entrevista rs_ chico buarque - rolling stone brasil

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    assim como a criana se concentra num brinquedo, tem dias em que preciso me concentrar notrabalho, nem que seja compor um palndromo ou inventar times de futebol.

    Quando se prope a fazer um disco, o processo de compor s comea quando vocdetermina?No nem um pouco regrado. O que acontece que, hoje, compor se tornou um ato to rarefeitoque a cada vez que fao uma msica me lembro exatamente eu sei a histria de cada composio,porque um momento especial. normal para qualquer compositor, qualquer criador, perderaquele entusiasmo juvenil com o [passar do] tempo, aquela exuberncia criadora toda. Vai setornando um criador mais seletivo.

    A imagem romntica do artista tem mais a ver com inspirao: voc est napadaria, baixa a inspirao e escreve a letra. As pessoas no pensam que fazer

    msica um esforo consciente. e no . Tem algo de mgico, algo que corresponde a essa ideia romntica. Porque voc no faz amsica quando quer, voc no escreve e tem uma boa ideia quando quer. Agora, voc tem queestar disponvel para as ideias surgirem. A centelha que desencadeia a msica continua tendo umcerto mistrio. A partir da, o trabalho trabalho. Voc tem uma tcnica, tem uma experincia.Dificilmente voc vai escrever na padaria, mas pode, por exemplo, fazer isso caminhando. Muitasdas minhas caminhadas so de trabalho. Vou c aminhando e pensando em como desenvolvermelhor uma msica. Mas criar... eu preciso de um instrumento para criar, eu preciso do violo.

    Agora, a letra: posso andar com uma maquininha dessas, um fone de ouvido, ouv indo aquelamsica e desenvolv endo numa caminhada ou at mesmo na padaria. Estou o tempo todo a serviodessa msica. Se estiver num restaurante conversando, posso ter uma ideia que vai me tirardaquela conv ersa e me levar de v olta para a minha msica. um pouco as duas co isas.

    Em seu perodo de dedicao literatura, a msica no como ofcio continuapresente? Por exemplo, ouvindo msica dos outros?No, no. Eu no ouo msica. Na verdade, ouo pouca msica. Escrevendo ou no escrevendo,

    ouo pouca msica. Recebo um disco de um autor ou de uma cantora que me interessam, coisasque me recomendam. E assim: ponho o CD no carro , que o lugar onde mais ouo, e escutoaquilo. Quando voc est escrevendo, criando, parece que um choque! As coisas que entram,

    batem e saem. Quando estou escrev endo um livro, no tenho o menor interesse por msica, ficointeiramente fora. Perodos como este agora: a, sim, estou aberto a tudo e ouo coisas queaparecem.

    A partir dos anos 00, sempre que vai explicar um novo disco, voc diz: Eu andavameio parado com a msica. Voc j se considerou inseguro em relao a isso?

    Parece que existe um esforo consciente seu.Sim, porque sair da inrcia complicado, tanto para a msica quanto para a literatura. Quando eume disponho a entrar na fase musical, requer um esforo . No do nada que aparece, no assim.Tem que buscar. Minha primeira sensao, quando pego o violo depois de um longo tempo, a deque no sei mais como se faz uma msica. Eu no tenho ideia de como se compe. como se fosseum instrumento alheio, como se no me dissesse respeito. um momento de quase flerte co m amsica, de procurar me reaproximar. Ento pego o violo e comeo a tocar: Que diabo isso? Praonde vou? Ou ento os acordes j vm na sequncia que vinham antes, comeam a se repetir etocar quase que mecanicamente. At voltar a dominar aquilo leva um bom tempo. Quando vouescrever um livro, a mesma coisa. um exerccio, que se tem que fazer at se sentir dentro dacoisa.

    A expectativa a respeito de suas msicas sem pre alta. Essa presso chega atvoc?Eu no posso me deixar levar por isso. E no adianta voc querer matar um leo por dia, porque aspessoas sempre vo dizer que o leo antigo era melhor e mais forte do que o de hoje [risos]. Masno isso que vai me estimular. Existe uma presso interna, sim, uma necessidade e um prazergrande em fazer uma msica. Essa possibilidade de alternncia saudvel, porque ningum estesperando um disco novo meu daqui a um ano: nem eu, nem ningum. Tem esse tempo todo agora,lento e de maturao. Escrever um livro provavelmente e isso no precisa ser to mecnico vaitomar um longo tempo. Ento, no acho que a gente deva se levar por esse tipo de presso. Notenho contrato com gravadora, no tenho obrigao nenhuma e j suficiente a presso que agente exerce sobre si prprio.

