identidade estrutural e funcional.

Contudo, a virtude inicial de conciliar função e estrutura em uma mesma conceituação

logo colocou o conceito de gene em tensão (Falk, 2000). Os resultados empíricos obtidos com

as novas tecnologias de pesquisa molecular revelaram uma complexidade irreconciliável com

a unidade estrutural e funcional do gene molecular clássico. A partir do fim da década de 70,

observou-se, por exemplo, que os genes de eucariontes, via de regra, não são seqüências

contínuas de DNA. Eles são dividos em exons (seqüências codificadoras) e introns

(seqüências não-codificadoras). A estrutura do gene não é uma seqüência contínua de DNA,

mas um conjunto de seqüências emendadas após a transcrição. As seqüências reguladoras

também se mostraram muito mais complexas do que as propostas no modelo do operon.

Seqüências reguladoras podem estar contidas no início, no fim ou mesmo dentro da seqüência

do gene. Regiões promotoras (promoters) e amplificadoras (enhancers), por exemplo, podem

estar distantes da região codificadora, até mesmo em outro cromossomo. Ainda, uma

seqüência de DNA pode estar envolvida na produção de muitas proteínas diferentes, assim

como a produção de uma proteína pode envolver seqüências de DNA distintas.

Estes exemplos são uma amostra da complexidade da biologia molecular

contemporânea que levou a um amplo debate sobre o status do gene molecular clássico (Falk,

1984; 1986; Portin, 1993; Griffiths e Neumann-Held, 1999; Beurton, Falk et al., 2000; Falk,

2000; Hall, 2001; Moss, 2001; Neumann-Held, 2001; Morange, 2002; Moss, 2003; Burian,

2004; El-Hani, 2007). A maioria dos autores reconhece que não há uma definição única e

inequívoca de gene. Um gene inclui introns ou apenas exons? As seqüências reguladoras

fazem parte dos genes? Uma seqüência que produz várias proteínas é apenas um gene ou são

vários? Estas dificuldades não se restringem às discussões conceituais e também são refletidas

na prática científica, como expressa com clareza o geneticista Niall Dillon (2003):

[...] tentativas de traduzir tal conceito operacional complexo em uma estrutura física concreta com limites claramente definidos foram sempre problemáticas e agora parecem estar destinadas a falhar. Pelo contrário, o gene tem se tornado uma entidade flexível com limites que são definidos por uma combinação de organização espacial e localização, habilidade em responder especificamente a um conjunto particular de sinais celulares e o relacionamento entre padrões de expressão e o efeito fenotípico final. (ibid, p.457)

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A tensão envolvendo o conceito de gene na biologia contemporânea, em geral, é

conseqüência da transição da genética clássica para a genética molecular. As seqüências bem

delimitadas de DNA mostraram não ser os marcadores fenotípicos de Mendel materializados

no cromossomo por Morgan. A genética molecular não havia elucidado a estrutura física do

gene clássico, como parecia claro na época. Este tema foi amplamente debatido em filosofia

da biologia. No fim da década de 60, Kenneth Schaffner (1969), em um contexto influenciado

por interpretações lógicas das teorias científicas, propôs que a genética clássica havia sido

reduzida à genética molecular. De modo simplificado, sem entrar nos aspectos lógicos da

proposta, Schaffner defendeu que a genética molecular explicava, a partir de um nível mais

fundamental, todos os fenômenos explicados pela genética clássica. Contrariando a proposta

de Schaffner, David Hull (1975) defendeu que a genética clássica não havia sido reduzida

genética molecular. Segundo Hull, as entidades e processos descritos em cada uma das teorias

não podiam ser correlacionados. O único correlato molecular plausível para um alelo, por

exemplo, era uma maquinaria celular específica, não uma entidade molecular. Termos da

genética clássica como gene, alelo e dominante não possuíam correspondentes em simples

categorias moleculares. Outros autores deram continuidade ao debate. Kitcher (Kitcher, 1984)

e Darden (Darden, 2005), por exemplo, defenderam que a genética molecular lida com

fenômenos e níveis diferentes daqueles abordados pela genética clássica, enquanto que Waters

(1994) argumentou a favor da redução.

O debate se a genética clássica foi reduzida à genética molecular não interessa

diretamente a este trabalho. O que pretendo destacar referindo-me a este longo debate é que

ele deixou claro que o gene molecular clássico não é a estrutura molecular subjacente ao gene

morganiano. Portanto, combiná-los é uma possível fonte de inconsistências e confusões.

Como resume Dupré:

Por uma grande parte da sua história, a genética foi orientada pela investigação de um tipo [kind] hipotético, o gene. À medida que identificamos gradualmente o material referente a este tipo hipotético e fomos capazes de aprender algo sobre como casos [tokens] deste tipo funcionavam e o que eles faziam, tornou-se cada vez mais claro que eles não eram um tipo, mas um conjunto diverso de objetos e processos moleculares (Dupré, 2004, p.331).

Parece adequado, portanto, seguir, a princípio, a proposta de Lenny Moss (2001;

2003) e fazer uma distinção que corresponde, aproximadamente, à distinção entre o gene

clássico e o gene molecular. Segundo Moss, quando se fala em genes para determinados

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fenótipos — o gene para esquizofrenia, cor dos olhos, ansiedade, câncer de mama, etc. —

refere-se à noção de gene clássico, morganiano. O gene é identificado pela sua expressão

fenotípica: “Ele segue a heurística explicativa do preformacionismo, pois procede como se

aquilo que é transmitido fosse diretamente responsável por uma conseqüência fenotípica”.

Moss chama este conceito de gene–P (preformacionista). Ele é “definido em relação a um

efeito fenotípico, mas é indeterminado em relação à seqüência molecular” (2001, p.223).

Moss reconhece o caráter preformacionista das explicações baseadas no conceito de gene-P,

mas defende seu valor epistemológico. Quando aplicado de maneira estritamente

instrumental, o gene–P permite a predição de resultados fenotípicos, além de uma interação

metodológica com a genética molecular (ver Vance, 1996).

No entanto, quando fala-se no gene para noggin, BMP, hemoglobina, etc., alude-se à

outra noção de gene. É feito referência ao gene como uma seqüência de DNA que codifica um

produto gênico. Não se faz referência ao caráter fenotípico relacionado ao gene. Ele não é

seguido por um Markmale fenotípico, mas por sua estrutura molecular. Moss chama esta

noção de gene–D, com o D se referindo a recurso desenvolvimental:

[O gene–D] refere-se a um segmento de DNA caracterizado como uma unidade transcricional que fornece um molde informacional para um conjunto de polipeptídeos, mas cuja relação com o fenótipo é sempre, por si só, indeterminada. Deste ponto de vista, os genes, para poderem ser relacionados a um fenótipo final, devem estar situados no contexto dinâmico do desenvolvimento e do ambiente organismal Ao contrário do Gene–P, ele é definido precisamente pela sua seqüência molecular, mas é indeterminado em relação à sua conseqüência fenotípica. Como uma categoria de recurso interno, um tipo de molécula (ou parte dela) entre muitas, os genes não justificam, necessariamente, qualquer forma de privilégio causal. (Moss, 2003, p.52)

A proposta de Moss chama a atenção para alguns pontos importantes. Ela,

pertinentemente, acentua a diferença entre o conceito de gene da genética clássica e o

conceito de gene da genética contemporânea, sem deixar de notar que ambos ainda são

empregados (Moss atribui o determinismo genético à combinação equivocada destes dois

conceitos). No entanto, a noção de gene–D não avança sobre muitos dos problemas

conceituais levantados pela genética molecular contemporânea em relação a uma definição

molecular do gene. Definir o que é um gene–D “precisamente pela sua seqüência molecular”

continua sendo uma tarefa extremamente problemática.

Uma primeira alternativa para lidar com a complexidade molecular é expandir a

estrutura do gene molecular clássico. O gene molecular contemporâneo seria definido como

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um conjunto de seqüências. Ele seria uma seqüência codificadora, mais um sítio de iniciação,

mais um sítio de terminação, mais introns e exons, mais promotores, mais amplificadores, etc.

Mas a definição do gene como um conjunto de seqüências, embora intuitiva, origina diversos

problemas. Em certos casos, como no modelo do operon da lactose, as regiões reguladoras

são específicas e ficam imediatamente ao lado da seqüência codificada. Nestes casos, é

simples considerar as seqüências reguladoras como parte do gene. No entanto, em

eucariontes, normalmente existem regiões reguladoras distantes da região transcrita e elas não

são específicas para um determinado gene (Griffiths e Neumann-Held, 1999). Além disso,

uma seqüência não pode ser identificada independentemente da sua função em um

determinado contexto. Uma mesma seqüência pode ser descrita como um exon ou como

intron, de acordo com o papel que desempenha na expressão de diferentes genes. Se, em

determinado contexto celular, ela for removida do RNAm, será descrita como um intron. Se,

em outro contexto, a mesma seqüência permanecer no RNAm, será descrita como um exon

(Griffiths e Neumann-Held, 1999; Sterelny e Griffiths, 1999). Como escreve Jason S. Robert

(2004a, p.77), “o significado ontogenético de um pedaço de DNA é constituído pelo contexto

desenvolvimental de interações no qual se encontra (espacial, histórico, temporal, ambiental e

organismal)”. Um outro problema ainda é que este tipo de definição tende a considerar a

maquinaria celular como mero pano de fundo, quando, na verdade, ela compreende elementos

fundamentais para a produção de uma proteína específica (ver adiante).

Uma maneira de superar a dificuldade em delimitar e definir precisamente a estrutura

do gene é ver na própria diversidade de estruturas designadas como gene uma virtude; “uma

epistemologia do impreciso” (Rheinberger, 2000). Um conceito de gene versátil é eficaz. Ele

permite a comunicação entre pessoas trabalhando com temas diferentes, mas relacionados.

Não seria útil defini-lo rigidamente. A flexibilidade do conceito de gene impede que “o uso de

uma linguagem muito ligada a determinadas práticas experimentais, por sua própria

especificidade, [torne] praticamente impossível a comunicação entre contextos experimentais

diferentes” (Keller, 2000, p.158). Ao mesmo tempo, de maneira mais positiva, permite o

progresso da investigação através da incorporação de novos elementos descobertos em áreas

de pesquisa próximas. O gene seria “um termo tolerante o suficiente em suas referências para

ligar as diferenças entre os vários fenômenos nos quais comunidades locais de pesquisadores

possam estar interessados” (Dupré, 2004, p.334). A utilidade da flexibilidade do conceito de

gene é bem representado pelo que Richard Burian define como o gene nominal:

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O uso de bancos de dados contendo seqüências de nucleotídeos está bem estabelecido. Implícito como parte deste processo está o uso de um conceito particular de gene a partir do qual podemos identificar os vários genes e contar o número de genes de um determinado genoma […] Eu chamo os genes, escolhidos desta maneira, de genes nominais. (Burian, 2004, p.64)

Os genes nominais são entidades operacionais subentendidas na prática científica. Eles

são um estereótipo da estrutura mais precisa e complexa de cada gene “real”. Thomas Fogle

(2000), de modo semelhante, defende que o gene molecular é identificado

metodologicamente, com base na sua utilidade prática. Os genes são reconhecidos pela

contínua comparação de elementos estruturais e funcionais que compõe um tipo de “coleção

de características consensuais encontradas usualmente entre genes bem-descritos” (Fogle,

2000, p.4). Ele defende que o gene é um conceito “guarda-chuva”, capaz de abrigar um

conjunto de estruturas reconhecidas pela prática científica e em constante mudança de acordo

com as novas evidências empíricas.

Sem dúvida o gene nominal ou consensual desempenha um papel importante na

prática científica. Contudo, ele não proporciona um modelo para entender a função e a

estrutura do gene molecular. Como diz Burian “[o gene nominal] é importante e legítimo, mas

[...] ele emprega um conceito empobrecido de gene que não serve para muitos dos propósitos

que se supõe que um conceito de gene deve servir ” (Burian, 2004, p.64). Como exemplo,

Burian cita o caso dos pseudogenes.49 A decisão se uma seqüência é um gene ou um

pseudogene não pode ser feita com base em um conceito estereotipado de gene. É preciso

levar em conta como a expressão gênica emerge da complexidade do genoma e da célula.

Portanto, se a intenção é compreender como um gene produz uma proteína, não é

possível defini-lo apenas estruturalmente. A estrutura do ácido nucléico não é suficiente para

especificar ou delimitar um gene. Tampouco, uma definição flexível da estrutura do gene,

embora útil, ilumina a compreensão de como os genes dão origem a produtos específicos.

Consequentemente, uma definição adequada de gene exige uma apreciação funcional. Ela

deve incorporar o processo de produção de uma seqüência de polipeptídeos ou RNA (Portin,

1993; Neumann-Held, 1999; Fogle, 2000; Moss, 2003; Burian, 2004; Griffiths e Stotz, 2006).

E é justamente este ponto — a função gênica — que pretendo explorar para mostrar que não

§3

– 94 –

49 Pseudogenes são seqüências de DNA semelhantes aos genes – possuem regiões promotoras e sitios de splicing –, mas que não são transcritos. Em geral, os pseudogenes possuem homólogos funcionais. O genoma humano possui quatro vezes mais pseudogenes do que “genes verdadeiros” (Lewin, 2007).

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há uma justificativa do preformacionismo molecular na relação entre um gene e uma proteína,

como defendido por Godfrey-Smith.

Como foi comentado na seção anterior, na genética molecular clássica a função do

gene foi descrita como a transcrição e a tradução da informação contida em uma seqüência

definida de nucleotídeos. Nesta seção, a discussão até agora se concentrou no colapso

estrutural do gene frente aos dados da genética molecular contemporânea. Mas as

conseqüências para a função do gene molecular clássico não foram menos problemáticas. O

processo de produção de uma determinada proteína não pode mais ser adequadamente

descrito como um simples processo de duas etapas: transcrição e tradução. Diversos

mecanismos pós-transcricionais e pós-traducionais fazem da função gênica um processo

muito mais complexo. Três destes mecanismos fornecem exemplos úteis para discussão:

(a) 5’ capping e poliadenilação: Concomitantemente ao processo de transcrição, são

adicionadas à extremidade 5’ do RNAm primário de organismos eucariontes uma base

guanina metilada, um fenômeno conhecido como 5’ capping. Na outra extremidade

(3’) do RNAm primário, é acrescentada uma longa cola com cerca de 200 bases de

adenina, um fenômeno conhecido como poliadenilação. Estas modificações são

fundamentais para a estabilidade do RNA e, consequentemente, para a quantidade de

polipeptídeos produzidos.

(b) splicing alternativo: Na maioria dos organismos eucariontes, o RNAm primário é

formado por exons e introns. Em humanos, por exemplo, os introns representam cerca

de 24% do genoma e os exons cerca de apenas 1% (Lewin, 2007). Após a transcrição,

um complexo formado por proteínas e RNA nucleares pequenos50, remove os

introns51 e emenda os exons. Contudo, nem sempre esta emenda respeita a ordem em

que os exons estavam dispostos na seqüência de DNA. Ao emendá-los, a maquinaria

celular pode combiná-los de diferentes maneiras, ampliando em muito a variedade de

RNAs transcritos a partir de um mesmo gene (ver figura 7). Este processo é conhecido

como splicing [emenda] alternativo e ocorre em aproximadamente 60% dos genes

humanos. A diversidade gerada pelo splicing alternativo é fundamental para o

§3

– 95 –

50 Small nuclear RNAs – um dos muitos tipos de RNAs ativos descobertos nos últimos anos (Eddy, 2001)

51 A biologia molecular vem ampliando a análise funcional além das regiões de DNA que codificam proteínas. Em coerência com esta análise funcional ampliada do genoma, os introns têm sido reconhecidos como importantes fontes de miRNAs. Recentemente, foi proposto que estes miRNAs também são processados (Ruby, Jan et al., 2007).

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funcionamento e o desenvolvimento dos seres vivos (ver figura 6). Por exemplo, ele é

um dos principais mecanismo no modelo molecular mais aceito para a diferenciação

sexual em moscas drosófilas (Nagoshi, Mckeown et al., 1988; Lewin, 2007).52

(c) edição de RNA: A edição de RNA refere-se a alterações pontuais nos nucleotídeos

de RNAm. Ela envolve duas classes de processos: a inserção ou exclusão de

nucleotídeos e a modificação de nucleotídeos preexistentes. (Keegan, Gallo et al.,

2001). A forma mais conhecida de edição de RNA são as conversões de citosina em

uracila e de adenosina em inosina (que é interpretada pela maquinaria celular como

guanina). Em muitos casos, estas mudanças são necessárias para a produção de uma

proteína específica. E seus efeitos não se limitam apenas à mudança de um

determinado aminoácido. A edição de RNAm pode alterar, por exemplo, a posição do

códon de terminação ou a moldura de leitura (reading frame), produzindo assim um

polipeptídio completamente diferente.

Os três processos apresentados acima bastam para construir uma crítica ao

preformacionismo molecular, mas outros processos pós-transcricionais são importantes. Por

exemplo, nem todo RNAm transcrito e processado no núcleo é exportado para o citoplasma.

Consequentemente, mesmo uma célula com a mesma população de RNAm no seu núcleo, não

produzirá as mesmas proteínas (Gilbert, 2006). A regulação também pode ocorrer após a

tradução do RNAm em proteína. Por exemplo, muitas proteínas precisam associar-se com

ións, carboidratos, lipídeos, etc. ou interagir com outras proteínas (chaperonas) para se

tornarem funcionais. Além disso, “a célula não é mais vista como um saco, com cada proteína

encontrando seus parceiros funcionais ao acaso, mas como uma estrutura altamente

organizada” (Morange, 2006, p.119), de modo que a função de uma proteína depende da sua

posição e transporte a regiões específicas da célula.

A conseqüência geral desta complexidade da função gênica é que o contexto celular

tem sido considerado determinante para expressão de um determinado gene (Wolf, 1995;

Hall, 2001; Nijhout, 2003; Stotz, 2006). A especificidade de uma proteína não pode mais

simplesmente ser atribuída à colinearidade com o DNA. Ela depende de diversos mecanismo

§3

– 96 –

52 Pode ocorrer também um processo, por enquanto pouco conhecido, chamado de trans-splicing, onde transcritos primários de RNAm provenientes de diferentes cromossomos são unidos para formar uma única molécula de RNAm. Acrescenta-se ainda que o splicing em si também é regulado por sequências silenciadoras e amplificadoras de splicing.

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distribuídos pela célula. “Um contexto celular é necessário para o DNA funcionar e contextos

celulares diferentes extraem informações diferentes da mesma seqüência de DNA” (Burian,

2004, p.63). Os fatores que ativamente atuam na expressão de um gene co-especificam a

seqüência do polipeptídio (Stotz, no prelo). O caso do gene "-tropomiosina fornece um bom

exemplo (Figura 7). Diferentes seqüências de RNAm são produzidas a partir da mesma

seqüência de DNA, de acordo com o tipo celular em que a expressão genética ocorre.

Mecanismos como splicing alternativo e diferentes sítios depoliadenilação fazem com que a

especificidade da proteína esteja acoplada ao contexto celular.

Figura 7. O gene em contexto: O processo de produção das proteínas isoformes "-tropomiosina mostra como a seqüência de nucleotídeos de RNAm produzido a partir de uma mesma seqüência de DNA depende do contexto celular. Adaptado de Burian (2004) e Gilbert (2006).

