entrivista com josé carlos reis

5
E'%(e1i$%a Pro2) 5r) .os Carlos 9'IS ?UF3G@  por Cristiano 0len1ar 0990IS ?UFG$C0C@ > pro2essor .os Carlos 9eis um dos historiadores mais 1onhe1idos no Brasil) 0utor de al/umas das melhores o(ras de teoria e historio/ra2ia ?  5ist6ria : Teoria* A Escola dos Annales; a ino*ação em 5ist6ria* Identidades do !rasil I e II * Tempo< hist6ria e e*asão entre outros@) esta entrevista* este historiador 1om vo1a:ão 2ilosó2i1aM analisa al/umas das prin1ipais questes rela1ionadas J teoria da história no mundo 1ontemporNneo 1omo a no:ão de 1rise de paradi/masM* hermen6uti1a e narrativa dentro da história) A (ela!"# e'%(e 2i$%0(ia e 3il#$#3ia pa(e.e a.#+pa'2a( %#da $ua .a((ei(a, C#+# 3#i e$$e e'.#'%(#4 'u sempre tive uma vo1a:ão 2ilosó2i1aM) > que issoO ão sa(eria dier 1om 1ertea* mas talve uma insatis2a:ão 1om os 2atos apenas vistos e des1ritos) 0 re2le;ãoM* o de(ateM* a 1onsidera:ão das várias interpreta:es so(re o que 2oi visto e des1rito era tão ou mais importante do que os próprios 2atos) Para mim* aprender 1om a e;peri6n1ia não apenas relatá$la* mas reviv6$ laM* reinterpretá$la* ?re@dis1uti$la e v6$la de 2orma polidri1a) >s 2atos podem sus1itar re2le;es 1apaes de o2ere1er in2orma:es mais importantes do que o mero relato da sua o1orr6n1ia* por mais empri1o que sea este relato) 'n2im* para mim* o 2ato não su2i1iente) > 1onhe1imento dele se realia nas interpreta:es que provo1a e só assim ele se torna re2er6n1ia e passa a reper1utir so(re a e;peri6n1ia presente) 5urante o meu 1urso de história na Fa2i1hUF3G ?!A#&&!@ as dis1iplinas teóri1o$metodoló/i1as e historio/rá2i1as 2oram as que mais me entusiasmaram) ' sempre que lia te;tos propriamente históri1os me 1olo1ava questes teóri1o$metodoló/i1as so(re eles) 7alve eu  possa me de2inir 1omo um 2ilóso2o que tem 1omo tema a históriaM) 7odo 2ilóso2o es1olhe uma área de estudos4 polti1a* estti1a* ti1a* lin/ua/em* ló/i1a et1) 'u sele1ionei a história e a historio/ra2ia) 7oda a minha pós$/radua:ão 2oi em departamentos de 2iloso2ia4 o mestrado na UF3G* so( a orienta:ão de Ivan 5omin/ues* 1om a disserta:ão 3ar; e a HistóriaM e o doutorado no Instituto Superior de Filoso2ia* da Universidade Católi1a de Louvain ?Bl/i1a@* so( a orienta:ão de 0ndr Berten* 1om a tese > tempo históri1o e o lu/ar epistemoló/i1o dos 0nnalesM) 'sta tese tornou$se quatro livros de relativo su1esso no Brasil) >s historiadores não /ostam muito da 1ompanhia da 2iloso2ia* mas não me importo) Fa:o 2iloso2ia da história assim mesmo e sem me preo1upar em 2aer  proselitismo) 0 2iloso2ia da história não * para mim* uma 1ausa do tipo4 ou a 2aemos todos ou a historio/ra2ia estará perdidaM 'u a 2a:o porque /osto de 2a6$la e re1omendo aos meus alunos que es1olham a área da história que terão praer em pesquisar) Cada um o2ere1e J sua 1omunidade 1ient2i1a a 1ontri(ui:ão para a qual tem a vo1a:ão e somente nesta medida que poderá o2ere1er al/o que desperte o interesse da 1omunidade) 0 minha vo1a:ão esta4 a 2iloso2ia da história* a história da história* a historio/ra2ia* a teoria$metodolo/ia e ima/ino estar 1ontri(uindo de al/uma 2orma 1om os 1ole/as menos resistentes e 1om os alunos pró;imos e distantes) Para mim* toda o(ra históri1a 2ilosó2i1a4 um olhar so(re o passado) > historiador olha o passado sem per1e(er que tem um olhar) > 2ilóso2o da história o o2talmolo/ista do historiadorM4 olha para o seu olhar* mede os /raus das lentes* os desvios* a quantidade de lu e som(ra que suportou e pre1isou para ver o que relata)