    Hoje se vendem m enos discos. Faz diferena?No, para mim no faz. Tanto que eu fiquei sabendo mais ou menos dessas novidades durante asconversas de lanamento do disco. Ento me foi apresentado um projeto de lanar o disco pelainternet e eu no conhecia nada disso. E a eu fui conhecer a realidade do mercado. Eu andavalonge disso havia cinco ou seis anos e no sabia que tinha mudado tanto assim. A previso dolanamento de um disco , em termos numricos, muito inferior agora. Ento, tentei co mpensar agravadora, de certa forma, pelo investimento que ela fez, colaborando no projeto de lanamentodeles. Internet e aquela coisa do site e tal. Mas isso no assunto meu. Eu, na verdade, cheguei auma altura da vida que no preciso mais do disco para sobreviv er. Eu j tenho basicamente aquiloque eu preciso, no tenho grandes ambies. J tenho certa estabilidade financeira e no precisoficar muito preocupado com isso. Meus discos vendem direitinho, tenho direitos autorais aqui e lfora. Os livros vendem mais do que os discos, inclusive [risos]. E os livros so vendidos l fora. Notenho essa preocupao.

    Como esto os planos para a turn?Quem est vendo isso o pessoal da produo, porque fazer um show hoje em dia... Para me sentirconfortvel no palco, vou querer chamar meus msicos, meus amigos com quem eu j me dou bem.

    As msicas so novas, os amigos no precisam ser novos, so os velhos mesmo. Para montar issotudo uma estrutura grande. Precisa de patrocnio. Vou precisar de um ms, talvez mais, paraensaiar. Para pagar isso, tem de fazer praticamente uma temporada de pelo menos um ano para

    viabilizar. O pessoal que mexe com isso est procurando uma maneira de viabilizareconomicamente esse show. Isso passa por patrocnio e, evidentemente, um patrocnio de um showmeu no pode contar com iseno fiscal, com Lei Rouanet, com nada disso. Seno, seria mais fcil[risos]. Mas mesmo no meu ltimo show eu no tinha isso.

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    Por opo? Porque voc prefere?Hoje eu nem poderia porque acontece, por acaso, que a minha irm a ministra da Cultura. Mas oltimo show j era, se no me engano, o governo Lula. Gil era o ministro da Cultura e achei melhorno entrar com patrocnio via Lei Rouanet. Mas isso dificulta. Voc sabe disso, n? No qualquerempresa que vai querer simplesmente associar o nome a um artista sem poder abater no seuimposto de renda e tal.

    A Lei Rouanet uma questo peculiar para artistas do seu tamanho. As pessoasparecem no entender direito como ela funciona.Parece que no h muita boa vontade em deixar claro, para o grande pblico, o que a LeiRouanet. Sempre se passa essa ideia de que o gov erno est bancando um artista, de que oMinistrio da Cultura est financiando um filme, uma pea, um show de artista famoso. OMinistrio, pelo contrrio, patroc ina justamente quem no tem acesso Lei Rouanet. Ela permite

    que o artista busque patrocnio na iniciativa privada, mediante iseno fiscal. No cabe aoMinistrio julgar se o artista precisa ou no de alguma ajuda pessoal, cabe a ele julgar o mrito doprojeto apresentado. H quem seja contra porque acredita que o Estado no deve dar incentivoalgum s artes e cultura. um ponto de vista. Eu nem queria entrar muito nesse assunto. Estouentrando assim, de raspo, porque desde que minha irm foi nomeada ministra eu me sintoimpedido de opinar. At fico fora do assunto de direito autoral para no parecer que eu tenhoalguma coisa a ver com isso. Para mim um incmodo ter uma irm no Ministrio da Cultura.

