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31 NÚMERO ESPECIAL 25 ANOS — 2009 Epidemiologia Teodoro Briz é professor de Epidemiologia e Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública — UNL e membro do CIESP/ ENSP. Submetido à apreciação: 15 de Setembro de 2009 Aceite para publicação: 30 de Setembro de 2009 Epidemiologia e Saúde Pública TEODORO BRIZ Visa-se explicitar a origem, a razão de ser, a natureza e o que se perspectiva da relação entre a Epidemiologia e a Saúde Pública, através de uma leitura histórica. As duas entidades foram-se definindo e fazendo sentido em con- junto, com sucessos e, também, muita polémica, desde há milénios e até meados do século XIX. Nesta época, uma com- binação de circunstâncias proporcionou-lhes uma explosão de crescimento e de definição, de par com várias outras áreas disciplinares. Desde o antigo relato bíblico de como boa alimentação explica o bom estado de saúde, até à valorização científica das condicionantes sociais e económicas da saúde por Marmot e Rose, passando por «miasmas» causando doença e pela deslocação do conceito de risco individual de saúde para o de risco populacional — com as implicações ineren- tes a essa importante inovação —, este percurso permite identificar as fundações de tão notável simbiose, explicar o estado presente, vê-la evoluir e achar nela o significado do património hoje disponível, e o que ele promete. Algumas discrepâncias quanto à designação dos seus méto- dos, bem como a contínua discussão quanto à sua verda- deira natureza e orientação futura, atestam a juventude da Epidemiologia como disciplina científica. Entretanto, a Saúde Pública esforça-se por manter a sua essência integra- dora, à medida que outras disciplinas contribuem mais para que concretize os seus objectivos; é desafiada pela exposição das populações, em larga escala, a factores de doença, por vezes de intensidade mínima, e pelo surgimento de novas doenças ou a ampliação do volume de outras na população, muitas vezes não respeitando fronteiras. A his- tória dessa simbiose mostra bem que conhecer o modo como uma doença se origina permite controlá-la na popu- lação, ou mesmo evitá-la, e que é grande o número de pro- blemas que, em sinergia, as duas disciplinas podem clarifi- car e resolver. Assim, a Epidemiologia oferece à Saúde Pública explicações (olhos, inteligência e linguagem) para os problemas de saúde das populações — o que permite à segunda saber sobre o quê agir —, cenários de possível evolução dos pro- blemas — o que permite aos decisores optarem em função de diferentes pressupostos, sobre como agir — e capacidade de juízo sobre os resultados das acções empreendidas, em simultâneo com a elevação do nível de consciência, de com- preensão e de intervenção quanto ao que se está a passar, tanto pelos profissionais, como pela população — transfe- rência do conhecimento. Facilmente se antecipa que a relação entre as duas discipli- nas irá evoluir para maior complexidade e, também, solici- tação e exigência da Saúde Pública sobre a Epidemiologia, que terá que corresponder em utilidade. E esta, conti- nuando a subespecializar-se e a sofisticar-se tanto nos métodos, como nos enfoques sobre categorias específicas de factores, precisará de progredir muito na gestão da sua consistência enquanto corpo de conhecimento integrado e com peculiaridades metodológicas, à semelhança da Saúde Pública. Todos somos responsáveis por todos. FYODOR DOSTOYEVSKY Não podes contar com os teus olhos, quando a tua imaginação está desfocada. MARK TWAIN

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31NÚMERO ESPECIAL 25 ANOS — 2009

Epidemiologia

Teodoro Briz é professor de Epidemiologia e Saúde Pública naEscola Nacional de Saúde Pública — UNL e membro do CIESP/ENSP.

Submetido à apreciação: 15 de Setembro de 2009Aceite para publicação: 30 de Setembro de 2009

Epidemiologia e Saúde PúblicaTEODORO BRIZ

Visa-se explicitar a origem, a razão de ser, a natureza e oque se perspectiva da relação entre a Epidemiologia e aSaúde Pública, através de uma leitura histórica. As duasentidades foram-se definindo e fazendo sentido em con-junto, com sucessos e, também, muita polémica, desde hámilénios e até meados do século XIX. Nesta época, uma com-binação de circunstâncias proporcionou-lhes uma explosãode crescimento e de definição, de par com várias outrasáreas disciplinares.Desde o antigo relato bíblico de como boa alimentaçãoexplica o bom estado de saúde, até à valorização científicadas condicionantes sociais e económicas da saúde porMarmot e Rose, passando por «miasmas» causando doençae pela deslocação do conceito de risco individual de saúdepara o de risco populacional — com as implicações ineren-tes a essa importante inovação —, este percurso permiteidentificar as fundações de tão notável simbiose, explicar oestado presente, vê-la evoluir e achar nela o significado dopatrimónio hoje disponível, e o que ele promete.Algumas discrepâncias quanto à designação dos seus méto-dos, bem como a contínua discussão quanto à sua verda-deira natureza e orientação futura, atestam a juventude daEpidemiologia como disciplina científica. Entretanto, aSaúde Pública esforça-se por manter a sua essência integra-

dora, à medida que outras disciplinas contribuem maispara que concretize os seus objectivos; é desafiada pelaexposição das populações, em larga escala, a factores dedoença, por vezes de intensidade mínima, e pelo surgimentode novas doenças ou a ampliação do volume de outras napopulação, muitas vezes não respeitando fronteiras. A his-tória dessa simbiose mostra bem que conhecer o modocomo uma doença se origina permite controlá-la na popu-lação, ou mesmo evitá-la, e que é grande o número de pro-blemas que, em sinergia, as duas disciplinas podem clarifi-car e resolver.Assim, a Epidemiologia oferece à Saúde Pública explicações(olhos, inteligência e linguagem) para os problemas desaúde das populações — o que permite à segunda sabersobre o quê agir —, cenários de possível evolução dos pro-blemas — o que permite aos decisores optarem em funçãode diferentes pressupostos, sobre como agir — e capacidadede juízo sobre os resultados das acções empreendidas, emsimultâneo com a elevação do nível de consciência, de com-preensão e de intervenção quanto ao que se está a passar,tanto pelos profissionais, como pela população — transfe-rência do conhecimento.Facilmente se antecipa que a relação entre as duas discipli-nas irá evoluir para maior complexidade e, também, solici-tação e exigência da Saúde Pública sobre a Epidemiologia,que terá que corresponder em utilidade. E esta, conti-nuando a subespecializar-se e a sofisticar-se tanto nosmétodos, como nos enfoques sobre categorias específicas defactores, precisará de progredir muito na gestão da suaconsistência enquanto corpo de conhecimento integrado ecom peculiaridades metodológicas, à semelhança da SaúdePública.

Todos somos responsáveis por todos.FYODOR DOSTOYEVSKY

Não podes contar com os teus olhos,quando a tua imaginação está desfocada.MARK TWAIN

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O modo como evoluirá a relação entre ambas dependeainda da evolução dos próprios problemas, conceitos, teo-rias e soluções relacionados com a saúde das populações, eainda do desenvolvimento das demais disciplinas chamadasà integração por ambas, para enfrentarem esses desafios.Nomeadamente, a Epidemiologia terá que gerir com períciadificuldades já identificadas, como: incorporar métodosqualitativos de investigação na sua fortíssima tradição ecultura quantitativa; operacionalizar satisfatoriamente oconceito de «risco atribuível na população», ao serviço dadefinição de prioridades de acção dirigida às necessidadesde saúde; aperfeiçoar modelos de interpretação causal querespeitem a multicausalidade; aproveitar as técnicas esta-tísticas de análise multivariada, sem se perder na abstrac-ção dos seus modelos; desenvolver a investigação nasdimensões positivas de saúde, além da doença, para contri-buir melhor para a realização da Saúde Pública, sua prin-cipal cliente e fornecedora de oportunidades.

Palavras-chave: Epidemiologia; Saúde Pública; conheci-mento científico; gestão e comunicação de riscos; adminis-tração em Saúde Pública.

