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Entrevista sobre a Copa de Futebol de 2014, cedida pelo Ricardo Vargas ao Jornal Amanhã.TRANSCRIPT
Junho 2009 | AMANHÃ
exemplo, seria um lucro enorme (rindo).Olhe o caso da África do Sul, que estásofrendo violentamente para organizar aCopa de 2010. Eu sei o motivo: falta deplanejamento. Cronogramas desintegra-dos, irrealistas... E aí o que acontece?Chega lá no final, lá na ponta, não vai fun-cionar. Não há dinheiro no mundo queponha em pé um prédio em dois meses.Você não põe. Ou então será um prédioque não tem água, a luz não funciona, aporta cai. É natural.
Até que ponto a experiência de ter fei-to o Pan é útil para realizar a Copa?
Há algumas diferenças entre os doiseventos que tornam a Copa do Mundoum projeto mais desafiador. No Pan, es-tava tudo centralizado na cidade do Riode Janeiro. Já a Copa envolve um traba-lho descentralizado. Nós vamos ter cida-des-sede de norte a sul do país. Haveráconstrução e reconstrução de estádios,obras de infraestrutura hoteleira, rodo-viária, aeroportuária etc. E todas essasobras tomam muito tempo. Não são fei-tas da noite para o dia.
Dá para acreditar que haverá um ní-vel de coordenação eficaz entre a União,
C
Por uma táticade guerra
{Eugênio Esber}
O PRIMEIRO LATINO-AMERICANO A PRESIDIR O CONSELHO DIRETORDO PMI (PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE) DIZ QUE HÁ UM ANTÍDOTOPARA O DESCONTROLE E DESPERDÍCIO NA COPA DE 2014: UM COMANDO
CENTRALIZADO, COMO NAS CHAMADAS SALAS DE GUERRA
ENTREVISTARICARDO VARGAS
Consultor em gestão de projetos
om a experiência de quem atua em gerenciamento de projetos complexos –principalmetne na área de petróleo – que o retiram do Brasil 12 dias a cada mês,
o diretor da consultoria Macrosolutions, Ricardo Vargas, está preocupado com a Copado Brasil. Especializado em gestão de projetos, com mestrado pela George WashingtonUniversity, o engenheiro químico formado pela UFMG se pergunta a que custo o Brasilfará sua Copa em 2014. De Paris, interrompendo um retiro de dois meses com a família,Ricardo analisou o desafio brasileiro como um gestor de projetos – o primeiro latino-americano a presidir o conselho diretor do PMI (Project Management Institute), orga-nização que reúne especialistas em administração de projetos.
Que lições os jogos do Pan, no Rio,deixam para a organização da Copa de2014 ?
Em primeiro lugar, acho que deve-mos combater este mau hábito brasileiroque é o de relegar o planejamento a umnível menor de importância. Planejar, paranós, é coisa para ser feita na última hora,no último minuto. Sempre tendemos aacreditar na nossa capacidade de resol-ver o problema da execução de uma for-ma imediata. O pensamento é “Ah, sem-pre fiz assim e deu certo” ou “No final,tudo dá certo.”
É a convicção de que o gol vai sairaos 49 do segundo tempo...
Exatamente. A gente não precisa trei-nar. Basta botar 11 em campo e jogar bolaque o gol sai. E temos visto que não é
bem assim, que o caminho não é bemesse. Uma das grandes lições que preci-samos assimilar é que falta de planeja-mento custa caro e dá trabalho. A gentesentiu isso no Pan. Eu posso garantir paravocê que, se o planejamento tivesse sidofeito de modo absolutamente criterioso,os resultados teriam sido muito diferen-tes. Não do ponto de vista da competi-ção, mas da organização. Não tenho amenor dúvida disto.
No Pan, gastou-se muito além do or-çado. E na Copa do Mundo, melhorare-mos sob esse aspecto ou não?