    A Ana de Hollanda foi criticada por ter uma postura em relao aos direitosautorais que foi considerada um retrocesso em relao aos ministros anteriores.Voc tem opinio sobre isso?No tenho e me mantive alheio a esse assunto. Ex atamente porque desde o incio tentou-se passar aimpresso de que eu ter ia alguma ingerncia na nomeao da minha irm como ministra. Para mim,o mais confortv el era que o Juca Ferreira continuasse sendo ministro. At mesmo para que aspessoas xingassem o Juca Ferreira e no a minha irm nos jornais [risos]. Quando entra esseassunto de direitos autorais, volta e meia sou procurado, recebo e-mails e tal. Digo: Prefiro no

    me interessar por isso. So tantos assuntos pelos quais a gente tem de se interessar, tantos jornaisque a gente tem de ler, tantas notcias que a gente tem que ficar por dentro, que eu prefiro deixaresse de lado. E h colegas meus que esto brigando, discutindo isso com muito mais conhecimentode causa do que eu. Prefiro no opinar. Nem sei direito o que o Creative Commons, o que issodeixa de ser. Eu sei que o selo foi tirado do [site do] Ministrio. O que isso representa, eu no sei.

    Quem participar de um jantar no qual estivessem voc e a Ana ouvir que tipo deconversa?Ouvir muita conversa jogada fo ra. Somos muitos irmos, todos nos damos bem, mas quando nosencontramos ningum se mete na vida do outro. S pelas costas.

    Voc acha que esperam que voc tenha opinio sobre poltica porque no passadovoc foi to ligado a esse tema?

    Acho que nem se espera mais tanto. Isso acontece durante as campanhas eleitorais quando ficaimpossvel, para mim, no tomar partido. Porque eu acompanho a poltica do pas desde garoto,desde os tempos do Juscelino [Kubitschek]. A primeira vez que votei foi pela volta dopresidencialismo, Joo Goulart, e desde ento me interesso por poltica e me manifesto. Agora, a

    vida poltica, o dia a dia, no me atrai nem um pouco e nem fao questo de ficar me manifestando.Durante uma campanha eleitoral, o artista praticamente compelido a se manifestar. Porque seno

    vo dizer: Cad os artistas que estavam falando e agora no falam mais nada, esto em cima domuro? Eu sei perfeitamente o que fao quando tomo partido durante uma campanha. Na ltima,apoiei a Dilma e sabia que isso ia atrair o dio de quem votou no Serra. Se eu apoiasse o Serra,provavelmente ia atrair o dio de quem votou na Dilma. Nesse momento, tudo fica exacerbado.Mas no vou ficar me pautando por isso, pelo medo de ser odiado por essa ou por aquela parcela daopinio pblica. Isso passa com o tempo. Quer dizer, passa em termos. Porque h sempre umacobrana. Voc apoiou, o que voc acha disso e daquilo? Eu apoiei e no me arrependo. maiscmodo ser oposio, sem dvida. Eu votei no Jango, na volta do Jango presidncia da Repblicadepois da tentativa de golpe de 1961, que no durou muito, pois em 1964 veio o golpe militar. Oque eu apoiava no Jango o que o gov erno Lula mais ou menos implantou no pas. O que meenvergonhava nos anos 60 era o que me envergonhava at h pouco. O Brasil era um pas to rico,eu viv ia num pas to rico e to desigual. Essa desigualdade, de certa forma, foi reduzida. Ou setentou reduzir, investiu-se nisso, na reduo da misria por meio de programas sociais. E tambmme envergonhava viver num pas internacionalmente insignificante, subserviente. Acredito que

    durante o governo Lula se criou uma poltica ex terna mais condizente com a importncia do pas. Opas cresceu aos olhos do mundo devido a essa poltica externa.

    Na ltima eleio, voc declarou que votaria na Dilma, mas que no via muitadiferena entre ela e o Serra. E mencionou agora que mais cmodo ser oposio.

    Em algum mom ento se sentiu decepcionado pelo PT depois que o partido assumiuo poder?Em primeiro lugar, preciso deixar claro que eu no sou filiado ao PT. Nunca fui e no votoautomaticamente com o PT . Um ano antes das eleies, antes das campanhas eleitorais, numaentrevista que f izeram na Frana, perguntaram sobre as eleies e o quadro ainda no estava muitoclaro. E eu disse: No vejo muita diferena, acho que um eventual governo do Serra no vai sermuito diferente do que o governo Lula tem feito em termos econmicos. No vejo grandepossibilidade de se mudar, at mesmo porque a poltica eco nmica do governo Lula seguiu mais oumenos as diretrizes do governo anterior , do Fernando Henrique. No vejo grandes possibilidadesde alterao, no vejo grandes diferenas entre os candidatos. At porque o passado de Serra o deum homem de esquerda at esquerda de Fernando Henrique. Pois bem, comeou a campanha