Apresentação

Pessoas individuais, grupos de pessoas com afinida-des, populações inteiras compartilhando estados ouacontecimentos, exposições a factores e manifestaçõesde doença; identificação dos factores que a explicam eagir sobre eles com efectividade: foi lidando com estasentidades que a Epidemiologia e a Saúde Pública seforam definindo e fazendo sentido em conjunto, apouco e pouco, com momentos altos e, também, muitapolémica, desde há milénios, até meados do séculoXIX; nesta época, uma combinação de circunstânciasproporcionou-lhes uma explosão de crescimento, depar com várias outras áreas disciplinares. Ambas sedebruçam sobre a expressão dos fenómenos de saúdee, sobretudo, de doença em populações e seus subgru-pos, relacionando-a com possíveis determinantes; aEpidemiologia, com uma vocação nítida para a produ-ção e a gestão do conhecimento; a Saúde Pública,retirando benefício dele e integrando-o para organizare avaliar acções destinadas a reduzir o peso das doen-ças na população e a promover o seu nível de saúde.Este percurso já feito, que explica o presente e iluminao futuro, é em si mesmo a melhor substância para secompreender como as duas se relacionam. Vale bem apena, pois, ir ao passado, identificar as fundaçõesdesta notável simbiose, vê-la evoluir e achar nela osignificado do património que temos hoje, e o que elepromete (Friis e Sellers, 2004; Pierce, 2003; Saracci,2001; Wallace, 2008).No presente artigo, visa-se explicitar a origem, arazão de ser, a natureza e o que se perspectiva da

relação entre as duas entidades, através de uma lei-tura histórica, e destacam-se algumas das situaçõesque mais desafiam essa relação. Autores como Friise Sellers (2004), Beaglehole, Bonita e Kjellström(1993) e Wallace (2008), ao proporcionarem uma lei-tura da Saúde Pública através da Epidemiologia —que consideram ser a «ciência básica» da primeira —muito contribuem para esclarecê-la e para individua-lizar o papel relativo de cada uma.

1. Nasceram juntas e evoluem em conjunto

Desde sempre, as ideias quanto a exposições a facto-res e às suas aparentes consequências sobre a saúde,ao adquirem suficiente maturidade, iam acabando porser documentadas. A mais antiga expressão conhe-cida de um «proto-olhar epidemiológico» encontra-se no Antigo Testamento e refere-se a uma experiên-cia em que diferentes dietas atribuídas a dois gruposde jovens se evidenciaram explicando diferentes apa-rências de saúde ao fim de 10 dias, como resultado.O objectivo tinha sido averiguar a qualidade da dietado rei, no que respeitava a sua saúde, através do con-traste entre os grupos. Tal referência tem um duplointeresse: (1) contém a valorização do presumidoefeito da alimentação na saúde, hoje incontestado, e(2) usa a comparação experimental entre diferentesexposições como meio para produzir informaçãocom alguma segurança, como fazemos hoje para tes-tar hipóteses. Mesmo as tradições antigas contra oconsumo de porco ou de mariscos reflectem a noçãode que provocam doenças, quando mal cozinhadosou mal preservados, sem necessidade de conhecer aetiologia subjacente, como ainda hoje acontece naprática da Saúde Pública. Provém igualmente dostempos bíblicos a noção e a prática de isolamento(evicção) dos doentes presumivelmente contagiosos(Brownson, 1998; Lilienfeld, 1976; Saracci, 2001,Schoenberg e Rosamond, 2000).Valorizar a origem histórica da Epidemiologia nãoconduz apenas ao encontro com a sua definição e osseus conceitos básicos. Localiza também esta disci-plina no conjunto das outras que lhe são afins, des-tacando-lhe as especificidades da sua identidade, etorna saliente o que une as suas diversas ramificaçõesactualmente. Torna, ainda, compreensível como éque as hesitações, as conquistas e os conflitos deideias a fizeram evoluir, quais as suas raízes e os seusconceitos fundadores, que expectativas de utilidadepode oferecer à Saúde Pública, que dinâmicas pro-movem as suas tendências e o que é que se podeprever quanto à sua próxima evolução. Em cada umdos destaques históricos que se seguem, valoriza-sesimultaneamente (1) o avanço metodológico que

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representa, (2) o ganho conseguido em conhecimentosubstantivo quanto à saúde e aos seus determinantese (3) o contributo específico que traz ao desenvolvi-mento da Saúde Pública. Procura cuidar-se da coe-rência e da interligação entre as evocações históricas,para que seja mais clara a evolução conjunta da Epi-demiologia e da Saúde Pública, enquanto se destacaalgumas subespecializações recentes da primeira, quelhe conferiram especificidade e autonomia (Friis eSellers, 2004; Rothman e Greenland, 1998b; Saracci,2001; Wallace, 2008).

Seria interessante que Hipócrates, médico grego doséculo V a.C., pudesse saber, na sua época, que, doismilénios e meio depois, destacados cientistas o con-siderariam o «avô» da Saúde Pública e, também,merecidamente, da Epidemiologia. É que Hipócratesdescolou totalmente dos (pre)conceitos do seu tempoem relação às causas das doenças e da saúde, que não

atribuía nem aos deuses, nem a espíritos, nem amagia, mas à acção de componentes do meio e aoscomportamentos das pessoas, que os mediavam.Criou mesmo neologismos (à sua época), hoje cor-rentes e mantendo o significado, para designar mani-festações de doença em populações (endemia, epide-mia), completamente fora das crenças dos seuscontemporâneos. Terá tido a primeira visão siste-matizada de que a exposição a factores (internos eexternos aos indivíduos) explica consequências, ouresultados, na saúde, identificáveis em grupos popu-lacionais com afinidade quanto a essa exposição, eque, portanto, a saúde é influenciável intencional-mente. Uma parte importante dos seus achados pro-vieram de verdadeiras observações «ecológicas», emque identificou contrastes geográficos quanto à salu-bridade, mas também valorizou contrastes sazonais eétnicos. Observando com objectividade e descre-vendo metodicamente o que observava, ofereceu à

Figura 1Hipócrates (460 a.C.-377 a.C.)

Fonte: Australia. The University of Adelaide, 2009.

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Humanidade um avanço gigantesco, que represen-tava uma primeira atitude e uma estratégia epidemio-lógica para o conhecimento. Hipócrates deixou esseavanço em herança, ainda que os povos ocidentais setenham perdido dele (sobretudo durante a «escuridãomedieval»), vindo a recuperá-lo gradualmente, comalguns momentos altos, até meados do século XIX.Nessa época mais recente, a conjunção de desenvol-vimentos em diversas áreas levou a um verdadeirosurto de intelectualidade e de produção de conheci-mentos, no contexto do qual nasceram a SaúdePública e a Epidemiologia, como entidades autóno-mas e organizadas. Outra das muitas lições que Hipó-crates deixou aos vindouros é que o pensamento,para persistir, tem que ficar documentado, e assimsabemos desse notável pioneiro através de obrascomo «Aforismos», «Da Epidemia» e «Sobre os ares,as águas e lugares», em contracorrente com a suaépoca (Answers.com, 2009; Stevenson, 2009;Beaglehole, Bonita, Kjellström, 1993; Friis e Sellers,2004; Hanlon e Pickett, 1979; USA. AnnenbergFoundation. Annenberg Media, 2009; Paneth, Sussere Susser, 2002a; Saracci, 2001; Schneider eLilienfeld, 2008; Wallace, 2008).Depois de Hipócrates, na Antiguidade Clássica,enquanto a evidência continuava turvada por inter-pretações preconceituosas e fantasistas, iam sendodifundidas medidas de higiene básica e de conforto,a que se associavam cuidados na construção dosaglomerados urbanos, que tiveram um momento altono império romano, possivelmente inspiradas naspráticas avançadas aprendidas com os egípcios. Aspopulações, ou alguns grupos, eram ocasionalmentevarridos por ondas de doenças, interpretadas comotransmissíveis, embora nem sempre tivessem essanatureza (escorbuto, pelagra), e que se sobrepunhamàs que ocorriam correntemente. Era claro que asmovimentações militares, sobretudo durante a IdadeMédia, originavam a disseminação de doenças, deque se destacavam a cólera e a lepra e, com particulargravidade, a peste negra, no século XIV. Assim seforam consolidando conceitos como o de epidemia,de isolamento de doentes, de quarentena, de cordãosanitário (século XVI), com a preocupação de evitar adisseminação das doenças; e também, lamentavel-mente, o de guerra biológica, fragilizando-se o ini-migo pela fome, pela sede e pela doença; esta tácticachegou a incluir a iniciativa de tentar o inimigo ausar cobertores contaminados por pessoas comvaríola, como no século XVIII os colonos fizeram aíndios americanos. Estava pois em desenvolvimentoum conceito rudimentar de História Natural daDoença, fundado essencialmente na observaçãometódica dos doentes no seu contexto e, especial-mente, das «experiências naturais». Esse conceito é