Tudo é uma questão de padrão.Quando você está muito mal e fica so-mente mal, é uma melhora... Ou seja, paraquem gastou dez vezes mais do que tinhaprevisto, gastar só três vezes mais, por
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governos estaduais e prefeituras das ci-dades-sede? A variável política não tor-na mais complexa a gestão do projetoCopa do Mundo?
É complicado opinar sobre questõespolíticas, mas tudo o que eu espero é queseja montado um escritório de projetos eque seja feito um trabalho extremamen-te técnico de coordenação desses esfor-ços. Por que senão nós vamos começar ater problemas. Eu não tenho nenhumadúvida de que nós estaremos prontos em2014. O problema é quanto isso vai cus-tar e qual esforço isso vai requerer da so-
Divulgaçã
o
ciedade, entende?
De onde vem a certeza de que tudoestará pronto a tempo?
É que, quando aperta o desespero,sempre aparece alguém para fazer o tra-balho. Se você falar que preço não é oproblema e admitir gastar R$ 5 bilhõesem vez de R$ 1 bilhão, dá para construirum estádio em seis meses, não tem pro-blema nenhum. Com dinheiro, você podefazer qualquer coisa, fácil. O desafio éfazer de um modo racional, como fez aAlemanha, que realizou uma Copa exí-
mia, do ponto de vista do planejamento,inclusive usando parcerias público-priva-das em empreendimentos como oAllianz Arena, projeto altamente com-plexo e que foi construído dentro dosprazos, sem estresse. Outro exemplo degestão foi a Olimpíada de Pequim. E osjogos olímpicos são, na minha opinião,bem mais complicados do que uma Copado Mundo. Porque em uma Olimpíadaestamos falando em 10 mil competido-res. Na Copa, temos apenas 32 seleções.Incluindo jogadores e comissões técnicas,teremos um universo de mil pessoas com-petindo, todas distribuídas em 12 cida-des, média de 100 pessoas por cidade. Paraarrumar instalações, é muito simples.Agora, imagina 10 mil competidores emuma cidade. É preciso uma infraestruturaabsurda.
Diferentemente da China, porém, noBrasil um projeto como a Copa do Mun-do está sujeito não apenas a disputas po-líticas como, ainda, a questionamentossobre temas como licenciamento am-biental para obras de infraestrutra. Estaé uma variável importante?
É um ingrediente que complica. Masa afeição do brasileiro pelo futebol é ta-manha que qualquer contratempo paraa realização da Copa do Mundo será po-liticamente catastrófico para quem estáno comando – seja, por exemplo, o pre-feito de Belo Horizonte, o governador deMinas ou o presidente da República. To-dos são fortemente prejudicados, pois ofutebol é uma instituição nacional. É umevento em torno do qual existe um inte-resse absurdo por parte da sociedade.
Mas juízes e promotores públicos nãosão eleitos e, portanto, estão menos ex-postos a pressões políticas.
Concordo, mas é preciso considerarque a necessidade de construir estádiosserá mínima. A maioria das obras envol-ve reformas em estádios já existentes. Isso
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simplif ica bastante o processo delicenciamento ambiental , pois nãoestamos falando de pegar um terreno econstruir algo novo, do zero. O que vaiser crítico, na minha opinião, é o desafioda coordenação dos esforços. É a neces-sidade que as empresas terão de planejar,estruturar seu trabalho, de modo a con-seguirem entregar tudo no prazo e comtempo para testes, para que não se che-gue às vésperas da estreia com pessoastrabalhando dentro do estádio...
Como funcionaria o escritório de pro-jeto que você defende para organizar aCopa do Mundo?
Para se entender o que é um escritó-rio de projeto, o melhor exemplo queposso dar é o das salas de guerra. O que éo war room? É uma sala onde você temtodo o controle da situação. A Air France,por exemplo, montou uma sala de criseno aeroporto Charles de Gaulle. É umlugar onde todos os esforços ficam con-centrados. Em Londres, perto da casa doprimeiro-ministro britânico, há um warroom famoso. Era onde Churchill ficava.Este é o princípio de um escritório de pro-jeto. No caso da Copa, é você colocar umescritório central em alguma parte doBrasil, com a responsabilidade de fazer acoordenação. Caberá ao escritório deprojeto dizer “O estádio da cidade tal estáadiantado, o estádio tal está atrasado, aquise está gastando mais, lá está se gastandomenos”. É exatamente o quê? É termoscontrole do processo.