Upload: daniel-barbo

Post on 05-Oct-2015

216 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Entrivista Com José Carlos Reis

TRANSCRIPT

  • EntrevistaProf. Dr. Jos Carlos REIS (UFMG)por Cristiano Alencar ARRAIS (UFG-CAC)

    O professor Jos Carlos Reis um dos historiadores mais conhecidos no Brasil. Autor de algumas das melhores obras de teoria e historiografia (Histria & Teoria, A Escola dos Annales: a inovao em Histria, Identidades do Brasil I e II, Tempo, histria e evaso entre outros). Nesta entrevista, este historiador com vocao filosfica analisa algumas das principais questes relacionadas teoria da histria no mundo contemporneo como a noo de crise de paradigmas, hermenutica e narrativa dentro da histria.

    A relao entre histria e filosofia parece acompanhar toda sua carreira. Como foi esse encontro?

    Eu sempre tive uma vocao filosfica. O que isso? No saberia dizer com certeza, mas talvez uma insatisfao com os fatos apenas vistos e descritos. A reflexo, o debate, a considerao das vrias interpretaes sobre o que foi visto e descrito era to ou mais importante do que os prprios fatos. Para mim, aprender com a experincia no apenas relat-la, mas reviv-la, reinterpret-la, (re)discuti-la e v-la de forma polidrica. Os fatos podem suscitar reflexes capazes de oferecer informaes mais importantes do que o mero relato da sua ocorrncia, por mais emprico que seja este relato. Enfim, para mim, o fato no suficiente. O conhecimento dele se realiza nas interpretaes que provoca e s assim ele se torna referncia e passa a repercutir sobre a experincia presente. Durante o meu curso de histria na Fafich/UFMG (1978/81) as disciplinas terico-metodolgicas e historiogrficas foram as que mais me entusiasmaram. E sempre que lia textos propriamente histricos me colocava questes terico-metodolgicas sobre eles. Talvez eu possa me definir como um filsofo que tem como tema a histria. Todo filsofo escolhe uma rea de estudos: poltica, esttica, tica, linguagem, lgica etc. Eu selecionei a histria e a historiografia. Toda a minha ps-graduao foi em departamentos de filosofia: o mestrado na UFMG, sob a orientao de Ivan Domingues, com a dissertao Marx e a Histria e o doutorado no Instituto Superior de Filosofia, da Universidade Catlica de Louvain (Blgica), sob a orientao de Andr Berten, com a tese O tempo histrico e o lugar epistemolgico dos Annales. Esta tese tornou-se quatro livros de relativo sucesso no Brasil. Os historiadores no gostam muito da companhia da filosofia, mas no me importo. Fao filosofia da histria assim mesmo e sem me preocupar em fazer proselitismo. A filosofia da histria no , para mim, uma causa do tipo: ou a fazemos todos ou a historiografia estar perdida! Eu a fao porque gosto de faz-la e recomendo aos meus alunos que escolham a rea da histria que tero prazer em pesquisar. Cada um oferece sua comunidade cientfica a contribuio para a qual tem a vocao e somente nesta medida que poder oferecer algo que desperte o interesse da comunidade. A minha vocao esta: a filosofia da histria, a histria da histria, a historiografia, a teoria-metodologia e imagino estar contribuindo de alguma forma com os colegas menos resistentes e com os alunos prximos e distantes. Para mim, toda obra histrica filosfica: um olhar sobre o passado. O historiador olha o passado sem perceber que tem um olhar. O filsofo da histria o oftalmologista do historiador: olha para o seu olhar, mede os graus das lentes, os desvios, a quantidade de luz e sombra que suportou e precisou para ver o que relata.