    e o Serra inicialmente at demonstrou certo endosso figura e poltica do Lula. S que isso foi sedesvirtuando e ele foi abraando os valores mais reacionrios que tem no pas. O Serra se deixoulevar por um tipo de discurso que no tem absolutamente nada a ver com o Serra que eu conheci.Nesse Serra eu no votaria nunca. Ali, claramente, optei mais uma vez por um candidato do PT, aDilma. Eu estou querendo dizer que um ano antes eu no tinha conhecimento suficiente de quemera a Dilma. Se no me engano ela era candidata j ou nomeada, indicada, sugerida, insinuadapelo Lula. No havia uma clareza muito grande sobre o que iria acontecer. Quando a campanhachegou, eu me senti obrigado a tomar uma posio, e essa posio no poderia ser outra. Isso no

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    tem nada a ver com alinhamento automtico com o PT. Eu tenho um milho de crticas ao PT.Pessoas que conheci quando era um pequeno partido hoje so pessoas com quem eu no quero meencontrar. As pessoas que rodeiam o Lula eu no quero encontrar. Essas pessoas eu no quero verpela frente. No vou a Braslia, no vou ao Palcio, no tenho atrao alguma pelo poder. Aomesmo tempo, muito cmodo eu, que no tenho de governar, dizer isso tudo: Ah, com essefulano eu no falo. Eu no preciso falar. O Lula tem que falar, ele tem que lidar com essa gente. ADilma tem que lidar com uma poro de gente que eu no convidaria para entrar na minha casa[risos]. Eu no sou um poltico e no tenho a menor vocao para isso. Nunca seria. Tenho asminhas posies claras, mas tambm reconheo que confortvel estar em casa e [ficar falando]Porra, olha o Lula tirando foto com no sei quem, a Dilma dando abrao em no sei quem.Ningum vai governar sem certos acordos, sem certas alianas. impossvel, pelo menos nosistema poltico que se tem aqui no Brasil. Ningum faz. Nem a Marina Silva, que eu adoro.

    Voc nunca escondeu sua admirao pelo Lula. Caso viesse a disputar apresidncia novamente, ele teria o seu apoio?Com quem? Contra a Dilma? [Gargalhadas]

    No lugar da Dilma.Ele tem meu apoio, sim. Tenho a maior admirao pelo Lula. Nada do que eu falei aqui contra oLula. No sei se no fui claro: no gosto das pessoas... Metade das pessoas que esto em volta doLula so pessoas que eu no convidaria para tomar um cafezinho. Ao mesmo tempo, entendo queele tenha de tomar um cafezinho com essas pessoas. Conheci muita gente do PT, da poca departido pequeno, que se perdeu pelo caminho. Todo mundo sabe que o poder corrompe. Acorrupo est ali, voc no v ai eliminar a corrupo nem aqui nem em nenhum lugar do mundo.Nem o Lula e muito menos a Dilma so a favor da corrupo. Existe uma co nscincia de que hcorruptos se no no primeiro, pelo menos no segundo, terceiro escalo. H uma estrutura

    viciada, corrupta. E isso o Brasil, isso a poltica.

    Politicamente, voc sem pre foi associado esquerda. Esse conceito ainda se aplica

    poltica brasileira? Ainda existe esquerda?Eu acredito que sim. Acredito que quando se toma como prioridade como prioridade, no comoacessria uma poltica que combata a desigualdade de renda, que procure tirar gente da misria,como no governo Lula, isso no pode deixar de ser considerado uma poltica de esquerda.

    Nos anos 90, muita m sica brasileira foi redescoberta l fora. Os Mutantes, pelaidentifi cao com a psicodelia; o Tom Z foi descoberto pelo David Byrne. S quevoc no passou por isso.No passei. Mas outro dia fui jogar f utebol em Lisboa e o Felipo [Luiz Felipe Scolari] era o tcnico.Era um jogo dos amigos do Zidane contra os amigos do Figo. Ele me escalou de sada, e o bater istado Radiohead [Phil Selway] ficou l no banco, emburrado, porque ele no saiu jogando e eu sim.No intervalo, falei pra ele: Escuta, no fica a de cara feia porque o nome da sua banda roubadode uma msica minha [risos]. O David Byrne ouviu a rdio cabea [a msica O ltimo Blues,que contm o verso na Rdio Cabea ], quando foi lanado o disco da pera do Malandro. Eleesteve aqui e cantou A Volta do Malandro no Caneco. Ele deve ter achado que era umaexpresso que se usava muito no Brasil e fez a msica l dele [Radio Head, de True Stories,1986] que deu origem ao [nome do] Radiohead. Ento me sinto representado pelo Radiohead, por