hoje incontornável para elaborar programas de saúde(Randall, 2002; Hanlon e Pickett, 1979; Saracci,2001, Schoenberg e Rosamond, 2000).É muito fácil cometer omissões graves e injustasquando se destaca os feitos de alguns pioneiros, porse esquecer outros. Mas poderá dizer-se que houveum ressurgimento da atitude hipocrática comThomas Sydenham (século XVII), que voltou a valo-rizar o contexto em torno das doenças clinicamentedescritas. Identificando uma lógica nos desenvolvi-mentos históricos relevantes para a futura Epidemio-logia, Saracci (2001) propõe três etapas e outras tan-tas perspectivas de leitura. A primeira etapa (períodoinicial) irá desde Hipócrates (século V a.C.) até aofenómeno da aglomeração das populações nos meiosurbanos, precedendo a industrialização, no primeiroterço do século XIX — caracterizada por pequenas,mas relevantes, conquistas conceptuais na luta contraas doenças que anfligiam, de cada vez, muitas pes-soas; a segunda (período clássico), desde então até àII Guerra Mundial — com as doenças alcançandolarga expressão nas populações apinhadas nos cen-tros urbanos e com os primeiros passos na pesquisaetiológica, estudando-se grupos populacionais eenvolvendo a medição, a quantificação, a compara-ção e a experimentação; e a terceira etapa, contempo-rânea, desde a II Guerra e até hoje — caracterizadapela sistematização e o refinamento dos métodos epi-demiológicos, e com a sua aplicação intensiva esofisticada na investigação multifactorial em grupose populações.Durante todo este tempo, três perspectivas de procurade conhecimento sobre os fenómenos de saúde sesucederam, com grandes sobreposições, e hoje coe-xistem: a clínica — em que os pioneiros sistemati-zam cuidadosamente as suas observações, achandoafinidades de exposição em casos semelhantes (comoRamazzini e as doenças associadas às ocupações); ademográfica — representada por desenvolvimentosnotáveis na produção, na elaboração e interpretaçãode dados estatísticos (Graunt e as «contas da morta-lidade», Farr e o sistema estatístico inglês, Bernoullie as probabilidades e a estatística); e a da teorização(Frascatoro e a teoria dos germes — século XVI,suplantando a dos «miasmas»; Pasteur e a origemmicrobiológica de algumas doenças, Koch e os pos-tulados de causalidade — século XIX). Virchow, noséculo XIX, terá conseguido por sua vez uma notávelsíntese das três abordagens, ao valorizar proporciona-damente os seus conhecimentos de clínica, de patolo-gia, a sua leitura demográfica da saúde e as implica-ções das suas reflexões, dir-se-ia hoje, em SaúdePública; foi um invulgar progresso a sua visão daMedicina como uma «ciência social», demarcando-sedas explicações apenas biológicas das doenças, então

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preponderantes. A Medicina, a Epidemiologia e aSaúde Pública evoluíram, assim, em interacção entresi e com outras áreas igualmente em efervescência,reflectindo o pensamento e os recursos em cadaépoca. Essencial nessa evolução foi o constante apu-ramento de tudo o que pudesse ser considerado como«causa» de doença — é sobre as causas, e não sobreos seus efeitos, que faz sentido agir em antecipação,beneficiando a sociedade (Berkman e Kawachi,2000; Brownson, 1998; Friis e Sellers, 2004; Gordis,2004; Saracci, 2001).

Nos séculos XVII e XVIII, Ramazzini dedicou-se espe-cialmente às semelhanças que envolviam doentes quecompartilhavam as condições de trabalho. Sistemati-zando o que observava, aproximou-se da práticamoderna em Epidemiologia e foi pioneiro no queviria a ser a «saúde ocupacional e ambiental», porvalorizar em conjunto exposições a factores ambien-tais e as doenças que lhes seriam consequentes(Saracci, 2001).

Graunt, no século XVII, considerado um dos fundado-res da Demografia e da «Estatística Vital», lançou asistematização de informação quantificada, paraconstruir as «estatísticas vitais», e realizou o primeiroestudo estatístico de dados demográficos. É de lhereconhecer o valor que atribuía ao conjunto da infor-mação como fonte de entendimento sobre a mortali-dade, para o que utilizou a relativização de númerosabsolutos, por estes não serem susceptíveis de inter-pretação segura em comparações. Terá sido o inven-tor do certificado de óbito, atendendo já devidamenteà sua causa, e das tabelas de mortalidade, ou de sobre-vivência, conceito hoje comum. Nas suas «Contas daMortalidade», distinguia doenças agudas de doençascrónicas e preocupou-se com contrastes urbano-rural esazonais. Mais tarde, Chadwick, em meados do séculoXIX, elaboraria um invulgar relatório às autoridades deLondres (Figura 2), fundamentando por meios demo-gráficos a sua posição revoltada contra a elevadamortalidade nos sectores da população mais desfavo-recidos, tentando até quantificar o peso financeiro das

Figura 2Mortalidade durante o ano de 1839

Fonte: Chadwick, 1843.

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diversas causas de morte (Chadwick, 1842; Portugal.INE, 2009; Friis e Sellers, 2004; Saracci, 2001;Schneider e Lilienfeld, 2008).Ainda no século XVII, Francis Bacon, filósofo, intro-duziu uma inovação decisiva para a futura Epidemio-logia, com largas vantagens para a Saúde Pública: alógica indutiva (do particular para o geral; do casopara a lei subjacente), em sentido contrário à lógicacartesiana, dedutiva (da lei geral para o caso). Ficoudeste modo aberta a porta para a futura generalizaçãoestatística, de uma amostra para a respectiva popu-lação, faltando apenas inventar as regras quantitati-vas da inferência estatística (Brownson, 1998;Wikipedia, 2009b).Pode dizer-se que, no século XVIII, a evolução do pen-samento epidemiológico se encontrava em francaaceleração. Como exemplo, James Lind, médico damarinha, questionava-se sobre a causa da «peste dosmares», o escorbuto, que era comum julgar-se trans-missível. Era mortal e quase infalivelmente surgiama bordo muitos casos em viagens longas e sem ali-mentos frescos, tal como acontecia com as expedi-ções militares prolongadas. Lind era partidário deque os citrinos tinham efeito protector e organizouuma experiência com 12 marinheiros doentes, atri-buindo uma dieta básica igual para todos e 6 diferen-tes suplementos, um dos quais de citrinos, a cadadois marinheiros. O grupo que teve citrinos acabousendo o único que mostrou óbvia recuperação empoucos dias. Realizou, pois, um precursor ensaio clí-nico controlado — Epidemiologia Clínica experi-mental — que lhe permitiu concluir sobre o efeitoprotector de que suspeitava e mudar o espectro dedoença e morte devido ao défice alimentar, sabemoshoje, de vitamina C. Mais, tornou evidente a naturezanão transmissível do escorbuto. É de realçar que asconclusões etiológicas eram possíveis e úteis paraacção consequente, mesmo sem se saber com exacti-dão nem o agente, nem o mecanismo causal (UK.BBC, 2009; Chalmers, 2003; Wikipedia, 2009d).Ainda no século XVIII, não pode deixar de ser men-cionado o português Ribeiro Sanches. Foi um médicoe filósofo com invulgar cultura e visão de saúde, comuma deslocada e precoce leitura na perspectiva daprevenção primária (lembrando bem Hipócrates) edeterminação em promovê-las em benefício daspopulações. Quis aplicar o seu imenso saber na for-mação médica — o que lhe custou muitos dissaborespor parte dos espíritos conservadores e influentes —e escreveu uma interessantíssima compilação derecomendações dirigidas aos decisores da época: o«Tratado da Conservação da Saúde dos Povos», pos-sivelmente impulsionado pelo terramoto em Lisboa,ocorrido no ano anterior (Sanches, 1756). Na lingua-gem de hoje, dedicou-se a sintetizar e a «transferir»

o conhecimento científico em saúde da época, demodo a beneficiar os profissionais de saúde e a popu-lação. Essas síntese e transferência de conhecimentofazem parte, actualmente, da definição de Epidemio-logia, para além da sua vocação para produzi-lo.O valor da observação contextualizada dos aconteci-mentos em populações, a partir de cuidadosos estu-dos de casos individuais, ficou particularmente bemilustrado com o exemplo de Edward Jenner (séculosXVIII e XIX). Tendo constatado que os produtores deleite eram menos susceptíveis à varíola humana doque o resto da população, formulou a hipótese de queisso se deveria à sua exposição à varíola bovina; esta,sendo benigna nos humanos, protegia-os da varíolahumana, como o processo de «variolização» entãoem prática não conseguia, além de que era contrapro-ducente (neste, eram inoculados exsudados de varíolahumana). Assim se inventou a «vacinação» comoprocesso seguro de prevenção primária, que Jennertestou com sucesso em pessoas e sem nada saber doagente causal, conceito que Pasteur mais tarde, e commuito maior conhecimento, veio a generalizar aoutras doenças transmissíveis. Em 1980, a OMS viriaa declarar extinta a varíola humana graças, remota-mente, aos resultados dos estudos de Jenner. Aindano século XVIII, é de assinalar o original contributo deJohan Frank para o desenvolvimento da SaúdePública, relativizado ao conhecimento científico daépoca, ao decidir sistematizar e codificar váriasregras de conduta pessoal e comunitária, como évulgar hoje para prevenir muitas doenças (Gordis,2004; Scott, 1999; Wallace, 2008).