  • comum a utilizao do termo crise de paradigmas para descrever ahistoriografia contempornea das ltimas dcadas. Alguns autores tentamprocurar suas razes dentro do campo social, ou ento nas transformaesocorridas no interior da prpria disciplina histria. Qual seuposicionamento frente a tal questo?

    Penso que se pode falar, sim, de uma histria interna a todo campo de saber e que pode ser bem feita, se o historiador decidir trat-la dessa forma, isto , com um mnimo de contexto. Eu mesmo tendo a oferecer cursos de teoria da histria dessa forma: Weber, Nietzsche, Hegel, Foucault, sem contextos. Compreender o texto em si muito importante e um excesso de contexto pode atrapalhar. Contudo, esta histria interna de uma disciplina tem apenas uma autonomia relativa. A histria da histria se articula histria vivida. Desde 1989, a histria mundial mudou a sua direo. Antes havia um impasse e o mundo estava dividido entre dois projetos de sociedade, entre dois programas de ao com os seus respectivos valores, meios e fins. Em 1989, conheceu-se o vencedor do combate entre o oeste e o leste, que comeara com a Revoluo Russa. O Ocidente venceu o projeto comunista oriental. O capitalismo e a democracia liberal ocidentais passaram a dominar de tal forma que a impresso que se tem mesmo a de fim da histria. Por enquanto, pelo menos, no h caminho alternativo a seguir, no h a possibilidade de um programa de esquerda. A viso neoliberal da histria e da sociedade venceu e s h uma nica e vlida interpretao do passado, do presente e do futuro. Vocs queriam que a historiografia no repercutisse essa mudana histrica? Os paradigmas dos Annales e marxista foram hegemnicos antes de 1989 por causa daquele impasse na histria vivida. Agora, a vitria ocidental suprimiu o marxismo e transformou profundamente o paradigma dos Annales. Este foi vitorioso, no foi suprimido, mas reformulado para adaptar-se s novas condies da vitria ocidental. Hoje, predomina a chamada histria cultural e as abordagens micro do social, que defendem teses assim: o sistema no existe, no h confrontos estruturais, o que os homens so tal como se representam, o que o mundo social depende das representaes que os indivduos e grupos fazem dele, os indivduos se apropriam de linguagens dominantes para se integrarem ordem etc. Vivemos um momento ultraconservador da historiografia. A direo : que cada um se adapte, que cada um se integre, que cada um negocie e crie estratgias para vencer, que crie novas identidades, que, se vencedoras, iro revigorar a ordem. Viva o presente e lute para fortalecer-se nele. Os historiadores retornam ao passado para mostrar que alguns indivduos conseguiram superar a posio adversa em que estavam: negros forros, negras minas sedutoras, mestios empreendedores etc. Aps 1989, os Annales venceram e foram readaptados vitria neoliberal. O marxismo perdeu e foi suprimido, felizmente, alis, porque aqueles marxismos j no explicavam mais a realidade neocapitalista. Para mim, agora, para o historiador que ainda quer a mudana e ainda deseja viver em uma sociedade justa, moral e livre, a grande e difcil tarefa reconstruir o neosocialismo. Teremos em breve um novo paradigma histrico ligado s foras da mudana ou a mudana no existir nunca mais e estamos realmente condenados a este triste fim neoliberal da histria?

    Como a Hermenutica pode contribuir para esse momento? Dilthey parece ser uma referncia importante?

    O problema que a hermenutica discute o problema do sentido e o da possibilidade de sua compreenso. Vivemos um momento ao mesmo tempo muito rico e dramtico do ponto de vista hermenutico: rico, porque o sentido se multiplicou e se pluralizou; dramtico, porque a compreenso e a comunicao se restringiram. Os recursos tecnolgicos postos disposio para a comunicao interpessoal e internacional so revolucionrios! Hoje, o oxmoro presena virtual o que regula as relaes humanas e sociais, gerando a fragmentao do sentido, por um lado, e uma

