entrevista de corominas - diário de pernambuco 18.11.13

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Os exemplos de Barcelona Que experiência Barcelona pode trazer para o Recife? No que se refere à ocupação dos espaços públicos, Barcelona teve três grandes momentos na legis- lação de planos urbanísticos. O primeiro deles, que até hoje é referência, é o de Ildefons Cerdà, que trouxe em 1859, uma pro- posta revolucionária na forma de ocupação dos espaços públi- cos incentivando a interação das pessoas em espaços largos e aber- tos. Depois, tivemos mais dois planos com um conceito mais moderno, mas que também res- peitam os espaços de convivên- cia elaborados em 1953 e 1976. O plano de Cerdà foi desenhado para cinco municípios e estes dois últimos para 27 municípios metropolitanos que seguem o mesmo padrão de ocupação. Qual a concepção urbanís- tica das vias em Barcelona? Nós temos em Barcelona três mo- delos de vias. Há algumas muitas antigas, que são históricas e que têm em média de seis a oito me- tros de largura. Mas, após os pla- nos urbanísticos, temos vias com 20 e 50 metros de largura. A di- visão do espaço para os carros e pedestres é equivalente. Se a via tiver 10 metros para os carros, terá também 10 metros para cal- çadas, sendo cinco metros por sentido. Outra preocupação é manter as vias arborizadas. Essa divisão espacial da rua é uma forma de dar priori- dade ao transporte não mo- torizado? Sim. O ideal é que no máximo 15% dos deslocamentos de uma cidade sejam feitos pelo carro. É importante ter um transporte público de qualidade e apostar também em espaços de cami- nhada para o pedestre. No caso do Recife, que já é uma cidade de grande porte, acredito que o metrô precisa ser visto como meio de transporte para aten- der as áreas mais adensadas. Apenas o ônibus não é suficien- te. Tem que ser um transporte rá- pido e de grande capacidade co- mo o metrô e com uma conver- gência central. Aqui no Recife e Região Me- tropolitana está havendo uma aposta no BRT (Bus Ra- pid Transit), mesmo mode- lo que é adotado em Bogo- tá, onde há o Transmilênio. Essa proposta de apostar no ônibus não é a ideal? Penso que até que o metrô seja ampliado, uma vez que o custo e o tempo de implantação são maiores, o modelo do Transmilê- nio já é um avanço. Mas no má- ximo pelos próximos 10 ou 15 anos. Por isso, o planejamento da expansão do metrô precisa co- meçar a ser feito o quanto antes. Não se pode esperar que o mode- lo do Transmilênio se esgote. Na verdade, acredito que o ônibus, nesse caso, terá mesmo que per- manecer integrado ao metrô co- mo linhas alimentadoras. Entre os obstáculos para mi- grar do carro para o trans- porte público, além da ques- tão da regularidade, estão as distâncias. O usuário, muitas vezes, precisa per- correr longos trechos a pé, para conseguir chegar aos corredores principais. O que pode ser feito para melho- rar essa integração? Os bairros precisam ser alimen- tados com linhas que possam fa- zer esse percurso e, dependen- do da demanda, podem ser usa- dos micro-ônibus, ônibus ou o VLT (Veículo Leve sobre Trilho). Também é importante que as condições das calçadas estejam acessíveis e seguras para o pe- destre caminhar com conforto. Por falar em calçada. Como é que essa questão é tratada em Barcelona. Quem se res- ponsabiliza pela área do pas- seio? Há alguns aspectos a conside- rar. Caso seja uma rua de terra, que não tenha pavimento nem calçada, o proprietário do imó- vel, ao aprovar a construção de sua casa ou edifício, se respon- sabiliza pela calçada, que é cons- truída dentro de um padrão de- finido na legislação, e também por pagar uma parte do pavi- mento que a rua terá. Depois disso, a manutenção passa a ser pública. No caso de você com- prar um imóvel em uma rua que já está pavimentada e tem calçada, a manutenção conti- nua a ser do poder público. O dono do imóvel só paga na pri- meira vez. Na verdade, nós te- mos hoje dois problemas em re- lação à urbanização. O primei- ro é conseguir o