É onde nos perdemos?A falta de controle é um dos fatores
que mais pesam para que se gaste mais epara que se atrase o cumprimento docronograma. É como na empresa. Se vocêquer que sua empresa dê errado, vocênão precisa fazer nada: ela vai errar sozi-nha. Fazer a empresa dar certo é que dátrabalho. Costumo dizer a meus alunos:“Para dar errado, é muito fácil”. É o con-
ceito de entropia. As coisas não se orga-nizam sozinhas. Elas se desorganizam so-zinhas. Grandes obras e empreendimen-tos têm por natureza a desordem, o caos.É um processo natural. O escritório de pro-jetos visa a dar controle, instrumentos paravocê não deixar que as coisas se desorga-nizem. Você atua de modo proativo, ava-liando prazo, custo, escopo, o que está sen-do feito e o que não está, riscos que estãosendo mitigados, oportunidades que es-tão aparecendo. Tudo para que se possatirar do projeto o melhor resultado pos-sível. A Copa é um verdadeiro presenteque estamos recebendo, algo que podemudar a maneira com o Brasil é percebi-
do pelo mundo em termos do que somoscapazes de fazer.
E o que fazer com os superequipa-mentos esportivos depois da Copa? O es-tádio João Havelange, construído para oPan, acabou arrendado por um valor sim-bólico para o Botafogo.
O projeto não se esgota com a com-petição. Veja o caso do sambódromo doRio. Ele foi construído com a finalidadede abrigar o carnaval carioca. No restodo ano, é uma escola pública. Todos es-ses investimentos que virão com a Copado Mundo são bem-vindos, mas o desa-fio que temos é de pensar: “Ok, ótimo,
“No Pan, tudo estava centraliz ado no Rio.Já a Copa envolve cidades-sede de norte asul do país, construção e rec onstrução deestádios, muita infraestrutu ra. Não são
obras feitas da noite para o d ia”
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mas e aí? O que faremos e como apro-veitaremos esta infraestrutura? Como ti-rar proveito da ampliação daquele aero-porto?”. E isso faz parte do projeto. Em-bora seja óbvio que o Brasil tenha feitolobby em favor da escolha de algumascidades, eu espero que a Fifa tenha to-mado sua decisão de forma criteriosa eos investimentos considerem esta visãoestratégica que é necessária para se pro-duzir um projeto que não se esgotecom a Copa.
Do ponto de vista do gerenciamentode projetos, a Fifa deveria ter um plano Bpara a hipótese de o Brasil não atenderaos requisitos em tempo hábil? Afinal, osEUA estão se candidatando para 2018...
Eu não sei se a Fifa tem um plano B.Mas não penso nessa hipótese. Estamosvendo as dificuldades de infraestruturada África do Sul para viabilizar a Copa de2010. E a Fifa não parece estar pensandoem mudar a Copa. Se viesse a aconteceralgo assim, talvez fosse a propaganda maisnegativa que um país pudesse ter na his-tória. Imagina a África do Sul tendo a suaCopa cancelada. Isso não tem preço. É apior coisa que pode acontecer. É preferí-vel não ser escolhida.
O problema, na África do Sul, é faltade recursos?
Não. O problema é o mesmo de sem-pre: gestão. Falta gente qualificada paraadministrar, para coordenar. Uma Copaenvolve projetos complexos, especial-mente na área de infraestrutura, teleco-municações. É preciso fazer tudo issoacontecer. Defitivamente, não é simples.
Quais os erros clássicos das empre-sas em matéria de gestão de projetos?