  • experincia virtual (outro oxmoro) intensa das alteridades. H uma intensificao dos relacionamentos virtuais (outro) e uma perda do sentido profundo e comum. Penso que a hermenutica pode contribuir para a restaurao da compreenso e da comunicao se conseguir formular com mais preciso e densidade o problema da fragmentao do sentido. Na reconstruo do neosocialismo, a restaurao da intersubjetividade comunicativa essencial. A hermenutica pode contribuir para a integrao do sentido estilhaado, para a reconciliao entre tempo, histria e narrativa. Penso que a hermenutica diltheyana e ricoeuriana podero contribuir muito para a restaurao da comunicabilidade entre sociedades diferentes que compartilham um planeta cada vez menor. Seno teremos de migrar de planeta e sero somente alguns homens que talvez podero faz-lo... Os pensamentos humanistas foram derrotados e o darvinismo social vigente aponta para uma 3 Guerra realmente mundial, intercontinental, cujos resultados podem ser ainda mais dramticos. (Marx era realmente humanista? Ele dedicou O Capital a Darwin!).

    O tema da narrativa dentro da explicao histrica tornou-se um ponto de convergncia dentro da teoria da histria, principalmente em funo das obras de P. Ricoeur e da filosofia analtica da histria, no?

    A questo : de qual narrativa se fala? A narrativa retornou com a crise daqueles paradigmas acima, que buscavam uma verdade cientfica, isto , enunciados realistas, estveis e compartilhveis. Esta situao de pluralizao do sentido e de apropriaes e ressignificaes do passado pelo presente levou ao nominalismo narrativista. A pretenso de verdade dos paradigmas cientficos anteriores a 1989 ruiu face possibilidade dos autores clssicos e do prprio passado poderem ser apropriados e reinterpretados de forma diferenciada. Hayden White exps com clareza a tese de que o conhecimento histrico no uma reproduo do passado, mas um artefato verbal, mais prximo da literatura do que da cincia. Cada evento passado pode ter descries trgicas, cmicas ou romnticas, dependendo do estilo de quem o narra. O sentido dos fatos no est neles mesmos, mas na construo que feita deles pela linguagem. Acho a argumentao de White excelente, sedutora. No precisamos concordar com ele, mas temos de lev-lo em considerao. A narrativa em Ricoeur tem um outro sentido. Ele trata a narrativa como hermeneuta, procurando restaurar um sentido essencial perdido. Ricoeur tem uma perspectiva filosfico-religiosa-literrio-cientfica da histria e ainda busca a verdade em meio ao cipoal de narrativas. Ele tenta amarrar os cips-narraes em torno de um cip-verdade essencial. Em Ricoeur, a narrativa histrica uma configurao complexa de uma experincia vivida complexa. Penso que Ricoeur aponta para o caminho da superao da crise epistemolgica e poltica de hoje. s vezes, ele me parece ingnuo, romntico, vulnervel: uma freira entre devassos! Vou l-lo mais em meu ps-doutorado, em 2007, para ver at que ponto podemos seguir em sua companhia. Quanto filosofia analtica, conheo-a menos. Parece-me que neopositivista e est apenas preocupada em restaurar a estrutura lgica das narrativas histrias. Ela ainda luta por uma cincia da histria em moldes naturalistas. Preciso conhecer melhor Danto, Dray e os outros. Mas, o problema da narrativa em histria no s epistemolgico. Por que a narrativa foi to duramente recusada na primeira metade do sculo XX e voltou to cortejada no final do mesmo sculo? Quais seriam as razes histricas disso?

    Outra questo importante diz respeito ao tempo histrico, principalmente num momento em que tantos eventos passados so motivo de reinterpretao, no?

    Penso que a temporalidade histrica o tema central do historiador. Contudo, o historiador raramente se ocupa deste tema teoricamente, deixando-o a filsofos, socilogos e antroplogos. a mudana do tempo histrico que explica as guinadas na historiografia. O

  • historiador tem uma sensibilidade especial para a mudana histrica. Ele a fotografa, descreve, desenha, mapeia, mas raramente a teoriza. Acho que so poucos os historiadores que tm a vocao para a teoria. Por isso, a interdisciplinaridade com a filosofia e as cincias sociais importante para eles. Filsofos e socilogos como Hegel, Nietzsche, Foucault, Bourdieu, Elias, Weber, Ricoeur so extremamente importantes para a historiografia. Eu gostaria de lembrar um belo texto de Febvre: Carta contra o esprito de especializao, que est no Combates pela Histria. Os historiadores no podem se fechar em seus departamentos, que geralmente esto inseridos em institutos ou faculdades de filosofia e cincias humanas e sociais. Ora, dem uma volta pelos corredores da faculdade e conversem com uns e com outros. A histria sem se perder s ter a ganhar.

