entrevista com o silêncio
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Mais uma crônica de W.V. Fochetto JuniorTRANSCRIPT
ENTREVISTA COM O SILÊNCIO
Wellington V. FOCHETTO JR.
É noite de 28 de março de 2013. Há 21 anos (ou segundos, como me
parece mais exato dizer, à minha forma, claro, sempre
contrariando aquela linha de pensamento reto, nada criativo e
datado de quem não aceita ver as coisas de outros ângulos. Povo
conservador, povo teimoso, povo condenado a mofar no tempo e a
repetir a história. Povo condenado a dormir no ponto – quando
tantos ônibus já passaram, tantos carros já passaram, tantas
pessoas nem passam mais, porque o ponto, ele mesmo um ponto
final, virou ponto de desencontro, sei lá, qualquer coisa assim,
que fora reticências, ponto de interrogação, de exterrogação, de
exclamação, de inclamação, do que quer que seja. Ponto de
encontro como ponto de desencontro – há vários desencontros com
os quais nos encontramos nessa vida, não?)
Eu poderia estar roubando, matando, me masturbando, gemendo
de vontade de voltar no tempo, mas... eu me aguento, sabe? Eu me
aguento. Pôxa, véio, uma passadinha de olhos no livro de Magy
Imoberdorf e outros autores me faz pensar num título inusitado
como “Entrevista com o silêncio”. Esse é o meu convidado. Um
convidado não convidado àquele povo fadado a sofrer sob a ação
de suas atitudes conservadoras (se bem que muita coisa antiga
deveria ser conservada, inclusive a casa dela, da “Falecida”.
Porque, ao se tentar conservar, na medida do possível,
imóveis (e móveis dentro desses imóveis, claro, por que não?),
ter-se-ia uma fonte de referências in loco e “vivas” para
futuros artistas (designers, arquitetos – eu seria um
anarquiteto, isto é, um cara que não segue regras de criação em
Arquitetura, mas apenas baseia-se nelas para considerar uma
conexão entre o impossível criativo e as possibilidades de
criação e transformação dos meios –, principalmente escritores
de mão cheia). Ademais, haveria jovens “ligados” (interessados)
em imóveis antigos, em sua história (quem morou lá, por quanto
tempo, por que saiu, como utilizara a casa, entendem?) nalguns
tantos imóveis (meu caso com o MCDLXIII da Avenida Nove de Julho
em Poá, SP, INfelizmente demolido, sabe-se lá por que...).
Talvez eu fale, logo mais, de como entrevistei o silêncio e
de como ele respondera as minhas perguntas mais insólitas. (Sou
um cara estranho, numa terra estranha. Um viajante no tempo,
antes e depois do tempo. O tempo, meus amigos, é matéria prima
para alguns textos meus. Tempo: assunto interessante até para
teses de doutorado.) Talvez o silêncio saia dizendo por aí que
eu e Clarice Lispector somos parecidíssimos na forma e no
conteúdo de alguns textos nossos. Intertextualidade pura a
nossa, de forma e conteúdo. (No meu caso, é mais de forma mesmo,
sabem?)
E há quem diga que se deve escrever para algum público em
especial. Um “público-alvo”. Mas quem desejo acertar, na
condição de “alvo”, para que possa me vangloriar, dizendo: “Tá
vendo? Tão vendo? Acertei no meu público-alvo. Tenho um público
alvo? Mesmo? Quem sabe? Será que há pessoas interessadas nos
meus textos – eles são tão complexos, subjetivos, incomuns – ?
Acho que meus textos – por ora só acho, não tenho como saber
mesmo... – deveriam agradar a leitores de “A Hora da Estrela”,
“A Descoberta do mundo”, “Para não esquecer” e “A Paixão Segundo
G.H.”, da Clarice. E há quem a chame de “Chatice” Lispector –
eu, por exemplo; mas num exercício de ironia e crítica de mão
dupla, afinal, nem mesmo eu, um leitor dessas obras dela, tenho
saco para suportar alguns textos seus. Deve ser pelos desenlaces
de família em que alguns autores permeiam suas obras, com uns
toques de tédio, de lugar comum, de chatice pura mesmo.
(Convenhamos, vai: quem conseguiria dar conta da qualidade,
lançando muitos livros e discos? Produzindo em grande
quantidade? Como manter a qualidade se se investe em quantidade?
Uma hora a coisa acaba debandando, não?)
E há que se dizer que “era pra ser diferente”, que “não foi
isso que eu quis dizer”, “olhe, veja bem...” etc. e tal. Mas –
mas eu também caí nessa de explicar para explicitar ou para
complicar? Para piorar o que já não tá certo?
E eu aqui, sabem? Eu aqui, assim, distante, quase na hora
em que as ideias começam a faltar... Sono que bate? Não, não
ainda.
Eu com uma senhora bibliografia de apoio ao meu TCC da pós-
graduação em LP, que, se possível, intitularei de
“(P)REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS”, porque foram baseadas mediante
critérios de rigorosa escolha (pessoal, sim, mas qual o
problema?).
E o meu pensamento – não-linear – me acompanha quando
escrevo sobre mim (principalmente). Lehrer (2012), dirá que
manter-se distraído poderá auxiliar no processo de criatividade.
No aguardo: esse pensamento do jovem norte-americano, de
sobrenome alemão (“Professor”, nesse idioma), será que funciona
mesmo, na prática? Será que se presta a uma boa observação?
Sinceramente... Está estranho isso, não? A pessoa
simplesmente se desliga de tudo (Einstein dissera que pensava 99
vezes e nada acontecia; mergulhava no silêncio e a verdade lhe
era revelada), torna sua mente em branco – pelo menos é essa a
minha ideia de desligamento – e voilà: tá tudo na mão; “olhem”,
dirá a pessoa, “eu consegui o que precisava; vejam o que
produzi.”