    intermdio do David Byrne. Afora isso, j tentei fazer carreira l fora quando morei na Itlia e nofui bem-sucedido. No tenho essa ambio. Mal fao shows aqui no Brasil, tenho preguia de fazershows l fora e no passa pela minha cabea a ambio de ser conhecido l. Se algum resolver alm do Radiohead me fazer uma homenagem, est liberado! Pode fazer v ontade [risos]. Nome chateia no ter sido descoberto at agora.

    Voc j disse que tirou msicas dos shows porque as acha datadas. O que data umamsica sua?Posso atr ibuir essa datao s msicas mais agudas do tempo da ditadura. A lgumas msicas queforam criadas meio que como uma funo extramusical. Ou seja, com a inteno de desafiar oregime, a censura etc. Vamos dizer: msicas sinceras. Essas viv em menos, talvez seja isso. Outrasficam datadas musicalmente, porque so canes, harmonias que no representam mais o que meinteressa hoje como uma soluo harmnica, construo meldica. Essas tm remdio porque euposso refazer, rearranjar, re-harmonizar. Agora, a meia dzia de canes Apesar de Voc,Clice, Deus lhe Pague essas, para mim, ficaram datadas. Elas correspondem ao momentopoltico e no fazem grande sentido hoje.

    Ser que essas msicas no tm um significado mais abrangente para o pblico?Pode ser, pode ser. Po rque as pessoas tm uma lembrana afetiva da msica. Elas gostam dedeterminadas msicas porque elas remetem a uma poca feliz da sua vida. Essa a msica queouvi quando conheci a minha namorada. Isso existe independentemente do que diz a letra.Quando eu digo que no tenho vontade de cant-las porque elas so datadas, isso pra mim! Euno tenho vontade de cantar. Acredito que as pessoas que no tinham posies polticas claras napoca possam ouvir Apesar de Voc hoje e encontrar um valor afetivo muito grande,independentemente do que a letra diz. Isso at contraria um pouquinho o que voc falou, porque aspessoas se deixam levar pela msica e, s vezes, cantam a letra sem prestar ateno no que estodizendo. Isso existe, basta lembrar as msicas que voc cantava na infncia. Que engraado, essamsica quer dizer isso! Voc no entendia o que era e repetia. Ou as pessoas que cantam em inglse muitas vezes no sabem o que diz aquilo. Elas gostam do so m e aprendem a dizer aquelaspalavras, no tm muita noo do que elas dizem. Ouvem msicas que fazem um enorme sucessono mundo inteiro e que, na verdade, so compreendidas por uma parcela bem menor de pessoas.

    Quem cumpre o papel de crtica social hoje?

    Todo o rap que se faz aqui no Rio e em So Paulo fortemente de crtica social. Eles fazem issomuito bem, com propriedade, falando dos problemas locais da comunidade. Falam muito de umamaneira que eu no saberia abordar. Nem me cabe, me sinto at ex cludo desse mundo. direto,no h metforas, no h censura. Vo direto ao ponto. Eu me sinto at um pouco intruso nessemeio. Para mim, o que acontece que muitas vezes as pessoas falam: Vem c, porque voc nofala [de problemas poltico-sociais nas letras]? Eu me lembro quando estourou aquela histria doMensalo e, numa entrevista coletiva, perguntaram por que eu no falava daquilo. Voc quer que

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    eu faa o qu? O Sambo do Mensalo? No vou fazer o Sambo do Mensalo, mesmo porqueas pessoas se esquecem de que essas msicas todas que eu citei antes eram co isas que eu dizia eque, na poca, os jornais no falavam. No me interessa hoje repetir em msica o que est todos osdias nos jornais. Nem me interessa muito dar entrevista falando mal do gov erno. Eu gostava defalar mal do governo quando os jornais no o faziam.