Uma maneira de lidar com a necessidade de contextualizar o gene é mudar de

perspectiva teórica, deixando de conceituar certas entidades biológicas como estruturas e

passando a conceituá-las como processos (Griesemer, 2000b). Desta maneira, é possível

incorporar à definição de gene as condições do contexto desenvolvimental necessárias para a

expressão de uma proteína específica (Neumann-Held, 1999; Burian, 2004; Robert, 2004a;

Griffiths e Stotz, 2006). O gene deixa de ser definido em referência às estruturas que

§3

– 97 –

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produzem uma determinada entidade e passa a ser descrito como o próprio processo de

produção destas entidades. Esta perspectiva processual foi devidamente elaborada por Eva

Neumann-Held e defendida também por Paul Griffiths na definição de gene como um

processo molecular (1999, 2001). Desta perspectiva, o gene passa a se referir ao “processo

recorrente que leva à expressão regulada no tempo e no espaço de um determinado produto

peptídico” (Griffiths e Neumann-Held, 1999, p.659). O gene deixa de ser o material ou

substância hereditária e passa a ser uma unidade dinâmica, vias metabólicas que se repetem

ciclicamente:

“Gene” é o processo (i.e., o decurso de eventos) que liga o DNA e todas as outras entidades não-DNA relevantes na produção de um polipeptídeo particular. O termo gene, neste sentido, refere-se aos processos que são especificados por (1) interações específicas entre segmentos de DNA específicos e entidades específicas não localizadas no DNA e (2) mecanismo específicos de processamento dos RNAms em interações com entidades não localizadas no DNA. Estes processos, em sua ordem temporal específica, resultam (3) na síntese de polipeptídios específicos. Este conceito de gene é relacional e sempre inclui interações entre o DNA e seu ambiente desenvolvimental. (Neumann-Held, 2001, p.74)

A principal virtude da definição de gene como um processo recorrente de produção de

uma determinada proteína é que ele permite acomodar os numerosos processos pós-

transcricionais. Mecanismos fundamentais para a especificidade de uma proteína, mas

independentes da seqüência de DNA, como os discutidos acima — 5’ capping,

poliadenilação, splicing alternativo e edição de RNAm –, são apreciados por uma

conceitualização processual do gene. Além disso, o gene, entendido como um processo, está

aberto a interações fora do contexto celular. Ele permite incorporar, por exemplo, o efeito do

ambiente (Gilbert, 2001b), do comportamento (Gottlieb, 2001a) e de outros níveis da

organização (Bissell, Mian et al., 2003) à produção de proteínas específicas.

A conseqüência de se levar a sério os mecanismos pós-transcricionais envolvidos na

produção de uma proteína e o indissociável embutimento contextual do gene é que o

preformacionismo molecular moderado, como defendido por Godfrey-Smith, torna-se difícil

de ser sustentado. As proteínas não são simplesmente reveladas a partir da sua imagem no

DNA. A especificidade do estágio final — a proteína — não está determinada pelo estágio

inicial do processo — o DNA. A seqüência é selecionada, combinada e criada durante a

expressão gênica. Como afirmou Burian (2004), em relação ao splicing alternativo:

§3

– 98 –

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O resultado é uma forma de epigênese molecular: o ambiente molecular diferente encontrado pelo gene nominal altera o modo como a seqüência de DNA é processada (ou a impede de ser processada), produzindo assim um produto com uma seqüência de aminoácido diferente (ou produto nenhum). (ibid, p.67–68)

O caráter epigenético da expressão gênica fica claro na necessidade de expandir o

projeto genoma para outros níveis do processo, como o transcriptoma e o proteoma. A cada

etapa do processo, o aporte de sinais intracelulares, organismais e ambientais contribui para a

produção da etapa seguinte. “Não é mais possível pensar no transcriptoma como preformado

no genoma” (Griffiths e Stotz, 2006, p.515-516).

Portanto, o gene, enquanto a produção de proteínas e RNAs ativos específicos, é uma

seqüência de eventos moleculares cujo produto final não está determinado em nenhuma etapa,

nem mesmo na seqüência de DNA. Aceitar um preformacionismo moderado, na forma da

cadeia causal linear DNA ! RNA ! proteína, resulta de uma sub-apreciação da

complexidade molecular pós-genômica. O gene é um processo molecular epigenético, não um

processo de revelação da informação. A seqüência de peptídeos não está preformada na

seqüência nucleotídeos. O genes não preexistem à sua manifestação desenvolvimental

(Robert, 2004a). Eles emergem na história e no contexto celular.

§3

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Figura 8. Epigênese molecular: A seqüência de polipeptídios de uma proteína não está representada em uma seqüência de DNA específica. A seqüência é criada durante a sua realização (a ordem dos processos aqui representados não corresponde necessariamente a ordem em que eles ocorrem. Eles podem ocorrer concomitantemente).

3.2.2 Regulação molecular

No capítulo dois discuti como a teoria celular originou duas tradições de pesquisas

diferentes: a citologia — focada no conteúdo intracelular — e a embriologia experimental —

focada na diferenciação e relação intercelular. No decorrer do século XX, a metodologia da

biologia molecular, inicialmente focada na relação entre DNA e proteína, invadiu o restante

da célula, transformando a citologia em biologia molecular da célula (e.g., Alberts, Bray et

al., 1999). No entanto, por motivos principalmente técnicos, a análise molecular do

desenvolvimento ganhou força apenas a partir da década de 80, levando a biologia do

desenvolvimento (como passou a ser chamada a embriologia a partir dos anos 50) a

reconquistar seu prestígio. Discuto nesta seção porque os resultados obtidos desde então

contrariaram a esperança de que o desenvolvimento poderia ser descrito como um processo

programado de ativação e desativação ordenada de genes. Mostrarei que a abordagem

molecular do desenvolvimento, embora reducionista e genecêntrica, emprega modelos de

regulação intercelular. A expectativa dos primeiros anos da genética molecular de descrever o

desenvolvimento a partir de mecanismos autônomos de diferenciação foi frustrada pelos

resultados obtidos por seus próprios avanços sobre questões embriológicas (De Chadarevian,

1998) .

Durante o nascimento da genética, a embriologia continuou sendo um próspero campo

de pesquisa. Enquanto Morgan e muitos outros pesquisadores, especialmente citologistas,

migravam para a genética, os embriologistas rejeitaram a redefinição do desenvolvimento

como a expressão diferencial dos genes e deram continuidade à tradição de pesquisa

epigenética. A embriologia continuou a investigar o desenvolvimento a partir de modelos que

enfatizavam as interações reguladoras entre as partes do organismo e entre o organismo e o

ambiente. O resultado foi uma completa ruptura disciplinar entre a embriologia e a genética.

Rapidamente, “genética e embriologia tinham suas regras de evidência, seus experimentos

paradigmáticos, seus próprios organismos favoritos, seus próprios professores, seu próprios

jornais e, mais importante, seu próprio vocabulário” (Gilbert, 1996, p.102).

§3

– 100 –

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As décadas de 1920 e 1930 foram o auge da embriologia organicista. Dando

continuidade à tradição epigenética da embriologia experimental, ela realizou seus

experimentos clássicos. É deste período, por exemplo, a demonstração da polaridade dos

membros por Ross G. Harrison (1870–1959), os estudos sobre o crescimento e a

especificidade dos neurônios de Paul Weiss (1898–1989) e Viktor Hamburger (1900–2001) e

o organizador de Hans Spemann (1869–1941) e Hilde Mangold (1898–1924) (Haraway,

2004). Todos eles enfatizavam a organização e a capacidade de regulação do embrião. Apesar

dos sucessos obtidos pela jovem ciência da genética, o estudo da geração da forma ainda

cabia à embriologia.

Mas a incapacidade em seguir a crescente tendência reducionista das ciências

biológicas e propor uma explicação no nível molecular destes experimentos, fez da

embriologia uma ciência à sombra do triunfo da genética molecular. Mesmo sem grandes

resultados, a redefinição morganiana da ontogenia como um epifenômeno da expressão

genética prevaleceu. O estudo do desenvolvimento subordinou-se ao estudo de como os genes

moleculares produziam seus efeitos.

Neste espírito, a embriologia, rebatizada de biologia do desenvolvimento, trouxe o

reducionismo da biologia molecular para a investigação da embriogênese. A partir da década

de 80, a utilização do aparato técnico e conceitual da biologia molecular permitiu a

elaboração de modelos genéticos do desenvolvimento. Apesar de ainda ser a disciplina

responsável pela estudo da ontogenia em seus vários níveis, grande parte da biologia do

desenvolvimento voltou-se para como os genes afetavam a diferenciação celular. Ela tornou-

se o estudo da expressão gênica diferencial. Coerentemente, o objetivo central passou a ser a

investigação de mecanismos de controle e regulação intercelular da expressão gênica: vias

sinalizadoras, fatores de transcrição e cascatas de sinais de tradução (Gilbert, 1998b). Como

conseqüência, a biologia do desenvolvimento tornou-se entrelaçada à biologia celular e à

genética. O seu progresso dependeu, por exemplo, da descoberta de numerosos fatores de

transcrição que se associam à amplificadores (enhancers) e promotores, tornando tênue as

fronteiras entre as três disciplinas.53

§3

– 101 –

53 Gayon (2004) constata que, no sentido intelectual do termo disciplina, é questionável que a genética molecular ainda seja uma disciplina. Ela tornou-se “mais uma anatomia e uma fisiologia molecular de estruturas e regulações genômicas do que uma ciência dos genes propriamente dita” (ibid, p.252). O acoplamento do gene ao contexto celular fez da genética uma sub-disciplina da biologia celular.

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Uma boa maneira de avaliar o progresso da biologia do desenvolvimento é considerar

os resultados obtidos na investigação molecular dos experimentos da embriologia organicista.

No fim do século XX, as técnicas da biologia do desenvolvimento pareciam finalmente terem

tornado-se eficientes o bastante para a formulação de modelos moleculares dos fenômenos

observados pelas técnicas histológicas da embriologia. Como apontou Carroll (1998, p.305),

“conceitos fundamentais da embriologia como campos morfogenéticos e organizadores vêem

sendo definidos a nível molecular”. Um bom exemplo é o conceito de indução, traduzido para

a biologia molecular como fatores paracrinais — proteínas sinalizadoras intercelulares (que,

ao contrário dos hormônios, atuam em um espaço restrito) e o conceito de competência,

traduzido como a habilidade de receber e processar os fatores paracrinais (Gilbert, 2006).

O caso da indução neural é particularmente interessante, pois representa o

experimento paradigmático da embriologia organicista, envolvendo, ao mesmo tempo, um

dos eventos mais marcantes da embriogênese e um dos nomes mais importantes da história da

embriologia. Desde o início do século XX, Hans Spemann vinha defendendo uma perspectiva

epigenética para embriologia experimental, orientada pela idéia de que o embrião em

desenvolvimento se comportava como um todo auto-regulado. O conceito chave na

investigação de Spemann era justamente a indução — “a ocorrência de estímulos formativos

que são exercidos por uma parte do embrião sobre uma outra” (Herbest, 1901, apud em

Gilbert, 1996). Em 1901, Spemann publicou o primeiro experimento demonstrando uma

seqüência de eventos indutivos. Ele mostrou que a formação das lentes dos olhos de sapos a

partir da ectoderma epitelial dependia do contato desta com a vesícula ótica (Saha, 1994).

Nas décadas seguintes, Spemann ampliou o estudo da indução para investigar os

estágios iniciais do desenvolvimento. Para testar se os destinos das partes do embrião já

estavam determinados nos primeiros estágios do desenvolvimento, ele e sua aluna Hilde

Mangold54 transplantaram pequenas partes de uma região para outra da gástrula de anfíbios.55

§3

– 102 –

54 Mangold morreu tragicamente na época dos experimentos.

55 Após a penetração do espermatozóide no ovo de anfíbios, ocorre uma série de clivagens que dividem o ovo em células cada vez menores, chamadas de blastômeros. No interior da massa esférica composta pelos blastômeros, forma-se uma cavidade cheia de líquido chamada blastocele e o embrião passa a ser chamado de blástula. No estágio seguinte, chamado de gástrula, as células da superfície do pólo animal ingressam para o interior do embrião, dando origem às camadas germinativas endodérmicas, mesodémicas e ectodérmicas. As células ingressam por uma invaginação em forma de fenda na superfície dorsal do embrião, chamada de blastóporo. Em répteis, aves e mamíferos, a invaginação ocorre na linha primitiva. A gastrulação é sucedida pela neurulação – a formação do tubo neural a partir de uma invaginação da ectoderma dorsal do embrião. O tubo neural origina o sistema nervoso central.

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Todas as regiões transplantas diferenciaram-se de acordo com a nova região em que foram

enxertadas, mostrando que seu destino ainda não estava determinado e podia ser regulado. A

única exceção foi a região do lábio dorsal do blastóporo. Quando enxertado na região que

presumivelmente se tornaria a pele da barriga, ela originou as mesmas estruturas que teria

formado na sua região original: a endoderma faringeal e a mesoderma dorsal (somitos e

notocorda). Porém, o que mais chamou atenção não foi o fato de que esta região, ao contrário

das demais, já estava comprometida com um determinado destino. O enxerto também induziu

a formação de uma nova placa neural na região adjacente, que deu origem a um segundo

sistema nervoso central e, por fim, um segundo embrião completo (ver Figura 9b e 9c). Como

o experimento foi realizado com espécies de tritões de cores diferentes, foi possível perceber

que as células que deram origem aos neurônios pertenciam ao embrião que recebeu o enxerto

e que, presuntivamente, teriam outro destino. Elas haviam sido induzidas pelo enxerto a

mudar de destino e diferenciar-se em células nervosas. Em 1924, Spemann e Mangold

publicaram o resultado da sua pesquisa, chamando a região do lábio dorsal do blastóporo de

organizador, pois ele era responsável não apenas pela indução neural, mas também pela

dorsalização da mesoderma e pela iniciação da gastrulação. A indução neural também foi

chamada de indução primária, pois iniciava a cascata de diferenciação e relações indutivas

cada vez mais específicas que caracterizava a ontogenia segundo a perspectiva epigenética da

embriologia.

O organizador tornou-se o centro das atenções dos embriologistas.56 Durante mais de

meio século, diversos laboratórios dedicaram-se à investigação da natureza molecular dos

sinais indutivos emitidos pelo organizador. Os primeiros anos de pesquisa levaram a crença de

que moléculas solúveis eram secretadas verticalmente pelo organizador — da mesoderma

dorsal para as células ectodérmicas acima — instruindo-as a se tornarem células nervosas

(Gilbert, 2001a). A metodologia era clara e direta: a ectoderma competente era exposta a

diversas substâncias e sua evolução morfológica era acompanhada. Os resultados,

inicialmente estimulantes, levaram a um impasse — a não especificidade das substâncias

indutoras. Centenas de substâncias eram capazes de induzir a formação do sistema nervoso

central, até mesmo soluções salinas e grãos de areia (Gilbert, 2001a; De Robertis, 2006).

§3

– 103 –

56 Regiões equivalentes ao organizador foram descobertas em todas as classes de vertebrados e também em anfioxos (Gilbert, 2006; Garcia-Fernandez, D'aniello et al., 2007).

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O período inicial de pesquisas em química foi seguido por uma re-interpretação

molecular da indução. Baseado no modelo de Beadle e Tatum de um gene-uma enzima,

Spielgelman “redefiniu diferenciação embrionária como ‘a produção controlada de padrões

enzimáticos únicos’” (Gilbert, 2001a). Waddington, por sua vez, comparou a indução neural à

indução enzimática em bactérias e tentou associá-la ao modelo do operon de Jacob e Monod

(Gilbert, 1996). No entanto, estes primeiros esforços moleculares não foram menos frustrantes

que a investigação química. A busca pelas moléculas responsáveis pela indução neural parecia

condenada ao fracasso. Foram mais de cinqüenta anos de pesquisas infrutíferas em química e

biologia molecular. De Robertis (2006) afirma que, durante a sua graduação, era comum ouvir

comentários de que o organizador de Spemann havia atrasado a embriologia meio século.

Ainda em 1987, John Moore, escreveu: “O problema parece insolúvel [...] Nós devemos

esperar novas idéias e novas técnicas” (Moore, 1987, p.554).

As novas idéias e técnicas não tardaram a chegar. A introdução da tecnologia de DNA

recombinante no estudo do desenvolvimento permitiu que fossem isolados os RNAm

presentes no organizador em concentrações muito pequenas para seres detectados pelas

antigas técnicas. Deste modo, foi possível descobrir genes cujos produtos eram capazes de

dorsalizar o embrião. O primeiro deles foi noggin, seguido por cordina e folistatina (Gilbert,

2001a; De Robertis e Kuroda, 2004; Gilbert, 2006). Os RNAm destes genes, quando inseridos

em embriões sem tubo neural, mostraram-se capazes de induzir a formação de novas

estruturas neurais. Finalmente, a indução neural e a genética molecular haviam chego a um

modelo comum: as células da ectoderma eram induzidas a diferenciarem-se em células

nervosas por proteínas solúveis específicas produzidas no organizador.

Esta primeira interpretação molecular logo foi radicalmente alterada. Após setenta

anos de busca por substâncias indutoras neurais, novos experimentos indicaram que não havia

indução neural. Os cientistas estiveram procurando por moléculas indutoras do tecido neural,

quando, na verdade, era a formação de tecido epitelial que era induzida. As células neurais

eram o estado padrão da ectoderma. A diferenciação em células nervosas era o resultado da

repressão da indução epitelial (Wilson e Hemmati-Brivanlou, 1995). Restava, então, encontrar

as moléculas indutoras do epitélio. A primeira das candidatas foi a proteína sinalizadora

BMP-4, mais tarde confirmada como o principal sinal indutor.

Com isso chegou-se ao que ficou conhecido como modelo padrão da indução neural:

o mesoderma secreta proteínas indutoras do epitélio — BMP-4 –, que são inibidas na placa

§3

– 104 –

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neural por moléculas antagônicas secretadas pelo organizador — noggin, cordina e folistatina

(ver figura 9d) (Weinstein e Hemmati-Brivanlou, 1997; De Robertis e Kuroda, 2004).57

Por último, cabe ainda acrescentar que a indução primária, que já havia mostrado não

ser uma indução, mas uma repressão da indução epitelial, mostrou-se também não ser

primária (Gilbert, 2001a). A endoderme dorsal presuntiva forma uma região — o centro de

Nieuwkoop58, que induz a formação do organizador de Spemann na mesoderma acima. O

centro de Nieuwkoop é formado por proteínas e RNAm maternos distribuídos no citoplasma a

partir do ponto de entrada do espermatozóide no óvulo e da rotação cortical, assim como

também a gravidade (Wolpert, 1998; Gilbert, 2006).

Figura 9. Indução neural: (a) o transplante do lábio do blastóporo e a formação de um segundo blastóporo em outro embrião; (b) a organização de um segundo tubo neural; (c) formação de um segundo embrião e (d) simplificação do modelo molecular padrão da indução neural. Relações antagônicas entre gradientes moleculares são responsáveis pela regulação. Figura b retirada de Spemann e Mangold (2001, [1924]). Figura c retirada de Gilbert (2006).

§3

– 105 –

57 O modelo padrão atualmente tem sido debatido (Munoz-Sanjuan e Brivanlou, 2002; Stern, 2005; 2006; Zaraisky, 2007) Mas para o propósito desta discussão ele é suficiente, pois estou interessado na estrutura dos modelos moleculares em biologia do desenvolvimento e não em uma explicação adequada e completa da indução neural.