Na verdade, o que Lehrer propõe é distrair-se, manter-se
disperso. Pelo que entendi, o “piloto automático” (o termo não é
empregado pelo autor, mas por mim mesmo), isto é, a intuição, se
encarrega de trazer o que precisa para desenvolvermos um bom
trabalho criativo. Não custa tentar, custa?
(Nossa! Era pra eu ter falado dos 21 anos que faz desde a
minha primeira e última entrada na casa da Falecida. Pena:
empolguei-me e deixei de fazê-lo. Talvez eu o faça daqui a
quatro anos, quando já tiver completado o primeiro quarto de
século, quando já não for mais possível nem sequer existir as
outras duas casas ao lado do lixo que construíram no lugar do
sobrado em que morou minha primeira grande paixão, descendente
de poloneses. Parafraseando o Sinuhe de Waltari (1940), em
relação à sua Mineia, “dir-se-ia que eu a conheci em outra
vida.” Com efeito, assim a conheci, nessas condições; em outra
vida: há vinte e um anos, há vinte e um segundos, há sabe-se-lá-
Deus-quando, mas que marcara-me para sempre (ao menos nessas
duas décadas e um décimo). Há 21 anos, quando Wellington
Vinícius Fochetto Junior era apenas um estudante da sétima série
C, numa das mais antigas escolas de Poá. E que via nas aulas de
Português e História a graça de estudar mais. Nas de História
principalmente, com aprovação direta do Professor Raimundo
Nonato. (Até hoje considero, terminada minha pós-graduação,
cursar Arqueologia lá no Piauí, numa universidade pública mesmo.
O sonho de tornar-me arqueólogo acompanha-me há mais de duas
décadas. A propósito, há uns meses antes de eu conhecer a
“Falecida”, nos primeiros meses daquele ano inicial da década
que marcaria o fim do século XX.
Tenho que estar aqui para contar sobre esses vinte e um
segundos. Você, após ter lido isso, certamente dirá: “Nossa!
Parece mais são vinte e um séculos, a julgar pela condução
invulgar do texto pelo autor, W. Vinícius, bem como pelo juízo
das lembranças que ele faz.”
“Escrito uma vez no futuro”, dissera um artista norueguês,
no encarte de um de seus mais expressivos discos. Sim: “escrito
uma vez no futuro. Um futuro improvável, talvez. Improvável
“porque sim”, oras. Porque o mundo é outro; porque as pessoas
são outras; porque Heráclito já registrara esse visão quatro
séculos antes de Cristo. Porque as primeiras coisas são passadas
– a limpo ou não, mas são passadas. Porque há uma necessidade de
se viver o agora. Porque eu me tornei quem eu sou agora.
Porque, um dia, até os porquês caem. Porque o vento, a
água, os tempos, as flores, as manhãs, as canções, as horas são
outros. Porque agora eu lido mais ou menos com as palavras de
uma outra forma, mais do que costumara fazer, há vinte e um
anos. Porque não se pode dizer “Escrito uma vez no passado”,
nesse passado palimpsesto, raspado, consumido por si mesmo.
Porque porque porque porque e não mais “por quê?” Quem
disse isso? Eu? E por quê?
Escrevo, ora pois, porque preciso, agora, quem sabe, de um
público leitor fiel. Para dizer-me que encontrou-se em alguns
textos meus. Porque curtiu a forma como eu isso e aquilo nalguns
pontos, coisa e tal.
Um dia, se possível, 21 anos serão 42 anos. Estarei eu lá?
Ela completará 39 anos em agosto. Tem um ou mais filhos. Eu,
mais de dez livros para publicar. Um caminho cheio de livros
pela frente. E um monte de símbolos para registrar no papel.
Para legar aos que sucederem-me nessa tarefa de escrever sobre
momentos de nossas vidas. 21 anos: três vezes sete anos. Quase
um quarto de século. Aonde estarei indo? Para o quintal da “Casa
Velha”, onde eu morei, com minha família, na Entrada de Poá?
Para a casa da Falecida?
Meu professor – o tal Nonato, supracitado – presenteara-me
com um exemplar de “O Egípcio”, de Mika Waltari, em meados de
1994. Na última página ele – o protagonista, Sinuhe – diz-nos
coisas como “Abençoo o meu papel e a minha pena, pois graças a
eles consegui ser membro outra vez em casa de meu pai Senmut,
consegui andar de novo pelas estradas de Babilônia com Mineia; e
tornei a sentir os braços de Mérito em redor do meu pescoço.
Chorei com os que se lamentavam, e distribui meu triso por entre
os pobres. E agora não quero me lembrar das minhas ações mais
nem sentir a amargura decorrente da saudade do que perdi.”
Entrevisto o silêncio agora. Ele, pasmado com o que houve,
permanece quieto. Em retribuição tudo o que eu lhe disse,
explica-me, do seu jeito, que tudo é como tem que ser porque
faltaram opções à vida e suas transformações. Mas eu continuo
achando que tudo é como é porque não há outro de ser se não é
possível mudar o que já foi feito. Se pudesse, quem sabe não
haveria mais confusão a este mundo tão sem leme?
Algumas questões trazem em si as marcas de seu tempo. São
questões subjetivas, eu sei. No meu caso, as minhas questões
trazem consigo as marcas de outros tempos – perguntas que só o
silêncio me permite ouvir com suas respostas que atravessam o
Tempo.
Fim da primeira parte. Quem vem agora?