solo. O segun- do é conseguir o dinheiro para urbanizar. Não se pode apenas comprar um terreno e construir isoladamente sem uma conjun- tura urbana. Aqui no Recife nós temos si- tuação de imóveis que inva- dem parte da rua, mas co- mo não havia urbanização essa percepção muitas ve- zes é tardia e se torna um problema. Como essa ques- tão é tratada em Barcelona? De forma alguma um imóvel ocu- pa um espaço público. Mais uma vez, depende de quem parte pa- ra urbanizar primeiro. Se o dono do imóvel quiser construir e o terreno dele estiver no meio de uma futura via, ele só poderá construir nos espaços que sobra- rem após a rua ser delimitada. Mas, se o poder público chegar primeiro, o terreno dele é inde- nizado. Em relação à altura dos imó- veis, existe algum limite de gabarito? Nós não somos tão verticaliza- dos quanto o Recife. A relação da altura está diretamente liga- da à largura da rua. O tamanho da largura da rua será o da altu- ra máxima do imóvel. Aqui essa relação está asso- ciada ao tamanho do terre- no e ainda há uma possibili- dade de se pagar uma outor- ga onerosa para extrapolar esse limite. Como o senhor vê isso? Mesmo que o terreno seja gran- de, se a rua for estreita perde-se em harmonia. E também com prédios muito altos, a demanda de veículos da via é maior, en- tão o risco de um impacto é ain- da maior. TÂNIA PASSOS [email protected] O arquiteto e urbanista Miguel Corominas Ayala é professor da Escola Técnica Superior de Barcelona, na Universidade da Catalunha. Ele esteve no Recife para participar, no último dia 5, da abertura da exposição Cerdà e a Barcelona do futuro - realidade versus projeto. Um dos nomes mais respeitados na área de urbanismo, o arquiteto defende um melhor uso dos espaços públicos e chama atenção sobre a responsabilidade dos gestores e proprietários dos imóveis na urbanização dos espaços de convivência, a exemplo das calçadas e praças. Em entrevista ao Diario, ele também fala sobre a necessidade de apostar no transporte público para que o carro só responda por, no máximo, 15% dos deslocamentos. Na Região Metropolitana do Recife, os veículos já respondem por mais de 40% das viagens diárias. O urbanista elogiou a iniciativa da implantação do BRT (Bus Rapid Transit), no Recife, fazendo referência ao que foi o Transmilênio de Bogotá, mas lembra que é preciso pensar no metrô como alternativa a longo prazo. Miguel Corominas Ayala “O Recife precisa apostar no metrô” FOTOS: BLENDA SOUTO MAIOR/ESP. DP/D.A PRESS /////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// A3 DIARIOdeP P P E E E R R R N N NA A A M M M B B B U U U C C C O O O - Recife, segunda-feira, 18 de novembro de 2013 entrevista especial >> BLENDA SOUTO MAIOR/DP/D.A PRESS DIALOGO COMUNICACAO/DIVULGACAO Edição: Paula Losada saibamais + A exposição Cerdà e a Barcelona do futuro – realidade versus projeto está em cartaz até janeiro no Museu da Cidade do Recife A mostra reúne uma das mais ricas contribuições para o urbanismo mundial fruto da obra de Ildefons Cerdà. O engenheiro, urbanista e político catalão foi o criador do Plano de Extensão e Reforma da Cidade de Barcelona (Espanha), em 1859. A exposição ocupa uma área de 300 metros quadrados com 80 painéis, vídeos, livros, peças e fotos alusivas ao Plano de Cerdà, além de oferecer ao visitante uma intensa agenda de eventos acadêmicos paralelos. Ela contempla sete temas que ajudam a aprofundar o conhecimento do projeto, que permitem evidenciar novos elementos significativos e vigentes com vista a construir a Barcelona metropolitana. Os temas definidos são: a teoria, o mosaico, o traçado, a casa, novos ensanches, Barcelona, o futuro. A exposição é patrocinada pela Prefeitura do Recife e pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, com realização do Centro Josué de Castro.A curadoria é da arquiteta Amélia Reynaldo, conselheira do CAU/PE, pesquisadora do Centro Josué de Castro e professora da Unicap ap Obra de Ildefons Cerdà é uma das maiores contribuições ao urbanismo mundial