58 Em homenagem ao seu descobridor, o embriologista holandês Pieter Nieuwkoop (Wolpert, 1998).

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Esta longa digressão sobre o organizador de Spemann e os mecanismos moleculares

envolvidos na indução neural tem um simples propósito: mostrar que os processos de

regulação propagados pela tradição epigenética da embriologia não entram em conflito com a

biologia do desenvolvimento. Modelos moleculares da ontogenia também envolvem

interações reguladoras. O desenvolvimento, mesmo entendido restritamente como ativação

gênica diferencial, depende de interações que emergem durante o próprio processo (Burian,

2005b).

Estas interações moleculares, presentes em muitos dos modelos da biologia do

desenvolvimento, são importantes porque permitem confrontar uma versão moderada da

noção de programa genético (Rosenberg, 1997; Wolpert, 1997; Maynard-Smith, 2000; Weber,

2004; Rosenberg, 2006). Segundo esta versão, o genoma não contem uma planta arquitetônica

ou um projeto do futuro organismo. A idéia de que o genoma possui um programa genético

diria respeito simplesmente ao fato de que ele é o primeiro estágio de uma longa cascata de

ativação gênica pré-determinada. Uma cascata de ativação gênica na qual cada gene prepara

as condições para o próximo, em um complexo efeito dominó. “O gene A controla os genes B,

C, D… e cada um dos genes B, C e D controlam ainda outros genes” (Maynard-Smith, 2000,

p.188). Esta versão moderada baseia-se em modelos da genética do desenvolvimento que

descrevem a ontogenia como uma cadeia hierárquica de ativação genética.59

No entanto, a imagem fornecida por estes modelos ignora o tipo de fenômeno

ilustrado em casos como o da indução neural. Os circuitos de ativação gênica não se

desenrolam como uma imensa queda de dominós desengatilhada nas etapas iniciais. Eles

dependem de relações e contextos que emergem durante a ontogenia. Mesmo descrito como

§3

– 106 –

59 A formação do eixo antero-posterior em moscas drosófilas é um destes casos. Em uma série de experimentos fundamentais para revalorização da biologia do desenvolvimento a partir da década de 80, o laboratório de Christiane Nüsslein-Volhard chegou a um modelo molecular da formação do eixo antero-posterior em Drosophila melanogaster (Keller, 1996). O modelo propõe que gradientes citoplasmáticos de proteínas e RNAm maternos ativamente inseridos no oócito por células maternas pré-padronizam o eixo antero-posterior e a segmentação do corpo. De maneira simplificada, o modelo afirma que a região anterior do oócito possui uma alta concentação do RNAm do gene bicoid, enquanto que a região posterior possui alta concentração do gene nanos. Logo após a fertilização, os RNAm dos genes bicoid e nanos são traduzidos pela maquinaria celular do embrião. A proteína bicoid ativa a síntese de outro RNAm materno distribuído no citoplasma chamado hunchback. A proteína nanos, pelo contrário, reprime a síntese de hunchback , criando um novo gradiente citoplasmático. O gradiente de proteínas hunchback ativa, diferencialmente, oito genes gap, que por sua vez ativam a expressão de nove genes pair-rule, os quais determinarão a identidade dos segmentos pela ativação diferencial de Hox genes (Gilbert, 2006). Uma recente revisão do assunto aponta que, mesmo na blastoderma sincicial de drosófilas, interações entre os núcleos não podem ser ignoradas durante a padronização espacial do embrião (Kerszberg e Wolpert, 2007).

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expressão gênica diferencial, o desenvolvimento não é uma cadeia causal linear e pré-

determinada, mas depende da reticulação de interações criadas a cada etapa do processo.

A linguagem informacional da biologia do desenvolvimento, amparada em termos

como sinais e receptores, não são uma extensão dos modelos preformacionistas da genética

molecular clássica, como sugere Maynard-Smith (2000). Sinais e receptores, em biologia do

desenvolvimento referem-se a interações entre células, não a manifestação da informação

contida em um programa genético. Em que sentido é possível dizer que a ontogenia está

programada no DNA, quando ela depende, desde sua etapa mais inicial, de sinais e interações

entre células? Como o exemplo da indução neural mostra, a diferenciação em uma célula

epitelial ou em uma célula neural não está internamente programada. Ela depende da relação

de indução e competência entre as células da gástrula. E as condições para uma relação de

indução e competência resultam de muitos outros eventos anteriores e independentes. Por

exemplo, a ectoderma só responde aos antagonistas de BMP-4 após ter sido exposta a outros

sinais do organizador durante cinco horas (Stern, 2005). Ademais, as relações indutivas não se

limitam ao interior do organismo. Interações ambientais e sociais participam da expressão

“normal” dos genes (Van Der Weele, 1999; Gottlieb, 2001a; Gilbert, 2002; 2006). A própria

determinação da região onde se formará o tubo neural depende do ponto de entrada do

espermatozóide e a formação do centro de Nieuwkoop. De fato, durante a ontogenia, certos

genes são ativados e outros são desativados. No entanto, atribuir a seqüência de ativação e

desativação à instruções no DNA da célula inicial é ignorar a série de interações que emergem

durante a ontogenia. “Programa, neste contexto, é uma descrição a posteriori da estrutura e

não uma instrução a priori para gerar a estrutura” (Wolf, 1995, p.145). 60

Além disso, não é possível atribuir um início à hierarquia de ativação gênica. É

verdade que um gene pode alterar o padrão de ativação de muitos outros genes, como no caso

dos chamados “genes mestres” (Gehring, 1996). Porém, isso não implica que eles sejam o

início da hierarquia, nem que os genes seguintes não dependam de novas interações (Wilkins,

2002). Todo gene está situado em um contexto histórico e celular e sua expressão está

intrincada a este contexto. “Não pode haver topo da hieraquia em um ciclo de vida. A

§3

– 107 –

60 Deparado com o problemas com estes, Konrad Lorenz considerou a indução neural como um exemplo de programa aberto, uma idéia proposta por Mayr (1997). Nesta interpretação pouco parcimoniosa, as relações indutivas entre a ectoderma e o organizador não são causalmente constitutivas. Elas apenas ativam informações alternativas preexistentes no programa aberto (Oyama, 1985).

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hierarquia tem se tornado uma rede de interações […] Reguladores devem ser regulados por

fatores que são eles mesmos regulados e reguladores” (Gilbert, 2000, p.186-187).

Levando-se em consideração as discussões da seção anterior, na qual mostrei a

necessidade de contextualizar a expressão gênica, a perspectiva epigenética ganha ainda mais

força. As proteínas envolvidas na sinalização intercelular — p. ex. noggin, cordina, BMP4,

etc. — não são simplesmente ativadas, mas constituídas. Assim como seu efeito, sua própria

produção está contextualizada em locais e momentos específicos. A questão não é quais

seqüências determinam o processo desenvolvimental, mas quais seqüências são usadas pelo

processo desenvolvimental para produzir aqueles produtos (Griffiths, 2001). Pois a própria

natureza da proteína depende da maquinaria celular e do entorno intercelular. Tome como

exemplo os fatores de crescimento de fibroblastos (FGF), proteínas sinalizadoras

intercelulares envolvidas no crescimento e diferenciação de diversos tipos celulares. Embora

transcritas a partir de nove genes em mamíferos, podem resultar, por splicing alternativo e

sítios de iniciação de transcrição alternativos, em dezenas de proteínas diferentes (Wolpert,

1998; Gilbert, 2006).61 A regulação intercelular e a epigênese do gene podem ser vistos como

dois extremos de uma perspectiva celular do gene (figura 10).

§3

– 108 –

61 No caso da indução neural, Stern chama atenção para o fato de que, em embriões de galinha, a inibição de BMP4 pode ocorrer no nível de transcrição, mostrando como so fenômenos de regulação molecular e expressão gênica estão interligados (Stern, 2005).

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Figura 10. Visão celular do gene: De 1 a 13, o processo de expressão gênica unifica genética, biologia celular e biologia do desenvolvimento. Adaptado de Gilbert (2006).

§3

– 109 –

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— 4 —

A nova epigênese

O século XX, mais do que o século do gene (Keller, 2000), foi o século da

preformação. Desde a concepção de um material hereditário, no fim do século XIX, passando

pela operacionalização mendeliana, até a formulação molecular contemporânea, a biologia foi

guiada pelo pressuposto de que existem partículas que controlam a hereditariedade e o

desenvolvimento. Durante este século de hegemonia, a perspectiva preformacionista orientou

a construção dos modelos da genética clássica e da genética molecular. No capítulo anterior,

discuti a adequação dos modelos preformacionistas da genética molecular clássica frente aos

dados da biologia atual. A contextualização celular do gene colocou em questão os modelos

que representam (i) o DNA como uma imagem codificada das proteínas e (ii) o

desenvolvimento como uma seqüência linear de ativação gênica.

Estas duas suposições formam o que chamei de versão moderada do

preformacionismo molecular. O DNA não codifica caracteres, nem o genoma possui uma

planta do organismo. Contudo, existe uma versão forte do preformacionismo molecular. Ela

resulta da noção subentendida de que a genética molecular revelou a estrutura físico-química

do gene instrumental da genética clássica. Misturando as duas teorias, a versão forte atribui ao

DNA a capacidade de produzir um caráter fenotípico e ao genoma a prefiguração da forma

adulta.

A versão forte do preformacionismo molecular torna explícita sua relação com a

tradição preformacionista. A analogia entre o homúnculo e a planta arquitetônica é evidente.

No entanto, tanto a versão forte, quanto a versão moderada, são orientadas por um arcabouço

preformacionista. Ambas conservam os pressupostos de que existe uma estrutura interna

§3

– 110 –

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causalmente privilegiada, que a hereditariedade é a transmissão destas entidades e que a

ontogenia é um processo predeterminado pela estrutura inicial.

A proposta deste capítulo é apresentar uma contraparte epigenética ao

preformacionismo molecular. Historicamente, preformação e epigênese alternaram-se como

perspectiva hegemônica para construção de teorias sobre a geração dos seres vivos. Defendo

que a Perspectiva dos Sistemas de Desenvolvimento (PSD) seja interpretada como uma

perspectiva epigenética alternativa ao preformacionismo molecular. A PSD propôs uma “nova

epigênese”. Uma revalorização e reformulação da ontologia e da metodologia epigenética.

4.1 Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais

Iniciarei a discussão sobre a PSD com um esclarecimento sobre sua denominação e

seu status enquanto entidade teórica. A PSD é mais conhecida como TSD (DST, em inglês,

com o T se referindo a teoria). No entanto, a designação teoria tem sido criticada. A principal

crítica é que a PSD não oferece diretamente modelos para os cientistas testarem

experimentalmente. Philip Kitcher, por exemplo, diz que a PSD “não oferece nada que

pesquisadores aspirantes possam colocar para funcionar” (apud Godfrey-Smith, 2001, p.283).

Este tipo de crítica é pertinente. De fato, a PSD não fornece modelos ou mecanismos para a

hereditariedade e o desenvolvimento. Ela não é uma teoria no sentido restrito de um “máquina

geradora de hipóteses” (Oyama, 2000a, p.2). Como os seus proponentes reconhecem, ela é

uma entidade teórica de outra ordem. É “uma estrutura tanto para conduzir pesquisa

científica, quanto para entender o significado mais amplo dos resultados das

pesquisas” (Oyama, Griffiths et al., 2001b, p.2). Por isso, diversas vezes eles reconhecem que

a PSD seria definida de modo mais preciso como uma abordagem ou perspectiva. Como “um

tipo de pano de fundo conceitual que serve para orientar empreitadas empíricas e teóricas

mais específicas (Oyama, 2000a, p.2). Porém, em geral, eles optam por preservar a

denominação teoria, pois ela já foi estabelecida pelo uso (mas ver Griffiths e Gray, 2004;

Oyama, 2006){, 2004 #762}.

Contudo, no contexto desta discussão, é importante ser preciso quanto ao status

epistemológico da PSD. Por isso, escolhi o termo perspectiva. Concordo com Griesemer

(2000a) que a PSD representa precisamente o tipo de macro-teoria que na introdução deste

trabalho foi descrita como uma perspectiva teórica. Vejo a PSD como uma tentativa de tornar

§3

– 111 –

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explícito um conjunto de pressupostos ontológicos e metodológicos que orientam e sugerem

uma maneira de pesquisar uma classe de fenômenos biológicos.62 Ela é um arcabouço

alternativo à perspectiva preformacionista e genecêntrica da genética molecular clássica. Um

arcabouço que permite a elaboração de modelos atentos à importância das “ligações

ecológicas, comportamentais e fisiológicas entre gerações” para explicar os sistemas vivos

(Oyama, 2000a, p.9).

O marco inicial da PSD é o livro de Susan Oyama, The Ontogeny of Information,

publicado originalmente em 1985, mesmo período em que publicou alguns artigos influentes

(reunidos em Oyama, 2000a). O livro de Oyama caracteriza-se por um olhar estritamente

epigenético sobre os fenômenos de constância, mudança e variação dos seres vivos. O

objetivo central é romper com a dicotomia entre natureza e criação que permeia as

explicações destes três fenômenos. Em poucas palavras, Oyama se opõe aos pressupostos de

que a constância genealógica dos seres vivos é devida a uma essência genética interna, que a

mudança ontogenética é causada por um plano interno e a mudança filogenética pela ação

externa selecionadora, e que as causas da variação possam ser dividas em herdadas e

adquiridas.

Como comenta Richard Lewontin no prefácio da segunda edição de The Ontogeny of

Information, a obra de Oyama “foi instigada por um crescente empobrecimento da explicação

e do entendimento de como os organismos se formam” (Oyama, 2000b, p. xvii). Este

empobrecimento — uma conseqüência da ênfase nos modelos da genética — levou Oyama a

valorizar explicações alternativas. No lugar da perspectiva preformacionista da genética, ela

articulou e integrou um conjunto de abordagens epigenéticas que haviam permanecido em

segundo plano durante o século XX. A iniciativa original de Oyama influenciou diversos

autores, especialmente filósofos da biologia, que deram continuidade e expandiram a PSD

(Gray, 1992; Moss, 1992; Gray e Griffiths, 1994; Griffiths e Gray, 1997; Robert, 2004a).

4.1.1 Origens

As abordagens que alimentaram a PSD são um tanto difusas e heterogêneas,

provavelmente em virtude da tradição de pesquisa preformacionista ter permanecido

§3

– 112 –

62 Larry Laudan defende que as tradições de pesquisa, ao contrário das matrizes disciplinares de Kuhn, não são necessariamente implícitas.

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hegemônica durante o século XX. Articulada nas décadas de 80 e 90, a PSD seguiu contra a

corrente determinista do mainstream da biologia. Não surpreende, portanto, que ela, em parte,

tenha se inspirado fora do núcleo das ciências biológicas. Muito dos seus conceitos,

metodologias e experimentos exemplares têm raízes no estudo do desenvolvimento do

comportamento animal ou psicobiologia desenvolvimental.

Ao contrário da biologia em geral, onde o preformacionismo genético dominou de

modo quase absoluto, a psicobiologia desenvolvimental preservou uma perspectiva

epigenética. Ao estudar as bases biológicas da conduta dos animais, ela rejeitou o pressuposto

de que as características dos seres vivos eram determinadas por um material hereditário. As

tentativas de atribuir a herança e o desenvolvimento dos comportamentos aos genes foram

constantemente criticadas e contrapostas por explicações desenvolvimentais (Lehrman, 1953;

Schneirla, 1966; Kuo, 1967; Bateson, 1978; Johnston, 1987; Gottlieb, 2001b).

A recusa da psicobiologia desenvolvimental a explicações preformacionistas fica clara

na resistência à redefinição do conceito de instinto como comportamentos geneticamente

determinados. O conceito de instinto foi largamente empregado pela jovem ciência da

psicologia.63 Contudo, até o início do século XX, não havia uma nítida distinção entre instinto

e hábitos (comportamentos aprendidos que se tornavam automáticos com a prática). Instintos

podiam ser provenientes de hábitos que foram incorporados como comportamentos inatos. Do

mesmo modo, comportamentos complexos eram considerados como instintos que foram

afrouxados e elaborados pela experiência. Comportamentos que precisavam ser “afinados”

pela experiência eram chamados de “instintos incompletos” (Griffiths, 2004). Lloyd Morgan

falava em “hábitos instintivos”; Wundt em “instintos adquiridos”, George Romanes em

“instintos secundários” (Johnston, 1995). Havia um gradiente entre comportamentos

instintivos e aprendidos, como deixou claro Whitman (1986, p.245): “podem haver ‘misturas’

e todo tipo de ‘interações’ entre hábitos e instintos”.

A nítida separação entre instintos e hábitos ocorreu somente após o amadurecimento

da genética e a absoluta separação entre fenômenos hereditários e desenvolvimentais

§3

– 113 –

63 Charles Darwin dedicou um capítulo do Origens das espécies aos instintos e os definiu como uma ação “desempenhada por um animal [...] sem nenhuma experiência e por muitos indivíduos da mesma maneira, sem que eles saibam qual o propósito da ação (Darwin, 1959, p. 207). William James, no Princípios de Psicologia, também dedicou um capítulo aos instintos, definidos na primeira frase como “a faculdade de agir de tal maneira a produzir um determinado fim, sem prever este fim e sem ter sido educado para fazê-lo”(1890, p.384). Portanto, os instintos eram entendidos como impulsos, atos irracionais que conduziam a comportamentos apropriados tanto no homem como nos demais animais.

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(Johnston, 1995). Os instintos, ou comportamentos inatos, foram atribuídos aos genes,

enquanto que os hábitos, ou comportamentos aprendidos, foram atribuídos à ação do ambiente

no desenvolvimento. A disciplina da etologia, como elaborada inicialmente por Konrad

Lorenz, tornou-se a principal representante desta abordagem genética ao comportamento.

Contudo, pesquisadores comprometidos com o estudo do desenvolvimento foram

contrários às tentativas de transpor a abordagem da genética para o estudo do comportamento.

Eles não aceitaram a materialização dos instintos em genes. A existência de padrões de

conduta rígidos, repetidos e previsíveis não era uma justificativa para o argumento de que eles

eram determinados por partículas hereditárias. O resultado foi justamente o surgimento da

psicobiologia desenvolvimental: uma disciplina interessada na investigação da ontogenia do

comportamento. As bases da abordagem desenvolvimental e sua oposição ao inatismo

genético encontram-se paradigmaticamente expostas no texto clássico de Daniel Lehrman,

intitulado A Critique of Konrad Lorenz’s Theory of Instinctive Behavior (1953).64 Em sua

crítica, Lehrman defendeu uma abordagem estritamente desenvolvimental para o estudo da

conduta animal. Para ele, atribuir os comportamentos aos genes era ignorar o problema

fundamental da psicobiologia: a gênese dos comportamentos. A ciência devia investigar como

os comportamentos emergem durante o desenvolvimento. Por isso, era necessário assumir

uma perspectiva epigenética:

O problema do desenvolvimento é o problema do desenvolvimento de novas estruturas e padrões de atividade. Ele se dá a partir da relação entre estruturas e padrões existentes no organismo e seu ambiente interno e entre o organismo e seu ambiente externo. (Lehrman, 1953, p.345)

O legado mais importante da psicobiologia desenvolvimental é o abandono da

dicotomia entre natureza e criação, em todas as suas versões. Ela forneceu um arcabouço

teórico e experimental para lidar com a investigação do comportamento sem dividi-los em

inatos/aprendidos, herdados/adquiridos ou genéticos/ambientais. Em primeiro lugar, repetindo

§3

– 114 –

64 As críticas de Lehrman foram, em boa medida, assimiladas pelos etologistas, principalmente Nikolaas Tinbergen, que gradualmente abandonou as noções inatistas. Por exemplo, em “On the aims and methods of ethology” Tinbergen assume que o uso do termo inato para descrever o comportamento é “heuristicamente prejudicial” (Tinbergen, 1963, p.425) Contudo, Konrad Lorenz preferiu não abandonar o inatismo e continuou a defender a divisão entre comportamentos inatos e aquiridos em uma perspectiva filogenética adaptacionista. Para isso, ele reformulou sua teoria a partir da linguagem informacional. Comportamentos inatos e adquiridos diferiam, segundo as novas idéias de Lorenz, quanto a informação da qual eles provinham. Instintos eram hereditários e provinham da informação genética acumulada durante o processo evolutivo. Esta tradição de pesquisa deu origem à sociobiologia (Wilson, 1975) e, posteriormente, à psicologia evolutiva (Pinker, 1997).