    O amor est presente no novo disco. Mas teve uma frase, de Querido Dirio, quefoi muito com entada: amar uma mulher sem orifcio. Teve muito debate, acrtica a usou contra voc.No Querido Dirio est l: um dia, segundo dia, terceiro dia, quarto dia. Evidentemente que halgo de nonsense no sujeito que resolv e, num belo dia, ter uma religio e, andando na rua, imaginaque vai sacrificar uma ovelha. J entrou nesse campo [risos]. A ele resolve ter uma adorao poruma esttua, ou seja, amar uma mulher sem orifcio. Eu li em algum lugar que amar uma mulher

    sem orifcio seria amar uma mulher casta, uma mulher difcil. A, se no burr ice, j v ontade deencher um pouquinho o saco do compositor.

    At os anos 80 a pergunta clich que se fazia aos artistas era: E a crtica? Agora,virou: E os paparazzi?. Voc sente saudade de quando a crtica era o principal

    problema do artista?Ah, sim. Eu no estou entendendo o [que voc quis dizer com] o problema com a crtica. Oproblema com a crtica eu sempre tive...

    que hoje parece que h m ais interesse sobre a vida pessoal do artista. Vocpercebe isso?[Longo silncio] Que a vida pessoal ficou muito mais exposta do que h 20, 30 anos, no tem amenor dvida. Eu tenho de mudar algumas atitudes porque voc est mais exposto do que antes,mas no me afeta tanto assim. Me afeta ao, por ex emplo, ir praia. Sempre, desde criana, gosteide ir praia. Nasci em frente ao mar, nadava em Copacabana, pegava jacar no Arpoador,mergulhava. At trs anos atrs eu ia praia. At o dia em que saio da praia e um sujeito se agarra

    em mim, comea a berrar, gritar no meu ouv ido e a perguntar algumas coisas. Quando me douconta: Ih, tem um cara l filmando. Isso aqui um nmero cmico de um programa de telev iso[risos]. Eu agora fao parte de um programa de televiso e vou ter que lidar com isso. No voufazer uma cena, s fico pensando em quando que vai acabar a histr ia. Resultado: no posso ir praia. Mas no o fim do mundo. Deixo de ir praia, deix o de ir ao restaurante da rua Dias Ferreirae pronto. Isso no me afeta grandemente. Falei sobre isso na internet: voc est mais exposto, masa voc pessoa e sua obra tambm. Com a internet aumentou muito o nmero de crticos, semultiplicou um milho de vezes. Como no caso dessa histria do verso que voc est apontando.Sei exatamente como ela foi criada: num blog de um cara da revista Veja, que tem uma enormeestima pela minha pessoa e gosta de lanar esse tipo de futrica. Ali vale tudo, j sugeriram at quese desapropriasse meu campo de futebol para a construo de casas populares. um problema que

    vem de muitos anos, uma questo doentia de uma revista contra um artista. Parece que o cara quemanda nessa revista tem ambies literrias. Ento ele no gostou de os meus livros ganharemprmios, porque ele quer ser escritor. A, decidi me vingar. Sabe o que eu fiz? Li o romance do cara,um tal de [Mario] Sabino. No parente do Fernando Sabino, acho. Fui at o fim, li tudo, tudo. Efiquei tranquilo, passou a raiva [risos]. Falei: Bom, o melhor que esse cara tem a fazer ser editorda revista Veja.

    Questo inevitvel: ou j foi difcil ser o Chico? difcil ser o Chico quando as pessoas pensam que voc o Chico. Quando voc entra no teatro eacham que voc o Chico e que voc tem de falar sobre a sua vida ou sobre a sua obra e tal. Porque

    voc est distrado. Voc no anda na rua e pensa: Ah, sou o Chico Buarque. No passa pelacabea do artista. A no ser que ele seja um louco e saia por a, Sou o Picasso, sou o Picasso. Nofaz parte das minhas preocupaes isso de o que vou dizer e o que vou fazer. difcil, s vezes,dar entrevista e ter de ficar se explicando. Fora isso, no tenho queixas, gosto de fazer o que fao.No que seja fcil escrever livros e canes, mas preciso sempre desconfiar das coisas fceis.

    Talvez para o artista no exista isso de ser artista o tempo todo, mas para aspessoas um choque a diferena entre a expectativa e a realidade. Talvez tenha adecepo de...[Interrompe] O tempo todo.

    Os fs te pedem conselhos na rua, esperando que voc mude a vida deles?