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O urbanista catalão Miguel Corominas em entrevista ao jornal Diário de Pernambuco.

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Page 1: Entrevista de Corominas - Diário de Pernambuco 18.11.13

Os exemplosde Barcelona

Que experiência Barcelonapode trazer para o Recife?No que se refere à ocupação dosespaços públicos, Barcelona tevetrês grandes momentos na legis-lação de planos urbanísticos. Oprimeiro deles, que até hoje éreferência, é o de Ildefons Cerdà,que trouxe em 1859, uma pro-posta revolucionária na formade ocupação dos espaços públi-cos incentivando a interação daspessoas em espaços largos e aber-tos. Depois, tivemos mais doisplanos com um conceito maismoderno, mas que também res-peitam os espaços de convivên-cia elaborados em 1953 e 1976.O plano de Cerdà foi desenhadopara cinco municípios e estesdois últimos para 27 municípiosmetropolitanos que seguem omesmo padrão de ocupação.

Qual a concepção urbanís-tica das vias emBarcelona?Nós temos em Barcelona três mo-delos de vias. Há algumas muitasantigas, que são históricas e quetêm em média de seis a oito me-tros de largura. Mas, após os pla-nos urbanísticos, temos vias com20 e 50 metros de largura. A di-visão do espaço para os carros epedestres é equivalente. Se a viativer 10 metros para os carros,terá também 10 metros para cal-çadas, sendo cinco metros porsentido. Outra preocupação émanter as vias arborizadas.

Essadivisão espacial da ruaé uma forma de dar priori-dade ao transporte nãomo-torizado?

Sim. O ideal é que no máximo15% dos deslocamentos de umacidade sejam feitos pelo carro. Éimportante ter um transportepúblico de qualidade e apostartambém em espaços de cami-nhada para o pedestre. No casodo Recife, que já é uma cidadede grande porte, acredito que ometrô precisa ser visto comomeio de transporte para aten-der as áreas mais adensadas.Apenas o ônibus não é suficien-te. Tem que ser um transporte rá-pido e de grande capacidade co-mo o metrô e com uma conver-gência central.

Aqui noRecife eRegiãoMe-tropolitana está havendoumaaposta noBRT (BusRa-pid Transit), mesmo mode-lo que é adotado em Bogo-tá, onde há o Transmilênio.Essapropostade apostar noônibus não é a ideal?Penso que até que o metrô sejaampliado, uma vez que o custo eo tempo de implantação sãomaiores, o modelo do Transmilê-nio já é um avanço. Mas no má-ximo pelos próximos 10 ou 15anos. Por isso, o planejamentoda expansão do metrô precisa co-meçar a ser feito o quanto antes.Não se pode esperar que o mode-lo do Transmilênio se esgote. Naverdade, acredito que o ônibus,nesse caso, terá mesmo que per-manecer integrado ao metrô co-mo linhas alimentadoras.

Entre os obstáculos parami-grar do carro para o trans-porte público, alémdaques-

tão da regularidade, estãoas distâncias. O usuário,muitas vezes, precisa per-correr longos trechos a pé,para conseguir chegar aoscorredores principais. Oquepode ser feito para melho-rar essa integração?Os bairros precisam ser alimen-tados com linhas que possam fa-zer esse percurso e, dependen-do da demanda, podem ser usa-dos micro-ônibus, ônibus ou oVLT (Veículo Leve sobre Trilho).Também é importante que ascondições das calçadas estejamacessíveis e seguras para o pe-

destre caminhar com conforto.

Por falar em calçada. Comoéqueessa questão é tratadaemBarcelona. Quemse res-ponsabilizapelaáreadopas-seio?Há alguns aspectos a conside-rar. Caso seja uma rua de terra,que não tenha pavimento nemcalçada, o proprietário do imó-vel, ao aprovar a construção desua casa ou edifício, se respon-sabiliza pela calçada, que é cons-truída dentro de um padrão de-finido na legislação, e tambémpor pagar uma parte do pavi-

mento que a rua terá. Depoisdisso, a manutenção passa a serpública. No caso de você com-prar um imóvel em uma ruaque já está pavimentada e temcalçada, a manutenção conti-nua a ser do poder público. Odono do imóvel só paga na pri-meira vez. Na verdade, nós te-mos hoje dois problemas em re-lação à urbanização. O primei-ro é conseguir o solo. O segun-do é conseguir o dinheiro paraurbanizar. Não se pode apenascomprar um terreno e construirisoladamente sem uma conjun-tura urbana.