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o teor das críticas ao antigo preformacionismo, considerar certas condutas inatas ou

geneticamente determinadas é contra-produtivo. Falar em condutas inatas é se esquivar do

que deve ser explicado. “O uso de ‘categorias explicativas’ como ‘inato’ ou ‘genético’

obscurece a necessidade de investigar o processo desenvolvimental para elucidar os reais

mecanismos do comportamento e suas inter-relações” (Lehrman, 1953, p.345).

Além disso, a psicobiologia desenvolvimental mostrou que o conceito de inato possui

diferentes significados. Ele refere-se a coisas diferentes: presente ao nascer, adaptativo, não

modificado durante o desenvolvimento, comum a todos o membros da espécie, etc. (Griffiths,

2002b; Mameli e Bateson, 2006). Por isso, ao utilizarem o conceito de inato, os etologistas

fazem falsas inferências (Griffiths, 2002b). Propriedades como invariância, universalidade ou

importância adaptativa são inferidas uma das outras, quando, na verdade, são propriedades

que não estão necessariamente conectadas. Se determinado caráter está presente em toda a

espécie, não significa que é uma adaptação. Nem o fato de estar presente em espécies

relacionadas significa que seja inato.65 Tampouco, constância desenvolvimental significa

determinismo genético. A repetição do mesmo conjunto de relações ambientais, por exemplo,

pode ser responsável pela invariância desenvolvimental (Gray, 1997). Este tipo de crítica aos

múltiplos significados de inato reflete-se nas discussões de Oyama (1985) sobre as

explicações internalistas da constância dos sistemas vivos. O universal e invariável é

atribuído, indiscriminadamente, a causas internas preexistentes.

A crítica à dicotomia entre natureza e criação também baseia-se em resultados

experimentais. Estes experimentos representam uma outra face, mais positiva, da contribuição

da psicobiologia desenvolvimental: ela produziu uma tradição metodológica para investigar a

embriogênese. A metodologia empregada pela genética do comportamento é semelhante à

metodologia da genética em geral: a análise estatística da segregação de determinados

caracteres — no caso, comportamentos. A psicobiologia desenvolvimental, por outro lado,

prioriza a intervenção experimental em ontogenias individuais (Gottlieb, 2001a; Griffiths,

2006). Ela é uma embriologia do comportamento. Os experimentos são projetados para

investigar as interações sucessivas que ocorrem durante o desenvolvimento de um

determinado indivíduo.

§3

– 115 –

65 Lickliter e Berry (1990) chamam esta falsa inferência de “falácia filogenética”.

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O uso desta metodologia forneceu suporte empírico às críticas ao preformacionismo

da genética comportamental e à dicotomia entre inato e aprendido. Os experimentos

mostraram, por exemplo, que diversos comportamentos concebidos como “inatos” necessitam

de estímulos sensório-motores durante a embriogênese; que a constância e universalidade

depende de causas ambientais; que existe uma inter-relação entre o desenvolvimento do

sistema nervoso e o desenvolvimento do comportamento, contrariando o reducionismo da

genética e evidenciando relações causais entre diferentes níveis da hierarquia dos sistemas

vivos (Hamburger, 1971).

A metodologia da psicobiologia desenvolvimental é bem exemplificada pela série de

experimentos clássicos realizados por Gilbert Gottlieb com patos-reais (Anas platyrhyncos)

(1971; 2001a). Patos-reais, quando nascem, demonstram clara preferência pelos chamados de

indivíduos de sua própria espécie, um comportamento aparentemente inato. Ele é adaptativo,

espécie-específico e se manifesta mesmo em indivíduos criados em isolamento. Porém,

Gottlieb mostrou que, se desvocalizados cirurgicamente enquanto ainda estavam no ovo, os

patos perdiam a preferência pelo chamado de sua espécie. A presença do comportamento

“inato” dependia de eventos epigenéticos. A desvocalização impedia que os patos se auto-

estimulassem com o próprio canto. A interação emergente entre vocalização e sistema nervoso

era necessária para o desenvolvimento do comportamento. Portanto, a constituição de uma

conduta antes definida como inata, revelou-se dependente de causas geradas durante o próprio

desenvolvimento.

Auto-estímulos pré-natais são a base de muitos outros experimentos chaves da

psicobiologia desenvolvimental. Outro exemplo, discutido por Lehrman (1953), são os

elegantes experimentos de Zing Yang Kuo sobre o comportamento de ciscar em pintos recém-

nascidos (resumidos em Kuo, 1967). Pintos domésticos ciscam logo após eclodirem do ovo.

Tal comportamento consiste de três componentes coordenados: (i) dar botes balançando a

cabeça, (ii) abrir e fechar o bico e (iii) engolir. Este é um comportamento estereotipado,

adaptativo, específico da espécie e presente logo após o nascimento, mesmo em indivíduos

isolados. Um típico candidato à comportamento inato. Mas a investigação realizada por Kuo

revelou a produção desenvolvimental deste “instinto”. Em um embrião com três dias,

observa-se que o pescoço é passivamente inclinado pelas batidas do coração, fazendo com

que a cabeça balance para cima e para baixo. A cabeça é estimulada tatilmente pelo saco

vitelínico, que é deslocado mecanicamente pelo movimento sincronizado do líquido

§3

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amniótico bombeado pelas batidas do coração. Um dia depois, a cabeça passa a inclinar-se

ativamente em resposta à estimulação tátil e o bico a abrir e fechar. Poucos dias depois, o

fluxo forçado de líquido amniótico pela garganta causa o movimento de engolir. Ao nascer, o

pintinho, “instintivamente”, cisca.

É importante perceber nestes experimentos que as interações que emergem durante o

desenvolvimento não são instruções para um determinado comportamento. O chamado

produzido pelo pato de Gottlieb dentro do ovo é diferente do chamado materno. Ele não

ensina ao patinho o chamado da sua espécie, mas apenas fornece uma interação necessária

para o desenvolvimento do sistema nervoso e auditivo. Da mesma forma, o bater do coração

não instrui o pinto a ciscar. Estas ações não-instrutivas demonstraram a inadequação da

dicotomia inato e aprendido. Não há certos comportamentos genéticos e outros adquiridos.

Todo comportamento é, ao mesmo tempo, inato e aprendido. “Sobre a análise

desenvolvimental, as categorias inato e aprendido expandem, inter-ramificam e coalecem,

deixando de ter sentido (Gray, 1992, p.171). O processo de desenvolvimento é um processo

inerentemente epigenético. “[E]m qualquer estágio do desenvolvimento, as novas

características emergem das interações no estágio atual e entre o estágio atual e o

ambiente” (Lehrman, 1953, p.345).

Uma maneira de interpretar a PSD é encará-la como uma extrapolação da

psicobiologia desenvolvimental para outros domínios. Como afirma Paul Griffiths, “[a PSD] é

uma tentativa de tornar explícito e refletir sobre os principais conceitos desta tradição de

pesquisa” (2006, p. 191). A PSD leva a recusa da dicotomia entre comportamentos herdados e

adquiridos para o estudo dos sistemas vivos em geral. A ontogenia morfológica também deve

ser investigada como uma constante interação entre causas internas e externas. Assim como o

desenvolvimento do comportamento não é um epifenômeno da maturação neural (Gottlieb,

2001a), o desenvolvimento do organismo não é um epifenômeno da expressão genética. Ele é

a constituição epigenética de um sistema através das interações entre seus múltiplos níveis e o

ambiente.

Uma segunda contribuição que se destaca na confluência de idéias que alimentaram a

PSD são as idéias de Richard Lewontin. É inusitado que um geneticista de populações, ex-

aluno de Dobzhansky, tenha tornado-se inspiração de uma abordagem radicalmente

desenvolvimental. Porém, além da sua contribuição empírica em genética, Lewontin

colaborou também com discussões em filosofia e sociologia, tornando-se um importante

§3

– 117 –

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crítico de alguns dos princípios e metodologias do preformacionismo genético (Rose, Kamin

et al., 1984; Levins e Lewontin, 1985; Lewontin, 1992a; Lewontin, 2002).

Uma primeira crítica de Lewontin dirige-se diretamente às explicações genéticas. Ele

aponta que, historicamente, a genética confundiu a análise das causas das diferenças com

análise das causas da forma (Lewontin, 1974). A partir do que foi discutido no segundo

capítulo, é possível perceber que esta confusão tem suas raízes na cooptação da metodologia

mendeliana pela genética de Morgan. Desde Mendel, a metodologia da genética concentrou-

se em regularidades estatísticas na segregação de diferenças entre gerações. Ela investigava a

produção de variações entre caracteres, não a produção de caracteres em si. “A genética era

uma ciência de similaridades, não — como mais tarde viria a se tornar — uma ciência dos

mecanismos que produzem estas similaridades” (Morange, 2002, p.12). Na genética

morganiana, a análise das diferenças entre caracteres foi confundida e misturada à análise da

produção dos caracteres. O estudo da aparição alternativa de cores dos olhos, sexo ou

comportamentos foi equivocadamente transposto para o estudo da geração da forma.

Consequentemente, a utilização da metodologia mendeliana pela genética morganiana não

levou apenas à materialização do gene instrumental. Ela também transformou instrumentos de

análise da variação em partículas responsáveis pela geração da forma (todavia pressupostas

pela tradição micromerista).

Outra crítica de Lewontin dirige-se ao tratamento da relação entre organismos e

ambiente. As raízes deste problema são ainda mais profundas. Elas remetem à antiga e

persistente distinção entre natureza e criação, já discutidas pela psicobiologia

desenvolvimental. Vale recapitular algumas idéias gerais antes de discutirmos a crítica

específica de Lewontin. Durante o período discutido no capítulo 1, da antiguidade ao início do

século XIX, a idéia de natureza esteve ligada à permanência da forma. As espécie eram tipos

naturais, classes de entidades que compartilhavam propriedades essenciais. A mesma relação

que unia diferentes pedaços de ouro ou mármore, unia também as espécies vegetais ou

animais. A permanência das espécies era explicada pela sua essência. Portanto, a ligação

genealógica era irrelevante para explicar a natureza dos seres vivos. Como disse François

Jacob, “[...] os seres não se reproduziam. Eram engendrados” (Jacob, 2001). Cada geração era

única, independentemente de como ela ocorria. Por isso, os fenômenos hereditários não eram

importantes para a discussão entre preformacionistas e epigenesistas. O fenômeno a ser

explicado era a conservação da forma, não a propagação de peculiaridades periféricas nos

§3

– 118 –

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descendentes. A recorrência de doenças, anomalias e semelhanças entre famílias era uma

questão secundária à preservação do tipo. Neste contexto, o efeito da criação estava

relacionado ao surgimento destas peculiaridades não-essenciais. A criação era um estorvo para

forma. Um bom exemplo é o efeito atribuído à imaginação materna no nascimento de

monstros (Pinto-Correia, 1999).

A partir da segunda metade do século XVIII, os fenômenos hereditários começaram a

ganhar importância para a explicação da continuidade da forma. A hibridização entre espécies

a as discussões sobre as raças humanas apontavam a variabilidade do tipo e aproximaram a

persistência da forma à segregação genealógica de semelhanças. De fato, a necessidade dos

modelos da geração dos seres vivos darem conta dos fenômenos hereditários foi uma das

principais razões para o fim do preformacionismo mecanicista e o surgimento da epigênese

teleológica. O “preformacionismo genérico” de Kant era uma maneira de conciliar

persistência da forma e variação individual. A aceitação de que o tipo era variável abriu

espaço para o efeito da criação. Por exemplo, a persistência dos efeitos do ambiente foi

teorizada por autores como Buffon e Lamarck como a propagação de semelhanças e,

principalmente, degenerações da forma.

No século XIX, a estabilidade das espécies e a segregação de semelhanças entre

descendentes passaram a ser explicadas de maneira unificada (López-Beltran, 2007). O

surgimento do conceito de hereditariedade criou um novo domínio fisiológico que uniu

definitivamente a permanência da forma e a repetição de similaridades. Os fenômenos

hereditários explicavam não apenas a segregação de peculiaridades acidentais, mas a própria

continuidade da forma entre gerações. A forma não era mais transcendental, mas histórica

(Russell, 1982).

Como foi dito no Capítulo 2, a hereditariedade, inicialmente, foi investigada de

maneira fenomenológica (Gayon, 2000).Ela era uma força antagônica à variação. Havia uma

oposição entre a tendência a reproduzir a forma e a tendência a desviar da forma. Na segunda

metade do século XIX, a concepção fenomenológica inicial foi substituída por uma

concepção estrutural da hereditariedade (Gayon, 2000). Autores como Darwin e Spencer

propuseram a existência de uma estrutura hereditária responsável pelo desenvolvimento,

transmissão e regeneração da forma. A concepção estrutural da hereditariedade foi mantida

como pressuposto básico da perspectiva preformacionista da genética e persiste materializada

§3

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no gene molecular clássico. O DNA é a estrutura que transmite e dá forma (informa) à

natureza dos seres vivos.

O início da versão contemporânea da distinção entre natureza e criação está

intimamente ligada ao pressuposto de que existe um material hereditário. Já em Darwin, por

exemplo, a natureza foi atribuída à ação interna das gêmulas. O efeito da criação ou do

ambiente sobre o organismo e sobre as gêmulas causava apenas variações, isto é, desvios da

forma (Winther, 2000). Darwin, como é bem sabido, aceitava que variações surgidas durante a

existência do organismo podiam ser incorporadas às gêmulas. Acreditava também que a

variação “herdada”, isto é, a variação direta das gêmulas — não as variações do organismo

incorporada às gêmulas — dependia de causas externas (Winther, 2000). Portanto, em Darwin

já é possível perceber as bases da versão moderna da dicotomia entre causas internas e causas

externas da forma. A constância tinha causas internas (gêmulas) e a mudança causas externas

(o ambiente).

A divisão entre interno e externo tornou-se mais forte com a idéia de continuidade

germinal de Galton e Weismann, discutida na seção 2.3.1. A distinção entre estrutura latente e

estrutura patente ou entre soma e germe impediu que as variações causadas pelo ambiente

durante o desenvolvimento fossem incorporadas ao material hereditário. Galton e Weismann

ergueram uma barreira entre as partículas que fluíam entre as gerações e as partículas que

causavam o desenvolvimento (mas não entre os mecanismos de herança e desenvolvimento,

nem entre a ação externa do ambiente sobre a variação das células germinais!).

Consequentemente, as características adquiridas pelo corpo durante a realização da ontogenia

não podiam ser incorporadas ao material hereditário, como havia defendido Darwin. A

proibição da assimilação hereditária do efeito da criação acentuou a distinção entre causas

herdadas e adquiridas. Havia uma nítida correspondência entre interno, herdado e natural, por

um lado e externo, adquirido e criado, por outro. Esta perspectiva, trazida para a morfologia

experimental, é a base do preformacionismo de Weismann e Roux. A natureza dos seres vivos

tinha uma causa interna. Ela era auto-determinada pela estrutura do núcleo. O seu

desenvolvimento era a manifestação da forma inerente. As interações durante a ontogenia não

eram constitutivas da natureza dos seres vivos. As interações com o externo causavam apenas

o desvio da forma predeterminada.

O último passo em direção à dicotomia moderna entre interno e externo foi a

atribuição da variação do material hereditário a causas exclusivamente internas. Na genética,

§3

– 120 –

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a variação foi atribuída à mudanças e recombinações internas aleatórias (Jablonka e Lamb,

2005). Ela não estava sujeita a influências externas, como acreditavam Darwin, Galton e

Weismann (Winther, 2001). A natureza do organismo era causada pelos genes e suas

variações. A forma herdada e também as variações estavam alienadas do mundo externo. Ao

externo cabia apenas perturbar, censurar ou selecionar a natureza interna.

A alienação do interno em relação ao externo criou uma nova questão. A forma tinha

causas internas, porém a variação tinha causas internas e externas. Ela podia ser causada por

variações no material hereditário transmitido pelos pais ou pela ação direta do ambiente.

Portanto, era necessário diferenciar e quantificar variações herdadas e variações adquiridas.

Este é o significado da moderna dicotomia entre natureza e criação, combatida pela

psicobiologia desenvolvimental e também por Richard Lewontin. Biologia e cultura, inato e

adquirido, genético e ambiental: as diferenças possuem causas internas ou externas. Existem

variações naturais ou criadas. Essenciais ou superficiais. A relação entre organismo e

ambiente tornou-se uma questão de quanto da variação entre indivíduos é devida a diferenças

nos genes e quanto da variação é devido a diferenças no ambiente.

O primeiro autor a lidar com a nova questão foi o próprio Galton, após criticar os

elementos lamarckistas na pangênese darwiniana. Ele criou um programa de investigação para

“distinguir os efeitos de tendências recebidas no nascimento daquelas que foram impostas

pelas circunstâncias durante a vida; em outras palavras, entre os efeitos da natureza [nature] e

da criação [nurture]” (Galton, 1876b, p.391). O método utilizado por Galton era quantitativo e

populacional. Ele comparou caracteres de centenas de pessoas — inclusive gêmeos — e

analisou estatisticamente a correlação entre a distribuição dos caracteres e o parentesco. O

efeito da natureza era considerado mais forte nos caracteres que se repetiam mais

frequentemente entre parentes do que entre pessoas sem parentesco. Portanto, natureza e

criação eram inferidas de análises populacionais, não de ontogenias individuais.

As idéias de Galton deram origem à biometria, disciplina que viria a ser um dos

pilares da genética de populações (Provine, 1971).66 A metodologia e os conceitos da genética

de populações ainda são as bases da atual abordagem genética da relação entre organismo e

ambiente. Uma das maneiras mais comuns de quantificar a versão genética da dicotomia

natureza/criação são as análises de variação (ANOVA). Este tipo de análise permite inferir a

§3

– 121 –

66 Como mencionado no capítulo 2, Galton resgatou uma concepção fenomenológica e quantitativa da hereditariedade

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herdabilidade de um caráter, isto é, inferir um índice estatístico que mostra a proporção das

variações que podem ser atribuídas aos genes e ao ambiente.

Para a realização de uma ANOVA, é necessário uma população com variação no

caráter estudado. Por exemplo, se o estudo pretende investigar a herdabilidade do tamanho do

corpo, a população deverá conter indivíduos de tamanhos diferentes. Como em uma

população natural haverá também variação genética, a herdabilidade será inferida da

correlação entre a variação no tamanho e a variação genética. Quanto mais indivíduos com o

mesmo genótipo apresentarem o mesmo tamanho, maior será a porcentagem de herdabilidade

genética. Se todos os indivíduos com o genótipo g possuírem o caráter t e todos os indivíduos

não-g não apresentarem o caráter t, a variação do caráter será 100% genética. Por outro lado,

se a distribuição do caráter t for aleatória em relação aos diferentes genótipos, a variação será

100% ambiental. Mas, se apenas metade dos indivíduos com o caráter t possuírem o genótipo

g, a variação será 50% genética e 50% ambiental.