    Pode acontecer. Se eu ficar parado num lugar, pode acontecer. Por isso estou sempre andando...[risos] Evito que as pessoas venham pedir conselho ou opinio. Mas geralmente o que pedem mais autgrafo. Agora, mais que autgrafo, so as fotos. Fora isso, eu no fico parado.

    O que faz quando quer flanar, conversar com pessoas anonimamente? Para ondevoc foge?

    Ando todo dia nas ruas do Rio e quase nunca sou parado, me cumprimentam de passagem. Masgosto de conversar com o jornaleiro, com as moas do caf, com os caras da farmcia. Noestrangeiro, alm de andar pelas cidades, converso com gente que no faz ideia do que sou ou fao,e isso bom. Uma ou duas vezes por ano passo uns dias em Paris, e mesmo ser maltratado de vezem quando ser barrado em restaurante, empurrado no metr, ouvir desaforo do chofer de txi uma experincia educativa para famosos em geral.

    H uma impresso de que voc mais fechado no em um nvel Joo Gilberto ,mas certamente mais discreto do que Gil e Caetano. consciente ou voc se fora

    para manter a discrio?Olha, eu no me foro para nada. Sou o que sou, e se tem uma coisa que me chateia gente que faz

    tipo.

    A sua turma nos anos 70 era famosa por freqentar bares para conversar. E hojevoc tem essa necessidade de se reunir pessoalmente e trocar ideias com pessoasequivalentes a voc, intelectuais, artistas, pensadores?Gosto muito de conversar com meus amigos, que no so necessariamente intelectuais, artistas oupensadores. Falamos de futebol, cinema, literatura e de otras cositas ms. Poltica tambmdiscutimos, numa boa, ningum nunca brigou co m ningum por causa de poltica ou de futebol. Em

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    suma, gosto mesmo de papo-furado em mesa de botequim. Se o pensador quiser me mostrar seuspensamentos, prefiro que o faa por escrito.

    Voc disse que escuta msica com Francisco, seu neto de 14 anos. Como arelao? Voc se envolve com a educao dos netos ou debate com suas filhas amaneira de cri-los?Imagina se as minhas filhas permitiriam que eu me envolv esse na educao das crianas. Fora queas meninas menores talvez nem saibam que sou seu av. Eu sou o Voco, aquele cara que achagraa nelas. J com o Francisco, alis Chiquinho Brown, tenho algum dilogo musical. Outro dia vium nmero dele no YouTube, um solo de guitarra numa banda cover do Iron Maiden. O Chiquinho muito mais msico que eu, e estou falando srio. Estudou guitarra e violo, exmio guitarrista,contrabaixista tambm, toca piano de ouvido, tem ouvido absoluto. Em breve vai se apresentarcom sua nova banda, ainda sem nome, mas nem a me dele pode assistir. Parece que o show num

    local proibido para maiores de dezoito anos. Da famlia s quem vai sou eu, como vocalistaconvidado. Devemos tocar Jorge Maravilha, aquela do voc no gosta de mim, mas sua filhagosta.

    Voc mora sozinho. Como foi essa transio, aps tantos anos casado e com filhosem casa?J nasci cercado de muita gente, famlia grande. Casei moo, tive trs filhas, e logo elas foramenchendo a casa com um monte de amigas e namorados. Era uma grande animao. Por isso,quando fui morar sozinho, pensei que fosse estranhar. Mas tambm bom, como um silnciodepois de muita msica.

    No vdeo sobre a internet postado no site do seu disco, voc fala que um cara diz:Olha o que a bebida faz com a pessoa. E a voc menciona que nem bebe mais. Deonde veio essa deciso?Parece mentira, n? [risos] Parei de tomar destilados h muito tempo. Mas j falei sobre isso. Faleiat que tinha um bruxo que me deu umas ervas e enjoei de usque. Minha bebida era o usque e

    nem vodca mais eu conseguia tomar. Fiquei tomando v inho, mas isso tem 20 anos.H uma associao forte da sua imagem nos anos 70, pr-politicamente correto,de entrevistas para a TV com um usque na mo.Com um copo e com um cigarro, um em cada mo.