Semmelweis, no século XIX, na Áustria, fez uma lei-tura e uma aproximação semelhantes às de Lind, aoproblema da mortalidade materna por «febre puerpe-ral», na maternidade do hospital de Viena, mas maisevoluídas e usando taxas de eventos. Ensaiandomedidas rigorosas de higiene e desinfecção na mater-nidade onde os médicos e os estudantes de Medicinapraticavam, que também frequentavam a sala deautópsias, igualou a taxa de letalidade das maternida-des assistidas por parteiras, que não contactavam essasala, e que era dez vezes inferior (Figura 3). Con-cluiu assim que a causa da «febre» era o «materialcadavérico», neutralizado por aquelas medidas.Novamente o método, que se tratou de uma experiên-cia, dispensou que fossem conhecidos tanto o agentecausal, como o mecanismo patogénico (Wikipedia,2009c; Wikipedia, [2009f]; Dunn, 2005; Friis eSellers, 2004).Entretanto em Inglaterra, William Farr levou maisalém a perspectiva de Graunt e orientou o sistemaestatístico, relativo à população inglesa, de modo quea recolha e o tratamento dos «dados vitais» pudessem

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Figura 3Mortalidade por febre puerperal em Viena, 1841-1849

Fonte: Wikipedia, [2009f].

valer como o que chamamos hoje um «sistema devigilância» de doenças. Vivia-se o conflito entre aantiga teoria miasmática da génese das doenças, deque era partidário, e a teoria dos germens, lançadasem êxito nem recursos de suporte no século XVI, porFrascatoro, e agora defendida pelo que viria a ser o«pai» da Epidemiologia, John Snow, numa época emque a bacteriologia acabaria por confirmá-la. Farrorganizou conceitos que seriam básicos em Epide-miologia, como a perspectiva de leitura própria destadisciplina, o conceito de «pessoa-anos», a relaçãoentre a taxa de mortalidade e a correspondente pro-babilidade de morrer, o conceito de «razão padroni-zada de mortalidade», o da relação «dose-resposta»,o de «imunidade de grupo», o da relação entre inci-dência e prevalência e os conceitos de estudos«retrospectivos» e «prospectivos» (Brownson, 1998;Gordis, 2004; Saracci, 2001; Wallace, 2008).Peter Panum, na mesma época, entre os seus váriosestudos, teve uma rara e pioneira oportunidade dedescrever, pormenorizada e contextualizadamente,uma epidemia de sarampo ocorrida nas ilhas deFaroe em 1846. Num relatório inovador, em que

quantificou a incidência e a fatalidade por gruposetários, conseguiu discernir várias características fun-damentais da manifestação da doença na população,como o modo de transmissão (que identificou bemcomo contágio interpessoal, em contracorrente com ateoria miasmática que prevalecia), o tempo deincubação e a permanência de imunidade duradouranos sobreviventes. Note-se que o agente causal era,de novo, desconhecido e que a futura explicaçãomicrobiana exigia uma prévia teoria dos germens(Schneider e Lilienfeld, 2008).Na mesma época, o modo como John Snow estudou,em Londres, a (então controversa) origem hídrica dacólera é tido como outro marco incontornável daformação da Epidemiologia, como corpo sistemati-zado de conhecimentos e de métodos e com umaperspectiva de leitura própria. Deu início ao que seconsidera hoje a fase clássica da Epidemiologia, queemergiu em ambiente de efervescência científica; elairia ser dominada, sobretudo, pelas doenças transmis-síveis, que afligiam em massa as populações emaglomerados urbanos. Essencialmente, ele concep-tualizou grupos de exposição, conforme se abasteci-

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am em fontenários públicos fornecidos por dois ope-radores, que captavam a água em pontos diferentesdo rio Tamisa, e resultados de saúde (óbitos porcólera). Foi rigoroso na quantificação, tanto dos gru-pos de exposição, topograficamente localizados emfunção dos fontenários, como dos que morreram,anotando também a sua residência; evidenciou que astaxas de mortalidade variaram com o local de resi-dência, através de um pioneiro estudo comparativode coortes. A atitude de Snow em face dos aconteci-mentos correspondeu à leitura destes como uma«experiência natural»; e levou-o a concluir, contra ocepticismo dos contemporâneos, que era a água deabastecimento contaminada, que uma das empresasassegurava a uma das zonas da cidade, que originavaos casos de cólera, e não a transmissão através de«miasmas» do ar. Apesar desse cepticismo, sem ima-ginar a existência do vibrião da cólera e movido pelasua convicção, recomendou a remoção de um dosfontenários suspeitos para impedir o seu uso. A epi-demia terminou pouco depois, mas ainda se discutese isso representou o impacte populacional de talmedida, ou se a epidemia já estava em declínio,

nomeadamente por mudanças na captação da água;também se discute se a motivação de Snow corres-ponderia ao que hoje se chama uma intervenção deSaúde Pública, ou se se tratava de uma «experiência»epidemiológica. A relevância do estudo de Snowvaleu-lhe, para muitos autores, o estatuto de «pai» daEpidemiologia. E é corrente, hoje, referir a essas cir-cunstâncias o nascimento assumido da Disciplina(Brownson, 1998; Beaglehole, Bonita, Kjellström,1993; Buck, 1975; Gordis, 2004; Crosier, 2009).Claude Bernard, fisiologista francês também contem-porâneo, sistematizou o paradigma de investigaçãoque ainda hoje tomamos como método científico:observar o fenómeno, formular uma hipótese sobreele e comprová-la. Essa sistematização viria a tornar--se o modelo essencial para a organização de estudosetiológicos, garantindo deste modo à futura Epide-miologia, e à investigação de Snow, um cariz cientí-fico, ainda que Snow tivesse que ficar pela hipótese,naturalmente, e só presumir que obteria idênticoresultado se pudesse fazer a experiência, conformerepetidamente acontece nos estudos etiológicos(Wikipedia, 2009a).

Figura 4a) John Snow e b) o seu famoso mapa de Londres, 1854

Fonte: a) A brief history, 2008 e b) Crosier, 2009.

a) b)

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Epidemiologia

O notável avanço introduzido pelo pensamento deWirchow em meados do século XIX, relativo à valo-rização dos contextos sociais no entendimento dasaúde, conforme mencionado, encontrou sequência50 anos depois no trabalho de Durkeim sobre ainfluência da integração social sobre os padrões demortalidade. E já na primeira metade do século XX,fisiologistas, psicólogos e neuroendocrinologistastornaram visíveis as implicações do «distress» psi-cossocial na ocorrência e no prognóstico de diversasdoenças. Estava assim iniciado o caminho para osestudos epidemiológicos que viriam a ser realizadosno século XX, por investigadores como Graham,Susser, Marmot e Rose, que revelariam a força docontexto social e económico na ocorrência de doen-ças, designadamente as cardiovasculares, e em níveisde análise mais elevados que o do risco individual(«análise multiníveis») (Berkman e Kawachi, 2000;Marmot, 2001; Rose, 1992).Muito mais forte que o alvor da «medicina social» deVirchow, emergia uma outra explicação tendencial-mente sistemática da origem das doenças, a partir dosprogressos da Microbiologia. Koch, no final doséculo XIX, consolidaria a ideia de que as doençaseram causadas por microrganismos vivos e deu umpasso decisivo para que se estabelecesse algumaordem e concisão no conceito de «causa», formu-lando os seus famosos postulados. Embora enfor-mado pela atribuição de causa apenas a esses orga-nismos (os agentes eram factores necessários e erammutuamente específicos com os efeitos), os decisorespassaram a ter melhor apoiadas, e portanto maisseguras, as suas opções. O método científico fazia oseu caminho na saúde e mostrava-se útil aos deciso-res, que agem sobre causas e, por isso, precisam deas ter bem identificadas. E a sistematização de crité-rios de causalidade, ainda que redutores a um modelomicrobiano, criava oportunidade a modelos maisgerais, que iriam prever as noções de causa «neces-sária» e de causa «suficiente», para enfrentaremdepois a visão de multicausalidade. Outras figuraspioneiras foram também contemporâneas de Koch,com o método científico em pano de fundo, e interin-fluenciaram-se; Pasteur — além do seu contributopara a criação da Microbiologia, com Koch, reforçoua ideia lançada por Jenner de proteger as pessoascontra uma doença através da assumida inoculaçãode um produto com uma forma enfraquecida doagente, desta vez contra a raiva, numa época muitoanterior à descoberta e definição dos vírus; e Listerimplantou o conceito e a prática organizada daantissépsia, primeiro convencido de que a infecçãodas feridas resultava da sua decomposição e, depois,concordando com o pensamento de Pasteur, da acçãode microrganismos vivos. É, pois, bem compreensí-

vel, que além do medo secular da transmissibilidadede muitas doenças, com larga expressão populacio-nal, a explosão da Microbiologia tenha marcado aEpidemiologia, também emergente, ao ponto de esta,ainda hoje, ser tão associada a essas doenças (Friis eSellers, 2004; USA. Pasteur Foudation, 2009;Rothman e Greenland, 1998b; Gardner, 2009;Wikipedia, 2009e).Entretanto, a Ricardo Jorge, no Portugal da viragemdo século XIX para o XX, a Saúde Pública ficou adever, entre outras acções, a instituição pioneira daautoridade formal de que ela precisa para proteger asaúde como bem público e evitar doenças prevení-veis; também iniciou a formação organizada de pro-fissionais no mesmo âmbito, de que muitas institui-ções são hoje herdeiras, como o Instituto Nacional deSaúde, a Escola Nacional de Saúde Pública e o Ins-tituto de Higiene e Medicina Tropical. Ricardo Jorgeterá sido assim uma «reedição» de Ribeiro Sanches,actualizada à sua época, mas melhor sucedido, trans-ferindo e dando utilidade ao conhecimento epidemio-lógico (Graça, 2000; Portugal. Universidade Nova deLisboa. IHMT, 2009; Portugal. Ministério da Saúde.INSA, 2009).