Neste ponto, duas críticas de Lewontin se encontram. O estudo genético de populações

(i) confunde causas da variação e causas da forma e (ii) pressupõe que a relação causal entre

organismos e ambiente é independente. A confusão das causas da variação com as causas da

forma, já discutida acima, torna-se evidente no índice de herdabilidade: as causas

quantificadas em análises de variação não são causas da forma, são causas da variação. Um

caráter cuja variação é 100% ambiental, depende, evidentemente, da ação de genes para

existir. O cálculo do índice de variação do número de pernas em uma população de seres

humanos fornecerá um alto coeficiente ambiental. A maioria da variação será devida a causas

ambientais como acidentes e doenças. Mas ninguém supõe que o fato de humanos terem duas

pernas não possui causas genéticas (Bateson, 2001). Além disso, a análise genética

quantitativa não ilumina o processo de desenvolvimento individual. Ela fornece apenas

informações sobre uma determinada população em um determinado contexto. Dizer que a

variação de um caráter em um indivíduo é 50% genética e 50% ambiental a partir de uma

ANOVA é uma falsa inferência. “Variações encontradas entre indivíduos não podem ser

validamente aplicadas para uma explicação em indivíduos: variação inter-individual não

explica a variação intra-individual” (Gottlieb, 2003, p.338). A falácia fica clara ao percerber

que alterando a população (adicionando ou removendo indivíduos), alteram-se também os

índices de herdabilidade. Não faz sentido afirmar que a ação dos genes ou do ambiente em

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ontogenias individuais depende da presença ou não de certos indivíduos na amostra

populacional.

Mas a principal crítica de Lewontin aos cálculos de herdabilidade dirige-se ao

pressuposto de que genes e ambiente atuam de maneira independente. Os efeitos dos genes

são representados como os mesmos em diferentes contextos ambientais. E, de modo inverso,

os efeitos do ambiente são considerados os mesmos em diferentes genótipos. No entanto,

Lewontin alerta que, na maioria dos casos, evidências empíricas indicam a interdependência

das influências genéticas e ambientais (Gupta e Lewontin, 1982; Lewontin, 2002). Genes e

ambiente co-atuam. Não é possível distinguir uma parcela de contribuição genética e outra

ambiental. A equação genótipo + ambiente = fenótipo, em geral, é inadequada. Genótipos e

ambientes determinam conjuntamente o fenótipo. Por isso, “entender o desenvolvimento de

indivíduos requer um conceito relacional de causalidade” (Gottlieb, 2003, p.338).

Figura 11. Normas de reação: (a) determinismo genético; (b) interacionismo aditivo; e (c) interacionismo não-aditivo. Modificado de Lewontin (1974).

A interdependência causal torna-se evidente quando a relação individual genótipo/

ambiente é representada em uma norma de reação, como na figura acima. Na figura 11a, é

representada uma situação improvável de determinismo genético: os genótipos G1 e G2

determinam o mesmo fenótipo (F) em qualquer ambiente (A). A figura 11b representa um

caso onde as relações entre ambiente e genótipo apresentam uma norma de reação aditiva. Os

genótipos G1 e G2 respondem de modo similar às mesmas variáveis ambientais. Suponha, por

exemplo, que o fenótipo (F) se refere ao tamanho do corpo e o ambiente à temperatura. Qual

genótipo, G1 ou G2, resultará em um indivíduo maior dependerá do ambiente em que eles

forem criados. Mas, se forem criados em um mesmo ambiente, o genótipo G1 será sempre

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maior que G2. No entanto, este tipo de interação aditiva (G + A = F) é rara (Gupta e

Lewontin, 1982; Nijhout, 2003). A interação entre ambiente e fenótipo, geralmente, é não-

aditiva, como representada na figura 11c. As mesmas variáveis ambientais produzem

resultados fenotípicos diferentes em genótipos distintos. Enquanto no genótipo G1, digamos,

o aumento de temperatura leva ao aumento do tamanho do corpo, no genótipo G2 ele resulta

na diminuição. Portanto, é impossível diferenciar a porcentagem da variação do tamanho que

é causada pelos genes e a porcentagem que é causada pelo ambiente. As duas causas são

interdependentes. Cada genótipo responde de maneira particular ao ambiente.

Consequentemente, o conhecimento dos efeitos fenotípicos em um ou vários contextos

ambientais não permite prever os efeitos em outros contextos ambientais (Gottlieb, 2003).

Portanto, seguindo um caminho diferente — a análise quantitativa da relação entre

organismo e ambiente — Lewontin chega à mesma conclusão da psicobiologia

desenvolvimental: organismo e ambiente atuam juntos no desenvolvimento. Tanto a análise

individual da psicobiologia desenvolvimental quanto a análise populacional da genética do

comportamento indicam que não há uma natureza inata e uma variação adquirida. As

características são produzidas epigeneticamente em interações não-aditivas. A natureza do

organismo não é determinada por um potencial interno que se manifesta em um contexto

ambiental. A natureza do organismo é construída em uma seqüência permanente de interações

interdependentes entre suas partes e com o ambiente.

4.1.2 Pressupostos

Reflexões e críticas como as de Daniel Lehrman e Richard Lewontin são as bases da

Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais (PSD). Somadas ao enfraquecimento da versão

forte do preformacionismo genético frente aos dados da biologia contemporânea, elas

permitiram articular uma perspectiva teórica radicalmente epigenética. A PSD costuma

apresentar suas idéias como uma lista de princípios ou temas. Eles compõem as diretrizes

ontológicas e metodológicas defendidas pela PSD para a investigação dos fenômenos

hereditários, desenvolvimentais e evolutivos. Diferentes listas são apresentadas (e.g. Gray,

1992; Griffiths e Knight, 1998; Oyama, 2000a; Oyama, Griffiths et al., 2001b). Destaco

quatro idéias em comum: (i) hereditariedade como re-produção (ou reconstrução); (ii)

paridade e interdependência causal (iii) hereditariedade expandida; e (iv) o desenvolvimento

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como um processo contingente. Estes quatro pressupostos confrontam quatro pressupostos do

preformacionismo molecular discutidos ao longo deste trabalho: (i) a hereditariedade é um

processo de transmissão; (ii) os genes contêm a informação que determina o

desenvolvimento; (iii) a hereditariedade é restrita aos genes; e (iv) a hereditariedade é um

processo programado (ver tabela 1).

Preformação EpigêneseHereditariedade como transmissão Hereditariedade como re-produçãoPrimazia causal dos genes Paridade e interdependência causalHereditariedade genética Hereditariedade expandidaProcesso programado Processo contingente

Tabela 1. Comparação entre os pressupostos da perspectiva da genética e da perspectiva dos

4.1.2.1 A hereditariedade como re-produção

Como destaca Amundson (2005), a separação entre hereditariedade e desenvolvimento

é um truísmo para a biologia contemporânea. O entendimento de que a hereditariedade é

simplesmente a transmissão do material hereditário — e não a sua manifestação — está tão

enraizado na cultura científica que jamais é contestado. A realidade da transmissão hereditária

é aceita como um fato evidente. No entanto, distanciando o foco de maneira que é possível

ver um segmento maior da história das ciências biológicas, percebe-se que o fato da

transmissão do material hereditário se estabeleceu com o próprio nascimento da genética.

Como apontei diversas vezes, a hereditariedade e o desenvolvimento, até o início do século

XX, estavam entrelaçados em um único fenômeno e, consequentemente, eram explicados

conjuntamente. Somente após a consolidação da genética morganiana, hereditariedade e

desenvolvimento foram separados como dois fenômenos distintos e, portanto, explicados em

domínios diferentes. Onde antes existia uma questão, passaram a existir duas. A

hereditariedade era causada pela segregação de partículas hereditárias capazes de controlar a

produção das características dos organismos. Ou, para usar o vocabulário da nova disciplina, a

hereditariedade era conseqüência da transmissão dos genes. Como os genes causavam as

características que eles transmitiam era outro problema e demandava outra explicação.

Existiam dois processos distintos: a segregação horizontal dos genes e a manifestação vertical

dos genes.

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A apreciação histórica da separação entre hereditariedade e desenvolvimento é

importante, pois torna mais amena a proposta aparentemente radical da PSD: abandonar a

dicotomia herdado e desenvolvido. Ela permite perceber que a divisão ontológica do

organismo em uma dimensão hereditária e outra desenvolvimental é conseqüência de uma

perspectiva teórica específica. A dicotomia surge de compromissos com as noções de material

hereditário e determinação interna da forma. De maneira direta:aA dicotomia entre herdado e

adquirido é um pressuposto do preformacionismo genético.

É este pressuposto que a PSD substitui quando rejeita a idéia de transmissão

hereditária. Ela abandona o entendimento estrutural da hereditariedade, iniciado com o

micromerismo e encravado na genética. Afinal, hereditariedade não é sinônimo de

transmissão hereditária. A metáfora herança biológica tem origem na passagem de bens e

status social aos descendentes. Mas tomá-la literalmente é enganoso. As semelhanças entre

pais e filhos que os médicos franceses do início século XVIII reconheceram como um

fenômeno biológico distinto e, metaforicamente, descreveram como herança biológica, não

exigem sua transmissão. O fenômeno a ser explicado é como o semelhante gera o semelhante.

Mas a geração de semelhanças não implica a transmissão de semelhanças. Como já alertava

Johannsen, “o biólogo comete um erro grave ao usar a palavra herança no sentido vulgar. Esta

palavra significa transmissão. Por conseguinte, deveríamos buscar outra palavra para

representar a herança biológica” (apud Hertwig, 1929, p.212){apud Hertwig, 1929 #500 }.

Os defensores da PSD não substituem a palavra herança, mas a desvinculam da noção

de transmissão. A palavra que sugerem para descrever o processo hereditário é construção.

“Todos os fenótipos são construídos, não transmitidos” (1992, p.177). O semelhante gera o

semelhante porque reconstrói as semelhanças. As similaridades são preservadas entre

gerações através da repetição do processo que as produziu. As características dos seres vivos

são re-produzidas a cada geração, não transmitidas em partículas que as representam.

“Caracteres não passam de um organismo para o outro como bastões em uma corrida de

revezamento. Eles devem ser construídos na ontogenia” (Oyama, 2000a, p.87).

A PSD, portanto, ao abandonar a idéia de hereditariedade estrutural, assume uma

abordagem da hereditariedade “baseada em processos ao invés de produtos” (Oyama, 2000a,

p.90). A hereditariedade não é a transmissão de caracteres (ou representações codificadas de

caracteres). A hereditariedade é o processo de re-construção dos caracteres. “Fenótipos, na

verdade, não persistem entre gerações, mas re-ocorrem” (Oyama, 2000a, p.83). O filho possui

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os olhos azuis da mãe e o daltonismo do avô não porque possui genes para a cor dos olhos ou

para o daltonismo. O gene molecular contemporâneo não é um gene para um fenótipo. Ele

produz, no máximo, uma proteína e, em raros casos, é possível relacionar a alteração de uma

proteína a um fenótipo. O gene contemporâneo é um recurso desenvolvimental envolvido no

processo de produção de fenótipos, não a representação codificada de um determinado

fenótipo. O fato do daltonismo, às vezes, poder ser relacionado a uma mutação no

cromossomo X, não significa que o gene do daltonismo foi literalmente transmitido. Este tipo

de asserção tem valor apenas instrumental. Fisiologicamente, o que foi transmitido foi um

recurso que participa da produção de um certo fenótipo. A percepção alterada de cores é o

resultado de um processo que envolve múltiplos recursos e níveis em interação. Ele pode ser

tanto a conseqüência de uma proteína defeituosa, quanto de uma lesão cerebral em um

acidente de carro (Sacks, 1997).

Para continuar a falar em transmissão entre gerações, deve-se abandonar a idéia de

que os caracteres ou os determinantes dos caracteres são transmitidos. Se algo é transmitido,

são os recursos desenvolvimentais que permitem a reprodução destes caracteres. “O que é

transmitido entre gerações não são os caracteres ou as plantas arquitetônicas ou

representações, mas sim meios (ou recursos ou interagentes)” (Oyama, 2000a). Isto não

significa que todos os recursos desenvolvimentais pré-existem ao desenvolvimento. “Os

constituintes e configuração do sistema mudam com sua atividade. Deste ponto de vista,

muitas partes do complexo em mudança são gerados por eles mesmos” (Oyama, 2000, p.88).

Os hormônios produzidos pelos testículos, por exemplo, serão decisivos para a determinação

das características sexuais em humanos. Ele é um recurso desenvolvimental que deve estar

presente em um determinado momento da ontogenia, mas não preexiste à sua realização. Ele

emerge durante a ontogenia.

Em resumo, a PSD propõe que o fenômeno hereditário é resultado da re-ocorrência de

um processo, não a transmissão de um material preformador. Por isso, a “natureza” dos seres

vivos é radicalmente epigenética e histórica. Ela não depende da existência e transmissão de

um material portador da forma. A natureza é re-desenvolvida, re-produzida e re-adquirida a

cada geração. O que é transmitido são apenas recursos internos e externos para que o processo

possa se repetir.

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4.1.2.2 Paridade e interdependência causal

O que é necessário para que uma uva possa produzir um bom vinho? É de

conhecimento comum que dependerá tanto da variedade da uva, quanto de onde e quando ela

foi plantada. A uva deverá ser de uma variedade apropriada. O clima deverá ser seco e

ensolarado. O solo deverá ter uma permeabilidade adequada. Dependerá também do período

de poda e de hibernação. Enfim, o fenótipo da uva vinífera dependerá tanto do genótipo

quanto do ambiente. O mesmo pode ser dito para as asas da mosca drosófila, que dependerão

de uma determinada temperatura para se desenvolver. E também para a altura de uma pessoa,

para o diabetes, para o alcoolismo, ou qualquer outra característica de um ser vivo. O

ambiente, todos sabem, influencia as características dos organismos. Ninguém aceita uma

versão extrema de determinismo genético em que os genes determinam as conseqüências em

todo e qualquer contexto ambiental (como representado na figura11a).

O reconhecimento universal de que genes e ambiente interagem durante o

desenvolvimento é chamado por Griffiths e Sterelny (1999) de consenso interacionista. O

consenso interacionista parece resolver a dicotomia entre natureza e criação e, de certo modo,

também o preformacionismo genético. Afinal, os genes não determinam sozinhos as

características dos seres vivos. Elas sempre serão o produto dos genes mais o ambiente. Aliás,

a relação entre genes e ambiente está longe de ser um ponto alheio à genética. Desde o

mendelismo, o resultados dos experimentos clássicos com linhagens puras deixavam claro

que os mesmos genes não produziam os mesmos caracteres em diferentes circunstâncias. A

noção de que os genes dependem de variáveis ambientais está na raiz da distinção entre

genótipo e fenótipo. Como todos também sabem, os fenótipos são o resultado do genótipo

mais o ambiente.

Contudo, o consenso interacionista não resolve a dicotomia entre natureza e criação,

nem o preformacionismo. A solução não é reconhecer que gene e ambiente são importantes,

pois o problema não é ignorar que ambos influenciam o desenvolvimento. Afinal, a genética

nunca supôs que o gene é a causa completa de uma característica do organismo. Genes

sempre dependem do suporte de condições internas e externas. Ninguém pensa no gene como

“algo que, se jogado na lata de lixo do laboratório, faria crescer olhos na lata de lixo” (Dupré,

2004, p.325). Os problemas com a dicotomia entre genes e ambiente são outros: (i) assumir

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que o efeito dos genes e o efeito do ambiento são independentes e (ii) assumir que o papel dos

genes e do ambiente têm pesos diferentes no desenvolvimento.

O pressuposto de que causas ambientais e causas genéticas são independentes foi

discutido quando abordei as origens da PSD. A tradição experimental da psicobiologia

desenvolvimental e as críticas de Lewontin ao conceito de herdabilidade mostraram que

causas internas e externas atuam de maneira conjunta. “O fenótipo é a conseqüência única de

um genótipo particular desenvolvendo-se em um ambiente particular” (Lewontin apud Gray,

1992, p.174). Há uma “interpenetração” entre organismo e ambiente (Lewontin, 2001). A

ontogenia não é simplesmente produzida pela soma de causas internas e externas. O efeito de

cada fator é uma função relativa aos demais fatores. Por isso, ao invés de simplesmente

interacionismo, Oyama prefere a expressão “interacionismo construtivo” (Oyama, 2001;

2006). Cada instante da ontogenia é o resultado da relação organismo-ambiente, não da soma

dos seus efeitos.

O pressuposto de que as causas genéticas e ambientais são independentes apóia-se na

alienação entre causas internas e externas, na qual a forma emana do material hereditário e o

ambiente é responsável apenas por variações. Mas, a aceitação da interdependência das causas

internas e externas acaba com a dicotomia entre causas genéticas e ambientais ou caracters

herdados e adquiridos. “Se aceitamos seriamente a origem dos fenótipos em interações

causais [...], nenhuma distinção entre componentes do organismo herdado e adquirido é

defensável” (Oyama, 2000a, p.86). Forma e variação, constância e mudança são o resultado

de interações construtivas entre organismo e ambiente, interno e externo. A ontogenia é

entretecida por causas relacionais.

Um ponto relevante a ser destacado é que a independência causal dos fatores externos

e internos na genética é um pressuposto influenciado mais pela tradição micromerista/

preformacionista da embriologia do que pela tradição mendeliana. As primeiras teorizações

genéticas, antes da materialização do gene, reconheciam que a resposta a uma mesma variável

ambiental não era idêntica em linhagens puras distintas. A gama de respostas era específica do

genótipo. Richard Woltereck, em 1909, chamou esta gama de respostas de norma de reação

(Sarkar, 1999). Woltereck acreditava que o organismo herdava uma norma de reação, não

determinantes dos caracteres. Acreditava também que o conceito, como endossou Johannsen,

era similar ao conceito de genótipo (Schlichting e Pigliucci, 1998). Percebe-se, portanto, o

caráter construtivo e não-deterministas destas conceituações pré-genética morganiana (Sarkar,

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1999). Pelo próprio caráter instrumental, elas não podiam negligenciar a co-interação entre

genes e ambiente, ao preço de perder sua eficiência prática. Consequentemente, a

hereditariedade era concebida de modo muito mais permissivo do que normativo. O genótipo

individual limitava as interações possíveis, mas não determinava o fenótipo.

Contudo, após a materialização do gene, as análises e conceitos enfatizaram cada vez

mais a independência causal do gene. Conceitos como penetrância — a proporção de

indivíduos portadores de um determinado alelo que manifestam seu efeito — e expressividade

— a intensidade de manifestação de um alelo — atribuíam a causa da variação às

propriedades do próprio alelo, não ao seu contexto genético e ambiental. Dito de modo

diferente, o fato de que indivíduos portadores de um gene não manifestavam (penetrância) ou

manifestam de modo incompleto (expressividade) os efeitos do gene, também tinham uma

causa genética. Como percebe Sarkar, “as propostas destes novos conceitos era manter a

etiologia genética em face a plasticidade fenotípica induzida pelas interações entre genótipos

e ambientes. A variabilidade na manifestação fenotípica de um caráter tornou-se o resultado

da expressividade do gene e (indiretamente) sua penetrância” (Sarkar, 1999, p.242).

É importante notar que o reconhecimento da interdependência das causas que

interagem na re-construção de um ciclo de vida não significa dizer que os fatores não podem

ser diferenciados (Oyama, 2000a). A PSD defende o abandono da dicotomia, não a rejeição de

distinções. O fato de que os efeitos dos genes dependem de outros fatores não significa que

eles não possam ser reconhecidos separadamente. A PSD não advoga um holismo no qual

todos os elementos devem ser analisados juntos. O que ela defende é uma contextualização

das causas. “[G]enes, organismos e ambientes estão em interação recíproca uns com os

outros, de tal modo que ambos são causa e efeito, de modo complexo, mas perfeitamente

analisável” (Lewontin, 2001, p.61). O efeito de cada fator pode ser definido, mas depende do

contexto histórico e relacional.