    Por isso voc brincou: Parece mentira. Talvez venha da essa desconfiana., no havia essa preocupao. Realmente, eu no vou falar de mim, mas agora tem muito essahistria. Por exemplo, a Amy Winehouse. Aparece na Veja: A cantora drogada Amy Winehouse

    vai gravar um disco... Virou uma coisa absurda. A foto do Vinicius [de Moraes] na Livraria daTravessa: adulteraram. T iraram no lembro se foi o copo ou o cigarro, acho que foi o copo. E ficouaquela mo-boba, sem o copo. Fizeram um Photoshop para no dar mau exemplo. E a gente bebia efumava em cena, fazia parte da mise-en-scne: Vinicius sentado com aquela garrafa. Era normal, agente ficava meio altinho. Hoje, puta que pariu... [risos] Se tivesse paparazzi naquela poca... Almde paparazzi de foto, agora tambm tem ouvido paparazzo. Voc est sentado num restaurante etem o cara ali ao lado, o paparazzo orelhudo. No dia seguinte est na rede: Fulano falou isso eaquilo. E os jogadores de futebol no podem tomar saqu porque vai a imprensa l: O jogador

    tomou 20 saqus. Isso acho chato, essa fiscalizao moralista da vida dos outros. Bom, vou deixarde ir praia, mas outras coisas no vou deixar de fazer. O meu vinho vou tomar, o meu cigarro voufumar. Tambm fumo pouco, mas fumo e no vou deixar de tomar o meu vinho e fumar porquetem um cara que vai dizer que voc se embebeda e est destroando os seus pulmes e tal, que voc

    vai morrer e benfeito.

    H um debate quanto ao surgimento de radicais, o que faz parte de se viver emuma democracia. Uma polmica recente foi sobre o Dia do Orgulho Htero.Como manter o debate saudvel? Radicais surgem de todos os lados...?J surgiram. Na verdade, um projeto como esse que foi votado pela Cmara Municipal de SoPaulo a servio e a reboque dessas manifestaes que tem a toda hora: dos skinheads, que

    justificam bater em gays ou em supostos gays um pai abraando um filho toma porrada. Eles tmliberdade de se manifestar e vo se manifestar no Dia do Orgulho Htero, que a Cmara fez o favorde criar. No h o que fazer, numa democracia no se pode impedir nada. Nem que o noruegus

    junte os seus armamentos e saia matando. No se pode proibir a veiculao de ideias, nem aquelasnas quais ele se baseou.

    um debate amplo. Vo continuar a questionar se a internet no deveria sercontrolada.Eu no acho [que deveria ser controlada], e at acho que quando vejo essas coisas na internet interessante para se ter uma ideia do pas em que voc v ive. Porque h muita mentira, muitahipocrisia com relao a racismo, em relao tolerncia de diferenas, aos homossexuais e tudomais. Ningum quer dizer que racista. H pesquisas nesse sentido. Isso foi feito em So Paulo jfaz algum tempo e no me lembro dos nmeros. Pessoas que se declaravam racistas: 1%. Pessoasque conhec iam racistas: 99%! Tem alguma coisa errada a [risos]. Ento, voc tem mais ou menos atemperatura do pas em que vive, da sociedade em que vive, deixando, abrindo para esse tipo demanifestao. crime explicitar o racismo, no pode chamar o negro no sei qu. Mas o cara quefaz isso anonimamente na internet, de certa forma, est te dando uma ideia de como a questo

    vista no Brasil. O problema do racismo absurdo. E mais absurdo ainda sendo o Brasil o que :uma sociedade miscigenada. O racismo uma espcie de autorracismo.

    Em outro vdeo, voc falou: Desde pequeno eu tinha impresso de que um dia eufi caria velho. E fiquei. Sem pre teve essa expectativa?

    [Risos] Eu desconfiava de que um dia ficaria velho... Porque tem pessoas que no desconfiam.Acham que nunca sero velhos, como acham que nunca foram pretos.

    Mas no um problema para voc? No disco tem um a msica sobre isso,Barafunda.Eu lido muito bem com isso, inclusive porque eu nem acredito que seja velho [gargalhadas]! Nemacredito que v ficar velho um dia. Ento eu dou risada. Outro dia, descobri que fiquei mais velhoque o Vinicius de Moraes. Da eu estava jogando futebo l e tinha um garoto de 20 anos, que me deu

  • 7/24/2019 Entrevista RS_ Chico Buarque - Rolling Stone Brasil

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  • 7/24/2019 Entrevista RS_ Chico Buarque - Rolling Stone Brasil

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    10/2/2014 Entrevista RS: Chico Buarque - Rolling Stone Brasil

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