No período que antecedeu a II Guerra Mundial, em1935, em que a Epidemiologia se focava essencial-mente nas doenças transmissíveis e tinha o confortodo fundo teórico dos «germens», Frost, estudando amortalidade por tuberculose, deu um contributopara a história da Disciplina que resultou numimportante ganho metodológico, frequentementepouco valorizado: inventou a, hoje chamada, «aná-lise de coortes» ou «estudo de gerações» — e a queele então chamou «estudo de coortes». Com essaanálise, passou a distinguir-se a experiência demorbilidade ou mortalidade entre gerações de nasci-mento diferentes, nas estatísticas oficiais, permi-tindo uma mais rigorosa e útil compreensão dainterferência artificial de fenómenos de geração noperfil etário dos indicadores epidemiológicos relati-vos a curtos períodos de tempo (um ano, p.e.).A descrição quantificada do perfil de morbilidadeou mortalidade por uma doença, relativo a umamesma geração de nascimento, além de ser o modomais lógico de representar a vivência quanto essadoença através de diferentes grupos de idade, signi-ficou um grande passo em direcção ao actual desen-volvimento da Epidemiologia que se tem designado«do ciclo, ou do curso, de vida» («Life CourseEpidemiology»). Este desenvolvimento vem-serevelando particularmente interessante para os deci-sores em Administração de Saúde, pois não só per-mite procurar relações entre perfis etários de doençae de exposições a potenciais determinantes, como

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planear serviços em função das diversas fases etáriasconcomitantes na mesma população (Kuh e Bem-Shlomo, 2002; Doll, 2001a; Friis e Sellers, 2004).Os «estudos de coortes» foram particularmente valo-rizados e desenvolvidos na primeira metade doséculo XX, enquadrando-se no dinamismo com queentão se procurava identificar as causas das doenças,de que os decisores necessitavam para as controlar.Os «estudos experimentais» são, entretanto, na reali-dade, estudos de coortes em que o investigador podemanipular a exposição, dos grupos em comparação,aos potenciais factores visados; mas a designação«de coortes» ficou, naturalmente, reservada aos estu-dos observacionais de seguimento, cujo delinea-mento segue a mesma lógica temporal do que acon-tece na realidade: primeiro ocorre a exposição,depois surgirá o seu efeito na saúde, pressupondo oacompanhamento dos grupos ao longo do tempo. Deentre os estudos de coortes prospectivos realizados,destacaram-se o estudo de seguimento de médicosingleses com diferentes hábitos tabágicos (em queforam destacados investigadores Richard Doll eBradford Hill), e o de Framingham (que continua),em residentes de meia idade e em que se estudamexposições a diversos factores, como a pressão arte-rial, os hábitos tabágicos e a colesterolémia. Tambémse efectuaram estudos de coortes retrospectivos,comprovando o interesse em cuidar adequadamentedos arquivos clínicos para posteriores investigações,uma delas a de Frost, que reconstituiu retrospectiva-mente o modo de disseminação da tuberculose nogrupo estudado. Os resultados dos estudos de coortesconquistavam facilmente a compreensão e a con-fiança da comunidade científica da época; mas sãodesadequados quando os efeitos procurados sãopouco frequentes ou o período de incubação longo; e,sobretudo, os prospectivos, quando tendem a exigiramostras grandes e uma organização complexa, sãocaros, a sua demora sobrepondo-se à do fenómenoem estudo; estas características tornam-no incapaz decorresponder ao ritmo com que os decisores necessi-tam de conhecimento, em Saúde Pública (Doll,2001a; Doll, 2001b; Gordis, 2004).Entretanto, intensificara-se o cenário de procuraincessante de causas das doenças nas populações,cuja identificação era necessária aos decisores. Osestudos de tipo «caso-controlo» foram «importa-dos» das ciências sociais nos anos 30 e começarampor ser essencialmente preparatórios dos de coortes,mas o seu modelo analítico já podia ser identificadono século XIX: Louis tinha-o usado para esclarecer apredisposição hereditária para a tuberculose. A sualógica contrária à sequência natural «exposição--resultado» manteve-o pouco popular e com acérri-mos opositores. Assim, a sua facilidade de execução

não compensava a desconfiança que alimentava, atépor causa da maior tendência para ocorrerem diver-sos tipos de enviezamentos, que afectavam os resul-tados — mas os decisores precisavam de segurançae rapidez. Atribui-se a Broders, em 1919, o pionei-rismo na adequada valorização deste tipo de estudona investigação etiológica; procurou identificar aassociação entre os hábitos tabágicos e carcinomaescamocelular do lábio, comparando doentes comnão doentes no que respeitava a exposição suspeita.Contudo, um dos maiores e mais determinantesimpulsos na credibilização deste método resultou danecessidade de aumentar a precisão estatística (e dediminuir correspondentemente a dimensão dasamostras e a duração do próprio estudo) na pesquisada associação entre os hábitos tabágicos e o cancrode pulmão (tanto a incidência, como a mortalidade).Entre os investigadores que se distinguiram nesteavanço, figura Richard Doll, que muito se haviaempenhado antes na mesma pesquisa etiológica,através de estudos de coortes. É de salientar a rele-vância que teve para a história e a definição daSaúde Pública o contexto extremamente adverso emque decorreram ambos os tipos de estudos, pois aevidência que se acumulava ia no sentido de quea indústria e o comércio de tabaco prosperavamvendendo um factor de doença, sofrimento e mortee aproveitando a dependência nicotínica das pes-soas; naturalmente que aquelas exploraram até àexaustão a má reputação do método de caso-con-trolo para denegrir os resultados dos estudos. Tam-bém esses progressos, tanto substantivos, comometodológicos, foram conseguidos contra outraadversidade, ainda hoje por resolver: a fragili-dade de um corpo teórico de fundo relativo à mul-ticausalidade e à multiexposição, necessário paracompreensão das doenças não transmissíveis, quesubstitua o modelo excessivamente simples dos«germens» (Beaglehole, Bonita e Kjellström,1993; European Programme for InterventionEpidemiology Training (EPIET), 2006; Wagstaff,2004; Paneth, Susser e Susser, 2002a) e b); Rego,2001; Wallace, 2008).Ainda uma situação mais recente, que contribuiupara o crédito do método de «caso-controlo» edemonstrou o seu interesse prático para o decisor emSaúde Pública: a epidemia de casos de malformaçõesem recém-nascidos, na Alemanha em 1959-1960.Veio a esclarecer-se que era devida à medicação degrávidas com talidomida, logo retirada do mercado.Adicionalmente, sendo esses casos relativamenteraros, o método ilustrou o seu interesse nesse con-texto particular, para identificar associações fora doalcance de estudos de coortes, sobretudo prospecti-vos. O «método de caso-controlo» é, hoje, o eleito

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para identificação rápida do componente causadorem surtos de doença, nomeadamente de toxi-infeccção alimentar, frequentes como se sabe. Maisainda que o «método de coortes», estimulou o desen-volvimento de novas técnicas de análise estatística(sobretudo a estratificada) e de conceitos indispensá-veis para o ajustamento dos resultados à interferênciadistorçora de variáveis periféricas à associaçãofocada em cada estudo: as variáveis de confundi-mento e as modificadoras do efeito, bem como orisco relativo e a «odds ratio» (conforme o método)ajustados para a interferência — parâmetros-síntesede Mantel e Haenszel (Beaglehole, Bonita eKjellström, 1993; Briz, 1983; Miettinen, 1974;Paneth, Susser e Susser, 2002b).Quanto aos «estudos experimentais», eles são afinalo paradigma da investigação que resultou do modelode conhecimento de Claude Bernard; são a «demons-tração» do relacionamento causal entre factor eefeito. Mas, na população ou em grandes grupos, são

muitas as razões que os tornam inexequíveis e, daíserem os estudos observacionais os mais frequentes,na procura de determinantes de saúde. Enquanto osensaios clínicos se foram tornando correntes, efazendo parte do processo de acreditação de medica-mentos e de outros procedimentos terapêuticos, osensaios populacionais em larga escala (em geral tes-tando meios de prevenção primária, como as vacinas)sempre foram raros: exigem amostras grandes e orga-nização complicada e dispendiosa; assim, procura-sepotenciar a qualidade da evidência observacionalrecorrendo a análises sofisticadas, cruzando e sinteti-zando resultados de estudos de diversas proveniên-cias e submetendo a evidência final a critérios decausalidade — o decisor centra-se nos determinantespara controlar a doença (seu efeito indesejável) enecessita de segurança para optar. De qualquermodo, é de mencionar o enorme e bem sucedido«ensaio de campo», realizado por Salk em meados doséculo XX, para comprovar a capacidade protectora

Figura 5Sir Richard Doll (1912-2005)

Fonte: Kurioso, 2009.