Aqui noRecife nós temos si-tuaçãode imóveis que inva-dem parte da rua, mas co-mo não havia urbanizaçãoessa percepção muitas ve-zes é tardia e se torna umproblema. Como essa ques-tão é tratada emBarcelona?De forma alguma um imóvel ocu-pa um espaço público. Mais umavez, depende de quem parte pa-ra urbanizar primeiro. Se o donodo imóvel quiser construir e oterreno dele estiver no meio deuma futura via, ele só poderáconstruir nos espaços que sobra-rem após a rua ser delimitada.Mas, se o poder público chegarprimeiro, o terreno dele é inde-nizado.

Emrelaçãoàalturados imó-veis, existe algum limite degabarito?Nós não somos tão verticaliza-dos quanto o Recife. A relaçãoda altura está diretamente liga-da à largura da rua. O tamanhoda largura da rua será o da altu-ra máxima do imóvel.

Aqui essa relação está asso-ciada ao tamanho do terre-no e aindaháumapossibili-dadede sepagarumaoutor-ga onerosa para extrapolaresse limite. Como o senhorvê isso?Mesmo que o terreno seja gran-de, se a rua for estreita perde-seem harmonia. E também comprédios muito altos, a demandade veículos da via é maior, en-tão o risco de um impacto é ain-da maior.

TÂNIA [email protected]

O arquiteto e urbanista Miguel Corominas Ayala éprofessor da Escola Técnica Superior de Barcelona,na Universidade da Catalunha. Ele esteve no Recifepara participar, no último dia 5, da abertura daexposição Cerdà e a Barcelona do futuro -realidade versus projeto. Um dos nomes maisrespeitados na área de urbanismo, o arquitetodefende um melhor uso dos espaços públicos e chamaatenção sobre a responsabilidade dos gestores eproprietários dos imóveis na urbanização dosespaços de convivência, a exemplo das calçadas epraças. Em entrevista ao Diario, ele também falasobre a necessidade de apostar no transporte públicopara que o carro só responda por, no máximo, 15%dos deslocamentos. Na Região Metropolitana doRecife, os veículos já respondem por mais de 40% dasviagens diárias. O urbanista elogiou a iniciativa daimplantação do BRT (Bus Rapid Transit), no Recife,fazendo referência ao que foi o Transmilênio deBogotá, mas lembra que é preciso pensar no metrôcomo alternativa a longo prazo.

Miguel Corominas Ayala

“ORecife precisa apostar nometrô”

FOTOS: BLENDA SOUTO MAIOR/ESP. DP/D.A PRESS

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DIARIOdePPPPEEEERRRRNNNNAAAAMMMMBBBBUUUUCCCCOOOO - Recife, segunda-feira, 18 de novembro de 2013

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BLENDASOUTO

MAIO

R/D

P/D.A

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COMUNICACAO/D

IVULG

ACAO

Edição: Paula Losada

saibamais+A exposiçãoCerdà e aBarcelona do futuro –realidade versus projeto estáem cartaz até janeiro noMuseu da Cidade do Recife

Amostra reúne uma dasmais ricas contribuições parao urbanismomundial fruto daobra de Ildefons Cerdà. Oengenheiro, urbanista epolítico catalão foi o criadordo Plano de Extensão eReforma da Cidade deBarcelona (Espanha), em1859.

A exposição ocupa uma áreade 300metros quadradoscom 80 painéis, vídeos, livros,peças e fotos alusivas aoPlano de Cerdà, além deoferecer ao visitante umaintensa agenda de eventosacadêmicos paralelos. Elacontempla sete temas queajudam a aprofundar oconhecimento do projeto, quepermitem evidenciar novoselementos significativos evigentes com vista a construira Barcelonametropolitana. Ostemas definidos são: a teoria,o mosaico, o traçado, a casa,novos ensanches, Barcelona,o futuro.

A exposição é patrocinadapela Prefeitura do Recife epelo Conselho deArquiteturae Urbanismo do Brasil, comrealização do Centro Josué deCastro.A curadoria é daarquiteta Amélia Reynaldo,conselheira do CAU/PE,pesquisadora do Centro Josuéde Castro e professora daUnicapap

Obra de Ildefons Cerdà é uma dasmaiores contribuições ao urbanismomundial