O segundo problema com o consenso interacionista aparece justamente na hora de

fazer as distinções. A PSD aceita distinções, mas com duas grandes ressalvas: não devem ser

dicotômicas, nem assimétricas. A atitude usual, ao se analisar os fatores que contribuem para

a ontogenia, é dividi-los em dois. De um lado, são colocados os genes. Do outro, todo os

demais fatores — do citoplasma à cultura. Mas esta dicotomia é uma visão empobrecida dos

vários fatores necessários para a realização do desenvolvimento. A ontogenia não é o

§3

– 130 –

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resultado da relação dos genes com o ambiente. Ela resulta de múltiplos fatores, internos e

externos, que interagem em cada etapa do processo (ver próxima seção).

A dicotomia entre gene e ambiente é ainda mais inadequada porque considera o gene

um tipo especial causa. Ela é causalmente assimétrica: os genes são os portadores da natureza

dos seres vivos. O ambiente (e aí inclui-se todo o resto), via de regra, é concebido como

agente permissivo, suporte material para a execução de um programa interno ou, pior, um

“estorvo inevitável” durante a manifestação da essência genética do ser vivo (Falk, 2000).

Ambos, genes e ambiente, são importantes, mas os genes são a causa da forma.

Portanto, o problema com a dicotomia entre gene e ambiente não é a atribuição ao

gene de completude causal, mas de privilégio causal em relação às outras causas. Deste

modo, é mantido o pressuposto preformacionista de que a ontogenia é um processo

internamente determinado por uma partícula portadora da forma, como defendido por

Weismann e Roux. “Permanece a convicção de que existe uma hierarquia de causas, algumas

subalternas e envolvidas apenas em restrições rudimentares (não causas, mas matéria-prima) e

outros que são fonte da forma” (Oyama, 1985, p.14). As interações entre as partes do

organsimo e com o ambiente não são consideradas constitutivas da forma, como defendia

Oscar Hertwig. Elas são apenas causas da variação da forma. No máximo, o ambiente indica

qual natureza alternativa deve ser manifestada (e.g. Agrawal, 2001).

No lugar da primazia causal dos genes, a PSD defende a noção de paridade causal

entre todos os recursos que participam da realização da ontogenia. “Paridade é a idéia que

gene e outras causas materiais estão em par de igualdade” (Griffiths e Knight, 1998, p.254).

Todo componente necessário para a realização da ontogenia possui o mesmo status causal.

Não existe justificativa em atribuir ao DNA privilégios em relação ao demais constituintes do

sistema. Embora o DNA desempenhe um papel único na conservação do sistema, membranas,

mitocôndrias e íons de ferro também desempenham. A primazia causal dos genes permanece

apenas como um ranço do gene clássico e da idéia preformacionista de que existe uma

entidade portadora da forma. Mas, como foi discutido no capítulo 3, o DNA não é esta

entidade. O DNA, enquanto molécula que participa do processo de produção de uma proteína,

só possui sentido em um contexto específico (Burian, 2004). A biologia molecular

contemporânea não permite atribuir qualquer tipo de primazia ou independência às seqüências

de DNA. Nada autoriza — exceto interesses práticos — rebaixar a pano de fundo a

multiplicidade de elementos necessários para a produção de uma proteína. A relevância causal

§3

– 131 –

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do DNA está justamente na sua relação com os outros componentes do sistema. Por isso, a

PSD defende “uma visão de causalidade que dê peso formativo a todas as influências

necessárias, pois nenhuma delas sozinha é suficiente para o fenômeno ou para qualquer das

suas propriedades [...]” (Oyama, 1985, p.15).

O privilégio causal atribuído aos genes está profundamente associado à idéia de que

eles possuem informação genética. “Genes são instruções — eles fornecem informação —

enquanto outros fatores são meramente materiais” (Griffiths, 2001). O gene para olho branco

possui informação para o desenvolvimento de olhos brancos, mesmo se a mosca desenvolver

olhos vermelhos. Por outro lado, elementos não-genéticos não possuem informação. Embora

todos aceitem a relevância das membranas ou do ambiente, raramente alguém dirá que eles

possuem informações ou instruções para uma determinada característica. Por exemplo, a

temperatura do ninho é um fator decisivo para a determinação do sexo em tartarugas. Mas

raramente alguém dirá que a temperatura do ninho contém informação para o sexo da

tartaruga. Da mesma forma, via de regra, ninguém dirá que a membrana plasmática de

paramécios possui informação, embora modificações nos padrões de seus cílios sejam

estruturalmente herdadas (Sapp, 2003a).

A PSD argumenta que esta exclusividade dos genes como portadores da informação é

injustificada. Em qualquer sentido que os genes possuem informação, fatores não genéticos

carregam informação também (Sterelny e Griffiths, 1999).67 A tese da paridade também se

aplica ao conceito de informação. Não há justificativa para considerar a informação uma

propriedade exclusiva do DNA.

Alguns autores propõem o abandono da noção de informação. Sarkar, por exemplo,

afirma que “não há uma noção clara e técnica de ‘informação’ em biologia molecular. Ela é

pouco mais que uma metáfora que mascara um conceito teórico [...] que leva a uma imagem

enganosa da natureza das explicações em biologia molecular” (Sarkar, 1996, p.187). Contudo,

a PSD não nega a utilidade do conceito de informação para conceituar as relações causais dos

§3

– 132 –

67 Sterelny e Griffiths (1999) dividem os conceitos de informação em duas classes: informação causal e informação intensional. As noções causais de informação referem-se simplesmente à dependência sistêmica das causas. A noções intensionais, por outro, referem-se a propriedades semânticas do gene. A característica mais fundamental da definição intensional é que ela pode ser falsa. “O conteúdo intensional de uma instrução é o comportamento que ele pretende produzir, não o comportamento que ele efetivamente produz” (Griffiths, 2006, p.185, itálico no original). Uma defesa da noção intensional de informação genética foi proposta por Maynard-Smith (Maynard-Smith, 2000). Segundo Maynard-Smith, entre todos os fatores que contribuem para o desenvolvimento, apenas os genes estão lá porque foram selecionados para exercer uma determinada função no desenvolvimento. Por isso, os genes possuem informação intensional para um determinado caráter.

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sistemas vivos. A objeção dirige-se à utilização do conceito de informação para legitimar

pressupostos preformacionistas como a predeterminação da ontogenia e a primazia causal dos

genes.

A não-objeção ao conceito de informação em si fica evidente quando nos deparamos

com o conceito no texto de autores trabalhando dentro da PSD. O próprio título do livro de

Susan Oyama — A ontogenia da informação — utiliza o termo. O título, um tanto irônico,

questiona um determinado significado de informação, não o uso do termo em si. Oyama se

opõe ao conceito de que a informação preexiste nos genes. Ao contrário, ela propõe que a

informação está dispersa e emerge durante a ontogenia. Além disso, Oyama insiste que a

informação deve ser definida em relação a um contexto. “A função ‘informacional’ de

qualquer influência é determinada pelo papel que ela desempenha no sistema

desenvolvimental como um todo” (Oyama, 2000a, p.84). Como resume Russel Gray, “a

informação desenvolvimental não está nos genes, nem no ambiente, mas se desenvolve na

relação fluida e contingente entre os dois” (Gray, 1992, p.177).68

Em resumo, a PSD opõe-se a idéia de que existe uma entidade causalmente

privilegiada no controle dos sistemas vivos. A primazia causal do DNA justifica-se apenas

pela manutenção do pressuposto preformacionista de que a fonte de organização está em um

material hereditário. No seu lugar, a PSD propõe uma abordagem que reconheça em par de

igualdade todos os elementos e interações necessários para a realização da ontogenia. A PSD

também opõe-se à solução aparente do consenso interacionista. Não é necessária uma

abordagem equilibrada que enfatize tanto causas genéticas quanto causas ambientais. É

necessária uma abordagem que considere a interdependência causal dos múltiplos fatores,

internos e externos, que interagem durante a ontogenia. Não existe natureza e criação. A

natureza é produzida via a criação. “Dualismo não é mais necessário; a distinção herdado-

adquirido, enquanto que baseada em tipos de processos desenvolvimentais ou fontes da

forma, pode ser eliminada — não modificada ou transformada em uma questão de graus, mas

eliminada” (Oyama, 2000a, p.71, itálicos no original).

§3

– 133 –

68 Para uma defesa detalhada do conceito de informação coerente com a PSD ver Jablonka (2002).

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4.1.2.3 Herança expandida

Os dois princípios da PSD discutidos acima têm uma conseqüência lógica: as

entidades envolvidas na hereditariedade devem ser expandidas além dos genes. A

hereditariedade, redefinida como um processo de re-construção das similaridades, depende da

recorrência de uma matriz de recursos desenvolvimentais. A tese da paridade e

interdependência causal não permite atribuir o fenômeno hereditário a certos recursos da

matriz e não outros. Logo, a explicação da hereditariedade deve ser expandida de modo a

incluir diversos fatores extra-genéticos que interagem na re-produção da ontogenia.

A hereditariedade, entendida restritamente como um fenômeno de transmissão, limita

o que é transmitido e quando ocorre o fenômeno hereditário. A hereditariedade é a

transmissão dos genes (o que) no momento da reprodução (quando). Como o fenômeno

hereditário é concebido de maneira independente do desenvolvimento, os eventos

ontogenéticos não interessam. Tampouco interessam as interações do material hereditário com

o ambiente e o organismo. Os genes estão isolados do mundo externo. “Forma e agência

causal são colocados no núcleo, protegido da interação com o mundo cambiante fora da

barreira weismanniana” (Oyama, 2000a, p.82).

Esta interpretação da hereditariedade como simplesmente a continuidade genética

entre gerações é uma maneira comum de privilegiar os genes em relação às outras causas do

desenvolvimento (Oyama et al., 2001). No entanto, esta interpretação foi enfraquecida nos

últimos anos. Atualmente, é amplamente reconhecida a importância de outros componentes da

estrutura celular para a hereditariedade. Uma área que se tornou particularmente proeminente,

principalmente no período pós-genômico, é o que se convencionou chamar de herança

epigenética.69 Esta versão do termo epigenética refere-se tipicamente a alterações da

expressão gênica transmissíveis para células filhas, mas que não envolvem mudanças nas

seqüências de DNA. Um dos mecanismos epigenéticos mais estudados são as mudanças na

§3

– 134 –

69 É necessário ter cuidado com o termo epigenética, pois ele possui diferentes significados (Jablonka e Lamb, 2002). Primeiro, o termo pode ser usado como um adjetivo para teorias que concebem o desenvolvimento como um processo de epigênese. É neste sentido que ele vem sendo utilizado até aqui. Harvey, por exemplo, defendia uma perspectiva epigenética em oposição às teorias preformacionistas. Mas o termo também foi empregado como um substantivo em meados do século XX para batizar uma nova disciplina. Conrad H. Waddington propôs o termo epigenética para definir “o ramo da biologia que estuda as interações causais entre genes e seus produtos que produzem o fenótipo” (Waddington, 1942, p.19). Por último, na década de 1990, o termo epigenética passou a referir-se restritamente a alterações na expressão gênica. Formando expressões como controle epigenético, herança epigenética, mecanismo epigenético, o termo passou a significar a “herança nuclear que não é baseada em diferenças na seqüência de DNA” (Lederberg, 2001).

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estrutura da cromatina devido à metilação (Sapp, 2003b; Jablonka e Lamb, 2005). Em

eucariontes, regiões altamente metiladas não podem ser transcritas e estes padrões de

metilação são passados adiante a cada divisão celular. Deste modo, células geneticamente

idênticas herdam diferentes padrões de expressão genética.

Este tipo de herança epigenética, por um lado, é importante, pois coloca o DNA de

volta na célula (ou ao menos no núcleo). Ele não é conceituado como a “molécula da vida”,

portadora da forma, isolada e acima da química mundana. As propriedades do DNA são

contextualizada na dinâmica metabólica da célula. Mas, por outro lado, esta epigenética

restrita “é maginalmente melhor que focar no DNA puro” (Oyama, 2000, p.88), pois o

pressuposto preformacionista de que o desenvolvimento é determinado pela expressão gênica

é mantido intacto. A diferença, simplesmente, é que a herança dos padrões de expressão

genética passam a depender de fatores além da seqüência nucleotídica em si. Como diz

Morange, “ela é uma maneira de estender o escopo da genética sem precisamente discutir a

origem dos seus limites” (Morange, 2006, p. 358).

Outras expansões usuais da hereditariedade dizem respeito ao restante da estrutura

celular. Tem tornado-se claro que a continuidade material entre as gerações envolve mais do

que o núcleo das células sexuais. O novo organismo herda uma célula funcional e utiliza

muitas das estruturas desta célula para realizar seu ciclo de vida. Embora algumas estruturas

formam-se de novo por auto-assembléia (p. ex. ribossomos), muitas outras necessitam de

estruturas preexistentes na célula para se reproduzir. Cloroplastos, mitocôndrias e centríolos,

por exemplos, originam-se apenas a partir de outras organelas. O mesmo vale para as

membranas celulares e organelas relacionadas, como o retículo endoplasmático (Sapp, 2003b)

A ampliação da herança celular não se limita à herança estrutural. A estabilidade inter-

geracional não depende apenas de moldes estruturais, mas também da repetição de estados

dinâmicos. Jablonka e Lamb (2005), em sua elegante expansão da hereditariedade70, fornecem

um bom exemplo da natureza dinâmica do processo hereditário: circuitos auto-sustentáveis

(self-sustainable loopings). Imagine que um gene inativo que produz a proteína A é ativado

por uma interação ambiental, ou por interações com as células vizinhas ou mesmo por acaso.

Suponha que a proteína produzida pelo gene A controla a ativação do próprio gene A. Assim,

§3

– 135 –

70 Jablonka e Lamb (2005) propõem quatro dimensões de sistemas hereditários: uma dimensão genética, uma dimensão epigenética, uma dimensão comportamental e uma dimensão simbólica. Todas estas dimensões se entrecruzam e entretecem conjuntamente o desenvolvimento.

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enquanto houver a proteína A no citoplasma, o gene estará ativado. Em uma célula existem

diversos ciclos independentes como estes, cada um envolvendo muitos elementos (Jablonka e

Lamb, 2005). A conseqüência é que células geneticamente idênticas, tornam-se

metabolicamente distintas devido à sua história.71 A herança não é apenas estrutural, mas

dinâmica.

Embora a célula como um todo represente um conjunto fundamental de recursos

desenvolvimentais, a ampliação sincrônica da herança é apenas uma dimensão da expansão

defendida pela PSD. Ela é simplesmente a aceitação de que a continuidade material não se

limita à transmissão de determinadas entidades celulares. É o reconhecimento de que a

divisão entre idioblasto e trofoblasto, proposta por Nägeli ainda no século XIX e levada

adiante pela teoria do gene durante o século XX, é inapropriada. A organização celular, com

suas entidades e relações, é herdada como um todo. Não existe um elemento celular

independente e causalmente suficiente para a geração desta organização.

Ao redefinir a hereditariedade como a re-produção de um novo ciclo de vida, a PSD

também amplia a hereditariedade em uma dimensão diacrônica. O fenômeno hereditário não

se restringe à transmissão da estrutura celular que formará o estágio inicial do processo. Ela é

expandida temporalmente, entrelaçada à ontogenia. A hereditariedade passa a incluir a

recorrência de elementos e relações durante a realização do ciclo de vida. A hereditariedade

não é apenas material, mas também interacional.

Um conjunto de interações importantes durante a ontogenia são as simbioses entre

eucariontes e bactérias. Atualmente, é bem aceita a idéia de que as mitocôndrias e cloroplastos

foram incorporadas a partir de bactérias simbiontes (Margulis, 1981). No entanto, estudos

recentes têm ampliado muito nossa percepção da importância de simbiontes. Por exemplo,

novas técnicas permitiram perceber que seres humanos possuem centenas de espécies de

bactérias distribuídas em locais e proporções específicas do trato digestivo (Mcfall-Ngai,

2002; 2006). A ausência destas bactérias tornam a ontogenia inviável. Humanos necessitam

ser “infectados” por bactérias do trato reprodutivo materno durante o desenvolvimento. Outro

exemplo de simbiose bem estudado é a relação entre a lula Euprymna scolopes e a bactéria

luminescente Vibrio fischeri (Nyholm, Stabb et al., 2000). Indivíduos adultos de E. scolopes

§3

– 136 –

71 Ironicamente, Jacob e Monob já haviam observado a importância de circuitos auto-sustentáveis para a síntese de ß-galactosidase (Morange, 2002).

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possuem um órgão bioluminescentes repleto de bactérias que a lula jovem adquire da água do

mar. Como se o fato da bioluminescência depender da simbiose não fosse interessante o

suficiente, a própria formação do órgão luminescente depende de interações indutivas com a

bactéria. Lulas livres de V. fischeri não desenvolvem o órgão. O caso mais difundido de

simbiose conhecido é o das bactérias do gênero Wolbachia que “infectam” os óvulos de

milhares de espécies de insetos, crustáceos e nemátodas. Dada a importância da determinação

do sexo para as teorias sobre a hereditariedade, vale dizer que, entre diversas conseqüências,

Wolbachia pode causar a feminização de moscas drosófilas (Clark, Anderson et al., 2005)72.

Exemplos como estes sobre a onipresença de simbioses entre eucariontes e bactérias levaram

Gilbert a afirmar que “todo desenvolvimento é co-desenvolvimento” (2002, p.213). Todo

desenvolvimento envolve o acoplamento entre ontogenias distintas.

A expansão diacrônica da hereditariedade inclui também a recorrência de padrões de

nutrição, feromônios, interações fisiológicas, comportamentais e sociais (Van Der Weele,

1999; Jablonka e Lamb, 2005; Gilbert, 2006). Alguns exemplos: Larvas de abelhas

domésticas se desenvolverão em abelhas-rainhas ou abelhas-operárias de acordo com a

nutrição que receberem: se alimentadas com geléia-real, produzirão altas doses de hormônio

juvenil e se tornarão abelhas-rainhas. (Brian, 1980). O fenótipo de formigas Solenopsis

invicta é influenciado pela “cultura de feromônios” do formigueiro: se trocadas de

formigueiro, as larvas se desenvolvem em fenótipos diferentes (Jablonka e Lamb, 2005).

Pressões exercidas por atividades como mastigar e caminhar são necessárias para o

desenvolvimento do sistema músculo-esquelético (Muller, 2003; West-Eberhard, 2003). Da

mesma forma, a atividade neural é essencial para a formação do sistema nervoso (Goldman e

Nottebohm, 1983; Majdan e Shatz, 2006).

Um ponto talvez mais controverso desta expansão seja a inclusão da recorrência de

recursos ambientais tão genéricos quanto determinados parâmetros de temperatura, insolação

ou umidade como parte do fenômeno hereditário. Mesmo que necessários para a realização de

uma determinada ontogenia, a aplicação da tese da paridade causal nestes casos é controversa.

Mas a importância do papel do ambiente para o desenvolvimento é advertida por Carl

Schlichting (2003): “Quanto maior a amplitude de valores que permitem o desenvolvimento

normal, mais provavelmente esqueceremos o ambiente. Fora destes limites, no entanto, somos

§3

– 137 –

72 Recentemente, os biólogos foram surpreendidos ao constatar que o genoma de uma espécie de mosca drosófila incorporou o genoma inteiro de Wolbachia. E não mudou fenotipicamente! (Hotopp, Clark et al., 2007).