O primeiro erro que as empresascometem, e que as leva ao fracasso, é omau dimensionamento do escopo doprojeto. Escopo é aquilo que tem de serfeito no projeto. Escopo bom é aquele
no qual não sobra e não falta trabalho.
Exemplificando...Confins, em Belo Horizonte, é um
aeroporto que deve estar utilizando 40%da sua capacidade. Mesmo assim, imagi-ne que alguém decida expandir Confinsantes de investir na expansão doMineirão. Bem, quem fizer isso terá umaeroporto com mais capacidade ociosa eum estádio com capacidade aquém daque precisaria. Não vai funcionar. É mui-to importante saber priorizar. O que fa-zer primeiro, o que fazer depois. É o erronúmero 1: dimensionar mal o escopo.
E o erro número 2?É subestimar os prazos. Em geren-
ciamento de projetos, a gente brinca comesse erro dizendo que é como planejar,na CNTP, as “Condições Normais deTemperatura e Pressão”, como aprende-mos nas aulas de f ísica. É você imaginar:“Eu vou construir isso e nada vai dar erra-do. Tudo dará certo, a produtividade vaiser 100%”. A vida real não é perfeita. En-tão, se você planejar considerando quetudo é perfeito, na hora da execução vocêlevará muito mais tempo.
Um afastamento esquizofrênico darealidade.
Exatamente. E o excesso de otimis-mo leva a falhas de previsão e à má avalia-ção dos riscos. “Vai acontecer algum pro-blema? Não. Vai faltar concreto, cimen-to? Não. Vai ter gente? Vai, vai ter gentesobrando.” E na hora de executar... É aque-la máxima: no papel, cabe tudo. O dif ícilé transformar o que está no papel em rea-lidade. A realidade nunca segue o papel.O papel é que tem de seguir a realidade.E isso dói. É por isso que muita gente pre-fere não planejar. Porque vai acabar des-cobrindo que a ideia não é tão boa assim.E, depois, quem será o mensageiro da mánotícia? Quem dirá: “Olha, aquele valorque nos comemoramos não é bem o va-
lor real”. Acho que é por isso que muitagente prefere que haja poucos controlesnos projetos. Assim, é muito fácil culparqualquer coisa quando algo dá errado.Meu trabalho e o dos profissionais emgestão de projetos é fazer com que asempresas mudem essa realidade.
Não deveria ser dif ícil a missão deconvencer empresas a gastar menos....
Atuo principalmente no exterior, nosetor de petróleo, que é altamente com-plexo e envolve muito capital. Uma pla-taforma representa um investimentoequivalente a um estádio de grande por-te, como o Maracanã. É coisa de US$ 1bilhão. Uma refinaria de petróleo custaUS$ 9 bilhões, preço de uma Copa doMundo. São empreendimentos comple-xos, que exigem a a instalação de um es-critório de projetos. Nessa escala deinvestimentos, uma economia de 10% sig-nifica muito dinheiro.
Qual a principal dificuldade paraimplantar um escritório de projetos emuma empresa?
O grande problema é o que cha-mamos de soft skills – as habilidades nãotécnicas. Nesse projeto da Copa 2014,pode acreditar: o maior desafio não édefinir qual vai ser a carga de peso quevai sustentar a alvenaria do estádio tal.Essa não é a questão. Nós não temosproblema técnico. O problema é gen-te. É poder, é interesse, é capacidade deliderança, de fazer convergirem os di-ferentes interesses das pessoas. É essetipo de coisa que faz com que o projetodê mais certo ou mais errado. Dos nos-sos últimos 100 clientes, eu não tenhoum caso sequer em que o obstáculo foium problema técnico. A dificuldadenunca foi causada por um erro de cál-culo. E sim por interesses, disputa depoder, esses problemas que eu chamode soft skills, ou “habilidades leves”, nãotécnicas.
RICARDO VARGAS | CONSULTOR EM GESTÃO DE PROJETOS
Wilson Dia
s/Agência
Brasil