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da sua vacina contra a poliomielite (Beaglehole,Bonita e Kjellström, 1993).

Tendo-se avolumado muitas vivências e inovaçõesno campo metodológico, havia que sistematizar essapreciosa colecção e ajuizá-la em função dos respec-tivos resultados. MacMahon e Pugh, da Universidadede Harvard, tomaram essa iniciativa e publicaram oprimeiro tratado em 1970, intitulando-o Epidemiology.Principles and Methods (MacMahon e Pugh, 1970).Como seria de esperar, o enfoque era essencialmentemetodológico, mas o modo de ligação à SaúdePública ficou muito bem assegurado pelas abundan-tes e certeiras ilustrações a que recorreram. Namesma década, em que a Epidemiologia e a SaúdePública tinham entrado numa intensa sinergia, Gon-çalves Ferreira e Arnaldo Sampaio distinguiram-seem Portugal dando realidade a recursos promotoresde ambas as disciplinas, o primeiro, de natureza legale organizativa, o segundo impulsionando a aplicaçãodos anteriores ao controlo das doenças evitáveis e àmelhoria do nível de saúde da população (FranciscoAntónio Gonçalves Ferreira, 1995; Livro de Home-nagem ao Prof. Arnaldo Sampaio, 1980).Apesar de terem ficado de fora inúmeros exemplosinteressantes de sucesso da simbiose Epidemiologia/Saúde Pública, é inevitável referir um exemplo dograu máximo de sucesso no controlo de uma doença:a sua erradicação, graças ao facto de ela se ter tornado100% evitável. Esse exemplo é, lamentavelmente,único: a eliminação da varíola, cujo vírus selvagem sóexistirá agora arquivado em laboratórios seguros.Declarada extinta em 1980, foi o culminar de esforçospioneiros, como os de Jenner, Pasteur e Koch; mas aerradicação viabilizou-se porque o Homem era o únicohospedeiro, a vacina produzida tinha uma eficáciamuito elevada e houve uma invulgar concertaçãointernacional, com compromisso político, mobilizaçãode meios, formação de profissionais, uma estratégiaflexível e adaptável à especificidade de cada contextoe a discriminação positiva dos países mais pobres. Empano de fundo, dezenas de anos de trabalho árduo,com a investigação Epidemiológica a funcionar comoos olhos e a inteligência da Saúde Pública, edificandoa história natural da doença (nomeadamente com aidentificação do mecanismo e dos níveis de transmis-são) e executando avaliações intercalares do impactedas medidas de controlo. Os mais optimistas esperamtambém a erradicação da poliomielite e da tuber-culose, que se afigura bastante difícil (Beaglehole,Bonita e Kjellström, 1993; US Department of Healthand Human Services. CDC, 1999).Finalmente e para que a ideia de sucesso não fiquedemasiado associada às doenças transmissíveis, aEpidemiologia contribuiu decisivamente, por exem-

plo, para a identificação da causa do «bócioendémico»: a deficiência endémica de iodo, emregiões interiores de todo o mundo, aonde não che-gam alimentos de origem marinha; apesar de serconsiderada, com algum exagero, «a doença maisfácil de prevenir», pela simples adição de sal iodadoà dieta comum, resiste à erradicação por desconheci-mento das populações afectadas e por desatenção dosseus governos; é pena e é grave: muitos destes casosde hipotiroidismo por carência de iodo em criançasacompanham-se de cretinismo. Outro exemplo desucesso foi o contributo da Epidemiologia para odemorado e difícil esclarecimento da causa do surtode doença neurológica grave e desconhecida na baíade Minamata, no Japão; hoje um marco na «Epide-miologia Ambiental», o surto deveu-se afinal àingestão de peixe e mariscos contaminados por com-postos de mercúrio, libertados na água por umaindústria local; esse esclarecimento fundamentoumedidas eficazes de contenção da poluição e aindemnização das famílias afectadas, além de ter ori-ginado um movimento de atenção aos perigos devi-dos à poluição industrial da água (Beaglehole, Bonitae Kjellström, 1993; Japan. Government of Japan.Ministry of Environment, 2002a).

2. Naturezas, afinidades e interacções, hoje

Nesta sua terceira fase, depois de uma evoluçãobreve, mas intensa, das respectivas definições, podeconsiderar-se que tanto a Saúde Pública, como aEpidemiologia mantêm as suas finalidades de sem-pre, agora mais nítidas e assumidas: a primeira, visaproporcionar o melhor nível de saúde ao maiornúmero de pessoas, em contexto do melhor desempe-nho económico nas suas acções; para o conseguir,estuda a saúde e os fenómenos com ela relacionadose age e mobiliza os recursos da comunidade de formaintegrada, no sentido daquela finalidade. A Epide-miologia, entretanto, orientada sobretudo para a pro-dução e a gestão de conhecimento, esforça-se comoolhos, inteligência e linguagem da primeira, ao ladode outros contributos disciplinares igualmente muitorelevantes, como os da Sociologia, da Economia, daAdministração e do Direito. A Demografia e a Esta-tística são outras disciplinas importantes que se rela-cionam de modo instrumental com várias das anterio-res. Assim, a Epidemiologia estuda as manifestaçõesde doença e de saúde, bem como os seus determinan-tes, nas populações e em grupos, através do modocomo se distribuem nestes; mas actualmente, a suadefinição inclui também a aplicação do conheci-mento obtido, no controlo das doenças e na protec-ção e na promoção da saúde das populações. Este

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segundo componente viabiliza e condiciona a suarelação funcional com a Saúde Pública, nos dois sen-tidos, recebendo dela oportunidades de investigaçãoe desafios para mais ou melhor conhecimento(Beaglehole, Bonita e Kjellström, 1993; Brownson,1998; Kleinbaum, Kupper e Morgenstern, 1982;MacMahon e Pugh, 1970; Wallace, 2008).Algumas discrepâncias quanto à designação dos seusmétodos, bem como a contínua discussão quanto àsua verdadeira natureza e orientação futura, expri-mem a juventude da Epidemiologia enquanto disci-plina científica. Entretanto, a Saúde Pública esforça--se por manter a sua natureza integradora, à medidaque progressivamente outras disciplinas concorremmais para os seus objectivos. É bom que o faça, poisé desafiada por exposições das populações a factoresem grande escala (poluição do ar e da água, mudan-

ças climáticas e deslocação de vectores, desnutrição,disrupções sociais devidas a guerra ou a fenómenosnaturais, estilos de vida urbanos e peri-urbanos insa-lubres, iliteracia de saúde, pobreza) e pelo surgi-mento ou ampliação do volume de doenças que nãorespeitam fronteiras (infecção pelo VIH, gripe,excesso de peso, cancro, doenças cárdio e cerebro-vasculares, acidentes). De qualquer modo, a sua his-tória mostra que conhecer como uma doença se ori-gina permite controlá-la e, até, evitá-la, e que é muitogrande o número de problemas que, em sinergia, asduas disciplinas podem resolver.

Condicionante central à realização das missões deambas as disciplinas é o modo como se operaciona-liza em cada situação o conceito de «causa», cujasconsequências determinam realmente o sucesso dos

Fonte: a) Khattak, 2009 e b) Japan. Government of Japan, 2002b.