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lembrados da sua importância fundamental quando o organismo apresenta defeitos

desenvolvimentais ou o desenvolvimento é interrompido”. Alguns exemplos extremos deixam

claro a relevância da repetição de parâmetros ambientais específicos para a realização do

desenvolvimento. O peixe antártico Pagothenia borchegrevinki vive em águas cuja

temperatura média é de -2ºC. À temperatura de 6ºC P. borchegrevinki morre de hipertermia.

No outro extremo, arqueobactérias termófilas como Thermus aquaticus possuem seu nível

ótimo de ação enzimática a 70ºC (Schlichting, 2003). Nestes casos, é evidente que a repetição

de parâmetros ambientais restritos são necessários para a realização do desenvolvimento. É

difícil negar que a repetição de valores ambientais específicos são causalmente necessários

para um novo ciclo de vida de P. borchegrevinki. Mas mesmo quando uma grande amplitude

de valores ambientais é tolerada ou quando fatores ambientais são estáveis, não há

justificativa em considerá-los, a priori, como causalmente irrelevantes. Por exemplo, a força

da gravidade, cujos valores para todos os animais são praticamente os mesmos, é

imprescindível para a clivagem dos ovos de Xenopus laevis (Wolpert, 1998). Todos estes

exemplos ganham força quando se considera que os organismos ativamente transformam o

ambiente e alteram as condições em que as novas gerações se desenvolverão (Odling-Smee,

Laland et al., 2003).

A expansão da hereditariedade não tem se limitado ao debate conceitual. O

reconhecimento da importância de contextualizar o desenvolvimento em ambientes

específicos levou o embriologista Scott Gilbert (2001) a propor uma nova disciplina: a

biologia desenvolvimental ecológica (eco-devo). O objetivo da proposta de Gilbert é articular

a investigação dos efeitos do ambiente na expressão gênica. Para isso, ele propõe investigar o

desenvolvimento embrionário no “mundo real”, isto é, como o ambiente em que uma

determinada espécie vive contribui causalmente para a constituição do fenótipo. A expressão

“mundo real” — empregada no título do artigo em que Gilbert propõe a disciplina — refer-

seuma crítica comum às características dos organismos modelos utilizados nos experimentos

biológicos. Gilbert (2001), assim como também Keller (2002), Bolker (1995) e Lewontin

(2002), apontam que, entre outras características, os organismos modelos empregados em

biologia do desenvolvimento são selecionados por terem (i) rápido desenvolvimento

embrionário; (ii) imediata separação da linhagem germinal da linhagem somática; e (iii) a

habilidade para se desenvolverem em laboratório. Embora apresentem vantagens, “estes

organismos têm sido selecionados pela conformidade com o paradigma genético da biologia

§3

– 138 –

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do desenvolvimento” (Gilbert, 2001, p.3), isto é, são selecionados para pesquisar como o

fenótipo pode ser relacionado diretamente ao genótipo. Expandir o estudo do

desenvolvimento a outras espécies permite superar o viés imposto pelos organismos modelos

tradicionais e explorar a relação entre organismo e ambiente durante a ontogenia.

O interesse pelo papel de fatores não-genéticos no desenvolvimento, de certa

maneira, resgata a abordagem epigenética da embriologia experimental (Sultan, 2003). O

reconhecimento de que a ontogenia é realizada em constante interação com o ambiente fazia

parte da agenda de pesquisadores como Pflüger e Hertwig (lembre, por exemplo, dos estudos

de Pflüger sobre a determinação ambiental do sexo em sapos, discutido no segundo capítulo).

Mas, acima de tudo, a “eco-devo” aponta para a necessidade de expandir o conjunto de

elementos e interações que participam da re-produção de ciclos de vida. Embora a atitude de

Gilbert (2001b; 2002) ainda preserve a prioridade causal dos genes — o ambiente apenas

desengatilha a expressão gênica correta, atuando como uma “indução terciária” (Gilbert,

2003) — ela reflete a necessidade de situar o organismo no seu mundo para entender sua

ontogenia. O fenômeno hereditário, isto é, a re-produção de ontogenias semelhantes, não é

realizada pela transmissão de uma forma interna, mas pela repetição de um complexo

ordenado de interações entre um organismo e um determinado ambiente (ver figura 12). Uma

ecologia do desenvolvimento reconhece o papel do ambiente na constituição da forma, não

apenas na sua variação (Van Der Weele, 1999).

4.1.2.4 Ciclos de contingências

Uma floresta, apesar de perturbações, existe em um estado de aparente constância.

Animais morrem, outros animais nascem. Uma grande árvore cai, abre uma clareira e o

espaço logo é reocupado. O fogo consome uma área e alguns anos depois ela está recuperada.

Lentamente a comunidade se reconstrói e readquire as antigas características. No entanto, ela

não se reconstrói de qualquer maneira. A reocupação da área perturbada ocorre em uma série

ordenada. Quando uma clareira é aberta na Mata Atlântica, não crescem na área descampada

as palmeiras, bromélias, figueiras e perobas que antes compunham a floresta. Crescem

primeiro ervas, gramíneas, arbustos e samambaias. Estas são seguidas por algumas árvores

pioneiras, como embaúbas (Cecropia) e vassouras (Piptocharpha), dando origem a uma

capoeira. As palmeiras e as árvores que tipicamente compõem o dossel da floresta crescerão

§3

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apenas quando os estágios anteriores da sucessão produzirem as condições necessárias para

sua germinação (sombra, umidade, etc.) e serão seguidas por abundantes epífitas.

Esta seqüência ordenada que caracteriza o desenvolvimento de uma comunidade é

conhecida como sucessão ecológica. Um dos pioneiros no estudo da sucessão ecológica foi o

americano F. E. Clements. Ele investigou a recuperação das pastagens do meio-oeste

americano no início do século XX. Clements via a comunidade ecológica como um super-

organismo e comparou seu desenvolvimento ao desenvolvimento de um organismo

individual:

O estudo do desenvolvimento da vegetação se baseia necessariamente na suposição de que a formação unidade ou clímax é uma entidade orgânica. Assim como um organismo, a formação surge, cresce, amadurece e morre [...]. Além disso, cada formação clímax é capaz de se reproduzir, repetindo com fidelidade os estágios de seu desenvolvimento. A história-de-vida de uma formação é um processo complexo, mas definido, comparável em suas características principais à história de vida de uma planta individual. (Clements, 1916p.xvii)

Clements, escrevendo no início do século XX, não hesitou em comparar o

desenvolvimento de um indivíduo ao desenvolvimento de um ecossistema. Mas a analogia de

Clements tornou-se inadequada a partir da imagem do desenvolvimento individual como um

processo geneticamente programado. Afinal de contas, o desenvolvimento de um indivíduo

passou a ser entendido como a expressão da informação contida no genoma. O

desenvolvimento seguia instruções previamente programadas. O processo individual, ao

contrário do processo ecológico, estava predeterminado.

Contudo, a analogia entre o desenvolvimento do ecossistema e o desenvolvimento

individual foi retomada muitos anos depois por Gunther S. Stent, um dos fundadores da

biologia molecular:

[As sucessões ecológicas] são fenômenos regulares, no sentido de que uma estrutura ecológica mais ou mais menos previsível surge através de um padrão estereotipados de etapas intermediárias, em que as abundâncias relativas dos vários tipos de flora e de fauna seguem uma seqüência bem definida. A regularidade destes fenômenos não é obviamente a conseqüência de um programa ecológico codificado no genoma dos táxons envolvidos. Ao invés, ele surge através de uma cascata histórica de interações estocásticas complexas entre as várias biotas (nas quais os genes desempenham um papel importante, naturalmente) e o mundo como tal. (Stent, 1981, p. )

Os defensores da PSD citam com freqüência esta analogia entre o desenvolvimento

ecológico e o desenvolvimento individual (e.g. Oyama, 1985; Gray, 1992; Griffiths e Gray,

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1994). O objetivo não é afirmar que os sistemas vivos e os sistemas ecológicos são sistemas

de mesma ordem, nem fazer qualquer julgamento quanto à natureza das sucessões ecológicas.

O ponto a ser destacado é que um processo recorrente não é necessariamente

predeterminado. Como aponta Stent, a fidelidade com que um processo de desenvolvimento

se repete não é evidência para um programa. O desenvolvimento do ecossistema ocorre como

uma sucessão ordenada de etapas, sem que haja uma prescrição desta ordem. Seria absurdo

atribuir a estabilidade e fidelidade da sucessão ecológica a um programa ou qualquer tipo de

predeterminação no estágio inicial do processo. A repetição do desenvolvimento de uma

comunidade depende da recorrência contingente de múltiplos fatores. Diversas cadeias

causais independentes se repetem em uma série típica. Plantas anuais modificam o solo e

atraem animais. Eles semeiam novas plantas, que germinam no solo modificado e fornecem

sombra e abrigo para outros animais, modificando o solo novamente e assim por diante, em

uma sucessão de eventos iterativos e causalmente distribuídos.

O mesmo raciocínio pode ser feito em relação ao desenvolvimento individual. O fato

de ele ser um processo cíclico não significa que ele está predeterminado na estrutura inicial do

processo. A ontogenia é realizada pela repetição contingente das interações entre diversos

recursos desenvolvimentais. DNA, membranas, hormônios, forças morfodinâmicas, cuidado

parental, etc. interagem em uma ordem sucessiva sem que haja um plano ou receita. A

ontogenia é um processo cíclico, mas contingente.73

Ciclos e contingências são palavras que aludem a significados aparentemente opostos.

Repetição e singularidade, confiável e inesperado, necessidade e acidente. Mesmo assim,

Oyama descreve a ontogenia como um ciclo de contingências (Oyama, 2000a). O tema das

contingências tornou-se famoso em biologia através do livro Vida Maravilhosa de Stephen

Jay Gould. Ao discutir a re-interpretação da fauna fóssil pré-cambriana, Gould apontou que

muitos grupos de animais que se tornaram extintos eram aparentemente tão complexos e bem

adaptados quanto os que sobreviveram. O fato de que determinados táxons sobreviveram não

foi devido a qualquer tipo de necessidade interna à lógica do processo evolutivo. Os animais

que sobreviveram e se diversificaram, levando às espécies que existem no presente, são o

resultado da confluência de muitas cadeias causais longas, complexas e independentes, que

§3

– 141 –

73 A idéia de que a comunidade se desenvolvia em direção a um clímax estável e único foi combatido por uma concepção mais contingente e individualistica do processo de sucessão ecológica, como defendida por Gleason e Tansley (Mcintosh, 1975). Tais críticas só reforçam a analogia entre os dois processos, pois libertam o desenvolvimento do ecossistema de qualquer resquício finalista existente na idéia de um clímax único e determinado.

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dão ao processo evolutivo um caráter contigente. A filogenia é “uma seqüência imprevisível

de estados antecedentes onde qualquer alteração em qualquer etapa da seqüência teria

modificado o resultado final. Este resultado final, portanto, depende ou está na contingência

de tudo que aconteceu antes — a indelével e determinante marca da história” (Gould, 1990, p.

329).

A idéia de que o processo evolutivo é um processo contingente, como descrito por

Gould, é aceito pela maioria dos biólogos. O processo evolutivo não é necessário, direcionado

ou progressivo. Contudo, as contingências ficam restritas à filogenia. A ontogenia, embora

temporal, é considerada um processo determinado e programado. Rudolf Raff, dicutindo

justamente a integração entre ontogenia e filogenia, deixa claro: “Biologia do

desenvolvimento e biologia evolucionária são duas disciplinas que exploram as mudanças

morfológicas dos organismos no tempo. No entanto, o desenvolvimento é geneticamente

programado e cíclico. A evolução é não-programada e contingente” (Raff, 2000, p.74).

Segundo Oyama, esta disparidade na interpretação dos processos filogenéticos e

ontogenéticos é causada pela confusão do significado ontológico e epistemológico das

contingências. Gould associa as contingências, principalmente, à noção de previsibilidade.

Em seu último livro, ele define contingência como “a tendência de sistemas complexos com

substanciais componentes estocásticos e interações não-lineares intricadas entre os

componentes, serem imprevisíveis em princípio a partir do conhecimento completo das

condições antecedentes” (Gould, 2002, p.46). No entanto, Oyama aponta que a previsibilidade

é uma noção epistemológica, enquanto que a contingência é também uma noção ontológica.

Contingências referem-se também à natureza do processo, não apenas à sua investigação. Por

isso, Oyama sugere distinguir estas duas noções, pois nem sempre elas coincidem. Certas

características do desenvolvimento podem ser previstas de maneira precisa, mas são

contingentes no sentido de que não são o resultado necessário de um processo

predeterminado. São previsíveis, não porque dependem de um controle central preexistente,

mas porque são gerados pela interação de uma rede intrincada de recursos desenvolvimentais

que se repete de modo contingente. O caso da sucessão ecológica, mais uma vez, é

esclarecedor. A fidelidade na repetição dos processos ecológicos levou Shelford a dizer, ainda

em 1911, que “a ecologia das sucessões é um dos raros campos da biologia no qual a predição

é possível” (apud Acot, 1990). A sucessão ecológica é um processo previsível e cíclico, mas

não está pré-determinado.

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A noção de que o desenvolvimento é um processo programado é popular. A própria

etimologia da palavra desenvolvimento, como aponta Lewontin (2002), evoca a idéia de

manifestação de algo preexistente, de desenovelamento.74 A PSD propõe abandonar esta

noção. No seu lugar, ela oferece a noção do desenvolvimento como um ciclo de interações

contingentes entre recursos distribuídos dentro e fora do organismo. O fato do processo

complexo de interações que caracteriza a ontogenia repetir-se de maneira cíclica, dando

origem a um outro processo semelhante, não é evidência de que ela é guiada por uma natureza

interna, um programa ou instruções. “As características precisas destes processos e suas

conseqüências são uma questão de determinadas entidades e condições no lugar certo, ao

invés de necessidades preexistentes” (Oyama, 2006, p.274). A ontogenia não se repete, apesar

de depender da repetição da interação de múltiplos fatores a cada ciclo. Ela se repete

justamente porque depende de uma matriz de elementos e interações para ser realizada. A

constância entre gerações é mantida pela rica rede de interações, não por instruções em

seqüências de DNA.

§3

– 143 –

74 A palavra desenvolvimento foi inicialmente utilizada para se referir à teoria da preexistência. Em língua inglesa há um contratempo a mais, pois a palavra development designa também o processo de revelação de um filme fotográfico. Curiosamente, em uma carta de Fritz Müller a Charles Darwin, de 1868, comentando sua primeira impressão sobre a leitura de The Variation of Plants and Animals under domestication, Müller escreveu: “A hipótese da pangênese certamente cobriria e conectaria várias classes de fatos outrora isolados e inexplicados; dificilmente seria questionável que ovos, espermatozóides, óvulos de plantas e grãos de pólen, apesar de seus tamanhos minúsculos e aparente simplicidade, sejam estruturas altamente complicadas, contendo, assim como elas são, uma fotografia de todo organismo do qual eles são derivados”.

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Figura 12: Ciclos de contingências A repetição de ontogenias depende da recorrência de diversos recursos desenvolvimentais, internos e externos (Gray e Griffiths, 1994).

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— Conclusão —

Uma aposta epigenética

A discussão realizada neste trabalho partiu da percepção de que a biologia

contemporânea não resolveu a disputa entre preformação e epigênese. A genética não

forneceu uma solução conciliatória a meio caminho das duas posições. O entendimento de

que o genoma possui a informação que determina a ontogenia é, na verdade, por inteiro

preformacionista. Como diz Lewontin:

[...] não existe nenhuma diferença essencial, exceto quanto aos detalhes mecânicos, entre a idéia de que o organismo já está formado no ovo fertilizado e a de que o projeto completo do organismo e toda a informação necessária para especificá-lo já estão contidos ali, uma visão que domina os estudos modernos do desenvolvimento (Lewontin, 2002, p.13).

Decidi explorar esta acusação e investigar o que significa, precisamente, dizer que a

biologia contemporânea é preformacionista. A conclusão é que a relação não é uma analogia

superficial. O preformacionismo da genética molecular clássica está histórica e

conceitualmente associado ao antigo preformacionismo. Mas, ao invés de dizer, como

Lewontin, que as diferenças entre o homúnculo do século XVII e o preformacionismo

genético estão nos “detalhes mecânicos”, preferi dizer que as diferenças estão nas teorias e

seus modelos. O que as unem é uma perspectiva teórica em comum. Elas compartilham uma

mesma ontologia. Interpreto a preformação, e também a epigênese, como duas estruturas

macro-teóricas que forneceram e ainda fornecem os pressupostos que orientam os processos e

entidades possíveis em diferentes teorias. Mais especificamente, sugeri que preformação e

epigênese, da mesma maneira que o atomismo ou o mecanicismo, sejam interpretadas como

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duas tradições de pesquisa guiando a investigação dos seres vivos em diferentes períodos da

ciência ocidental (Laudan, 1977).

Justifiquei a interpretação de que preformação e epigênese são duas tradições de

pesquisa a partir de uma análise histórico-epistemológica. A interpretação partiu do

argumento de que a disputa entre preformação e epigênese é mais ampla e complexa do que a

famosa rivalidade entre preexistência e vitalismo na idade moderna. Diferentes teorias

preformacionistas foram propostas por autores como Hipócrates, Malebranche, Bonnet e

Darwin. Do mesmo modo, diferentes teorias epigenéticas foram propostas por autores como

Aristóteles, Harvey, Kant e Hertwig. Mesmo nos séculos XVII e XVIII, a disputa oscilou

entre posições muito distintas (Roe, 1981). Um ponto importante a ser destacado desta

heterogeneidade é que preformação não é sinônimo de preexistência (Roger, 1971). Nem toda

teoria preformacionista pressupõe a pré-delineação do ser vivo. Teorias como as de Buffon e

Maupertuis, por exemplo, são teorias preformacionistas, mas não preexistencialistas. Elas

supunham uma pré-diferenciação das partes, mas não a preexistência da forma.

Portanto, o que identifiquei como tradição de pesquisa preformacionista não deve ser

igualado às noções de preexistência ou pré-delineação. O compromisso central da tradição

preformacionista é com a predeterminação da forma. Em toda teoria preformacionista, a

forma não é efetivamente realizada durante a existência do ser vivo. Ela está interna e

autonomamente predefinida, de maneira que existe uma pré-diferenciação ou representação

do futuro ser vivo. Por outro lado, a tradição epigenética assume que a forma é realizada

durante sua existência. Não existe pré-diferenciação das partes ou predeterminação da

ontogenia. A forma é efetivamente gerada. Cada etapa produz a etapa seguinte, de modo que

não existe relação direta entre as etapas iniciais e finais do processo.

A interpretação mais ampla do status teórico da preformação e da epigênese como

duas tradições de pesquisas e a identificação dos seus pressupostos centrais permitiu postular

duas questões específicas: (i) de que maneira estas tradições estão historicamente relacionadas

com a biologia contemporânea e (ii) de que maneira os pressupostos preformacionistas e

epigenéticos se relacionam conceitualmente com as explicações atuais.