    Num livro amplamente divulgado, P. Burke chama Annales de uma revoluo na historiografia. Em Histria & Teoria, o senhor aponta para uma ntida diferena entre a primeira gerao e as seguintes. Como isso ocorreu?

    Em um livro no to amplamente divulgado como o de Burke, chamei a histria dos Annales de inovao em histria. Depois de 1945, com a Europa derrotada, com os dois novos vitoriosos a leste e oeste, que eram inimigos em uma quentssima Guerra Fria, a historiografia europia tinha de se reconstruir para apoiar a Europa em sua reconstruo. A Escola dos Annales era a historiografia adequada reconstruo da Europa. A linguagem da longa durao quis costurar o grande rasgo que foi a derrota da 2 Guerra, articulando e integrando este evento em uma narrativa reconhecvel e aceitvel. Ela foi fundamental para o Ocidente. Alguns insinuam que a Escola dos Annales foi at financiada por fundaes americanas, como a Fundao Rockfeller, e que fez parte do Plano Marshall de reconstruo da Europa (risos). possvel. Nesta reconstruo da Europa, sob os signos do evento-estruturado e da interdiciplinaridade, a Escola dos Annales teve de inovar sempre e no teria contribudo se tivesse se mantido inalterada. As 2 e 3 geraes dos Annales se adaptaram ao mundo dos anos 50/60 e, depois, ao mundo dos anos 60/70. No se pode exigir fidelidade estrita delas aos fundadores e nem falar em traio, como fez Dosse. O mundo muda, dizia Febvre, a histria deve mudar tambm. Por outro lado, as geraes seguintes foram fiis aos fundadores: deram continuidade interdisciplinaridade, com novas alianas, e mantiveram a perspectiva do evento-longa durao. A Escola dos Annales foi to revolucionria quanto a burguesia depois da Revoluo Francesa: inovava para se antecipar mudana, mudava para permanecer.

    E a historiografia brasileira ps-gerao de 1930, como se comportou frente influncia da Histria Nova?

    A historiografia brasileira acadmica um assunto muito complexo. um tema que merece um tratamento interpretativo e no apenas um mero quem quem ou um insuficiente registro das produes. Parece-me grave o mimetismo, a submisso acrtica aos paradigmas europeus. A historiografia brasileira fala realmente do mundo brasileiro? E por que, ento, ela no repercute sobre a sociedade brasileira? Ou h uma grande repercusso e sou eu que no estou informado? Sei que h um dilvio editorial. Mas, esta grande quantidade de gua escorre para onde? H produo competente, mas os grandes clssicos sobre o Brasil ainda so os no acadmicos. Eu reli e comentei vrios deles, com enorme prazer, em meus Identidades do Brasil 1 e 2. A historiografia brasileira acadmica serve a quem, para qu, vem de e vai para onde... eis a uma grande questo interpretativa.

  • Finley certa vez escreveu que preciso mudar o mundo, no o passado. Isso nos remete ao problema do engajamento do historiador no presente. Principalmente para ns, brasileiros, em virtude do momento poltico pelo qual passamos. Como o senhor concebe essa questo?

    Para mim, no se muda o mundo sem mudar o passado. preciso mudar a representao do passado para ser capaz de mudar o mundo. O passado no est l e o mundo social aqui, separados. A compreenso do presente exige, para se posicionar em relao mudana ou continuidade, uma reconstruo e uma avaliao da sua trajetria. O passado faz parte do mundo social. No se faz mudana no presente sem um (re)discurso sobre o passado. Este o sentido da prtica historiogrfica: construir uma linguagem sobre o mundo passado-presente (espao-da-experincia) que encoraje e legitime a ao no presente-futuro (horizonte-de-espera). Enfim, no possvel agir no presente sem uma linguagem sobre o que foi e o que deveria ser. Discordo de Finley, neste aspecto. Ser que foi isso mesmo que ele quis dizer?