Figura 6a) Doença de Minamata — caso; b) topografia do surto

a) b)

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decisores, os ganhos de saúde das populações e aeconomia dos recursos. Hoje longe da teoriamiasmática, os critérios de causalidade evoluíramdesde a precoce clarividência de Hipócrates (nãoeram os deuses nem os espíritos que causavamdoença, antes a exposição a factores do meio, media-das pelos comportamentos); passaram pela biunivoci-dade dos postulados de Koch (não esqueçamos,enformados pelo desenvolvimento da microbiologia— uma causa, sua doença; uma doença, sua causa);passaram pela decisiva sistematização de critériospor Bradford Hill, ainda actual, um verdadeiro pontode ordem aos investigadores e aos estrategas (paraenfrentar a constatada não-biunivocidade entre cadavez mais factores e doenças — nem todos os infec-tados adoecem, o tabagismo explica vários efeitos, ocancro de pulmão e as doenças cardiovasculares têmambos diversos factores explicativos, alguns emcomum). Os critérios de causalidade encontram umnovo fôlego no conceito de «componente causal» deRothman (que esclarece como funcionam diferente-mente causas necessárias e causas suficientes, nascomplexas teias de causalidade e efeitos, actualmentereconhecidas); são desafiados hoje pela controversainfluência de Popper, que tem o potencial de aumen-tar a segurança das ilações causais através da lógicadedutiva, depois do enorme impulso trazido à inves-tigação epidemiológica pela Estatística, graças àlógica indutiva de Bacon (esta sustenta a inferênciaestatística e a evidência do grau de associação entrepotenciais factores e seus presumíveis efeitos, a partirde amostras da população, frequente condição deviabilidade dos estudos), indução que continua afacilitar abusivas conclusões de causalidade assentesem simples evidências de associação estatística. Sãoexemplos do nível de responsabilidade que uma deci-são de causalidade envolve em Saúde Pública: (1) aspesadas indemnizações às famílias atingidas pelosurto de Minamata, resultante da intoxicação pormercúrio, decididas em tribunal, resultantes dessadecisão; (2) a difusão de iniciativas legislativasvisando proteger a população da exposição às fibrasde amianto ou ao fumo do tabaco (esta, mais de 40anos após evidência suficiente de causalidade), (3) aretirada do mercado dos nebulizadores deisoprenalina, que estavam a originar um inesperadoaumento de letalidade nos asmáticos nos anos 50 e60, em vários países, e da talidomida, comprovada-mente causadora de malformações em fetos; (4) asexigências de compensação aos obesos, frequentado-res das cadeias de refeições rápidas, pela alegadafalta de informação sobre as consequências do tipode alimentação aí disponibilizada. Independente-mente de como são definidos, é reconhecido hoje queos determinantes da saúde se encontram ligados à

predisposição genética, ou provêm do ambientefísico ou social, e que a exposição aos ambientais émediada pelos comportamentos (Wagstaff, 2004;Buck, 1975; Japan. Ministry of Environment, 2002;Rothman e Greenland, 1998a; Wallace, 2008).

A utilidade da Epidemiologia em Saúde Pública temtantas expressões, que diversos autores têm sentidonecessidade de as sistematizar. Deve-se a Morris, em1955, um bem sucedido esforço, que desenvolveudepois em livro em 1975. As sete categorias quepropôs foram: (1) o «Estudo Histórico» (referia-se aoacompanhamento da evolução das doenças e dasexposições e à identificação de tendências tempo-rais), (2) a «Apreciação da Comunidade —Community Assessment» (incluía o «diagnóstico» dacomunidade no que respeita tanto a problemas desaúde, como a exposições a factores de risco), (3) a«Procura de Causas» (referia-se à investigação etio-lógica, uma aplicação muito divulgada e praticada),(4) o «Funcionamento dos Serviços de Saúde»(incluía a identificação das necessidades de serviços,a sua acessibilidade, o seu uso adequado), (5) as«Probabilidades Individuais» (respeitava a identifica-ção de riscos das pessoas em contexto ocupacionalou ambiental, em face de um contrato de seguro devida), (6) a «Identificação de Síndromes» (referia-seà construção da história natural das doenças, noaspecto do discernimento entre doenças com mani-festações semelhantes — como as diversas hepatitese as leucemias —, ou entre diferentes manifestaçõesda mesma doença — tuberculose —, ou ainda dife-rentes consequências da mesma exposição), e ainda(7) o «Preenchimento da Imagem Clínica» (respei-tante a desenvolvimentos que incluíam uma misturadaquilo que é hoje o foco da «Epidemiologia Clí-nica», como diferentes expressões da doença em fun-ção dos factores de risco) (Ebrahim, 2007; Morris,1975; Wallace, 2008).Embora representasse um grande avanço para aépoca, a classificação de Morris repartia artificial-mente algumas mesmas entidades por categoriasdiferentes (história natural da doença) e deixava defora outras, hoje umas ao cuidado da EpidemiologiaClínica, outras reconhecidas aplicações da Epidemio-logia em Administração de Saúde (garantia da efec-tividade e avaliação do efeito e do impacte de progra-mas de saúde). É actualmente aceite como umaorganização esclarecedora e abrangente dos usos daEpidemiologia a seguinte: (1) a identificação doestado e do potencial de saúde das populações (incluiestados, acontecimentos de saúde e de exposição esuas tendências, segundo várias dimensões como otempo e o espaço, e a vigilância em Saúde Pública);(2) a identificação de causas de doença; (3) o deli-

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neamento de perfis de história natural da doença e dasaúde (inclui o encadeamento de estados, de acordocom probabilidades condicionais); (4) aplicações emAdministração de Saúde, como a gestão de riscos, oestabelecimento de prioridades e a definição deobjectivos de intervenção, contributos para a investi-gação operacional e a garantia e a avaliação dos efei-tos e impactes dos programas. Estes usos da Epide-miologia, no seu conjunto, mobilizam as suas trêsáreas de actividade clássicas, visando a produção deconhecimento sobre as populações: a descrição defenómenos, a análise dos contrastes entre grupos(explicação das relações entre presumíveis factores eefeitos — por comparação) e a previsão de futurasocorrências de saúde, ou prospectiva (através demodelos, frequentemente estatísticos, que convertemtendências e explicações em cenários). O seu cami-nho estratégico em relação às doenças na populaçãoé, assim, uma sequência de descrever, explicar, pre-dizer e controlar fenómenos de saúde. E o conheci-mento da história natural da doença traduz-se emobjectivos coerentes de acção no quadro dos níveisclássicos de prevenção (Beaglehole, Bonita eKjellström, 1993; Friis e Sellers, 2004; Tourbe, 2009;US Department of Health and Human Services,1999; Kleinbaum, Kupper e Morgenstern, 1982).Em síntese, a Epidemiologia oferece à Saúde Públicaexplicações para os problemas de saúde — que per-mitem a esta saber sobre o quê agir —, cenários depossível evolução dos problemas — que permitemaos decisores optar em função de diferentes pressu-

postos, sobre como agir — e capacidade de juízosobre os resultados das acções empreendidas, a parda elevação do nível de consciência e de compreen-são, tanto dos profissionais, como da população,sobre o que se está a passar — transferência deconhecimento.

Um instantâneo actual da relação entre a Epidemio-logia e a Saúde Pública mostra arriscadas incursõesda primeira em profundidade, na procura de determi-nantes de saúde e das suas complexas interacções,usando modelos estatísticos (designadamente, osloglineares) e equipamentos de cálculo sofisticados,que deixam os investigadores em face de entidadesabstractas, longe dos dados originais e das popula-ções de onde provieram, como o que acontece com aetiologia multifactorial das doenças crónicas. E aomesmo tempo, mostra nova inteligibilidade sobreaspectos da saúde a mover o pensamento epidemio-lógico e as prioridades de acção. É exemplo o notá-vel contributo de Geoffrey Rose (1992) para que sedesloque o conceito de risco da pessoa para a popu-lação e reforce a convicção quanto ao papel dos fac-tores económicos e sociais na saúde; a sua ideia foique os factores e os fenómenos de saúde são quan-titativos e, quando assim mensuráveis, resultamganhos para a população se toda a sua distribuiçãoem relação aos factores for deslocada favoravel-mente, como ilustrou com o gráfico seguinte, relati-vamente à pressão arterial sistólica (Figura 7). Tam-bém merece destaque o exemplo de Michael Marmot

Figura 7Distribuição da pressão arterial sistólica em homens de meia idade, em duas populações

Fonte : Rose, 1985.