Quanto à relação histórica, mostrei que as tradições da preformação e da epigênese

chegaram ao século XX polemizadas no contexto da embriologia experimental. No fim do

século XIX, a embriologia, antes meramente descritiva e comparativa, passou a pesquisar

experimentalmente as causas da forma. Apoiada na teoria celular (toda célula era gerada por

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outra célula) e no conceito de hereditariedade (a forma era genealógica), a embriologia

buscou explicar como a forma é gerada a partir da continuidade celular entre gerações

(Maienschein, 1994). Neste contexto, o debate entre preformação e epigênese foi recriado

como a dicotomia entre auto-determinação e regulação (Hertwig, 1896; Maienschein, 1986;

Fischer, 2002). Na nova disputa, a noção de material hereditário teve um papel central. A

interpretação estrutural do fenômeno hereditário levou ao pressuposto de que havia partículas

intracelulares causalmente responsáveis pela perpetuação genealógica da forma (Gayon,

2000). O neo-preformacionismo apoiou-se neste pressuposto. A ontogenia foi interpretada

como um processo auto-determinado pelas propriedades do material hereditário (Weismann,

1889). A diferenciação celular era o resultado de instruções internas herdadas na estrutura

celular do ovo fertilizado. Por outro lado, a neo-epigênese defendeu que, embora a estrutura

celular fosse extremamente complexa e limitasse as interações possíveis, a forma emergia da

interação entre as células no organismo e com o ambiente (Hertwig, 1896).

A historiografia da genética costuma relacioná-la, principalmente, ao mendelismo,

ignorando a relação entre a genética e a embriologia experimental (Gilbert, 1998a). No

entanto, focando a atenção no conjunto de polêmicas que precedeu o nascimento da genética,

percebe-se que a estrutura teórica da genética clássica está ligada ao neo-preformacionismo da

embriologia experimental. Ela manteve uma ontologia similar à que orientou teorias como a

de Weismann e Roux. Por isso, a origem da genética clássica é melhor interpretada como a

confluência entre o preformacionismo da embriologia experimental e as técnicas de

cruzamentos híbridos elaboradas pelos criadores de plantas como Naudin e Mendel (sem

esquecer o papel de William Bateson e Hugo de Vries na re-contextualização do mendelismo).

Mais especificamente, a genética morganiana é o resultado da combinação da ontologia

micromerista com a metodologia mendeliana. Na disputa entre preformação e epigênese, a

cooptação de métodos e conceitos do mendelismo levou à vitória da preformação.

Esta origem híbrida, resultado da mistura da ontologia de uma tradição com a

metodologia de outra, levou a genética a redefinir hereditariedade e desenvolvimento. O

mendelismo não estava interessado no desenvolvimento. Aliás, Bateson acreditava ser esta

sua maior virtude para o estudo evolução. A biologia evolucionária pós-darwiniana, segundo

Bateson, havia se perdido nos meandros da ontogenia. O mendelismo, estrategicamente,

ignorava o desenvolvimento e concentrava-se na variação. Sua metodologia dizia respeito

apenas à segregação de similaridades e diferenças. Consequentemente, as explicações

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genéticas também diziam respeito apenas à repetição de similaridades, não à sua produção.

Como enfatizou Morgan, a genética clássica era uma ciência da transmissão hereditária, não

uma ciência do desenvolvimento (Morgan, 1919).

Para compreender o fenômeno desenvolvimental, era necessário investigar como os

genes atuavam na fisiologia do organismo. A investigação do efeito fisiológico do gene partiu

da noção de que os genes eram entidades materiais. Os fatores operacionais do mendelismo

foram reificados pela genética morganiana como as partículas hereditárias determinantes da

ontogenia postuladas pela tradição preformacionista. Os genes-instrumentais tornaram-se os

genes-determinantes-da-forma. O projeto da genética molecular clássica pode ser interpretado

como uma busca pela função gênica a partir desta interpretação realista do gene. O gene

clássico, inferido como um locos cromossômico a partir de grupos de ligação, foi redefinido

pela genética molecular como uma seqüência de DNA. A partir desta redefinição estrutural, a

função gênica foi definida como a produção de uma seqüência de polipeptídios por meio dos

processos de transcrição e tradução. O desenvolvimento, por sua vez, foi descrito como um

processo de expressão gênica diferencial. Apoiados no jargão informacionista, estes modelos

moleculares levaram à duas noções centrais da biologia a partir da segunda metade do século

XX: os genes possuem a informação para os caracteres dos organismos e o genoma possui um

programa que determina a ontogenia.

Estas duas noções representam a manutenção do compromisso central do neo-

preformacionismo: a existência de uma estrutura que determina a ontogenia e as

características do organismo. No entanto, busquei mostrar que os modelos e metáforas

elaborados no início da genética molecular tornaram-se inadequados frente ao progresso da

própria biologia molecular. Como diz Morange (2006, p.356), “é precisamente este ambicioso

programa reducionista que falhou nas últimas duas décadas, pois os dados gerados pelas

ferramentas genéticas não confirmaram esta visão preformacionista”. Ao contrário da

impressão inicial, o gene molecular clássico revelou não ser a estrutura material subjacente ao

gene morganiano. A suposição de que os genes são seqüências de DNA que determinam as

características fenotípicas mostrou-se uma combinação inadequada dos modelos da genética

clássica com a genética molecular (Moss, 2003). Do mesmo modo, a noção de que o genoma

contém um programa para o futuro organismo mostrou-se não mais que uma metáfora

inapropriada (De Chadarevian, 1998; Keller, 2002).

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Contudo, o preformacionismo ainda persiste de maneira mais sutil. O gene ainda é

concebido como uma seqüência de DNA que especifica a estrutura das proteínas e, deste

modo, é responsável por grande parte dos processos biológicos (Godfrey-Smith, 2001). De

maneira semelhante, o programa genético é concebido, simplesmente, como o início de uma

rotina de ativação gênica em que cada gene determina quais genes seguintes serão

determinados. Sem dúvida, estas duas noções são menos controversas do que as noções de

que os genes possuem informação para fenótipos e o genoma um plano para o futuro

organismo. Contudo, nem mesmo este preformacionismo moderado é coerente frente aos

dados da biologia molecular atual. As proteínas não estão predeterminadas no DNA. Elas são

o resultado de um processo celular realizado com a participação de seqüências de DNA. “Os

fatores que interativamente regulam a expressão genômica estão longe de serem meras

condições de fundo ou suporte ambiental: eles estão em par com a informação genética, desde

que eles co-especificam a sequência do produto gênico junto com a sequência de DNA em

questão” (Grffiths e Stotz, 1006, p.510, itálico no original). A função gênica é melhor

interpretada como a utilização do DNA pelo sistema na produção de proteínas, do que como a

expressão da informação preexistente no DNA. A pressuposição de que a estrutura do DNA

determina a estrutura das proteínas em uma relação causal linear resulta da insistência em

construir modelos orientados por uma perspectiva preformacionista. Insistência esta que

também entremeia a interpretação de que o desenvolvimento é um processo programado. O

processo ontogenético não está pré-determinado por instruções codificadas nos genes. A

ativação gênica diferencial durante o desenvolvimento não é determinada pela estrutura do

genoma. Ela é resultado de interações distribuídas pelo organismo e com o ambiente que

ocorrem durante a ontogenia.

Portanto, enquanto baseada nas noções de que a informação genética preexiste no

DNA e de que a ontogenia é um processo programado, a biologia do século XX foi,

majoritariamente, preformacionista. Tanto a genética morganiana, quanto a genética

molecular clássica, mantiveram o compromisso central da tradição de pesquisa

preformacionistas: a noção de que a geração da forma está interna e autonomamente

predefinida, de maneira que existe uma pré-diferenciação ou representação do futuro ser vivo.

Sob a orientação desta perspectiva, modelos foram construídos, observações foram julgadas,

certas questões foram perguntadas e outras não foram necessárias.

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O outro lado do reconhecimento de que o preformacionismo dominou a biologia do

século XX é que algo esteve ausente: uma perspectiva verdadeiramente epigenética.

Apresentei a Perspectiva dos Sistemas Desenvolvimentais (PSD) como uma tentativa de

sistematizar uma perspectiva epigenética frente aos dados da ciência atual e em contraposição

ao preformacionismo molecular.

O preformacionismo contemporâneo apóia-se no pressuposto de que a hereditariedade

é a transmissão de um material hereditário responsável pela constância da forma. A forma é

passada de geração em geração representada em estruturas intracelulares. Este pressuposto é

mantido pelo entendimento de que o DNA é o portador da informação genética. A PSD

substitui esta visão estrutural da hereditariedade por uma visão processual. A constância da

forma não é mantida pela transmissão de uma entidade causalmente privilegiada, mas é

mantida (e transformada) dinamicamente. O fenômeno hereditário é um processo de re-

construção da ontogenia a cada geração. A forma não é transmitida ou manifestada, mas re-

produzida.

A re-produção da ontogenia a cada geração envolve a interação de fatores genéticos e

fatores não-genéticos. Este é um ponto pacífico também para o preformacionismo molecular:

a aparência (fenótipo) é o resultado da essência (genótipo) mais o contexto da sua

manifestação (ambiente). Contudo, este interacionismo é pernicioso. Ele preserva no DNA os

mesmos privilégios causais atribuídos às partículas micromeristas, pois a interação é

assimétrica. Os genes contribuem com as causas da forma e os demais componentes com o

suporte material para ação dos genes. Além disso, ele não reconhece que a causalidade deve

ser concebida de maneira relacional. O efeito do ambiente no sistema vivo é definido por sua

própria estrutura. As causas ambientais e organismais são interdependentes. Por isso, a PSD

defende que as interações com o ambiente participam constitutivamente da produção do

sistema. Não existe uma causa formal interna e uma causa material externa. Interno e externo

co-atuam e co-definem a ontogenia.

Contudo, a dicotomia entre gene e ambiente ainda é um retrato pobre da rede de

interações que produzem um sistema vivo. A ontogenia envolve a interação de múltiplos

elementos, internos e externos, todos eles necessários, nenhum deles suficientes para sua

realização. A rede de elementos envolvidos na repetição de um ciclo de vida demanda uma

abordagem que inclua processos fisiológicos, ecológicos e comportamentais. A constância (e

variação) entre gerações não depende, exclusivamente, da transmissão do DNA. Ela depende

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da recorrência de uma matriz de recursos desenvolvimentais que inclui o DNA, mas também

proteínas, membranas, organelas, hormônios, cultura, etc.

Todas estas interações necessárias para a re-produção de um ciclo de vida ocorrem em

uma ordem temporal e espacial específica. Contudo, a repetição precisa e confiável deste

conjunto de interações não demanda um controle interno e pré-estabelecido. Um processo

cíclico não é evidência de um processo programado. A ontogenia repete-se a cada geração

pela recorrência contingente do conjunto de interações que participou da produção da

ontogenia anterior. A constância e fidelidade com que os processos ontogenéticos são

reproduzidos resulta, justamente, desta rede de interações, não de um controle central no

DNA.

Por tudo isso, defendi que a re-interpretação realizada pela PSD dos fenômenos

hereditários e desenvolvimentais (ou, dito de maneira mais ampla, da constância e variação

dos seres vivos) fornece uma reformulação da tradição de pesquisa epigenética. Ela resgata os

compromissos centrais da epigênese. A forma dos seres vivos é realizada, não manifestada.

Não existe pré-diferenciação das partes ou predeterminação da ontogenia. Cada etapa produz

a etapa seguinte, de modo que não existe relação direta entre as etapas iniciais e finais do

processo. E cada etapa envolve interações entre as partes do sistema vivo e com o ambiente.

Como epílogo, resta discutir o que esperar de uma perspectiva epigenética, como

defendida pela PSD, na biologia atual. Uma objeção comum à PSD é que a sua aplicação não

é eficiente em termos práticos. Kenneth Waters, por exemplo, diz que o sucesso do gene-

centrismo não é ontológico, mas epistemológico:

O sucesso de uma visão gene-centrada sobre o organismo não se deve ao fato de os genes serem os mais importantes determinantes dos principais processos nos seres vivos. Eles figuram tão proeminentemente porque eles fornecem pontos de entradas altamente bem

sucedidos para a investigação destes processos (Waters, 2007).

O argumento de Waters segue um raciocínio heurístico. Ele parte do princípio que a

investigação experimental em biologia necessita, estrategicamente, fazer simplificações.

Desde Claude-Bernard, o controle seletivo do contexto faz parte da metodologia básica do

procedimento experimental em biologia. Para investigar uma parte do ser vivo, a parte de

interesse é manipulada e o restante do sistema é mantido constante. A parte manipulada, claro,

não é causalmente suficiente pela ocorrência do fenômeno observado. Ele depende do

contexto que, por uma escolha pragmática, foi mantido invariante. Seguindo o argumento de

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Waters, os genes não são causalmente suficientes ou mais importantes para os fenômenos

biológicos, mas são a maneira mais eficaz de manipulá-los. É mais fácil intervir nos genes em

um contexto constante, do que em algum elemento deste contexto, mantendo os genes e

demais elementos invariantes. Todo sistema é igualmente importante, mas os genes são o

caminho mais prático para investigação.

O problema com esta heurística é que ela produz um viés na investigação biológica

(Robert, 2003). O argumento de que os genes são o modo mais eficaz de interferir nos

sistemas vivos é rapidamente transformado em uma negligência dos contextos em que os

genes atuam. A escolha pragmática de focar a investigação nos genes contra um pano de

fundo constante é facilmente convertida na conclusão de que os processo vivos são

controlados pela replicação e ativação dos genes. Sutilmente, a opção metodológica é

transformada em primazia causal. Em parte porque este tipo de justificativa epistemológica a

favor da proeminência dos genes é feita ad hoc. Os genes são “pontos de entrada mais bem

sucedidos” para o estudo dos processos biológicos porque, durante décadas, foram

desenvolvidos métodos e tecnologias para refinar este ponto de entrada. Grande parte da

estrutura conceitual e metodológica da biologia atual foi construída para investigar os genes.

Mas esta escolha não foi metodológica. Ela é resultado da história de práticas científicas

guiadas por pressupostos ontológicos preformacionistas e que levaram à crença de que o

DNA era uma molécula causalmente privilegiada. Se hoje os genes possuem vantagens

práticas, elas não se devem exclusivamente a uma opção metodológica, mas à história da

biologia. Elas são conseqüências de um tempo em que o DNA era a “molécula da vida”.

Ademais, o argumento de que os genes são epistemologicamente privilegiados é

desmentido pela própria prática científica. A pesquisa com células troncos, por exemplo, uma

das fronteiras mais importantes da biologia contemporânea, estaria seriamente comprometida

se baseada apenas em técnicas genéticas. A caracterização de genes ou conjunto de genes

responsáveis pela diferenciação ou pela manutenção do estado célula-tronco [“stemness”],

apesar dos grandes esforços, ainda é pouco compreendida (Vogel, 2003). O sucesso da

investigação de células troncos está estreitamente ligado ao conceito de micro-ambiente ou

nicho celular (Moore e Lemischka, 2006). A diferenciação e manutenção das células-tronco é

realizada experimentalmente pela manipulação do contexto extracelular. A intervenção nas

interações extracelulares são o “ponto de entrada” mais prático. A simples alteração da

elasticidade da matriz extracelular, por exemplo, é suficiente para diferenciar células-troncos

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mesenquimais. Matrizes macias favorecem a diferenciação em neurônios, matrizes com

elasticidade moderada favorecem a formação de células musculares e matrizes rígidas células

ósseas (Engler, Sen et al., 2006).

Na verdade, as vantagens da manipulação não-gênica em células troncos são, ao

mesmo tempo, conseqüência e evidência dos limites do preformacionismo molecular. Células-

troncos são melhor definidas como estados dinâmicos (Zipori, 2004), como uma propriedade

relacional entre células e um micro-ambiente formado por moléculas sinalizadoras, fatores de

crescimento, moléculas de adesão celular, etc. (Robert, 2004b). O estado célula-tronco não é

determinado pela história individual da célula ou por determinantes internos. É o resultado da

dinâmica de um sistema interativo e responsivo (Robert, Maienschein et al., 2006). Portanto,

longe de favorecer epistemologicamente uma abordagem gene-cêntrica, a pesquisa com

células-tronco indica a coerência de uma ontologia epigenética. Não por acaso, Hertwig

definiu assim a diferenciação celular:

[...] células combinam suas individualidades no todo e a força que direciona seus desenvolvimentos finais e as levam à diferenciação apropriada, não podem estar dentro delas, não podem residir nos determinantes, no sentido de Weismann. Elas são dadas pelas relações que as células estabelecem com o organismo como um todo e com as partes do organismo, assim como também com o ambiente. (Hertwig, 1896, p.115)

Por outro lado, a necessidade de simplificação dos sistemas vivos não pode ser

encarada como meta da investigação biológica. Os sistemas vivos são sistemas complexos e

esta complexidade também deve ser investigada. A manipulação de partes do sistema não

permite investigar propriedades do sistema como um todo. A investigação de propriedades

emergentes exige uma abordagem sistêmica. E existe na biologia contemporânea a

expectativa de que o século XXI será o século da biologia de sistemas (Kitano, 2002;

Westerhoff e Palsson, 2004).

A pergunta sobre o que esperar de uma perspectiva epigenética pode, então, ser

colocada na forma de qual perspectiva deve ser trazida para a biologia de sistemas. Embora a

abordagem reducionista não implique na tese preformacionista (Sarkar, 1996), a efetivação de

uma biologia de sistemas parece depender do reconhecimento da organização hierárquica dos

sistemas vivos. Os sistemas vivos são sistemas complexos, isto é, sistemas de sistemas

(Mesarovic e Sreenath, 2006). Esta hierarquia organizacional é avessa à uma perspectiva

preformacionista. Os pressupostos da preformação molecular levam a um “colapso de

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níveis” (Oyama, 2000b). A organização dos sistemas vivos é explicada exclusivamente a

partir de níveis inferiores da organização, pois os genes possuem prioridade causal. O genoma

é visto, na melhor das hipóteses, como uma rede digital que determina a constituição dos

outros níveis do sistema (Dupré, 2004). Por outro lado, uma perspectiva epigenética permite

conceituar os sistemas vivos como sistemas dinâmicos, com múltiplos níveis em interação

entre eles e com o meio. Ao abrir mão de um controle centralizado, permite explorar relações

de causalidade entre níveis do sistema, assim como também entre cada um deles e o ambiente,

sem necessariamente recorrer à uma etiologia genética para explicar todos os níveis. Em

suma, a determinação do sistema pode ser concebida de modo relacional e distribuído entre

seus diversos níveis.

Portanto, voltando novamente a questão sobre o que esperar de uma perspectiva

epigenética na biologia contemporânea, os exemplos das células-troncos e da biologia de

sistemas contrariam a justificativa pragmática do gene-centrismo. Os genes não são os pontos

de entrada mais práticos e mais promissores para investigar os fenômenos biológicos. A razão

de sua proeminência encontra-se em outra lugar. Ela é devida ao fato de que explicações,

modelos e teorias são apoiados em um conjunto de pressupostos que os limitam e orientam.

Pressupostos estes que são construídos durante a história de cada ciência. A proeminência dos

genes na biologia atual é conseqüência do pressuposto de que o DNA é uma entidade

causalmente privilegiada, capaz de transmitir a natureza dos seres vivos de geração em

geração e de controlar a ontogenia e demais processos vivos.

Adotar uma perspectiva epigenética significa, portanto, mudar de pressupostos.

Significa postular diferentes questões, re-interpretar os dados, focalizar em diferentes

fenômenos, conceber novas entidades e processos. Significa apostar algumas fichas na idéia

de que os seres vivos são sistemas situados em um meio; que a realização da ontogenia

depende de co-interações entre fatores internos e externos; que os processos biológicos

envolvem múltiplos níveis; que não existe um controle central e dicotomizado. Conceber que

a ontogenia se repete de maneira contingente, não pré-determinada; que o DNA, embora

extremamente importante, é parte de um sistema e, como tal, só possui significado em

referência ao todo.

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