Systolic B. P. (mmHg)60 80 100 120 140 160 180 200

Kenyan nomadsLondon civil servants

30%

20%

10%

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Epidemiologia

(2001), desvendando científica e militantemente oquanto a saúde de cada pessoa, e da população, éfunção do seu contexto social e económico. Entre-tanto, decorre a abertura da Epidemiologia, umadisciplina tradicionalmente quantitativa, a métodosqualitativos de investigação, pela mão da «Epidemio-logia Social» e da «Epidemiologia Comportamen-tal», quando as entidades em estudo ainda nãopodem ser traduzidas em variáveis, ou quando aindanão têm um corpo teórico de fundo que permita o usode métodos quantitativos (Berkman e Kawachi,2000; Friis e Sellers, 2004; Gordis, 2004; Kleinbaum,Kupper e Morgenstern, 1982).Para lá do conhecimento de exposições e de fenóme-nos de saúde com expressão e interesse universal, rea-liza-se ainda um grande esforço para tornar visíveis asexpressões regionais e locais dos mesmos fenómenose as características dos fenómenos apenas locais, portodo o mundo, que são de facto as relevantes para osrespectivos programas de Saúde Pública. A este res-peito, no contexto português, muitos centros de inves-tigação têm uma actividade importante, como o AltoComissariado da Saúde, o Instituto de Higiene e Medi-cina Tropical, o Instituto de Medicina Preventiva daFaculdade de Medicina de Lisboa, o Instituto Nacionalde Saúde, o Serviço de Higiene e Epidemiologia daFaculdade de Medicina do Porto, a Escola Nacional deSaúde Pública e inúmeros núcleos de investigação emtodo o País (Portugal. Ministério da Saúde. AltoComissariado da Saúde, 2009; Beaglehole, Bonita eKjellström, 1993; Friis e Sellers, 2004; Portugal. Uni-versidade Nova de Lisboa. ENSP, 2009; Portugal.Universidade Nova de Lisboa. IHMT, 2009; Portugal.Universidade de Lisboa. Faculdade de Medicina deLisboa. Instituto de Medicina Preventiva, 2009; Portu-gal. Ministério da Saúde. INSA, 2009; Portugal. Uni-versidade do Porto. Faculdade de Medicina. Serviçode Higiene e Epidemiologia, 2009).O referido instantâneo também inclui o esforço parautilizar medidas positivas da saúde, como as que sereferem à autonomia das pessoas e à sua qualidade devida, e das exposições (comportamentos salutares,ingestão equilibrada de nutrientes, qualidade do ar eda água), bem como o investimento em formação eminúmeros centros em todo o mundo (ASPHER, 2009;Berkman e Kawachi, 2000; Friis e Sellers, 2004).

3. Epidemiologia e Saúde Pública no futuro:3. mais, melhor e mais rápido conhecimento3. para os decisores? E melhores decisões?

Dos factos e tendências focados nos títulos anterio-res, facilmente se antecipa que a relação entre as duasdisciplinas irá evoluir para maior complexidade e

maior solicitação e exigência da Saúde Pública sobrea Epidemiologia, que terá que corresponder em utili-dade para a primeira.A Epidemiologia, continuando a subespecializar-seem função tanto dos métodos que usa e dos instru-mentos estatísticos com que analisa os dados e fazprojecções, como dos enfoques sobre categoriasespecíficas de factores (Epidemiologias Ambiental,Ocupacional, Molecular, Genética, Sócio-comporta-mental), precisará de progredir na gestão da sua con-sistência como corpo de conhecimento científicointegrado e com peculiaridades metodológicas, àsemelhança da Saúde Pública. Deverá conseguirmaior utilidade, através da resposta aos desafios parao seu aperfeiçoamento: (1) em métodos de investiga-ção rápidos, sobretudo em surtos de doença e naidentificação de necessidades de saúde (incluindoestudos caso-controlo e métodos expeditos de amos-tragem) e em métodos para o balanço entre as van-tagens e inconvenientes dos rastreios; (2) em simula-ções e construção de cenários; (3) em análisesistemática da literatura e em apreciação epidemioló-gica critica (como bem merece o contributo deLangmuir, no séc. passado, e na continuação davaliosa actividade da «The Cochrane Collaboration»);(4) na medição e comunicação de associações fracas;(5) na medição de resultados de saúde e da qualidadedos cuidados; (6) na transferência atempada deconhecimento à medida do decisor estratégico, dosprofissionais de saúde e da população; (7) no uso daEstatística e dos meios informáticos para o estudo deassociações complexas, diminuindo as consequênciasda situação de tipo «caixa negra»; (8) na aplicaçãocorrente do conceito epidemiológico de «risco atri-buível na população» à selecção criteriosa de priori-dades de intervenção — talvez o Graal da Epidemio-logia; (9) na solução dos desafios éticos que se lhecolocam, nomeadamente na realização de ensaiosclínicos e comunitários (Armenian e Shapiro, 1998;Berkman e Kawachi, 2000; Briz e Aguiar, 1990;Brownson, 1998; Cochrane Collaboration, 2009; Friise Sellers, 2004; US Department of Health andHuman Services, 1999; Wallace, 2008).O modo como evoluirá a relação entre a Epidemio-logia e a Saúde Pública dependerá ainda da evoluçãodos próprios problemas, conceitos e soluções relacio-nados com a saúde das populações, e do desenvolvi-mento das demais disciplinas chamadas à integraçãopela segunda, para enfrentar esses problemas.Na linha do pensamento de Saracci (2001), quanto àstrês etapas que propõe para interpretar o desenvolvi-mento da Epidemiologia até hoje, quem sabe se nãose seguirá em breve uma quarta etapa: a de umaDisciplina assumindo mais o conhecimento anteci-pando sobre o futuro, a «prospectiva», e, por isso,

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Epidemiologia

mais sintónica com as necessidades dos decisores.Esta evolução significa que a Epidemiologia se capa-cita melhor na elaboração atempada de projecções detendências e de simulações, construindo cenários cre-díveis e úteis. Tais cenários referem-se, nomeada-mente: aos resultados previsíveis em intervençõespopulacionais alternativas, à selecção de prioridadesde acção e à definição de objectivos relativos aganhos de saúde, realmente avaliáveis — sem pre-juízo do valioso potencial já realizado (Gordis, 2004;Wallace, 2008).

Agradecimentos

Agradeço ao colega Prof. Doutor Paulo Ferrinho oimportante contributo que deu para a organizaçãoinicial do presente artigo.

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Abstract

EPIDEMIOLOGY AND PUBLIC HEALTH

The aim of the author is to explicit the origin, the rationale, thenature and the prospects of the relationship betweenEpidemiology and Public health, through an historic approach.The two entities have been defining and making sense together,by achieving successes, but also with much controversy, sincemillennia ago, until mid XIX century. A combination ofcircumstances provided them the opportunity for an explosion ofgrowth and definition, then, alongside several other disciplines.From the ancient biblical report on how good food explainsgood health, up to the scientific appreciation of both social andeconomical constraints to health by Marmot and Rose, passingthrough «miasma» causing disease and through displacingfrom individual health risk to population risk — with theinherent implications of that important innovation —, thisroute allows the identification of the foundations of suchremarkable symbiosis, the explanation of current status, to seeits evolution and find in it the meaning of today’s heritage andwhat it promises.Some discrepancies on the name of its methods, as well as thecontinuing discussion about its true nature and futureorientation, attest Epidemiology’s youth as a scientific discipli-ne. Meanwhile, Public Health strives to keep its integratingessence, while other disciplines increasingly contribute so thatit achieves its objectives; it is challenged by large scalepopulation exposure to disease factors, sometimes with aminimum intensity, and by new diseases emerging in the

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Epidemiologia

population or by old ones getting amplified, often notrespecting regions boundaries. The history of such a symbiosisshows that knowing the way a disease is generated allows tocontrol it in the population, or even to avoid it, and that thenumber of problems that the two disciplines are able to clarifyand solve together in synergy is considerable.Therefore, Epidemiology offers Public Health explanations(eyes, intelligence and language) for populations’s healthproblems — allowing that the latter knows on what to act —,scenarios on how problems may tend to evolve — allowingdecision-makers to make their choices as a function of different assumptions, on how to act — and judgementcapabilities on the results of already undertaken actions,accompanied by the raising of conscience level, understandingand intervention of what is going on by both professionals andthe population – knowledge transfer.It is easy to anticipate that the relationship between both dis-ciplines will develop towards increasing complexity anddemand from Public Health to Epidemiology, and that this onewill have to correspond in usefulness. And the latter, whilecontinuing its subspecialisation and sophistication either in itsmethods, or in its approaches to specific factor categories, willneed to progress in managing its consistency as an integrated

body of knowledge having methodological peculiarities,similarly to Public Health.Further, the way the relationship between both will evolvedepends on the evolution of the problems themselves, of theconcepts, theories and solutions related to the health ofpopulations, and on the development of remaining disciplinescalled to integration by both, in other to face those problems.Namely, Epidemiology will have to manage with expertisesome already known difficulties, as: the inclusion of qualitativeresearch methods in its very strong quantitative tradition andculture; to grant satisfactory operation to the «populationattributable risk» concept, in support to the definition of actionpriorities envisaging health needs; to improve causalinterpretation models that comply with multicausality; to takeadvantage of multivariate statistical techniques, without gettinglost in models’ abstraction; to develop research on the positivedimensions of health, beyond disease, in order to improve itscontribution to Public Health’s fulfilment, as this is its mainclient and opportunities provider.

Keywords: Epidemiology; Public Health; scientific knowledge;risk management and communication; administration in PublicHealth.